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O contrato societário é um contrato para alcançar o fim social

15. Das características do contrato plurilateral societário

Todas as partes de um contrato plurilateral são titulares de direitos e obrigações entre elas e de cada parte para com as demais. Cada parte, então, tem obrigações não para com apenas “uma” outra, porém, para com “todas” as outras; e adquire direitos não para com “uma”, mas para com “todas” as outras. Nos contratos sinalagmáticos, cada parte contrai obrigações somente para com a parte contrária, sendo as partes somente duas.1 Com efeito, infinitas são as relações jurídicas entre os membros do conselho fiscal e o demais sócios; entre os sócios e os membros do conselho fiscal; entre o conselho fiscal e a sociedade; entre os diretores e a sociedade; entre os sócios e os diretores; entre os membros do conselho de administração e a sociedade; entre ela e os membros do conselho de administração; entre os sócios e eles mesmos nas deliberações e nas reuniões; entre a sociedade e terceiros; entre a sociedade e o grupo de sociedades etc., etc. Os diretores, os órgãos sociais, sócios, etc. compõem, obrigatoriamente, o contrato social e integram a organização interna da sociedade, e eles têm essa prerrogativa decorrente da plurilateralidade do instrumento que lhes origina e disciplina.

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16. O contrato plurilateral é um contato de finalidade comum

A finalidade comum representa o elemento unificador das várias decisões e concorre para determinar o alcance dos direitos e dos deveres das partes; e se refere, justamente, àquela atividade ulterior, a qual o contrato plurilateral tem destinação. Por conseguinte, é preciso examinar a possibilidade e licitude do escopo comum, independentemente de investigar sobre a licitude ou ilicitude da participação de cada parte no contrato.2 Na consecução dessa finalidade pode se manifestar contrariedade entre os sócios. O lugar jurídico de manifestação dessa contrariedade é na reunião ou na assembléia, mas espera-se que todos busquem o fim social, que manifestem seu voto no interesse da sociedade. Aquele que vota contra o interesse da sociedade deve ser responsabilizado civilmente e, se o objeto da deliberação constituir crime, penalmente.3 O acionista (sócio) deve exercer o direito de voto no interesse da companhia (sociedade); considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter para si ou para outrem vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas (art. 115, Lei 6.404/76). Aquele que opera contra o interesse da sociedade opera contra a empresa comum, lesa a finalidade, conduta aquela passível de sanção e reparação.

17. O contrato societário é um contrato para alcançar o fim social

O contrato instrumental da sociedade, ou seja, a relação jurídica interna entre os sócios, é de alcançar um escopo comum, um fim social, fundado no objeto social. A sociedade existe enquanto perdurar a possibilidade de preencher o intuito e fim social. Se impossível alcançar o fim social, a sociedade deve entrar em dissolução, ou seja, a ausência de fim social provoca o colapso do contrato societário. Talvez esse seja o maior de todos os dilemas que uma sociedade pode ter, vale dizer, a situação fulminante sobre a continuidade da existência da sociedade.

A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade, conforme art. 1.034 do Código Civil.

1 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas, cit., pp. 267/268.

2 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas, cit., pp. 271/272.

3 A melhor doutrina ensina que “a ação de indenização pode ser cumulada com a de nulidade da deliberação da assembléia geral. Imprescindível, mesmo, é essa cumulação de pedidos na mesma ação, não somente por economia processual, senão também para ficar patenteada a ilicitude da deliberação, mercê do voto do acionista interessado, impedido de votar, mas cujo voto determinou a formação da maioria necessária”. FERREIRA, Waldemar.Compêndio de sociedades mercantis, Livraria Ed. Freitas Bastos, RJ, 1942, 2ª ed., vol. III, pp. 144/145. Em tempos atuais, a ação de responsabilização é a do art. 115, §§ 3º e 4º, e art. 159 da Lei 6.404/76. A referida lei diz que o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido.

18. A finalidade do contrato plurilateral societário é o lucro

A sociedade existe para distribuir lucros aos seus sócios. Disso difere profundamente das associações, das cooperativas e das fundações. Os fundos da sociedade devem ser empregados diretamente em fazer multiplicar sua riqueza, possibilitando a distribuição de lucros e a constituição de reservas. Diz FERRI que o elemento teleológico assume, de fato, uma importância determinante para a diferenciação entre empresa e as outras organizações econômicas. Uma organização com escopo altruístico não é empresa nem em sentido econômico nem jurídico, “così come non sono imprese quelle organizazzioni economiche che, come ad esempio le organizazzione consortili, si pongono un obiettivo economico che non è quello della produzionde di un reddito”.1

O contrato de sociedade tem como finalidade a divisão dos lucros. Para que se possa dizer, portanto, que se está diante de uma sociedade não basta o exercício de uma atividade de empresa, mas necessita, também, ulteriormente, que esta atividade seja desenvolvida para a realização de lucros, os quais deverão, uma vez realizados, ser divididos entre os sócios. Com efeito, ocorre, em outras palavras, que a empresa coletiva seja exercida com o escopo de lucro. Por isso, é necessário, para se ter a sociedade empresária, um requisito que, ao contrário, é supérfluo para se ter empresa, e como diz GALGANO “il perseguimento di uno scopo di lucro o di profitto è requisito superfluo per la qualificazione di una attività economica come attività di impresa. Il che offre materia per una importante constatazione: la nozione di società non è legislativamente concepita in modo tale da ricomprendere ogni possibile forma di esercizio colletivo, anziché individuale, di una impresa; essa identifica, nei termini dell’art. 2.247, Códice Civile, solo uma possibile forma – e sia pure la forma piú imporrtante – di impresa colletiva: quella dell’impresa colletiva a scopo di lucro”.2

Associações, cooperativas e fundações visam o interesse dos seus membros, mas os fundos lá empregados não têm correlação absoluta com o fim lucrativo. Tantas são as fundações e cooperativas, mas que não distribuem lucros no final do seu exercício, por óbvio. Ao revés, o interesse do sócio tem uma conotação econômica, lucrativa, monetária.3 Na sociedade, justamente em razão do fato de visar a consecução de um lucro a distribuir entre os sócios, o direito destes tem um conteúdo típico e constante, qualquer que seja o objeto da sociedade. Diversas, entretanto, podem ser, mesmo qualitativamente, as entradas dos sócios; e esta diversidade respeita não apenas todas as formas societárias, como também os diversos sócios de uma específica sociedade. Na associação, ao reverso, idêntico é o conteúdo dos direitos quanto a todos aqueles que dela participam.4 O contrato societário tem planificação disforme entre seus sócios, ao contrário das associações e fundações. Os requisitos, a forma, o instrumento, a continuidade, a administração, os direitos, os deveres, a dissolução, a responsabilidade, os efeitos, a falência das sociedades, etc. são completamente distintos do contrato plurilateral societário para a constituição jurídica de uma associação, cooperativa ou fundação, e por isso, não são assemelháveis, e eles recebem regramento jurídico próprio.

19. O contrato de sociedade tem conotação funcional

O conferimento dos membros para a formação da sociedade, afirma BRUNETTI, deve ser substancialmente mensurável, fato esse que é diverso das associações, “mentre in questa è prevalentemente ideale e programmatica, nella società l’apporto dei mezzi materiali e morali è preordinato allo svolgimento di un’attività con finalità lucrative”, ao passo que a essência da relação jurídica societária consiste efetivamente na prestação, da parte dos sócios, e na administração como poder-dever. A palavra prestação (conferimento) tem que ter ampla interpretação, ou seja, toda contribuição ao intento dos contraentes é prestação em sentido societário.

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O escopo da repartição dos lucros não é objeto do consenso entre os contraentes, mas é, efetivamente, a reunião, nas sociedades de pessoas, sob a premissa da affectio societatis o seu objeto central, quando a colaboração interessada (lucro) é sim, com efeito, o objetivo da conformação do interesse dos sócios.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, Torino, UTET, 12ª ed., a cura di ANGELICI, Carlo e FERRI, Giovanni B., 2006, p. 42.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 38/39.

3 “Intento lucrativo è l’intento di produrre nuova ricchezza. E la redditività dell’impresa è elemento essenziale e imprescindibile anche in una concezione sociale dell’impresa”. FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, cit., p. 42.

4 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas, cit., pp. 279/281.

5 Trattato, cit., vol. I, p. 11.

A constituição de um fundo social é manifestamente essencial ao próprio conceito de sociedade. É da essência do contrato de sociedade a formação do fundo social, tanto que dificilmente se conseguiria formar um fundo social se na sociedade participassem única e exclusivamente sócios prestadores de serviços ou trabalho.

20. O contrato plurilateral é um contrato aberto

O contrato de sociedade é um contrato de execução continuada e diferida no tempo. Dentro de sua existência, entram novos sócios, retiram-se alguns outros sócios, o capital social pode ser aumentado ou diminuído, entram novos diretores, etc. Tudo isso denota claramente a natureza aberta desses contratos, manifesta sua execução continuada e diferida no tempo. Nos outros contratos tal fenômeno não ocorre, pelo contrário. Tal situação é exclusiva do contrato plurilateral societário, que admite na sua continuidade e abertura a participação de novos sócios, e inclusive a fusão, cisão do seu patrimônio, a negociação do seu fundo social, etc. Não é aconselhável entender que a saída de um sócio provoque a ruptura do contrato originário da sociedade, dando sequência, após a respectiva alteração, de um novo contrato societário. Nos contratos comuns, novas regras ensejam novação, por exemplo, ou simples alteração – consensual – de uma ou várias cláusulas previstas no contrato. Ao revés, no contrato plurilateral, sua abertura é, de certa forma, condição de existência, como nos casos de aumento de capital. Tudo isso é de tamanha verdade, que nem mesmo a falência de um dos sócios ocasionará, imediatamente, a dissolução da sociedade, salvo se expressamente previsto. Alteração, fenômeno típico do contrato aberto (societário), não é sinônimo de ruptura ou quebra contratual. Assim também no caso da dispensa de diretores, na renúncia de membros do conselho fiscal, etc.

21. Da organização como condição fundamental da sociedade

As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguem as responsabilidades sociais (art. 1.001, C.C.). Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, C.C.). O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes (art. 1.064, C.C.). Não só nestes, mais em outros regramentos também previstos pelo Código Civil e pela Lei das Sociedades por Ações, fica claro o caráter organizacional do contrato e do estatuto das sociedades.

Diz excelsa doutrina: “La qualità di imprenditore si acquista attraverso l’esercizio dell’impresa cioè attraverso l’esercizio prefessionale di una attività organizzata.”1 O contrato de sociedade faz nascer a sociedade empresária, ou seja, possibilita adquirir a qualidade jurídica – como prerrogativa – de empresário para poder exercer o controle da organização. O empresário é um dos aspectos da empresa. A empresa tem um significado funcional, como atividade organizada pelo empresário. Diz com acerto BRUNETTI que a empresa é uma realidade somente do ponto de vista político-econômico, ao passo que da perspectiva jurídica é mera abstração porque o que existe, de fato, é a correlação jurídica entre o empresário e seus empregados; do empresário e terceiros; etc. A empresa não é sujeito de direitos. Quem é sujeito de direitos é a sociedade, ou seja, o empresário. Quem entra em falência é o empresário, não a empresa. Para que se possa discutir sobre a qualificação de empresário é necessário que se tenha o exercício de uma atividade econômica direcionada sobre a produção de bens e serviços, ou seja, uma atividade empreendedora. Com efeito, è imprenditore chi esercita professionalmente una attività economica organizatta al fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi (art. 2.082, Codice Civile). A expressão atividade econômica precisa ser explicada tendo em consideração as grandes categorias econômicas, vistas como operações econômicas que, por se constituírem como fundamento da qualificação e dos elementos diferenciais de uma empresa em relação às outras, são, efetivamente, circunstâncias fundamentais ao próprio elemento de empresa. Da mesma forma se perguntava em que consistiam os “atos de comércio”, hoje se deve perguntar em que consiste “atividade econômica”. Com efeito, os conceitos de empresa e patrimônio empresarial são distintos e inconfundíveis. A empresa é definida pelo seu lado funcional, sobre a organização do trabalho e da produção mediante a qual se realiza a atividade profissional do empresário. O patrimônio é o complexo de bens organizados pelo empresário para o exercício da empresa.2

1 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, cit., p. 79.

2 Trattato, cit., vol. I, pp. 59, 61 e 66 e ss.

Azienda não é sinônimo de empresa, e tem sua disciplina no art. 2.555, quando estabelece: “azienda è il complesso dei beni organizzati dall’imprenditore per l’esercizio dell’impresa.” Ao passo que “se considera estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária”, nos termos do art. 1.142 do Código Civil de 2002. Ora, a definição da legislação italiana é bem preferível em relação ao art. 1.142 porque não era necessário que se fizesse referência expressa “ou por sociedade empresária”. É claro que dentro do conceito de empresário estão os empresários individuais e sociais (sociedades). Em termos de comparação, azienda seria o estabelecimento comercial. A titularidade em organizar a empresa, compreendido também o seu estabelecimento, é do empresário.

Em sede de Codice Civile se deu um passo mais longe, incluindo, no seu texto, a empresa como elemento do “trabalho”, e por isso se fala em colaboradores, que ficam sob o comando do empresário. Esse fato permitiu que SANTORO-PASSARELLI considerasse a própria empresa como centro de referimento de relações jurídicas na perspectiva do ordenamento jurídico corporativo e de produção de bens e serviços, como organização de capital e trabalho. A perspectiva de SANTORO-PASSARELLI , de certa forma, é confirmada nos tempos contemporâneos, quando a empresa assumir caráter de “comportamento institucional”, e até moral, com a explanação de uma ética empresarial, distinta das demais.

Ao seu passo, a confluência entre capital e trabalho no conceito de empresa começou a ganhar força nos anos 70, principalmente na Alemanha, com organismos trabalhistas presentes nos órgãos sociais das grandes companhias. Do ponto de vista exclusivamente teórico societário e empresarial, essa participação operária representa uma análise fundamental sobre os interesses convergentes e divergentes dentro da própria “empresa”, aqui vista como elemento poliédrico e funcional, e não apenas contratual societário. Foi quando alcançou expressão o sistema da Mitbestimmungsgesetz na Alemanha como fator central do sistema de produção e do poder de sindicatos e figuras do gênero. Neste sistema, explica MICHAEL J. BONELL, a conotação política desse sistema foi enorme, e ainda é, naquilo que se denominar como socializzazione delle industrie chiave e di un maggior controllo pubblico del sistema economico in generale em possibilitar a democratização da economia, reconhecendo-se o direito dos empregados em adequada representatividade em todas as decisões do setor produtivo, e não apenas nos órgãos públicos representativos.1

Na esfera jurídica, os empregados começaram a ser considerados “sujeitos de direito” capazes para decidirem sobre certas questões da produção. Fato esse dos mais polêmicos, porém que mostra como a noção de empresa está sempre em evolução, modificação e se encontra, certamente, no domínio da política e da sociologia.

Por mais esse lado, fica visível o atraso que representou, em sede de “direito da empresa”, a aprovação do Código Civil de 2002, ou seja, uma concepção que não leva em consideração vários aspectos que compõem a presente sociedade complexa dos dias contemporâneos, na qual a empresa é a sua maior característica.

22. Da noção de empresa, organização e sociedade em GIUSEPPE FERRI

Na esteira do jurista, nas sociedades constituídas para o exercício de uma atividade econômica e o ente público que tenha por objeto exclusivo ou principal o exercício de uma atividade econômica, são empresários pelo fato mesmo da sua constituição, e, constituindo o exercício da empresa a razão mesma da sua existência e o escopo da sua atividade, não é necessário procurar na atividade concreta os pressupostos legais da noção de empresário. No sistema do Código Civil de 1942 a organização social é sempre empresário, e a sociedade outra coisa não representa que uma forma de exercício coletivo da empresa. Com efeito, “il profilo più interessante della codificazione del 1942 nel campo delle società è appunto questo che, nel sistema del codice, la società è unicamente una forma di esercizio collettivo dell’impresa, e, come tale, la sua disciplina trova opportuna collocazione nel libro del lavoro”.2

O elemento profissionalidade é parte e necessária da constituição de uma sociedade para o exercício de uma atividade econômica com escopo de lucro.

23. Da perspectiva axiológica da atividade empresarial

Conforme WALDIRIO BULGARELLI , a empresa é um organismo produtivo e de fundamental importância social, ao passo que representa o instrumento de produção efetiva de riqueza na ocupação do emprego e na distribuição da riqueza; é um centro

1 Partecipazione operaia e diritto dell’impresa, Milano, Giuffrè, 1983, pp. 236/237.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, cit., pp. 84/85.

de propulsão de progresso cultural da sociedade; implica vários interesses, como dos trabalhadores, dos clientes, consumidores, fornecedores de bens e serviços; propulsão do crédito; relação de concorrência com outros empresários. Desta feita, diz o mestre, emergem os diversos perfis da empresa em relação às várias exigências a valorar, que se diversificam conforme os interesses de cada um dos seus agentes.1

24. Do contrato de sociedade como um contrato de “intenção utilitarista”

Pode se ver a questão da affectio societatis como a exteriorização da vontade de colaboração interessada, ou seja, como elemento de causa, que tem como conseqüência volitiva a distribuição dos lucros decorrente do exercício da atividade comum. Nas sociedades, as partes se vinculam com a finalidade de colaborarem conjuntamente, conforme as suas prestações, e de alcançarem, no interesse comum, uma vantagem econômica individual. Nesse desiderato, organizam-se estabelecendo a disciplina das relações sociais com terceiros, etc.2

A confluência da vontade está bem representada na “intenção” do lucro, na formação da vontade de colaboração interessada, significando dizer que se dá tal manifestação de vontade por lei de “utilidade”, ou seja, o contrato de sociedade é eminentemente utilitarista, e não tem nada de filantrópico, cooperativo, fundacional, associativo. A sociedade existe na busca de resultados comuns, alcançáveis no interesse dos sócios, ou seja, no seu enriquecimento. Essa colaboração entre os sócios se reveste de uma forma organizativa interna que se manifesta pela votação em maioria e, ademais, pela parcela sobre o capital social. Assim, os sócios têm direitos e deveres na medida do seu voto, e na administração da sociedade, a quantificação desse voto é decisiva para determinar a própria vontade social, ou seja, a manifestação juridicamente válida da enti dade social. O escopo da sociedade atinge sua funcionalidade na distribuição dos lucros. Com efeito, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade (art. 1.034, II, C.C.). Dizia o Código Comercial que as sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes do período marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios, mostrando-se que é impossível a continuação da sociedade por não poder preencher o intuito e fim social, como nos casos de perda inteira do capital social ou de este não ser suficiente (art. 336, 1). A impossibilidade de alcançar o lucro, manifestada de tal sorte como a perda dos capitais sociais, ou a impossibilidade de alcançar seu fim social, como intuito (o lucro), acarretam a sua dissolução, a qual pode, ademais, ser feita judicialmente, ou seja, por qualquer sócio. É um direito inabalável esse, vale dizer, de interesse público, que tem no interesse do sócio efetivar, com todos os efeitos, o término da sociedade. Para esse sócio, a sociedade não tem mais nenhuma utilidade. Não tem razão de existir ou ser. Seria tal sociedade um fantasma, e como tal, não pode existir, por isso da via drástica da dissolução judicial, se não encontrar guarida, no seu pedido, dentro da votação em sede de administração interna da sociedade. Os lucros formam a essência da sociedade na legislação italiana: con il contratto di società due o più persone conferiscono beni o servizi per l’esercizio in comune di una attività economica allo scopo di dividerne gli utili (art. 2.247, Codice Civile).

Os lucros se diferenciam das vantagens. Um determinado contrato que estipule vantagens, e não distribuição de lucros, não será societário. Por conseguinte, não é societário o contrato da cooperativa de trabalho ou de crédito; e associações de assistência mútua.

25. Das sociedades de pessoas

Reza a boa doutrina que as sociedades podem ser classificadas em sociedades de pessoas e sociedades de capital. As sociedades de pessoas são aquelas nas quais a presença, participação, composição de um ou mais sócios é decisiva para a sorte da própria atividade empresarial seguida pela sociedade. Ou seja, a pessoa do sócio concentra a própria razão de ser daquela sociedade. Essa situação é muito comum nas sociedades e grupos empresariais de natureza familiar, quando o fundador desempenha papel mais que relevante na condução dos negócios sociais. Ademais, é de pessoas a sociedade que tem no intuitu personae a razão de sua constituição e funcionamento, como elemento central e de decisão societária em seus órgãos de funcionamento.

1 Teoria jurídica da empresa, cit., p. 58.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 12/13.

Diz com absoluta correção o nosso MODESTO CARVALHOSA que nas sociedades de pessoas impera o intuitu personae de maneira que os sócios se reúnem em atenção às pessoas dos seus sócios, por confiarem neles, e desta confiança recíproca decorrem princípios que imperam na organização da sociedade, como, por exemplo, o impedimento da cessão das quotas sociais a terceiros estranhos à sociedade, a tomada de determinadas deliberações por unanimidade e a dissolução da sociedade em razão do falecimento, interdição ou falência de algum dos sócios.1

O preclaro CUNHA PEIXOTO já afirmava com exatidão que “realmente, na sociedade de pessoas, os sócios aceitam-se tendo em consideração suas qualidades. Baseia-se ela, portanto, na confiança recíproca dos sócios, na honradez, na sua experiência de negócios, de forma que a gerência deve necessariamente ser exercida por um dos sócios, ao contrário da sociedade de capitais, em que, sendo apenas união de capitais, o gerente pode ser pessoa estranha à sociedade”.2

Os sócios aceitam-se tendo em consideração suas qualidades individuais, formadas, como se disse, intuitu personae, e os credores sociais podem contar, além do capital social, com o patrimônio de todos ou de alguns dos sócios. O falecimento de algum deles importa dissolução; a quota não pode ser cessível entre vivos nem transmissível causa mortis, salvo consentimento unânime dos demais sócios.3

Ensina a doutrina que “les sociétés de personnes sont essentiellement: 1º) la société en nom collectif (à laquelle on peut joindre l’association momentanée, qui n’est pas douée de la personnalité juridique); 2º) la société em commandite simple (à laqualle on peut joindre l’association en participation)”.4

Nas sociedades de pessoas5, como o próprio nome diz, o ponto fundamental e relevante é a pessoa do sócio, sem a qual dificilmente a sociedade seria constituída, formada e funcionaria para alcançar seu objetivo comum. Há na sociedade limitada, no mais das vezes, um viés pessoal, mas nem sempre. Na realidade, a limitada tem uma natureza mista entre pessoal e de capital. Quanto às limitadas, somente a verificação atenta do seu contrato social permitira concluir que se trata de uma sociedade limitada de “pessoas” ou de “capital”. Toda sociedade limitada que fizer referência, nos termos do art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil, será, com certeza, uma sociedade limitada de feição capitalista. Ao contrário, será uma sociedade limitada de feição pessoal. Ainda, se a morte de um dos sócios acarretar a dissolução da sociedade, previsto em contrato, com certeza será uma sociedade limitada pessoal. Se o contrato requer unanimidade nas votações, o perfil é pessoal, ao revés, se por maioria o perfil é capitalista. Se uma sociedade participa de um grupo de sociedades, com certeza terá perfil capitalista. Somente o contrato social e a realidade podem mostrar mais claramente se uma determinada sociedade limitada tem característica pessoal ou de capital. Importante é perquirir essa distinção por conta que o Código Civil, art. 1.053, diz: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.” A hipótese em questão seria aquela das sociedades limitadas de feição nitidamente pessoal, quando quem exerce a administração são os sócios, unicamente.

Por seu turno, diz o art. 1.053, parágrafo único, que “o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”. Neste caso, a sociedade, se presentes alguns requisitos essenciais, tem feição capitalista. Contudo, uma sociedade limitada que tem como administradores unicamente os seus próprios sócios; que impede a transferência da quota a terceiros não sócios; conta com administração conjunta, etc., se esta sociedade, expressamente, conter, no seu contrato social, cláusula dizendo que a Lei 6.404/76 deve ser aplicada supletivamente, nada e nenhum magistrado poderá decidir diferentemente da vontade dos sócios, na resolução de eventuais conflitos societários. Então, a escolha, via manifestação consensual dos sócios na formação da sociedade, ou em alteração posterior, dizendo que se aplica, supletivamente, a Lei 6.404/76, é manifestação de vontade de caráter soberano, ainda que seja uma sociedade que tenha na sua administração e formação uma feição pessoal. Neste caso, vale a vontade social. Se o contrato for silente, o magistrado, na resolução do conflito, terá que aplicar o regramento específico da sociedade limitada, e, em eventual omissão, aplicará as normas da sociedade simples se dos fatos produzidos processualmente se

1 MODESTO CARVALHOSA, Comentários ao Código Civil, São Paulo, Saraiva, 2005, 2ª ed., vol. 13, p. 35.

2 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 52.

3 MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado, vol. III, 1958, n. 576, p. 62.

4 “La société se forme intuitu personae, en considération de la confiance que les contractants s’accordent mutuellement”. RYN, Jean Van. Principes de droit commercial, cit., T. I, p. 209.

5 Entre suas principais características: “1º les parts d’associés, appelées souvent intérêts, sont em principe incessibles sans le consentement unanime des associes, même au profit d’un coassocié; 2º comme dans toutes les conventions conclues intuitu personae, le décés, l’interdiction, la faillite ou la déconfiture de l’une des parties entraînent la dissolution du contrat; 3º si le consentement de l’un des associes est entaché d’un vice (erreur substantielle, dol, violence), le contrat de société lui-même est frappé de nullité a l’agard de tous les participants; 4º le pacte social ne peut être modifié, comme tout autre contrat, qu’avec l’accord unanime des associés; 5º les associés doivent s’abstenir de toute activité personnelle qui serait contraire à l’intérêt de la société”. RYN, Jean Van. Principes de droit commercial, cit., T. I, pp. 210/211.

evidenciar que se está diante de uma sociedade limitada claramente de feição social, e, ao revés, aplicará as normas das sociedades anônimas se dos fatos produzidos processualmente se evidenciar que se está diante de uma sociedade limitada claramente de feição capitalista. Desta feita, os embates societários podem ser resolvidos com equidade e justa aplicação do texto normativo. Conquanto, diante da realidade jurídica do país, entendo não aconselhável a aplicação das regras das sociedades simples nas sociedades limitadas.

O essencial, na prestação jurisdicional, é que o regramento da sociedade limitada seja aplicado levando em consideração que se tem uma sociedade empresária, ao passo que a sociedade simples é geral, o que pode estabelecer certa insegurança jurídica na aplicação da lei. Contra esse sistema, das remissões à sociedade simples, previsto pelo Código Civil, é aconselhável que o contrato social estabeleça, expressamente, que a Lei 6.404/76 é supletiva em relação ao regramento da sociedade limitada. Cabe perquirir que a Lei 6.404/76 não é supletiva apenas ao contrato social, que é de natureza social típica, ou seja, limitada, mas a referida lei acionária é supletiva ao próprio regramento das sociedades limitadas, previsto no Código Civil de 2002, ou seja, nas omissões ou situações jurídicas complementares, tem plena aplicação a Lei das Sociedades por Ações. Esta situação de certa forma é semelhante ao que se estabeleceu com o art. 18 do antigo Decreto 3.708 de 1919 quando dizia que “serão observadas quanto às sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social, e na parte aplicável, as disposições da Lei das Sociedades Anônimas”. Dentre os entendimentos conflitantes, nos termos do antigo sistema, o mais lógico seria aplicar as regras acionárias supletivamente ao próprio Decreto 3.708/19, e não apenas ao contrato social, que muitas vezes é lacunoso por definição. Essa sistemática deverá prevalecer, porque, agora, a redação do art. 1.053, parágrafo único, é extremamente clara, quando diz que o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Então, a regência supletiva é da sociedade limitada, e não apenas sobre o contrato social da sociedade limitada. Com essa redação se apaziguaram as divergências existentes no antigo sistema, e, agora, a Lei 6.404/76 é supletiva ao inteiro Capítulo IV do Código Civil, ou seja, da sociedade limitada, artigos 1.052 e seguintes, porém se deve ter em consideração que tanto a limitada quanto a sociedade anônima são tipos societários distintos, e, assim, a aplicação supletiva deve ser feita com razoabilidade e equidade, evitando injustiças.

26. Das características das sociedades de pessoas conforme FRANCESCO GALGANO

A denominação de sociedade de pessoas é utilizada para indicar três tipos de sociedade: a) sociedade simples; b) sociedade em nome coletivo; c) sociedade em comandita simples. Em contraposição, como sociedades de capitais, estão os seguintes tipos de sociedades: a) por ações; b) em comandita por ações; c) a limitada (na perspectiva da legislação italiana). Dentre as principais caracterísitcas das sociedades de pessoas, tem-se que: a) responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios pelas obrigações sociais: de todos os sócios, sem possibilidade de exceção, na sociedade em nome coletivo; de todos os sócios, mas com possibilidade de pacto em contrário para alguns desses, na sociedade simples (art. 2.267, C.C.); de uma categoria de sócios, os sócios “accomandatari”, na sociedade em comandita simples, enquanto os sócios “accomandanti” têm o privilégio da responsabilidade limitada ao valor da quota conferida; b) o poder de administração é inerente à qualidade de sócio (em particular, do sócio ilimitadamente responsável): cada um dos sócios ilimitadamente responsáveis é, pelo só fato de ser sócio, administrador da sociedade (art. 2.257, C.C.). Em termos práticos, isso significa, sempre na lição de GALGANO, que em termos econômicos cada um dos sócios concorre na direção da empresa social. Na figura do sócio de pessoa se reproduz, de tal modo, a figura do empresário clássico: na sociedade se encontram reunidos aqueles que são os aspectos fundamentais da figura de empresário, quais sejam: o risco e o poder de direção da empresa. Com efeito, “il contratto di società di persone si presenta come il vincolo contrattuale che unisce fra loro piú imprenditori i quali esercitano colletivamente, anziché individualmente, una medesima impresa. La differenza fra impresa individuale e impresa sociale in forma di società di persone è, sotto questo aspetto, nel fatto che l’impresa fa capo a piú imprenditori anziché ad un solo imprenditore”.1

Outra característica da sociedade de pessoa é a intransferibilidade da qualidade de sócio sem o consenso de todos os demais sócios. Em sede de sociedade em comandita simples, se morre um dos sócios que não seja sócio comanditário, a sua quota de participação não se transmite automaticamente aos herdeiros, e se faz necessário, a tal fim, que os sócios supérstites consintam, bem como os próprios herdeiros. O contrato de sociedade, neste caso, é intuitu personae. 2 A solução

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 69-70.

2 _________. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 71.

esposada por GALGANO tem respaldo também em direito pátrio, em interpretação do art. 1.050 do Código Civil. Os sucessores devem sempre se manifestar sobre a aceitação da qualidade de sócio, ainda que o contrato estipule a hipótese aventada no referido art. 1.050 do Código Civil, ou seja, da sucessão. Ademais, a solução já era confirmada por FERRI quando, nas comanditas simples, a participação do herdeiro na sociedade em substituição do sócio falecido não se atua iure haereditatis, mas sim atua por ato entre vivos, em virtude da adesão do herdeiro ao contrato social, conforme Delle società, in Commentario del cod. civ. SCIALOJA e BRANCA. 1 Desta feita, ainda em sede de interpretação do art. 1.050 do Código Civil, parece pouco justificável entender que o herdeiro assuma a participação na sociedade imediatamente após o falecimento do sócio, mas, ao contrário, se faz necessário o consentimento do próprio herdeiro e dos demais sócios.

27. Das sociedades de capital

Nessas sociedades tem-se o contrário do que se assinalou acima, ou seja, aqui o que é mais relevante para a sociedade é sua própria estrutura organizacional, seus capitais e fundos investidos, a riqueza das suas patentes, a importância das suas marcas para o mercado, quando tudo isso pode sobrevier ainda que desapareçam um, alguns ou todos os seus sócios. 2 Nas de capital se atende, exclusivamente, às entradas de cada sócio; são os capitais que se unem, não as pessoas. A morte de um dos sócios não acarreta a dissolução da sociedade, e nem se concebe que possa existir nulidade de tais sociedades fundada em erro sobre a pessoa.3 As quotas e ações têm livre transmissão, entre vivos ou causa mortis, porque a importância da empresa já suplantou a presença física dos sócios. A empresa se institucionaliza como elemento produtor, prestador de serviços, e amanhã ou depois, com a saída ou retirada de alguns sócios, ou mesmo todos, os demais, ou aqueles que adquiriram seu controle, podem – assim diz a classificação – dar continuidade ao negócio. O palco decisivo das sociedades de capitais são as assembléias de sócios, quando, nos termos legais, a maioria determina a vontade social, exercendo seu poder de controle. Já se disse que a assembléia de acionistas seria um poder soberano de uma instituição na qual o capital é tudo e onde a pessoa do sócio não é nada. Tipo característico da sociedade de capital é a sociedade por ações. A sociedade de capital é uma sociedade intuitu pecuniae. Dentre as principais características das sociedades de capitais, estão: a) os sócios têm o benefício da responsabilidade limitada: eles arriscam na empresa somente o dinheiro ou bens que conferiram em favor da sociedade para formação do seu capital e da incorporação do patrimônio social. Deste direito são titulares os sócios nas sociedades por ações; nas sociedades limitadas; e os sócios comanditários nas sociedades em comanditas por ações, com exceção dos sócios comanditados que são, ao contrário, solidária e ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais. A Lei 6.404/76 disciplina a questão, determinando que a sociedade em comandita por ações poderá comerciar sob firma ou razão social, da qual só farão parte os nomes dos sócios diretores ou gerentes, e ficam ilimitada e solidariamente responsáveis, pelas obrigações sociais, os que, por seus nomes, figurarem na firma ou razão social (art. 281). Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a sociedade e, como diretor ou gerente, responder subsidiária, mas ilimitada e solidariamente, pelas obrigações sociais (art. 282, caput). Outra característica fundamental das sociedades de capitais é que o poder de administração, conforme GALGANO, está dissociado da qualidade de sócio, ou seja, o sócio não é, enquanto tal, administrador da sociedade, mas a qualidade de sócio, sob esse aspecto, lhe confere somente o poder de concorrer, com o próprio voto, sobre a nomeação dos administradores. A organização interna da sociedade se articula sob uma pluralidade de órgãos sociais, cada um dos quais dotados de própria competência e função. Os sócios formam apenas um desses órgãos, e assevera o mestre que “c’è, nella società di capitali, questo contrasto fra forma giuridica e sostanza economica: la qualità di imprenditore è, formalmente, spersonalizzata; è riconosciuta alla “società”, unitariamente considerata, e non anche alle persone dei soci, com la conseguenza che i soci –anche quelli che detengono il “capitale di comando” e che sono, nella sostanza economica, autentici imprenditori, si trovano ad essere esentati, giuridicamente, dagli oneri e dalle responsabilità che sono proprie degli imprenditori. Essi sono, in contrasto com i postulati della scienza economica classica, imprenditori che godono del beneficio della responsabilità limitata: al loro potere economico, tendenzialmente illimitato, fa riscontro un rischio economico limitato”.4

1 cf. GALGANO, FRANCESCO. Trattato, cit., vol. XVIII, p. 71.

2 “Nas sociedades de capitais, impera o intuitu pecuniae, sendo para os sócios mais relevante a aglutinação dos capitais em si do que as pessoas dos demais sócios”. CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 35.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 576, p. 62.

4 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XVIII, p. 73.

A qualidade de sócio atribui, com efeito, poderes administrativos, que tem no direito de voto sua manifestação clássica, e os deveres e direitos gerenciais da sociedade advêm dessa própria qualidade, que se exterioriza, de maneira imanente, anteriormente, como pressuposto jurídico para a nomeação dos administradores da sociedade, podendo, inclusive, figurar o sócio como gerente.

28. Da sociedade como contrato plurilateral

Não há dúvida de que, em princípio, na base de uma sociedade esteja o contrato, precisamente o contrato plurilateral. No âmbito dos contratos plurilaterais a sociedade se diferencia dos demais contratos em razão dos seguintes fatores: a) il conferimento; b) l’esercizio in comune di un’attività econômica; c) la divisione degli utili.

1

A sociedade caracteriza-se como contrato, e contrato plurilateral, acrescendo a doutrina contemporânea outras qualificações, como contrato de colaboração e de organização. 2 O fundo social é constituído mediante o aporte de capital, contribuição de bens ou serviços pelos sócios da sociedade, e diz FERRI “Non vi è pertanto contratto di società, se i soci non conferiscono, né vi è acquisto della qualità di socio senza conferimento.”3

A natureza contratual – plurilateral – da sociedade é clara também no ordenamento jurídico, e diz o Código de 2002 que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (art. 981). Os termos bens e serviços devem ser interpretados em sentido amplíssimo, alcançando todo conferimento juridicamente aceitável na constituição da sociedade.

29. Definição de sociedade

O texto legal assim diz que a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; a quota de cada sócio no capital da sociedade e o modo de realizá-la; as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços (art. 997, III-V, C.C.), nas sociedades simples.

A doutrina assevera que “o escopo social é, realmente, comum e único para todos os sócios, e a sociedade bem se pode caracterizar por essa unidade de escopos; mas o interesse dos sócios, no momento de constituí-la, permanece distinto e o de cada qual é , embora paralelo, em verdade contraposto ao do outro. Há, pois, considerar seu objetivo, tanto que constituída, e o interesse de cada sócio em confronto com os dos outros no organizá-la”.4 A contribuição não significa entrega do bem ou da prestação efetiva do serviço, mas simplesmente a assunção da obrigação de dar ou fazer. 5 Obrigação de não fazer é inviável para fins de formação de sociedades. Assim também ocorre nas em conta de participação (art. 994, C.C.): a contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. Idêntica solução nas sociedades em nome coletivo, por força do art. 1.041 do referido Código; nas comanditas simples, por força dos artigos 1.045 e 1.046 do Código Civil; e na sociedade limitada, por mandamento dos artigos 1.054, 1.055 e seguintes do Código Civil.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, Torino, UTET, 2007, 12ª ed., p. 202/203, atualizado por ANGELICI, Carlo e FERRI, G. B.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 24.

3 Manuale di diritto commerciale, cit., p. 203.

4 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, pp. 410/411.

5 “Oggeto del conferimento possono essere beni o servizi. La formula à ampia e tale da ricomprendere la prestazione tipica di ogni contratto di scambio e cioè ogni bene o diritto sui bene suscettibili di valutazione economica, come purê la prestazione di una determinata attività o del risultato di essa. Non è necessario che il conferimento sia in denaro, tanto meno è necessario che il conferimento avvenga in unica soluzione: possono essere conferiti crediti o altri beni o l’uso di questi o anche la proprio attività lavorativa. Una limitazione nell’oggetto del conferimento può tuttavia farsi derivare dalla particolarità del tipo di società prescelto: è ciò che accade nelle società di capitale, in ordine alle quali o si è condizionata la possibilita di conferire opere o servizi allaprestazione di particolari garanzie, come avviene nella società a responsabilità limitata (art. 2.464, Codice Civile), o si è addirittura escluso, come nelle società per azioni, che il conferimento possa consistere nella propria attività lavorativa”. FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 203.

30. Do conferimento de bens

BRUNETTI ensina que “al socio come debitore della società sta di fronte, come creditrice, la corporazione dei soci e, parallelamente, nella società di capitali, gli sta di fronte la persona giuridica. Il debitore si libera della sua prestazione eseguendola alla società-corporazione e, rispettivamente, alla società-persona giuridica. A questo gruppo di rapporti attengono anzitutto i conferimenti. Rispetto all’obbligo di conferimento debitore è il socio che ne risponde col suo privato patrimonio. Naturalmente il soddisfacimento di tale obbligo non può effettuarsi che alla società, intesa, secondi i casi, come corporazione o come persona giuridica, dappoichè è soltanto con la somma dei conferimenti che è dato di raggiungere gli scopi fissati nel contratto sociale. I conferimenti infatti non sono che i mezzi per realizzare tale scopo onde il diritto alla loro esecuzione non compete che alla società e costituisce una pretesa della società”.1 No conferimento de bens ou serviços à sociedade, alguns ministram simplesmente seu capital, sem interferência alguma na condução dos negócios sociais, e esse contraprestar de uns para com os outros é de tal monta que o inadimplemento pode ensejar a ruptura do contrato – e não apenas o inadimplemento, mas o erro acerca da qualidade do sócio pode produzir tal desiderato. Por conseguinte, deixando o sócio de concorrer, pecuniariamente, quando assim obrigado pelo contrato social, responde a sociedade por sua entrada não efetuada, acrescida de juros legais como ressarcimento; não consistindo em dinheiro seu compromisso, responde ele, remisso, pelo dano emergente da mora e cabe à sociedade acioná-lo para exigirlhe o valor devido ou para rescindir o contrato, quanto a ele, como sócio remisso.2 Ninguém pode se considerar sócio sem contribuir ou prometer contribuir com alguma coisa para o capital da sociedade, e essa contribuição ou conferência por parte de cada um dos sócios é essencial para dar vida à sociedade – é condição legal de sua existência.3

A contribuição para a integralização do fundo social é uma obrigação de dar ou fazer. Isto se comprova no art. 1.058 do Código Civil, ao dizer: não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. Ou seja, o sócio remisso está em mora com a sociedade e sofrerá os seus efeitos. Não cumprindo sua obrigação de dar (bens, dinheiro, direitos, etc.) ou fazer (serviços), fica em mora diante da sociedade e dos demais sócios, que lhe podem tomar as quotas e inclusive acioná-lo (sócio remisso) por perdas e danos.

31. Do conferimento de bens ao capital

No caso de não ser feito aporte em dinheiro, poderá ser feita contribuição em bens, entre os quais: bens corpóreos, incorpóreos, créditos, marcas, patentes, fundos de comércio (aviamento), concessões administrativas. O sócio, ao realizar o aporte dos bens, transfere à sociedade seus direitos sobre o bem que constitui sua contribuição. O sócio garante perante a sociedade a existência do bem e seus direitos sobre o bem.4

Conforme OSCAR BARRETO FILHO , bens incorpóreos são produtos da ordem jurídica, não têm existência material, mas o direito os reconhece como objetos necessários às relações jurídicas.

5 Na maior parte dos casos, o conferimento se faz em dinheiro ou bens. O dinheiro afluirá então para o caixa da sociedade, e as mercadorias inscritas e avaliadas no respectivo inventário serão colocadas no estabelecimento comercial da sociedade. Assim, formar-se-á o patrimônio social no qual a separação acontece mediante uma dupla operação contábil, ou seja, com a inscrição no inventário e no passivo do balanço do exercício social, e com o haver do sócio sobre a conta de capital. Em tal modo, o conferimento, desde o momento em que os sócios se obrigaram a efetuá-lo, concorre na formação do patrimônio da sociedade, ao passo que se o sócio não cumprir com sua obrigação ficará sujeito às consequências legais do descumprimento da promessa, apurando responsabilidades. Com efeito, a soma das contribuições dos sócios constitui o

1 Trattato, cit., vol. I, p. 236.

2 FERREIRA, Waldemar. Instituições de direito comercial, vol. I, tomo II, n. 268, pp. 411/468.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, São Paulo, Livraria Freitas Bastos, vol. III, Livro II, Parte III, n. 539, p. 31.

4 Se o aporte não for feito “L’apporteur garantit l’existence de l’apport qui’il fait. Si l’apport est inexistant, ou fictif (étant, par exemple, greve de charges réelles qui en absorbent toute la valeur), les engagements des associés son nuls, celui de l’apporteur pour défaut d’objet, celui des autres pour défaut de cause.”. RYN, Jean Van. Principes, cit., t. I, p. 233.

5 BARRETO FILHO, Oscar, Teoria do estabelecimento comercial, São Paulo, Saraiva, 1988, 2ª ed., p. 37.

capital social, e tal contribuição é condição sine qua non para a distribuição dos lucros. Como qualquer prestação de natureza contratual, o objeto do conferimento deve ser possível, determinado e lícito.1 Realizadas a contribuição e a sua concorrência na formação do capital, basta, agora, que os sócios cumpram seus deveres e administrem a sociedade.

32. Sócio remisso e justa indenização

Essa é a justa solução, edificada como norma pelo Código de 2002, quando diz: os sócios são obrigados, na forma e prazos previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no art. 1.031, § 1º, do Código Civil. Claro que os demais sócios poderão demandar, contra o sócio remisso, perdas e danos, acrescidas da sua exclusão como sócio da sociedade. Tal hipótese não caracteriza enriquecimento sem causa por parte da sociedade ou dos sócios, mas regra justa, que, em cada caso, vai perquirir os efeitos danosos do não cumprimento da cláusula contratual que se refere às contribuições sociais em favor da sociedade. Muito frequentemente em tal hipótese a sociedade pode ficar impedida de contratar com terceiros, e, portanto, perder negócio certo se já tivesse integralizado seus fundos. Quando o sócio não efetua a sua contribuição, caindo em mora, tal fato por si só pode ser a fonte da impossibilidade da conclusão de negócios sociais, e por isso ele responde pelas perdas e danos. Tal medida é uma sanção contra o remisso, que, por qualquer motivo, prejudicou a condução dos negócios sociais da sociedade ou, ao menos, impediu o seu bom andamento. Ditas sanções advêm dos artigos 233 e seguintes (obrigação de dar) e artigos 247 e seguintes (obrigação de fazer) do Código Civil. Tal situação pode ainda, se muito grave, ensejar erro essencial, notadamente nas sociedades de pessoas. Dizia o saudoso Código Comercial, na parte revogada, que os sócios devem entrar para o fundo social com as quotas ou contingentes a que se obrigarem, nos prazos e pela forma que se estipular no contrato. O que deixar de o fazer responderá à sociedade ou à companhia pelo dano emergente da mora, se o contingente não constituir em dinheiro; consistindo em dinheiro pagará por indenização o juro legal somente. Num e noutro caso, porém, poderão os outros sócios preferir, à indenização pela mora, a rescisão da sociedade a respeito do sócio remisso (art. 289). Na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, deixando o sócio de entregar integralmente a quota ou as prestações a que se obrigou, no prazo estipulado no contrato social da sociedade, esta, na qualidade de credora, tem o direito de exigir do sócio remisso o cumprimento da obrigação. Se quota é representada em dinheiro, o sócio é obrigado a pagá-la, com juro legal, que é a indenização, e, ademais, é perfeitamente lícita a cláusula contratual que estabelece outra taxa de juro para o caso da mora. Se a quota consiste em outros bens, que não em dinheiro, o sócio responde contra a sociedade pelo dano emergente da mora – e nada mais justo que haja essas indenizações porque as entradas destinam-se ao movimento e fim social. A obrigação de indenizar à sociedade decorre ipso facto do atraso do sócio, e não tem sentido a sua pretensa prova que a mora não causou prejuízos reais à sociedade – e desde o muito vetusto Código Comercial italiano (art. 83), além do pagamento dos juros se a quota é em dinheiro, mandava o sócio remisso indenizar todos os prejuízos.2 Essa deve ser a solução para os casos análogos, nos dias de hoje.

33. Da dissolução e do contrato de sociedade

O contrato de sociedade já podia ser dissolvido, antes do termo estipulado de sua vigência, na antiga regra do revogado art. 336 do Código Comercial, e WALDEMAR FERREIRA assim esposava seu ensinamento: “É, com efeito, dissolúvel o contrato de sociedade antes do termo de sua vigência, nos casos previstos no art. 336 do Código Comercial. Entre eles, tem-se a dissolubilidade por inabilidade de algum dos sócios. Também se dá pelo decreto judicial de sua incapacidade civil. Obrigam-se os sócios, por via dele, a prestar e contraprestar reciprocamente esforços e recursos, senão apenas trabalho e capital, embora tudo vinculado ao objetivo comum para que a sociedade se constituiu.”3

Tal perspectiva, adaptada aos tempos modernos, também é válida, notadamente na leitura dos artigos 1.004 e 1.030 do Código Civil.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit. vol. I, p. 237-238.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, São Paulo, Livraria Freitas Bastos, vol. III, Livro II, Parte III, n. 553, p. 40.

3 FERREIRA, Waldemar, Instituições de direito comercial, vol. I, tomo II, n. 268, p. 411/412. Em igualdade de condições no art. 7º do Decreto nº 3.708/19; e arts. 74 e 76 do Decreto-Lei nº 2.627/40.

Diz a lei, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, que pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente (art. 1.030, caput). O art. 1.004, já referido, diz respeito ao fato do sócio remisso, ou seja, quando este fica em mora para com os demais sócios no cumprimento da sua prestação, ou seja, na contribuição. O fundamental é que se pode ver, facilmente, a correlação entre os dois temas, ou seja, na exclusão do sócio no caso de sua mora em relação aos demais sócios, bem como no caso de sua expulsão, pelos motivos acima transcritos, tudo levando em consideração os objetivos comuns e interesse social da sociedade. Em qualquer desses casos, a relação contratual societária fica comprovada, razão maior para explicar a figura societária como contrato, verdadeiramente, plurilateral.

34. Do objeto de conferimento à sociedade

A contribuição do sócio consiste na prestação prometida ao fim de realizar o exercício em comum de uma atividade econômica. O objeto de tal prestação pode ser variado e consistir em qualquer tipo de bem em sentido jurídico, ou seja, em bens móveis, imóveis, estabelecimentos comerciais, numerário, mercadorias, patentes, bens imateriais, aviamento, clientela, segredos industriais, créditos contra terceiros, prestação de serviços, etc.1 Toda coisa que pode ser objeto de obrigação pode, igualmente, servir como conferimento (contribuição, contingente) para a formação do capital social. Basta que seja: apreciável em dinheiro; suscetível de avaliação; sirva de instrumento de lucro. Pode ser, então, em: dinheiro; coisas ou bens móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos, clientela; segredo industrial; direito de crédito contra terceiro ou contra a própria sociedade, se o sócio é admitido, neste caso, após a constituição da sociedade; patentes; ativo de uma sociedade dissolvida; concessões administrativas, etc.2 O objeto do conferimento pode ser em serviço, por expressa recomendação dos artigos 997, V, e 1.006 do Código Civil. Com efeito, nas sociedades simples, a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, deverá mencionar as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços. O sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído. Entretanto, tal hipótese é vedada, também expressamente, nas limitadas (art. 1.055, § 2º). O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio; e é vedada contribuição que consista em prestação de serviços.

35. O conferimento não tolera coisa fictícia

É lícito empregar ao fundo social coisa futura ou aleatória (artigos 458-460, C.C.), desde que essa se faça presente antes de vencer o prazo fatal anteriormente ajustado para que possa entrar efetivamente no patrimônio da sociedade. São os contratos negociados nas bolsas de futuros. Na regra dos contratos está mais do que claro a viabilidade do contrato incidente em coisa futura – emptio rei speratae – que se resolve se a coisa não vier a ter existência, mas que se reputa perfeito desde a data da celebração, com o implemento da conditio; ou, ainda, fica identificado como negócio aleatório – emptio spei – válido como negócio jurídico, e devido o preço, ainda que nada venha a existir, porque, neste caso, é objeto da venda a spes (expectativa), e não a coisa ou sua transferência.3 Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não vir a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha e existir. O sócio pode prometer contrato futuro como fundo para a sociedade, correndo o risco do seu inadimplemento, como sócio remisso, em relação à sociedade . O socio in bonis, no caso do fracasso do contrato aleatório, deve perquirir as perdas e danos contra o remisso, salvo estipulação em contrário. Mas, nesse caso, qual seja, da estipulação em contrário, os terceiros que negociaram com a sociedade nada têm que perder, e devem correr contra os sócios, sejam aqueles que integralizaram suas partes, quanto o remisso, todos respondendo em termos solidários e ilimitados.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 237.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial, cit., vol. III, n. 544, pp. 33/34.

3 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Rio de Janeiro, Forense, 2003, vol. III, pp. 175/176.

O que não tem qualquer valor é a promessa de conferir uma quimera, impossível de constituir quota ou ação. Nesse caso o conferimento poderia até caracterizar a má-fé ou até incapacidade do pretenso sócio. Nesse caso sua manifestação seria nula, e, se essencial para o cumprimento do objetivo comum, o contrato seria, em tese, nulo de pleno direito; e se, por seu turno, for indução a erro, cabe a medida acima aventada, das perdas e danos. É fictícia a indicação de bem gravado com hipoteca.1

36. Da substância do contrato social

Seguindo a esteira de WALDEMAR FERREIRA , é de bom alvitre mencionar alguns requisitos substanciais que devem constar nos contratos sociais: I – os nomes, prenomes, estado, profissão, nacionalidade, domicílio e residência atual dos sócios; II – o ramo do negócio, por via de referência específica; III – os sócios com poderes para usar-lhe a firma ou denominação e representá-la, ativa e passivamente, nos atos judiciais e extrajudiciais, entendendo-se, na falta de dispositivo em contrário, investidos de tais poderes todos os sócios ou gerentes, diretores e administradores; IV – a forma de nomeação, destituição e substituição, temporária ou definitiva, dos membros que integram os órgãos sociais, deliberantes e fiscalizadores, especificando-lhes poderes, atribuições e rendimentos; V – o montante do capital social e da parte, quota ou ação com que os sócios se obrigam para a integralização, determinando-se a espécie, modo e prazo de realizá-lo; domicílio da sociedade, onde responda por seus atos, havendo-se como tal, no silêncio, o lugar onde tenha seus órgãos administrativos, ponto central e sede de seus negócios; VI – o prazo de vigência do contrato, determinado ou indeterminado, prorrogável automaticamente ou não, se assim pactuado, verificada a condição preestabelecida; VII – as obrigações pessoais de cada sócio, ademais de seu contingente para o capital social, e as vantagens em seu prol convencionadas, retiradas e por labore; VIII – a forma de os sócios se inteirarem dos negócios sociais e sobre eles deliberarem, via reuniões e assembléia, cujos poderes, condições de convocação e funcionamento devem mencionar-se; IX – a regra de partilha dos lucros e seu reembolso, bem assim dos prejuízos, proporcionais às quotas de cada sócio; X – modo de eleição de liquidantes e a forma da liquidação; forma de apuração e pagamento dos haveres do sócio que se retire, que faleça ou venha a falir, e se a sociedade, continua ou não, se dissolvendo parcial ou totalmente; demais cláusulas consentâneas com a natureza do contrato e do objeto social da sociedade.2 No contrato deve ficar claro que a atividade projetada deve ser exercida em vista de realizar e distribuir os lucros (é a intenção lucrativa); cada sócio deve fazer o apport ao capital, formando o fundo social; a manifestação de vontade entre os sócios da sociedade observará o jus fraternitatis.

