
7 minute read
OPINIÃO - Gladimir Chiele Marco do Saneamento e a melhor forma de concessão – projeto do estado
GLADIMIR CHIELE Sócio Fundador da CDP Consultoria em Direito Público
Apresente abordagem trata do novo marco regulatório do saneamento no país, juntamente com o projeto do Governo do Estado no tocante à privatização da Corsan e os desdobramentos propostos em relação ao interesse dos entes municipais.
Advertisement
Passados 14 anos da Lei 11.445/2007, as metas de universalização do esgotamento sanitário não foram cumpridas. Somente a distribuição de água conseguiu percentual superior a 96%. Com a nova Lei 14.026/20, mudou o viés de estatizante, para a concessão ao mercado de prestadores privados.
O fato a ser observado pelos gestores municipais diz respeito à titularidade da prestação dos serviços de saneamento, o que inclui drenagem urbana e resíduos sólidos, que é exclusiva do Município e não do Estado. Assim, a ‘propriedade’ dos serviços, especialmente no lucrativo mercado de distribuição de água, sempre foi de cada ente municipal, que delegou à Corsan tal atividade, mediante Contratos de Programa.
A situação envolvendo o destino da Corsan e a pretensão do Governo do Estado em privatizar a empresa deve ser prévia e amplamente debatida com o conjunto dos entes municipais. Muito embora a estatal venha atuando em mais de 300 comunidades do Estado ao longo de décadas, é imperioso destacar que a exploração é atribuição do poder concedente local.
Cabe a cada gestor definir com sua comunidade o modelo mais adequado, através da concessão de serviços, seja para a Corsan, seja para empresas privadas ou mesmo assumir de forma direta ou associada regionalmente, com parceiros municipais. Assim, qualquer exame, debate, decisão sobre o destino dos contratos de programa atualmente em vigor, ou ainda, eventual manutenção da relação mediante termo aditivo, deverá ser objeto de profunda análise e avaliação individual e ainda de forma coletiva.
A matéria requer exame mais aprofundado, com a discussão acerca da modelagem do projeto a ser executado, dos investimentos a serem realizados, das outorgas a serem concedidas, cujo direito é inalienável de cada ente municipal, das alterações societárias, da assunção dos serviços, enfim, das condições a serem postas para um serviço que obrigatoriamente aponta o longo prazo como medida necessária.
A nova lei traz previsões semelhantes à anterior, tais como a obrigatoriedade de os contratos preverem metas de desempenho e de universalização do atendimento, mas adota como princípio a regionalização dos serviços de saneamento, promove mudanças na sua regulação, estimula a concorrência e a privatização das empresas estatais de saneamento, entre outras.
MARCO DO SANEAMENTO E A MELHOR FORMA DE CONCESSÃO – PROJETO DO ESTADO
Desta feita, sem observar o interesse local, não pode o ente municipal firmar qualquer medida de natureza contratual, seja com a Corsan ou mesmo outro procedimento, até que tudo seja devidamente esclarecido para os detentores da concessão. As inovações promovidas pela Lei 14.026/20 podem ser observadas no art. 4º-A, § 3º, incisos II a V, que iniciam os estímulos à regionalização dos serviços, com a formação de blocos, onde sejam considerados os interesses comuns aos integrantes do bloco.
O art. 2º da Lei 11.445/07, alterada pela Lei 14.026/20 expressamente trata da universalização dos serviços de saneamento, em suas quatro ramificações, com ênfase nos incisos III e XIV, que se referem ao abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos, através da prestação regionalizada, buscando a viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços.
O incentivo à regionalização é claro na lei. O art. 3º, incisos II e VI novamente traz conceitos de gestão associada, a ser executada por blocos de Municípios, pois preveem gestão associada e prestação regionalizada. A norma destaca o compartilhamento das ações, por intermédio da união dos entes federados detentores da titularidade do serviço. E esta responsabilidade está expressa no art. 8º, inciso I, da lei.
Portanto o modelo a ser adotado pode
contemplar os interesses na configuração associativa da gestão, nos termos do § 1º, através de consórcios intermunicipais, exclusivamente for-mados por Municípios, conforme inciso I do dispositivo. A linha legal de raciocínio da gestão associada, art. 9º, inciso II, autoriza a formação de um bloco regionalizado, ou mesmo autarquia ou consórcio formado pelos Municípios integrantes do bloco, a prestarem serviços de forma direta ou realizarem a concessão para a iniciativa privada.
