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O Mês do Coração

O mês de Junho é tradicionalmente o mês dos santos populares, que entre nós são especialmente Santo António, São João e São Pedro. Mas não devemos esquecer que, mais profundamente, a Igreja celebra em Junho três grandes solenidades: a Santíssima Trindade, o Corpo de Deus e o Coração de Jesus. Destas é sobretudo a festa do Corpo de Deus que mais manifestações públicas tem, sobretudo a grande procissão que se realiza em todas as cidades do mundo católico e em Portugal, nomeadamente. Em tempos não muito distantes estavam representadas nesta procissão do Corpo de Deus as grandes instituições do Estado e da Sociedade, o que agora não acontece, o que, de muitos pontos de vista, representa um empobrecimento, como se a sociedade e o Estado estivessem encerrados em si mesmos, sem abertura para o Futuro absoluto da divina Transcendência. Mesmo assim, são as festas cristãs, e as religiosas em geral, que mantêm janelas abertas que permitem que as nossas sociedades não se asfixiem, por falta de ar, do oxigénio espiritual que alimenta as nossas vidas.

Na solenidade do Coração de Jesus, em que antigamente, ainda na minha adolescência, se realizava uma majestosa procissão que percorria as principais artérias das nossas cidades, a Igreja cumpria o pedido feito a Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), de fazer uma grande festa na sexta-feira da semana seguinte ao Corpo de Deus, como forma de corresponder ao desabafo do Coração de Jesus, que assim Se lamentava do desprezo e da ingratidão das almas ao amor do Seu divino coração: “Eis o coração que tanto amou aos homens e que da maior parte deles e sobretudo das almas consagradas, só recebe desprezo e indiferença”. Tem origem nesta experiência mística de Santa Margarida Maria a devoção das primeiras sextas-feiras, em nove meses seguidos, que consiste em três exercícios espirituais, a confissão sacramental, a comunhão eucarística e a adoração, com esta promessa, entre outras, mas que considero a mais importante: “a quem fizer estas primeiras sextas-feiras, durante nove meses seguidos, Eu prometo estar com ele na hora da morte”. O que aqui está presente é duma enorme transcendência, que pode traduzir-se deste modo: quem me fizer companhia uma vez por mês, na primeira sexta-feira, apenas com a intenção de estar comigo, reparando por aqueles que nunca me visitam nem se interessam por Mim (uma referência ao ateísmo e secularização modernos), Eu estarei com ele na hora da sua morte. Não devemos pensar na hora da morte como um momento distante e o mais distante possível; mas porque a hora da morte pode ser qualquer uma, pois não sabemos nem o dia nem a hora, então a promessa de Ele estar com o devoto na “hora da morte” concretiza-se em todas as horas, que podem ser, como são muitas vezes, horas de indizível solidão, que só Deus pode preencher, para quem deixar que Ele entre no

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Por isso, o mês de Junho é especialmente dedicado ao Coração de Jesus, a expressão que traduz, de uma forma sensível, afectiva, o mistério da Incarnação e da Redenção, concentrado no sinal do lado, aberto pela lança do soldado, segundo a narrativa do Evangelho de S. João. A devoção ao Coração de Jesus, nas primeiras sextas-feiras de cada mês, é um exercício espiritual no qual o devoto fixa o seu olhar cordial no mistério do Lado aberto de Jesus na Cruz, correspondendo ao dito da Escritura: “Hão-de olhar para aquele que transpassaram” (Jo 19, 37).

O Coração de Jesus, mesmo na sua representação icónica, é a porta aberta que nos permite o acesso ao Coração de Deus e ao mesmo tempo a porta de acesso ao coração do homem, essa instância onde o homem é o que é.

Pe. José Jacinto Ferreira de Farias, scj Assistente Espiritual da Fundação AIS