37. Da regra fundamental em hermenêutica jurídica

Nenhum Código Civil pode revogar a lição de interpretação escrita no Código Comercial de 1850, ao dizer que “as leis particulares do comércio, a convenção das partes sempre que lhes não for contrária, e os usos comerciais regulam toda a sorte de associação mercantil, não podendo recorrer-se ao direito civil para decisão de qualquer dúvida que se ofereça, senão na falta de lei ou uso comercial” (art. 291). Parece que o destino já antevia a catástrofe que foi a chegada do Código Civil de 2002, para fins societário, contratual e cambiário.

O referido Código ficou por mais de vinte anos “em tramitação” no Congresso Nacional, e desde a sua entrega, ainda como projeto, na década dos anos de 1970 até os anos de 2002, a sociedade brasileira se alterou profundamente, ainda mais na sua conformação empresarial. Prova desse fato se dá com a Lei 6.404, não por acaso do ano de 1976, ou seja, pouquíssimo tempo após a entrega do Projeto de Código Civil. A Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), verdadeiro monumento legislativo, rege, com exatidão e perfeição, as questões acionárias no país, passando por adaptações de ordem cronológica, que só fazem resplandecer o texto de 1976. O Código de 2002 tem, ainda, outros defeitos, como efetivar a justaposição de matérias distintas que são as de natureza civil e empresarial; rompeu com a tradição mais que secular da disciplina dos contratos mercantis; rompeu com a tradição mais que secular da disciplina das sociedades comerciais; instituiu a fantasmagórica sociedade simples, feita por transcrição do Codice Civile; revogou a legislação das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, legislação essa que

1 JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, Paris, Ed. Montchrestien, 1994, 3ªed., p. 52.

2 Instituições de direito comercial, vol. I, Tomo II, n. 283, pp. 425/427. O objeto do contrato de sociedade é “l’activité économique que les associés se proposent d’exercer em commum em vue d’em partager les bénéfices, et la considérration de cette activité future est la cause des engagements qu’assument les associés”. RYN, Jean Van. Principes, cit., t. I, p. 228.

possibilitou, perfeitamente, a criação de infinitas sociedades e o crescimento econômico e comercial do país; o Código de 2002 disciplina de maneira atabalhoada e faz baralhada com matérias que já estavam consolidadas em sede de ordenamento jurídico pátrio, como as cooperativas; liquidação de sociedades; “sociedade estrangeira”; e registro de empresas. Ora, parece que sejam já suficientes as críticas. Mas não são. O Código Civil de 2002, no capítulo do “Direito da Empresa”, é uma interpretação malfeita do Codice Civile de 1942. Esse código, “editado” em 1942, em pleno regime nada democrático, consolidou no Livro V – Del Lavoro – várias formas de “trabalho”, pretendendo, do ponto de vista político, confluir – em regime de igualdade jurídica e paz social – empresários e “colaboradores”. Desta feita, o referido Codice, que tem mais de dois mil e quinhentos artigos e rubricas, estabelece, singelamente: Del lavoro nell’impresa; Dei collaboratori dell’imprenditore; Della previdenza e dell’assistenza; Della impresa agrícola; Delle imprese commerciali e delle altre imprese soggete a registrazion; Delle società; etc.

Porém, supor que seria possível fazer a transliteração do texto de 1942 ao Projeto de Código Civil de 2002, e a partir disso lhe denominar como “Direito da Empresa”, é realmente um ocaso sem tamanho. Infinitas poderiam ser as críticas ao Código Civil de 2002 – na capítulo do “direito da empresa”, principalmente pelo esplendor do Codice Civile da Itália, na esfera empresarial, monumento jurídico que consolidou a tradição jurídica italiana em séculos, fruto do trabalho incansável de tantos e tantos exímios juristas daquele fabuloso país. O pior pecado do Código Civil de 2002 foi ter colocado por terra o Código Comercial de 1850, especialmente no capítulo das sociedades e dos contratos mercantis.

O direito comparado é a essência da vida jurídica. A transliteração de textos sem correlação com a realidade jurídica não tem lugar, e sim é fruto do descompasso com a ordem jurídica instituída, e da vida social, cultural dos povos.

Vale, sempre, a lição do mestre de que “toda interpretação deve visar fim prático, econômico e social em harmonia com o sistema que serve de fundamento à lei. A lei não pode ser apreciada e estudada fora do meio ou da vida social de presente: na frase de WACH , é uma vontade tendo eficácia contínua, uma força constantemente viva. Não nos deixaremos levar pelas teorias filhas de preceitos de escolas, que mais perturbam os institutos do que os explicam e esclarecem, nem pelas investigações de um presumido pensamento do legislador, que, se fosse realidade, poderia ter valor apreciável quanto às exigências e relações sociais ao tempo da publicação da lei, porém não satisfariam à vida social hodierna, onde predominam outras necessidades e relações reclamando a tutela do direito. Não nos afastaremos das disposições do direito positivo, e, onde estas faltarem, a nossa bússola serão as realizações concretas da vida social”.1 Preciosas palavras que ficam na interpretação das leis, ainda nos dias de hoje e sempre. A lei tem que ser interpretada em conformidade e consideração com a realidade jurídica, sua cultura e princípios, observando sempre a segurança jurídica nos contratos e respeitando a ordem constituída e o bem comum. Com a unificação legislativa, colocada a efeito pelo Código de 2002, a autonomia do direito comercial deve ser defendida sobre o perfil material, ou seja, substancial, e não apenas sobre as questões formais, porque as normas empresariais regulam um fenômeno inevitavelmente de caráter especial em relação ao direito comum.

Na vertente histórica, a autonomia científica da matéria mercantil se forma “em princípios gerais próprios e diferentes daqueles do direito comum, surge, de fato, como as comunas italianas, como fruto do poder normativo das corporações mercantis medievais e em conexão com uma jurisdição especial, diversa da geral, nas suas regras, na escolha dos juízes, no seu fundamento e no seu caráter”.2 O juízo arbitral, o sistema cambiário, as falências e os contratos em espécie conferiram ao direito comercial sua autonomia científica, na solução dos conflitos e na edificação da classe dos comerciantes.

A propositura de WALDIRIO BULGARELLI é acertada, ao enunciar que “o que distingue a atividade civil da comercial são os meios utilizados para a obtenção do lucro. Este pressupõe, no comércio, operações de transformação ou de circulação de riqueza; portanto de intermediação, ausente nas atividades civis. Em conseqüência, estabelece-se perfeitamente a delimitação do campo do direito comercial, dado que o comércio possui meios próprios que são distintos dos atos comuns da atividade civil. E não obstante a intermediação seja objeto de estudo da Economia, que pesquisa o mecanismo de funcionamento da produção ou circulação das riquezas, como fenômeno jurídico pertence ao campo do direito comercial, que sob esse aspecto é um corpo de princípios e normas destinado a regular juridicamente as relações oriundas de tais fatos econômicos, e, portanto, autônomo, já que não se confunde com as normas elaboradas no âmbito do direito civil”.3

Distintas são as cláusulas contratuais dos contratos, se comparados na esfera mercantil, daqueles da seara civil. São princípios próprios, atinentes às regras interpretativas, que se diferenciam por completo, tanto na forma, quanto no aspecto material da pactuação.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. I, Livro I, p. 243.

2 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., p. 17.

3 Direito comercial, cit., p. 57.

Com efeito, diz o insuperável mestre que “a causa desta posição moderna do Direito Comercial tem explicação simples e natural, pois que era e é, afinal de contas, o ramo do direito privado livre e ousado, como disse MOSSA , desprendido das amarras das categorias jurídicas romanísticas, aberto às inovações de economia, de tendência naturalmente internacionalista, alimentando-se diretamente da práxis dos negócios”.1 O único aspecto dogmático que há convergência entre o direito comercial e o civil se dá na esfera obrigacional. Todo o restante se diferencia por completo, pelo fundamento do caráter negocial, o que pode impactar, inclusive, nas formalidades dos títulos de créditos, nas relações contratuais entre as empresas e tudo mais. Poder-se-ia, então, falar, acertadamente, em direito obrigacional comum, ou seja, confluência de fundamento somente no campo obrigacional. O que o Código Civil de 2002 acabou por ocasionar é uma visão reducionista do fenômeno empresarial, ao passo que não observou, com exatidão, aquilo que se edificou em sede de legislação italiana, Codice Civile, onde o empresário é o elemento central do sistema, ou seja, da empresa. A existência, no referido Código, de uma disciplina especializada, como a que recebeu a denominação de “Direito da Empresa”, é um fator incontroverso a demonstrar o matiz especialístico do direito empresarial, fato esse que é necessário se levar em consideração no momento interpretativo. Esse fato, ou seja, do capítulo especial sobre o “Direito da Empresa”, é já, por si só, suficiente em justificar e explicar a ciência do direito empresarial como ramo jurídico autônomo em relação ao direito civil, em razão da particularidade do fenômeno econômico empresarial necessariamente diverso nos seus critérios, tanto metodológicos quanto de conhecimento e aplicação efetiva do regramento específico. Em termos objetivos, permanece vigente a interpretação comercialista sobre os contratos empresariais, que não sofrem influência decisiva do método de interpretação atinente aos contratos na ordem civil.

A melhor doutrina já assentou, no momento correto, a situação atinente ao fenômeno interpretativo após “unificação” de matérias essencialmente distintas, ao passo que malgrado a inserção em um mesmo Código permanece aberta uma profunda diferença entre as relações jurídicas econômicas que tocam à produção e ao comércio sobre aquelas que pertencem aos institutos essenciais da vida civil (família, sucessão, etc.), ou ainda às atividades sem fins lucrativos. Não se trata tanto de uma diferença de estrutura, mas de uma diferença de posição. Essa diferença de posição é muito significativa ao direito, por conta da diversidade que subsiste em todo fenômeno e, portanto, também nos fenômenos econômicos e jurídicos, entre o aspecto estático e dinâmico. No fenômeno da intermediação as relações econômicas se apresentam e devem ser estudadas na sua posição funcional, ou seja, dinâmica, não em posição estática – e esse é, de fato, o dever da ciência do direito comercial.

2

Ademais, a confluência desses diferentes fenômenos, sejam estruturais ou não, se manifesta ainda mais enfática na diferenciação nos contratos empresariais (compra e venda, etc.), e tem no contrato societário a distinção maior, diametralmente oposta da perspectiva estática, típica do direito civil. O que se quer dizer é que o Codice Civile teve, sim, razões que explicam o seu aparecimento. Por outro lado, o Código Civil de 2002 não tem nenhuma razão que explica o seu aparecimento, notadamente do capítulo do “Direito da Empresa”. Pode se afirmar que tudo o que está lá disciplinado, ou seja, no “Direito da Empresa”, no Código de 2002, já o era disciplinado em outros textos normativos, quer seja no Código Comercial de 1850, quer seja nas leis especiais; a única exceção é a sociedade simples, que até hoje não se explicou, a contento, o porquê da sua aparição fantasmagórica, em sede de ordenamento jurídico pátrio. A sociedade civil cumpria, fielmente, a sua função, e não havia razão que explicasse a transliteração da sociedade simples. Com efeito, evidente que o Código de 1850 precisava passar por algumas reformas; porém, a atualização se fez pela jurisprudência, pela doutrina e, principalmente, por leis especiais, sobre as falências, títulos de créditos, novos contratos que nasceram do tráfico mercantil, etc. A reforma do Código Comercial de 1850 já era reclamada desde 1912, com o projeto do exímio jurista INGLÊS DE SOUZA , intrépido defensor da unificação entre direito civil e comercial, ao passo que apresentou dois projetos, um de código comercial e outro de emendas, que se transformava em código de direito privado. Já em dezembro de 1927 foi rejeitada a propositura de código de direito privado, prevalecendo o projeto de código comercial, até porque o Código Civil de 1916 ainda era bastante novo. É de notar que desde aquela época já se falava sobre código de direito privado, situação completamente distinta que se formou com o Codice Civile, quando a confluência de vários fenômenos sociais serviu de fundo para a sua edição, ou seja, fenômenos como o empresário, o proprietário, a família, a sucessão e os colaboradores. Isso, definitivamente, não é e nunca foi um código de direito privado, muito pelo contrário, de matiz público em várias passagens e figuras, que busca, efetivamente, a elaboração de uma “nova” sociedade, confluindo os clássicos elementos, como família, capital e trabalho, bem ao gosto da época.

1 BULGARELLI, Waldirio. Teoria jurídica da empresa, cit., p. 66.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 10, passim.

Situação distinta advém da realidade do ordenamento jurídico pátrio, quando, efetivamente, não entram as questões atinentes ao direito do trabalho, na Itália os empregados são denominados como “colaboradores”. Seguindo a opinião de CARVALHO DE MENDONÇA, o Código de 1850 nunca embaraçou o progresso do direito comercial. Leis especiais, muito cuidadosa e inteligentemente elaboradas, atenderam às novas necessidades do comércio, modificando não raro as regras que estorvavam o progresso mercantil e industrial, e se mais não se fez não foi por estorvo que esse código trouxesse, mas pelo desamparo em que a maioria dos Governos e o Congresso deixam vitais interesses da Nação. As nossas leis sobre a matéria comercial têm em seu favor a tradição e o ajustamento ao nosso meio. É um patrimônio de inestimável valor. 1 Foi exatamente o que ocorreu com o Código de 2002, quando, por um reformismo extemporâneo – pode até ter havido sua razão de ser nos anos das décadas de 60 e 70 – se revogou e fez baralhada sobre as sociedades comerciais, civis, cooperativas, contratos, etc. Por sua vez, mas ao revés, o Código de 2002 não estampou, claramente, princípios societários fundamentais, fruto da elaboração doutrinária e jurisprudencial dos povos avançados, notadamente na perspectiva institucional do direito societário, no cumprimento do perfil funcional da empresa, o que causa, verdadeiramente, muita espécie, por ser uma lei aprovada tão recentemente. Ora, bem andava o Anteprojeto do exímio ORLANDO GOMES , quando, sucintamente, disse: A propriedade, principalmente quando exercida sob a forma de empresa, deve conformar-se às exigências do bem comum, sujeitando-se às disposições legais que limitam seu conteúdo, impõem obrigações e lhe reprimem os abusos (art. 377). Nesse anteprojeto estava bem posicionada a perspectiva social da empresa, e isso lá nos anos de 1963, mesmo que de maneira ainda incipiente ao ordenamento jurídico pátrio, mas que se pode asseverar, com razão, que essa regra, acima transcrita, de certa forma abriu um capítulo de direito econômico sobre a visão da atividade empresarial, que, aos poucos, se confluiria como atividade econômica, com finalidades próprias e de função social. Os princípios são fundamentais ao direito comercial, assim como os usos e costumes. O direito empresarial caracteriza-se pela simplicidade de suas fórmulas, pela natureza de internacionalidade das suas regras, pela rapidez de sua aplicação, pela onerosidade das suas operações, distanciando-se do direito civil, extremamente formalístico, lento, restrito, nacional, burocrático. Desta feita, a autonomia do direito empresarial, que tem seu centro na atividade empresarial, congrega vários fatores de produção, circulação de riqueza, tecnologias, serviços, formação capitalista por definição, ou seja, naquela esfera e constelação de interesses poliédricos que é a empresa, que converge na própria forma de se estudar, sociologicamente, uma determinada sociedade, na qual as marcas, etc. cumprem função determinante sobre comportamentos, atinentes, inclusive, sobre a moral, a ética capitalista, as sociedades complexas, numa conformação antropológica riquíssima, que somente o direito empresarial, visto também como direito econômico numa certa perspectiva, pode explicar e edificar regras claras que levadas a efeito produzam segurança jurídica nas relações obrigacionais. O direito empresarial, na parte do direito cambiário, das sociedades, dos contratos, é, acima de tudo, um direito instrumental. Tal perspectiva leva em consideração a fonte negocial, como elemento de fomento da riqueza, sua geração, acumulação, favorecendo o tráfico mercantil, consubstanciada no elemento empresa.

Desta feita, ensina a melhor doutrina que “também há que se ver que é quase impossível codificar-se toda a matéria comercial, mesmo estando jungida à civil, dadas as constantes transformações da vida econômica que o direito comercial deve acompanhar, tendo em vista, inclusive, o seu caráter instrumental”.2

Então, em cuidadosa síntese, poder-se-ia se aconselhar a medida da unificação das obrigações, em código das obrigações, com as particularidades de cada matéria, na manifestação da vontade dos contratantes. Contudo, não foi isso que aconteceu, e a aprovação do Código Civil de 2002, no capítulo do “direito da empresa”, representa atraso lamentável, isso porque, além de vários e tantos motivos, não encara a empresa como fenômeno institucional, o que é de causar espécie, sabendo que a Lei 6.404/76, em boa técnica, diz, categoricamente, que o administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa (art. 154, caput). A Lei 6.404/76 encara, acertadamente, o perfil institucional das companhias, e entenda-se, agora, na administração da empresa, ou seja, na figura do agente controlador, ao passo que o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender (art. 116, parágrafo único).

Ora, até prova em contrário, o capítulo do “direito da empresa”, no Código Civil de 2002, na figura do empresário (individual ou social) deveria ter sido aberto observando idêntica redação da legislação acionária, porém, seguindo via inversa, acabou batendo de frente com a realidade e regulamentou a empresa somente nos seus perfis objetivo e subjetivo,

1 “O Prof. ARCANGELI, de Bolonha, aconselhando a prudência na revisão das leis da sua pátria, ponderava que um código medíocre melhora-se depois de alguns decênios, do mesmo modo que um modesto capital cresce com os anos pela acumulação dos juros. Se medíocres essas nossas leis, o que se não pode afirmar em absoluto, caberia o conceito do professor afamado. Deplorável seria desbaratar esse patrimônio numa visão inconsciente, colocando-nos em situação inferior à atual.” MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. I, Livro I, p. 114.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 59.

sem levar em consideração a empresa como instituição social, como fez, acertadamente, a nossa gloriosa Lei 6.404, em 1976.

Pode-se acreditar que essa prova em contrário não se pode realizar porque o Código Civil é silente na matéria, não podendo, nem mesmo, se acreditar que a regra “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”, em matéria societária, não tem a amplitude que deveria ter, notadamente porque é contrato plurilateral, não se identificando, claramente, a idêntica função social entre os contratos bilaterais com os contratos plurilaterais. Ademais, já se disse que a função social do contrato bilateral está em ser cumprido efetivamente, conforme suas cláusulas pactuadas de maneira comutativa, e a pacta sunt servanda nada mais é que a confluência estritamente jurídica da função social, ou seja, a pacta sunt servanda é a manifestação da função jurídica dos contratos. A prática já mostrou, e o fracasso da prestação jurisdicional inevitavelmente vai nessa direção, que o revisionismo contratual, no país, interessa, quase que unicamente, aos gatunos, que não querem cumprir sua palavra nos contratos, valendo-se da morosidade precária do Judiciário para auferirem ganhos enormes! Ora, que justiça é essa, que favorece os gatunos, que assinam e depois não pagam? A lei deve ser implacável contra os que não cumprem suas obrigações mercantis, porque a certeza jurídica é o que mantém viva a segurança jurídica nos contratos. A função social do contrato societário é bem outra e decorre de uma atividade econômica organizada. Por conseguinte, levada a efeito pela atividade empresarial organizada, o empresário é o titular da prerrogativa jurídica de fazer valer essa função social, observando os patamares fixados pelo próprio ordenamento jurídico, no qual os artigos 116 e 154 da Lei 6.404/76 compõem a imensa constelação de interesses que gravitam ao redor do elemento empresa, mas o ordenamento jurídico possui, ainda, inúmeras outras regras que confluem para a função social da empresa, que são de ordem complementar, como as de natureza concorrencial, trabalhista e econômica.

38. Da redação dos artigos 982 e 983 do Código Civil

Diz o referido texto “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresa sujeita a registro (art. 967); e, simples, as demais. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”, nos termos do art. 982 do Código. Para que uma atividade possa entrar na categoria de sociedade civil é necessário que desenvolva uma atividade econômica, porém não comercial. Neste caso, tal sociedade será simples. Por seu turno, “a sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo”, conforme art. 983 do Código.

A correta redação está no Codice Civile, artigo 2.249, ao dizer com perfeição “le società che hanno per oggetto l’esercizio di una attività commerciale (2.195) devono costituirsi secondo uno dei tipi regolati nei capi III e seguinti di questi titolo (2.291 ss.). Le società che hanno per oggetto l’esercizio di una attività diversa (2.135) sono regolate dalle disposizioni sulla società semplice (art. 2.251 ss), a meno che i soci abbiano voluto costituire la società secondo uno degli altri tipi regolati nei capi III e seguinte (2.291 ss.) di questo titolo. Sono salve le disposizioni riguardanti le società cooperative (2.511 ss) e quelle delle leggi speciali che per l’esercizio di particolari categorie d’imprese prescrivono la costituzione della società secondo un determinato tipo”. Essa regra deve ser aplicada em direito pátrio. Como atividade diversa – art. 2.135 do Codice Civile – entenda-se: imprenditore agricolo, dentre outras. A redação dos artigos 982 e 983 do Código Civil de 2002 é, verdadeiramente, péssima, e sem nenhuma correlação com a prática brasileira anterior à sua entrada em vigência, e, com efeito, essa é a prova da catástrofe que foi a transliteração de instituto jurídico que não se encontrava presente na prática societária do país, notadamente a sociedade simples. Cumpre ressaltar que se a sociedade, uma atividade tipicamente simples, for constituída segundo um dos tipos previstos entre os artigos 1.039 e 1.092, essa sociedade deve ser considerada, por força de lei, como empresária, pelo fato de que a sua forma absorve a substância, seguindo a posição de BRUNETTI, inclusive para efeitos falimentares.1 A Jurisprudência tem que estar atenta e observar a correta interpretação na aplicação da lei.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 80.

Capítulo II

DO CONTRATO DE SOCIEDADE

39. Do capital social das sociedades

Conforme clássica definição, “o capital social é o fundo originário e essencial da sociedade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte constituído para a base das operações. Os sócios podem, modificando ou alterando a cláusula contratual que o determina, aumentá-lo ou diminuí-lo livremente, desde que não ofendam direitos de terceiros”.1

Nas sociedades limitadas, o capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio, e pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social respondem, solidariamente, todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. A responsabilidade solidária é correta porque tal valor foi aprovado pelos próprios sócios, assumindo, assim, a respectiva responsabilidade para com terceiros que a sociedade venha travar negócios sociais. Nas limitadas, é vedada a contribuição que consista em prestação de serviço. Nesse passo o legislador foi bem ao impedir a formação de sociedades limitadas nos moldes das antigas sociedades de capital e indústria. Ocorre que nas sociedades simples é permitida a contribuição como serviço, as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços. A técnica legislativa de 2002 não foi a melhor nesse passo, fazendo sempre inúmeras remissões ao texto da sociedade simples (nos outros tipos societários) criando possível confusão e baralhada. Assim, os artigos 986, 1.041, 1.046 e 1.054 do Código Civil. Técnica equivocada essa por fazer alusão à sociedade simples, eminentemente não empresária (art. 982), ao lado de sociedades tipicamente empresárias. Quanta modernidade nesse texto legal de 2002, porém que só baralhada fez. Por exemplo, art. 998, no caso do Registro das sociedades simples. Na Itália, a società semplice, por mandamento do art. 2, I, do Decreto nº 558 do Presidente da República, de 14 de dezembro de 1999, é inscrita na seção especial do Registro das Empresas.

40. Do fundo social nas sociedades

Sem fundo ou capital não se compreende como possa a sociedade funcionar. Cumpre, então, distinguir capital social de fundo social. Fundo é o conjunto de haveres que formam o ativo da sociedade e abrange o capital e outros valores a ele agregados por via de lucros retidos. O capital permanece fixo, e, no instante em que a sociedade se constitui, o fundo coincide com ele, mas colocado o capital a girar, aquele pode suplantá-lo, por força de lucros, que se lhe agreguem ou lhe fiquem inferiores, por efeito de prejuízos, na brilhante lição de

WALDEMAR FERREIRA. 2

Estimado em moeda do país, forma-se o capital que pode ser também em bens móveis, imóveis, incorpóreos, etc. O fundo social é o patrimônio da sociedade, no sentido econômico: a soma de todos os bens que podem ser objeto de troca, possuídos pela sociedade; compreende não apenas o capital social, mas tudo que a sociedade adquirir e possuir durante sua existência, como lucros não distribuídos, empréstimos contabilizados, etc.3 As frações de capital se denominam quotas e ações. O contrato social confere vida ao fundo social, que é a somatória dos bens conferidos pelos sócios e que entram no patrimônio social.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, Livro II, parte III, n. 536, p. 29.

2 Instituições, cit., n. 312, p. 466.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, Livro II, Parte III, n. 536, p. 29.

41. Da participação sobre os lucros e nas perdas

É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas (art. 1.008, C.C.).1 O texto legal não pode ser interpretado literalmente, apenas. Qualquer pacto social que estipule pagamento irrisório sobre os lucros, ou que seja praticamente irrealizável, como mera possibilidade, também está incluído na vedação legal.

Por conseguinte, naturalmente a proibição “del patto leonino non può essere inteso in senso così formalistico da ritenere vietato soltanto il patto che escluda in modo assoluto una partecipazione agli utili. Questa non può ridursi ad una mera apparenza priva di contenuto sostanziale. Cadono pertanto sotto il divieto legislativo le ipotesi in cui la partecipazione sia addirittura irrisoria o quelle in cui costituisca una mera possibilità e sia perciò praticamente irrealizzabile”.2 Por sua vez, conforme a doutrina clássica, nulo é o contrato social que atribuir todas as perdas ou todos os lucros a um único sócio ou que afastar um ou mais deles dos lucros ou prejuízos.3 Societas simulata, ficta est illicita – por conseguinte, nula de pleno direito. Nula é a sociedade na qual o sócio se isente de compartir nos prejuízos.4 A não participação nos prejuízos poderia caracterizar mútuo, desvirtuando por completo a noção do contrato social, e, por isso mesmo, a sanção é sua nulidade.

Com efeito, “la loi déclare nulle la clause qui attribuerait à l’un des associés la totalité des bénéfices, et celle qui affranchirait un associé de toutte contribution aux pertes. Ce sont les clauses léonines”.5 Da mesma forma que os lucros são comuns aos sócios, do mesmo modo o são as perdas, o que, por si só, desvia a sociedade dos contratos aleatórios, e o contrato social que tivesse as cláusulas: a totalidade dos lucros a um dos sócios; a privação dos lucros para um dos sócios; a liberação de algum sócio dos prejuízos sociais; seria nulo, pois faltaria ao seu fim – a sociedade é que se acharia nula e não a cláusula proibida –, a regra é de ordem pública.6 È nullo il patto con il quale uno o più soci sono esclusi da ogni partecipazione agli utili o alle perdite (art. 2.265, Codice Civile it.). É também nula a cláusula que exclua a possibilidade do evento risco como fato provocador das perdas. O risco é a essência da atividade negocial, e sua exclusão acarreta a nulidade do contrato.

42. A sociedade não é comunhão de direitos ou comunhão de escopo

Para se dar vida a uma sociedade as partes devem manifestar, expressa ou tacitamente, a vontade não apenas de colocar em comum determinadas coisas ou serviços, mas também de colaborar, conjuntamente, para o desenvolvimento e crescimento econômicos desses bens, e para isso domina o princípio da confiança, ainda que mais visível nas sociedades de pessoas, mas, de forma ampla, semelhante em todo e qualquer tipo societário.

1 “L’esprit de collaboration et d’égalité exige que les clause de l’acte de société permettent la participation de tous le associés aux bénéfices et imposent la contribution de chacun aux pertes.” RYN, Jean Van. Principes, cit., t. I, p. 236.

2 “Si potrebbe pensare pertanto che anche la partecipazione alle perdite sia elemento essenziale del contratto di società. La considerazione della evoluzione storica dell’istituto e del diritto comparato inducono peraltro a ritenere che la partecipazione alle perdite non rientri nella struttura essenziale del contratto di società e che il divieto del patto che esclude il socio da ogni partecipazione alle perdite (inteso anche questo divieto non in senso formalistico) trovi piuttosto il suo fondamento in considerazioni di ordine morale e politico”. Ferri, G. Manuale, cit., p. 208.

3 “Outro elemento indispensável à constituição das sociedades é a participação de cada sócio nos interesses, visto como a finalidade de lucros constitui requisito fundamental da sociedade comercial. Na participação dos lucros está implícita a contribuição para as perdas sociais.”, PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., p. 71.

4 “Não incide em nulidade o pacto que prive dos lucros do exercício ou porcentualmente o sócio infrator das cláusulas contratuais. Dá-se a partilha dos lucros.

Revertem eles, porém, à sociedade, como pena pecuniária ou multa contratual. Entra ela, porém, na sistemática da matéria, aos seus princípios gerais subordinada. Do mesmo modo, é lícita a cláusula que estabeleça a permanência dos lucros partilhados no giro dos negócios sociais, de molde a levantarem-se somente em parte, permanecendo a outra parte na sociedade até o fim de seu prazo ou a pagarem-lhe pela saída dos sócios da sociedade. Também é lícita a que os impute no capital social, a fim de integralizarem-se as quotas ainda não realizadas.” FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., n. 327, p. 481.

5 RYN, Jean Van. Principes, cit., t. I, p. 236.

6 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 559, p. 46.

Existe comunione, e não sociedade, quando as partes constituem a relação jurídica ou a mantêm, somente ao escopo de usufruir de uma ou mais coisas, bem sabendo que as partes contratantes têm apenas a intenção de exercitar, em comunhão, os direitos decorrentes da titularidade da propriedade. Existe sociedade, na esteira de GALGANO, quando as partes contratantes se propõem exercitar, entre eles, a liberdade de iniciativa econômica, exercitando uma atividade de empresa, ao passo que em relação a essa o usufruir dos bens constitui somente um elemento, ou seja, o elemento da utilização dos fatores reais de produção.1 O Codice Civile foi expresso, (art. 2.248), ao dizer que a comunhão constituída ou mantida para o escopo de aproveitamento de uma ou mais coisas é regulada pelas normas do Título VII, Livro III, ou seja, da propriedade em condomínio. Essa regra foi importantíssima em sentido histórico porque afastou qualquer dúvida, que existe em tempos mais antigos, em se explicar a figura societária, na parte do fundo social, em semelhança ao instituto da copropriedade, existente desde os remotíssimos tempos romanos. Essa confusão de termos ganhou relevância jurídica em decorrência da teoria alemã que explicava sobre a comunhão de escopo (Zweckgemeinschaft) e a comunhão de direitos (Rechtsgemeneinschaft), quando incluíram na comunhão de escopo: as associações; uniões corporativas e as sociedades de capital e pessoas. A comunhão de direitos é a figura romana clássica da copropriedade, usufruto, servidão. Contudo, a sociedade empresária se diferencia por completo dessas construções jurídicas, por tantos e tantos motivos, mas, principalmente, porque o patrimônio social se destaca completamente daquele da communio juris romani porque na comunhão de origem romana existe uma cotitularidade, isto é, o direito exclusivo toca por partes a várias pessoas sobre a mesma coisa; ao passo que na sociedade existem mais sujeitos de direitos ligados por um vínculo contratual tendo cada um desses sujeitos um direito idêntico e autônomo sobre à mesma entidade e em relação à mesma entidade, como direito obrigacional.

2 CARVALHO DE MENDONÇA já havia afastado qualquer confusão entre sociedade e comunhão de bens, elencando as suas diferenças: a comunhão, em regra, advém da lei, como, por exemplo, os co-herdeiros; na comunhão, cada indivíduo possui uma quota ideal representativa do seu quinhão; nas sociedades, os sócios não são condôminos do fundo social; na comunhão cada condômino trabalha por si e para si, não para os consortes; não cogita da percepção dos lucros que a coisa comum produz, porém dos benefícios (vantagens) que o seu quinhão lhe traz; na comunhão o condômino não atende a outro interesse que o individual, porque os frutos da coisa pertencem a cada um deles individualmente – o fim da comunhão não é partilhar lucros, mas o gozo calmo e de repouso, e por isso o comunheiro não presta contas ao outro dos rendimentos de sua parte ou quinhão; na sociedade há uma organização; existe colaboração ativa de todos os sócios no interesse comum; promove-se a distribuição de lucros, que são de todos, etc.3 O aspecto fundamental dessa distinção é que, na minha perspectiva, é ilegal, por juridicamente impossível, a realização de penhoras sobre participações sociais. A participação social confere direitos políticos, de voto, e tem uma valoração patrimonial. Essa valoração patrimonial decorre do funcionamento da sociedade, dos seus ativos, corpóreos e incorpóreos, da manutenção da atividade empresarial, etc., como titularidade, na sua natureza jurídica, em direito mobiliário, bem móvel, livremente negociável, observadas as condições contratuais. Ter na participação social um valor monetário, única e exclusivamente para fins de penhora, afronta, expressamente, o direito constitucional do sócio, na sua titularidade de valores mobiliários, que lhe conferem a prerrogativa organizacional sobre a empresa. Por conseguinte, a penhora é uma afronta ao conceito de empresa organizada na qualidade de empresário. A condição jurídica dos bens sociais é profundamente diversa daquela dos bens em copropriedade porque esses últimos não têm nenhuma destinação: os coproprietários exercitam, sobre coisas comuns, as faculdades jurídicas que entram na qualidade de proprietário, até o limite imposto a cada um deles em respeito aos demais direitos, e, inclusive, os coproprietários podem exercitar esses seus direitos, desde que respeitados os direitos dos demais, de maneira autônoma entre eles. Sobre os bens sociais ocorre o oposto, ou seja, esses bens conferidos ao patrimônio social têm destinação que consente o seu exercício somente dentro da atividade empresarial prevista pelo contrato social (objeto social), excluída qualquer outra diversa utilização.4 Na qualidade jurídica de bens com destinação ao exercício da atividade de empresa, o direito de titularidade das participações sociais tem que ser respeitado como prerrogativa constitucional, bem sabendo que ser sócio é ter direito de voto, exercitável sempre no interesse da sociedade. Impraticável, portanto, toda e qualquer medida que possa restringir, sob esse aspecto, o pleno exercício do direito de voto, observada, com exatidão, a regra societária das maiorias, do quorum de votação, do conflito de interesses, etc.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 50/51.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 16.

3 Tratado, cit., vol. III, n. 530, p. 24.

4 GALGANO, Francesco., Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 51.

O patrimônio social é garantia dos credores, e na formação da sociedade, seja de pessoas ou de capitais, existe vínculo jurídico da sociedade e os terceiros, do ponto de vista da responsabilidade pelas obrigações sociais, bem sabendo que nas sociedades de pessoas, com responsabilidade solidária e ilimitada, a garantia dos credores é acrescida pelo patrimônio individual do sócio, mas esse referido patrimônio não se confunde, em hipótese alguma, com o patrimônio social. Com efeito, são situações jurídicas completamente distintas, quais sejam, a de titular de patrimônio na qualidade de sócio e do patrimônio social, na perspectiva do fundo social. Na formação do fundo social concorrem todos os sócios, com bens, efeitos, dinheiro, etc., e desse contrato nasce uma nova entidade, que assume direitos e obrigações perante terceiros. Do outro lado, como sociedade, nada se confunde com a titularidade desse fundo social ou ainda de sua administração. A sociedade tem autonomia patrimonial em relação aos seus sócios, e os bens sociais se apresentam como um patrimônio distinto, vinculado à sociedade por força da sua específica destinação, que é o exercício da empresa social. Esse patrimônio autônomo, como já se disse, é garantia dos credores sociais, e não dos credores individuais do sócio. A sociedade é terceira diante do passivo do sócio que a integra, observadas as exigências legais.

43. Da autonomia da vontade nos contratos societários

O Código Civil de 2002 permite revisionismo incrédulo sobre os contratos. Como a sociedade se forma via contrato, que, já se viu, é um contrato plurilateral, o contrato societário não pode ficar sujeito ao pretenso sistema da revisão judicial dos contratos, infelizmente propalado pelo referido Código. Fora algumas regras expressas, como a vedação da sociedade leonina (Hanc societatem leoninam solitum appellare) e poucas outras, é ampla a liberdade de contratar. Incorre em equívoco qualquer outra opinião. Para surgir a sociedade, basta que o seu objeto seja lícito e que não ofenda ordem pública e preserve os bons valores da sociedade.1 Como contrato que é, a sociedade observa somente alguns dos pontos principais da teoria geral dos contratos, entre os quais: a) capacidade; objeto lícito; prazo; boa-fé. Em sede de contratos societários, a formação do vínculo de affectio societatis demonstra a presunção de boa-fé entre os contratantes. Se após a formação da sociedade, ou até integralizados seus fundos, a boa-fé não se manifestar, por conseguinte, aquele contrato de sociedade vai experimentar abalo sensível, de ruptura na manifestação de vontade, colidindo com sua finalidade e fim social, ocasionando sua inviabilidade na consecução do objetivo comum, desfalecendo como instrumento, colocando termo à sociedade, partindo para sua dissolução ou apuração de responsabilidade contra o pretenso sócio de má-fé, apurando as perdas e danos em favor do sócio in bonis. O contrato societário é plurilateral2 e como regra de interpretação vale que: a invalidação do vínculo de uma parte não importa a invalidação do inteiro contrato, assim como o inadimplemento de uma parte ou a impossibilidade da prestação de uma parte acarreta a resolução do contrato, salvo no caso em que a participação ou a prestação faltante deve, conforme as circunstâncias, ser considerada essencial para a realização do objetivo comum.3

44. Da capacidade de contratar

Na lição de CUNHA PEIXOTO , a capacidade para participar de uma sociedade representa o conjunto de condições exigidas pela lei para que a pessoa esteja em condições de adquirir a posição de sócio.4 Podem exercer a atividade de empresário individual os que estiverem em pleno gozo de capacidade civil e não forem legalmente impedidos. É a regra da capacidade no direito comum, que consta dos artigos 1º-5º do Código Civil; e transcrita em sede empresarial também do seu art. 972.

1 “Il est incontestable que la prohibition des clauses léonines s’applique aux dispositions statutaires qui auraient pour résultat d’exonérer um associe de la participation aux pertes ou encore attribueraient à l’un des associés la majeure partie du profit de l’activité sociale sans que cette inégalité soit justifiée par l’importance de as participation dans le capital social.” JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., p. 113-114.

2 “Ciò che caratterizza i contratti plurilaterali non è il numero dei contraenti, superiore a due, ma il fatto che le prestazioni di ciascuno di essi sono dirette al conseguimento di uno scopo comune, per cui essi si distinguono dai contratti di scambio, nei quali la prestazione di una parte è compiuta esclusivamente nell’interesse dell’altra.” Cass. Civ., sez. I, 12 dicembre 1972, n. 3572, Rep. 1974, 1315, cf., BARTOLINI, Francisco e Dubolino, Pietro, Il Codice Civile, Piacenza, Casa Editrice La Tribuna, 2006, p. 1.232.

3 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 202.

4 CUNHA PEIXOTO, A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, Rio de Janeiro, Forense, 1958, 2ª ed., p. 64.

Deve ser interpretado “exercer” a atividade de empresário. O exercício tem o significado de atuar diretamente, praticando todos os negócios sociais, para alcançar o objetivo comum, nas sociedades de pessoas.1 O termo empresário leva em consideração esse exercício efetivo da sua própria condição profissional. O empresário será individual ou social, no caso das sociedades. Por isso dá restrição ao pleno gozo da capacidade civil se forem legalmente impedidos. A sanção advém da interpretação do art. 973, que a pessoa está legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário; se, entretanto, exercê-la, , responderá pelas obrigações contraídas. Isso não significa concluir que, se a pessoa legalmente impedida vier a exercer atividade de empresário, ela será considerada empresária, muito pelo contrário. O que o Código diz é que tal pessoa é responsável, na totalidade, pelas obrigações. É uma pessoa capaz, mas legalmente impedida ao exercício de tal atividade, qual seja, de empresário. Essa capacidade será necessária para a participação na administração das sociedades de pessoas. Nas sociedades de pessoas (em nome coletivo; simples), somente sócios podem exercer a administração. Neste passo, somente a pessoa capaz poderá exercer a administração, e, por conseguinte, participar da sociedade. Nas demais sociedades (capitalistas; limitada; anônima), qualquer pessoa pode ser sócia, porque a administração pode ser feita por administrador contratado, não sócio.

45. Do exercício da capacidade de empresário

Nas sociedades, os sócios têm direitos, que lhe conferem o status de sócio, como, por exemplo: votar nas reuniões, assembléias, participar da gestão, fiscalizar as contas sociais, aprovar a dissolução, eleger diretores, receber lucros, participar do acervo, etc. É dessa capacidade que estabelece o Código. Ou seja, do exercício da capacidade. Tal atividade é própria da condição de empresário, ou seja, aquele que tem a competência de administrar a sociedade: é o caráter profissional no exercício dessa atividade.

São duas capacidades distintas que decorrem do contrato de sociedade: a) capacidade de contratar, idêntica à teoria geral dos contratos; b) capacidade de exercer a atividade de empresário na forma societária, restrita às sociedades. A sociedade é a forma do exercício coletivo da atividade empresarial. O empresário individual é a forma do exercício pessoal da atividade empresarial. São considerados empresários: a) as pessoas naturais que, no gozo da capacidade jurídica, exercem profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços; b) as sociedades empresárias, constituídas para o exercício de atividade empresarial (arts. 966 e 982, CC.). Salvo as exceções expressas em lei, considerase empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro. Todos os empresários estão caracterizados pelos mesmos princípios e submetidos às mesmas obrigações, fazendo valer, igualmente, os seus direitos. Quando o Código diz empresário, está se referindo às sociedades (empresa social) e ao empresário individual. Por isso, alguém que não estiver em pleno gozo da sua capacidade civil e for legalmente impedido nunca poderá exercer a atividade empresarial. Porém, nos casos raríssimos do art. 974, o incapaz ao exercício da atividade empresarial poderá, por meio de representante, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor da herança.2 Com efeito, um incapaz (por qualquer motivo) pode ser sócio de uma sociedade, mas não é competente para administrála. Uma pessoa de um dia de vida pode ser sócia de qualquer sociedade, mas não pode – obviamente – exercer os atos negociais, e, por conseguinte, não pode ser considerada empresário. O Código Civil, com acerto, determina que nos casos deste artigo precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada

1 “Toute persone ayant la capacite de contracter peut être partie à un contrat de société. La participation à ce contrat est un acte de disposition ou un acte d’administration, selon que l’apport promis a pour objet la propriété de certains biens ou seulement leur jouissance. Les formalités à observer pour que le consentement d’un incapable soit valablement exprimé pour que l’apport promis ne puisse être conteste, seront principalement déterminées d’aprés cette distinction.” RYN, Jean Van. Principes, cit., t. I, p. 226.

2 “O Cod. Com. no art. 1º, n. 1, exige como qualidade necessária para ser comerciante que a pessoa se ache na livre administração de sua pessoa e de seus bens. Que os interditos não podem iniciar a exploração do comércio, bem entendido, sob a gerência de outrem, não há dúvida, mas quid se a interdição sobrevier no curso da empresa comercial? No caso de interdição por loucura, o negócio ou a empresa comercial pode continuar sob a gerência do curador ou de preposto por este nomeado, com autorização do juiz. É o único caso, pensamos nós, em que pelo nosso direito se admite a gerência de empresas comerciais dos incapazes. Achamos fundamento para este acerto no dispositivo do Código, que permite continuar na sociedade o sócio que se torna incapaz. A incapacidade do sócio, sobrevinda durante a vida normal da sociedade, não dissolve esta ipso facto (Cód. Com., arg. do art. 335); dá, tão-somente, aos outros sócios a faculdade de requerer a dissolução (Cód. Com., art. 336, n. 2). MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. II, n. 22, p. 34. Na disciplina do Código Civil, igualmente, a decretação de interdição não provoca – ipso facto – a dissolução da sociedade.

pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros (art. 974, § 1º). Não se pode olvidar que, neste caso, todos os atos autorizados e praticados pelo representante são válidos, e o interdito incorre em falência, se empresário individual. A sociedade, na qual o sócio foi objeto de interdição, também pode ser declarada falida, apurando-se as responsabilidades, inclusive do representante. Note-se que, em casos raros, uma pessoa nessas condições pode até ser sócio de sociedade de responsabilidade ilimitada, com a ressalva do art. 974, § 2º, do Código. O menor será assistido por seu representante legal. A disciplina completa, no direito comparado, está no Codice Civile, artigos 320, 371, 397, 424, 425 e 2, 294, dentre outros.

46. Do objeto social e do prazo nas sociedades

Toda e qualquer sociedade deve conter um objeto social, ou seja, o ramo do seu negócio.1 A sua perfeita descrição no contrato social é fundamental para o bom andamento dos negócios e impede a aplicação prática de casos como a teoria ultra vires; ou atos negociais praticados com excesso e abuso de poder ou desvio de finalidade. Na lição de WALDIRIO BULGARELLI , dentre os requisitos obrigatórios está a indicação precisa do objeto social da sociedade, porque no contrato societário “não apenas se verifica a licitude das operações, o que é requisito geral dos contratos, mas, também, se fixa o campo de atividades em que vai operar, afirmando o seu fim para efeito de concessão da personalidade jurídica, cuja capacidade é outorgada para atuar no sentido do objeto. Há que não se confundir objeto com objetivo; este é sempre, nas sociedades comerciais, lucrativo, enquanto o objeto se refere às atividades a que se dedicará a sociedade”.2

Com efeito, diz MICHEL JEANTIN: “L’objet social n’est rien d’autre que l’objet de l’explotation sociale tel qu’il est défini dans les statuts.”.3

Objeto social é o específico tipo de atividade econômica que os sócios estabeleceram em exercitar sob a forma social.4 O objeto da sociedade há de ser lícito, ou seja, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.5 Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes (art. 2º, Lei 6.404/76). A melhor doutrina é dessa direção, e MODESTO CARVALHOSA ensina sempre corretamente que, na hipótese de exploração de objeto ilícito ou exercício de atividades contrárias à ordem pública e aos bons costumes por parte de pessoa jurídica, tais irregularidades não poderão ser convalescidas. Com efeito, por aplicação do art. 5º, XII, da Constituição Federal, não pode a pessoa jurídica exercer atividade proibida por lei, e se for constituída cabe ao órgão de registro público competente denegar o arquivamento dos atos respectivos. Ademais da rigorosa legalidade, o objeto também deve ser possível, exeqüível e realizável.6

Toda sociedade deve ter prazo de duração, que pode ser determinado ou indeterminado.7 Pode ser constituída também para negócio específico. Pode existir para durar dias, semanas ou anos. O contrato de sociedade é de execução continuada e diferida no tempo.

1 “Comme dans toutes le conventions, le obligations auxquelles donne naissance le contrat de société doivent avoir un objet e une cause licites”. RYN, Jean Van, Principes, cit., t. I, p. 228.

2 Sociedades comerciais, cit., p. 34.

3 “La définition statutaire de l’objet social sera généralement largement conçue, ce qui a l’avantage d’eviter de trop fréquentes modifications qui seraient rendues nécessaires par l’evolution de l’activité de la société.” Droit des sociétés, cit., p. 34.

4 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 145.

5 PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., p. 67.

6 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, 2ª ed., 2005, pp. 669/670.

7 A situação é bem complexa nas sociedades com prazo indeterminado, tanto que em termos de interpretação, “sendo a sociedade instituída com prazo indeterminado, isto é, sem duração fixada no contrato (sine temporis proefinitione), a presunção legal é que os sócios se reservaram o direito de dissolvê-la, quando qualquer deles bem entendesse. A sua duração foi deixada ad beneplacitum sociorum. Não há contratos eternos, especialmente o de sociedade, alicerçado na confiança recíproca. Nulla societatis in oeternum coitio est (L. 70, Dig. Pro socio). O ato unilateral da vontade de um dos sócios rompe o contrato”. MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 790, p. 215. Dizia o Código de 1850, art. 335, 5, “as sociedades reputam-se dissolvidas por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado”. Interessante a opinião de TULLIO ASCARELLI sobre a mesma hipótese, aplicada às sociedades anônimas, cf. Problemas das sociedades, cit., p. 274.

47. Dos atos ultra vires societatis

Como ensina o nosso saudoso WALDIRIO BULGARELLI ,

“a doutrina ultra vires foi elaborada para defender os interesses dos acionistas. Os poderes enumerados pelo estatuto e os poderes reconhecidos implicitamente são aqueles que os acionistas confiaram ao Conselho de Administração e só. Eles têm pois o direito de esperar que não sejam ultrapassados e a sociedade não seja responsabilizada por atos sem relação com o objeto para a qual ela foi fundada”.1

Com efeito, a lição do mestre é perfeita, e seguindo os seus ensinamentos pode-se defender a decretação da ineficácia em relação à sociedade dos negócios sociais praticados fora dos limites do objeto social, ineficácia essa que protege a sociedade e os seus acionistas, fazendo que os terceiros se acautelem ao contratar com as sociedades personificadas (quaisquer que sejam). A ratificação do ato ultra vires poderia ser aceita somente se não prejudicasse terceiro. Essa a interpretação em consonância com o art. 1.015 do Código Civil.

48. Da liberdade de contratar

Tempos de ouro foram aqueles da pacta sunt servanda nos contratos. Por ser uma figura contratual, a sociedade deve ter regras claras e objetivas que manifestem a vontade dos seus sócios. Desde que o agente seja capaz, o objeto do contrato seja lícito e se observe a forma prescrita, ou não proibida em lei, pode ser estipulado o que convier às partes – uma vez formado o contrato, este se inclui logicamente na propriedade e tem, sobretudo, a garantia constitucional.2 Ainda hoje, com a teoria da revisão nos contratos e a tal propalada função social dos contratos, tal situação permanece inalterável, inabalável pelos ventos dos revisionistas, e o contrato social deve agasalhar a liberdade de contratar na perspectiva mais profunda do termo. Com efeito, é na liberdade de contratar que nasce a riqueza e prospera o país. A principal função social de um contrato é o seu efetivo cumprimento dentro das regras pactuadas. Fere o sentido mínimo da capacidade lícita que alguém firme contratos sem a intenção de cumprir efetivamente com a palavra empenhada. No direito empresarial, em especial nos contratos e nas sociedades, tal máxima tem efeito claro. A liberdade de pactuar é um direito natural e um poder moral da ética capitalista.

49. No contrato societário não vale a cláusula exceptio inadimpleti contractus

O sócio não pode se refutar ao cumprimento da sua própria obrigação – exceptio inadimpleti contractus – senão quando do inadimplemento do outro sócio seja determinada a impossibilidade do cumprimento do objetivo comum da sociedade. Assim, o contrato de sociedade não se resolve nem mesmo por efeito da saída de um sócio da sociedade (morte, exclusão, recesso), salvo quando o cumprimento do objetivo social seja comprometido.3 Conforme diz BRUNETTI, nas sociedades não é aplicável a regra da exceptio inadimpleti contractus, que é própira dos acordos bilaterais: “pertanto un socio não potrebbe rifiutarsi di eseguire il promesso conferimento allegando che altri non l’hanno effettuato. L’eccezione appartiene all’essenza dei contratti com prestazioni correspetive nei quali, come vuole l’art. 1460, ciascuno dei contraenti può rifiutarsi di adempiere la sua obbligazione quando l’altro non adempie o non offre di adempire la propria”.4

No contrato societário o sócio adquire a quota social, como efeito natural do contrato, e não há uma contraprestação imediata porque as contribuições confluem diretamente ao patrimônio da sociedade, o que impede qualquer argumentação de exceptio non adimpleti contractus.

1 BULGARELLI, Waldirio, Questões de direito societário, RT, São Paulo, 1983, p. 6.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. I, n. 199, p. 297.

3 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 203.

4 BRUNETTI, Antonio, Trattato, cit., vol. I, p. 110.

50. Da anulabilidade e da resolução do contrato plurilateral.

Nos contratos plurilaterais, l’annullabilità che riguarda il vincolo di uma sola delle parti non importa annullamento del contratto, salvo che la partecipazione di questa debba, secondo le circostanze, considerarsi essenziale (art. 1446, Codice Civile).

Nos contratos plurilaterais – contrato societário – l’inadempimento di una delle parti non importa la risoluzione del contratto rispetto alle altre, salvo che la prestazione mancata debba, seconde le circostanze, considerarsi essenziale (art. 1459, Codice Civile). Na esteira de TULLIO ASCARELLI , o inadimplemento de um entre os participantes do contrato plurilateral não autoriza, de per si, os outros sócios a não executarem a sua prestação, caso continue possível a consecução do objeto social.1 Da mesma forma, diz MODESTO CARVALHOSA , o rompimento do contrato em relação a uma das partes não prejudica a sua continuidade com relação às demais, e, outrossim, faculta-se o ingresso de novas partes a qualquer tempo, as quais ficarão vinculadas ao contrato social.2

O contrato plurilateral permite resolução parcial, mantendo a continuidade do seu funcionamento em regrar a disciplina social e a saída do sócio dissidente ou excluído.

51. Da anulação do contrato plurilateral

Diz o texto do Codice Civile (art. 1.420), e que é perfeitamente aplicável na prática societária pátria que “nei contratti con più di due parti, in cui le prestazioni di ciascuna sono dirette al conseguimento di uno scopo comune, la nullità che colpisce il vincolo di una sola delle parti non importa nullità del contrato, salvo che la partecipazione de essa debba, secondo le circonstanze, considerarsi essenziale”. Tal regra é idêntica para os casos de anulabilidade.

Com efeito, nos contratos com mais de duas “partes”, nos quais as prestações de cada uma são direcionadas à busca do objetivo comum, a nulidade que incide apenas sobre o vínculo de apenas “uma” dessas “partes” não acarreta a nulidade inteira do contrato, salvo se a participação dessa “parte” seja, conforme as circunstâncias, considerada essencial ao contrato.

Esse é o ponto de partida da interpretação do contrato societário plurilateral.