Neste sentido, todos os contratos firmados a partir da edição da nova lei, deverão prever expressamente "metas de universalização que garantam o atendimento de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033, assim como metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento".
A série de contratos atualmente em vigor, mesmo com prazos de validade ainda significativos, devem ser ajustados ou aditados para prever as metas de universalização dos serviços até 2033. E neste ponto é que surgem os problemas com a Corsan e com a intenção descabida do Estado, quando propõem o termo com os Municípios.
A pretensão do Estado em relação à Corsan, ao contrário do que se diz ser complexa, na verdade é bem singela. Com base no argumento de que é preciso cumprir os prazos previstos na Lei 14.026/20, o Estado e a Corsan propõem um aditivo ao contrato de programa em vigor, cuja alteração é vital ao interesse do Governo e, ao mesmo tempo, é fatal e nefasto ao interesse dos verdadeiros ‘donos’ do negócio saneamento água e esgoto.
A pretensão do aditivo é zerar os prazos de concessão e ampliar a relação com a Corsan, nos moldes atuais, até 2060, ou seja, por mais quatro décadas e várias gerações, recebendo valores ínfimos em contrapartida.
Com os 317 contratos de programa assinados e com os prazos renovados por 40 anos, o Governo do Estado colocará no mercado, mediante licitação pública, os ativos pertencentes aos Municípios e ‘venderá’ a propriedade do ente municipal, ficando com 94% do resultado financeiro da operação. A transferência aos verdadeiros donos dos serviços será de irrisórios 6%, enquanto o Estado ficará com praticamente todo resultado para seus cofres.
Numa linguagem informal e direta, a empresa que pertence ao Estado é o somatório de todos os 317 contratos de programa firmados com os entes municipais, responsáveis pela totalidade do faturamento anual que supera R$ 3,3 bilhões. Sem tais contratos, a empresa não teria o faturamento nem serviços a serem prestados.
Portanto, cabe a cada um dos titulares dos serviços definir como deverá proceder na concessão de tais serviços no âmbito de seu território. Muito embora o comando da empresa seja do Governo do Estado, os ativos vinculados aos contratos e à titularidade dos serviços pertencem aos Municípios e não ao Estado ou à Corsan. Desta forma, a condução do processo deve ser feita pelos entes municipais e seus gestores. Atualmente, a situação está invertida.
Há duas possibilidades a serem trabalhadas. A primeira delas diz com a imposição imediata de negociação entre Estado e Municípios, com inversão completa da lógica que vem sendo desenvolvida. Não compete à lei estadual deliberar sobre o processo de concessão de tais serviços, tendo o Município como titular dos mesmos.
Esta negociação deve levar em conta o interesse dos entes municipais, na constituição de blocos regionais e no estabelecimento de parcerias para buscar recursos financeiros no mercado por meio da iniciativa privada, bem como atuar em conjunto para auferir valores mais expressivos na licitação, com os blocos abrangendo todos os 497 municípios gaúchos. Contudo, esta negociação deve contemplar pelo menos 50% dos valores que serão obtidos no mercado, seja resultado da avaliação inicial, seja do ágio eventualmente obtido no certame público.
A segunda possibilidade, mais viável do ponto de vista operacional e de investimentos, é a constituição de blocos regionais, envolvendo a criação de consórcios ou de empresa regional de saneamento, para a execução direta dos serviços, pela autarquia criada, ou para licitação dos serviços titulados pelos membros do bloco, visando à concessão por determinado período.
A criação de blocos regionais agrega valor e viabilidade econômico-financeira, bem como se torna ainda mais atrativo ao mercado, pois os serviços são altamente lucrativos, inobstante os investimentos serem de elevada monta no curto prazo. Para tanto, é imperioso realizar estudos técnicos e análise dos elementos econômicos e financeiros para verificar a viabilidade, bem como a compatibilidade entre investimentos, prazo de concessão, valor da outorga e tarifa. Deverá ser estabelecida uma harmonia entre esses elementos para a busca do equilíbrio, sem abrir mão dos investimentos.
As decisões de agora impactarão as próximas gerações, por isso, a grande responsabilidade recai sobre os atuais administradores.
Os Municípios precisam de elementos concretos, dados técnicos, estudos econômico-financeiros para deliberar sobre o assunto. Assim, buscar as informações absolutamente imprescindíveis para a tomada de decisão é medida que se impõe a todos os entes municipais. Porém, a forma como vem sendo conduzida a discussão deve mudar radicalmente.