As mulheres devem chorar... Ou se unir contra a guerra – Patriarcado e militarismo

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“Os alemães estiveram sobre esta casa na última noite e na noite anterior. Aqui estão eles de novo. É uma experiência estranha, ficar deitada no escuro e escutar o zumbido de uma vespa que pode nos ferrar de morte a qualquer instante. [...] Agora o zumbido dos aeroplanos é como o ruído de um galho sendo serrado por sobre a nossa cabeça. Ele dá voltas e voltas, serrando e serrando um galho bem em cima da casa. Outro som, como o de serra, começa a abrir caminho no cérebro. ‘As mulheres de talento’ – era Lady Astor falando no The Times esta manhã – ‘são mantidas sob sujeição por causa de um hitlerismo subconsciente no coração dos homens.’ Certamente somos mantidas sob sujeição. Somos igualmente prisioneiros esta noite – os homens ingleses em seus aeroplanos, as mulheres inglesas em suas camas. Mas, se parar para pensar, ele pode ser morto; e nós também. Pensemos, então, por ele. Tentemos fazer subir à consciência o hitlerismo subconsciente que nos subjuga. É o desejo de agressão; o desejo de dominar e escravizar. Mesmo na escuridão podemos ver isso se tornar visível. Podemos ver vitrines resplandecentes; e mulheres olhando, admiradas; mulheres maquiadas; mulheres bem vestidas; mulheres de lábios carmesins e unhas carmesins. São escravas que tentam escravizar. Se pudermos nos libertar da escravidão, libertaremos os homens da tirania. Os hitlers são gerados por escravos.”

SE UNIR CONTRA A GUERRA PATRIARCADO E MILITARISMO

ORGANIZAÇÃO, TRADUÇÃO E NOTAS

Tomaz Tadeu

ISBN 978-85-513-0489-1

POSFÁCIO

Guacira Lopes Louro

9 788551 304891

VIRGINIA WOOLF AS MULHERES DEVEM CHORAR... OU SE UNIR CONTRA A GUERRA

organizada pela amiga Margaret Davies; e o comovente ensaio “Pensamentos sobre paz durante um ataque aéreo”, publicado em outubro de 1940, em plena Segunda Guerra e cinco meses antes da morte da autora. O livro traz ainda a reprodução de três cartas de Virginia, ligadas, de uma maneira ou de outra, à temática de TG.

éFe

VIRGINIA WOOLF

AS MULHERES DEVEM CHORAR... OU

Três guinéus (TG), o livro em que Virginia Woolf desenvolve o argumento de que existe uma estreita conexão entre patriarcado e militarismo, foi publicado na Inglaterra, pela Hogarth Press, em 2 de junho, e nos Estados Unidos, pela editora Harcourt, em 25 de agosto de 1938. No mesmo ano, a revista norte-americana The Atlantic Monthly publicou, em duas partes, nas edições de maio e junho, uma versão bastante abreviada do livro. “As mulheres devem chorar” foi o título dado à primeira parte, enquanto o título da segunda o repetia, com um acréscimo: “As mulheres devem chorar... Ou se unir contra a guerra”. A presente coletânea tem como núcleo esse ensaio, cujo título alude a um verso do conhecido poema de Charles Kingsley (1819-1875), “Os três pescadores”. O poema conta a história de três pescadores que saíram de barco para pescar e nunca mais voltaram: às mulheres que esperavam pela volta de seus maridos não lhes restava senão chorar. TG se divide em três capítulos, estruturados em torno de uma carta fictícia escrita por uma missivista também fictícia a um fictício advogado inglês, em resposta a uma suposta carta do referido cavalheiro, pedindo a opinião dela sobre qual seria a melhor maneira de evitar a guerra. Obviamente, a versão resumida publicada na revista também gira em torno dessa carta, mas ela foi estruturada por Virginia de forma bastante diferente para se adequar às exigências da publicação, embora a sequência da argumentação seja basicamente a mesma. O livro se completa com uma série de textos de Virginia que têm alguma relação com TG e, consequentemente, com o texto central da presente coletânea: um conto que antecipa o uso do termo “Outsiders”, bastante presente em TG; um ensaio, “Profissões para mulheres”, escrito em 1931, focado no tema da dificuldade de acesso das mulheres às profissões liberais; um texto de introdução a uma coletânea de relatos de mulheres operárias


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