52. A constituição das sociedades não é um ato unilateral

Que a constituição da sociedade seja feita por via contratual parece já fora de dúvida. Contudo, teve grande impacto a teoria que entende na sociedade, no fato de sua constituição legal, uma manifestação, confluindo vontade, na perspectiva de se considerar como “ato unilateral”, com o significado de deliberação dos sócios. A pessoa jurídica é um ente coletivo, constituído para determinado fim, com vida e patrimônio próprios, distinta dos indivíduos que a integram, e a personalidade jurídica implica três condições fundamentais, todas correlacionadas diretamente, que são: capacidade patrimonial; capacidade para praticar todos os atos e negócios jurídicos, adquirindo direitos e obrigações; capacidade judicial, ativa e passiva.3 Os principais subscritores da teoria do ato unilateral em criar uma vontade coletiva são GIERKE e REGELSBERGER. Para essa doutrina, o acordo e o nascimento da pessoa jurídica, ainda que interdependentes, são duas coisas diversas; por exemplo, na sociedade por ações a variante consiste naquilo que o ato constitutivo alcance a sua eficácia contratual no momento em que nasce a pessoa jurídica, mas o efeito é o mesmo porque na declaração plurilateral dos associados, e dos sócios, é manifestação do consenso contratual e contemporaneamente afirmação da vontade criativa da personalidade, e, por isso, se poderia afirmar que a pessoa jurídica deriva de um ato unilateral da pluralidade unificada e emana da corporação (personificação) que se coloca como sujeito.4

1 “Nos contratos bilaterais, podemos identificar uma relação sinalagmática, enquanto a obrigação de uma das partes dependa da existência de uma obrigação válida da parte contrária ou enquanto a inexecução da obrigação de uma das partes autorize a não execução da obrigação da parte contrária. Ora, nos contratos plurilaterais, essa relação, em lugar de ter caráter direto e imediato, como nos contratos de permuta, adquire um caráter indireto e mediato; a invalidade ou inexecução das obrigações de uma parte não exclui, só por si, a permanência do contrato entre as demais, a não ser quando torne impossível a consecução do objetivo comum”. Problemas das sociedades anônimas, cit., pp. 289/290.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 55.

3 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 31.

4 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 113 e seguintes.

Ademais, essa teoria, nas suas vestes mais radicais, defende um ato unilateral social, que emana e se manifesta, posteriormente, pela própria corporação em formação, afirmando-se como sujeito e se atribuindo vida própria, como se fosse um ato de criação. Se bem que sentido pouco preciso da terminologia jurídica se pode aceitar tal variante, mas é rudimentar tal análise, se levadas em concepção única e exclusivamente as relações jurídicas. Essa teoria fez sucesso, e continua fazendo, nos domínios da política e da antropologia social. Porém, na esfera nitidamente jurídica tais concepções não colaboram em favor da segurança jurídica.

53. A constituição das sociedades não é um ato coletivo

As mesmas críticas podem ser feitas ao entendimento que tem na constituição da sociedade uma figura centralizadora como é o ato coletivo. Desta feita, não é assimilável pelo ordenamento jurídico ver na relação societária um acordo de várias declarações paralelas imbuídas do mesmo fim, esquecendo, como faz a teoria que defende o “ato coletivo”, que essas manifestações de vontade têm realmente um fim, mas que são correlacionadas com um interesse social.

Nem mesmo nas sociedades de capital deriva de um “ato coletivo”, mas, ao contrário, de um contrato plurilateral. A aquisição da personalidade jurídica não decorre unicamente da vontade dos sócios, e esses apenas iniciam e colocam a efeito as premissas necessárias e suficientes para alcançar a personalidade jurídica com o registro. A sociedade está mais como entidade coletiva no seu funcionamento organizacional que na esfera de sua constituição de manifestação de vontade. De certa feita, o conceito de deliberação majoritária é a antítese da estrutura contratual, mas, na estrutura orgânica da sociedade, a manifestação volitiva, do direito de voto, como explanação do interesse social, é a perfeita correlação entre interesse social, na sua coincidência com o interesse do sócio,1 fato esse que, quando lesivo à sociedade, acarreta o dever de indenizar. É evidente que o ato de formação societária difere, totalmente, das variantes formativas dos negócios jurídicos individuais, mas naquilo que envolve as sociedades, notadamente as de capitais, a conjectura fundamental é a manifestação assemblear, como órgão decisional e vinculativo. Neste passo, na confluência de vontade majoritária, do órgão social, as afirmativas de GIERKE são irrespondíveis.

54. Da personalidade jurídica das sociedades empresárias

O contrato de sociedade, devidamente registrado, gera, além da sociedade, também a pessoa jurídica, e passou-se a entender a personalidade jurídica como elemento específico do contrato societário.2 Na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, pessoa jurídica é o ente que, não sendo homem, é provido de capacidade de direito, e personalidade jurídica traduz-se em capacidade e direitos patrimoniais, e conforme o “Dizionario universale ragionato della giurisprudenza mercantile, AZUNI afirmou que “appena la società è costituita diviene un ente morale che ha un’esistenza legale sua propria. Questa teoria sta sopra il bisogno del commercio, ed anima la legislazione e la giurisprudenza”.3

O art. 16 do Código Civil revogado estabelecia que: são pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades mercantis. No Código Civil de 2002 a regra clássica se mantém, claramente, ao dizer que “são pessoas jurídicas de direito privado as sociedades”, conforme art. 44, II, do referido texto legal. A personalidade jurídica tem como uma das suas principais funções a personificação patrimonial perante o ente jurídico, ou seja, a sociedade.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 119 e seguintes.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 28.

3 Tratado, cit., vol. III, p. 79.

55. Impossibilidade da prestação e contrato plurilateral

Nos contratos plurilaterais, l’impossibilità della prestazione di una delle parti non importa scioglimento del contratto rispetto alle altre, salvo che la prestazione mancata debba, seconde le circostanze, considerarsi essenziale (arts. 1256 e ss; e 1466, Codice Civile). De uma forma ou de outra, essas regras estão previstas no ordenamento jurídico pátrio em razão da construção jurisprudencial antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002, notadamente naquilo que se denominou de dissolução parcial das sociedades, na retirada de sócio remisso, cisão parcial, exclusão de sócio, situações essas em que o contrato, em si, não se resolve, mas continua em vigor, produzindo efeitos entre os sócios e perante terceiros.

56. Algumas das cláusulas do contrato social

O contrato deve conter, obrigatoriamente, os seguintes requisitos formais: nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária; a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizála; as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições; a participação de cada sócio nos lucros e perdas; se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais.

57. Requisitos essenciais do contrato de sociedade

Conforme a lei (art. 997, C.C.), esses são requisitos essenciais do contrato societário: nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária; a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la; as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições; a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

58. A sociedade como organização jurídica

A sociedade é o instrumento pelo qual a atividade econômica da empresa se organiza juridicamente. Com efeito, “a atividade organizada reflete os dois aspectos da realidade; a organização sob o prisma de disposição, de arranjo, de ajuste dos elementos próprios para produzir (dos fatores da produção, dizem os economistas), e a atividade, como série coordenada de atos encadeados teleologicamente, que a põe em funcionamento, que a afirma no mundo fático e consequentemente refletindo no plano jurídico”.1

Com efeito, a noção de atividade organizada, que supera e é mais profunda que o contrato de organização, a figura da atividade é colocada ao lado da própria organização, como que sem uma não existisse a outra, e situação que confere importância prática em relação à pessoa do empresário e dos administradores como entidades jurídicas que desenvolvem a atividade econômica com finalidade lucrativa, mas que também leva em consideração da empresa como organização coletiva e jurídica, ao passo que existem as restrições lógicas contra uma atividade colocada a efeito unicamente na persecução de interesses individuais. A atividade está, então, correlacionada ao crescimento das relações empresariais, na sua difusão e amplitude, quantitativa e qualitativa, a qual observará, sob condição de validade sociológica, a persecução de interesses coletivos. A correlação entre atividade, organização e interesse social se manifesta sob a forma de empresa. O que a prática empresarial congrega é o equilíbrio entre aqueles três fatores, sem autorizar que o interesse da administração derrogue a organização, e também não permitir que a organização burocrática derrogue a liberdade incentivadora, na figura do empresário, fenômenos esses que têm como finalidade a preservação da entidade jurídica coletiva que é a empresa.

1 BULGARELLI, Valdirio. A teoria jurídica da empresa, RT, São Paulo, 1985, p. 168.

59. A sociedade como instrumento jurídico e perfil institucional da empresa

O interesse dos sócios deve ceder espaço ao interesse da empresa. A sociedade perde relevância diante dos interesses que convergem à empresa, como tecnologia, empregados, poder econômico, etc. Forma-se, então, o interesse da empresa, como legitimado pelo próprio direito em consonância com o direito público da economia. Em razão justamente de ser uma instituição e não apenas um contrato, no sentido tradicional, a sociedade por ações, na sua constituição e funcionamento, obedece a normas especiais, impostas pela lei, diversas daquelas que regem as chamadas sociedades de pessoas.1

Com efeito, “il est vrai, cependant, que certains des éléments de la définition proposée par HAURIOU, pouvaient s’appliquer à la société. Tel était le cas de l’idée d’entreprise, qui trove son écho dans la reconnaissance d’un intérêt propre à la société, distinct de delui de l’ensemble de ses membres; tel était aussi le cas de l’idée de durée, inhérente selon HAURIOU à la notion d’instituition, qui explique non seulement la volonté judiciaire de limiter le plus possible le cas de dissolution de la société, mais encore la volonté de faire em sorte que la société puisse survivre aux événements affectant certains de ses membres”.2 Na realidade a teoria da instituição se manifesta como verdadeira, na intriga dos interesses em questão, no abuso do poder econômico, no controle das tecnologias, na formação dos grupos empresariais e financeiros, principalmente sob a forma acionária, mas não apenas, até porque a forma limitada também é bastante utilizada na configuração societária dos grupos empresariais, conforme será visto, infra. No Brasil, a Lei 6.404/76 consagra a teoria da instituição, no capítulo nos artigos 116, parágrafo único, 154, 193-205. É com esse significado que a teoria da empresa é apresentada como fenômeno institucional. Tal teoria converge na empresa como uma realidade que estaria em posição superior à própria figura da sociedade empresária ou do empresário, formando organização que supera os interesses individuais.

60. A teoria da instituição

Já se afirmou que “dentre as várias teorias que podem explicar, hoje, a formação e o funcionamento da sociedade anônima, sem dúvida a mais aceitável e que dia a dia, através da doutrina, da jurisprudência e dos dispositivos legais, ganha corpo é a da instituição”.3

Nos meus estudos sobre sociedade anônima e interesse social perante a teoria jurídica da empresa constatei esse afinidade entre os termos, condições da existência da grande empresa. É bem verdade que parte da doutrina se esforça, ainda hoje, pela elaboração da teoria da instituição, bem como a Lei 6.404/76 a consagra, em vários dos seus artigos. Porém, a realidade dos fatos é bem outra, e a atividade empresarial em nosso país, seus interesses individuais, perspectivas sobre o emprego, tributação, etc., ainda é muito precária. Contudo, ademais, é inegável, também, constatar que o estatuto social possui uma característica contratual, de caráter plurilateral. A instituição está muito mais na empresa do que na sociedade. A empresa, como fenômeno poliédrico, enseja essa esfera dentro da própria antropologia social, nos costumes, na noção de “certo e errado”, no consumo, no comportamento das pessoas, etc., fato esse realmente que a coloca como fenômeno social, de matiz institucional. A presença de regras bem diretivas dentro do Código Civil ou da Lei 6.404/76, e em tantas outras, apenas faz valer essa noção de regulação de um fenômeno, que antes de ser jurídico é cultural e econômico. O acordo de acionista, com efeito, é elemento caracterizador da feição contratual da sociedade, do ponto de vista administrativo. É interessante que o legislador confere, dentro da sociedade, uma figura “concordatária”, ou seja, de composição de interesses e manifestação de vontades, dos sócios, e lhe confere, acertadamente, a insígnia de “acordo de acionistas”. Nada mais evidente que permanece, ainda, inalterado o perfil contratual dentro de toda e qualquer sociedade, razão da sua existência. Outra coisa bem diferente são as regras de ordem pública, sobre a atividade de empresa, e domínio econômico.

1 MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 29.

2 JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., p. 11.

3 MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário, cit., p. 28.

61. A empresa como instituição social e fenômeno cultural de dominação econômica

A empresa, como fenômeno jurídico, social, cultural, político, econômico, confirma uma realidade que entra na categoria das instituições. A imensa maioria das pessoas tem a sua existência condicionada à existência das empresas. A feição pública da empresa é incontestável, agregando interesses poliédricos, convergentes e divergentes. Faz muito tempo que se notou tal fenômeno, principalmente por influência de uma perspectiva pública e funcional sobre a empresa. Dentre os que apresentaram a teoria da empresa como fenômeno institucional, seja na sua convergência de interesses, na sua constituição ou na sua existência como atividade, estão: MAURICE HAURIOU , MICHEL DESPAX , F. SANTORO-

PASSARELLI , WALTHER RATHENAU e FRAN MARTINS.

Esses temas, que compõem a complexa formação das sociedades, bem como a situação da pessoa jurídica, personificação patrimonial, dos interesses coletivos, etc., serão discutidos adiante, cada qual na esfera que lhe é própria.

62. Da classificação das sociedades

Conforme várias escolas jurídicas, as sociedades podem ser classificadas em sociedades: personificadas; não personificadas; simples; empresária, de pessoas, de capital, abertas, fechadas, etc. Os critérios para classificação das sociedades podem ser elencados conforme: a) o tipo societário; b) a responsabilidade dos sócios; c) sociedades de pessoas e de capital; d) sociedade empresária e sociedade simples. O sistema da responsabilidade consiste em considerar o nível de responsabilidade dos sócios pelas dívidas da sociedade, e são, com efeito, classificadas em sociedades de responsabilidade limitada, ilimitada ou mista.1 Desta feita, reza a doutrina clássica que são de responsabilidade ilimitada as sociedades em nome coletivo e as sociedades em comum.

As de responsabilidade limitada são sociedades anônimas e limitadas, quando os sócios respondem unicamente pelo valor das ações e quotas devidamente integralizadas ao capital social. E as sociedades com responsabilidade mista são: as sociedades em comandita simples, em comandita por ações; a sociedade em conta de participação; e as sociedades simples, por exemplo, quando há participação de sócio de serviços, porque existem sócios com responsabilidade ilimitada e outros com responsabilidade limitada ao valor da quota. Com efeito, a sociedade em comandita simples é mista, não porque seria de pessoas quanto aos comanditados, e de capital para os comanditários. A sociedade em comandita simples é mista porque tem sócios de responsabilidade ilimitada e sócios de responsabilidade limitada, e sua verdadeira natureza é de sociedade de pessoas, por excelência e definição. Na sociedade em comandita simples o elemento affectio societatis e pessoal dos sócios é condição de sua existência; nela os sócios têm profunda relação de amizade ou de cunho familiar, que os unem severamente, com a restrição que o comanditário responde somente pelas suas quotas, e não pessoalmente. Ocorre notar que as quotas que estão a risco negocial podem representar, e muitas vezes efetivamente representam, todo o fundo da sociedade. Por isso, perder as quotas significa perder todo o investimento, o que, certamente, não é pouca coisa. Com isso, fica visível a confiança que o comanditário tem que ter em relação ao comanditado para lhe entregar os efeitos necessários ao desempenho da atividade mercantil, comprovando a natureza pessoal dessa sociedade, desde o seu surgimento nas belíssimas ruas de Firenze. Essa classificação tem natureza normativa, conforme os seguintes fundamentos: a) todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou com a sociedade; b) na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes; e obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social (sociedade em conta de participação); c) somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais (sociedade em nome coletivo); d) na sociedade em comandita simples, tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota (sociedade em comandita simples); e) na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (sociedade limitada); apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a sociedade e, como diretor ou

1 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 35.

gerente, responder subsidiária, mas ilimitada e solidariamente, pelas obrigações da sociedade (sociedade em comandita por ações, art. 282, Lei 6.404/76); a companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas (sociedade por ações, art. 1º, Lei 6.404/76). Como já se disse, no ordenamento jurídico pátrio, são disciplinadas, especificamente, as seguintes sociedades: I – sociedade em comum; II – sociedade em conta de participação; III – sociedade simples (não empresária); IV – sociedade em nome coletivo; V – sociedade em comandita simples; VI – sociedade limitada; VII – comandita por ações; VIII – sociedade anônima. Não considero a cooperativa um tipo societário autônomo e especial. É uma associação, com objetivo certo e determinado. Prova disso é a sua estrutura, feita à semelhança das sociedades anônimas, e, ademais, o instituto do ato cooperativo, que, por natureza, dissente, por si só, daquilo que seria um dos pilares de sustentação de um regime societário típico. A intenção lucrativa distingue as sociedades dos outros grupamentos contratuais, e, com efeito, as opõe contra as associações.1 Somente têm a prerrogativa de contrato plurilateral societário as atividades com finalidade lucrativa. Quando se referir ao fenômeno da atividade econômica, não lucrativa, estar-se-á diante de uma fundação, de uma associação ou de uma cooperativa. As cooperativas são espécies do gênero associativo, não das sociedades. Por conseguinte, a cooperativa não é tipo societário. Vale dizer, têm conotação societária somente aquelas atividades que visam o lucro, não as demais. A sociedade simples também visa o lucro, mesmo que não tenha o característico da empresarialidade. 2 E somente serão levadas ao registro das empresas, obviamente, aquelas atividades que têm a característica da empresarialidade como fator decisivo. Conquanto seja uma atividade não empresária, não significa concluir, categoricamente, que a cooperativa seja uma sociedade simples – na verdade, o termo simples tem como única função mostrar que não é uma atividade empresária, ou seja, simples para diferenciar de empresária. Assim, a cooperativa, que tem natureza jurídica própria, não desenvolve atividade empresária, mas simples, ou seja, sua antítese. É uma indução logicamente equivocada ver em toda cooperativa uma sociedade simples. Então, simples é o objeto da atividade, e o sujeito que a desempenha pode ser uma sociedade, fundação, associação, cooperativa. Empresária é o objeto da atividade lucrativa, que pode ser exercida, como sujeito, pelo empresário individual (empresa individual) ou pela sociedade empresária (empresa social).

O art. 3º da Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006 diz, categoricamente, que “para os efeitos desta Lei Complementar consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. Por óbvio que a “sociedade simples” não desempenha atividade “empresária”. De resto, é bem aceitável ver a identificação entre “sociedade empresária” (empresa social) e “empresário” (empresa individual), ou seja, a atividade empresária exercida na forma societária ou individual, respectivamente. Como que a cooperativa, que tem as seguintes características – variabilidade, ou dispensa do capital social; limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; “quorum”, para a assembléia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação; distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado –, pode ser incluída, classicamente, como tipo societário? Ocorre que, na prática da realidade, as cooperativas se tornaram, muitas vezes, enormes conglomerados que exercem atividade econômica, por certo, mas isso não é fator decisivo para ver na cooperativa uma sociedade, obviamente. Do ponto de vista da responsabilidade dos cooperados, a cooperativa é dependente de outros tipos societários, notadamente a limitada ou anônima. Contudo, pode ser aberta cooperativa com responsabilidade ilimitada, mas isso, com efeito, não agrada a melhor razão das pessoas. As cooperativas são claramente distintas das figuras societárias pelo seu escopo prevalentemente mutualístico, consistente em fornecer bens e serviços ou possibilidades de trabalho aos seus membros, em condições mais vantajosas em relação àquelas que obteriam pelo próprio mercado, enquanto o escopo das empresas sociais (societárias) em sentido próprio é alcançar e distribuir lucros patrimoniais. Nas cooperativas há interesse único entre os seus membros, enquanto nas sociedades os interesses podem estar em conflito, mas na busca do interesse social. O cooperativismo é comunista – igualitário – por definição, ao contrário de qualquer estrutura societária. Outro fator importante é o sistema de votação nas cooperativas, que dissente, claramente, das sociedades, notadamente na equação do

1 RYN, Jean Van. Principes de droit commercial, cit., p. 229.

2 É de ressaltar ser plenamente válida a constituição de sociedade simples limitada entre cônjuges, qualquer que seja a forma de casamento. A vedação do art. 977 do Código Civil se aplica somente às sociedades empresárias.

quorum para instalação, funcionamento e deliberação das assembléias nas cooperativas.1 O que impede caracterizar a cooperativa como tipo societário autônomo é que a cooperativa encontra, nas outras formas societárias, parte considerável de sua estrutura, confundindo-se com essas mesmas, e, ora, tem regras e princípios próprios. A cooperativa é um fenômeno que não se reduz ao sistema societário clássico.2 Tem regras próprias que lhe conferem caráter diferente das demais sociedades, mas não totalmente. Em linhas gerais, cooperativa não é sociedade simples, ao passo que também não é empresária, mas desenvolve atividade econômica simples, ou seja, diversa daquela empresária. A cooperativa tem natureza associativa. Somente são sociedades aquelas previstas, expressamente, pelo texto normativo e que observem os requisitos legais e de interpretação.

63. O statusjurídico de sócio

O estado de sócio advém da contribuição da pessoa para a participação no capital social. A partir da sua contribuição se tem a qualificação jurídica de sócio, que faz emergir os seus direitos e as suas obrigações. O surgir da qualificação de sócio não decorre, necessariamente, do registro do contrato social. A função do registro é mais importante na conformação da sociedade que sobre o sócio. Ademais, tanto a provar isso, está a sociedade em conta de participação, que nem mesmo é levada ao registro do contrato social. Por sua vez, ainda, as sociedades podem ser irregulares, ou de fato, mas a conformação delas leva em consideração a figura de sócios. Se não fosse assim, não teria razão falar em sociedade. Pode existir sociedade limitada que, por qualquer motivo, se tornou irregular, mas a qualificação de sócio não desaparece, ao passo que nesta hipótese serão sócios de responsabilidade ilimitada e solidária, ou seja, sócios em comum. Portanto, a desqualificação como um tipo societário não cancela, necessariamente, a qualificação de sócios, que, neste momento, ficam em comum. Do ponto de vista estritamente jurídico material, não se atendendo aos requisitos intrínsecos da formalidade decorrente do arquivamento dos contratos e estatutos sociais, o status jurídico de sócio se configura como elemento intencional, volitivo, manifesto, em contribuir com alguma coisa sobre uma atividade empresarial para assim aferir os lucros que sejam provenientes da atividade empresarial, participando das perdas. Explicou WALDEMAR FERREIRA que há, então, na posição de sócio nada menos que uma situação estável, autêntico estado, no sentido próprio da expressão – estado de sócio, existente em toda sociedade, de qualquer tipo ou natureza, e decorrem dele, ou seja, deste status jurídico, direitos e obrigações, peculiares a quantos estejam em idêntica situação, variáveis quanto a condições de exercício, ao gênero e ao tipo da sociedade.

3 O simples fato de participar de uma sociedade já confere, imediatamente, o status jurídico de sócio. Por isso, provada a sociedade, provada está a composição societária daquela sociedade. Basta que pessoas confiram bens, direitos, numerário etc. para formar fundo social, dividindo ou não a forma de administração desse fundo, participando nos lucros e sobre as perdas, que se terá sociedade e, por conseguinte, sócios. A regra clássica é que a sociedade se forma e comprova por contratos e estatutos. Assim o era já desde o Código Comercial de 1850 (art. 300), ao estabelecer que o contrato de qualquer sociedade comercial só pode provar-se por escritura pública ou particular, salvo os casos dos arts. 304 e 325.

O legislador bem sabe que sociedades podem existir sem o registro, e para isso institui sanções contra aqueles que não registram a sociedade. Também no referido Código de 1850 (art. 301), estava lá explicado que enquanto o instrumento do contrato não for registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes (terceiros) contra todos os sócios solidariamente. Assim, fica comprovada a existência de sócio, ainda que a sociedade não tenha sido levada a registro.

1 “Não se trata, portanto, de uma forma particular de sociedade, porém, de simples modalidade das sociedades comerciais, tendo, entretanto, regras e princípios singulares que ora modificam, ora ampliam as disposições relativas aos tipos clássicos dessas sociedades.” MENDONÇA; J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.455, p. 250. Contra, BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 248.

2 Na direção correta está o que diz o preclaro RENATO LOPES BECHO,

“e não seriam também sociedades de fins lucrativos não só porque às cooperativas é vedada a obtenção do lucro, como também porque, em vários casos, os associados não têm interesse nem mesmo econômico”. Elementos de direito cooperativo, São Paulo, Dialética, 2002, p. 45. Com efeito, é preciso, sim, defender a completa autonomia do direito cooperativo.

3 Instituições, vol. I, t. II, cit., p. 484.

A regra comercial em comprovar a sociedade, já nos tempos mais antigos, era prescrita pelo art. 303 do Código Comercial, ao dizer que nenhuma ação entre sócios ou destes contra terceiros que fundar a sua intenção na existência da sociedade será admitida em juízo se não for logo acompanhada do instrumento probatório da existência da mesma sociedade. Contudo, o art. 304, de maneira bem clara, apresentava que são, porém, admissíveis, sem dependência da apresentação do dito instrumento, as ações que terceiros possam intentar contra a sociedade em comum ou contra qualquer dos sócios em particular. A existência da sociedade, quando por parte dos sócios se não apresenta instrumento pode provar-se por todos os gêneros de prova admitidos em comércio, e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu sociedade. Da leitura dessas antigas regras, que tanto elucidavam as questões do comércio, até a entrada em vigor do catastrófico Código Civil de 2002, fica claro notar a existência de sociedade mesmo sem registro e a conformação do status de sócio. Com efeito, a configuração do status jurídico de sócio é requisito material para o surgimento da sociedade. Nascendo a sociedade, emergem os direitos e obrigações dos sócios, entre eles mesmos e diante de terceiros.

64. Da comprovação processual do status jurídico de sócio na liquidação das sociedades

Reza o art. 656 do Código de Processo Civil de 1939 que no pedido de dissolução da sociedade a petição inicial será instruída com o contrato social ou com os estatutos.

Ao passo que no art. 673 do referido Código de Processo de 1939, não havendo contrato ou instrumento de constituição de sociedade que regule os direitos e obrigações dos sócios, a dissolução judicial será requerida pela forma do processo ordinário e a liquidação far-se-á pelo modo estabelecido para a liquidação de sentença. Então, no primeiro caso, art. 656 do Código de 1939, a prova da qualificação de sócio advém e decorre do próprio contrato social.

Na segunda hipótese, art. 673 do Código de 1939, a prova da qualificação de sócio vai decorrer da comprovação, via processo ordinário, mediante todas as provas admitidas em direito. Interessante notar, ademais, a diferença dos ritos processuais da liquidação nos dois casos. Se há contrato social, a liquidação será feita conforme os artigos 657 e seguintes do Código de 1939; ao passo que, no caso de liquidação de sociedade sem contrato social, o rito será ordinário, conforme o atual Código de Processo Civil. Nos termos da legislação atual, a liquidação judicial da sociedade em comum é feita nos mesmos moldes das assim denominadas sociedades de fato, ou seja, se procede nos termos do processo ordinário, do atual Código de Processo Civil, com ampla produção probatória, nos termos dos artigos 332 e seguintes. Ademais, cabe perquirir da liquidação judicial das sociedades irregulares. Neste caso se procede nos termos do art. 657 e seguintes do Código Processual de 1939.

65. Da abalizada doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA sobre a qualificação jurídica de sócio

Como ponto de partida, o problema da natureza jurídica da posição de sócio não pode ser resolvido pelo direito comum, ou seja, civil. Por conseguinte, não se explica pela noção de copropriedade. Então, as entradas em favor da sociedade não constituem direito de propriedade dos sócios, mas entram para a formação do capital social e do fundo social, que fica sob a administração dos sócios, conforme dispuser o contrato social.

Diz o mestre dos mestres: “Ora, o patrimônio social não pertence aos sócios, mas à sociedade. Estes não têm direito a partes determinadas nos bens da sociedade, mas somente um quinhão em valor, apreciável depois de pago o passivo, deducto oere alieno. Se a sociedade se torna insolvente ou cai em falência, certamente nada há que se dividir entre os sócios; ao contrário, estes, se de responsabilidade ilimitada, têm de entrar com o seu para satisfação do passivo social.”1 Desta feita, a posição jurídica dos sócios nas sociedades empresariais deve ser analisada em duas esferas distintas: a) um direito patrimonial; b) e pessoal. Na esteira de CARVALHO DE MENDONÇA, o direito patrimonial se conforma em perceber os lucros, na proporção do capital investido; e em participar do acervo, no caso da liquidação da sociedade. Como se nota, seria um direito de crédito, condicionado, que se efetiva na divisão dos lucros, observando os rigores normativos, e sobre o ativo líquido, ou seja, nas sobras no caso de liquidação da sociedade. Evidentemente que esse direito de crédito tem esfera restrita dentro do ordenamento jurídico, ao passo que o sócio não é, tecnicamente, um credor da sociedade, como assim

1 Tratado, cit., vol. III, p. 70.

são os terceiros que detêm direito de crédito contra sociedade por força obrigacional. As partes sociais, quotas, entram na categoria de títulos móveis, negociáveis plenamente pelos sócios, passíveis de cessão, a qualquer título. São essas participações que fazem nascer o direito pessoal dos sócios, ou seja, o direito de administrar a sociedade. Dentre os direitos pessoais, esses são os principais: a) participar da administração da sociedade, cabendo ao contrato social designar as respectivas funções; b) votar nas assembleias gerais e reunião de sócios; c) fiscalizar os atos de administração e as contas da sociedade.

Foi o esplendor da doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA que inaugurou, já faz tempo, a noção entre os direitos de sócios divididos em ordem patrimonial e pessoal na conformação do status jurídico de sócio. Assim confluem, de maneira indissociável, para esse status jurídico de sócio as perspectivas patrimonial e pessoal. Uma não existe sem a outra. É o conferimento de bens, as entradas, o contingente dos bens, os numerários, direitos de crédito, que convergem entre si, ao lado dos demais sócios, na formação da sociedade. São direitos indissociáveis, que se inter-relacionam de maneira absoluta. Impossível ter a conformação do capital social ou do fundo social sem a conformação dos direitos pessoais dos sócios. Isso, ademais, é que vai configurar o tipo societário em questão, nas esferas cabíveis e nos fins em que a sociedade se constitui.

Diferencia-se dos outros contratos pelo caráter subjetivo na sua formação, que em grande parte tem como essencial a conformação da affectio societatis entre os sócios, e, como ensina WALDIRIO BULGARELLI , “ a affectio societatis, além de se constituir numa declaração de vontade formal e expressa, revela uma intensidade maior, um plus, em relação à dos demais contratos. É que se pressupõe não apenas a vontade de ingressar na sociedade, mas também de participar na comunhão do escopo comum. Embora se afirme não existir praticamente nas sociedades de capital, a verdade é que ainda assim ela existe, não obstante atenuada pelas características que essas sociedades podem apresentar”.1

Por isso, o contrato plurilateral leve, dentro de si, essa esfera poliédrica quanto ao patrimônio e quanto à pessoa, na confluência dos direitos e obrigações. Atacável, então, plenamente, qualquer outra perspectiva que vai considerar passível de dissociação jurídica entre os direitos de ordem patrimonial e pessoal dos sócios. É como se fosse a existência sem a essência. A existência está no patrimônio, no estabelecimento, na empresa, etc. A essência da sociedade está na sua conformação política, em affectio societatis, nos seus direitos políticos de voto, na participação nos lucros, nas perdas, na administração da sociedade, ou seja, no caráter essencial para a confluência que determina a própria existência da sociedade, na perspectiva de fins alcançáveis pela forma social.

66. Da medida judicial de penhora das participações sociais

Em termos estritamente societários, esdrúxula é a medida judicial que manda penhorar quotas. Desconhecem os juízes, é o que parece, que essas participações conferem direito de sócio na administração da sociedade, e a penhora não pode ser efetivada porque a sua transferência em favor de terceiro caracterizaria expropriação violenta de direitos patrimoniais e societários, expropriação violenta essa vedada pela Constituição Federal, onde impera a lei. A participação social não tem apenas uma conotação patrimonial, e sim atributiva de direitos pessoais, que servem para administrar uma atividade empresarial. A posição de sócio, quanto ao direito pessoal, lhe confere um direito político, qual seja, votar nas deliberações da sociedade, quaisquer que sejam elas. A penhora não confere ao credor o direito de administrar a sociedade, sob pena de tal medida caracterizar expropriação inconstitucional de direitos patrimonais dos sócios. Por isso, o ataque da penhora sobre as quotas é medida manifestamente ilegal, fere a Constituição Federal, e, ao rigor da lei, não deveria existir. Não seria admissível, do ponto de vista societário, fazer a distinção, unicamente para fins de penhora, argumentando que tal medida de constrição abarca apenas o direito patrimonial do sócio. Ora, o intérprete não pode fazer distinções não autorizadas por lei. A participação na sociedade é direito personalíssimo, que não permite apropriação por parte de terceiro. É título negociável, móvel, que existe somente em compor, em sociedade, a formação de um capital ou um fundo social, que existe, como sociedade, unicamente pela participação de outros sócios, reunidos para um fim comum. O credor da sociedade não pode atacar aquilo que formou a sociedade, ou seja, suas partes sociais, até porque o status jurídico de sócio vai se extinguir com a execução da penhora, liquidando-se a referida participação. Ou seja, a efetivação da penhora visa, unicamente, garantir o credor, ao passo que a penhora da participação vai colocar termo, quando da sua execução, ao próprio requisito formador da sua avaliação e efetividade.

1 Sociedades comerciais, cit., p. 26.

O credor não pode, ao conseguir a penhora das participações do sócio, ficar recebendo lucros para saldar sua dívida. Ora, isso seria espécie de escravidão contra o sócio. Na verdade dos fatos, a constrição, via penhora de participações sociais, tem funcionado, tragicamente, como fator de “persuasão” contra o sócio, ou seja, para que, diante da gravidade que é a penhora nesses casos, ele, sócio, aterrorizado pela constrição ilegal, busque, de toda forma, saldar a dívida em relação ao credor. Mas o formalismo jurídico não pode prosperar nestas condições, ainda porque tantas podem ser as perlengas processuais com execução abusiva, valores equivocados, etc., que “impelem” ao sócio o pagamento. Ora, por bem da verdade, um sistema judiciário que permite tal prática deveria passar por revisão ética. Ora, é aberrante uma decisão que diz ser admissível a penhora de quotas de capital de sócio executado porque as mesmas quotas integram seu patrimônio. As quotas, ações e participações sociais de toda ordem não são de propriedade do sócio, mas integram a formação da sociedade, e o que os sócios são, na verdade, são apenas titulares de direitos de sócios, títulos esses que podem ser objeto de cessão, mantendo a sociedade, ou parte dela, em processos de fusão, cisão, incorporação ou de simples cessão onerosa, etc., ou seja, como instrumento de manifestação social, e sobre esses títulos advêm direitos e obrigações, dentre os quais, já mencionados, receberem o dividendo, participarem da administração e concorrerem nas perdas, etc. Enfim, do ponto de vista prático, a penhora das partes sociais pode acabar por colocar termo à sociedade, o que em nada adiantará ao ávido credor. Basta que os sócios deliberem , após a penhora, pela dissolução da sociedade e liquidarem seus ativos, nos termos da lei. Ora, se a penhora toca única e exclusivamente direitos patrimoniais, resta aberta, completamente, a via do exercício dos direitos de sócio – status jurídico de sócio – como direito pessoal, personalíssimo, para assim o efetivarem, aprovando a medida dissolutória, liquidando os ativos, com a extinção da sociedade. Neste caso, os bens que se somavam ao patrimônio social serão divididos conforme estipularem os sócios, e os ávidos credores podem não receber nada, ainda mais se o sócio que teve quotas penhoradas seja devedor da sociedade, por qualquer título. Neste caso, o sócio nem mesmo participaria do acervo da sociedade, que ficaria adstrito aos demais sócios, e o seu credor veria sua garantia desaparecer rapidamente. O caminho correto que o Direito prescreve, já faz tanto tempo, é aquele no qual compete ao credor da sociedade executar as suas obrigações sobre o patrimônio da sociedade, e, na sua falta, apresente o pedido de falência, que é a forma creditória

de se requerer a liquidação judicial da sociedade, apurando os haveres e a contas de cada um, pagando-se sobre a massa falida, apurando todas as responsabilidades.

O interesse do credor da sociedade ainda fica resguardado em sede falimentar, ainda mais em virtude do art. 82 da Lei 11.101/05, quando dispõe que a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observando o procedimento ordinário do Código de Processo. E nos termos do art. 82, § 2º, da referida lei, o juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização. Essa é a medida correta, que segue o caminho da razão, nada tortuoso. Nessa ação se apuram responsabilidades societárias, que, se comprovadas, resultam em graves consequências aos sócios, e que podem atender de maneira muito mais eficaz aos interesses dos credores que penhorarem quotas ou ações de sociedades empresárias, que amanhã ou depois podem inclusive entrar em liquidação.

67. Dos direitos de sócio

Como já se viu, os direitos de sócio são de natureza patrimonial e pessoal. São direitos que se correlacionam de maneira absoluta, não comportando exceções. São direitos que se efetivam e se exercem de modo indissociável um do outro. Entre os seus principais direitos estão: administrar a sociedade; participar dos lucros; fiscalizar as contas da sociedade; votar nas deliberações assembleares e reuniões de sócios; postular medidas judiciais em defesa da sociedade; praticar todo ato para alcançar o objeto social da sociedade; examinar os livros e documentos da sociedade; etc. Cumpre notar que, na sociedade em conta de participação, o sócio participante não pode, sob pena de responder solidariamente pelas obrigações sociais, participar da administração externa da sociedade, ou seja, participar das relações do sócio ostensivo com terceiro. Essa é uma característica da sociedade em conta de participação, sua verdadeira razão de ser, como sociedade oculta, desconhecida pelos terceiros. Contudo, é direito do sócio participante fiscalizar os atos negociais do sócio ostensivo, conforme dispõe o contrato social.

Em linha de síntese, pode se valer do que determina a Lei 6.404/76, sobre os direitos essenciais dos sócios, que são: a) participar dos lucros sociais; participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; fiscalizar, na forma prevista em lei, a gestão dos negócios sociais; retirar-se da sociedade, nos casos previstos em lei e no contrato social. Alguns direitos são tão essenciais, que cláusula que lhes nega efetividade acarreta a sua nulidade de pleno direito. Assim, é nula a estipulação que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. Seria sociedade leonina. Neste caso a sociedade não seria, necessariamente, nula de pleno direito porque existe a regra do art. 1.007 do Código Civil que dispõe que, salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das respectivas quotas. Porém, em outras hipóteses, como na sociedade que a contribuição consista em serviços, a sociedade leonina será nula. Será nula, também, em casos específicos, que do contrato social fique evidente a impossibilidade de participar sobre o lucro decorrente da desproporção entre as quotas, quando a sociedade for leonina. Também é direito do sócio requerer a dissolução da sociedade, nos casos previstos em lei ou pelo contrato. Os sócios que não participam da administração, reza o art. 2.261 do Codice Civile, têm o direito de ter dos administradores as informações sobre os negócios sociais, de consultar os documentos relativos à administração da sociedade e a distribuição dos lucros, findo o exercício social. Em regra, nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios podem administrar a sociedade, ou seja, é um direito seu administrar o fundo social.

Nas sociedades em comandita simples, os comanditados respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações assumidas, ou seja, têm o direito, como prerrogativa, de administrar a sociedade; enquanto os sócios comanditários se obrigam somente pelo valor de sua quota, ao passo que não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o seu nome na firma social, sob pena de ficar responsável solidária e ilimitadamente com o sócio comanditado. Em perspectiva histórica do direito societário, outro direito de sócio era que as questões sociais fossem decididas por juízo arbitral, por força do art. 294 do Código Comercial de 1850, que determinava que “em todas as questões sociais que se suscitarem entre os sócios durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha serão decididas em juízo arbitral”. Essa regra sofreu restrição já em 1866, com a Lei 1.350, de 14 de setembro, quando o juízo arbitral necessário foi derrogado pelo art. 3º da referida lei, passando os sócios a julgarem da oportunidade de pactuar a referida medida como instrumento de solução de conflitos em sede societária, ou seja, como medida facultativa e não mais necessária. Contudo, a prática dos dias de hoje parece que vai, aos poucos, referendando a antiga regra do revogado art. 294 do Código Comercial, e nos vários tipos de contratos sociais é difícil não encontrar cláusula expressa direcionando o juízo arbitral como a forma específica da solução dos conflitos societários. A Lei 6.404/76, ademais, consagrou legislativamente essa tendência, quando na Seção II – dos direitos essenciais dos acionistas –, art. 109, § 3º, diz expressamente que “o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”. Ora, a medida é excelente, e se funciona para os mercados acionários, via estruturas de governança corporativa e novo mercado, funcionará também para as sociedades de pessoas. Com efeito, a cláusula do juízo arbitral, e como medida compromissória, pode perfeitamente ser seguida pelas sociedades em nome coletivo, em conta de participação (a arbitragem é confidencial), limitada e comanditas. É evidente que não se tem juízo arbitral necessário, mas a referida cláusula vai se consolidando como regra geral, fato que demonstra a sua importância na resolução dos conflitos. Nenhuma cláusula restritiva sobre os direitos essenciais dos sócios será considerada válida, ainda mais quando impedir, conforme estabelece cada tipo societário, a fiscalização das contas. Todo sócio, conforme dispõe e nas condições expressas, tem direito de exercer a fiscalização não apenas sobre os atos negociais de administração ordinária ou extraordinária, quanto fiscalizar efetivamente as entradas e saídas, os documentos contábeis, etc. Outro direito essencial do sócio é o direito de recesso. Se for vencido em alguma deliberação que enseja o recesso, o referido sócio, se assim bem quiser, deve exercer essa sua prerrogativa e se retirar da sociedade, nos termos que a lei dispõe, recebendo o que lhe cabe sobre o patrimônio, apurado em balanço especial. Todos os casos de direito de recesso estão disciplinados no Código Civil e na Lei 6.404/76, e o contrato social não pode restringi-los em hipótese alguma. Por exemplo, sempre quando houver modificação no contrato, mudança do objeto social, fusão, incorporação, cisão, terá o sócio dissidente o direito de retirar-se da sociedade. O direito de recesso é fundamental, irrevogável por convenções particulares.

68. Das obrigações e deveres dos sócios

A principal obrigação do sócio é conferir o contingente à sociedade. Sem isso não há que falar em sociedade. Por conseguinte, sua obrigação inicial é a integralização do capital. Já dizia CARVALHO DE MENDONÇA que são obrigações gerais dos sócios: a) prestarem, no tempo devido, a quota a que se obrigaram a conferir na sociedade, ao passo que o sócio é devedor da sociedade (não dos consócios) da quota e deve entregá-la no prazo ajustado no contrato; b) entrarem com os fundos necessários, quando a sua responsabilidade é ilimitada, para o caixa social, com a finalidade de serem pagas, pelos liquidantes da sociedade, as dívidas exigíveis; defenderem os interesses da sociedade, prestando a esta a sua cooperação, não preferindo seu interesse individual em prejuízo do interesse da sociedade. Quando o sócio faltar com suas obrigações e deveres, fica ele obrigado pelas perdas e danos cabíveis, acrescidos da sua eventual exclusão da sociedade.1 Importante a referência à obrigação de concorrer com os fundos necessários, quantos bastem, para saldar as dívidas sociais das sociedades de responsabilidade ilimitada e de sócios solidários. Se o sócio não cumpre sua obrigação e decretada a falência da sociedade, essa falência acarreta a do sócio. A principal questão que cumpre ressaltar é que os direitos patrimoniais dos sócios decorrem de obrigações patrimoniais, enquanto os deveres decorrem do direito pessoal. Por conseguinte, as obrigações são todas patrimoniais, ao passo que os deveres mantêm correlação com o direito pessoal do sócio, na sua qualificação jurídica. Ele tem deveres na medida em que tem direitos, e vice-versa. Constituída a sociedade, persistem as suas obrigações e seus deveres, que são inúmeros, e variam conforme o tipo societário em questão. As obrigações começam imediatamente com o contrato social e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (art. 1.001, C.C.). Essa regra não é perfeita porque poderão persistir, mesmo após a liquidação da sociedade, responsabilidades e deveres entre os sócios. Diga-se, por exemplo, quando finda uma sociedade, que os sócios pactuaram não abrir outra sociedade em concorrência comum, por certo prazo. Tal regra é válida, e atende aos interesses disponíveis. Outro exemplo, quando liquidada a sociedade, ficar saldo devedor contra algum sócio, que deverá pagar aos demais, se o desfalque se deu na integralização do capital ou após a perfeita constituição da sociedade.2 O que o art. 1.001 regula são as responsabilidades sociais da sociedade em relação aos terceiros, obviamente. Todavia, podem permanecer abertas responsabilidades entre os sócios em decorrência de descumprimento de obrigações ou deveres específicos.

A regra do art. 1.001 é bem antiga, e o art. 329 do Código Comercial já rezava que “as obrigações dos sócios começam da data do contrato ou da época nele designada; e acabam depois que, dissolvida a sociedade, se acham satisfeitas e extintas todas as responsabilidades sociais”. Então, enquanto não satisfeitas todas as responsabilidades sociais, a sociedade permanece como entidade jurídica, em liquidação, por exemplo.

Ademais, dizia o art. 346 do Código Comercial que, “não bastando o estado da caixa da sociedade para pagar as dívidas exigíveis, é obrigação dos liquidantes pedir aos sócios os fundos necessários, nos casos em que forem obrigados a prestálos”. E, conforme o art. 349 do referido Código Comercial, “nenhum sócio pode exigir que se lhe entregue o seu dividendo enquanto o passivo da sociedade não se achar todo pago ou se tiver depositado quantia suficiente para o pagamento; mas poderá requerer o depósito das quantias que se forem apurando. Esta disposição não compreende aqueles sócios que tiverem feito empréstimo à sociedade, os quais devem ser pagos das quantias mutuadas pela mesma forma que os outros quaisquer credores”. Contudo, neste passo, o aspecto essencial do art. 1.001 está em estabelecer que as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais.

Por conseguinte, “se este não fixar outra data”, significa que o contrato social pode designar época anteriorà sua data para o início da responsabilidade dos sócios, como se, por exemplo, a sociedade em nome coletivo já existisse irregularmente e quisesse entrar em regularidade legal; ou posterior àquela data – conquanto, neste último caso, diz CARVALHO DE MENDONÇA, ou seja, no caso de posterior àquela data do contrato, a sociedade não poderá praticar nenhum ato ou negócio jurídico senão após essa época fixada pelo contrato, sob pena de responsabilidade in infinitum dos sócios de responsabilidade limitada.

1 Tratado, cit., vol. III, pp. 72/73.

2 Como regra geral e na proporção do direito do credor não satisfeito, “o acionista executado terá direito de haver dos demais a parcela que lhes couber no crédito pago” (art. 218, Lei 6.404/76).

Se o contrato social fixar prazo posterior para a sua entrada em vigor, não coincidindo exatamente com a data da sua assinatura, tem plena validade essa cláusula, porém, nenhum negócio social poderá ser praticado porque, se o for, os sócios serão considerados em comum, com responsabilidade ilimitada e solidária. Não serão, na hipótese acima aventada, sócios de uma sociedade irregular porque o contrato, mesmo que registrado, ainda não produziu efeitos no mundo jurídico, é como se não existisse para efeitos de validade das obrigações sociais perante terceiros. Também não serão considerados sócios de sociedade de fato porque o contrato existe efetivamente, mas sem efeitos legais, até o momento que se perfaz a condição suspensiva. Evidentemente que, no caso de fixar época anterior à data do contrato, tal situação, em caso algum, prejudicará direitos de terceiros. Por conseguinte, uma sociedade em nome coletivo irregular pode sim fixar contratualmente época anterior à data do contrato, mas, em qualquer hipótese, a responsabilidade dos sócios sempre foi solidária e ilimitada. Impossível uma sociedade limitada irregular querer se valer dessa ressalva, fixando data anterior, para buscar se esquivar da responsabilidade ilimitada dos seus sócios, se comprovada sua irregularidade, com os respectivos efeitos patrimoniais sobre a pessoa dos sócios. É também uma obrigação do sócio de serviço não empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado da distribuição dos lucros e dela excluído, apurando-se as perdas e danos cabíveis. Quanto aos deveres, reza o art. 1.011 do Código Civil – dever de diligência – que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Como impeditivos à função de administradores, dispõe o art. 1.011, § 1º, do Código Civil que não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. Ou seja, o Código Civil presume, expressamente, que pessoas em tais situações não teriam condição de administrar patrimônio alheio, por razões minimamente óbvias. O art. 1.011, § 2º, do Código Civil é totalmente equivocado, ao passo que reduz a função dos administradores como meros mandatários. O tempo já fez o papel de colocar por terra a teoria do mandato para explicar a relação entre administradores e a sociedade. Os administradores entram na categoria de órgão da sociedade, derivam da natureza plurilateral do contrato societário.

Os deveres e obrigações dos administradores são, então, regulados pelos atos com desvio de finalidade e abuso de poder, e não pela figura culposa ou dolosa que rege o contrato de mandato. Por conseguinte, são deveres dos sócios a diligência, probidade e lealdade. O conflito de interesses no voto e na administrção tem exímio regramento específico (artigos 115 e 156 da Lei 6.404/76). Contudo, a regra do art. 1.074, § 2º, do Código Civil é vaga, e deveria ser melhorada. O administrador deve servir com lealdade aos interesses da sociedade e manter reserva sobre os seus negócios. Tem plena aplicação sobre as sociedades limitadas; por exemplo, o art. 155 da Lei 6.404/76, que consagra, enfaticamente, o dever de lealdade. Todo aquele que administra patrimônio alheio deve atuar com lealdade. Essa figura jurídica advém do trust, no direito inglês. Não basta se escusar argumentando que o ato não foi culposo ou doloso. Aqui não se está em sede de responsabilidade civil, muito pelo contrário. Desde os romanos, as perlengas civis se resolvem por atos culposos ou dolosos. Em esfera de administrar patrimônio alheio, nas esferas das sociedades empresariais, os administradores devem atuar com lealdade extrema e absoluta, porque, de uma forma ou de outra, estão com os negócios sociais dispondo sobre patrimônio alheio. O Código Civil de 2002 poderia ter sido muito mais determinante neste aspecto, traçando novas premissas sobre os deveres dos sócios e administradores, ainda que nas sociedades de pessoas, assim denominadas em termos de classificação. Contudo, mais uma vez o referido Código foi avesso às mudanças que realmente deveriam ter sido feitas, sem levar em consideração toda a teoria jurídica da empresa sobre a correlação entre o contrato plurilateral e a administração externa e interna desse contrato como fenômeno de infinitos interesses, direitos e prerrogativas. O sócio não pode contrariar o dever de lealdade, sob pena de responsabilização. Assim lhe é vedado: usar, em benefício próprio ou de outrem, com ou sem prejuízo para a sociedade, as oportunidades comerciais que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo; omitir-se no exercício ou proteção de direitos da sociedade ou, visando obter vantagens, para si ou para outrem, deixar de aproveitar oportunidades de negócio de interesse da sociedade; adquirir, para revender com lucro, bem ou direito que sabe necessário à sociedade ou que esta tencione adquirir. São regras clássicas ao direito societário quanto às sociedades por ações, porém que encontram guarida ao disciplinarem situações muito corriqueiras atinentes aos outros tipos societários, que merecem alusão expressa, para resolver questões específicas em qualquer tipo societário.

O art. 1.053, parágrafo único, diz claramente que o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. É extremamente importante que os contratos sociais das limitadas remetam à Lei 6.404/76 essa qualidade de regra supletiva das sociedades limitadas, bem como dos seus contratos sociais. Com isso se evita que sejam aplicadas as normas das sociedades simples, sempre tão confusas. Conquanto decisivas ao regramento da responsabilidade, é evidente que do não cumprimento dos seus deveres é que emerge a responsabilidade contra os sócios. Então, efetivar os seus direitos, observar seus deveres e cumprir função social da sociedade e a responsabilidade dos sócios entram na categoria das conseqüências do próprio sistema societário, na inobservância de condutas que são fundamentais e essenciais para alcançar o fim social, ou seja, a razão da constituição da sociedade.

69. Da administração nas sociedades

Já prescrevia o artigo 64 do Projeto de Código Civil de ORLANDO GOMES que as pessoas jurídicas exprimem a sua vontade por seus órgãos administrativos ou deliberativos, e obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores exercidos nos limites de seus poderes.

O Projeto de Código Civil do mestre ORLANDO GOMES tem “força de lei”. Infelizmente, esse Projeto não teve o andamento que merecia, e idêntica situação se operou com o Projeto de Unificação das Obrigações. Infelizmente, ainda mais, teve andamento o Projeto que acabou por ser aprovado em 2002, nascendo o atual Código Civil.

Dentre as maiores críticas que se pode fazer contra o Código de 2002, que ficou “engavetado” por mais de duas décadas, estão: a) sobre a disciplina da sociedade simples; b) regras supletivas da sociedade limitada em referência à sociedade simples; c) justaposição de temas tão distintos dentro de um mesmo Código “Civil”; entre eles, direito da empresa; d) aprovação totalmente extemporânea após mais de duas décadas da entrega do seu Projeto; e) alteração profunda da sociedade brasileira dos anos de 1970 aos de 2002; etc.

70. De alguns dos principais deveres e obrigações dos sócios na administração das sociedades

Sobre a administração da sociedade, essas são as principais regras: todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem aquele que contratou com a sociedade (art. 990, sociedade em comum). Como já se viu, supra, as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato. Se este não fixar outra data, termina quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (art. 1.001, sociedade simples). Essa extinção é das obrigações sociais e dos sócios. Na esteira do Código Civil, o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011). O administrador responde solidariamente perante a socieade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de sua funções (art. 1.016). A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042, sociedade em nome coletivo). Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado (art. 1.047, caput, sociedade em comandita simples). O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores (sócios ou não) que tenham os necessários poderes (art. 1.065, sociedade limitada). São deveres que decorrem do funcionamento da sociedade como entidade administrativa, como sujeito capaz em assumir direitos e obrigações, via atos negociais, e responsabilidades legais e contratuais.

71. Da transformação das sociedades

O ato de transformação da sociedade independe da sua dissolução ou liquidação, e obedecerá aos preceitos reguladores da constituição e inscrição do tipo em que converter-se (art. 1.113, C.C.).

A transformação é a alteração do tipo societário entre limitada, sociedade por ações, etc. A alteração do tipo societário decorre, no mais das vezes, do crescimento da atividade empresária, por questões administrativas, incentivos fiscais, etc. Diz a melhor doutrina de CUNHA PEIXOTO que a transformação é a operação que tem por fim converter uma sociedade submetida a determinado regime legal em sociedade de outro tipo – a transformação, como o nome indica, opera-se pela alteração, no curso da vida social, da forma inicialmente adotada.1 Diz a doutrina que “la forme de la société, qui constitue une mention obligatoire des status, peut, elle aussi, être modifiée. Le changement de forme permet d’adapter la structure de la société à l’évolution de sa dimension économique. Seules les forme juridiques externes de la société sont modifiées, il n’est aucunement porté atteinte à l’existence de la société prise en sa qualité de personne morale”.2

Com efeito, a transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro (art. 220, caput, da Lei 6.404/76). Ensinou, perfeitamente, o preclaro JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA , em seu parecer, que “a operação de transformação compreende dois procedimentos diferentes, que podem ser discernidos lógica e cronologicamente, e que a lei de sociedade por ações regula em dispositivos distintos: (a) a deliberação dos sócios da sociedade a ser transformada e (b) os atos necessários para que a sociedade passe a revestir a forma do novo tipo societário”.3

A mudança do tipo societário não altera em nada a posição dos credores, que continuam com seu direito de crédito contra a sociedade.

72. Do direito dos credores na transformação

O direito sagrado de o credor receber o seu valor não é perdido em hipótese alguma, ainda que a sociedade passe de responsabilidade ilimitada para limitada. Assim se diz que do ponto de vista do direito comercial e com o objetivo de garantir direitos de terceiros está fora de dúvida que a transformação da sociedade de responsabilidade ilimitada em sociedade de responsabilidade limitada não afeta de modo algum direitos de terceiros – esses direitos continuam na situação anterior à transformação, e os sócios de responsabilidade in infinitum continuam obrigados para com os credores.4 A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores. A falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará (art. 1.115, C.C.).5 A transformação, na opinião de CUNHA PEIXOTO , não modifica a situação dos credores, e até o seu integral pagamento os credores anteriores à transformação continuam com as mesmas garantias. Desta feita, se a sociedade transformada for em nome coletivo, os sócios continuam, quanto às dívidas anteriores, a ser solidária e ilimitadamente responsáveis pelo pagamento dessas dívidas.6 A regra geral é clara: a transformação não prejudica os credores, e, falindo a sociedade, os credores anteriores à transformação podem requerer a falência dos sócios ilimitados, desde que esses credores já existissem ao tempo da transformação.

“Con la trasformazione l’ente trasformato conserva i diritti e gli obblighi e prosegue in tutti i rapporti anche processuali dell’ente che ha effettuato la trasformazione” (art. 2.498, Codice Civile).

Pode se dar a transformação quando a sociedade está em processo de recuperação judicial, porque isso em nada prejudica o interesse dos credores. A transformação não exonera os sócios de responsabilidade ilimitada das suas obrigações sociais decorrentes de negócios sociais praticados antes da transformação.

1 A sociedade por cota de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 347.

2 JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., p. 31.

3 FILHO, Alfredo Lamy, PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A., Rio de Janeiro, Renovar, 1992, p. 644.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 581, p. 65.

5 A transformação não prejudicará, em caso algum, os direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior da sociedade lhes oferecia. A falência da sociedade transformada somente produzirá efeitos em relação aos sócios que, no tipo anterior, a eles estariam sujeitos, se o pedirem os titulares de créditos anteriores à transformação, e somente a estes beneficiará (art. 222, Lei 6.404/76).

6 “Assim, a sociedade, depois de transformada, passa a ter duas categorias de credores: anteriores e posteriores à transformação. Os primeiros continuam com as garantias que o antigo tipo lhes proporcionava e mais as novas, enquanto que os segundos apenas com as destes últimos”. PEIXOTO, Cunha, A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 357/358.

73. Do direito de recesso na transformação

A transformação fica condicionada ao consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo, caso em que o dissidente poderá retirar-se da sociedade, aplicando-se, no silêncio do estatuto ou do contrato social, o disposto no art. 1.031 do Código Civil. Diz o referido artigo 1.031 que nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário.

Quando a lei diz “a transformação depende do consentimento de todos os sócios, salvo se prevista no ato constitutivo”, significa, nesta hipótese, que, havendo impasse insolúvel sobre a transformação, essa sociedade deve entrar em dissolução1 , apurando quotas e haveres, em razão de não ter cláusula expressa sobre a transformação da sociedade.

2 Caso o ato constitutivo já preveja, como cláusula expressa, a possibilidade da transformação – o que ocorre na imensa maioria dos casos – opera-se o direito de recesso em favor do dissidente, aplicando o art. 1.031 do Código. Vale a lei da maioria.

74. Da incorporação de sociedades

Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos (art. 1.116, C.C.). A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações (art. 227, caput, da Lei 6.404/76). A regra é simples: ocorrendo a incorporação, a sociedade incorporadora assume todo o passivo da sociedade incorporada. Há perfeita sucessão nas dívidas entre elas, e o direito sagrado dos credores é respeitado em todos os seus aspectos jurídicos, materiais e formais. Evento comum na vida das sociedades é o processo de fusão. Com vários reflexos sobre a concorrência, nota-se, claramente, que não há, como se deveria, um controle efetivo sobre os processos de fusão no país. O abuso do poder econômico é visível nessa área, com prejuízo para os consumidores, emprego, tecnologias, etc.

75. Do protocolo de incorporação

As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos da administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá: a) o número, espécie e classe das ações (quotas) que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócio que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição; b) os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão; c) os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação e o tratamento das variações patrimoniais posteriores; d) a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital social de uma das sociedades possuídas por outra; e) o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação; f) o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação, e toda e qualquer condição necessária a que estiver sujeita a operação (art. 224, Lei 6.404/76). A natureza jurídica do protocolo é a de contrato preliminar, que se convola em contrato definitivo com a aprovação pelos sócios. Essa aprovação pode ser feita, nas limitadas, nos termos dos artigos 1.071 e 1.076; ou, com a assinatura de todos

1 “Desta maneira, os associados, que são livres de adotar qualquer forma de sociedade, podem também reservar-lhe, no contrato social que é lei entre eles, a faculdade de abandonar a forma primitivamente escolhida e substituí-la por outra; se assim não procedem, a transformação só pode ser feita por deliberação unânime dos sócios.” PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., p. 360.

2 Em julgado bem interessante, de 19 de dezembro de 1883, a Câmara Comercial do Tribunal Civil apreciou matéria referente à transformação de uma sociedade por ações em comandita por ações, e os efeitos da dissolução da primeira para a constituição do capital da segunda, e na apuração dos haveres e créditos dos dissidentes; cf., MENDONÇA J. X. Carvalho de, Tratado, cit., vol. III, n. 580, p. 65.

os sócios, em reunião, nos termos do art. 1.072, § 3º, do Código Civil. Mesmo na caso de consenso, mas para evitar perlengas procedimentais, é aconselhável a realização da reunião de sócios – ou no caso de assembléia – observando os prazos e formalidades do art. 1.152, § 3º, do Código Civil. Qualquer processo de incorporação, sem o referido protocolo, ou seja, que todos esses documentos não sejam fornecidos aos sócios, em assembléia competente, será nulo. A nulidade é tanto de caráter formal, quanto, principalmente, material, na avaliação dos bens, ações, patrimônio líquido, etc. No caso se manifestariam abuso de poder de controle, conflito de interesses e desvio de finalidade, cabendo aos prejudicados moverem a ação de responsabilização cabível.

76. Do direito de recesso

Sagrado é o direito de recesso do dissidente no caso de incorporação. Nada mais preocupante, no mundo dos negócios empresariais, que um minoritário veja a sociedade na qual participa ser incorporada por uma outra sociedade gigante, muitas vezes internacional.

A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante o reembolso do valor das suas ações, mas, observadas as seguintes regras: no casos dos incisos IV (fusão e incorporação) e V (grupo de sociedades), somente terá direito de retirada o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas; e, ademais, nos casos dos incisos IV e V do art. 136, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se liquidez quando a espécie ou classe de ação, ou certificado que a represente, integre índice geral representativo de carteira de valores mobiliários admitido à negociação no mercado de valores mobiliários, no Brasil ou no exterior, definido pela Comissão de Valores Mobiliários; e dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle comum detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação. No caso da cisão, somente terá direito de retirada se a cisão implicar: mudança do objeto social, salvo quando o patrimônio cindido for vertido para a sociedade cuja atividade preponderante coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida, redução do dividendo obrigatório; participação no grupo de sociedades (art. 137, Lei 6.404/76). Ora, tal regra vale, quando muito, para as grandes companhias abertas. Há hipóteses que até nesses casos se manifestam evidentes prejuízos aos acionistas, principalmente na participação de grupos de sociedades. Por mais ainda, nada disso tem aplicação nas sociedades de pessoas, obviamente. Se essas sociedades passarem por incorporação, fusão ou cisão, participando ou não de grupos de sociedades, emerge o direito de retirada, sagrado nesses casos e em outros. É o que diz a lei (art. 1.077, C.C.), quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirada da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031 do referido Código. Nesse caso, as deliberações sobre (a) modificação do contrato social; (b) incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação serão feitas pelos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social (art. 1.076, I). Regra correta essa, exigindo quorum significativo sobre o capital social. No caso de sociedades familiares, nas quais o matiz pessoal da sociedade e do grupo é bem considerável, é ainda aconselhável que se estipule a unanimidade para aprovação de tais matérias, ou seja, fusão, incorporação e cisão. É bem verdade que o crescimento dos negócios, o lado internacional da economia, etc. certamente acabam por deixar tal regra devassada. Em vários países, e em razão do crescimento econômico, a regra consensual – mesmo no caso da falta de expressa cláusula sobre transformação, fusão ou cisão – já foi revista, bastando a maioria de três quartos do capital.1

77. Da fusão das sociedades

A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações (art. 1.119, C.C.).

1 cf. FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 477.

Por sua vez, “la fusione di più società può eseguirsi mediante la costituzione di una nuova società, o mediante l’incorporazione in una società di una o più altre” (art. 2501, Codice Civile).1

Fusão é a reunião do patrimônio de duas ou mais sociedades, formando, então, uma única sociedade. A operação que se consegue, ou pela extinção de todas e a constituição de uma nova com o patrimônio das anteriores, ou com a permanência de uma delas, na qual se integram os patrimônios das demais – o primeiro caso é a fusão propriamente dita; e o segundo, absorção ou incorporação.2 Conforme BULGARELLI , diversamente da incorporação, na fusão as sociedades participantes desaparecem todas, surgindo uma nova – é o chamado efeito extintivo-associativo que decorre da fusão.3 A fusão pode se dar em dois modos: a) mediante a união de várias sociedades em uma organização societária nova (fusione propriamente detta); b) mediante a absorção de uma organização por parte de uma outra já existente ao tempo da fusão e que continua a existir (incorporazione).4 Na esteira da doutrina, “fundir é amalgamar. Dissolvem-se todas as sociedades no mesmo cadinho. Misturam-se as massas. Emerge, então, nova sociedade dos acervos daquelas”.5 Nos termos da lei acionária, a fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228).

78. Do direito dos credores na fusão

A lei é clara nessa direção, e a nova sociedade – objeto da fusão – é sucessora em todos os débitos das sociedades antigas. Basta consultar o citado art. 1.119, e lá se notará que a fusão determina a extinção das sociedades que se unem para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações. Se não fosse assim, a sociedade nova experimentaria enriquecimento sem causa, diante do empobrecimento dos credores, fato esse, evidentemente, vedado pela lei.6 A fusão não pode prejudicar os credores das sociedades que desaparecem, isto é, das sociedades fusionadas ou incorporadas – é princípio secular que não se pode impor novação aos credores, e seus direitos conservam as mesmas garantias preexistentes à operação de fusão patrimonial. Conforme, ainda, e na esteira de CUNHA PEIXOTO , sob o império do Decreto-Lei 7.661/45, os credores anteriores à operação da incorporação ou fusão da sociedade limitada já podiam requerer a falência de qualquer das sociedades incorporadas ou fundidas, não só pela impontualidade de pagamentos, mas também pela transferência de patrimônio. 7 Concordo, integralmente, com a solução do mestre, adaptada ao regime da Lei 11.101 de 2005.

79. Do artigo 1.122 do Código Civil

Diz a regra geral que: até noventa dias após a publicação dos atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.

1 “É de notar que para nós a fusão é um instituto específico, com a significação acima, enquanto na doutrina européia continental, sobretudo na italiana, a fusão é gênero de que a incorporação é espécie.” BULGARELLI, Waldirio. Manual das sociedades anônimas, Atlas, São Paulo, 1996, p. 279.

2 “O direito inglês reuniu-as em uma só denominação: amalgamation, ao passo que, nos Estados Unidos, emprega-se a palavra consolidation para a fusão propriamente dita e meager para aquela em que há a permanência de uma das sociedades.” CUNHA PEIXOTO, A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, vol. II, p. 121

3 BULGARELLI, Waldirio. Manual, cit., p. 276.

4 “Il passaggio di una società da un tipo all’altro di organizzazione sociale si designa come trasformazione della società; la compenetrazione in un’unica organizzazione sociale di più organizzazioni autonome si designa come fusione delle società; il frazionamento dell’organizzazione sociale in più distinte organizzazioni si designa come scissione”. FERRI, G. Manuale, cit., pp. 476/477.

5 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, n. 351, p. 509.

6 O enriquecimento sem causa vem proscrito desde os romanos, quando se denominava condictiones sine causa. Com efeito, “si chiama arricchimento ingiusto quell’aumento patrimoniale, che si fonda su di una causa o rapporto giuridico ingiustificato” (§ 6. I. De obl. ex cont. III, 27. D. 12, 4-7. Cod. 4, 5-7). BONFANTE, Pietro. Instituzioni di diritto romano, Torino, Giappichelli Editore, 1951, p. 517.

7 PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. II, pp. 125/126.

O termo prejudicado se refere ao credor por quantia líquida e ilíquida. A consignação em pagamento resolve a situação de impasse, ao menos em parte, porque o valor pretendido na consignação pode divergir da condenação final nessa ação, ou seja, com ganho de causa, no caso de lide sobre valores, juros, correção monetária, etc. A situação é ainda mais insolúvel na hipótese do art. 1.122, § 2º, do Código, ao dizer que “sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a execução, suspendendo-se o processo de anulação”. O magistrado deve indeferir toda e qualquer forma de segurança em títulos de difícil recebimento quando contestados pelo devedor. A única garantia que se presta, neste caso, é a real. Se o credor se insurgir, o magistrado não poderá, nem mesmo, aceitar caução, porque tal garantia pode ser objeto de outro litígio (propriedade, bem não é livre ou desembaraçado), o que poderia fazer naufragar a segurança do credor. A fusão é uma medida societária, com amplos reflexos sobre terceiros. Por conseguinte, na decisão sobre sua anulação deve ser levado em consideração, exclusivamente, o interesse dos credores, sob pena de ser ratificada a fraude patrimonial, o que, por certo, o direito não permitiria. Em regra, fusão, incorporação e cisão somente poderiam ser praticadas depois de satisfeito todo o passivo social de cada uma delas; porém, não há inconveniência em se reservar parte do ativo para solver aquele passivo, ficando a cargo da nova sociedade. Contudo, certo é que os credores conservam sua garantia própria e exclusiva sobre o patrimônio do devedor, tal qual antes da fusão. As massas de bens não se confundem para constituir um só patrimônio sem que se achem satisfeitos os credores anteriores à fusão, salvo se estes fizerem novação, porque de outro modo não se lhes pode impor mudança de devedor.1

Medida de ordem justa é o § 3º do art. 1.122, ao preceituar que: ocorrendo a falência da sociedade incorporadora, da sociedade nova ou da cindida, em até noventa dias após a publicação dos atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, qualquer credor anterior terá direito a pedir a separação dos patrimônios, para o fim de serem os créditos pagos pelos bens das respectivas massas. É a regra falimentar da par conditio creditorum in concursum creditorum. Neste caso, cada credor será pago sobre as próprias massas falidas, vale dizer, sobre o patrimônio que garantia, como penhor comum, seus créditos nascidos em tempo anterior ao da fusão.

80. Do projeto de fusão

É de manifesta importância a elaboração de um projeto de fusão que será apresentado aos sócios, explicadas as razões e os fundamentos que ensejam a referida medida societária, notadamente nos seus reflexos sobre o capital social. A fusão é fenômeno patrimonial, antes de ser societário-jurídico. Por conseguinte, os sócios – todos – têm direito de saber a quantas andam a situação patrimonial da sociedade e, principalmente, a posição patrimonial da sociedade que participará do processo de fusão. A forma do projeto de fusão observa os patamares previstos no art. 224 da Lei 6.404/76, com ênfase na questão patrimonial e no capital social.2 O ato de fusão tem efeito extintivo e constitutivo: as sociedades se fundem e se extinguem como organizações autônomas, e, ao mesmo tempo, surge a nova organização jurídica – automaticamente os sócios da sociedade existente se tornam sócios da sociedade nova, e em seu favor são conferidas as novas participações societárias na medida correspondente ao projeto de fusão, ou seja, ao capital da nova sociedade, e, também em termos automáticos, o patrimônio das sociedades extintas vai formar o patrimônio na nova sociedade.3 O registro da fusão deve ser feito no órgão competente no qual as sociedades têm sede.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.381, p. 200.

2 Compete aos órgãos de administração a redação do projeto, o qual deverá conter: “Il tipo, la denominazione o ragione sociale, la sede delle societá partecipanti alla fusione; l’atto costitutivo della nuova società o di quela incorporante, con le eventuali modificazioni derivanti alla fusione; il rapporto di cambio delle azioni o quote, nonché l’eventuale conguaglio in denaro; le modalità di assengnazione delle azioni o delle quote della società che risulta dalla fusione o di quella incorporante; la data dalla quale tali azioni o quote partecipano algi utili; la data a decorrere dalla quale le operazioni delle società partecipanti alla fusione sono imputate al bilancio della società che risulta dalla fusione o di quella incorporante; il trattamento eventualmente riservato a particolari categorie di soci e ai possessori di titoli diversi dalle azioni; i vantaggi particolari eventualmente proposti a favore dei soggetti cui compete l’amministrazione delle società partecipanti alla fusione”, cf., art. 2.501 do Codice Civile.

3 FERRI, Giuseppe., Manuale, cit., pp. 486/487.

81. Da cisão das sociedades

Diz a lei acionária que a cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão (art. 229, caput). A cisão total é aquela na qual ocorre a versão total do patrimônio, desaparecendo a sociedade originária. A cisão parcial é aquela na qual ocorre a versão de uma parte do patrimônio, permanecendo a sociedade originária. Na lição de WALDIRIO BULGARELLI , os vários tipos de cisões podem assim ser resumidos: a) cisão pura, em que uma sociedade divide o seu patrimônio entre várias novas e se extingue; b) cisão absorção, em que a sociedade divide o seu patrimônio entre outras sociedades existentes, desaparecendo a sociedade originária; c) falsa cisão ou apport partiel d’actif, em que a sociedade transfere parte de seu patrimônio, continuando a existir; d) cisão holding, em que a sociedade reparte o seu patrimônio entre duas ou mais sociedades constituídas para esse fim, permanecendo como sociedade holding.

1

Bem posicionadas são as palavras de FERRI “accanto quindi alla scissione totale il nostro ordinamento ammette ora la scissione parziale o scorporazione. Ed anche per la seconda è consentito operare sia nella forma della scissione in senso stretto (quando cioè la società o le società beneficiarie sono di nuova costituzione) sia in quella della scissione per incorporazione (quando invece la società o le società beneficiarie sono preesistenti all’operazione”.2

Neste caso, a referência se faz ao fenômeno da cisão como fato organizativo, que seria a “cisão incorporação”, quando se caracteriza como um tipo de correlação entre os dois institutos, ou seja, uma cisão do ponto de vista da sociedade já existente, e uma incorporação do ponto de vista da sociedade beneficiária, vale dizer, aquele que tem, agora, um patrimônio que lhe foi incorporado.

82. Do direito dos credores na cisão

Ainda mais complexa é a situação patrimonial, com efeitos sobre os credores, na cisão. A lei procura vedar abusos, muitas vezes recorrentes, notadamente na cisão parcial. A regra fundamental está no art. 233 da Lei 6.404/76. Na cisão total, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. Na cisão parcial, a companhia que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio respondem solidariamente pelas obrigações anteriores à cisão. Contudo, no ato de cisão parcial, os contratantes podem estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhe forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credor poderá se opor à estipulação, em relação ao seu crédito,desde que notifique a sociedade no prazo de noventa dias, contados da data da publicação dos atos da cisão. Ademais, no caso de cisão com extinção, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sucederão a esta, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados (art. 229, § 1º, parte final). Essas regras, por analogia, e com as adaptações cabíveis, podem ser aplicadas também às sociedades limitadas. O direito de oposição do credor tem origem após a publicação no Registro das Empresas dos atos da cisão. Ocorre que o art. 1.122 do Código diz que, até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles. Neste ponto o legislador não disse sobre oposição, mas anulação. O ato da cisão é válido, e sua anulação teria como fundamento o prejuízo aos credores. Ora, para alcançar essa anulação, o devedor terá que provar o seu prejuízo, o que não é das coisas mais simples em termos processuais. Será necessária a feitura de laudos e de pareceres contábeis, salvo no caso de decretação posterior da falência. Desta feita, é mais razoável, em termos processuais, buscar o pagamento tendo na sociedade que recebeu parcela do patrimônio como sucessora da sociedade cindida. A certidão, passada pelo Registro das Empresas, da incorporação, fusão ou cisão, é documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações. Em todo caso, se o credor se vir prejudicado em decorrência de cisão total ou parcial, é-lhe autorizado, no prazo do direito comum, mover ação de enriquecimento sem causa contra a sociedade cindida e também contra aquela que recebeu parcela

1 Manual, cit., p. 280.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 488.

de seu patrimônio. O prazo de noventa dias não impede a propositura dessa ação cabível para ver operar a sucessão, via enriquecimento sem causa. Quando ocorre versão de patrimônio em favor de sociedade já existente, versão essa decorrente de cisão (total ou parcial), para aquela sociedade trata-se de verdadeira incorporação patrimonial, por isso da sucessão integral. A expressão incorporação patrimonial, acima referida, tem conotação contábil, como ativo, e não, necessariamente, societária. Este nexo é que impede o enriquecimento sem causa.

83. Das participações sociais

As participações sociais conferem uma série enorme de direitos e obrigações ao sócio e à sociedade. A configuração entra na categoria de conferir o status jurídico de sócio em determinada sociedade. Portanto, os sócios não são “credores” do fundo social da sociedade; não estão em relação de condomínio sobre as quotas sociais, etc. A participação social, então, confere uma nova qualidade jurídica, aquela de sócio, com direitos e deveres próprios, atinentes ao tipo societário em questão. O sócio tem direitos e deveres em relação à sociedade. Esta, por seu turno, tem capital próprio, sede, estabelecimento, interesses específicos, etc., que confluem sobre a organização da empresa levada a efeito pelos seus órgãos sociais. Precisamente, são esses órgãos sociais que no sistema de representação com poderes administram a sociedade, a qual, por efeito, é o empresário social. Aquele que organiza individualmente a empresa é o empresário individual. Aqueles que organizam a empresa em caráter societário convergem sobre o empresário social. Empresário social é sinônimo absoluto de sociedades empresariais. Esse conceito de status jurídico forma um complexo ordenamento jurídico, que tem na lei, mas também nos contratos sociais e nos estatutos sociais, a sua verdadeira fonte de direito.

Já afirmara o mestre WALDIRIO BULGARELLI que “não obstante a questão das fontes possa ser estudada sob os aspectos científico e filosófico, que tratam da sua substância, e sob o aspecto técnico, que implica o estudo das formas pelas quais se exterioriza com força obrigatória, elas têm tomado, no campo jurídico, três sentidos principais, como fontes históricas, materiais e formais”.1

A noção de fontes históricas, na lição do mestre, é aquela que indica a fonte do conhecimento do direito anterior, entre elas, os textos e documentos que o constituíam, assim como o Código Napoleônico de 1807, o Código Comercial de 1850, etc. Nas fontes materiais se compreendem os órgãos reveladores ou criadores da norma jurídica; as assembléias, etc. Por fontes formais, então, se entende a sua forma ou o modo pelo qual elas se manifestam em normas jurídicas: leis e costumes. Em direito societário a autonomia das partes é fonte na redação do contrato, e, se não contrariar expresso texto normativo, faz lei entre as partes. As partes sociais, quotas sobre um capital, podem ser constituídas em dinheiro, bens imóveis, móveis, corpóreos, incorpóreos, crédito, efeitos, etc. Contudo, neste passo, aquilo que deve ser visto é a natureza jurídica das participações societárias e os diretos e deveres que dela decorrem. Da mesma forma que existe o status jurídico de falido, herdeiro, legatário, etc., existe, em termos jurídico, o status jurídico de sócio.

O contrato de sociedade é um contrato que funda a sociedade, com o registro cabível, ainda do ponto de vista da personalidade jurídica. Com efeito, “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos” (art. 985, C.C.).

Ademais, começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo (art. 45, C.C.). E o registro declarará: a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso. Ressalva deve ser feita à sociedade em conta de participação, quando, verdadeira sociedade oculta, não interessa aos sócios que os terceiros dela tenham conhecimento de sua existência. Por seu turno, a sociedade não deve ser, necessariamente, registrada e se insere no Capítulo II do Subtítulo I “Da sociedade não personificada”, ao passo que na em conta de

1 Direito comercial, cit., p. 71.

participação o contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade (art. 993, C.C.). Na Itália essa associação não tem caráter societário, permanece entre os contratos bilaterais, na qualidade de associazione in partecipazione, ao reverso, os contratos societários são contratos plurilaterais. Na Itália, quando se comprova a sociedade com sócios ocultos, tal sociedade vem denominada de sociedade oculta, distinta da “associação em participação”. Porém, o mais importante neste momento é descobrir a qualidade de sócio, que advém do contrato social. O primeiro passo para se adquirir a qualidade de sócio, ou seja, status socii, é haver necessidade de entender que as sociedades empresariais são tipos societários determinados pela legislação. Assim, são tipos societários, que devem ser escolhidos pelos futuros sócios, na condição que melhor lhes possa parecer, atendendo aos seus interesses econômicos.

Outra sociedade, que não pode ser vista como “tipo” societário, é a sociedade simples, que não é empresária. Tal sociedade não é apenas um tipo societário em si porque suas regras são aplicadas nas outras sociedades, quando complementares. A sociedade simples é uma sociedade geral, com regras amplas, que conflui na formação dos outros tipos societários. Com isso se quer dizer que tipos societários são somente aqueles empresariais. Esses, realmente, são tipificados em caráter exclusivo pelo legislador, em hipóteses não derrogáveis pelos contratantes, mas que devem seguir as premissas fundamentais de cada tipo societário. Conquanto a sociedade simples exista como forma societária, ela não é específica, podendo abarcar várias atividades, desde que não sejam atividades de matiz empresarial. Em todos os casos, para que uma pessoa entre na qualidade de sócio, deverá escolher um dos tipos societários previstos para as atividades empresariais ou a outra forma societária, vale dizer, a forma simples. Então, o contrato societário é, verdadeiramente, um contrato de escopo, porque desde a sua entrada em sociedade o sócio tem que determinar o interesse comum da sua atividade em correlação com os demais sócios, evitando abrir sociedade que não atende ao escopo por eles buscado, com o significado de almejado. Desse escopo, no interesse da sociedade, nasce a vontade social, manifestação dos sócios, conforme sua participação social, do ponto de vista do quorum previsto pela lei ou pelo contrato, quando assim possível. A vontade social, além de manifestação da vontade conforme a participação social, tem em consideração o interesse da sociedade, também chamado de interesse social. Espera-se, com exatidão, que os sócios, na busca do escopo comum, alcancem a vontade social observando os rigores da lei e do contrato, porque se atuarem contra a sociedade (atos com excesso de mandato; ultra vires; prejuízo contra a sociedade, etc.) terão, ainda pela qualidade de sócio que indenizar a sociedade e os demais sócios, conforme cada caso. A vontade social não se resume, exclusivamente, na vontade da maioria das participações sociais. Infrequente não é que a maioria entra em negócios escusos, lesando a minoria, e a própria sociedade. Como contrato plurilateral, os sócios devem requerer as medidas cabíveis contra a maioria, que em alguns casos importam até a dissolução da sociedade. Basta, para tanto, que o contrato social estabeleça essa condição, principalmente quando se está diante de sociedade de pessoas, nas quais a quebra da affectio societatis – em sentido restrito pode ser uma variedade de circunstâncias de ordem administrativa – importa o direito de dissolver, ainda que parcialmente, a sociedade, apurando haveres e responsabilidades.

O status de sócio, na qualidade de “participar” da sociedade, lhe confere ainda a qualidade de votar nas deliberações sociais e ter direito de veto nas reuniões de sócios. São direitos fundamentais esses que nenhum contrato pode contrariar, sob pena de nulidade da cláusula. O sócio tem direito de oposição; recesso; receber lucros; fiscalizar as contas; receber o acervo após a liquidação etc., ou seja, o status de sócios, que advém da sua participação social, é um direito de qualificação jurídica para a prática de determinados atos e negócios jurídicos em sociedade e em nome e por conta da sociedade. Desta feita, são relações jurídicas societárias de caráter interno e externo. As participações sociais, então, confluem como elemento organizativo da sociedade. A principal função do sócio, como órgão social, é administrar a sociedade, ou seja, o empresário social. Quanto maior a sua participação sobre o capital, maior será o seu direito organizativo, se assim pode ser definido. O direito organizativo está no contrato social como elemento de empresa, ou seja, de atividade econômica organizada, competindo ao empresário organizar essa atividade. A organização jurídica dessa atividade tem nome, ou seja, administração social. Na administração social entram as várias figuras administrativas, todas de enorme importância jurídica. Se um sócio excede seus poderes ou se pratica atos em ultra vires, fatalmente está praticando atos que refogem de sua qualidade de sócio, ou seja, nesses atos não é tal pessoa que pode negociar em nome e por conta da sociedade que está lá, mas um agente estranho ao elemento societário, ou seja, a sociedade. Com isso, pode se notar que a sociedade começa a ter vida própria, porque nela participam capitais de vários sócios, e o poder de dispor sobre capital alheio deve ser realizado e colocado a efeito no interesse social da sociedade, na confluência da sua vontade social, e nos limites estabelecidos pela lei e pelo contrato. O ato ultra vires não acarretará responsabilidade contra a sociedade porque inexistente em relação à sociedade. Como se disse, o poder em dispor sobre bens alheios tem que ser efetuado nos limites acima referidos, sem os quais caracteriza ato estranho à sociedade, inclusive com repercussões criminais.

As participações sociais têm um conteúdo econômico e jurídico. O conteúdo econômico está no conferimento dos bens, efeitos, dinheiro, etc., que após sua integralização entram no capital social da sociedade, garantem credores, e aos sócios (diretores e administradores inclusive) é conferida a prerrogativa de dispor, administrar e organizar esse manancial enorme de fundos, efeitos, bens, etc., observando os rigores legais e contratuais. Evidentemente que a administração da sociedade tem que levar em conta, obrigatoriamente, o tipo societário que se está diante. Impossível entender do ponto de vista administrativo societário como idênticos uma sociedade em nome coletivo e uma sociedade anônima. Ora, são evidentemente,sociedades empresariais pela forma e pelo conteúdo, mas ainda que tenham esses pontos de convergência, nítidos e visíveis, a sociedade de pessoas tem administração bem distinta das sociedades de capitais. Em direito a forma é também conteúdo. Não se pode olvidar que a forma societária lhe possa ter como consequência certas distinções jurídicas na posição de sócios, no direito de intervir sobre os negócios sociais, nas ações de responsabilização contra atos praticados pela maioria, na forma de administração disjuntiva ou conjunta (ou conjuntiva), na proporção do capital investido, nas assembléias e nas reuniões, e assim por diante. O sócio que está em nome coletivo ou em comandita tem direitos individuais distintos de um sócio acionista da sociedade anônima. Não se pode esperar o contrário. Neste passo, a forma societária confere direitos individuais distintos, que em alguns casos se assemelham e em outros se diferenciam por completo. De outro lado, há direitos sociais, que são aqueles de organização, derivante da vontade social, que buscam o interesse social, ou seja, que confluem no escopo da sociedade, colocado a efeito como empresário social. Os direitos individuais dos sócios lhe aprazem os sentidos de participar da administração, receber os lucros e participar do acervo no caso da liquidação. Conquanto os direitos sociais aprazem o sentido da sociedade, como contrato de escopo, que tem no sócio administrador a fonte da sua manifestação perante terceiro na qualidade de órgão social. Então, os direitos sociais são também direitos da sociedade como entidade jurídica distinta dos seus sócios. A personificação patrimonial é o primeiro interesse da sociedade em si, ou seja, como elemento distinto dos sócios que a integram. A integralização do capital é o fenômeno jurídico de maior importância para o surgimento da sociedade. Sem tal integralização, como entidade jurídica reconhecida pelo ordenamento jurídico (art. 45), nada existiria, seriam palavras mortas sobre um escopo irrealizável. A integralização do capital, na formação da sociedade, seu ponto de partida como organização social da empresa coletiva, opera na qualidade de autorização para, em nome próprio e por conta própria, assumir direitos e obrigações necessárias e úteis ao seu objetivo social. Assim o é por força do texto normativo, inclusive. As participações sociais, na integralização do capital, correspondem à essência da sociedade. Se o sócio não cumpre com sua obrigação no conferimento, pode ser excluído da sociedade. Enquanto não integralizado o capital, os sócios respondem solidariamente. Assim, a participação social, consubstanciada na entrada efetiva dos sócios (bens, direitos, efeitos, etc), é a fonte que qualifica a natureza do status jurídico de sócios, mas, também, confere vida ao ente social. A lei diz, claramente, que na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052, C.C.). A regra é extremamente correta e firma questão que até esse ponto a sociedade ainda está em formação, e que o status jurídico de sócio ainda não é pleno, e será pleno somente no momento que que todo o capital social for devidamente integralizado. Com a integralização do capital social, a sociedade se constitui como elemento juridicamente capaz de administrar e organizar a empresa comum na busca do objetivo social. Ademais, nas limitadas, e nos termos do art. 1.055, § 1º, a lei diz que pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. Acertada a nova regra, que busca evitar a fraude sobre a avaliação dos bens conferidos ao capital social.

A doutrina ensina que “quando se atribui a esses bens valor maior do que o seu valor real, não se pode dizer que o capital seja íntegro. Na verdade, faltará para a sua integridade o valor da diferença entre o valor do capital social, calculado com base no valor real do bem conferido, e o valor nominal total do capital social. Nesses casos, todos os sócios responderão solidariamente por esta diferença, ou seja, pelo montante que faltar para que se estabeleçam a integridade e a consistência do capital social”.1

A solidariedade entre os sócios nesse caso serve como penalidade imposta pelo legislador a todos os sócios, porque perante o capital social em termos contábeis se considera que ainda não houve a efetiva integralização do capital, diante de avaliação filha da fraude.

Em sentido estritamente jurídico, a diferença entre o valor real do bem conferido e o seu valor nominal impede a confluência de se ter a integralização efetiva do capital, ou seja, tal integralização é fictícia e visa lesar credores, mas o

1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 16.

direito tem sanção contra esses sócios gatunos, mandando que todos eles respondam, em caráter solidário, pela diferença na avaliação do bem.

Em outra hipótese o legislador andou bem atento contra o “assalto” de que podem ser vítimas as sociedades, dizendo, expressamente, que “os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital” (art. 1.059, C.C.). O capital social é variável por definição, e serve como parâmetro, ao menos nos quadrantes civilizados, para aferir a capacidade de endividamento da sociedade. Se os sócios distribuem lucros indevidos, estão dilapidando patrimônio que é garantia dos credores, em última esfera, mas, também, os sócios estão lesando o patrimônio da sociedade, como ente jurídico distinto dos seus sócios. Portanto, os efeitos são de duas ordens na distribuição indevida de lucros: a) prejuízo aos credores; b) lesão patrimonial contra a sociedade, entidade distinta dos seus sócios. A distribuição indevida de lucros, no tocante ao direito societário, é a medida da mais alta gatunagem porque fere os princípios fundamentais de administração da entidade coletiva, de um ente que foi constituído para alcançar um escopo comum, e não servir aos interesses gananciosos, algumas vezes de matiz criminoso, de gatunos que prejudicam uns ou vários sócios , e também os credores. Com efeito, a temática do capital social tem três vertentes de interesses amparados pelo ordenamento jurídico: a) a noção de participação social (quotas, ações), sobre a formação da sociedade; b) a integralização do capital como limite de responsabilidade nas limitadas; na formação do fundo social nas comanditas e em nome coletivo; c) na impossibilidade de lesar o capital social, depois de devidamente integralizada e devidamente constituída a sociedade. Então, essas três variáveis jurídicas, cada qual ao seu momento, vale dizer: constituição, formação e funcionamento da sociedade, representam claramente a importância que a participação social tem sobre o ente coletivo, podendo se dizer, com certeza, que nada existiria sem a perspectiva plurilateral sobre o contrato social, ao ter nas quotas e fundos um patrimônio que integra uma entidade jurídica, na condição de pessoa jurídica, distinta dos seus integrantes. Por exemplo, nas comanditas simples, diz a lei, diminuído o capital social por perdas supervenientes, não pode o comanditário receber quaisquer lucros, antes de reintegrado aquele (art. 1.049, parágrafo único, C.C.). E todo e qualquer dividendo distribuído indevidamente terá que ser restituído à sociedade, seja na hipótese de perdas supervenientes, como também quando, de má-fé, o comanditário recebe lucros indevidos (art. 1.049, caput). O status jurídico de sócio é uma posição jurídica, na qualidade de receptividade pelo ordenamento jurídico de uma condição que confere os direitos e obrigações necessários para a representação com poderes de órgão social da própria sociedade. A sociedade como pessoa jurídica personifica patrimônio. É sujeito de direito e obrigações próprios. Tem legitimidade para postular em juízo. Firma todo e qualquer ato e negócio jurídico dentro de seu objeto social. Na somatória dessas e outras prerrogativas jurídicas se pode falar da sociedade como sujeito de direito distinto dos seus sócios. Contudo, essa formação decorre do contrato plurilateral, da participação dos sócios, em interesse social, diferenciando-se, portanto, das figuras clássicas do direito comum, entre as quais as do condomínio e das associações. São duas as qualidades jurídicas: a) da sociedade; b) de sócios. Dentre essas figuras há relações jurídicas complexas, correlacionadas, e de natureza patrimonial e de finalidades, como contrato de escopo, o que diferencia das figuras clássicas do direito comum. Nas sociedades, entram e podem sair sócios, mas o ente, que é deles distinto, continua existindo e funcionando, sem solução de continuidade, pelo contrário. Essa é uma das fontes principais em diferenciar a sociedade dos demais contratos (comissão mercantil; por exemplo). A integralização do capital social é a essência na formação da sociedade, e repercute sobre a responsabilidade dos sócios não somente na sociedade limitada, mas também nas comanditas. Com efeito, os credores têm interesse direto que o comanditário entre em sociedade, conferindo, efetivamente, seus bens, fundos, efeitos, etc., em favor da sociedade porque sobre esses bens eles concorrem, por exemplo, na falência da sociedade. Se os sócios comanditários não cumprirem a obrigação de contribuição em relação à sociedade, serão eles obrigados a integralizar as quotas que subscreveram para o fundo social, não tendo valor qualquer disposição contratual em contrário. E, se assim não o fizerem, os liquidantes devem acionar os comanditários para que integralizem a quota. As restrições na disponibilidade de bens que entram no ativo da sociedade ou a lavratura de hipotecas, aval de favor etc. são medidas legais, e em alguns casos sufragadas pelos contratos sociais, que visam impedir que da participação social derivem direitos que para uma determinada sociedade podem ser lesivos, quando não em todas elas. A sociedade existe, em sentido lógico aos sócios, na perspectiva de aumento dos lucros, na distribuição dos dividendos, que decorrem, como escopo, da sua participação social. Não teria sentido minimamente aceitável esperar o contrário, até porque se assim o fosse se estaria diante de uma fundação ou de uma associação. O objetivo buscado pelos sócios é de alcançar o lucro, que será repartido conforme suas participações sociais, na imensa maioria dos casos. O direito de cada sócio em recebimento do lucro deriva do contrato social, é uma contrapartida da obrigação assumida em conferir o capital na formação do fundo social, do patrimônio da sociedade.

Efetivamente, há uma correlação entre participação social e distribuição de lucro. Essa distribuição de lucros somente pode ter lugar quando os lucros são devidos. Se indevidos, cabe ao sócio restituir o valor recebido, acrescido de juros e correção monetária. O recebimento de lucros indevidos não encontra sustentação nem sobre a participação social, nem sobre o capital social. Por bem da verdade, a distribuição desses lucros é uma antítese tanto da participação social, a que efetivamente consagra o lucro como escopo que decorre de uma atividade exitosa, e também como antítese ao conceito de capital social como elemento que possa medir a envergadura patrimonial da sociedade. A sociedade tem na participação social sua abertura diante dos sócios, e, depois de integralizados os valores, a sociedade forma seu capital, sua essência como entidade jurídica se forma completamente, como sujeito de direitos distinto dos seus membros, assumindo direitos e obrigações, como pessoa jurídica devidamente registrada, personificando seu patrimônio e, ao final, assumindo um interesse que lhe é próprio, o qual não deve ser lesado pelo interesse individual dos sócios. As participações sociais, os sócios, a sociedade, cada qual tem regramento específico, suficiente dentre as infinitas relações jurídicas entre esses agentes, que, em contrato plurilateral, têm deveres e responsabilidades entre os sócios e eles próprios, entre a sociedade e os sócios, entre a sociedade e terceiros, numa espiral societária de relações jurídicas obrigacionais, mas também com significado ético e moral, que adentram o ordenamento jurídico nas suas diversas formas e perfis.

84. Do poder-dever de administrar a sociedade

A qualidade de sócio lhe atribui a condição de um verdadeiro poder-dever na administração da sociedade. Nas sociedades de pessoas a administração é dever do sócio. Conforme BRUNETTI, a administração da sociedade compete: a) a todos os sócios na sociedade simples e em nome coletivo; b) na sociedade em comandita simples, aos sócios comanditados; c) a um ou vários sócios – salvo diversa disposição contratual – na sociedade limitada. Disto se dessume que na sociedade de pessoas a administração e a representação competem aos sócios nos termos do contrato social, com plena liberdade para alargarem ou restringirem o número de administradores e que, na sociedade em comandita simples, somente poderá ser administrada por aquele sócio de responsabilidade ilimitada, vale dizer, o comanditado. Responsabilidade ilimitada e poder de gestão são conceitos indissociáveis nas sociedades de pessoas, o que, de um lado, justifica a proibição dos comanditários em exercer a administração da sociedade ou de incluir o seu nome na razão social da sociedade.1 De outro lado, a responsabilidade segue a premissa da administração quanto ao órgão social competente para obrigar a sociedade, fato esse tipicamente conhecido na sociedade limitada e anônima. Então, nessa problemática de poder-dever administrativo entra em questão a diferença entre órgão e representação sem poderes. O órgão administrativo é elemento constitutivo da sociedade, faz parte do contrato plurilateral, ou melhor, é condição da existência de tal contrato. O contrato social que não estabelecer o órgão de administração não terá validade jurídica; seria ato não suficiente em criar a entidade jurídica societária por falta de comando sobre o fundo social, impossibilidade de firmar obrigações sociais, não poderia contratar com terceiros, ou seja, impossível a sua existência como sujeito de direitos e agente capaz. O poder-dever na administração se faz tanto em questões assembleares quanto perante terceiros. Deve ser visto em sentido amplo, abarcando uma série enorme de atos administrativos de natureza societária. São esses atos que colocam a efeito a empresa comum, permitem alcançar o escopo comum, denotam a affectio societatis, etc. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um (art. 1.010, C.C.). A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios (art. 1.013, C.C.). Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (art. 1.014, C.C.). O regramento desses atos também busca evitar que o sócio exceda o poder-dever na administração da sociedade. Assim, veta a lei, no sentido de não produzirem efeitos contra a sociedade, os atos praticados em ultra vires, com excesso de poder. Há, ainda, atos praticados com desvio de finalidade, em visível conflito de interesses entre o interesse do sócio e aquele da sociedade, sancionados pela lei, impedindo o voto do sócio quando seu interesse conflitar com o da sociedade. Dentre outras regras que impedem a prática de atos em ultra vires, excesso de poder ou desvio de finalidade, é bastante efetiva a regra do art. 1.015, quando dispõe: No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade: contudonão entrando no objeto social a oneração ou a venda de bens imóveis, o negócio

1 Trattato, cit., vol. I, pp. 227/228.

jurídico depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. O art. 1.015, acima referido, tem sua razão de ser em efetivar a teoria clássica na administração das sociedades, e chegou em bom momento. O excesso por partes dos administradores não repercute sobre o patrimônio da sociedade, ou seja, sempre quando a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Com isso, o art. 1.015 revoga de uma vez por todos outros posicionamentos confusos, alicerçados na teoria da aparência, que buscavam conferir validade, em relação à sociedade, de atos praticados por administradores, excedendo de seus poderes. Outra regra que responsabiliza o sócio que atua em conflito de interesses é a do art. 1.010, § 3º, ao determinar que responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto.

A responsabilidade clássica está prevista no art. 1.016, estabelecendo que os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Essa responsabilidade entra na categoria clássica, por atos culposos, mas que em direito societário tem ainda um agravante, ou seja, a prática de atos administrativos em contrariedade aos deveres administrativos, entre os quais o dever de diligência e probidade. Com efeito, o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011, C.C.). Na administração da sociedade o sócio não pode usar da sociedade em proveito próprio, obviamente. Essa conduta implica responsabilidade civil e penal contra o sócio. O patrimônio da sociedade é formado com a contribuição de todos os sócios e constitui, em última condição, garantia dos credores. Os sócios que têm o poder de administrar a sociedade também têm o dever de prestar contas. Desta feita, os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico (art. 1.020, C.C.). Evidentemente que em cada tipo societário há uma natureza administrativa diversa em comparação com os demais. Não se pode conceber que a administração da sociedade em nome coletivo seja idêntica à sociedade limitada, e assim por diante. Ademais, a natureza da sociedade determina a forma de manifestação interna e externa da administração. O poder-dever na gestão social decorre da forma societária eleita pelos sócios como instrumento jurídico necessário ao comando da empresa comum. O contrato social deve estabelecer os requisitos para o exercício do poder-dever administrativo, e, se for silente, várias hipóteses podem ser confabuladas sobre a responsabilidade dos sócios, entrando em todos os casos as regras gerais da sociedade simples naquilo que for compatível com o tipo societário em questão. Pelo próprio efeito de suas regras gerais, ainda no tocante ao poder-dever administrativo, a sociedade simples é sociedade geral, notadamente no capítulo da administração disjuntiva e conjuntiva entre os sócios. Por seu turno, o contrato deve indicar os sócios que têm a administração e a representação da sociedade, e se considera administrador o representante autorizado a praticar todos os atos que entram no objeto social da sociedade. Essa referência serve em todo e qualquer tipo societário e se consubstancia na disciplina administrativa prevista pelo Código Civil. Desde que inscritos e registrados, os contratos sociais são públicos e de conhecimento dos terceiros que negociam com a sociedade. Exercendo o poder-dever de administração nos limites do contrato social, o negócio jurídico é perfeito, e obriga a sociedade perante os terceiros. Excedendo seus poderes, nas formas já vistas, o ato não obriga a sociedade, assumindo o sócio a obrigação em nome próprio e por conta própria, ou seja, diverso da sociedade. Na comandita simples, ademais, o contrato social deve indicar precisamente quem é o sócio comanditado e quem é o sócio comanditário, para evitar confusão perante os terceiros em se saber quem efetivamente tem a qualidade de sócio como agente capaz em firmar obrigações em nome e por conta da sociedade. O poder-dever na administração da sociedade em comandita simples decorre necessariamente do contrato social, incluindo determinado sócio na categoria de comanditado, ou seja, na qualidade de sócio que pratica atos e negócios jurídicos em nome e por conta da sociedade, obrigando o fundo social e respondendo solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. A correlação entre poder-dever administrativo se manifesta perfeitamente na comandita simples, na figura do sócio comanditado. O sócio comanditário não administra a sociedade e concorre nas perdas somente com o fundo que conferiu na formação da sociedade; é sócio de responsabilidade limitada às quotas investidas porque não exerce a gestão. Se o comanditário descumprir sua obrigação societária, assume a responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações, e a correlação entre administração e responsabilidade se perfaz. A manifestação do poder-dever administrativo encontra eco até nas sociedades irregulares. Nas sociedades em nome coletivo irregulares, a responsabilidade é solidária e ilimitada, ainda que conste pacto expresso limitativo de poderes de

representação. Esse é um efeito da irregularidade, quando eventual restrição ao poder representativo não tem validade contra terceiros.

Presume-se que todos os sócios que agirem pela sociedade tenham os necessários poderes de representação social, e na sociedade em nome coletivo irregular os limites de representação social não são oponíveis aos terceiros, salvo se fique provado que os referidos terceiros conheciam da limitação de representação (art. 2.297, Codice Civile). Se a irregularidade da sociedade em comandita simples advém da intromissão consentida do comanditário sobre os negócios sociais, esse sócio responderá ilimitada e solidariamente pelas obrigações, ao lado dos comanditados. Cumpre ressaltar que tecnicamente é impossível existir uma “sociedade em comandita simples irregular” porque, se não foram feitas as alterações e registros cabíveis, essa sociedade será considerada sociedade coletiva ou, conforme o caso, sociedade de fato, com responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios por todas as obrigações presentes, passadas e futuras. Também sobre a responsabilidade dos sócios pesa o tipo de obrigação assumida perante terceiros. Dentre as já mencionadas, estão notadamente as obrigações sociais pactuadas entre sociedades empresariais, nos contratos de compra e venda, comissão mercantil, depósito, etc. Contudo, relevante é perscrutar a natureza da obrigação assumida pela sociedade empresária; neste caso, as obrigações frente aos consumidores. A sociedade firma contratos de prestação de serviços ou de compra e venda com os consumidores. Esses, por sua volta, têm ampla proteção pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Por essa referida legislação, o seu principal objetivo foi desconsiderar a personalidade jurídica, com a finalidade de alcançar patrimônio individual dos sócios, diante da teoria clássica da personificação patrimonial da sociedade limitada e da sociedade anônima.

A Lei 8.078/90 fez questão de abrir uma específica Seção V – “Da desconsideração da personalidade jurídica”, como um dos seus principais fundamentos objetivos. No art. 28, diz: O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. E, também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores (art. 28, § 5º, Lei 8.078/90).

Assim, a personalidade jurídica, para fins de direito do consumidor, é vista como “obstáculo” ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor. Ora, esta é uma visão que esbarra em excessivo protecionismo, e hoje, salvo engano, muitas sociedades empresariais têm desconsiderada a personalidade jurídica por despachos infundados e descabidos, com impacto sobre sua administração, e com penhora de bens dos sócios quando a sociedade ainda tem patrimônio social suficiente para arcar com aquelas obrigações e tantas outras. Pode se afirmar, sem receio, que a desconsideração da personalidade jurídica, assim como colocada a efeito por grande parte da Jurisprudência, atenta contra as regras societárias e constitucionais. A desconsideração da personalidade jurídica é medida extrema, para casos específicos, e não deve ser a regra geral nos processos. Ademais, muitos dos casos de reparação ao consumidor se mostram abusivos, ou seja, os consumidores abusam das prerrogativas que a Lei 8.078/90 lhes conferiu, instigando conflitos com as sociedades empresariais para lá na frente alcançarem vantagens. Toda essa circunstância tem um preço: o aumento do preço dos produtos, que, de uma forma ou de outra, embute esses custos indevidos, até para a sobrevivência da sociedade. A temática da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, justamente amparado pela Lei 8.078/90, não pode ter na desconsideração da personalidade jurídica medida corriqueira. Ao contrário, perfeitamente justificável é a responsabilidade objetiva, pela teoria do risco, que o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos (art. 12). Porém, ainda nesse caso, tem aplicação o art. 1.024 do Código Civil, ao determinar que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Com efeito, o poder-dever de administração, visto sob a perspectiva dos contratos de consumo, tem que, obviamente, levar em consideração a responsabilidade objetiva pelo risco do produto ou do serviço, como fonte de organização da empresa comum. Os sócios que administram a sociedade, seja em qualquer tipo de sociedade empresarial, organizam uma atividade com finalidade lucrativa. Nesta organização, o risco empresarial se configura tanto no fracasso econômico quanto na responsabilidade perante terceiros. Nas obrigações sociais, a responsabilidade é prevista pela lei e tem, como fonte complementar, os contratos sociais como fonte do direito societário em limitar ou restringir poderes de administração.

Conquanto nas relações jurídicas entre a sociedade e o consumidor, ainda em consideração no plano da responsabilidade objetiva pelo risco do produto ou do serviço, a responsabilidade social se perfez nos casos previstos pelo art. 12 da lei do consumidor, a Jurisprudência deve estar atenta que somente podem ser executados os bens pessoais depois de executados os bens sociais (art. 1.024). O legislador empregou o termo executados, que tem caráter de processo executivo, ou seja, com finalidade de nomear bens à penhora. Então, enquanto a sociedade tiver bens livres e desembaraçados para ofertar em garantia do juízo, são impraticáveis a penhora de bens individuais e a desconsideração da personalidade jurídica para esses fins. Em termos societários, o poder-dever de administração importa vários riscos, que são consentâneos com a realidade complexa dos tempos contemporâneos. Todavia, os postulados jurídicos tradicionais encontram sustentação na própria esfera dessas relações complexas, quando a do consumidor é apenas mais uma dentre tantas. A fraude, os amigos do rei, os filhos da gatunagem, infelizmente, e na verdade, acabam muitas vezes escapando das rigorosas punições, enquanto muitos dos sócios que empregam anos e anos nas suas sociedades e desenvolvem economicamente o país pagam preço altíssimo na esfera tributária pelo simples fato de administrarem a sociedade.

85. Das relações jurídicas internas de sociedade

A sociedade como entidade organizada desenvolve relações jurídicas societárias entre os sócios, e entre os sócios e a sociedade. São as denominadas relações jurídicas internas típicas de sociedade, ou seja, de contrato societário plurilateral. Nenhum outro contrato tem essa prerrogativa. Nenhuma outra situação jurídica patrimonial também; por exemplo, o condomínio ou mesmo a societas romana.

No contrato societário, ao reverso, em primeiro plano estão as relações jurídicas dos sócios em relação à sociedade, e da sociedade em relação aos sócios e entre os sócios propriamente. Na esteira de BRUNETTI as relações societárias de natureza interna são, em sentido amplo, de direito patrimonial quando se referem aos bens mensuráveis em dinheiro ou quando da esfera patrimonial dos sócios e da sociedade. Na primeira parte da questão, o sócio aparece como devedor da sociedade, ou seja, na sua contribuição ao capital social, e “naturalmente il soddisfacimento di tale obbligo non può effettuarsi che alla società, intesa, secondo i casi, come corporazione o come persona giuridica, dappoichè è soltanto con la somma dei conferimenti che è dato di raggiungere gli scopi fissati nel contratto sociale”.1

Então, o cumprimento da obrigação de contribuição é feita em relação à sociedade, e, depois desse momento, a sociedade parte em direção ao seu escopo social, fixado pelo contrato social. Ademais, o conferimento é o meio (instrumento) para realizar tal escopo, e sua execução compete exclusivamente à sociedade. Portanto, a primeira obrigação do sócio é prometer o conferimento em bens, efeitos ou dinheiro. A segunda é efetivamente cumprir esse conferimento. Feito isso, a sociedade pode considerar-se perfeitamente constituída, ressaltando que os sócios podem, conforme o caso, integralizar posteriormente a totalidade do capital. O ordenamento jurídico é expresso em permitir a hipótese de limitada com capital a ser integralizado quando a sociedade já está em funcionamento, tanto que, se o contrato permitir administradores não-sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.061, C.C.). Nas sociedades por ações, é dever do liquidante exigir dos acionistas, quando o ativo não bastar para a solução do passivo, a integralização de suas ações (Lei 6.404/76, art. 210, V). Conquanto tudo isso, nas limitadas a responsabilidade é verdadeiramente limitada às quotas e restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052). Na liquidação, quando não houve a integralização total do capital, idêntica será a solução apresentada pela lei acionária, acima referida, e o liquidante dever exigir dos sócios a integralização das suas quotas, nos termos do contrato social.

1 Trattato, cit., vol. I, pp. 235/236.

Capítulo III

DA SOCIEDADE EM COMUM

86. A disciplina da sociedade em comum no Código Civil

Bem dentro da propositura do legislador de 2002, com incontáveis remissões, o art. 986 estabelece que: enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas das sociedades simples. A disciplina sobre a constituição das sociedades por ações é amplíssima, e desde 1976 já regulam a matéria, de maneira correta, os artigos 8099 da Lei 6.404/76.

Na seqüência (art. 987), diz que “os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo”. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum (art. 988, C.C.). Ora, como um “patrimônio especial”, pode constituir “patrimônio social”, ou seja, bens sociais. É uma contradição frontal. Ou é patrimônio social, ou patrimônio especial. É fictícia a divisão entre patrimônio especial e bens sociais. A regra é clara: os sócios da sociedade em comum respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações assumidas. Qualquer limitação é fictícia, mesmo que tal limitação tenha a denominação de “patrimônio especial” ou “benefício de ordem”. A responsabilidade dos sócios é integral, absoluta, inexorável. As regras bem construídas sobre o patrimônio de afetação, por exemplo, nas incorporações imobiliárias (Lei 10.931 de 2004), fundos de investimento, não têm nada que ver com aquilo que disse o legislador de 2002 nos artigos 988 e 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer (art. 989). Essa disciplina prejudica, diretamente, direitos essenciais dos credores. Ora, se os atos constitutivos não foram nem mesmo inscritos, como se pode tolerar limitação de responsabilidade por pacto expresso que o terceiro deva conhecer. Nenhuma dessas limitações tem efeitos contra a falência do sócio, nos termos da Lei 11.101 de 2005. Nos termos do art. 990 do Código Civil, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade (beneficium ordinis et excussionis). Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente perante os credores.

87. Das críticas contra a forma seguida pelo Código Civil

Conforme se disse, o art. 986 estabelece que: enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas das sociedades simples. A raiz desse artigo 986, acima mencionado, são os artigos 2.297, 2.317, etc., do Codice Civile. Com efeito, “fino a quando la società non è iscritta nel registro delle imprese, i rapporti tra la società e i terzi, ferma restando la responsabilità ilimitata e solidale di tutti i soci, sono regolati dalle disposizioni relative alle società semplice” (art. 2.297), quando da referência à sociedade em nome coletivo.

Por sua vez, “fino a quando la società non è iscritta nel registro delle imprese, ai rapporti fra la società e i terzi si apliccano le disposizioni dell’art. 2.297” (art. 2.317), quando da referência à sociedade em comandita simples. A redação normativa do art 986 do Código Civil é péssima. Bem acertado é o regramento do Codice Civile, que faz referência àquela ressalva legal, em cada um dos tipos societários. Como já se falou, o aspecto mais esdrúxulo é a redação do art. 989, parte final, ao dizer que os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou “deva conhecer”. Esse artigo não pode ser aplicado literalmente, sob condição de possibilitar interpretação lesiva ao crédito, favorecendo sociedades irregulares ou de fato, contra os interesses do comércio. A jurisprudência pátria, aplicando com acerto a lei, não permitia tal situação. Como a redação do art. 989 é equivocada, o seu antídoto pode ser encontrado na prática jurisprudencial da Itália, que, perfeitamente, determinou “la sottoscrizione di un contratto, che venga apposta in calce ad un timbro contenente il nome

del sottoscrittore e di altre persone in qualità di contitolari di una ditta, è idonea, nel rapporto con l’altro contraente, ad esteriorizzare l’esistenza di una società irregolare o di fatto, nonché la riferibilità ad essa dell’affare concluso da detto sottoscrittore, tendendo conto che nella società di fatto, ai sensi dell’art. 2.297 secondo comma c.c., deve presumersi che ciascun socio che agisce per la società abbia la rappresentanza sociale, mentre ogni patto limitativo di tale rappresentanza non è opponibile al terzo che non si dimostri esserne a conoscenza”.1

88. Da comprovação da sociedade em comum

Caso não exista contrato escrito, tal sociedade pode ser provada: por documentos de qualquer natureza; correspondências; escrituração contábil; testemunha. Essa é bem conhecida, desde 1850, quando no antigo Código Comercial, artigo 304, se determinava que são admissíveis, sem dependência da apresentação do dito instrumento (instrumento probatório da sociedade), as ações que terceiros possam intentar contra a sociedade em comum ou contra qualquer dos sócios em particular. A existência da sociedade, quando por parte dos sócios se não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os gêneros de prova admitidos em comércio (art. 122), e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu. O referido Código Comercial também já disciplinava o remédio contra a falta de registro, dizendo: enquanto o instrumento do contrato não for registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os sócios solidariamente (art. 301, parte final). A lei sempre procurou coibir e impedir, via sanções, a existência de sociedade de fato ou irregular, e nisso fez acertado. Parece que o Código Civil busca aceitar a existência dessas sociedades e regrá-las minimamente, para lhe dar solução jurídica. Tal interpretação se pode dessumir dos arts. 989 e 990 do Código. Assim, enquanto não registrada, qualquer sociedade fica sob a égide da disciplina da sociedade em comum, excluídas aquelas do art. 986 do Código. O correto é instituir a sociedade e lhe dar funcionamento empresarial, e não o contrário. Se tal fato ocorrer, impera a referida disciplina, porque os sócios estarão em comum, sem as regras especiais de cada tipo societário. Pode ocorrer outra hipótese, ou seja, a dos sócios nem terem contrato social, e estarão, de maneira idêntica, em comum entre eles. Note que essas situações não são assim tão infrequentes quanto possa parecer e na prática se manifestam bastante.

89. Da sociedade de fato

Nos dias de hoje, as sociedades em comum são aquelas que um dia foram chamadas, pela doutirna, de sociedades irregulares ou de fato. Sociedade de fato é aquela que, contaminada por vícios de nulidade, são fulminadas mortalmente. Porém, a sociedade funcionou, contratou, praticou negócios jurídicos. Essas sociedades existem e funcionam à sombra da lei, independentemente do arquivo do contrato no registro competente.2 Na sociedade de fato, também está incluída a seguinte hipótese: os sócios convencionam o objeto social, estipulam as quotas de cada qual com recursos ou serviços, estabelecem o capital social, projetam o fundo social, dividem atribuições, mas tudo verbalmente, sem contrato3, sem possibilidade jurídica de efetivar um registro de atos constitutivos. A noção de sociedade de fato não é sinônimo de sociedade irregular (a qual pressupõe extrinsecamente um contrato social não observado e também quando esse contrato não é formalmente inscrito no Registro das Empresas), ao passo que a sociedade de fato exprime o modo de manifestação da vontade social, na falta de expresso contrato social, e que resulta do exercício de fato de uma atividade econômica em comum. A existência do vínculo social pode se dessumir por efeito da mera exteriorização nas relações com terceiros, enquanto nas relações internas da sociedade a sociedade deve ser provada (com todas as provas admitidas em direito, inclusive testemunhal e presunções), mediante os elementos necessários para a existência da sociedade, ou seja, o fundo social, atividade comum, divisão dos lucros e das perdas, vínculo de colaboração entre os sócios.4 Com efeito, o referido julgado determina com exatidão a sociedade que deve ser considerada sociedade de fato, diferenciando-as das sociedades irregulares.

1 Cass. Civ, Sezione Unite, de 10 de janeiro de 1984, n. 174, cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.980.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 610, p. 89.

3 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, p. 419.

4 Cass. civ., sez. I, 17 gennaio 1998, n. 366; cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.984.

As sociedades de fato não têm contrato social escrito, não são, por conseguinte, registradas. As sociedades irregulares, ao revés, têm contrato, que foi ou não registrado corretamente; podem manifestar sociedade irregular também no caso de alteração societária de fato, quando da saída de sócios, chegada de outros, ao passo que a sociedade é agora irregular, porque ainda não efetivou a devida inscrição no Registro das Empresas das referidas alterações contratuais. Neste caso, é uma alteração fática que ocasiona a irregularidade da sociedade. A irregularidade advém, por sua vez, da não inscrição, no tempo oportuno, na alteração contratual.

90. Da sociedade irregular

Sociedade irregular é aquela que funciona por determinado período sem o cumprimento das solenidades legais de constituição, registro e publicidade. Importantíssima é a diferenciação entre sociedades de fato e irregulares. Do ponto de vista conceitual, já se viu, acima, que a sociedade de fato não tem nem mesmo contrato escrito. Algumas vezes é nula, mas existiu. A sociedade irregular é aquela que tem um contrato que não foi registrado. É também sociedade irregular aquela sociedade que um dia foi constituída regularmente, mas que, por qualquer motivo, se converteu em irregular. Uma sociedade regular que não registra suas alterações contratuais, que continua funcionando mesmo após o encerramento do seu prazo determinado de duração, etc., será com efeito e agora uma sociedade irregular. É fundamental essa perspectiva do tema das sociedades em comum porque os reflexos jurídicos serão vários, principalmente na responsabilidade por atos negociais praticados. A teoria da aparência não é suficiente para igualar sociedade de fato e sociedade irregular. Sociedade de fato e irregular são situações jurídicas completamente distintas, e, muitas vezes, distintas são as conseqüências jurídicas decorrentes desta diferença de conceitos. Um credor pode intentar ação contra a sociedade constituída irregularmente para alcançar os efeitos pretendidos, e, ademais, pode ser feita tal alegação em sede de contestação, por exemplo, na execução de títulos de crédito ou mesmo requerimento de falência. Também viável, por parte de credor ou terceiro interessado, da propositura de ação em consignação de pagamento quando a sociedade se convolar em irregular. As sociedades irregulares existem e provocam efeitos na realidade da vida. Por saber bem disso, o direito procura solucionar os negócios jurídicos praticados nessa condição de irregularidade e, ao mesmo tempo, espancar a sua existência, dissuadindo os mais incautos.

91. Da diferença entre sociedade de fato e irregular

Não é sem importância o debate sobre a distinção conceitual entre sociedade de fato e sociedade irregular. CARVALHO DE MENDONÇA já houvera chamado atenção para tal, principalmente em razão das distintas consequências jurídicas quando se está diante de uma sociedade de fato e de uma sociedade irregular.

A jurisprudência italiana também ressalta essa diferença, ao dizer, acertadamente, que “l’esistenza di una società, semplice, di persone, di capitali, regolare, irregolare, e quindi anche di una società di fatto, richiede il concorso di un elemento oggettivo, rappresentato dal conferimento di beni o servizi, com la formazione di un fondo comune, e di un elemento soggettivo, costituito dalla comune intenzione dei contraenti di vincolarsi e di collaborare per conseguire risultati patrimoniali comuni nell’esercizio collettivo di un’attività imprenditoriale. Tale comune intenzione costituisce il contratto sociale, senza del quale la società, qualsiasi società, non può esistere. Quel che caratterizza la società di fatto, e la differenzia dalla società irregolare, non è dunque la mancanza del contratto sociale, ma il modo in cui questo si manifesta e si esteriorizza; esso infatti può essere stipulato anche tacitamente, e risultare da manifestazione esteriori dell’attività di un gruppo, quando esse, per la loro sintomaticità e concludenza, evidenzino l’esistenza della società”.1

No ordenamento jurídico pátrio, uma das maiores consequências entre a diferenciação das sociedades de fato e irregulares decorre da sua liquidação. Nas sociedades irregulares, a regra segue os artigos 655 e seguintes da lei adjetiva, enquanto, nas sociedades de fato, o regramento é idêntico ao da liquidação de sentença, após a tramitação de processo ordinário de dissolução, nos termos do art. 673 da referida lei processual de 1939. Ora, então fica comprovada a importância da diferença entre a noção jurídica das sociedades de fato e irregular. CARVALHO DE MENDONÇA assim as distinguiu, e assim tem que ser nos dias atuais, observando sempre a sua doutrina.

1 Cass. civ., sez. II, 22 febbraio 2000, n. 1961; cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.981.

Na verificação da existência de uma sociedade de fato, o magistrado deve ter em consideração, como elemento probatório, as manifestações exteriores da sociedade que demonstram a affectio societatis existente entre os sócios, fato esse suficiente em criar nos terceiros um sentido de confiança ao tratarem diretamente com uma sociedade, e não individualmente, sabendo que a prova da existência do vínculo de sociedade cabe ao autor da ação. Para poder considerar existente uma sociedade de fato, sob os efeitos da responsabilidade pessoal dos sócios, ainda que em sede falimentar, não é necessária a prova do pacto social, mas é suficiente demonstrar o comportamento, por parte dos sócios, de tal ordem que realmente os terceiros acreditem que estão diante de uma sociedade, ou seja, um conhecimento justificado e inculpável aos terceiros, os quais, no final das contas, foram ludibriados, e pelo princípio da aparência podem ser socorridos, no seu direito de crédito, valendo-se contra os sócios, solidária e ilimitadamente. Contudo, os magistrados devem prestar muita atenção porque o vínculo de affectio familiaris não forma sociedade, e o fato de um parente, próximo ou distante, vir ao socorro e pagar dívida não caracterizaria sociedade por não presente o vínculo de affectio societatis. Somente como affectio societatis, manifestada no conferimento de bens, interesses em comum, distribuição de lucros, é que se terá sociedade, inclusive quando das sociedades de fato.

92. Das restrições legais contra a sociedade irregular

Não obstante existirem como sociedades, a lei não as acolhe com bons olhos, procurando não incentivá-las, proibindo as fraudes. Essas, em termos clássicos, são as suas principais limitações: a) os sócios, ainda que ocultos, respondem ilimitada e solidariamente para com terceiros, embora outra coisa seja convencionada entre eles; b) a sociedade não vale contra terceiros, e, em conseqüência, a sociedade ou os sócios individualmente não podem propor contra os sócios ou contra terceiros ação fundada na existência da sociedade para exigirem efeitos futuros do contrato; é impossível conferir bens imóveis à sociedade; a sociedade não pode inscrever firma ou razão social; nenhum sócio tem o direito de, individualmente, requerer a falência da sociedade. Porém, os sócios podem demandar, e não se pode escusar, o cumprimento das obrigações já contraídas, nem impedir o regulamento dos lucros e das perdas ou a restituição das entradas, ou seja, os efeitos da sociedade sobre o passado, podendo, inclusive, reclamar, uns dos outros, como proprietários ou credores o que lhes é devido.1 A sociedade pode, por certo, entrar em dissolução e liquidar o seu patrimônio.

93. Da responsabilidade dos sócios

Nas sociedades em comum, a responsabilidade dos sócios é pessoal e solidária. O art. 305, in fine, do Código Comercial, dizia que “a responsabilidade dos sócios ocultos é pessoal e solidária, como se fossem sócios ostensivos”.2

Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade. Ao passo que em tempos mais antigos, o ordenamento jurídico considerava irregular ou de fato as sociedades que não fossem devidamente constituídas. O atual Código Civil, ao reverso, lhe confere o verdadeiro status de sociedade. Tal desiderato se manifesta em todo o Capítulo da Sociedade em comum, e também no artigo acima referido, qual seja o art. 990, dizendo aquele que contratou pela sociedade. De irregular ou de fato se transformou em sociedade em comum, ou seja, quase que um tipo societário. Não me parece acertada essa política legislativa e bom era ver essa reunião de pessoas como algo irregular ou de fato, com sanções. Contudo, o legislador as denominou de sociedade em comum, o que é um contra-senso. O termo comum faz entender que os bens e os sócios estão em comunhão de bens ou de interesses, o que confronta, totalmente, com a noção de sociedade. Na esfera de sócios, falindo a sociedade em comum, tal falência vai arrastar todos os sócios para as catacumbas falimentares.

A sociedade deixa de pagar, e os garantes solidários, ou seja, os sócios, não cumprem, por seu turno, a obrigação – incorrem em falência. Por que a falência da sociedade acarreta a de todos os sócios pessoal e solidariamente responsáveis? Evidentemente, por não terem satisfeito a sua obrigação como garantes, ou seja, devedores, responsáveis subsidiariamente.3 Se o sócio pagar, evita a falência e recebe dos demais, devedores solidários para com ele e subsidiários para com a sociedade.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 668, pp. 135/136.

2 “Os sócios das sociedades irregulares são solidariamente responsáveis nos mesmos termos em que o são os sócios das sociedades regulares em nome coletivo e os sócios ocultos. Essa responsabilidade é subsidiária”. MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 611, p. 90.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 615, p. 95.

A comprovação de que os sócios são garantes da sociedade, e não coproprietários de bens, é feita pelo próprio legislador, ao dizer que “todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”. Ora, só tem benefício de ordem, em direito comum, inclusive, o garante, ou seja, aquele que responde em termos subsidiários. Ou seja, até os sócios de sociedade em comum (irregulares ou de fato) têm direito ao benefício de ordem, vale dizer, a regra do art. 1.024 do Código, que, diga-se, vem desde o ano de 1850, art. 350, Código Comercial, que “os bens particulares do sócio não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados todos os bens sociais”. Ora, são verdadeiramente sócios de uma sociedade, e não coproprietários de bens. Não são titulares em comum, são sócios, que conferem bens e serviços em favor da sociedade, in affectio societatis. Ensina a doutrina que a consequência do funcionamento irregular da pessoa jurídica é, em regra, a responsabilidade dos seus membros, fundadores e administradores, pelas obrigações sociais, e a falta de registro do contrato social ou dos atos constitutivos da sociedade acarreta a responsabilidade solidária de todos os sócios, pelo que pode o terceiro promover contra a “sociedade em comum”, isto é, contra todos os sócios, ou contra qualquer deles em particular, a ação que tiver – é a solidariedade passiva imposta pela lei como sanção à falta do registro.

1 O regramento do Código Comercial de 1850 assim estipulava, ao passo que, enquanto o instrumento do contrato não for registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os sócios solidariamente (art. 301). Quando da sociedade em comum – sociedade de fato –, tem relevância a regra do art. 304 do Código Comercial de 1850, ao preceituar que, na ausência de contrato social, são, porém, admissíveis, sem dependência da apresentação do dito instrumento, as ações que terceiros possam intentar contra a sociedade em comum ou contra qualquer dos sócios em particular. A existência da sociedade, quando por parte dos sócios se não apresenta instrumento, pode provar-se por todos os gêneros de prova admitidos em comércio e até por presunções fundadas em fatos de que existe ou existiu a sociedade. Ademais, quando a sociedade é regular ou irregular, contudo, elas não se convertém, qualquer que seja o defeito contaminador, em sociedades de fato, e continuam elas a ser o que são, com os efeitos prescritos em lei.

94. Das magistrais palavras de CARVALHO DE MENDONÇA

É fundamental recapitular as palavras do mestre, ao explicar que as sociedades irregulares têm disciplina diferente da que rege a comunhão de bens ou de interesses; os sócios são verdadeiros garantes da sociedade; falindo a sociedade, os sócios de responsabilidade ilimitada são arrastados à falência; as sociedades irregulares existem, como se fossem sociedades em nome coletivo, estando sujeitas à disciplina destas, salvo as consequências específicas que a lei expressamente lhes atribui; permite prova da sua existência, de fato ou irregular, por todos os meios admitidos na legislação, e até por presunções; a sociedade não vale entre os sócios ou contra terceiros e, por consequência, a sociedade ou os sócios, individualmente, não podem propor contra os sócios ou contra terceiros ação fundada unicamente sobre a existência da sociedade para exigirem efeitos futuros decorrentes do contrato – contudo, os sócios não estão proibidos de reclamar, uns dos outros, o que lhes é devido, como proprietários, credores, condôminos, etc.2 Todas essas situações caracterizam e explicam as sociedades em comum, ainda hoje.

95. Não é patrimônio especial

O art. 988 tem redação equivocada. Os bens e dívidas sociais não constituem “patrimônio especial”, mas os bens sociais constituem o fundo social – é um patrimônio próprio da sociedade, e não especial. O que existe é a separação entre a sociedade e a pessoa dos sócios, mesmo que isso ocorra em uma sociedade que não teve seus atos registrados como determina a lei – universitas distat a singulis. Como já se disse, supra, o fundo é o conjunto de haveres que formam o ativo da sociedade e abrange o capital e outros valores a ele agregados por via de lucros retidos, conforme WALDEMAR FERREIRA.

Na verdade, o que o legislador de 2002 denomina de “patrimônio especial” é, por bem da verdade, fundo social da sociedade em comum.

1 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações, Rio de Janeiro, Forense, 1953, vol. I, p. 303.

2 Tratado, cit., vol. III, p. 89; 131-139 e passim.

Esse fundo não tem a natureza jurídica de comunhão de bens, muito pelo contrário, e também não tem a natureza de patrimônio especial, como patrimônio afetado. Os sócios não são seus proprietários, no sentido restrito do termo. O fundo é da sociedade, advém do conferimento (em bens e serviços) feito pelos sócios, e que são eles os sócios, por força de lei, garantes da própria sociedade – em termos de responsabilidade ilimitada e solidária.

Quando o legislador diz “os bens e dívidas constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum”, é como se reduzisse e contrariasse a própria definição de sociedade, ou seja, os “titulares em comum” entrariam na qualidade jurídica de coproprietários, em comunhão de bens e prestação de serviços, situação jurídica insustentável na teoria do direito societário, e que já não tinha grande audiência nem mesmo para explicar as sociedades irregulares ou de fato. Por assim dizer, o art. 988 do Código Civil é um retrocesso. Prova de tal fato é que a sociedade em comum pode ser declarada falida, arrastando os seus sócios para a falência também. Se não bastasse isso, o legislador incluiu a sociedade em comum no Subtítulo Da sociedade não personificada. O legislador deveria ter escrito que os bens e dívidas sociais constituem fundo social do qual os sócios participam.

96. A sociedade em comum não é comunhão de bens e interesses

Desde o Código Comercial de 1850 já não se podia concluir que a sociedade em comum tivesse natureza de comunhão de bens ou de interesses.

As razões que diferenciam a sociedade em comum da comunhão de bens ou interesses são apresentadas por CARVALHO DE MENDONÇA, entre as quais: I – na comunhão, os consortes são coproprietários e podem dispor livremente de seus quinhões, enquanto nas sociedades irregulares, ao contrário, têm patrimônio próprio, a título de fundo social, e os sócios não são coproprietários do fundo social; II – os sócios têm responsabilidade subsidiária, manifestando que a responsabilidade ilimitada dos sócios pressupõe, portanto, a existência da sociedade, com a separação entre a sociedade e a pessoa dos sócios – universitas distat a singulis.

1 Ademais, um outro fator decisivo para distinguir essas sociedades da comunhão de bens e interesses é a sua forma de dissolução.

97. A sociedade em comum é uma sociedade de fato

Não há dúvida de que a sociedade em comum é uma sociedade de fato e fica, por conseguinte, sob seus efeitos jurídicos. Dentre os principais estão: a) responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais; b) não pode requerer recuperação judicial; c) a decretação da falência acarreta a falência dos seus sócios, quando a sociedade for empresária; d) sua existência pode ser provada por todos os meios admitidos em lei; e) não pode participar de licitações, editais ou compras públicas.

98. Da dissolução e liquidação da sociedade em comum

Em se tratando de sociedade de fato, a forma judicial do processo de dissolução e liquidação se faz nos termos do art. 673 do Código de Processo Civil de 1939. Não havendo contrato ou instrumento de constituição de sociedade que regule os direitos e obrigações dos sócios, a dissolução será requerida pela forma do processo ordinário, e a liquidação far-se-á pelo modo estabelecido para a liquidação das sentenças. Se a sociedade for irregular, a regra é a dos arts. 655 e seguintes do Código de Processo Civil de 1939, e a dissolução da sociedade civil, ou mercantil, nos casos previstos em lei ou no contrato social, poderá ser declarada, a requerimento de qualquer interessado, para o fim de ser promovida a liquidação judicial.

99. Do procedimento especial da dissolução das sociedades irregulares

A petição inicial, diz o Código de Processo Civil de 1939, será instruída com o contrato social ou com os estatutos. Nos casos de dissolução de pleno direito, o juiz ouvirá os interessados no prazo de quarenta e oito horas e d ecidirá. Nos casos de dissolução contenciosa, apresentada a petição e ouvidos os interessados no prazo de cinco dias, o juiz proferirá

1 Tratado, cit., vol. III, pp. 91/93.

imediatamente a sentença, se julgar provadas as alegações do requerente, tudo conforme diz a antiga lei processual, no art. 656. Se a prova não for suficiente, o juiz designará audiência para instrução e julgamento.

100. Da nomeação do liquidante

Se o juiz declarar, ou decretar, a dissolução, na mesma sentença nomeará liquidante a pessoa a quem pelo contrato, pelos estatutos ou pela lei competir tal função. Se a lei, o contrato e os estatutos nada dispuserem a respeito, o liquidante será escolhido pelos interessados, por meio de votos entregues em cartório. A decisão tomar-se-á por maioria, computada pelo capital dos sócios que votarem e, nas sociedades de capital variável, naquelas em que houver divergência, sobre o capital de cada sócio nas de fins não-econômicos, pelo número de sócios votantes, tendo os sucessores apenas um voto. Se forem somente dois os sócios a divergirem, a escolha do liquidante será feita pelo juiz entre pessoas estranhas à sociedade. Em qualquer caso, porém, poderão os interessados, se concordes, indicar, em petição, o liquidante (art. 657, C.P.C. de 1939). Nomeado, o liquidante assinará, dentro de quarenta e oito horas, o respectivo termo; não comparecendo, ou recusando a nomeação, o juiz nomeará o imediato em votos, ou terceiro estranho, se por aquele também recusada a nomeação.

101. Da segurança jurídica e material dos bens sociais

Se houver fundado receio de rixa, crime, extravio ou danificação de bens sociais, o juiz poderá, a requerimento do interessado, decretar o sequestro daqueles bens e nomear depositário idôneo para administrá-los, até nomeação do liquidante (art. 659). Medida acertada para a proteção dos bens sociais. A liquidação é feita no interesse mediato dos credores. Por isso, tal medida visa dar segurança aos direitos dos credores, que se fazem pagar sobre o acervo da sociedade, e, na sua falta, sobre o patrimônio pessoal dos sócios. Na administração dos bens o depositário deve zelar e cuidar dos bens como se fossem seus, auferindo os eventuais ganhos, da administração desses bens, tudo em proveito da liquidação. Ademais, a sociedade em comum tem fundo social, que decorre da sua existência como fenômeno associativo e de escopo comum. De uma forma ou de outra, a sociedade em comum não é comunhão de bens ou comunhão de interesses. Com efeito, é verdadeira sociedade.

Capítulo IV

DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO

102. Do tráfico mercantil e a sociedade em conta de participação

Tipo societário comuníssimo no tráfico mercantil, a sociedade em conta de participação desempenha papel de primeira grandeza nos investimentos empresarias. Assim sempre o foi, desde os tempos do seu surgimento nas antigas cidades medievais italianas, criação dos mercadores e da navegação, que faziam crescer a riqueza, os costumes e as avenças. O fenômeno econômico da participação é um dos mais conhecidos e valiosos no comércio; o interesse de amparar os riscos que apresentam certas atividades empresariais, o desejo e a necessidade de ocultar o próprio nome nas transações mercantis e a conveniência de guardar despesas com a organização de uma das outras formas societárias dotadas de personalidade jurídica ou, ainda, a natureza urgente do negócio empreendido ou o caráter reservado das estipulações mercantis, todos esses fatores, separados ou não, explicam as razões da própria sociedade em conta de participação. 1

Conforme MAURO BRANDÃO LOPES , “a sociedade tem, assim, duas categorias de sócios: os que se obrigam para com terceiros, chamados sócios-gerentes ou ostensivos, e os que se obrigam unicamente para com os ostensivos, chamados ocultos ou participantes”.2

103. A conta de participação não é tipo de sociedade na prática jurídica italiana

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.423, p. 223.

2 A sociedade em conta de participação, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 1.

Conforme o doutrina de ANTONIO BRUNETTI, historicamente a sociedade em comandita simples e a “associação em participação” tiveram como objeto de participação uma pessoa não comerciante (capitalista) sobre uma empresa de outra pessoa. Mas em certo momento, enquanto a comandita simples alcançava o seu máximo desenvolvimento apresentandose ao público como uma razão social que identificava as pessoas dos sócios, a “associação” assumia um caráter íntimo, figurando externamente somente pelo empresário, e permanecendo o capitalista na “sombra”, não obstante a natureza societária da sua relação. Contudo, com o passar do tempo, e da perfeita elaboração das várias formas do contrato de mútuo, a doutrina começou a duvidar do caráter societário do vínculo entre o capitalista e o empresário, orientando-se em relação a uma concepção de contrato de troca, de mútuo oneroso, como a verdadeira natureza jurídica da “associação em participação”.1

104. Da disciplina da conta de participação no Codice Civile

Situação que demonstra, cabalmente, a associação em participação como um contrato que não tem origem societária se dessume da redação do próprio Codice Civile, quando sua disciplina foi incluída no Livro que contém o regulamento jurídico da empresa, sendo, no mais das vezes, a associação em participação um meio para o empresário ampliar sua esfera de atividade mediante a contribuição de outras pessoas que ao seu lado afrontam os riscos e dividem os lucros do empresa. Por esse efeito, a matéria foi transferida do “Direito das Obrigações”, no antiquíssimo Código de Comércio da Itália para o Livro “Del Lavoro”, do Codice Civile de 1942. Por certo, que as sociedades empresárias também estão disciplinadas na parte do Livro “Del Lavoro”, assim como as “associações em participação”; entretanto, as sociedades estão reguladas separadamente no Título V, enquanto a associação em participação forma um específico Título VII do Livro V. Com isso, o legislador de 1942 mostrou, claramente, que a associação em participação não forma vínculo de natureza societária e, ao contrário, indica a sua natureza como contrato de mútuo, e também na figura da cointeressenza. A prática jurídica italiana tem na associação a participação de uma pessoa sobre a empresa de outra, e essa participação não tem natureza societária.

105. Da interpretação de ANTONIO BRUNETTI

Neste passo, cumpre mencionar, expressamente, a opinião do referido jurista sobre as “associações em participação”, opinião essa que, em termos doutrinários, sou signatário, totalmente. Conforme BRUNETTI, o ponto fundametal do instituto é aquele que envolve a causa negoziale. A sociedade pertence à categoria dos contratos de organização; e a “associação em participação” aos contratos de scambo. Os escopos que de um lado o associante persegue e, de outro, o associato são diversos porque o primeiro mira a realização de uma especulação com os meios formados ou por se formarem pelo associado, havendo com isso a potencialização econômica da própria empresa, enquanto o segundo quer, ao contário, investir o seu capital na empresa alheia para alcançar uma vantagem (lucros, ganhos) maior daquele que derivaria de um normal investimento capitalístico.

Neste passo, diz o mestre, “la prestazione dell’associato si concreta in tal modo, secondo i casi, in un mutuo, in un deposito irregolare, in una locazione, comunque in un rapporto meramente obbligatorio, talvolta anche reale, quando sai promesso l’uso o il godimento di un immobile o di um diritto reale. Qui sta l’essenza del rapporto di scambio, cioè nel concedere ad alcuno, ossia all’imprenditore, il potere di usufruire economicamente del capitale altrui mediante un compenso, anche se questo sai del tutto aleatório. Ed è nell’essenza del rapporto che il capitale fornito sia restituito alla cessazione dell’associazione quando il risultato economico dell’impresa dell’ossociante lo consente”.2

A diferença entre o contrato societário e o de tipo da associação em participação está na fase de execução desses contratos. No contrato da “associação”, a prestação de cada uma das partes vai direta e exclusivamente em benefício de cada uma das mesmas partes. Nos contratos societários, ao contrário, a prestação de cada uma das partes vai, aferindo-se os respectivos ganhos, como vantagem (lucros, ganhos), em favor de todas as partes, variável somente quanto à sua quantificação sobre o capital da sociedade. Outro fator que, na doutina em questão, não importa ver na conta de participação de uma sociedade está em que a divisão das perdas não caracteriza, necessariamente, qualquer contrato como societário. Com efeito, a divisão das perdas e dos ganhos não é, de per si, somente situação típica dos contratos de sociedade, mas o é também nas relações de gestão de negócios; por exemplo, comunhão de bens. Se existir, contatualmente, uma divisão das perdas e dos ganhos, não se pode

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 36/37.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 37.

afirmar, somente por isso, que se está diante de um contrato de sociedade, quando faltem a comunhão de meios e a comunhão de vontade, as quais, efetivamente, conferem fundamento à divisão do risco.

1

Ademais, essa interpretação decorre da redação do art. 2.549, l’associante attribuisce all’associato una partecipazione agli utili della sua impresao di uno o più affari verso il corrispettivodi um determinato aooporto.

106. Da sociedade “oculta”

A sociedade em conta de participação é uma sociedade interna, que nem sempre se exterioriza, permanecendo oculta.2 O BULGARELLI tem razão, e com a sociedade se entende que o contrato social busca unicamente estabelecer regras entre os sócios, como a divisão de lucros, dividendos, forma de pagamento, a liquidação da conta, prazo de duração da sociedade, objeto social, etc., situação essa que não é de conhecimento dos terceiros, os quais, no mais das vezes, nem desconfiam da existência de uma sociedade e acreditam negociar diretamente com um empresário individual, por exemplo. Os terceiros não sabem que tal sujeito está em conta de participação sobre fundos de outros sócios. Ao ser uma sociedade oculta, isso não quer dizer que seja uma sociedade irregular, uma sociedade com manobras fraudulentas, para o fim de enganar ou iludir o público, nem um contrato que precise ser guardado em sigilo, sob pena de degenerar em uma sociedade em nome coletivo, mas significa, somente, uma sociedade non proscripta, uma sociedade em que o sócio gerente não usa senão o próprio crédito, agindo em próprio nome.3 O contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade, nos termos do art. 993 do Código Civil.

107. Da origem histórica da “sociedade” em conta de participação

Por certo que a origem desse tipo societário se deu nas cidades medievais italianas, fruto da criação dos comerciantes da época. A sua característica principal é decorrer do contrato de comenda. Como o empréstimo a juros não era aceito pela Igreja, visto que verdadeira usura, muitos dos nobres, por utilidade, queriam fazer multiplicar o seu dinheiro, e viam na conta de participação a forma perfeita para tal. Ademais, o comércio nessa época era coisa vil; o importante era ter propriedades imobiliárias, reinos, sistema da vassalagem e servos. A nobre era avessa às figuras comerciais, quase que relegadas.4 As leis canônicas da época proibiam a usura e não permitiam o empréstimo a juros. Seria culpa grave realizar tal atividade. Fica fácil notar que numa situação do gênero os ricos deveriam encontrar formas para não confrontar essa proibição, e tal se deu precisamente com a sociedade em conta de participação. Porém, ainda há outro fator importantíssimo a considerar: as convenções sociais da época e a mentalidade na qual ao trabalho deveriam se dedicar apenas os pobres e nem mesmo o comércio era considerado ocupação digna para os signori (nobres, proprietários) fizeram que encontrassem um meio para multiplicar o seu próprio dinheiro, esquivando-se das regras severas de direito canônico, e, por conseguinte, sem se exporem às penalidades ou ferirem os costumes. Ao formarem os vínculos de confiança e interesses comuns com os mercadores, encontra-se o surgir da

1 “Senza far capo a una mancanza di comunione di mezzi economici non si riescirebbe a spiegare la struttura dell’istituto. Tutti gli altri criteri sono irrilevanti: non quello dello scopo comune perchè anche nell’associazione la fusione delle forze economiche tende alla realizzazione di un profitto da ripartire; non quello del conferimento dell’associato, perchè il corrispettivo della prestazione è la partecipazione agli utili dell’impresa dell’associante; non quello infine del parmanere, occulta ed ignorata daí terzi, la posizione dell’associato perchè anche l’accomandante nell’accomandita semplikce si trova in posizione análoga. È infatti analogia illusoria. L’accomandita si presenta ai terzi come una società palese in cui la posizione dell’accomandante risulta dal contatto e cio legittima la limitazione della sua rispondenza. L’accomandante è contitolare di mano comune del patrimonio sociale amministrato dagli accomandatari; l’associato non è che um socio interno; per i terzi esiste solo l’associante il quale acquista diritti e assume obbligazioni onde è l’impresa di costui che va iscritta nel registro. L’associato, alla fine dell’associazione, diventerà creditore dell’apporto se le perdite dell’esercizio non l’avranno consumato. Sul patrimonio dell’imprenditore esso non avrà diritti nè di mano comune nè di comproprietà per quota.” BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 38/39.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais,cit., p. 49.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit., vol. IV, n. 1.429, p. 229.

4 “Le leggi canoniche, ad es., proibivano l’usura e non permettevano di poter prestare denaro ad interesse, non essendo allora ammissibile questo compenso oggi cosi diffuso ed importante per la nostra economia. Dovevasi infatti in quei tempi per non incorrere in grave colpa prestarei l proprio denaro senza corrispettivo. È facile dedurre che in una simile situazione i ricchi avrebbero dovuto trarre reddito del proprio capitale com l’impiego diretto, e cio sarebbe stato possibile se il ritegno per la casta a cui appartenevano non avesse loro impedito di dedicarsi agli affari. Ma le convenzioni sociali e la mentalità per cui al lavoro dovevano dedicarsi solo i poveri e neanche il commercio era considerato occupazione degna per i signori, spinsero questi ultimi a trovare un mezzo per fare fruttare il proprio denaro senza esporsi alle pene delle leggi o urtare le consuetudini;” cf. GRANDI, Salvatore G. L’associazione in partecipazione, Milano, Valardi, 1939, pp. 9/10, citado por FILHO, Oscar Barreto. A sociedade em conta de participação, cit., p. 8.

affectio societatis entre eles, caráter definidor da sociedade. Elaborado jurídico e comercial que fez fortuna e possibilitou o desenvolvimento comercial como nunca dantes conhecido. A riqueza prosperou em uma nova cultura, efervescente, com alteração das regras jurídicas do direito comum, contando para isso com o florescimento de direito especial, o dos comerciantes, em regras estatutárias das cidades e das corporações de ofícios, e do trabalho incansável dos glosadores.1

108. Fonte histórica da sociedade em conta de participação

Nesse cenário histórico, e em razão do declínio do regime feudal, muitos nobres – por pragmatismo – queriam multiplicar suas riquezas e viam na formação da sociedade (com mercadores e capitães de navios) o instrumento correto para buscarem o enriquecimento, sem, contudo, exteriorizarem essa sociedade perante terceiros. Disso decorre ela ser sociedade oculta. Agindo dessa maneira, aqueles que dispunham de fundos poderiam fornecê-los aos sócios (ostensivos), para que esses, os verdadeiros comerciantes, fossem além-mar para realizar toda e qualquer negociação mercantil (ouro, pratas, tecidos, etc.), e, ao final, sob contas comuns, distribuírem os lucros e as respectivas perdas. A sociedade em conta de participação oculta foi a forma societária primordial nos séculos XV e seguintes, e possibilitou o expansionismo comercial sobre as colônias. Instrumento societário de inigualável importância para o tráfico mercantil, perfeito na satisfação dos interesses do dinheiro e da sua circulação, comparável somente à sociedade por ações dos dias de hoje. A sociedade em conta de participação se difere, profundamente, de um simples contrato de empréstimo. Note-se que há, claramente, o vínculo da affectio societatis entre o sócio oculto e o ostensivo, razão única da existência da sociedade. O interesse social nessa sociedade é convergente, a pessoa do sócio é fundamental para a negociação, condição maior da sua pactuação como sociedade empresarial. A identidade de objetivos a serem alcançados, formas comerciais, experiência no mundo dos negócios, interesses em comum, etc., ou seja, tudo que faz por nascer uma sociedade.

109. A conta de participação não é mero contrato de mútuo oneroso

Nos dias de hoje isso fica ainda mais claro em razão da quantidade incomensurável de oferta de crédito pelas instituições financeiras, ou seja, caso alguém busque financiamento não terá dificuldade – pelo contrário – de encontrá-lo, ou seja, e em hipótese alguma se pode confundir a qualificação da sociedade em conta de participação como um simples negócio fiduciário, ou muito menos de mútuo oneroso. A doutrina pátria é perfeita nessa direção.

Diz o mestre dos mestres que “desde os primeiros tempos da idade moderna, a participação começou a desenvolver-se na Itália como organismo autônomo. A influência das leis canônicas, que condenavam o mútuo, o prejuízo dominante na classe rica da inconveniência de aumentar os capitais com o trabalho pessoal e especialmente com o comércio, e o desejo, por outro lado, de não deixar improdutivo o dinheiro foram os estímulos para o desenvolvimento dessa forma de sociedade”.2

OSCAR BARRETO FILHO afirma que a sociedade em conta de participação não nasceu, contudo, na França, mas na Itália, ligada, de uma maneira ou de outra, ao contrato de comenda.3 A doutrina clássica é bem acertada ao asseverar que foi sobre o contrato de comenda que nasceu a “sociedade” em conta de participação.

110. Da sociedade em conta de participação como sociedade empresária

A sociedade em conta de participação é aquela que se forma entre pessoas, entre as quais pelo menos uma deve ser empresária, para a prática de uma ou mais operações comerciais, trabalhando um, alguns ou todos os associados em seu nome individual para lucro comum.4 Em sede de ordenamento jurídico pátrio, a conta de participação é sociedade, e sua natureza jurídica não se restringe aos contratos de mútuo ou de troca, mediante correspectiva vantagem.

1 “A teoria dos glosadores e a prática dos conciliadores transformaram de alto a baixo o direito, o Estado e a sociedade na Europa”. WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno, Lisboa, GULBENKIAN, F. Calouste. 2ª ed., 1993, p. 93.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.424, p. 224.

3 A sociedade em conta de participação, cit., p. 4.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.425, p. 225.

O antigo Código de Comércio de 1850 (art. 325), disciplinava a sociedade, estabelecendo que quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidas nos contratos mercantis.

O referido Código era minucioso, preciso, como manda a boa regra na redação das leis. Esta forma societária exige que um dos sócios seja realmente empresário, e nisso está correto o antigo texto – ela é sociedade apenas nas relações entre os sócios e inexiste nas relações dela com terceiros. Como sociedade oculta, quase se poderia dizer secreta, confunde-se com a pessoa, natural ou jurídica, sob cuja firma se apresenta. Não possui, absolutamente, personalidade jurídica. É anônima, no sentido restrito da palavra, por carecer de firma própria. Em alguns casos é momentânea ou acidental, com a finalidade de celebrar tal ou qual negócio, mas pode também ser duradoura, por tanto tempo quanto se faça necessário ao alcance de seu objetivo.1

111. A sociedade em conta de participação não tem capital social

A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais, e a referida especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios (art. 994, C.C.). O capital social representa a totalidade, expressa em dinheiro, dos contingentes realizados ou prometidos pelos sócios com aquela destinação – é a primeira garantia oferecida aos terceiros: é o fundamentum societatis. Não compreende aí, como bem se vê, a sociedade em conta de participação, que se contrata sem capital ou, ao menos, sem fundo autônomo, constituído pelos contingentes dos participantes.2 Não há que confundir patrimônio especial com o capital social. O capital social, como diz o mestre, é a primeira garantia dos credores.

O que o Código Civil denomina de patrimônio especial tem efeitos entre os sócios, jamais servindo de garantia aos terceiros, que, ademais, nem sabem da existência da sociedade. Como seria possível falar em capital social na sociedade em conta de participação, se é ela oculta, desconhecida, verdadeiramente misteriosa frente aos terceiros? Claro que não se pode assim considerar, ou seja, esse patrimônio especial não é um capital social, até porque o contrato dessa sociedade não vai ser registrado. Nenhuma sociedade pode ser registrada sem a designação de seu capital social. Por seu efeito, como o referido contrato da sociedade em conta de participação não será registrado, desnecessário é discutir sobre o seu capital. O que a sociedade em conta de participação tem é fundo social, que advém das entradas efetuadas pelos sócios, participante e ostensivo. Tal contribuição ao fundo da sociedade é patrimônio separado, para fins de administração interna da sociedade. O sócio ostensivo tem a titularidade sobre o fundo social, podendo dele dispor, alienar, e, com efeito, é sobre esse fundo que tal sócio alcança crédito e, por conseguinte, é também garantia dos credores.

112. A sociedade em conta de participação é oculta

O matiz oculto da sociedade em conta de participação não significa que tal sociedade seja irregular na sua constituição, muito pelo contrário. Por bem da verdade, essa sociedade só existe juridicamente enquanto continuar oculta. Se a sociedade, ainda que denominada sociedade em conta de participação, se manifeste nas relações com terceiros, com nome social ou mesmo sem razão social, abre estabelecimento e sede social, contrata representantes, etc., ter-se-á uma sociedade em nome coletivo irregular ou de fato, na qual todos os sócios seriam solidária e ilimitadamente responsáveis.

3 O que caracteriza, nesse caso, a sociedade em nome coletivo é a existência da firma social. Essa resposta advém da interpretação sistemática dos artigos 305 e 316 do antigo Código de 1850, ao dizer: nas sociedades em nome coletivo, a firma social assinada por qualquer dos sócios-gerentes, que no instrumento do contrato for autorizado para usar dela, obriga todos os sócios solidariamente para com terceiros e a estes para com a sociedade, ainda mesmo que seja em negócio particular seu ou de terceiros; com exceção somente dos casos em que a firma social for empregada em transações estranhas aos negócios designados no contrato.

1 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 630.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 535, p. 28.

3 _____________. Tratado, cit., vol IV, n. 1.431, p. 233.

A responsabilidade dos sócios ocultos é pessoal e solidária, como se fossem sócios ostensivos (revogado o art. 305, Código Comercial de 1850).

113. Do regramento sobre a sociedade em conta de participação na França

O direito francês, assim como diz a doutrina, tem uma particularidade sobre a sociedade em conta de participação que merece alusão. Com efeito, a sociedade em participação era, conforme a regra do direito francês, tradicionalmente definida como uma sociedade oculta, que não se revelava aos terceiros, porém, com a Lei de 4 de janeiro de 1978 se abandonou este critério tradicional: a sociedade em participação é uma sociedade cujos sócios convencionam que não será registrada.1 Pouco importa que os terceiros tenham ou não conhecimento da existência da sociedade (posicionamento que não é pacífico na doutrina francesa), e a regularidade da sociedade em conta de participação não é colocada em causa pela sua revelação aos terceiros, seul se trouve modifié le régime de la responsabilité des asssociés vis-à-vis des tiers. 2 Ainda com essas reservas, a sociedade em participação é uma verdadeira sociedade que deve comportar o conjunto de elementos necessários para a constituição de qualquer sociedade.3

114. Da regra de interpretação sobre a “sociedade” em conta de participação

Fato que também merece referência é a regra interpretativa, prescrita pelo Código Civil francês, sobre a sociedade em participação.

O art. 1871-1 do Código Civil da França estabeleceu que “a moins qu’une organisation différente n’ait été prévue, les rapports entre associés sont régis, en tant que de raison, soit par les dispositions applicables aux sociétés civiles, si la société a un caractère civil, soit, si elle a un caractère commercial, par celles applicables aux sociétés en nom collectif”. Esse texto normativo diz, em linhas gerais, que se aplicam à sociedade em conta de participação, no caso da sua natureza empresarial, as regras da sociedade em nome coletivo. Tal regra é correta e serve como paradigma interpretativo nas questões pertinentes sobre a aplicação do Código Civil de 2002, nos casos em que o contrato social da sociedade em conta de participação for silente. Essa regra teria prevalência, do ponto de vista teórico, sobre o art. 996, que manda aplicar, subsidiariamente, as regras da sociedade simples sobre a sociedade em conta de participação. Deve ficar bem claro que não é aconselhável que se apliquem, mesmo em caráter subsidiário (art. 996), as regras da sociedade simples sobre a sociedade em conta de participação, o que é só mais um equívoco do legislador de 2002.

115. Natureza jurídica da conta de participação

Em sede de ordenamento jurídico pátrio, a natureza jurídica da conta de participação é um contrato de sociedade. Aspecto fundamental que determina o matiz societário da sociedade em conta de participação é a existência da affectio societatis entre os sócios.

Conforme MAURO BRANDÃO LOPES , a affectio societatis caracteriza o nexo causal formador da sociedade, e “na verdade, só o elemento intencional da affectio societatis diferencia a sociedade da comunhão”.4 Com isso, fica clara a sua diferença em relação ao instituto da comunhão de bens ou interesses. Na Itália, a imensa maioria dos juristas tem na conta de participação

1 Diz o Código Civil francês, art. 1.871: “Les associés peuvent convenir que la société ne sera point immatriculée. La société est dite alors “société en participation”. Elle n’est pas une personne morale et n’est pas soumise à publicité. Elle peut être prouvée par tous moyens.Les associés conviennent librement de l’objet, du fonctionnement et des conditions de la société en participation, sous réserve de ne pas déroger aux dispositions impératives des articles 1832, 1832-1, 1833, 1836 (2 ème alinéa), 1841, 1844 (1er alinéa) et 1844-1 (2ème alinéa).”

2 cf., art. 1.872-1 do Código Civil da França: “Chaque associé contracte en son nom personnel et est seul engagé à l’égard des tiers. Toutefois, si les participants agissent en qualité d’associés au vu et au su des tiers, chacun d’eux est tenu à l’égard de ceux-ci des obligations nées des actes accomplis en cette qualité par l’un des autres, avec solidarité, si la société est commerciale, sans solidarité dans les autres cas. Il en est de même de l’associé qui, par son immixtion, a laissé croire au cocontractant qu’il entendait s’engager à son égard, ou dont il est prouvé que l’engagement a tourné à son profit.”

3 JEANTIN. Michel. Droit des sociétés, cit., p. 94. Na Bélgica, diz JEAN VAN RYN,

“mais c’est essentiellement une société occulte; les tiers connaissent seulement l’associé gérant, qui traite d’ailleurs les affaires de la société en son nom personnel; ils sont sans lien juridique avec les participants et ne peuvent agir contre eux. Peu importe que les tiers aient connaissance, en fait, de l’existence de la participation, du moment que les participants s’abstiennent d’intervenir dans la gestion (DE PELSMAEKER, nº 14); cette simple connaissance ne donne pas aux tiers le droit d’agir directement contre eux.” (RIPERT, nº 792). Principes de droit commercial, cit., vol. I, p. 312.

4 A sociedade em conta de participação, cit., p. 34.

um contrato que decorre da associação. Porém, a sociedade oculta, palese, se identifica em grande parte com a nossa sociedade em conta de participação.

116. Da definição da conta de participação em TULLIO ASCARELLI

Como síntese da doutrina italiana, “a chamada sociedade ou associação em conta de participação constitui um contrato bilateral; de permuta ou escambo no amplo significado deste termo, adotado nestas páginas; dominus do negócio é, sempre e necessariamente, o associante que somente ele assume obrigações e adquire direitos para com os terceiros, ao passo que os associados são responsáveis somente perante o associante e têm direitos somente perante ele; não se cria uma nova organização, nem externa – essa é a diferença invocada com maior frequência –, nem interna; até quando o associante admite mais pessoas a participar dos seus negócios, isso tem lugar através de outros contratos bilaterais distintos”.1

A referida definição é consentânea com a prática italiana, que visa diferenciar a conta de participação dos contratos societários típicos, fato esse, ademais, que converge com o Codice Civile. Por isso, são frequentíssimos os contratos, em que concorrem, simultaneamente, os elementos do empréstimo a juros ou de contrato de trabalho ao lado da conta de participação, como, por exemplo, o contrato de mútuo ou de emprego com participação nos lucros.2 Na verdade, ao não conferir a natureza societária ao contrato de “associação em participação”, a prática procura resguardar os direitos do “associato”, inclusive evitando a sua falência, o que, em muitos casos, não é a solução justa ao caso concreto.

117. Da jurisprudência italiana

Observando a doutrina clássica italiana, decidiu-se que “il contratto di associazione in partecipazione si differenzia dal contratto di società, non per il conferimento esclusivo di beni da una parte e di servizi (o attività) da un’altra, il quale può avere luogo anche nel contratto di società, ma per la mancanza di un autônomo patrimonio comune, risultante dai conferimenti dei singoli soci, e per l’assenza di uma gestione in comune dell’impresa, che è esercitata dal solo associante, con l’assunzione della responsabilità esclusiva verso i terzi, mentre l’associato può esercitare unicamente un controllo su tale gestione”.3

A disciplina normativa associzione in partecipazione está nos artigos 2.549-2.554 do Codice Civile, Título VII, distinto das sociedades, que estão no Título V, e das cooperativas, no Título VI. A jurisprudência também confere a natureza sinalagmática ao contrato de associação, e não plurilateral como o contrato societário, Cass. civ., sez. lav., 5 novembre 1983. Associazione in partecipazione também não se identifica com as figuras societárias de joint venture ou da joint venture corporations, e tem, como já se disse, caráter sinalagmático, conforme Cass. civ., sez. III, 17 maggio 2001, n. 6757. Associazione in partecipazione é enquadrável como contrato de colaboração, conforme Cass. civ., sez., II, 27 marzo 1996, n. 2715.4 Fica evidente que, em sede italiana, a conta de participação não tem natureza societária. Tudo somado, ainda, ao fato de que o contrato de associazione in partecipazione não é passível de inscrição no Registro das Empresas.

118. Da affectio societatisna sociedade em conta de participação

A conta de participação tem recebido interpretação ampla desde a sua disciplina no Código Comercial de 1850, e por conta da autonomia da vontade tem servido perfeitamente aos interesses dos negócios empresariais. A sua inclusão como sociedade, desde o Código Comercial de 1850, é perfeita diante da realidade jurídica do país, e não havia razão para alterar esse sistema no Código Civil de 2002, o qual manteve o caráter societário da conta de participação. Como já se disse, supra, a conta de participação não se resume ao contrato de mútuo oneroso. Claríssima é a explicação de MAURO BRANDÃO LOPES: “No mútuo, a coisa pode ser usada pelo mutuário, com sucesso, em operações lucrativas, sem

1 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., pp. 299/300.

2 Contudo, “como sempre acontece, a diferença teórica não exclui a dificuldade da distinção num caso prático. Não é, porém, necessário observar que, através do jogo das cláusulas contratuais e das diversas situações concretas, contratos diversos podem sempre acabar exercendo a mesma função ou ficar sujeitos, no caso concreto, a uma disciplina em grande parte idêntica”. ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., p. 300

3 Cass. civ., sez. I, 21 ottobre 1981, nº 5518, cf. BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 2.092.

4 BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., pp. 2.091/2.093.

que nada tenha o mutuante a ver com isso, assistindo-lhe tão-somente o direito ao pagamento com os juros contratados; ao passo que, na conta de participação, o sócio “oculto” participa dos lucros”.1 Ademais, falta no contrato de mútuo a affectio societatis, requisito caracterizador das sociedades, inclusive da sociedade em conta de participação. CARVALHO DE MENDONÇA explica como interpretar e descobrir a diferença entre empréstimo e sociedade: o mutuante é credor, com direito ao juro do dinheiro emprestado, e não tem mais que este direito, qualquer que seja o resultado das operações sociais; por outro lado, o sócio participa nos lucros, que variam conforme o resultado dos negócios, e nas perdas. O mutuante não suporta os prejuízos, conquanto possa perder o seu dinheiro no caso do desastre da sociedade – o empréstimo com cláusula de participação também não imprime no mutuante a condição de sócio, e um dos meios utilizados para fraudar as responsabilidades sociais é via empréstimos com cláusula de participação. Tudo somado, no empréstimo simples ou com cláusula de participação, dá-se somente a assistência de um contratante ao outro; na sociedade, dá-se, por outro lado, um contrato de colaboração de todos os contratantes no interesse comum da sociedade2 Nessa esteira, todo e qualquer mútuo que estipule participação nos lucros deve ser visto como contrato de sociedade em conta de participação. Todo e qualquer contrato de empréstimo que estipule participação nos lucros, sem respectiva participação nas perdas, caracteriza a formação de sociedade, e tal cláusula será nula de pleno direito. Neste caso, o sócio oculto participa nas perdas na mesma proporção em que participa nos lucros, mas as perdas que atingem o sócio oculto não podem superar o valor do seu aporte, que, em última instância, corresponde à sua entrada ao fundo social.

119. A sociedade em conta de participação não se confunde com a comissão mercantil

Os fatores que distinguem a sociedade em conta de participação da comissão mercantil podem ser vistos desde o Código Comercial de 1850, quando do seu regramento sobre a comissão, especialmente os artigos 165, 168 e 169, revogados. Em primeira linha, a comissão mercantil tem a natureza de mandato. Por conseguinte, não há affectio societatis. Ademais, rezava a antiga lei que o comissário que aceitar o mandato, expressa ou tacitamente, é obrigado a cumpri-lo na forma das ordens e instruções do comitente; na falta destas e na impossibilidade de as receber em termo oportuno, ou ocorrendo sucesso imprevisto, poderá exequir o mandado, obrando como faria em negócio próprio e conformando-se com o uso do comércio em casos semelhantes (art. 168). E o comissário que se afastar das instruções recebidas ou na execução do mandato não satisfizer ao que é de estilo e uso do comércio, responderá por perdas e danos ao comitente (art. 169, caput). Outro fator diferenciador se dá sobre os fundos, que ficam sobre o controle indireto do comitente, ao reverso daquilo que se dá com o sócio oculto. Dizia o saudoso art. 180 do Código Comercial que o comissário que distrair do destino ordenado os fundos do seu comitente responderá pelos juros a datar do dia em que recebeu os mesmos fundos e pelos prejuízos resultantes do não-cumprimento das ordens, sem prejuízo das ações criminais a que possa dar lugar o dolo ou fraude. Quanta saudade deixou o Código Comercial de 1850, ainda mais na seara dos contratos e obrigações mercantis. Na comissão não há participação nos lucros e nas perdas; ao contrário, a comissão é uma atividade remunerada.

120. A sociedade em conta de participação não tem personalidade jurídica

A sociedade em conta de participação não tem personalidade jurídica, entra na categoria de “sociedade não personificada”, nos termos do Código. O contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade. A sociedade de participação é sociedade regular, e não tem personalidade jurídica. A sociedade não se exterioriza perante terceiros; antes, cada qual atua em seu nome individual, para o fim social. O sócio ostensivo é quem se obriga perante terceiros, responsabilizando os fundos sociais. A sociedade não se exterioriza, porque tal exteriorização é requisito essencial da pessoa jurídica. Ademais, a sociedade em conta de participação não tem capacidade jurídica, já que os contingentes em poder do sócio ostensivo ficam, agora, em sua propriedade, ainda que tenham sido conferidos somente pelo sócio oculto.3 Por conseguinte, a sociedade em conta de participação não tem razão social, ao contrário de todas as demais sociedades.

1 A sociedade em conta de participação, cit. p. 39.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 532; ainda conforme o mestre, na lição de história de direito, diz que a Inglaterra declara que o mutuante com a cláusula de participação não é sócio, porém não pode embolsar qualquer quantia emprestada nem receber lucros antes do pagamento dos outros credores (art. 2º, d, Partnership Act de 1890).

3 LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit., pp. 45/46.

121. Das características da sociedade em conta de participação

Da natureza oculta da sociedade em conta de participação resultam os seguintes aspectos importantíssimos: I – ela não é pessoa jurídica; esta sociedade não tem autonomia patrimonial e não aparece aos olhos do público em geral, sem relações jurídicas com terceiros. Essa sociedade não possui, portanto, representação judicial ativa e passiva ou extrajudicial; II – ela não tem firma ou razão social, nem denominação que apareça exteriormente porque o sócio ostensivo se utiliza da sua firma individual; III – ela não tem sede ou domicílio especial, mas podem os sócios convencionar uma sede para servir de centro de operações e estabelecer a competência do foro em caso de demandas e ações entre eles sócios; IV – ela não tem capital, conquanto existe fundo entre os sócios.1

122. Da escrituração contábil da conta de participação

O sócio ostensivo pode utilizar na sua escrituração contábil uma designação que demonstre o caráter social para individuar os negócios da conta de participação. Esse fato não exterioriza a conta, em razão do sigilo fiscal, nem interfere com o fato de que somente o sócio ostensivo continuará se obrigando perante terceiros, tudo conforme a lição de CUNHA

GONÇALVES. 2

Conforme MAURO BRANDÃO LOPES , a designação interna da conta deve mesmo indicar sua natureza de sociedade em conta de participação, porque tal fato pode ser decisivo em caracterizar como tal o nexo societário, impedindo a sua confusão como sociedade irregular com sócio oculto; e, no caso de mais de um sócio ostensivo, na mesma conta de participação, a congruência das várias contas, nas diversas escriturações, todas com a mesma designação social, mostra, de maneira indubitável, a verdadeira natureza da sociedade.3

123. Das relações jurídicas entre os contratantes

A “sociedade” em conta de participação é, inter partes, verdadeira sociedade, e há entre os contratantes vínculo societário, na forma de affectio societatis, e são, por conseguinte, verdadeiros consócios. Os direitos e obrigações dos sócios entre si se regulam pelo contrato social, e na falta ou omissão prevalecem os mesmos princípios das sociedades em geral. Os sócios participantes ficam assim obrigados para com os sócios ostensivos por todos os resultados nas transações e obrigações sociais empreendidas nos termos precisos do contrato; e, por seu turno, o sócio ostensivo tem a obrigação de repartir entre os participantes os resultados das operações na forma acordada e o direito de exigir-lhes a contribuição nas perdas.

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124. Do requerimento de falência contra o sócio ostensivo

Ainda seguindo a lição de CARVALHO DE MENDONÇA, o sócio em conta de participação (participante) pode requerer a falência do sócio ostensivo, exibindo o contrato social. Esse pedido tem amparo jurídico, nos tempos de hoje, na Lei 11.101/05. O não-pagamento do valor devido, sempre que líquido e certo, pode ser objeto de requerimento de falência, pela impontualidade, desde que cumpridos os requisitos formais. O sócio participante, neste caso, é credor do ostensivo, pelo saldo.

125. Dos contratantes na conta de participação

Diz referido texto legal (art. 991), que “na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade,

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.430, pp. 231/232.

2 Da conta de participação, Coimbra, 2ª ed., p. 25.

3 A sociedade em conta de participação, cit., p. 47.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.434, p. 235.

participando os demais dos resultados correspondentes”. Por seu turno, “obriga-se perante terceiros tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social”, art. 991, parágrafo único, do Código Civil. Ocorre que, por determinação da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (art. 81, Lei 11.101 de 2005), provada a sociedade e a sua respectiva decretação de falência, tal ato jurisdicional acarretará, também, a falência do sócio participante.

A “participação” do sócio na sociedade em conta de participação é que é oculta, e não o contrário. Por conseguinte, tratase de uma sociedade oculta, desconhecida dos terceiros. Essa é a sua razão de ser. Quando ela se torna visível, por provas documentais ou confissão, ela desaparece imediatamente como sociedade em conta de participação. Todos terão conhecimento da existência da sociedade e de seus sócios, fato esse que tem consequências legais previstas desde o Código de Comércio de 1850, ao dizer “no caso de quebrar ou falir o sócio-gerente, é lícito ao terceiro com que houver tratado saldar todas as contas que com ele tiver, posto que abertas sejam debaixo de distintas designações, com os fundos pertencentes a quaisquer das mesmas contas; ainda que os outros mostrem que esses fundos lhes pertencem, uma vez que não provem que o dito terceiro tinha conhecimento, antes da quebra, da existência da sociedade em conta de participação”. Sobre os efeitos da falência1 , acertado o posicionamento de FRANCESCO GALGANO2 e de G. FERRI. 3 Neste caso, a sociedade é considerada, em sede de legislação italiana, como sociedade oculta, mas de natureza coletiva. Assim, no caso de sociedade oculta, quando não há exteriorização da sociedade perante terceiros, na prática jurisprudencial italiana, falindo o sócio ostensivo (que aparece como empresário individual) e descoberta a sociedade (sócios ocultos), a falência será estendida automaticamente aos referidos sócios ocultos, conforme Cass., de 13 de novembro de 1970. 4 Solução essa justa e conforme os princípios societários.

126. Das relações do “sócio” ostensivo com os terceiros

São os sócios ostensivos que assumem obrigações em nome próprio e por conta própria. Desse fato, dessume-se a responsabilidade pessoal pelas obrigações contratadas. Como diz a doutrina, as peculiaridades da estrutura da sociedade em conta de participação conferem à posição do sócio ostensivo uma dupla natureza, ou seja, ele tem na sociedade duas funções concomitantes e inseparáveis: ele é, ao mesmo tempo, seu administrador e titular dos fundos sociais em seu poder, e “essa dupla natureza de sua posição influi poderosamente nas duas funções. Assim, ele é gerente dos negócios a serem realizados com os fundos em seu poder, mas não pode diante de terceiros aparecer como tal; é um gerente oculto que juridicamente nega essa qualidade, obrigando-se em nome pessoal e diretamente. E é também proprietário dos fundos, mas estes são sociais; isto é, têm de ser por ele empregados exclusivamente em operações comuns, no interesse de todos, do mesmo modo que os fundos de qualquer outra sociedade”.5

Os sócios ostensivos respondem pessoalmente para com terceiros pelas obrigações contraídas, e os credores, com efeito, que tratam diretamente com o gerente da participação, têm ação somente contra este, e não contra os participantes da conta. Os terceiros desconhecem a sociedade, e o sócio-gerente responsabiliza-se não como sócio ou órgão da sociedade, mas como empresário, atuando por sua conta e risco.

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127. Das relações dos sócios com a sociedade em conta de participação

Essa é a consideração fundamental na formação do vínculo que faz nascer a sociedade interna, ou seja, a relação dos sócios com a sociedade por eles formada. Como contrato plurilateral, a relação jurídica entre os sócios e a sociedade tem várias consequências, algumas, talvez as principais, estão previstas pela própria lei.

1 Fundamentais são as palavras que constam do Parecer da Seção de Justiça do Conselho de Estado, de 19 de setembro de 1873, da lavra dos preclaros NABUCO e VISCONDES DE JAGUARI e DE NITERÓI, citado por MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.432, p. 233; e vol. III, Livro II, Parte III, n. 615, pp. 94/96.

2 Il fallimento delle società di persone, Padova, CEDAM, 1988, pp. 43/45, 49 e ss.

3 Manuale, cit., pp. 200/201.

4 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 336/337.

5 LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit., p. 101.

6 MENDONÇA. J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.437, p. 236.

Dentre elas, cabe ressaltar: I – a constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios em direito (é o vínculo contratual); II – o contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade (autonomia da vontade; caráter oculto da sociedade; manifestação da vontade em sede de contrato social; sociedade de pessoas, no mais das vezes; ausência de registro); III – sem prejuízo de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier (administração interna da sociedade e administração externa feita pelo sócio ostensivo); IV –formação do fundo social; V – a falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta; falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido; VI – salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais (a entrada de novo sócio na sociedade fica condicionada a sua aprovação ou expressa cláusula contratual autorizadora).

128. Da sociedade em conta de participação no Código de Comércio de 1850

Dizia o texto revogado: quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual, para o fim social, a associação toma o nome em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidos nos contratos comerciais. Nos termos do Código de 1850, fica evidente o caráter societário do contrato, mesmo que não levado ao Registro Público das Empresas, obviamente. Desse fato, decorre que a sociedade em conta de participação não é uma pessoa jurídica; não tem firma social ou denominação exterior; não tem sede especial perante terceiros; não tem capital social, mas tem fundo social.

129. Da administração da sociedade em conta de participação no Código de Comércio de 1850

Pode se falar em administração da sociedade em conta de participação somente em âmbito de sociedade interna, ou seja, na relação entre os sócios. Perante terceiros a sociedade não se manifesta, obviamente, e quem assume direitos e obrigações perante esses terceiros é o sócio ostensivo. A regra que era prevista no artigo 326 do Código Comercial dizia que na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é o único que se obriga para com terceiros; os outros ficam unicamente obrigados para com o mesmo sócio por todos os resultados das transações e obrigações sociais empreendidas nos termos precisos do contrato. E na mesma sociedade o sócio-gerente responsabiliza todos os fundos sociais, ainda mesmo que seja por obrigações pessoais, se o terceiro com quem tratou ignorava a existência da sociedade salvo o direito dos sócios prejudicados contra o sócio-gerente (art. 327, Código Comercial). Se a sociedade, ainda que seja denominada em conta de participação, ao invés de manter o seu caráter oculto e se manifestar nas relações jurídicas com terceiros, utilizando nome social ou se atribuir razão social, estabelecendo sede social, negociando por representantes habilitados em seu nome social, ter-se-á, por conseguinte, uma sociedade em nome coletivo irregular ou de fato, sociedade esta em que todos os sócios serão solidária e ilimitadamente responsáveis pela integralidade das dívidas sociais.1 A natureza oculta da sociedade é, ainda hoje e sempre, o fundamento da sua própria existência.

130. Da conta de participação como mera relação obrigacional entre os contratantes

De certa forma, os seguintes argumentos rebatem qualquer possibilidade de ver na conta de participação uma relação jurídica de natureza societária. Com efeito, as razões da conta de participação como relação meramente obrigacional se fundamentam no que envolve: a) uma atividade patrimonial feita pelo associante (ostensivo) em nome próprio; b) com uma responsabilidade que envolve todo o seu patrimônio (associante, ou seja, ostensivo), na qualidade de empresário; c) transferência do patrimônio do associado (oculto) ao patrimônio do ostensivo, dos bens, de toda ordem, destinados ao exercício da atividade empresarial; d) o associado (oculto) tem direito de crédito em relação ao ostensivo, para o pagamento da sua quota sobre o saldo

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol IV, n. 1.431, p. 233.

positivo da gestão e pela restituição, ao fim do negócio, da soma correspondente ao valor atribuído aos bens aportados para a “associação”, enquanto essa não foi absorvida pelas perdas.1

De certa forma, o Código Civil de 2002, ainda que tenha atribuído à conta de participação natureza societária, estabelece que a falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário; e, falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido (art. 994, §§ 2º e 3º). Ora, isso é uma coisa sem sentido. Como pode um contrato social ficar sujeito às normas que regulam a falência nos contratos bilaterais do falido.

O legislador de 2002 fez baralhada sobre a conta de participação, atribuindo-lhe natureza societária (art. 991), mas confessando a sua natureza obrigacional na relação entre os contratantes (art. 994, §§ 1º e 2º). Em sede de ordenamento jurídico pátrio, a conta de participação tem, efetivamente, natureza societária, já desde o Código Comercial de 1850. Porém, se a redação do art. 328 do Código Comercial já era confusa sobre a liquidação das contas, o art. 994, § 1º, buscando esclarecer as coisas, acabou, de certa forma, atribuindo caráter obrigacional ao contrato de conta de participação, quando diz, textualmente, que o crédito será de natureza quirografária. E, ainda pior, diz expressamente que, falindo o participannte, o sócio oculto deve resolver o contrato nos termos de um contrato bilateral, ou seja, terá que dar cumprimento, se vantajoso para a massa falida, ou seja, terá sua empresa, em nome próprio, agora havendo como “sócio”, uma massa falida, o que, por certo, o direito não permite. Então, em todo caso, o participante deve denunciar o contrato, comunicando a massa falida do participante, apurando eventuais perdas e danos contra a própria massa falida. Por sua vez, encerrado o contrato, e nas condições que os ganhos sejam visíveis e aferíveis, o sócio ostensivo deve pagar em favor da massa aquilo que o sócio oculta teria direito se não houvesse falido. A situação é ainda mais estranha diante do art. 994, quando estabelece que a contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais, que a referida especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios, nos termos do § 1º, art. 994, do Código Civil. O sócio ostensivo exerce atividade empresarial em nome próprio e por conta própria, auferindo ganhos, entrando nas perdas, e distribuíndio vantagens, ganhos, lucros, ao sócio oculto. Ora, se o sócio oculto lhe disponibilizou bens ou efeitos, de toda ordem, a forma de transferência desse patrimônio obedece, necessariamente, ao direito contratual ou cambiário, e nunca poderia formar patrimônio especial, nem mesmo em relação aos sócios. Aqueles bens ou efeitos ficam na titularidade do ostensivo, no mais das vezes. Se o sócio oculto deseja manter para si os bens e efeitos, assim é livre a pactuação, e, portanto, também não se forma patrimônio especial. Na sociedade em conta de participação a colaboração do sócio oculto se exaure com o referido conferimento de bens ou efeitos, ou seja, com o seu aporte, porque a empresa não é gestida por conta comum, e sim pelo sócio ostensivo, exclusivamente. A colaboração funciona, nas sociedades em conta de participação, de maneira diversa dos contratos de mútuo ou cooperação, ao passo que, nessas sociedades, seus direitos como sócios etc. pressupõem uma comunhão de vontade, e um status jurídico especial Com efeito, o sócio oculto ainda pode, perfeitamente, reservar para si a propriedade dos bens ou efeitos conferidos ao sócio ostensivo, e, em tal caso, se refere apenas a um conferimento de uso, e a validade dessa cláusula é total. Deve ser somado a tudo isso o fato de que a conta de participação não tem fundo social, o que, em tese, realmente não permitiria ver nesse contrato algo semelhante ao contrato societário. É bastante equivocado ver no patrimônio especial uma forma de fundo social. Neste passo, o art. 994 é estranho em relação ao sistema jurídico pátrio, que não permite tal alusão imaginativa. A contribuição do participante pode ser em dinheiro, bens, obrigações em favor da empresa, etc., e em todos esses casos tal contribuição é “essendo perciò diretta all’incremento dell’impresa vi sarà inadempimento tutte le volte che la prestazione non sai stata presa in tal modo erogata ma distratta ad altri fini; l’associato avrà allora azione per la risoluzione del contratto. Mancando il fondo comune del regime societario ed essendo il rapporto meramente obbligatorio deve operare qui la disciplina dell’adempimento contrattuale”. Portanto, não existinto fundo comum (social), não existiria sociedade, mas apenas um vínculo meramente obrigacional, passível de se invocar a exceptio inadimpleti contractus, típica dos contratos bilaterais, e não dos plurilaterais (societários). O art. 235 do antigo Código de Comércio da Itália já dizia claramente que a associação em participação não constituía, em relação aos terceiros, um ente coletivo distinto das pessoas que dela participam.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 40.

131. A conta de participação não seria contrato plurilateral

Infinitas são as constelações de interesses formadas pelos contratos plurilaterais, ou seja, derivantes das relações entre sócios e eles mesmos; sócios e a sociedade; e entre a sociedade e terceiros. No caso da sociedade em conta de participação não existe a relação entre a sociedade e terceiro, antes, ela deve ser oculta para que a sociedade exista efetivamente. Contudo, restam várias relações jurídicas entre os sócios e eles mesmos; entre os sócios e a sociedade; e entre o sócio ostensivo e os terceiros. Por conseguinte, cumpre perquirir se o contrato da sociedade em conta de participação é efetivamente plurilateral. No entender de BRUNETTI, na conta de participação, não se trata evidentemente da contribuição de bens para o exercício comum de uma atividade, mas de um investimento capitalístico, sobre o qual o associante se obriga em versar uma determinada quota dos seus lucros sobre a sua própria empresa, empresa na qual o investimento foi feito. É, exatamente, esse fato que impediria ter na conta de participação uma sociedade, mas apenas um contrato obrigacional. Os aspectos que impediriam de ver na conta de participação um contrato plurilateral são os seguintes: a) a regra fundamental é que os terceiros adquirem direitos e assumem obrigações somente em relação ao ostensivo, ou seja, não existem obrigações assumidas “pela sociedade”, mas unicamente tais obrigações são assumidas pelo ostensivo, em nome próprio e por conta própria; b) a empresa se concentra na figura do ostensivo, e não do oculto. Ou seja, um dos caracteres fundamentais do contrato plurilateral, que é a conformação de uma entidade capaz de assumir direitos e obrigações, pela confluência de interesses e vontades comuns, com as respectivas responsabilidades, em relação aos terceiros (aspecto externo do contrato), ficaria bastante prejudicado na sua análise sobre a conta de participação. Com efeito, diz o art. 2.552 do Codice Civile, na associação em participação la gestione dell’impresa o dell’affare spetta all’associante. Estas circunstâncias não são assemelháveis à comandita simples porque a comandita tem firma social, sócios registrados, bem como seu contrato devidamente registrado, assumindo obrigações, com o fato de que têm sócios que administram efetivamente (responsabilidade ilimitada) e outros com limitação de responsabilidade somente ao valor de sua quota. Ao passo das relações internas, ou seja, entre os contratantes, a situação é ainda mais evidente, na perspectiva de se excluir da conta de participação a natureza contratual societária, pelo fato de que a figura do oculto está impedida de exercer a administração da empresa, que fica entregue, obrigatoriamente, ao ostensivo. Assim, diz a lei: na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome

individual e só em sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados

correspondentes(art. 991, caput). O vínculo de contrato bilateral, e não plurilateral, se mostraria, perfeitamente, no art. 991, parágrafo único, quando estabelece: obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social. Com efeito, o art. 991, parágrafo único, seria a formulação legislativa que explicaria a natureza bilateral do contrato de conta de participação, resolvendo-se pela exceptio inadimpleti contractus. Ademais, os ganhos (bens e efeitos de toda ordem) que entrarem ao ostensivo durante o exercício da sua empresa são de sua propriedade, e cabe ao contrato, firmado entre ele e o oculto, estipular o que será feito desses bens ao final do tempo contratual, ou seja, se integrarão o patrimônio do oculto, hipótese em que deverão ser feitos escritura pública e registro no cartório competente (ato solene); se o dinheiro aferido será depositado ao oculto, e qual parte ficará, desse dinheiro, com o ostensivo e com o oculto; se sobre esse capital deve o ostensivo pagar juros ao oculto; se os bens são em espécie, a quem compete contratar armazenagem, e em quais condições; que o oculto não é responsável pelos alugueres contratados pelo ostensivo em sua empresa; etc. Esse contrato, claramente, é de natureza bilateral. Portanto, de certa forma, é difícil ver na conta de participação a manifestação do contrato plurilateral, ou seja, eminentemente societário. O inadimplemento de uma das suas condições pode acarretar a rescisão de todo o contrato, fato que não ocorre, necessariamente, com o contrato plurilateral, quando não tem validade a cláusula exceptio inadimpleti contractus, como contrato de execução continuada e diferida no tempo.

Na esteira de BRUNETTI, mestre das infinitas lições, está bem claro tudo isso, ao passo que explica “nessuna delle regole della società di persone troverebbe qui applicazione anche perchè la società è contratto plurilaterale e l’associazione essenzialmente bilaterale e non può sussistere che tra due persone. Se l’imprenditore concedesse la partecipazione a più persone si avrebbero tanti contratti distinti quanti sono gli associati, ragion per cui associata può essere benissimo una società di mano comune o una società-persona giuridica. La conferma di cio si há nell’art. 2.550 dove è detto che, salvo

patto contrario, l’associante non può attribuire partecipazioni per la stessa impresa o per lo stesso affare ad altre persone senza il consenso dei precedenti associati”.1

Tal circunstância é expressa no art. 2.550 do Codice Civile, salvo patto contrario, l’associante non può attribuire partecipazioni per la stessa impresa o per lo stesso affare ad altre persone senza il consenso dei precedenti associati.

Assim, deve ser pactuado novo contrato, para entrada de novos “ostensivos”, se o contrato for silente. Essa situação mostra o contrato de associação como contrato bilateral. Nos contratos plurilaterais, a continuidade na entrada e saída dos sócios, de certa forma, é condição para sua conformação, ou seja, integra-se no seu funcionamento. Não é por outra razão que o participante somente pode exercer o controle contábil sobre a associação. Por certo que a forma de liquidação da conta será feita via ação específica, ou seja, ação de prestação de contas, e a imensa maioria das regras de dissolução, previstas pelo Código Civil de 2002, não tem aplicabilidade sobre a “sociedade” em conta de participação.

132. Dos direitos e obrigações na associazione in partecipazione

Conforme o art. 2.551 do Codice Civile, os terceiros adquirem direitos e assumem obrigações somente em relação ao “associante”. Por conseguinte, fica evidente que o instituto da “associação em participação” visa resguardar a posição do “associado”, esquivando-o das responsabilidades, todas assumidas em nome e por conta do “associante”. A legislação italiana diz que a gestão da empresa ou dos negócios toca somente ao “associante”; porém, o contrato de “associação em participação” pode determinar qual controle possa ser exercitado pelo “associado” sobre a empresa ou sobre o desenvolvimento dos negócios pelos quais a “associação” foi contratada (art. 2.552). Ademais, salvo pacto em contrário, o “associado” participa das perdas na mesma medida em que participa nos lucros, mas as perdas que atingem o “associado” não podem superar o valor do seu aporte (art. 2.553).

A legislação é protecionista em relação ao “associado”, quando, nos termos da lei falimentar italiana, art. 77, diz que “la associazione in partecipazione si scioglie per il fallimento dell’associante. L’associato há diritto di far valere nel passivo il credito per quella parte dei conferimenti, la quale non è assorbita dalle perdite a suo carico. Egli è tenuto al versamento della parte ancora dovuta nei limiti delle perdite che sono a suo carico”. Então, em sede falimentar, o “associado” tem direito de crédito sobre a falência do “associante”. De certa forma, o art. 150 também serve de referência normativa para solucionar o caso sobre o versamento, ainda que não feito integralmente.

O Codice Civile cuida dos interesses do “associado”, quando diz que as disposições dos artigos 2.551 e 2.552 se aplicam também ao contrato de cointeressenza sobre os lucros de uma empresa sem participação nas perdas (e tal fato não caracteriza contrato leonino porque a “associação em participação” não é sociedade); bem como são válidas as disposições acima referidas em contratos nos quais um contraente atribui a outro a participação sobre os lucros e sobre as perdas de sua empresa, sem o respectivo conferimento de bens (art. 2.554).2 Situação jurídica atinente aos empréstimos. Diante dos riscos da usura, é imperioso ter em consideração os próprios riscos desse tipo de contrato. Em termos de legislação pátria, tal contrato caracterizaria sociedade em conta de participação, e não modalidade de mútuo oneroso. A soma de capital corresponderia ao versamento do conferimento, constituindo patrimônio “especial”. Note que é bem claro que tal sociedade não tem capital social, do ponto de vista da titularidade, mas possui um patrimônio. A soma em dinheiro, entregue pelo sócio oculto ao ostensivo, seria uma das formas de constituição de patrimônio, para sob a sua exploração auferir os ganhos decorrentes da empresa levada a efeito pelo sócio ostensivo e, ao final, dividirem os lucros, conforme a participação nas contas.

133. Da responsabilidade dos sócios nas sociedades ocultas

Com efeito, “il socio occulto è responsabile al pari di quello palese, esso fallisce quando fallisce la società soltanto perchè ne forma parte, non perchè è apparso al pubblico come socio”.3

1 Trattato, cit., vol. I, p. 42.

2 “Il contrato di cointeressenza agli utili senza partecipazione alle perdite, previsto dall’art. 2554 c.c., è affine all’associazione in partecipazione ed è caratterizzato dalla possibilità di concorrere agli eventuali utili di un affare, quale corrispetivo del versamento di una somma al titolare dell’affare medesimo, in sostituzione degli interessi sulla somma stessa.” Cass. civ., sez. I, 18 luglio 1969, n. 2671, cf., BARTOLINI, F e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 2.095.

3 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 528/529.

Com efeito, a responsabilidade do sócio deriva do fato de participar da sociedade, e não apenas por ser ostensivo. O sócio ostensivo entra em falência com a falência da sociedade. É uma responsabilidade pelo fenômeno obrigacional, e não subjetivo. Ademais, conforme comentário de FRANCESCO GALGANO sobre o art. 147 da legislação falimentar italiana, se depois da decretação da falência da sociedade se descobre a existência de sócios ilimitadamente responsáveis, a falência destes sócios deverá ser decretada, por requerimento do “curatore” ou dos credores, ou, inclusive, dos demais sócios. A regra do art. 147 tem aplicação sobre os sócios cuja existência é desconhecida ao momento da decretação da falência, mas vem descoberta pelo curatore ou pelos credores ou, ainda, revelada pelos outros sócios no curso do processo falimentar. Assim, é prevista a extensão da falência aos sócios ocultos, ou seja, àqueles sócios os quais a sua participação na sociedade falida não era manifestada perante terceiros ou, como se diz mais claramente, que não era exteriorizada.1 Tal circunstância tem aplicação nas sociedades em comum, bem como nos sócios ocultos das sociedades coletivas. Quanto ao fenômeno da sociedade em conta de participação, quando o sócio oculto faz parte do próprio conceito dessa sociedade, parece, salvo engano, que a extensão da falência ao referido sócio seja medida de justiça em relação aos credores, situação determinada pela prática contemporânea. Comprovado o vínculo societário, não haveria razão, dentro de certo pragmatismo, para não se estenderem os efeitos da falência ao sócio oculto na sociedade em conta de participação. O que ocorre é que, na doutrina dominante na Itália, bem como em sua legislação, o contrato de associazione in participazione não tem natureza societária. Por isso, a solução se reporta aos contratos bilaterais. Na legislação pátria, diante do caráter societário do contrato da sociedade em conta de participação, parece, por fazer valer os princípios fundamentais de justiça, que, provada a existência da sociedade, o sócio oculto seja objeto de responsabilização, inclusive com a decretação da falência. Se, por acaso, o sócio oculto não for considerado, verdadeiramente, empresário, deve ser, quanto menos, responsável solidário com o sócio participante. Ademais, o sócio participante pode ficar impontual, perante os terceiros, por descumprimento pelo sócio oculto de suas obrigações; por exemplo, em conferir certa soma em dinheiro ou efeitos. Seria injusto que o sócio participante, neste caso, sucumbisse em falência, e o sócio oculto não fosse responsável, pelo menos em caráter solidário, desde que provada a sociedade. A sociedade em conta de participação não é, então, assemelhável ao contrato de associazione in participazione, o qual, inclusive, não tem nem mesmo a qualidade de contrato societário. Com efeito, a sociedade em conta de participação, conforme prevista pelo ordenamento jurídico pátrio, seria, então, comparada àquela sociedade que os mestres italianos denominam de “sociedade oculta”. Sempre defendi que, em sede de sociedade em conta de participação, provada a existência da sociedade ou manifesta a sua exteriorização, o sócio oculto responde solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Falindo o sócio ostensivo, provada a sociedade, falirá, também, o sócio oculto. O art. 994, § 2º, do Código Civil tem redação equivocada. Nas sociedades ocultas, a sociedade em conta de participação é a manifestação perfeita de uma sociedade oculta. Provada a sociedade, a responsabilidade do sócio oculto será idêntica àquela do sócio ostensivo, ou seja, respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. O exímio GALGANO já ensinava que a sociedade oculta pode não ser, e normalmente não é, uma sociedade de fato porque, frequentemente, o contrato da sociedade oculta é sempre um contrato escrito, porém, a existência desse contrato social permanece oculta, e a existência do contrato não é exteriorizada perante terceiros. Assim, uma pessoa atua , nas relações obrigacionais perante terceiros, como empresário individual, porém, essa pessoa tem um ou mais sócios ocultos em relação aos terceiros. A falta de exteriorização da relação societária (contrato social) é, entretanto, irrelevante: aos terceiros é

permitido provar que os débitos assumidos, em nome próprio, pelo empresário aparentemente individual, são, na realidade, débitos de uma sociedade da qual ele é o administrador, e os sócios podem invocar,

consequentemente, a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios ocultos.

2 Nessa direção, na sociedade em conta de participação, provada a sociedade, os sócios participantes serão responsabilizados de maneira solidária e ilimitada pelas obrigações sociais e podem incorrer em falência. Ademais, nos moldes da redação legislativa da sociedade em conta de participação do atual Código Civil, essa figura jurídica, de certa forma, nem mesmo caracterizaria contrato de sociedade, porém mero contrato de participação sobre negócios comuns, sem vínculo de affectio societatis e de escopo comum, ou seja, mais assemelhável ao contato de associazione in partecipazione da legislação italiana. Fato que comprova sua natureza não necessariamente societária é que na sua liquidação têm aplicação as regras relativas à prestação de contas, nos termos da lei processual (art. 996 do Código Civil).

1 Trattato, cit., vol. X, p. 49.

2 Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 142/143.

Se as pessoas que figuram no contrato em conta de participação fossem realmente sócias, a liquidação se faria nos termos do contrato social, sobre o patrimônio social, e não em sede de prestação de contas (haveres), como na forma clássica da lei adjetiva.

134. Do regramento jurídico da sociedade em conta de participação no Código Civil de 2002

Na teoria clássica, se tem que a sociedade em conta de participação é uma sociedade não personificada. Seu contrato não deve ser registrado. O Registro das Empresas deve recusar seu arquivamento, se indevidamente solicitado. Recapitulando alguns dos seus principais fundamentos, na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais nos resultados correspondentes. Obriga-se, perante terceiros, tão-somente o sócio ostensivo e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social (art. 991, C.C.). A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.

O contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica (art. 993, C.C.). Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervir. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais (art. 994, C.C.). A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios. A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário. Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.

Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais (art. 995, C.C.). Essas são as principais regras, acima transcritas, que requerem interpretação, para sua acertada aplicação prática aos casos recorrentes. Não se pode olvidar que a sociedade em conta de participação tem amplíssima presença nos mundo dos negócios empresariais. O art. 996 do Código Civil é, em parte, equivocado. Quando esse texto diz “aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples”, comete erro enorme. Tal dispositivo não pode ser aplicado. O correto seria a seguinte redação: “Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto na sociedade em nome coletivo.” A parte final do art. 996 do Código Civil está correta, ou seja, “e sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual”. Conquanto eventuais dissídios, a redação é válida, ainda mais por mandar aplicar a lei adjetiva no regramento da liquidação da conta de participação. Sob esta temática não há qualquer ressalva.

135. Das formas probatórias da sociedade em conta de participação

Já desde os tempos mais antigos, a prova da existência da sociedade era questão fundamental, e “chamada, no antigo direito português, de conta da metade, incorporou-se ao Código de 1833 com o nome de associação em conta de participação. Tinha lugar acerca de objetos, com a forma, na medida de interesses e condições ajustadas entre as partes. Insubmissa às formalidades prescritas para as demais sociedades mercantis, como no art. 573 daquele velho código se preceituava, provava-se pelos livros comerciais, por correspondência ou por testemunhas”.1

A prova testemunhal deve ser vista com muita cautela pelos magistrados, e não prevalece sobre documentos fidedignos.

1 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 630.

De uma maneira geral, são elementos probatórios da existência da sociedade: a) escrituras públicas; b) distribuição de lucros em caráter periódico; c) correspondências; d) contratos e documentos particulares; e) escrituração contábil; f) confissão.

A questão da distribuição dos lucros e fundamental na caracterização da sociedade. Não raro se descobre sociedade em conta de participação camuflada em mútuo oneroso. O sócio participante, reticente das eventuais consequências jurídicas da formação do vínculo societário, busca transmutar a existência da sociedade em mútuo oneroso, sacando, inclusive, várias notas promissórias ou letras de câmbio contra o sócio ostensivo. Os pontos fundamentais para se descobrir a sociedade e descaracterizar a simples relação contratual de empréstimo são dois: vultosas remessas periódicas em numerário feitas pelo sócio ostensivo em favor do sócio participante; que essas remessas, pelos seus próprios valores e periodicidade, desqualificariam qualquer contrato de mútuo oneroso em razão do seu valor, desproporcional em relação ao pagamento de juros sob o capital investido pelo sócio participante. Portanto, os dois fatores são: desproporção entre o valor das remessas se comparado ao pagamento regular nos contratos de mútuo; que as remessas sejam periódicas, ou seja, que tenham constância. Ainda que a sociedade em conta de participação seja constituída para negócio momentâneo, difícil será que a remessa dos lucros ao sócio participante se faça somente em uma ou poucas parcelas. Evidentemente que tal fato, ou seja, de remessa única de lucros ou em número bastante reduzido, não descaracteriza a existência da sociedade ou lhe dificulta a prova, muito pelo contrário. Nesses dois últimos casos, fica, com efeito, ainda mais fácil comprovar o vínculo contratual em razão do montante da remessa, que em hipótese alguma seria semelhante ao usual nos contratos de mútuo oneroso. Por bem da verdade, mesmo que, em sede de ordenamento jurídico pátrio, a conta de participação tenha natureza societária, há na sua conformação prática e existencial correlação com outros tipos de contratos, não societários. Somente o caso específico responde a questão da caracterização da sociedade, ou, por outra via, se manifesta um tipo contratual, que bem pode ser a comissão mercantil ou mesmo o mútuo oneroso.

136. Das questões tributárias sobre a sociedade em conta de participação

País com tributação essencialmente injusta, o sistema tributário no Brasil prima pela concentração de riqueza, no setor público, prejudicando os investimentos de toda ordem, mantendo desigualdades, e leis e regramentos inconstitucionais se contam aos tantos.

Sobre a sociedade em conta de participação o erário público tem especialíssima atenção, maior que qualquer outro tipo societário, mas as suas “preocupações” são todas descabidas, e os empresários pagam, observando as premissas legais, os tributos devidos.

O fato de a sociedade em conta de participação ser oculta traz inúmeras confusões sobre o seu bom funcionamento do ponto de vista e o erário público busca dissuadir a sua presença nos investimentos empresariais e das finanças, o que é lamentável.

Do ponto de vista prático, quando da edição do Decreto nº 3.000, de 1999, estabeleceram-se as regras sobre tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. No art. 254 do referido Decreto nº 3.000/99 se determinou que a escrituração das operações de sociedade em conta de participação poderá, à opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios, observando-se o seguinte: I quando forem utilizados os livros do sócio ostensivo, os registros contábeis deverão ser feitos de forma a evidenciar os lançamentos referentes à sociedade em conta de participação; II - os resultados e o lucro real correspondentes à sociedade em conta de participação deverão ser apurados e demonstrados destacadamente dos resultados e do lucro real do sócio ostensivo, ainda que a escrituração seja feita nos mesmos livros; III - nos documentos relacionados com a atividade da sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo deverá fazer constar indicação de modo a permitir identificar sua vinculação com a referida sociedade. Para fins de tributação, a existência da sociedade deve ficar bem demonstrada. É de bom alvitre re ssaltar do sigilo tributário e das garantias constitucionais sobre esse sigilo, ou seja, o fato da informação, por parte do erário público, da existência da sociedade em conta de participação não descaracteriza a sua natureza oculta. A questão de ser oculta é que os terceiros, contra os quais ela se obriga, e sobre os quais ela assume seus direitos, desconhecem por completo a existência da conta de participação.

137. Da administração da sociedade em conta de participação

Em razão da peculiar estrutura da sociedade em conta de participação, sua esfera administrativa tem duas perspectivas distintas: a) interna; b) externa. Na administração interna se dá o relacionamento entre os sócios, principalmente no seu direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais. Essa fiscalização é ampla, e envolve a situação contábil da sociedade, os ganhos e eventuais perdas. Também compete ao sócio participante conferir se o sócio ostensivo não está desviando recursos dos fundos sociais em proveito próprio ou de terceiro. Tudo isso é administração interna, em affectio societatis. Na administração externa se encontra o sócio ostensivo, que opera em nome próprio e por conta própria. Como ele, sócio ostensivo, tem a qualidade de obrigar os fundos sociais, pode, com certeza, ser denominada de administração externa a sua atuação perante terceiros. Essa perspectiva tem como ponto de vista os sócios, não os terceiros. Então, do ponto de vista do sócio participante e também do ostensivo, a atuação deste é uma verdadeira administração do patrimônio, ainda que a propriedade deste fundo não fique, diretamente, com o ostensivo. Reza a lei que a contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais; porém, a especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.

Conforme MAURO BRANDÃO LOPES , “na conta de participação, os fundos sociais, que dentro do patrimônio geral do sócio ostensivo constituem um patrimônio separado, existem para um duplo efeito – aplicação nos negócios sociais e garantia dos credores da sociedade”.1

As entradas, na formação do patrimônio, podem ser em dinheiro, bens móveis, imóveis, títulos de crédito, patentes, etc., como qualquer outra sociedade, observando, claramente, os requisitos contratuais de cada espécie. Em termos de sociedade interna, mercê de sua particularidade, a sociedade em conta de participação, precisamente porque inexistem relações com terceiros, ainda quando constituída por escritura pública, é sociedade de efeitos “internos”. Por isso, ela não se obriga perante terceiros; não contrata; não opera. O sócio participante é oculto, “desconhecido”; é sócio que nas relações externas da sociedade absolutamente não se mostra como sócio, e por tal motivo não responde pelas obrigações contraídas pelo sócio ostensivo.2

138. Da administração do patrimônio

O sócio participante não pode interferir na gestão dos negócios sociais na perspectiva empresarial do negócio. Se isso vier a ocorrer, ter-se-á sociedade em nome coletivo, mesmo que a sociedade permaneça oculta. Como já se disse, o sócio participante tem o direito de fiscalizar a gestão, em sentido amplíssimo. Contudo, a administração do fundo, perante terceiros, é de competência única e exclusiva do sócio ostensivo.

Com efeito, “la gestion de la participation appartient exclusivement à l’associè charge par la convention d’exercer, pour compte commun, l’activité commerciale qui fait l’objet de la société”.3

O sócio ostensivo não pode tomar parte na administração externa do negócio, sob pena de responsabilidade solidária, aproximando-se, portanto, e sobremaneira, da sociedade em nome coletivo – e “les participants ont le droit de contrôler la gestion du gérant; s’ils intervenaient dans la gestion et traitaient eux-mêmes des opérations avec les tiers, ils s’obligeraient personnellement et solidairement; une intervention persistante des participants permettrait de soutenir que la société em participation a fait place à une société em nom collectif”.4 Na administração dos fundos sociais cabe ressaltar, mais uma vez, que a conta em participação é sociedade típica, e funciona sem contrato escrito, ou com ele, pouco importa; mas confunde-se com a pessoa, natural ou jurídica, que a administra, tratando dos negócios sociais como seus que são. A pessoa natural, ensina WALDEMAR FERREIRA , tem que utilizar, em todos os casos, e invariavelmente, de sua firma individual; e a pessoa jurídica, de sua firma ou denominação social.5 Tal é a regra, ou seja, a administração tem como sujeito única e exclusivamente o sócio ostensivo.

1 A sociedade em conta de participação, cit., p. 78.

2 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 633.

3 RYN, Jean Van. Principes de droit commercial, cit., vol. I, p. 314.

4 _____________. Principes de droit commercial, cit., vol. I, p. 315.

5 Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 631.

139. Da persistência da intervenção do sócio participante sobre a gestão dos negócios sociais

Sempre que um sócio participante assume as vestes de ostensivo se terá uma sociedade em nome coletivo, desde que essa interferência seja persistente, continuada. A prática esporádica dessa interferência, ou seja, atuando raramente, vai lhe conferir a responsabilidade pessoal, mas não tem a condição de alterar, unicamente, o tipo de sociedade. Se o sócio ostensivo recusar essa interferência, vendo na verdade ingerência desmotivada, a sociedade deve entrar em liquidação, apurando as contas e haveres, que podem ser recíprocos.

140. Do patrimônio especial e fim determinado ou determinável

A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios. Conforme a melhor doutrina, sejam os fundos sociais uma unidade, pela sua total incorporação ao patrimônio do único sócio ostensivo, ou constituam-se eles de fragmentos distintos entre vários sócios ostensivos, a sua natureza é uma só, ou seja, formam um patrimônio separado.

1 Quando o legislador fez essa ressalva (art. 994, § 1º, do Código Civil), deixou bem claro que em nada pesa sobre os credores essa especialização, ou seja, os terceiros desconhecem que aquele patrimônio corresponde ao fundo social, ou seja, que advém, em grande parte, de um sócio oculto. Ademais, quando o legislador fez essa ressalva, estava se referindo diretamente ao fato do patrimônio especial como fundo social na qualidade de elemento da administração interna da sociedade, e não o contrário.

Na teoria do “patrimônio especial” é clara a conotação de existência desse patrimônio para um fim determinado. Aqui, em sede de sociedade em conta de participação, o fim determinado é o objeto social da sociedade, ao lado do fundo social que serve para alcançar esse fim, essa finalidade, que é, ressalte-se, de interesse comum, fator que comprova a sua natureza societária.

Nesta esteira, é imperioso seguir a doutrina do exímio BRUNETTI, quando afirma que “l’assoc. in partecipazione, non manifestndosi al pubblico, non possedendo um fundo comune e non costituendo un’impresa a sè stante, crea fra le parti un rapporto do cointeressenza economica attributivo per l’associato di un diritto creditorio agli utili netti dell’impresa altrui”.2

Com efeito, a conta de participação, seja vista como sociedade ou não, realmente não se manifesta ao público, não assume direitos e obrigações, não possui fundo comume, por si só, não é uma empresa coletiva, entre os seus participantes, criando entre eles somente um vínculo de interesse comum, na qual o “oculto” tem um interesse em participar dos ganhos provenientes de uma empresa alheia.

Por conseguinte, as expressões aqui usadas, como “sociedade interna”, “sociedade oculta”, têm conotação mais pragmática que essencialmente dogmática e buscam explicar as razões práticas da formação do vínculo de interesse dos participantes desse contrato. O direito não pode conferir validade aos pactos secretos contrários ao ordenamento jurídico. Os ganhos que o participante recebe têm que ser interpretados em sentido amplo, não ligado ao conceito técnico de lucro, essencial das sociedades empresárias. Isto porque não desempenha função de colaboração para fazer jus aos lucros, mas somente tem direito à retribuição do montante investido, o que, juridicamente, é uma situação completamente distinta da anterior.

Nesta direção, a conta de participação está mais para a configuração de negócio indireto, e não de sociedade, perfeitamente vista. Como negócio indireto, compõe a confluência de contratos vários, como os de mútuo, locação, usufruto, troca, com as suas variáveis específicas. Uma conta de participação pode ter como pando de fundo a correlação intrínseca desses contratos, todos juntos, contratos que se baseiam sobre uma empresa alheia, ou seja, sobre o exercício de uma empresa que tem titularidade precisa, vale dizer, de titularidade do ostensivo. Por isso, não anda bem o art. 994, caput, do Código Civil de 2002, quando diz sobre o formação do patrimônio especial. Esse patrimônio não é especial nem em relação aos contratantes, nem em relação aos terceiros (art. 994, § 1º). Não é em relação aos contratantes porque todo patrimônio especial tem que ter destinação determinada. Sobre a conta de participação, o exercício da empresa é de única e exclusiva responsabilidade do ostensivo – atua em nome próprio e por conta própria – e, por conseguinte, não teria como falar em patrimônio especial entre os contratantes se esse patrimônio, por força de lei, já tem um titular, ou seja, o ostensivo.

1 LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit., p. 75.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 42.

O correto é seguir a prática jurídica italiana neste passo e sua doutrina clássica, fazendo distinção entre o contrato de conta de participação e os contratos societários. A simbiose, que não é recente, mas levada ao extremo pelo Código de 2002, não atende aos reclamos mais abalizados sobre o tema.

A conta de participação, então, é uma categoria contratual caracterizada pela falta de um patrimônio e de uma vontade comum, confluindo como negócio indireto entre os contratantes, que tem como fonte única e somente o vínculo obrigacional. Essa interpretação tem origem, em termos mais recentes, nos artigos 994, §§ 2º e 3º, e 996 do Código Civil, este, na parte da liquidação da conta, que se faz pelo sistema da prestação de contas.

141. Da teoria do patrimônio como universitas juris

Bem explica OSCAR BARRETO FILHO sobre o conceito de patrimônio na teoria clássica, como universalidade de direito, definindo-se como um complexo orgânico, criado pela lei, de relações jurídicas ativas e passivas, conjugadas na titularidade de um mesmo sujeito de direito, e disso decorre o seu reconhecimento como unidade jurídica submetida a regras específicas, em que prescinde dos vários componentes, e, ademais, sendo a universalidade de direito consubstanciada nesse complexo de relações jurídicas, não se consideram os bens em si apenas, mas as próprias relações que derivam e que a estes bens se referem, ou seja, os direitos que lhes correspondem.

1 Nos termos da doutrina clássica: o patrimônio é uma universalidade de direitos, vinculado, em termos quase absolutos, na concepção personalista do patrimônio.

142. Da noção de patrimônio separado em OSCAR BARRETO FILHO

Diz o grande comercialista que o patrimônio é uma universitas juris, mas é excessivo dizer-se que é uma noção intimamente ligada à pessoa do seu titular ou que há uma íntima relação entre a noção de patrimônio e a de personalidade (a não ser na base da idéia elementar que a personalidade jurídica é o pressuposto lógico constante da noção de patrimônio), e, em conseqüência, é perfeitamente admissível a idéia de unificação patrimonial pela identificação de fim, de tal maneira que a mesma pessoa pode ser titular de mais de um patrimônio. Com efeito, em referência a CLOVIS BEVILACQUA, afirma, com precisão, que o direito permite a divisão do patrimônio, para satisfazer a necessidade de ordem prática, a fim de impedir a junção de bens de procedência diversa.2 Na esteira de OSCAR BARRETO FILHO , só em casos específicos, e por disposição da lei, um grupo de direitos, em certa medida, pode ter existência separada do patrimônio, e que teria as seguintes características: a) situação peculiar do patrimônio especial decorre dos fins próprios e específicos que lhe são prefixados, ao contrário do que ocorre com o patrimônio normal, o qual serve ao fins gerais que, em regra, são fixados livremente pelo seu titular ou representante legal; b) às vezes, a administração do patrimônio separado é conferida a pessoa ou pessoas diversas do seu titular ou daquela que detém a administração do patrimônio geral, embora em outros casos seja atribuída ao mesmo titular a administração de ambos os patrimônios, cabendo-lhe manter a separação entre as duas massas patrimoniais; c) os limites entre o patrimônio especial e o principal são definidos pela lei, de sorte que naquele ingressam todos os direitos que lhe convergem, integrando-se neste todos os demais; e os elementos do patrimônio especial podem ser classificados em duas categorias distintas daqueles que desde o princípio lhe pertencem, quase de forma originária, e que derivam de seu próprio desenvolvimento; d) em certos casos, é permitido aos interessados modificar os elementos do patrimônio especial, com transferências de seus elementos; e) assim como o patrimônio geral, o especial também pode ter um passivo ao lado do ativo; f) existe a possibilidade de relações jurídicas entre o patrimônio especial e o geral, as quais somente podem existir em pessoas diversas.3 Essas premissas se aplicam com exatidão sobre a disciplina das sociedades em conta de participação4, na constituição do seu patrimônio especial como “fundo autônomo”, de titularidade do ostensivo. As fundações também são constituídas via patrimônio especial.

1 Teoria do estabelecimento comercial, cit., pp. 44/45.

2 Teoria do estabelecimento comercial, cit., p. 53.

3 Teoria do estabelecimento comercial, cit., pp. 54/55.

4 Compreendem também a figura do patrimônio separado: a massa falida; herança jacente; o patrimônio do ausente.

143. Da redação do art. 90, parágrafo único, do Código Civil

Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias (art. 90, parágrafo único, C.C.). Incompleto é o sistema previsto pelo Código Civil de 2002, fazendo referência somente à questão da universalidade de fato e suas relações jurídicas próprias. De extremo acerto a redação do art. 332 do projeto de Código Civil de autoria do magistral Orlando Gomes, ao estabelecer: do patrimônio pode ser separado um conjunto de bens ou direitos vinculados a um fim determinado, assim por mandamento legal como por destinação do titular. No art. 334 do referido projeto, o incomparável ORLANDO GOMES apresentava a definição de Partes integrantes economicamente separáveis: “As partes integrantes de um imóvel podem ser objeto de propriedade separada ou de direito distinto se formam, de per si, unidade econômica.” Em termos de sociedade em conta de participação, a separação de bens, com a formação de patrimônio especial, se faz dentro do próprio patrimônio geral do sócio ostensivo, com o objetivo de destiná-lo a um fim determinado, ou para reservar-lhe como garantia, e no final, para a eventual liquidação das contas. É esse, verdadeiramente, o substrato jurídico do patrimônio especial nas sociedades em conta de participação, ou seja, especificar um patrimônio com o fim de possibilitar a liquidação das contas.

144. O patrimônio especial não é somente um limite de responsabilidade quanto aos credores do sócio ostensivo

Os credores do sócio ostensivo se pagam sobre o seu patrimônio, que está sob sua administração. Esse fundo deve ser entendido como o mais amplo possível em termos jurídicos, abarcando toda qualidade de bens e direitos. A responsabilidade do ostensivo é amplíssima, assume obrigações em seu nome individual, por isso, pessoal a sua responsabilidade, solidária se tiver com outros sócios ostensivos. Não pode se olvidar que a sociedade em conta de participação, assim como o contrato de associazione in partecipazione, são institutos jurídicos que visam resguardar a posição do participante. Na realidade dos negócios, e das cláusulas contratuais, isso se manifesta claramente. Portanto, a especialização do patrimônio também tem essa função, ou seja, resguardar o sócio participante, direcionando a execução ou a falência aos bens (fundo social) do sócio ostensivo. Porém, se o ordenamento jurídico tem na conta de participação verdadeira sociedade, seria pouco razoável imaginar que o sócio participante não ficaria sob os efeitos judiciais decorrentes do desastre do sócio ostensivo. Se fosse assim, a sociedade em conta de participação seria leonina por definição, ou seja, seria uma sociedade na qual um sócio (participante) participaria somente nos ganhos e na divisão dos lucros, e não nas perdas e nas falências, situação que, evidentemente, não pode prevalecer. É pouco comovente justificar tal situação no fato de que o sócio participante, no caso do desastre do sócio ostensivo, já perderia os recursos e bens que havia colocado à disposição do ostensivo, participando, então, das perdas. Ora, ledo engano. Isso é o risco do negócio. O que o direito quer é a satisfação do credor, ainda que se faça sobre os bens do sócio participante, se provada a conta, e exauridos os fundos sociais que estavam à disposição do ostensivo, inclusive o seu patrimônio pessoal. O patrimônio especial tem finalidade de administração direta da sociedade.

Conforme ASCARELLI , “a personalidade jurídica da sociedade exige a sua manifestação a terceiros”1; e comenta, com vários exemplos, sobre as sociedades ocultas e irregulares, na formação da vontade e sobre a responsabilidade dos sócios e cada um desses casos, decorrentes de contratos com defeitos formais, ou inexistentes, ou no caso que os terceiros desconhecem a existência da sociedade, que, pode ocorrer, se exterioriza somente posteriormente. Seus comentários merecem reflexão por derivação da nova estrutura do patrimônio separado, previsto pelo Código Civil nas sociedades em conta de participação. Por isso, entendo, categoricamente, que e por fundamento no art. 994, §§ 1º ao 3º do Código Civil, a conta de participação se afasta na sua natureza unicamente societária, alcançando forma obrigacional entre os contratantes, diversa daquelas decorrentes do contrato social.

Por conseguinte, a conta de participação, inclusive com fundamento na ação de prestação de contas, tem, de maneira praticamente aceitável, uma confluência de fatores que permitem considerá-la como um contrato associativo, mas não exclusivamente. Casos, na esfera prática, podem mostrar, e mostram efetivamente, que existe uma provável affectio societatis na conta de participação, mas isso não se dá em todas as circunstâncias.

1 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., pp. 296/301.

145. Da responsabilidade do sócio participante quando atua na administração externa da sociedade

Conforme já se mencionou, supra, art. 1872-1 do Código Civil francês, o sócio participante, quando interfere na gestão, será chamado para acertar o passivo de maneira solidária com os demais sócios.

Com efeito, diz a melhor doutrina que “tout d’abord, si les participants agissent en cette qualité au vu des tiers, chacun d’eux será tenu vis-à-vis de ces derniers de toutes les obligations nées des actes accomplis en qualité d’associé par chacun d’entre eux. Cette responsabilité collective est conjointe si la société em participation a un objet civil et solidaire si son objete s commercial. La même solution est, ensuite, applicable à tout associe qui, par son immixtion dans les affaires sociales, a laissé croire au co-contractant qu’il entendait s’engager ou don’t il est prouve que l’engagement souscrit a tourné a son profit”.1

Em linhas gerais, a responsabilidade do sócio participante que exerce a gestão da sociedade, manifestando sua intenção perante terceiros, acarreta sua responsabilidade solidária e a formação de sociedade em nome coletivo.

146. Do patrimônio especial na conta de participação

Participando de empresa comum, os sócios convergem para a formação do fundo social que fica disponível em favor do sócio ostensivo.

As entradas dos sócios participantes entregues ao sócio ostensivo se incorporam em seu patrimônio, passando à sua propriedade, e, de outro lado, esse patrimônio constitui o fundo social, que tem utilização certa, ou seja, nos negócios sociais, na empresa comum. Ora, ao primeiro passo, tal situação jurídica poderia se mostrar contraditória. Contudo, a contradição é aparente e resolve-se pela natureza especial dos fundos, como patrimônio separado dentro do patrimônio geral do sócio ostensivo em cujo poder estão.

2 É exatamente isso que está disciplinado no art. 994, § 1º, do Código Civil: a contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais. A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios. O patrimônio especial é ao mesmo tempo objeto da conta e exercício da empresa. Esse patrimônio entra na titularidade do sócio ostensivo,3 o que tem consequências no momento da liquidação da conta de participação. Contudo, em virtude da redação do art. 994, §§ 2º e 3º, do Código Civil, a natureza de especialização patrimonial, em termos práticos e de doutrina, não permite ver na conta de participação um instituto unicamente de natureza societária, remetendo, inclusive, certa semelhança com outras formas contratuais, de natureza exclusivamente obrigacional.

147. O patrimônio especial tem finalidade determinada

Apenas a lei pode criar patrimônios separados, com finalidade administrativa, contábil e de garantia. Por bem da verdade, o patrimônio separado é a exceção à regra clássica do patrimônio único e indivisível. Ou seja, não é possível o mesmo titular ter dois patrimônios distintos, que não se fundem como universalidades. O patrimônio separado pode existir somente quando a lei lhe comete uma finalidade muito específica, qual seja, por exemplo, servir de garantia expressa no caso da Lei 10.931/04, quando do patrimônio de afetação aplicável às incorporações imobiliárias sobre os terrenos e acessões objeto da incorporação. Neste caso, o patrimônio afetado (acessões) tem finalidade específica, qual seja, a construção e entrega das unidades aos compradores. Porém, nas incorporações imobiliárias o patrimônio da incorporadora responderá pelas dívidas tributárias da incorporação afetada. Na sociedade em conta de participação o patrimônio separado tem finalidade específica, qual seja, a empresa comum. O sócio ostensivo responde integralmente pelas contas abertas sob o fundo social. E, no caso da falência do sócio-gerente, é lícito ao terceiro com quem houver tratado saldar todas as contas que com ele tiver, posto que abertas sejam debaixo de distintas designações, com os fundos pertencentes a quaisquer das contas; ainda que os outros sócios

1 JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., pp. 98/99.

2 LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit., p. 76.

3 Ademais, “a corrente dominante tem sido firme no asseverar que a propriedade dos fundos sociais, na conta de participação, passa ao sócio ostensivo em cujo poder estão”. LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit., p. 67.

mostrem que esses fundos lhes pertencem, uma vez que não provem que o dito terceiro tinha conhecimento, antes da quebra, da existência da sociedade em conta de participação(rev., art. 328, Código Comercial). Ou seja, os terceiros podem liquidar tantos fundos bastem para saldar suas obrigações, desde que os sócios não consigam provar que esse terceiro já tinha conhecimento da existência da sociedade em conta de participação antes da falência. Então, o patrimônio especial tem um limite na sua existência como fundo social único, vale dizer, a falência do sócio ostensivo, podendo os demais credores liquidar tantos fundos quantos encontrem. O art. 328 do Código Comercial regrava unicamente o pagamento em relação aos credores sociais do sócio-gerente, e não dos pessoais. Esses, ou seja, os pessoais podiam receber contra o patrimônio geral do sócio ostensivo, como regra. Em linha geral, o patrimônio especial é fundo social, garantia dos credores sociais.1 De uma forma ou de outra, a disciplina do patrimônio especial nas sociedades em conta de participação tem como única finalidade a formação de um fundo social para o exercício da atividade empresarial, levada a efeito pelo sócio ostensivo.

148. Da responsabilidade dos sócios entre eles e algumas considerações de lex ferenda

Os sócios participantes não se obrigam perante terceiros, que os não conhecem nem com eles tratam, porém, sim, para com o sócio ou sócios ostensivos pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas nos termos precisos do contrato. Os sócios participantes ficam obrigados para com os sócios ostensivos por todos os resultados nas transações e obrigações sociais empreendidas nos precisos termos do contrato, e, por sua vez, o sócio ostensivo tem a obrigação de repartir entre os participantes os resultados das respectivas operações na forma ajustada e o direito de exigir-lhes a contribuição nas perdas.2 Na esteira de MAURO BRANDÃO LOPES , explicando o sistema antigo, assevera que, por força dos revogados artigos 327 e 328 do Código Comercial, os fundos da conta de participação não respondem pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo, quando seus credores sabiam da existência da sociedade; mas esses fundos sociais respondem por elas quando a ignoravam.3 Com efeito, os fundos sociais da sociedade em conta de participação respondem pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo, quando os terceiros desconheçam a existência da sociedade. Perante terceiros, o sócio ostensivo seria empresário individual, com as conseqüências dessa situação jurídica. A sociedade em conta de participação não se apresenta perante terceiros como sociedade, muito pelo contrário: os terceiros desconhecem a sua existência. Os sócios ostensivos atuam individualmente, assumindo obrigações em nome próprio e por conta própria. Os sócios ostensivos atuam no interesse social, mas as obrigações lhe pesam pessoalmente. São esses sócios que respondem perante terceiros em quaisquer condições. Nos termos do revogado art. 327 do Código Comercial, se o sócio ostensivo tem em seu poder fundos da sociedade, compromete-os ainda que seja por obrigações pessoais, se o terceiro com quem negociou ignorava a existência da sociedade, salvo o direito dos outros sócios contra o referido sócio ostensivo.4 Portanto, na imensa maioria das vezes, os fundos sociais respondem pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo porque a conta de participação é sociedade oculta, desconhecida dos terceiros. Os outros sócios, ou seja, os sócios participantes, têm direito contra o ostensivo que perdeu os fundos sociais por suas dívidas pessoais. Nos termos do atual Código Civil, a conta de participação não tem, salvo engano, natureza societária. Seria, por sua vez, mero contrato de associação de interesses comuns, figura contratual clássica, não formando vínculo societário. Inúmeras são as sociedades ocultas, mas, nos termos do Código Civil, esse contrato se assemelha mais ao contrato de associazione in partecipazione, da legislação italiana, que não tem natureza societária. Na conta de participação social não há fundo comum: o que existe é apenas comunhão de lucros e perdas entre os contratantes associados em comum. Fato que demonstra essa perspectiva é o sistema da responsabilidade: impraticável conjecturar pela sociedade sem fundo comum, bem sabendo que os sócios participantes não se responsabilizam pelas dívidas “sociais”. Ora, não é verdadeira sociedade essa que apenas alguns entram nas perdas (sócio ostensivo), e os demais não concorrem em responsabilidades,

1 Enquanto os bens não integram o fundo social, o sócio participante pode pedir sua restituição, no caso da falência do sócio ostensivo. Como proprietário, o sócio em participação que, comprando mercadorias, as expediu ao ostensivo para revendê-las no interesse comum, pode requerer sua restituição.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.435, p. 235.

3 A sociedade em conta de participação, cit., p. 108.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, n. 1.426, p. 226.

pelo simples fato de ficarem ocultos. Ademais, a própria lei diz, textualmente, “patrimônio especial” e “objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais” (art. 994). Então, se é patrimônio especial, não é fundo comum: patrimônio social. Por conseguinte, não é sociedade. Se a contribuição do sócio participante é o objeto da “conta de participação”, ainda mais evidente que não se está falando de sociedade, mas, unicamente, de contrato de associação de interesses em comum, o que, por si só, não caracteriza sociedade.

Ainda, a liquidação da “sociedade” em conta de participação se faz pelas regras da prestação de contas, nos termos da lei processual, o que demonstra, cabalmente, que sociedade ela não o é, definitivamente, ao menos nos termos previstos pelo legislador de 2002. O simples fato de ser “oculta” não confere o caráter de sociedade em favor da conta de participação, assim como prevista nos termos dos artigos 991-996 do Código. Já disse que inúmeras são as sociedades ocultas: essas são, efetivamente, formadas pelos vínculos societários, patrimônio social, deveres, direitos de sócios, etc., e acrescido pelo fato de serem ocultas perante os terceiros. A via inversa, ou seja, de ser oculta para chegar a ser considerada sociedade, nos termos da lei de 2002, não é suficiente. Nas sociedades ocultas, provada a sua existência, o sócio oculto responde pelas obrigações sociais, ou seja, o contrário do regramento previsto pelo art. 994, § 2º, do Código Civil.

Portanto, o art. 994 do Código Civil é a antítese daquilo que pode ser definido como sociedade: “patrimônio especial”; “objeto da conta de participação”, essas todas são expressões que denotam e se referem a mero contrato de associação, sem formação de vínculo de sociedade. Se nessa sociedade o sócio participante conserva a propriedade do bem “conferido”, evidentemente que não se tem sociedade, mas contrato de participação sobre lucros. Ademais, ainda, que sociedade empresária não pode ser declarada falida? Nenhuma. Porém, reza a lei que a “sociedade” em conta de participação não pode entrar em falência, fato esse que causa espécie. Somente pode falir, individualmente, o sócio ostensivo (art. 994, § 2º). Todas as outras sociedades empresariais podem falir: é uma consequência do risco do comércio. Portanto, é evidente que a conta de participação não é sociedade, ao menos naquilo que consta da lei de 2002. As sociedades ocultas podem falir, qualquer delas. Ou seja, a conta de participação, por não ser sociedade, não pode ser declarada falida.

A comprovação que a conta de participação, assim como prevista pelo Código de 2002, não entra na categoria de sociedade, se dessume de seu art. 994, § 3º, ao determinar que, falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido. Então, claramente não se tem relação societária: se existisse relação de sociedade, o sócio participante que faliu em outro negócio deveria ser excluído da sociedade, apurando seus haveres, e o valor da sua quota entraria em favor da massa falida. Ora, o legislador de 2002 comprova, por si só, que entre o participante e o ostensivo existe apenas relação contratual, ao passo que estabelece que entre eles terá lugar o regramento que regula os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido. Assim, competirá ao ostensivo habilitar na falência do participante, se existir eventual haver, e, ao contrário, competirá ao administrador receber contra o ostensivo os eventuais saldos (lucros) que este deve em relação ao participante. Com efeito, o contrato da conta de participação pode até ser registrado (art. 993), que desse fato não surge sociedade, nem afetam os terceiros, se ainda com o registro desconhecem a existência do acordo entre o participante e o ostensivo. O participante pode requerer a falência do ostensivo, por impontualidade na distribuição dos lucros, desde que líquidos e certos, conforme comprovação respectiva. De uma forma ou de outra, o patrimônio especial da conta de participação responde pelas dívidas assumidas pelo ostensivo diante dos credores, sejam por obrigações “sociais” ou pessoais, porque para os terceiros não existe a sociedade, nem os sócios participantes. Reza o entendimento clássico que na conta de participação não existe solidariedade entre o ostensivo e o participante Esse fator é decisivo para diferenciá-la da sociedade em comandita simples e da sociedade em nome coletivo, cada uma nas suas especificidades. Outro fator decisivo para a conta de participação, como já se disse, é a sua forma de liquidação, que se faz nos termos da legislação processual civil, apurando haveres e saldos (lucros) a serem pagos e realizados. Com efeito, diante de todos esses fatores e características, não seria impreciso ter na conta de participação mero contrato de participação sobre lucros em comum, e não necessariamente sociedade, principalmente pela redação dos artigos 991996 do Código Civil de 2002, que é semelhante ao contrato de associazione in partecipazione da legislação italiana. Essas questões entram na categoria lex ferenda, não pelo que deveriam ser, mas pela propositura de termos que servem para compreender a redação do atual Código Civil, na matéria atinente aos limites de interpretação da conta de participação. Nos tempos mais antigos, ou seja, com a disciplina do Código Comercial, a conta de participação até que entrava, por via oblíqua, nas esferas societárias, ainda que não faltassem ponderações contrárias. Porém, com o Código de 2002, e a nova disciplina próxima da associazione in partecipazione, a situação se alterou bastante, e, nos limites da letra da lei, é, agora, difícil incluir os artigos 991-996 como uma típica espécie societária. Parece que o legislador ficou no meio do caminho, entre uma espécie societária e um contrato, atribuindo natureza mista ao instituto, o que, com efeito, não é adequado.

Inúmeros são os empreendimentos qualificados como sociedade em conta de participação e, portanto, é necessário um bom entendimento da matéria. Não é pelo fato que se tem uma sociedade oculta que somente por esse fator poder-se-á denominar essa sociedade como em conta de participação. O que caracteriza a sociedade é a existência de interesse comum no exercício de uma atividade lucrativa, desde que fundada em patrimônio social e vínculo societário: pouco importa se tal sociedade é oculta ou se exterioriza perante terceiros, nos termos legais. O que se quer dizer é que se há vínculo contratual de participação em lucro comum, que não caracteriza sociedade, estar-se-á bem próximo do sistema da conta de participação (artigos 991-996). Ao revés, quando se tem verdadeira sociedade oculta, as regras da responsabilidade dos sócios perante terceiros se alteram profundamente quando comprovada a sociedade: se comprovada a sociedade oculta, o sócio oculto responde, solidária e ilimitadamente, com os demais sócios ostensivos, porque estão todos em comum. Neste passo a lei andou bem, e determina: os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum (art. 988). Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer (art. 989). Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade (art. 990). Isto é disciplina societária. Ao revés, os artigos 994 e 996 não são, nem mesmo minimamente, regras societárias: são regramentos atinentes aos contratos comuns1, não ao contrato de sociedade, e por esse fato específico é difícil incluir os artigos 991-996 como tipo de sociedade. O que caracteriza sociedade é a presença de contrato plurilateral, vínculo societário, interesse comum, patrimônio social, firma social, capital social, responsabilidade pelas obrigações sociais (sociedade de pessoas), ou seja, fundamentos e institutos clássicos que determinam a interpretação da matéria societária, com método e princípios próprios e com objeto específico. Por conseguinte, esses são os requisitos – alguns deles – necessários para a constituição de uma sociedade, sem os quais a manifestação de vontade entra na categoria dos demais contratos. Desta feita, contrato de sociedade é contrato especial, de finalidade lucrativa, que constitui em relação aos sócios as condições sobre o exercício comum de uma atividade econômica, suportando eles todos, nos limites da lei, os riscos do negócio.

149. Da dissolução da sociedade em conta de participação

A sociedade em conta de participação se dissolve se houver ruptura no vínculo de affectio societatis, podendo qualquer sócio se manifestar pela dissolução. Ademais, as regras clássicas de dissolução dos outros tipos societários também são, em certos casos, idênticas às da sociedade em conta de participação. Com efeito, a sociedade em conta de participação pode se dissolver quando ocorrer: o vencimento do seu prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado – entenda-se “liquidação” com o significado, em sede de conta de participação, na prestação de contas entre o sócio ostensivo e o participante; consenso unânime dos sócios; falta da pluralidade de sócios – neste caso, não se permite a ressalva dos cento e oitenta dias porque não existe sociedade em conta de participação sem sócio ostensivo ou mesmo sem o sócio participante.

150. Da não aplicabilidade do art. 1.033, III, do Código Civil à sociedade em conta de participação

Duvidosa é a aplicação da dissolução por deliberação de sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado, contra as sociedades em conta de participação. Essa sociedade não tem capital, não tem registro, não tem divisão em quotas ou ações. Não se manifesta perante terceiros, etc. Tem, somente, fundo social, que constitui patrimônio especial, de titularidade do sócio ostensivo. Não há como se conjecturar em reunião de sócios, que, por maioria, deliberou pela aprovação da dissolução da sociedade. A forma aconselhável para dissolver sociedade em conta de participação é a ação de prestação de contas, ou seja, uma medida processual que exterioriza a sociedade, colocando termo à sociedade, e ultimando os negócios sociais. Significa que, a partir da propositura da ação, o sócio ostensivo deve restringir a gestão aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, salvo para ultimar as que já estavam em negociação, feitas sempre no interesse da conta de participação. No caso do falecimento do sócio ostensivo é de rigor a dissolução da sociedade, porque deve ser apurada a respectiva conta sobre o fundo social.

1 Ver GALGANO, Francesco, Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 49 e seguintes, sobre a diferença entre o contrato de sociedade e os demais contratos de comunhão.

Na sociedade em conta de participação havia plena aplicação da regra do art. 335, 5 , do Código Comercial, que dizia: as sociedades reputam-se dissolvidas por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado. Em regra geral, ela tem prazo determinado, mas não fica excluído o prazo indeterminado.1 Não se argumente que todas as sociedades em conta de participação tinham prazo certo. O legislador de 1850 dizia “em uma ou mais operações de comércio determinadas” (art. 325). Isso significa que a finalidade da sociedade é determinada, não o seu prazo. Tem correlação tal finalidade determinada com o patrimônio especial, que existe, como prerrogativa legal, apenas nos casos expressos, com fim específico. A sociedade em conta de participação admite, pela via contratual, amplíssima liberdade nos pactos entre os empresários, financiadores, etc., o que faz desse tipo societário um dos mais importantes na realidade dos negócios empresariais.

151. Da não aplicabilidade do art. 1.033, IV, do Código Civil à sociedade em conta de participação

Não tem como subsistir uma sociedade em conta de participação com um único sócio, nem mesmo por cento e oitenta dias. Na falta de qualquer um dos sócios, sendo apenas dois no caso, um sócio participante e outro ostensivo, a falta de qualquer deles acarreta a dissolução da sociedade, com a respectiva apuração da conta. A sociedade em conta de participação não tem capital social, apenas fundo social, sobre o qual é patrimônio separado e fundo social ao mesmo tempo. Ademais, tem vínculo de affectio societatis, no mais das vezes. Cabe ao contrato estipular, expressamente, por que não há sucessão sobre quotas ou ações, mas tão-somente fundo social, de total disponibilidade por parte do sócio ostensivo, fundo esse que é de sua propriedade. Por conseguinte, na falta do ostensivo, não há quem leve a efeito a empresa comum. O sócio participante não pode, sob as penas da lei, assumir a gestão da sociedade, até porque esses fundos, agora, não lhe pertencem totalmente. Seria verdadeira apropriação de patrimônio alheio. O sócio participante não tem o poder de dispor sobre bens alheios porque não há nenhum vínculo de maioria de capital votante no funcionamento da sociedade em conta de participação. Então, não há aplicação do art. 1.033, IV, do Código Civil, na parte da ressalva dos cento e oitenta dias, quando estabelece que: dissolve-se a sociedade quando ocorrer a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. Então, quando ocorrer a falta de pluralidade de sócios, a sociedade em conta de participação entra em liquidação de pleno direito, apurando as contas e o respectivo saldo. O fundamento está em que o fundo é patrimônio especial, não suscetível de aferição em quotas ou ações, muito pelo contrário. Da mesma forma, o sócio participante não tem poderes de gestão sobre esse fundo social, muito pelo contrário. O fundo social é garantia dos credores. Na falta do sócio ostensivo, liquida-se, via prestação de contas, a referida conta, pagando-se os credores e distribuindo o remanescente entre os sucessores do sócio ostensivo e entre o sócio participante.

152. Da extinção da sociedade em conta de participação

Uma das formas em que se extingue a sociedade em conta de participação é quando se exaure o negócio para que se constituiu. Neste caso, ela se dissolve de pleno direito, devendo o sócio ostensivo prestar contas ao sócio oculto. A sua inadimplência nessa obrigação resolve-se por ação de prestação de contas, e não de liquidação, por não haver mais o que liquidar.2 As contas, assim como do autor como do réu, serão apresentadas em forma mercantil, especificando-se as receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo, e serão instruídas com os documentos justificativos.

153. Da relação contábil entre o sócio participante e o sócio ostensivo

Com o regular andamento da sociedade em conta de participação, as relações entre os sócios seguem linhas bem interessantes, principalmente na forma de divisão dos lucros das contas comuns. Bem explica a questão WALDEMAR FERREIRA , que a relação entre os sócios ostensivos e os participantes desata-se nas de conta corrente. Cumpre, por conseguinte, ao sócio ostensivo abrir, em seus registros contábeis, conta especial para o

1 “Tem-se a conta de participação em que, apesar do seu objeto se constituir de todo um ramo de comércio, não tem a sociedade prazo marcado de duração”. Cf., LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação, cit, p. 59.

2 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 639.

negócio da sociedade, e isso o indica a própria nomenclatura: ela é, declaradamente, sociedade em conta de participação. A conta, com efeito, deve abrir-se e movimentar-se.1 Nesse passo, a conta de participação se aproxima do contrato de conta corrente, pelo menos na sua finalidade prática e na apuração do saldo.

154. Do contrato de conta corrente

Não há affectio societatis e jus fraternitatis, obviamente, na abertura de contas correntes entre empresários e financiadores, ao passo que esses dois fatores são essenciais na formação do vínculo contratual da sociedade em conta de participação. Como já demonstrei em várias sedes, na conformidade do art. 121, as contas correntes com o devedor consideram-se encerradas no momento da decretação da falência, verificando-se o respectivo saldo.

2 O art. 78 da legislação falimentar diz também que os contratos de contas correntes se encerram com a falência de qualquer das partes. O contrato de conta corrente não se confunde com a abertura de crédito e muito menos com a natureza jurídica da sociedade em conta de participação. O art. 121 disciplina os efeitos da falência sobre o conta corrente contrato3 e por via reflexa também acerta as contas correntes bancárias, que sofrem o mesmo destino, e serão encerradas, imediatamente, com a falência do devedor.

O art. 1.823 do Codice Civile é claro, e diz il conto corrente è il contratto col quale le parti si oblligano ad annotare in un conto i crediti derivanti da reciproche rimesse, considerandoli inesigibili e indisponibili fino alla chiusua del conto. Il saldo del conto è esigibile alla scadenza stabilita. Se non è richiesto il pagamento, il saldo si considera quale prima rimessa di un nuovo conto e il contratto s’intende rinnovato a tempo indeterminato”. O contrato de conta corrente na sua origem era essencialmente mercantil, e teve sua utilidade na abertura de conta corrente entre os próprios mercadores, possibilitando remessas de títulos e desconto para liquidar dívidas, aferindo o saldo após a liquidação. Com o crescimento da atividade financeira os banqueiros começaram a controlar esses contratos de conta corrente, mas ele não perde a sua natureza de contrato eminentemente mercantil e de especulação sobre o crédito, sem qualquer correlação jurídica com a conta corrente de natureza contábil.4 O Codice Civile disciplina o contrato de conta corrente nos artigos 1.823 até o 1.832, e, na imediata seqüência, abre o Capítulo XVII, Dos contratos bancários, legislando sobre os contratos de depósito bancário; abertura de crédito; operezioni bancarie in conto corrente, entre outros. A distinção é nítida entre esses contratos, ainda que se confundem as partes contratuais, mas a finalidade entre os contratos não é a mesma. O contrato de conta corrente também não se confunde com a antecipação ou abertura de crédito. No contrato de abertura de crédito a finalidade é aumentar a força econômica do creditado, colocando-o em posição de dispor, quando queira, dos valores creditados, como se fossem seus; enquanto na conta corrente, ao contrário, os contratantes procuram apenas o pagamento em dinheiro, liquidando periodicamente as respectivas partidas. O contrato de conta corrente é um meio de liquidação de saldo entre os contratantes. Ainda, na abertura de crédito, o movimento de dinheiro é a sua razão de ser, enquanto, na conta corrente, esse movimento se limita ao pagamento (liquidação) do saldo porventura existente, liquidando as partidas abertas. O contrato financeiro que mais se aproxima ao contrato de conta corrente é o contrato de crédito rotativo, quando o banqueiro disponibiliza numerário a juros ao empresário, numerário este ofertado no mais das vezes sem garantia real ou

1 ____________. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 637.

2 Sobre esse contrato, a obra clássica de PAULO DE LACERDA, Do contrato de conta corrente, RJ, Ribeiro dos Santos, 1928, 367p.

3 “O resumo do problema pode ser enunciado assim: a conta corrente, como contrato, não é de índole bancária. Logo, deve figurar destacadamente numa espécie à parte dos contratos enumerados. A conta corrente como gráfico é comuníssima. Deve ser referida nos contratos bancários. Como os bancos prestam serviços auxiliares aos seus clientes, e como estes continuam a ser aqueles que têm gráficos de conta corrente, poder-se-ia imitar o Codice Civile, no disposto pelo seu art. 1.856, que fixa a responsabilidade do banqueiro, como mandatário, pelo seu encargo de executar os serviços bancários auxiliares”. COSTA, Philomeno J. As atividades bancárias no anteprojeto do Código Civil, RDM, nº 10, 1973, p. 11; cf. BULGARELLI, Waldírio. Contratos, cit., p. 593.

4 Com acerto diz PENALVA SANTOS que “o contrato de conta corrente pode envolver títulos de crédito ou cambiariformes, na chamada cláusula salvo embolso, na qual o correntista vai alimentando a conta corrente com tais títulos, no contrato de desconto bancário. O banco vai anotando o valor dos títulos não cobrados em uma coluna e os cuja cobrança logrou obter, em outra, mediante relação denominada borderau. No final do prazo o banco extrai saldo, cujo valor favorável ao cliente propiciará a sua remessa pelo banco, juntamente com os títulos não cobrados. Se a conta corrente alimentada pelos títulos apurar débito de descontário, o banco cobrá-lo-á do mesmo, remetendo-lhe os títulos cuja cobrança não conseguiu efetuar”. Obrigações, cit., p. 56. É neste passo que se notam a presença do banco no contrato de conta corrente e sua aproximação ao desconto bancário.

pessoal, para que ao término de determinado prazo se apure o saldo. Se o saldo negativo é crescente, dentro do prazo contratual, situação essa que vai aos poucos preocupando o banqueiro, o contrato pode ser encerrado, com a retirada e a indisponibilidade de novos valores ao contratante, ou seja, o cancelamento do contrato, pelo inadimplemento. Contudo, o crédito rotativo tem natureza de mútuo oneroso, situação distinta da conta corrente contrato, ao passo que o contrato de conta corrente tem sempre uma relação de haver e de deve, como diz a doutrina. Assim, esse contrato envolve sempre saldos a serem liquidados, nos prazos estabelecidos, saldo esse que passa a ser exigível. Na esteira de VALVERDE , cada lançamento constitui uma determinada operação, que não perde a sua individualidade jurídica por se ligar à série de números que exprimem, somente, o resultado em dinheiro de cada negócio, e em caso de contestação cada operação é tomada de per si e examinada a sua validade.1 O aspecto central do contrato de conta corrente é a própria definição da individualidade jurídica da operação, do negócio. No entender de VALVERDE, a individualidade persiste,2 enquanto na lição de CARVALHO DE MENDONÇA ela desaparece. Existe contrato de conta corrente quando duas pessoas convencionam formar uma massa homogênea de todas as suas operações consistentes em remessas recíprocas de valores, e remessas essas que, perdendo a sua individualidade, se transformam em artigos de débito e crédito, de modo tal que o saldo, que deriva do balanço destes dois artigos, seja unicamente exigível por aquele que for credor, ou seja, que tiver saldo favorável.3 Mesmo sendo aceitável a tese de VALVERDE, não há possibilidade de restituição, cabendo ao credor habilitar o seu crédito na falência, na classe quirografária, se não for lastreado por garantia real, ou na classe com este privilégio. Conforme BULGARELLI, as características do contrato de conta corrente são: uma série de operações sucessivas e recíprocas; operações conexas e exigíveis somente no encerramento e na liquidação; as remessas ficam sem autonomia uma das outras; individualidade e unidade das remessas. Os efeitos da individualidade são: a) as partes não podem retirar da conta as remessas feitas; b) não produz compensação ou novação; c) os créditos rendem juros desde a sua anotação na conta.4

A conta corrente é um contrato de fidúcia, de manifesta confiança entre os contratantes, porque ninguém abre contas ou partidas para ficarem ao relento, e a falência de um dos contratantes, abalando essa confiança, visa feri-lo mortalmente, privando o devedor da administração dos bens, faz impossível a alimentação da conta corrente, que vive e aparece por seus artigos e partidas de crédito e débito, produzindo, então, o vencimento das dívidas do falido, e o imediato encerramento da conta.5

Do ponto de vista dos efeitos, CARVALHO DE MENDONÇA tem razão, ao dizer que os créditos levados à conta corrente (liquidação do saldo como seu principal fundamento) perdem o seu matiz, a sua individualização própria e sua existência distinta umas das outras, fazendo parte de um todo indivisível que é a própria conta corrente, e “vêm a se fundir nesta como em um cadinho; representam uma espécie de cadeia indissolúvel, cujos anéis não podem ser desprendidos. Essa massa homogênea, indivisível, dá em resultado um saldo único, que é, por assim dizer, o resumo, o extrato de todas as operações dos contratantes”.6

O contrato de conta corrente se perfaz quando dois contratantes se concedem temporariamente crédito para as suas recíprocas remessas, a fim de que aquele que aparece credor no encerramento da conta possa exigir somente a diferença entre o deve e o haver.7 É um contrato essencialmente provisório existindo até que a conta corre aberta. O contrato de conta corrente é l’esecuzione di una obbligazione per cui due persone si rimettono rispettivamente la proprietà di effetti o valori il cui ammontare è, al momento della rimessa, portato a credito di chi lo rimette, e a debito di chi lo riceve, credito e debito essenzialmente provvisorii sinchè il conto corre; di guisa che è alla chiusura di esso che si accerta la somma di cui ciascuno è creditore o debitore.8 É um contrato sobre partidas cruzadas, abrindo conta para isso, no qual, no momento da liquidação, se apura o saldo, favorável ou desfavorável, inclusive com remuneração, que passa a ser exigível.

1 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de falências, Rio de Janeiro, Forense, vol. I, p. 346.

2 “Entendendo, como entendemos, que as operações que se sucedem no movimento da conta corrente não perdem a sua individualidade jurídica, não se transformam nas chamadas “massas homogêneas”, havemos de concluir que os lançamentos referentes a títulos de crédito ou efeitos comerciais, ainda quando não vencidos, transferidos pelo remetente ao recipiente pro solvendo, e, por isso, provisoriamente creditados ao primeiro, podem ser estornados pelo recipiente, que se habilitará na falência do remetente pelo montante real do seu crédito”. VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários, cit., vol. I, p. 348.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. VII, pp. 465/466.

4 Contratos mercantis, São Paulo, Atlas, 1997, p. 596.

5 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. VII, p. 468.

6 _____________. Tratado, cit., vol. VII, p. 469.

7 VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale, 3ª ed., vol. IV, n. 1.720; cf. MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. VII, p. 465.

8 LUCIANI, Trattato del fallimento, Roma, Stamperia Reale, 1898, p. 536.

Do ponto de vista falimentar, os principais efeitos sobre a conta corrente são: falindo o remetente ou recipiente, encerrase o contrato, apurando haveres e deveres; se não há garantia (hipoteca ou penhor), o credor habilita-se como quirografário; se há garantia, verificando o saldo em conta corrente, o credor será considerado privilégio sobre os imóveis hipotecados, ou pignoratício sobre os móveis dados em penhor, para pagamento na falência (art. 149), e o saldo que exceder o produto desses bens que servem de garantia será pago como quirografário pela parte que sobrar a descoberto, tudo nos termos do art. 83, II, e VI, alínea b, da Lei 11.101/05. Como lei de igualdade, as garantias são respeitadas, até o limite do produto da alienação dos bens vinculados ao pagamento, e as sobras são consideradas como quirografárias na falência do devedor. Não é aceita compensação de dívidas entre contratos de conta corrente e outros créditos a serem liquidados.

155. Da liquidação das contas abertas na sociedade em conta de participação

Com acerto, o art. 996 do Código Civil diz que a “liquidação” da sociedade em conta de participação será feita observando as regras relativas à prestação de contas, nos termos do Código de Processo Civil. Esse fato demonstra, provavelmente, a natureza não societária do instituto. O saldo devedor na prestação de contas na sociedade em conta de participação reclama aplicação do art. 918 do Código de Processo Civil.

156. Da legislação tributária sobre a sociedade em conta de participação

Dentre as tantas leis sobre esse tema, revogadas ou não, serve como paradigma o Decreto nº 3.000 de 1999, artigos 148 e 149, que dizem: “As sociedades em conta de participação são equiparadas às pessoas jurídicas para fins de tributação. Na apuração dos resultados dessas sociedades, assim como na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos, serão observadas as normas aplicáveis às pessoas jurídicas em geral. Por conseguinte, o sócio ostensivo tem a responsabilidade de recolher os tributos e contribuições sociais devidos pela sociedade em conta de participação. O recolhimento da tributação pode ser feito tendo como fundamento o lucro presumido.

Capítulo V

DA SOCIEDADE SIMPLES

157. Da natureza jurídica da sociedade simples

É fundamental estudar a sociedade simples, ainda que essa sociedade não seja empresarial. São tantas as remissões feitas pelo texto do Código Civil, como, por exemplo, os artigos 1.033, 1.044, 1.085, 1.087, sobre as sociedades tipicamente empresariais, na espécie de confluência de um sistema semelhante entre elas, ou seja, entre a sociedade simples e a sociedade empresária. Então, por questão metodológica se faz necessária a sua análise para a boa aplicação do regramento jurídico atinente às demais sociedades empresariais, via interpretação sistemática.

Conforme a legislação italiana, são “sociedades comerciais” aqueles tipos societários entre os quais as partes podem escolher quando pretendem exercitar em comum uma atividade comercial, ou seja, uma das atividades definíveis como atividade comercial, nos termos do art. 2.195 do Codice Civile. Portanto, são comerciais todas os tipos societários, sejam aqueles de pessoas ou de capitais, feita exceção somente à sociedade simples, a qual é destinada exclusivamente ao exercício de atividades não comerciais, e que, desta forma, se caracteriza como “sociedade Civil”. 1 Essa é a principal razão que fundamento o fato da inscrição da sociedade simples no Cartório de Registro Civil das pessoas jurídicas, e não no Registro das Empresas. Estão obrigados à inscrição no Registro das Empresas todos aqueles que exercem atividade empresarial, ou seja, comercial. Portanto, a natureza da atividade é que explica a natureza da sociedade. A sociedade simples não exerce atividade empresarial, mas, ao contrário, tem atividade de natureza “não comercial”, situação que lhe confere a qualidade de “sociedade civil”. A sociedade simples desempenha atividade econômica, mas não atividade comercial. Com efeito, sua natureza jurídica é o exercício de uma atividade econômica civil, na forma societária.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 123.

158. Da natureza estrutural da sociedade simples

A sociedade simples não teve história relevante nem mesmo na prática societária italiana porque tal sociedade nasce em 1942 com o Codice Civile. Antes disso não havia na Itália nenhuma referência importante ao fenômeno societário da sociedade simples. O fato que une a sociedade simples com as demais é que, estruturalmente, ela se assemelha bastante às sociedades empresariais de pessoas, ou seja, da sociedade em nome coletivo e da comandita simples. Talvez este tenha sido o maior fundamento que justificou, em termos legislativos, a entrada da sociedade simples como fenômeno societário de relevância institucional no referido texto legislativo de 1942.

O exímio BRUNETTI diz claramente que “non è esatto perciò che essa (sociedade simples) corrisponda alla vecchia società civile. Strutturalmente si affianca alle società commerciali di persone”, e, prossegue o referido jurista que em substância se criou, como a legislação de 1942, uma sociedade coletiva simples sem registro e sem publicidade, o que deixa mais complexa a sua disciplina, e não é correto afirmar que a organização da sociedade simples seja elementar. Tanto é verdade que grande parte das suas regras integra o regramento da sociedade em nome coletivo e forma o seu ordenamento.

1 Com efeito, a sociedade simples tem autonomia patrimonial circunscrita sob algumas condições legais, e tem quotas, patrimônio, e estabelece em nome próprio e por conta própria obrigações com terceiros. Os sócios têm direito a sua quota sobre o capital (art. 997, IV), participando do acervo da sociedade no caso de liquidação. Os bens conferidos pelos sócios entram na titularidade da sociedade (artigos 1.022 e 1.023 do Código Civil), ao passo que a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador; e se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas respondem os sócios pelo saldo na proporção em que participarem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária. O contrato social deve mencionar se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais (art. 997, VIII). Se a sociedade simples se constituir por qualquer forma prevista pelos artigos 1.039 a 1.092 do Código Civil, ela será considerada empresária, e deve ser inscrita no Registro das Empresas, qualquer que seja o seu objeto social. A cláusula de responsabilidade solidária (art. 1.023) tem caráter de sociedade simples coletiva. Se do contrato constar essa cláusula, nitidamente todos os sócios podem administrar a sociedade, e se trata, na verdade, de sociedade coletiva que não explora elemento de empresa lucrativa. Por esse simples fato, ela não será considerada empresária. Contudo, se escolher, expressamente qualquer das formas societárias dos artigos 1.039-1.092, será empresária. A sociedade simples tem denominação social, e desta parte se assemelha às limitadas (art. 997, II). A autonomia patrimonial da sociedade simples é circunscrita em razão da sua disciplina específica, observando os artigos 997, VIII, 1.023 e 1.025, ao passo que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.

Ademais, o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação (art. 1.026). A autonomia patrimonial, como se percebe da redação dos artigos 1.025 e 1.026 , é circunstanciada, ou seja, limitada, e não é idêntica ao sistema estrutural das sociedades limitada e anônima. Se os sócios estipularem pela escolha de uma das formas societárias previstas pelos artigos 1.039 a 1.092, a forma exigirá uma consequência substancial, qual seja, a sociedade passará a ser considerada empresária, para todos os efeitos. Quando se refere ao objeto da sociedade, na sociedade simples esse pode consistir em qualquer atividade econômica que não seja de uma impresa commerciale (atividade empresarial) pela qual seja obrigatória sua inscrição no Registro das Empresas. Com isso, na sociedade simples se estabelece, por exclusão, o objeto social das sociedades empresárias. No estudo da sociedade simples deve se ter muita atenção interpretativa sobre aquilo que o Codice Civile de 1942 entende por “simples”. Com efeito, é simples, no sistema do referido Codice, a sociedade que não apresenta elementos de identificação com aqueles previstos pela sociedade em geral, notadamente os constitutivos do seu art. 2.247. O critério para a qualificação da relação jurídica societária da sociedade simples tem, portanto, um centeúdo negativo nas seguintes condições: i) a sociedade é regulada pelos dispositivos sobre a sociedade simples quando não tem por objeto o exercício de uma atividade comercial (art. 2.249 do Codice Civile), e não deve, por isso, ser constituída segundo os tipos societários específicos previstos pelo Código, como a sociedade em nome coletivo, em comandita simples, em comandita

1 Trattato, cit., vol. I, pp. 335/336.

por ações, ou da sociedade por ações, ou da sociedade limitada; b) quando as partes não tenham adotado – como é consentido a elas também para o exercício de uma atividade não comercial – as formas de uma das sociedades comerciais.1 Nas palavras do mestre de Bologna, a sociedade simples deve ser entendida como tipo de sociedade e como protótipo das sociedades de pessoas. O critério primordial que deve se ter atenção é sobre o conteúdo e sobre a extensão daquilo que se entende por “atividade econômica”. De certa forma, esse conceito é bastante variável nos ordenamentos jurídicos. Assim, quanto mais ampla seja a noção de atividade econômica não comercial, maior será a incidência de sociedades simples porque aumentará a amplitude do seu objeto social.

A sociedade simples é “estranha” ao ordenamento jurídico pátrio, mas foi acolhida por ter alguma semelhança com a sociedade civil clássica, prevista no Código Civil de 1917.

Até mesmo na legislação italiana a sociedade simples foi vista, quando da sua chegada em 1942, como uma “invenção” do Codice Civile porque dela não havia precedentes na tradição jurídica italiana e nem mesmo de outras legislações. Na esteira de GALGANO e conforme BOLAFFI, a sociedade simples italiana não tem referência nem mesmo com a sociedade simples do Código suíço de obrigações. No entender desses exímios juristas, aquela sociedade simples prevista no Código suíço representa apenas um precedente nominal e não efetivo em relação à sociedade simples italiana, ao passo que a sociedade simples suíça se assemelha muito mais à sociedade civil do direito germânico.2 A sociedade simples nada mais é que uma sociedade civil. É uma sociedade, quanto à natureza jurídica, que opera em modo negativo, ou seja, que não entra na categoria das atividades comerciais. Porém, da maneira como a sociedade simples entrou no ordenamento pátrio, com o Código Civil de 2002, seguindo a técnica legislativa italiana de 1942, houve grande alteração sobre a estrutura daquela sociedade, ou seja, da antiga sociedade civil do Código Civil pátrio de 1917. É mister ressaltar que a sociedade simples do atual Código Civil de 2002 está, aproximadamente, atrasada em sessenta anos, se comparada cronologicamente com sua irmã que é a sociedade simples italiana, de origem no ano de 1942. Foi necessário passar o milênio, saindo dos anos de 1900 para que nos anos 2002 essa emblemática novidade pudesse chegar ao ordenamento jurídico pátrio. A sociedade civil do revogado Código Civil de 1917 mantinha a noção romana de sociedade. O que a sociedade simples faz é alterar, por completo, a estrutura da sociedade em relação a terceiros. A relação interna dos sócios, na sociedade simples, tem relevância externa diante das relações jurídicas da sociedade perante terceiros, de maneira idêntica às sociedades em nome coletivo e em comandita simples. Com efeito, diz a lei, no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade, e, não constituindo o seu objeto social, a oneração ou venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir (art. 1.015,C.C.). A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador (art. 1.022, C.C.). Na legislação italiana, cada um dos sócios administradores é representante da sociedade, ou seja, está habilitado a adquirir direitos ou assumir obrigações em nome e por conta da sociedade (art. 2.266, Codice Civile). Os bens conferidos pelos sócios formam patrimônio social e garantem os credores da sociedade. Desta feita, os credores da sociedade podem fazer valer os seus direitos sobre o patrimônio social, e pelas obrigações sociais respondem solidária e ilimitadamente os sócios que tenham agido em nome e por conta da sociedade, e, salvo pacto em contrário, os outros sócios. O referido pacto de limitação de responsabilidade deve ser colocado ao conhecimento dos terceiros por meios idôneos, e, na sua falta, a limitação de responsabilidade ou exclusão de solidariedade não é oponível contra aqueles que dele não tiverem informação (art. 2.267, Codice Civile). A forma de dar publicidade ao referido pacto é seu arquivamento no Registro Civil das Pessoas Jurídicas da sede da sociedade. Na sociedade simples há perfeita distinção estrutural entre a sociedade e os sócios, ao passo que não é admitida compensação entre o débito que um terceiro tem contra a sociedade e o crédito que tenha contra um dos sócios da sociedade (art. 2.271, Codice Civile). Na sociedade simples deve ser feita precisa determinação dos poderes de representação dos sócios perante terceiros, isso porque no silêncio do contrato os administradores (sócios) podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade (art. 1.015, C.C.), e os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, C.C.).

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 131.

2 BOLAFFI, La società semplice, Milano, 1947, p. 60 e ss.; cf., GALGANO, Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 132.

Porém, entendo que não seria necessária a alteração legislativa que redundou na revogação do antigo sistema da sociedade civil do Código de 1917. A prática já havia consolidado todos os fenômenos jurídicos, entre os quais a responsabilidade social e dos sócios individualmente, bem como na forma de sua constituição. O que se quer dizer é que a sociedade simples em nada representa como avanço em relação à sociedade civil do revogado Código de 1917; aliás, de certa forma, está mais atrasada, não se referindo aqui sobre o texto legislativo em si, mas, principalmente, pela prática que já havia consolidado o bom funcionamento da sociedade civil. Por outro lado, em 1942, a chegada da sociedade simples na legislação italiana representou enorme avanço legislativo diante das particularidades da época, e, notadamente, pelo processo de unificação legislativa, alterando a regra do antiquíssimo Código de 1865, em seu art. 1.697, quando a sociedade era definida como o contrato em que “due o più persone convengono di mettere qualche cosa in comunione, al fine di dividere il guadagno che ne può derivare”, o que era por certo necessário se reformular, distinguindo as sociedades da comunhão de interesses ou bens, assim como do contrato com escopo de mero godimento di um ou mais bens. A reforma de 1942, portanto, altera por completo essa antiquíssima definição de contrato, e inaugurou um novo capítulo dogmático sobre a sociedade, emergindo a figura do contrato plurilateral, definido nos termos do seu art. 1.420 como o contrato de finalidade, com princípios próprios, entre os quais a saída do sócio ou sua exclusão não importa a dissolução do contrato de sociedade.

Enfim, na interpretação da estrutura da sociedade simples deve se considerar que existem duas séries diversas de regras: i) as disposições sobre a sociedade simples, que não são revogadas pelas regras específicas sobre as sociedades em nome coletivo e em comandita simples, devem ser consideradas como disciplina geral das sociedades de pessoas; ii) e as disposições que são contrárias ao regramento das sociedades em nome coletivo e em comandita simples devem ser consideradas como disciplina específica da sociedade simples.1 Portanto, o regramento da sociedade simples tem natureza de disciplina geral quando suas regras têm aplicação em sua própria direção, ou seja, dela como sociedade simples, mas também encontra aplicação nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples, em conta de participação e limitada. Por conseguinte, o regramento da sociedade simples tem natureza de disciplina específica somente naquilo que é aplicado em sua própria direção, ou seja, dela como sociedade simples, mas não encontra aplicação nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples, em conta de participação e limitada. Conquanto essa seja a solução normativa, parece, com efeito, que sobre a sociedade limitada seja bastante precário lhe aplicar subsidiariamente as regras da sociedade simples. Sempre quando existam remissões no texto do Código Civil de 2002, remetendo ao regramento da sociedade simples, terse-á tal regra como sendo característica de disciplina geral, bem como nas de natureza subsidiária. Naquelas, ao contrário, que sejam particulares e únicas da sociedade simples, ter-se-á o regramento das suas disposições específicas. Por assim dizer, a imensa maioria das regras em sede de sociedades previstas no Código Civil de 2002 entra na categoria de disposições gerais, com aplicação nas sociedades simples, em nome coletivo e em comandita simples, nos termos dos artigos 1.040 e 1.046 do referido Código. Ademais, têm sede de aplicação, na qualidade de disposições gerais, as regras das sociedades simples naquilo que for compatível, sobre a sociedade em comum (art. 986) e, também, sobre a sociedade em conta de participação (art. 996). A sociedade limitada, por outro lado, fica adstrita ao seu próprio e específico regramento, mas nas omissões do legislador (art. 1.053) ter-se-á aplicação do regramento das disposições gerais da sociedade simples. Diz o referido art. 1.053 do Código Civil que “a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples”. Contudo, entendo que esse sistema é equivocado. A sociedade limitada, na sua qualidade jurídica e aplicação, notadamente decorrente do Decreto 3.708/19, já havia alcançado pleno desenvolvimento doutrinário, jurisprudencial e prático, se destacando-se por completo da antiga sociedade civil, prevista pelo Código Civil de 1917. O Decreto 3.708/19 era perfeito e atendeu ao justo anseio da classe empresarial, principalmente pela ampla liberdade contratual que outorgava aos sócios, na pactuação dos seus interesses e regramentos sociais. Tanto é assim que ninguém, pelo menos na melhor doutrina, se insurgia contra esse texto normativo; antes, os aplausos sempre foram a constância em relação ao referido Decreto 3.708/19. A imensa maioria das sociedades constituídas no país foi erguida sobre os pilares de sustentação jurídica do Decreto 3.708/19, e a prática, na redação dos contratos sociais, complementou, no interesse dos sócios, e observando os limites legais, o próprio texto normativo. Essa era a chave do seu sucesso como regramento jurídico.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 138.

Então, dois são os pontos de sucesso do Decreto 3.708/19, os quais: i) destacou-se e dissociou-se, por completo, da estrutura jurídica da sociedade civil prevista pelo Código Civil de 1917; ii) permitiu ampla liberdade aos sócios em regularem seus próprios interesses manifestados no contrato social. Conquanto todos esses referidos fatores, das profundezas do desconhecido, emergiu o art. 1.053 do Código Civil, ao dizer que “a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples”. Esse dispositivo é mais um desserviço que o Código Civil de 2002 emprestou ao sistema jurídico societário do país. Na verdade, a sociedade limitada tem que encontrar na sua própria dogmática a razão da sua própria existência como entidade societária, sem ter que buscar na sociedade simples o seu fundamento existencial, nem mesmo que sejam nas “omissões” ou “subsidiariamente”. As sociedades simples e as sociedades limitadas têm natureza completamente distinta quando se fala em responsabilidades dos sócios perante terceiros; administração; poderes de representação; inscrição em registros diferentes; formas deliberativas; causas de dissolução; espécies de condutas que podem ocasionar exclusão de sócio, etc. A sociedade limitada, antigamente designada mais corretamente como sociedade por quotas de responsabilidade limitada, tem décadas de construção doutrinária, jurisprudencial e prática que não podem ser alteradas, em sentido negativo, por uma reforma legislativa muito mal feita e sem correlação com o ordenamento jurídico pátrio. Dizendo mais claramente, o art. 1.053 do Código Civil tem, em sentido doutrinário, que voltar e submergir para suas desconhecidas profundezas, e lá ficar, não fazendo baralhada sobre o sistema jurídico das sociedades limitadas.

159. Da sociedade simples e sua correlação com a sociedade em nome coletivo

A sociedade simples, na sua essência, não abarca atividade empresarial, e por isso pode ser representada por um tipo societário especial. Assim, a sociedade simples é sociedade típica, porque prevista, expressamente pela lei, mas, principalmente, por não ser uma sociedade empresária. Ao passo que não é sociedade empresária, não envolve nenhuma atividade de empresa lucrativa, ou seja, na produção de bens e serviços. Desta feita, não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. A sociedade simples entra, obviamente, no conceito de sociedade de pessoas afrontado pelo art. 2.247 do Codice Civile, ao estabelecer: con il contratto di società due o più persone conferiscono beni o servizi per l’esercizio in comune di una attività economica allo scopo di dividerne gli utili. A sociedade simples não é mera associação de pessoas com fim comum; e nem mesmo associação de bens em interesses comuns. Ela é verdadeira sociedade, que desempenha atividade econômica, mas que não caracteriza elemento de empresa. Entre a sociedade simples e a sociedade em nome coletivo podem existir – e realmente existem algumas diferenças de funcionamento – mas em termos estruturais são praticamente semelhantes, em todos os seus fundamentos, quais são, nas quotas, no fundo social, na administração, na liquidação. O que fica mais claro é que a possível correlação entre esses dois tipos societários se dá na forma de responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, ou seja, pela autonomia patrimonial circunstanciada, o que vale dizer que os credores sociais têm o direito de alcançar os bens pessoais dos sócios, em caráter solidário e ilimitado, quando os bens da sociedade não bastarem ao cumprimento das suas obrigações, ou seja, da sociedade.

A correlação entre a sociedade simples e a sociedade em nome coletivo é, ademais, expressa em termos normativos, por força do art. 1.040 do Código Civil, que manda aplicar às sociedade coletivas regramentos compatíveis com a sua irmã, ou seja, a sociedade simples. Da mesma forma, e por via reflexa, segue idêntica situação a comandita simples, em interpretação do art. 1.046 do Código Civil.

160. Da sociedade simples no Código Civil de 2002

Em sede de ordenamento jurídico pátrio, a sociedade simples é uma aberração. Despida de fundamento para sua chegada ao Código Civil, se não fruto de irresponsável aproximação aos outros sistemas jurídicos, a disciplina da sociedade simples só aprontou imensa baralhada, afugentando tudo que já havia sido elaborado sobre as sociedades civis que funcionavam perfeitamente. Dentre as catástrofes provocadas pelo Código Civil de 2002, talvez nada consiga superar o equívoco que é

a disciplina desse tipo societário. Com isso, é de lamentar a sua presença. E sem falar das baralhadas do Código sobre os contratos mercantis, nos títulos de créditos, nas sociedades limitadas.

161. Da sua origem histórica

A categoria das sociedades organizadas sobre a base pessoal resulta nas sociedades simples, em nome coletivo e comandita simples. A expressão sociedade simples derivou do Código suíço e está consubstanciada em exprimir o nível elementar desse tipo de sociedade e a falta de publicidade dos seus atos. A sociedade simples é precisamente um tipo de sociedade criado para o exercício de uma atividade econômica que não seja qualificada pela lei como comercial. Na intenção do legislador do Código Civil da Itália, em 1942, o campo de aplicação da sociedade simples é aquele da economia agrária.1 A sociedade simples tem essa denominação decorrente do seu caráter elementar para atividades de pequena monta. O objeto social da sociedade simples pode consistir em qualquer atividade econômica que não se materialize em uma atividade empresarial. Assim, a sociedade simples será o formato mais adequado para as atividades direcionadas às atividades agrícolas, e para esse tipo de sociedade não é obrigatória sua inscrição no Registro das Empresas, salvo quando escolhida a forma de qualquer tipo societário empresarial.2 É realmente impressionante e trágico ver como o legislador pátrio, nos anos de 2002, sob a égide de um “novo” Código Civil, foi disciplinar uma figura societária tão arcaica, atrasada e irrelevante como a sociedade simples, alçando esse tipo societário como modelo para outras sociedades, inclusive a limitada (art. 1.053). Tal perspectiva é muito restritiva sobre a verdadeira origem desse tipo societário. O que o Código Civil fez foi destruir a disciplina das antigas sociedades civis, que tão bem funcionavam, nas suas respectivas atividades, criando dissonância nos postulados jurídicos então vigentes em sede de ordenamento jurídico pátrio.

162. A sociedade simples não é sociedade empresária

Considera-se empresária a sociedade que tem por objeto exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro; e simples as demais. Diz o exímio BRUNETTI que o objeto social da sociedade simples pode consistir em qualquer atividade econômica que não se materialize em uma atividade empresarial, e, com isso, fica excluído do objeto social da sociedade simples qualquer daqueles privativos das sociedades empresárias.

3 Com efeito, na legislação italiana são atividades que conformam o objeto social das sociedades simples aquelas vinculadas ao fenômeno da empresa agrícola, nos termos do art. 2.135 do Codice Civile, com redação alterada pelo Decreto legislativo 228, de 18 de maio de 2001. O art. 2.249 do Codice Civile é bem claro sobre essa situação, ao dizer que as sociedades que tenham por objeto exercício de uma atividade diversa – ou seja, diversa daquela atividade empresarial – são reguladas pelas disposições sobre a sociedade simples, a menos que os sócios queiram constituir a sociedade segundo um dos tipos societários previstos para as sociedades empresárias. Por conseguinte, no caso das atividades agrícolas fica entregue ao sócio a escolha do tipo societário, podendo se valer da sociedade simples ou daquelas de tipo empresário. Se o sócio optar pela forma do tipo societário exclusivo dos empresários, a sua sociedade, independentemente do objeto social, será sempre considerada empresária. Essa é a interpretação que emerge do próprio texto legal (art. 984, C.C.), quando diz: A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária. Ocorre que, na prática italiana, o objeto social da sociedade simples tem em consideração histórica a atividade agrícola.

Tal fato explica a colocação do art. 984 do Código Civil, logo no abrir do Título II “Da sociedade”, quando se está no capítulo do “Direito da Empresa”.

1 FERRI, Giuseppe. Diritto commerciale, cit., pp. 216/217.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 346.

3 Trattato, cit., vol. I, p. 461.

163. Do registro da sociedade simples

Nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede, nos termos do art. 998, caput, do Código Civil. O fato de a inscrição ser feita na esfera do Registro Civil denota, claramente, o matiz não empresário da sociedade simples. Isso em sede de ordenamento jurídico pátrio, fruto e consequência do equívoco que foi a introdução da sociedade simples na legislação do país. A sociedade simples recebeu a conotação de sociedade civil para distingui-la das sociedades empresárias. Tal fato decorre da interpretação do art. 982 do Código Civil, quando diz: Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e simples, as demais. O que merece interpretação é a expressão e simples, as demais. Ora, na prática societária do país, o elenco de sociedades que não desempenham atividades empresariais é grande, e antigamente – antes da entrada em vigor do novo Código de 2002 – eram denominadas sociedades civis.

Porém, na prática italiana, quando o legislador de 1942 disse “le società che hanno per oggetto l’esercizio di una attività diversa (ou seja, agrícola) sono regolate dalle disposizione sulla società semplice”, especificou, acertada e claramente, a sociedade da qual estava falando e, principalmente, a qual objeto social se refere essa sociedade. O Código Civil de 2002, nessa parte, é oblíquo, e não sai do lugar por conta da redação dos artigos 966, parágrafo único, e 982, ao passo que é um caso de declinação gramatical que não serve de sujeito, porque está em oposição ao nominativo.

Se não bastasse isso, o referido texto normativo equipara atividade “simples” com as das cooperativas, conforme art. 982, parágrafo único. A baralhada de conceitos é total, fruto da transliteração de institutos jurídicos distantes da realidade dos negócios societários do país. O Codice Civile, acertadamente, já determinava que, supletivamente, deveria ser aplicada à cooperativa a normativa das sociedades por ações. Da mesma forma, o ato de constituição da cooperativa também pode prever, se assim forem compatíveis, as normas da sociedade limitada que sejam aplicadas nas cooperativas com um número de cooperados inferiores a vinte ou com ativo não superior a um milhão de euros. Bem fez o monumental Codice Civile, que disse, expressamente, quais são as atividades empresariais sujeitas ao Registro (art. 2.195), dissipando dúvidas e explicitando o objeto social da sociedade simples.

164. Dos requisitos obrigatórios do contrato social da sociedade simples

A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III –capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária; IV – a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la; V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais, conforme art. 997 do Código Civil. Aos requisitos gerais dos negócios jurídicos exigidos acrescem aqueles específicos das sociedades, como elementos do contrato societário plurilateral, da sua forma, e dos requisitos para sua regularização na ordem jurídica (inscrição no Registro competente).1 Em sentido amplo, o contrato social deve estabelecer quais sócios têm a administração e a representação da sociedade; a sede da sociedade e as suas filiais. A indicação da sede principal é determinante para sua inscrição no Registro das Empresas; para determinar o juízo competente para decretação da falência; o objeto social, ou seja, a espécie de atividade que será exercida; os bens, valores ou efeitos conferidos ao patrimônio social; as regras segundo as quais os lucros serão distribuídos e a quota de cada um nos lucros e nas perdas, etc.

1 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 32.

165. Das obrigações dos sócios

Com efeito, a administração da sociedade é sempre um dever, uma obrigação, um poder-dever. Na sociedade simples esse fator é ainda mais gritante pelo fato de que a administração compete exclusivamente aos sócios. Desta feita, podem confluir na sociedade simples órgãos administrativos, mas a administração é propriamente feita pela pessoa dos sócios, e não por órgão diretivo que não seja composto por sócios. Tal interpretação decorre dos artigos 1.013 e 1.018 do Código Civil. O legislador entregou aos sócios como os naturais administradores com a finalidade de equilibrar a conseqüência lógica da responsabilidade ilimitada que os próprios sócios têm em relação aos terceiros, ou seja, pelas obrigações sociais. As principais obrigações dos sócios são, portanto, as seguintes: a) a sua contribuição (quota) ao capital social; e as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; b) administrar pessoalmente a sociedade. Essa característica, ou seja, da administração como um dever de sócio, é atinente às sociedades de pessoas, e nitidamente a sociedade simples entra na esfera das sociedades personalíssimas. Por conseguinte, as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (art. 1.001). E, ademais, diz o art. 1.004 que os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031 do Código Civil. Com efeito, todo contrato de sociedade deve indicar seu objeto social, ou seja, o específico tipo de atividade econômica que os sócios pactuaram para exercitar em comum entre eles. O conferimento dos bens é uma obrigação natural da qualidade jurídica de sócio, e sua não-realização acarreta-lhe conseqüências várias, entre elas a responsabilidade ilimitada. Enquanto não realizado o aporte, o sócio responde ilimitadamente. Essa característica não é uma sanção contra o sócio, mas uma simples consequência. Assim, pode-se dizer que sua contribuição é a sua própria responsabilidade ilimitada, o que pode ocorrer em sociedades que não precisam, necessariamente, de fundo social para poder funcionar ativamente. Neste caso, a sociedade funciona e poderá ser titular de patrimônio social, que é um de seus elementos estruturais, mas que não requer, antes, a presença de um fundo social. Na hipótese, o patrimônio social advirá, como na imensa maioria das vezes, da atividade exercida. Não se pode olvidar que a sociedade simples é sociedade não empresária. Nela entram sócios que realizam atividade econômica, e pode ocorrer que o conferimento desse sócio seja o seu próprio serviço. Nessa qualidade de sócio, o fundo social não é requisito fundamental para a constituição da sociedade. Como regra geral, a contribuição em bens do sócio pode ser feita de duas formas: i) na primeira transfere a titularidade do bem para a sociedade, e neste caso a sociedade será a proprietária do bem, com todas as suas prerrogativas, e o sócio pode responder pela evicção. Finda a sociedade, o patrimônio social será liquidado entre os sócios; b) o sócio transfere o uso ou gozo do bem em favor da sociedade, na qualidade de empréstimo gratuito ou usufruto. Nesta última hipótese, finda a sociedade, o sócio tem direito a restituição do bem. Se o bem pereceu ou se deteriorou por culpa dos administradores, tal sócio tem direito ao ressarcimento do dano que lhe foi causado (art. 2.281 do Codice Civile). Porém, se o conferimento se fez por empréstimo gratuito ou usufruto, perecendo a coisa sem culpa dos administradores, mas por fatos alheios à sociedade, o sócio perderá a qualidade de sócio e será excluído da sociedade, não participando da liquidação, até o limite do conferimento, se a sociedade entrar em dissolução e posterior liquidação. Contudo, neste caso, o sócio que teve o bem em perecimento pode integralizar a parte que lhe competia, e que ficou faltando em razão do referido perecimento, desde que assim seja previsto pelo contrato social ou por aprovação dos demais sócios. Não se caracterizaria aumento de capital, e, portanto, no silêncio do contrato, não é necessária a unanimidade dos sócios na aprovação dessa integralização e nem enseja recesso. De uma forma ou de outra, depois de efetivado o conferimento, o bem integra o patrimônio social, aqui com referência na qualidade de bens, efeitos e dinheiro que estão sob a administração da entidade societária, e os sócios dele não podem mais reclamar, na qualidade que agora são pessoas distintas da sociedade. Na jurisprudência italiana pode se encontrar interessante caso de conferimento de bens, nos termos em que: a construção de um edifício por parte dos sócios de uma sociedade em nome coletivo sobre o terreno de propriedade da sociedade implica a aquisição da propriedade do inteiro edifício por parte da sociedade, seja esse edifício construído com dinheiro da sociedade ou dos sócios, hipótese essa que se enquadra, perfeitamente, no instituto do conferimento social. Portanto, a sociedade adquire a propriedade do inteiro edifício para perseguir seu fim social e como patrimônio social serve de garantia perante terceiros.1 Essa também se fosse uma sociedade simples.

1 Cass. civ., sez. II, 4 marzo 2000, n. 2487; cf., BARTOLINI, F e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1986.

Na qualidade de administrador de fundos sociais, os administradores são obrigados a prestar aos sócios as contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico (art. 1.020). Outra obrigação é aquela na qual o sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído (art. 1.006). Fato determinante sobre essa obrigação de não fazer é que o sócio não pode, salvo expressa autorização contratual, empregar-se em atividade estranha à sociedade. Essa situação denota, claramente, o caráter pessoal da sociedade simples, admitindo, inclusive, sócio de “serviços”. De certa forma, isso remonta à antiga sociedade de capital e indústria, então prevista nos artigos 317 e seguintes do Código Comercial de 1850.

O Código Civil de 2002, nessa parte, se assemelha ao saudoso Código Comercial de 1850, quando determinava claramente que “o sócio de indústria não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em operação alguma comercial estranha à sociedade, pena de ser privado dos lucros daquela e excluído desta”. Evidentemente que a sociedade de capital e indústria era uma sociedade comercial, distinta da sociedade simples, que não é empresária. Mas, ao passo que a sociedade simples do Código de 2002 permite a participação de sócio de serviços (indústria), as referidas sociedades são, comprovadamente, bem semelhantes, em que pese a diferença entre a natureza do objeto social dessas sociedades. Na sociedade de capital e trabalho (indústria), o sócio capitalista tem direito ao integral reembolso do seu conferimento, e que o sócio de indústria participa somente na distribuição dos lucros. Isso significa que na sociedade de capital e indústria não existe communicatio ao sócio de indústria do capital conferido pelo sócio capitalista, e os valores que foram conferidos não confluem na qualidade de patrimônio comum a todos os sócios, mas permanece como seu patrimônio, ou seja, do capitalista.1 Assim, se a sociedade não produzir lucros, o sócio de indústria terá trabalhado em vão. Ao passo que, salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção média do valor das quotas (art. 1.007, C.C.).

166. Da administração da sociedade simples

Pelo fato de ser sociedade de pessoas, o legislador diz expressamente que a administração da sociedade pode ser feita, conforme estipular o contrato social, por um ou vários sócios, e inclusive estabelece responsabilidade por perdas e danos contra o administrador que realizar operações sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria (art. 1.013, § 2º, C.C.). A noção de sociedade de pessoas é ainda mais evidente nessa expressão com a maioria, que demonstra certo controle por parte dessa maioria sobre os negócios sociais, o que, nem sempre, reflete com exatidão o interesse social, que pode contrastar com a “vontade social”, ou seja, com a “vontade da maioria” do capital social. A Jurisprudência tem que ser muito equânime ao interpretar o referido texto normativo (art. 1.013, § 2º, C.C.), porque a expressão ou devendo saber que estava agindo estabelece presunção em favor da maioria, mas não apenas por isso, deve ser justa na interpretação porque tal regra não é nada mais que uma alusão temerária ao conceito de vontade social, a qual pode, inclusive, ser eivada de defeitos na manifestação de vontade, bem como sobre o conteúdo da administração social.

Não sem razão se pode perquirir que a regra “devendo saber” tem, no seu interior interpretativo, presunção contrária ao sócio minoritário, o que não pode ser visto como algo merecedor de maiores confluências porque se espera que o administrador esteja sempre de boa-fé, observando o dever de diligência e probidade. Portanto, se o administrador agiu de boa-fé, no interesse da sociedade, com observância da regra e dos princípios administrativos de diligência e probidade, não há que falar em responsabilização por perdas e danos, porque seria extrapolar a noção de responsabilidade societária nesses casos, principalmente pelo matiz pessoal que é intrínseco às sociedades simples. Com efeito, a administração é a atividade de execução do contrato social para direcionar e realizar o interesse pelo qual o contrato social foi concluído: é a atividade de gestão da empresa social.2 Seguindo as palavras de FRANCESCO GALGANO, característico da sociedade simples e, em geral, das sociedades de pessoas, é que a administração da sociedade compete

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 149/150.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 163 e ss.

aos sócios: o poder de administração se apresenta, nestas sociedades, como um atributo inerente à qualidade de sócio, e cada um pelo fato de ser sócio é, também, administrador da sociedade. Na legislação italiana, Codice Civile, a estrutura administrativa das sociedades se apresenta dividida em: i) administração disjuntiva; ii) conjunta. Nos termos do art. 2.257, “salvo diversa pattuizione, l’amministrazione della società spetta a ciascuno dei soci disgiuntamente dagli altri. Se l’amministrazione spetta disgiuntivamente a più soci, ciascun socio amministratore há diritto di opporsi all’operazione che un altro voglia compiere, prima che sia compiuta. La maggioranza dei soci, determinata secondo la parte attribuita a ciascun socio negli utili, decide sull’opposizione”. Conforme se percebe, a regra geral é que a administrção da sociedade compete a cada um dos sócios individualmente, salvo diversa pactuação em contrário, prevista pelo contrato social. Se assim for, ter-se-á administração conjunta, ao passo que “se l’amministrazione spetta congiuntamente a più soci, è necessario il consenso di tutti i soci amministratori per il compimento delle operazioni sociali. Se è convenuto che per l’amministrazione o per determinati atti sia necessario il consenso della maggioranza, questa si determina a norma dell’ultimo comma dell’articolo precedente. Nei casi preveduti da questo articolo, i singoli amministratori non possono compiere da soli alcun atto, salvo che vi sia urgenza di evitare un danno alla società” (art. 2.258, Codice Civile).

Se a administração, nos termos da legislação italiana, compete conjuntamente a vários sócios, é necessário o consenso de todos eles para a realização das operações sociais, e nesses casos os administradores não podem praticar isoladamente os referidos atos, salvo quando exista urgência para evitar dano contra a sociedade. O Código Civil de 2002, nos artigos 1.013 e 1.014, recepcionou a regra da legislação italiana, o que vale para todas as sociedades previstas no referido Código, exceção feita na sociedade em comandita simples pelo fato de que ao sócio comanditário é tolhida a função administrativa, sob pena de assumir responsabilidade solidária e ilimitada por todas as obrigações sociais. Idêntica exceção se opera na sociedade em conta de participação, quando o sócio participante não exerce a administração da sociedade, sob os mesmos efeitos. Ademais, a sociedade em conta de participação é sociedade oculta, e somente o sócio ostensivo tem a prerrogativa de exercer a administração perante terceiros. A característica que a administração da sociedade compete a cada um dos sócios separadamente é corolário da responsabilidade ilimitada que esses sócios têm perante terceiros. Por conseguinte, obviamente aquele que entra em sociedade de responsabilidade solidária e ilimitada assume a administração da sociedade. Somente um incauto entraria em tal tipo societário sem ter para si próprio a prerrogativa de administrar a sociedade, entregando-a a terceiro ou unicamente aos demais sócios com pactuação de limitação de responsabilidade. Com efeito, há uma correlação absoluta, nas sociedades de pessoas, entre administração da sociedade e responsabilidade ilimitada. Essa correlação se acentua na administração disjunta, mas não é menos relevante na administração conjunta da sociedade. Na primeira, qualquer sócio tem competência administrativa separadamente. Na segunda, os sócios, alguns ou todos, mantêm como sócios a qualidade de administradores, mas por expresso regramento contratual decidem que a administração da sociedade será feita de maneira conjunta entre eles. O sistema administrativo das sociedades de pessoas, conforme previsto no atual Código Civil, contempla a figura da administração disjuntiva e conjunta entre os sócios. O referido sistema, ainda que dividido nessas duas variantes, mantém a característica de que todos os sócios ilimitadamente responsáveis têm a prerrogativa de administrar a sociedade; mas essa divisão de estruturas administrativas se difere uma da outra pelo fato de que, segundo o sistema disjuntivo, o poder de administração é atribuído por inteiro individualmente aos sócios e pode ser individualmente exercitado por cada um dos sócios. Pelo outro lado, no sistema disjuntivo, a administração compete coletivamente ao grupo de sócios e pode ser exercitado por eles apenas coletivamente. Seguindo a esteira de FRANCESCO GALGANO, uma deliberação do grupo de sócios assume, em relação ao sistema da administração disjuntiva, apenas um caráter eventual, que pode ser derivado da oposição dos demais sócios ou para um determinado ato específico. Ao contrário, no sistema da administração conjunta, toda operação social e administrativa deve passar pela deliberação do grupo de sócios, seja por unanimidade ou, se previsto pelo contato social, por maioria de votos.1 Neste passo, GALGANO firma, com exatidão, o critério que distingue uma forma administrativa da outra, perfazendo sistemas autônomos e de competências específicas, na qualidade de órgão social. No entendimento da administração disjuntiva e conjunta (artigos 1.013 e 1.014, C.C.), é imperioso seguir a preciosa lição do referido mestre. Na administração disjuntiva não está implícito o consenso anterior dos demais sócios, nem mesmo de maneira tácita. O fato de o sócio concluir individualmente negócio jurídico em nome e por conta da sociedade não significa manifestação consensual implícita dos demais sócios, ou menos ainda que esse teria relação de mandato, como se fosse um mandato coletivo.

O sócio, na administração disjuntiva, não precisa dar notícia aos demais sócios sobre a negociação social que pretende concluir. Esse é um poder administrativo seu, individual, e funciona como órgão administrativo individual da sociedade.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 164 e ss.

O regime de affectio societatis informa que há profunda confiança entre os sócios, de tal ordem que essa confinaça se exterioriza sobre a administração, bem sabendo que o limite natural contra possíveis atos lesivos à sociedade será a própria responsabilidade ilimitada. Por conseguinte, nas sociedades simples, sempre exerce administração o sócio que tem responsabilidade ilimitada, e sobre esse sistema se efetiva a administração disjuntiva. Por sua vez, na sociedade simples, a lei permite que os sócios estabeleçam a cláusula de responsabilidade limitada, por mandamento do art. 997, VIII, ao dizer que a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais. Assim, na sociedade simples com cláusula de responsabilidade limitada a administração será de natureza coletiva. A regra “a cada sócio compete administrar individualmente a sociedade” tem lugar classicamente nas sociedades de responsabilidade ilimitada. O desenvolvimento da atividade econômica acabou por influenciar a execução do contrato social, ou seja, o lado jurídico da sociedade. Nesta perspectiva, ainda que na teoria clássica tenha lugar a administração individual somente nas sociedades de responsabilidade ilimitada e solidária, a prática, até nas sociedades limitadas, emprestou efeitos aos contratos sociais nos quais se admite administração disjuntiva nesses tipos societários (sociedade limitada e sociedade simples com cláusula limitativa de responsabilidade). Conquanto os fatores econômicos sejam relevantes, na sociedade simples sem cláusula limitativa de responsabilidade a administração será disjuntiva (individual). Na sociedade simples com cláusula de limitação de responsabilidade a administração tende a ser coletiva, mas, por razões de ordem prática e de interesse social, se aceita que os sócios estabeleçam administração disjuntiva, bem sabendo dos riscos que estão entrando. Na administração disjuntiva, como já se disse, tal sócio não conta com o consenso antecipado dos demais sócios ou com aceitação tácita. O sócio assume, individualmente, a administração da sociedade na qualidade de órgão social. Como órgão da sociedade, sua figura entra na esfera de atribuições, deveres e competências próprias, com autonomia e independência: é seu dever administrar a sociedade. Não pode transferir esse dever a terceiros que não sejam sócios. No exercício individual da sua função de administrador, o sócio tem que observar os paradigmas jurídicos desse seu poderdever, entre eles: boa-fé; lealdade; diligência; probidade. Se o administrador não cumpre seu dever observando esses paradigmas, a conseqüência é imediata: responsabilidade societária pela prática de atos lesivos ao interesse social. A oposição dos demais sócios tem duas variáveis instrumentais: i) sobre a oportunidade do negócio; ii) sobre o conteúdo negocial, ou seja, se o ato não é lesivo ao interesse social da sociedade. A oposição não é uma forma de administração disjuntiva da sociedade, feita a posteriori, mas muito pelo contrário. A legislação italiana diz, claramente, que a oposição deve ser feita antes que a negociação seja realizada pelo sócio. Após sua realização, impossível o oferecimento de oposição, mas diante da gravidade do ato negocial pode se partir para a exclusão do sócio faltoso, que agiu contra o interesse social. Os sócios que não exercem a administração têm direito essencial às informações sobre os negócios já realizados, não sobre os negócios a serem realizados ou sobre as negociações que estão em curso e em andamento. Por isso, na administração disjuntiva, em que tenha lugar uma oposição, o sócio que apresenta a oposição deve realizá-la antes que o negócio seja ultimado. O ato negocial será válido após sua realização, ou seja, seu cumprimento, o que deve observar as regras especiais dos vários tipos de contratos; por exemplo, compra e venda de bens imóveis, móveis, prestação de serviços, etc. No sistema da administração disjuntiva é possível que os sócios desconheçam as operações praticadas e a serem praticadas pelos demais sócios, mas essa é a ratio desse tipo administrativo. Ensinam os clássicos que na administração disjuntiva a vontade individual do sócio é suficiente para que a operação negocial por ele realizada tenha valor de operação social. Depois de realizado o negócio jurídico, nos limites da lei, os demais sócios não podem mais se insurgirem, societariamente, contra o sócio ou contra o terceiro: o ato é válido em todos os seus efeitos e obriga a sociedade. Se o ato, por sua vez, não tem correlação de oportunidade negocial ou seu conteúdo é lesivo ao interesse social, a exclusão do sócio pode ser feita, observando os rigores da lei. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: a) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provando-se que era conhecida do terceiro; c) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade O sócio, na administração disjuntiva, não está obrigado, para a validade do ato, a informar aos demais sócios que pretende praticar determinado negócio jurídico. Isso seria contra a lógica do sistema da administração individual. Se há desacordo entre os sócios, verificado antes da prática do ato, compete ao sócio arguir a oposição, para que em maioria ou à unanimidade, conforme o caso, decida pela efetivação ou não do negócio jurídico. Se o contrato estabelece que para a prática de algum negócio jurídico é necessária a manifestação expressa ou tácita dos demais sócios ter-se-á, sempre, administração conjuntiva, ou seja, coletiva. É desse critério que existe profunda distinção

entre os dois sistemas. Na administração disjuntiva não existe a formação de manifestação tácita dos demais sócios, aceitando implicitamente o negócio praticado, mas é verdadeiro poder-dever administrativo individual do sócio a prática do ato em questão. Então, o critério suficiente para distinguir a administração disjuntiva da administração conjuntiva não reside, em última análise, no fato em si considerado que os membros do grupo possam, segundo o primeiro sistema, agir isoladamente ou não, mas reside acima de tudo na circunstância de que cada um dos sócios está, segundo esse sistema, integralmente investido do poder de administrar a sociedade e pode, portanto, exercitá-lo independentemente de qualquer anuência ou consenso dos demais sócios, ainda que esses desconheçam a prática do ato a ser realizado.

1 O sócio não deve, na administração disjuntiva, dar notícia do seu ato aos seus sócios antes da prática do negócio jurídico. A ratio da administração separada é que o sócio efetive sua prerrogativa de sócio administrador e que exerça, efetivamente, esse seu dever, nos termos do contrato social e da lei. Em síntese, o direito de oposição, na prática, é algo bastante restrito pelo fato das participações sociais. Assim, não será possível deliberação sobre a oportunidade do negócio ou sobre seu conteúdo sempre que o sócio majoritário seja aquele que apresenta a oposição pelo fato que certamente, neste caso, tal sócio impossibilitará a prática da negociação. De modo contrário, sempre que a oposição seja apresentada pelo sócio minoritário, na sociedade com apenas dois sócios, por exemplo, a votação será sempre vendida pelo sócio majoritário, que aprovará a prática do ato jurídico. Ainda que existam vários sócios, a oposição também será vencida quando feita por sócio que tenha participação determinante, impedindo a negociação, com a aprovação da oposição. A oposição tem lugar somente no caso raro em que nem o sócio agente, nem o sócio oponente, sozinhos, têm a participação majoritária sobre a sociedade e seus lucros. Neste caso os demais sócios serão decisivos em aprovar ou rejeitar a oposição. Na prática dos acontecimentos, a oposição é medida excepcional, e não regra geral. Se há inúmeras oposições, essa sociedade deveria, na verdade, entrar em dissolução, diante da impossibilidade de atingir seu fim social e da quebra do vínculo de confiança entre os sócios. Na administração disjuntiva, como dever, o sócio deve perseguir sempre o interesse social. Por isso, o administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituílos à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação (art. 1.017, C.C.). Esse regramento tem aplicação tanto nas sociedades com administração disjuntiva quanto conjunta. Esse fator ganha relevância porque na sociedade com administração disjuntiva o sócio tem ampla liberdade, o que pode dificultar a fiscalização dos negócios por ele praticados, e, com isso, poderia facilmente lesar a sociedade. Nesta direção, importantíssima é a fiscalização dos sócios pelos atos já praticados, direito essencial de sócio, e se assim configurar a hipótese em questão terá lugar a responsabilização contra o sócio faltoso, também passível de exclusão da sociedade. Com efeito, o fato decisivo na caracterização da administração disjuntiva é que o sócio atua como órgão social, persegue o interesse da sociedade, administrando individualmente a entidade societária, cumprindo, por conseguinte, seu poderdever, nos termos da lei e do contrato social.

167. Das principais características da administração disjuntiva das sociedades

Ao que parece, o legislador conferiu, como modelo geral, a figura da administração disjuntiva nas sociedades, e o modelo da administração conjunta entre os sócios é a exceção, porém compete ao contrato social estabelecer em qual hipótese se terá a forma administrativa escolhida pelos sócios. Naquilo que se refere ao próprio conceito de administração disjuntiva, o direito de oposição dos demais sócios é uma medida ao mesmo tempo extemporânea e essencial. É extemporânea porque se espera que na administração da sociedade existam comunhão de finalidades, interesses em comum, na busca do objeto social e no fim social. Portanto, quanto mais oposições sobrevierem contra os administradores, mais debilitada será a administração dessa sociedade. Esse fato denota, ainda, quebra de parte considerável da noção affectio societatis, porque nas sociedades de pessoas, de regra, todos os sócios têm poderes administrativos, ou seja, podem assumir direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade. Neste passo, o direito de oposição assume também a condição de essencial ao conceito de administração disjuntiva. Oporse contra um ato de administração é um direito do sócio, faz parte do ordenamento jurídico societário tal medida, reflete a ordenação dos poderes sociais; com efeito, é parte integrante na espécie administrativa que compete individualmente a qualquer dos sócios.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 167.

O direito de oposição é medida societária mais recente, e não encontrava lugar no direito estatutário medieval. Nesta época a sociedade era vista como um contrato social de interesse dos sócios, e os sócios, perante terceiros, nas sociedades em nome coletivo, eram vistos como comerciantes, com plenos poderes de administração, entre si considerados e, também, perante terceiros. Parte da doutrina entendia que qualquer restrição ao poder administrativo não se efetivaria porque entre os sócios existia relação de mandato geral, recíproco entre os sócios, implícito ao contrato de sociedade. Contudo, esse entendimento não encontra grande acolhida e deve ser evitado. Na verdade, o direito de oposição é direito essencial da qualidade de sócio, e o poder de administração do sócio, na administração disjuntiva, é de tal ordem amplo, como órgão administrativo, que somente uma figura societária extrema – o direito de oposição – será suficiente em evitar a prática do referido ato negocial por parte do sócio. Com efeito, o contrato social deve especificar qual a natureza da administração, expressando a vontade dos sócios: por exemplo, quais atos são de competência individual dos sócios; quais são os de competência conjunta; a hipótese da oposição, que, bem que seja uma prerrogativa jurídica da qualidade de sócio se opor contra o ato administrativo, é razoável fazer constar no próprio contrato social o direito de oposição, por parte de qualquer sócio, contra eventual ato administrativo, garantindo o direito de oposição, na mesma qualidade de direito de sócio. Da redação do Código Civil (art. 1.015), se presume que a administração disjuntiva tem lugar somente nos atos de administração ordinária, e que a administração extraordinária será sempre, por mandamento legal, conjunta entre os sócios. Diz a lei que, no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Ao passo que a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios (art. 1.013, C.C.). Então, todo e qualquer ato de administração ordinária, no silêncio do contrato social, compete individualmente a cada um dos sócios. Porém, nos atos de administração extraordinária, notadamente empréstimo com oneração de bens imóveis, a administração é, por força de lei, conjunta. Assim, se o sócio firmar contrato de mútuo oneroso, onerando bem imóvel da sociedade, tal ato não produz efeitos contra a sociedade, e a garantia não poderá ser executada. Ocorre que a contratação de mútuo oneroso, ainda que sem a garantia real, também entra na categoria de administração extraordinária. Seguindo a interpretação do Código, no silêncio do contrato, é de concluir que ainda neste caso se faz necessária a administração conjunta da sociedade, e o ato do sócio, firmando contrato de mútuo oneroso sem garantia, não terá validade contra a sociedade.

Porém, o direito de oposição não é um sistema que confere caráter coletivo da administração: a oposição é apenas uma medida de exceção, de natureza excepcional na administração da sociedade, e não derruba a perspectiva de plena autonomia administrativa disjuntiva. Ao contário, o direito de oposição é a medida societária que reafirma os plenos poderes individuais do sócio na administração ordinária da sociedade, mas, conforme alguns casos, todos de natureza atinente à oportunidade do negócio, pode ser objeto de oposição. Então, o caráter de autonomia e independência que é característica da administração ordinária disjuntiva se manifesta no sócio como órgão da administração da sociedade, ao passo que a oposição é medida que ao mesmo tempo reafirma a natureza individual desse poder-dever administativo, mas confere aos demais sócios um direito que também é seu, ou seja, administrar a sociedade, e vetar a prática de algum negócio jurídico. Na realidade, a oposição é um embate de ordem administrativa societária, que denota e dessume poderes administrativos autônomos entre os sócios, que somente a maioria ou a unanimidade terá condição de resolver, sempre na busca do interesse social. Bem sabendo que os poderes de administração disjuntiva são autônomos e independentes, na qualidade de poder-dever, o enlace societário, na confluência de interesses administativos diversos, somente pode encontrar solução adequada dentro da própria entidade societária, ou seja, na votação entre os sócios. A administração da sociedade não tem um caráter estático e uma função de conservação de bens, nem produzir frutos, como na visão antiquada e decadente do direito civil, mas, ao contrário, a administração da sociedade busca lucros, geração de riqueza sobre bens, direitos e efeitos, e por isso sua administração é sempre voltada para uma atividade lucrativa na qual se praticam atos de transformação, na disposição de patrimônio. É, verdadeiramente, nessa disposição sobre o patrimônio – administração em sentido societário – que se entende a prerrogativa do sócio como poder-dever, não encontrando sustentação na teoria do mandato, quer aceito tacitamente, ou de matiz recíproco entre os sócios. Os direitos e deveres de sócio não entram na categoria de representação porque a administração deriva da estrutura da própria sociedade, onde se pode afirmar que os administradores são investidos de um poder de organização. Com efeito, nas sociedades de pessoas o direito de administrar a sociedade é uma prerrogativa do sócio, que advém do contrato social, é um ponto sobre o qual incide o contrato societário, ao passo que atribui um direito permanente e uma obrigação em administrar a entidade social.

Na administração da sociedade os sócios assumem e representam interesse próprio da sociedade, e não interesse próprio. Por esse fato, e por outros, as infrações por eles praticadas, na condução administrativa da sociedade, possibilitam aos demais sócios requererem a exclusão do sócio faltoso. A lesão ao interesse da sociedade se manifesta na lesão do seu patrimônio, na prática de atos contrários aos interesses negociais da sociedade, por corrupção, descumprimento dos deveres de sócio, etc. Pode caracterizar fato que enseja exclusão da sociedade a recusa do sócio comanditado em fornecer, no tempo marcado pelo contrato social, as demonstrações contábeis sobre os negócios já realizados ou que apresente demonstrações contábeis equivocadas ou sem observar os rigores das regras contábeis na confecção do balanço social. Esses são deveres não disponíveis por parte dos sócios; na verdade, são obrigações sociais de interesse público (tributação) e particular (demais sócios). O exímio BRUNETTI comenta que – no capítulo da oposição – confere ao sócio o poder de impedir que se realizem atos eventualmente prejudiciais ao patrimônio da sociedade e sobre a utilidade e conveniência do ato decidirá a maioria. Desta feita, ensina o mestre, o jus prohibendi, che risale al romano prohibendi potius quam faciendi jus est in socio encontra justificação no evidente caráter familiar da sociedade simples, e da recíproca confiança entre os sócios. Ainda se a oposição acaba provocando resistências e conflitos, o veto da maioria consegue, todavia, evitar a prática de atos perigosos e danosos, funcionado, assim, como controle sobre a administração.

1 Se a oposição é feita depois que o contrato foi assinado pelo sócio, essa não surtirá efeitos, padecendo de intempestividade. A lei diz (art. 1.013, § 1º) que se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios por maioria de votos. No caso em questão, o contrato já foi firmado: portanto, se observados os rigores da formação e da manifestação de vontade contratual, o ato assinado pelo sócio tem plena validade e obriga a sociedade contra terceiros.

A regra do art. 1.013, § 2º, do Código Civil, diz: “Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria.” Esta regra, acima referida, não é totalmente acertada: o sócio, na administração disjuntiva, tem plenos poderes administrativos, e não deve dar notícia, anteriormente, dos seus atos aos demais sócios. Se não fosse assim, ter-se-ia administração conjunta. Na sociedade simples, na hipótese aventada, não teria lugar um “acordo de sócios”, com diretrizes de votos, assemelhável ao acordo de acionistas, nas sociedades anônimas. O referido art. 1.013, § 2º, do Código Civil admite, equivocadamente, presunção contra o sócio, ao estabelecer: “Devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria.” Ora, é realmente equivocada a regra. Quem disse que a maioria é titular única e perfeita do que seja a vontade social na administração disjuntiva? Ademais, quem disse que essa maioria não esteja mancomunada em atos de corrupção contra o sócio individualmente considerado? Seria, com efeito, a ditadura da maioria, porém, nesse fato, agravado pela questão da responsabilização pelas perdas e danos. Contra isso a interpretação tem que se alinhar nas fileiras dos postulados clássicos da administração disjuntiva, bem sabendo dos plenos poderes que o sócio desempenha da condução dos negócios sociais, sempre de maneira individual e autônoma, na busca do interesse social. O sócio somente responderá e poderá ser excluído da sociedade por justa causa, e tem responsabilidade estabelecida em lei (artigos 1.011, 1.012, 1.016 e 1.017, C.C.). A oposição deve ser feita antes que a negociação seja concluída. Se firmado o contrato, inútil é a opos ição, ainda que o contrato seja de execução continuada e diferida no tempo. Nesta seara têm aplicação as regras gerais da formação dos contratos e dos atos e negócios jurídicos. A regra societária da oposição somente se perfecciona se feita antes da formação do vínculo jurídico entre a sociedade e o terceiro. Esse vínculo tem natureza obrigacional, mas não somente. Pode também ser decorrente de qualquer manifestação de vontade, dentro de direito privado ou público. A figura jurídica da administração disjuntiva tem natureza eminentemente mercantil. Já nas sociedades coletivas da Idade Média se notava essa característica, quando em nome comum a sociedade se obrigava perante terceiros, ao lado da responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios. As sociedades civis de origem romana, por outro lado, tinham a característica da administração conjunta, decorrente da noção civilista da administração da propriedade comum, ou seja, do condomínio. Com efeito, dizia a lei que: São dívidas da sociedade as obrigações contraídas conjuntamente por todos os sócios ou por algum deles no exercício do mandato social. O revogado Código presumia a aceitação tácita ou o mandato recíproco entre os sócios – interpretação hoje evidentemente desautorizada. Por sua vez, esclarecendo alguns aspectos, o antigo Código Civil dizia (art. 1.384) que se a administração se incumbir a dois ou mais sócios, não se lhes discriminando as funções, nem declarando que só funcionarão conjuntamente, cada um de per si poderá praticar todos os atos que na administração couberem. Nos termos do art. 1.385, dizia que, estipulando-se que um dos administradores nada possa fazer sem os outros, entendese, a não haver convenção posterior, obrigatório o concurso de todos, ainda ausentes, ou impossibilitados, na ocasião, de prestá-lo, salvo nos casos urgentes em que a omissão, ou tardança, das medidas pudesse ocasionar dano irreparável ou grave.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 357/358.

E, conforme o art. 1.386, I, em falta de estipulações explícitas quanto à gerência social: presume-se que cada sócio tem o direito de administrar, e válido é o que fizer, ainda em relação aos associados que não consentiram, podendo, porém, qualquer destes opor-se antes de levado o ato a efeito. Percebe-se que o referido Código Civil já estipulava, para a sociedade civil, a forma de administração disjuntiva (artigos. 1.384 e 1.386) e a administração conjunta (art. 1.385). O legislador de 1916 dizia corretamente que a oposição deveria ter lugar antes de levado o ato a efeito, ou seja, antes de sua conclusão, em termos jurídicos, sobre a formação do negócio jurídico. Administração disjuntiva é sinônimo prático de ius mercatorum, ou seja, da sociedade formada entre sócios mercadores. Na administração se tem, ao contrário, premissas históricas de società civili, correlacionadas ao direito romano. Não é por outro motivo que na sociedade em nome coletivo – tipo societário eminentemente mercantil – a administração é disjuntiva. Então, nas sociedades empresárias, previstas pelo Código Civil, a regra geral será da administração disjuntiva, quando o poder-dever de administração incide sobre o sócio, como prerrogativa jurídica que deve ser efetivamente exercida. Na sociedade simples – que tem natureza econômica, porém não empresarial – a administração será, via regra geral, conjunta entre os sócios. Contudo, nada impede o contrário, até pelo fato de que pelo desenvolvimento da sociedade simples na seara econômica, ainda que não tipicamente mercantil, se faça necessária administração disjuntiva, quando o interesse do capital encontra o interesse dos sócios, na agilidade administrativa. O interesse do capital (econômico) encontra sempre o interesse dos sócios – ainda na sociedade simples – na medida em que vai perseguir uma valorização e geração de riqueza. Na antiga sociedade civil permeava o interesse do sócio naquele da conservação da riqueza, que se enquadrava nos limites clássicos de usar e gozar, fazendo os frutos frutificarem, noção típica das regras de origem romana. Nas sociedades, entre elas a sociedade simples, impera a atividade lucrativa: neste passo, a administração disjuntiva é útil como instrumento societário para alcançar o objeto social da sociedade, tudo na busca de finalidade lucrativa. Desta feita, a regra geral, por força de lei, é administração disjuntiva; compete ao contrato social estabelecer regramento contrário, determinando a administração conjunta. Nas sociedades tem lugar o princípio da independência administrativa dos administradores, que se perfaz no modelo societário da administração disjuntiva. O Código Civil (art. 1.013) consagra essa forma administrativa como instrumento societário em favorecer o sistema capitalista e econômico, correlacionada ao fato da multiplicação da riqueza. A regra geral da administração disjuntiva tem para a administração das sociedades o mesmo efeito que o princípio da maioria tem para as deliberações societárias. Com efeito, administração disjuntiva e maioria nas votações confluem ao mesmo sistema societário, que favorece a produção da riqueza e a profissionalização na administração. O limite ao sistema, pela tese estática, característica da administração conjunta, tem lugar quando do próprio interesse dos sócios, ou seja, na formulação do contrato social. Nada dispondo o contrato social, a administração será sempre disjuntiva. O Código Civil de 2002, mais uma vez, olvidou o sistema, pelo menos em parte. Determina o Código Civil, com acerto, que quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. Contudo, as modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. O mais adequado seria se o Código tivesse sufragado, com exatidão, a tese da confluência entre administração disjuntiva e deliberação majoritária, em todos os seus efeitos. A reforma de 2002 foi, então, parcial. Já existia o regramento que: se a administração se incumbir a dois ou mais sócios, não se lhes discriminando as funções, nem declarando que só funcionarão conjuntamente, cada um de per si poderá praticar todos os atos que na administração couberem (art. 1.384 do revogado Código Civil). A regra do art. 1.013 do atual Código Civil apenas fez uma síntese da legislação italiana, que, nesta oportunidade, era assemelhável ao art. 1.384, que se mencionou acima. Como pode se notar, várias são as características da administração disjuntiva nas sociedades, notadamente nas sociedades simples. Talvez, a principal característica desse modelo administrativo seja a sua derivação das sociedades empresariais, o que emerge como instrumento de geração de riqueza dentro de uma estrutura de organização profissional. Por conseguinte, ainda na sociedade simples, quando da responsabilidade ilimitada, a administração terá sempre matiz individual, ou seja, disjuntiva. O sucesso dessa forma de administração é de imensa grandeza que pelo pragmatismo mercantil se assentou que nas sociedades limitadas a administração também será disjuntiva pelos ganhos econômicos que dela decorre na prática capitalista. Foi uma verdadeira lei de utilidade que fez emergir a aplicação da administração disjuntiva nas sociedades limitadas, ou seja, quando os sócios não correm os riscos da responsabilidade solidária e ilimitada, fato esse que por si só já funciona como elemento limitativo às eventuais decisões perigosas e pouco cautelosas que um determinado sócio pode empreender, ainda que perseguindo o interesse da sociedade. Então, ainda nas sociedades simples limitadas, há correlação de aplicação prática da regra da administração disjuntiva, restando a administração conjunta para situações atípicas, que no fim das contas acabam entrando naquilo que se diz

administração extraordinária. Da redação do atual Código se pode inferir que entram na administração disjuntiva apenas os atos de administração ordinária, e não os atos de administração extraordinária – contudo, ainda tem expressão o entendimento que vai noutra direção, ou seja, que sob o império do atual Código, por interpretação do direito comparado, se aceitaria que até nos atos de administração extraordinária, no silêncio do contrato, a administração seria disjuntiva, feita exceção ao que diz o art. 1.015 do Código. Com efeito, no silêncio do contrato social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir (art. 1.015). A questão que merece interpretação é se o referido art. 1.015 suporta interpretação extensiva ou restritiva, ou seja, se a regra da maioria teria lugar em todo e qualquer ato que, de uma forma ou de outra, não entrasse no objeto social. Se o objeto social da sociedade simples for uma atividade artística, os administradores poderiam assumir direitos e obrigações atinentes ao referido objeto social, como, por exemplo, contratar artistas, organizar eventos sociais, contratar teatros para a apresentação artísticas das suas belas atrizes, etc. Os atos de disposição patrimonial dessa sociedade, bem como a contratação de empréstimos, somente poderiam ter lugar se autorizados pela maioria dos sócios, sob pena de não produzir efeitos contra a sociedade. No direito comparado as soluções são contrastantes. Em interpretação consentânea com a realidade pátria, evitando as fraudes de toda ordem, notadamente nas sociedades simples, a solução mais adequada seria pela interpretação extensiva do art. 1.015 do Código Civil, abrangendo todos os atos de administração extraordinária, bem como aqueles determinados pelo próprio contrato social. O fato de a inscrição da sociedade simples se dar no Registro Civil das Pessoas Jurídicas –ainda que por definição pública – e pelo princípio da proteção ao terceiro de boa-fé induz pela interpretação extensiva. Bem sabendo que as sociedades existem para multiplicar o capital, e os empréstimos servem, em grande parte, para os investimentos da própria sociedade, seria aceitável ter na administração disjuntiva a razão de ser desse fenômeno, não servindo administração conjunta de caráter conservativo do patrimônio social. Conquanto essa ressalva, e bem sabendo da situação efetiva da administração das sociedades, ainda que os empréstimos em questão não venham lastreados por garantia real, no silêncio do contrato, deve se ter como ponto de partida que o órgão social existe para atingir o fim social, perseguindo o objeto social, em atos e negócios jurídicos correlacionados diretamente ao seu referido objeto social, e que os demais refogem dessa qualidade, e, por conseguinte, o sócio não teria a prerrogativa de firmar contratos de empréstimos sem a decisão majoritária ou unânime entre eles. Essa interpretação tem lugar nas sociedades simples, em nome coletivo e limitadas. Nas sociedades em conta de participação o sócio ostensivo tem plena independência administrativa, entre elas atos negociais dessa natureza. Nas sociedades em comandita simples o comanditário também é sócio administrador em sentido pleno, incluindo as operações financeiras de toda ordem.

Por conseguinte, no silêncio do contrato social, nas sociedades simples, em nome coletivo e limitadas, no silêncio do contrato, na prática de atos de administração extraordinária deve se perquirir sobre a manifestação dos demais sócios, seja pela via majoritária ou até pela unanimidade, se assim requerer o contrato social. Essa interpretação busca ter em consideração o equilíbrio entre os interesses em questão, ou seja, dos sócios, da sociedade, dos credores e de terceiros.

168. Das sociedades nas quais apenas um ou alguns sócios exercem a administração

Não há obrigatoriedade que todos os sócios exerçam a administração da sociedade. O contrato social pode estabelecer que a administração será exercida por um ou alguns dos sócios. Ademais, em ato separado, pode ser nomeado um administrador.

Com efeito, a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. Diz o art. 997, VI, do Código Civil que a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições. Via de regra os administradores são nomeados no próprio contrato social. Com efeito, o administrador indicado no contrato social não é demissível ad nutum, ou seja, ao arbítrio dos demais sócios. Para sua revogação somente com justa causa: são irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios (art. 1.019, caput, C.C.). Ao contrário, o administrador nomeado em ato separado deve ser considerado como mero representante, e dessa condição poderá ser revogado a qualquer momento: são revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado ou a quem não seja sócio (art. 1.019, parágrafo único, C.C.).

Dentre as regras gerais da representação, entra a parte final do parágrafo único do art. 1.019, “ou a quem não seja sócio”, nas disposições gerais da sociedade simples, ou seja, aplicáveis inclusive aos outros tipos societários. Porém, neste caso, está-se falando unicamente de poderes de representação àqueles que não são sócios: na figura clássica de mandatários, e

não de administradores. O representante da sociedade, indicado por ato em separado, é visto pela lei como mandatário, e não tecnicamente como administrador em sentido amplo. Por esse fato, pode ser demissível – das suas funções – ad nutum. Neste caso, o poder de representação não acarreta uma diminuição da sua posição jurídica de sócio, até porque no contrato social tal sócio já havia renunciado ao poder de administração em favor de um ou alguns dos outros sócios. A revogação do poder de representação, neste caso, apenas faz as coisas voltarem ao estado anterior, quando o sócio já havia se despido dos poderes de administração, entre eles, o de representação. Nada impede que, no futuro, os sócios, reunidos, alterem o contrato social e incluam, agora, aquele sócio dentre os que exercem a administração e representação da sociedade. Com efeito, aquele que não é sócio pode ter poderes de representação, na qualidade de mandatário, demissível ad nutum, seguindo os rigores dos artigos 653-691 do Código Civil. O sócio que não tem poderes de administração poderá ter poder de representação, e poderá ocorrer a revogação desse poder a qualquer tempo, sem que isso possa, por si só, prejudicar a sua condição jurídica de sócio ou que acarreta a alteração do contrato social. No mais das vezes, esse poder de representação será por prazo determinado, mas nada impede, ao menos legalmente, que seja por prazo indeterminado. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade (art. 1.012, C.C.). A responsabilidade solidária, então, ocorre entre o referido administrador e a sociedade, ou seja, ambos respondem perante terceiros, bem sabendo que no caso do art. 1.012 se presume que a sociedade requereu a averbação. O legislador diz “antes de requerer a averbação”, o que pode se interpretar que, posteriormente, acabou requerendo a averbação. Hipótese completamente distinta é prática de atos negociais por aqueles sócios que não têm poderes de representação social: contra esses atos têm aplicação regras específicas que variam dentre os vários tipos societários, ou seja, nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples e em conta de participação, bem como nas limitadas e sociedades anônimas, operando, conforme o caso, atos praticados em ultra vires. Conquanto, é notório que uma eventual nomeação de administração por ato em separado tem caráter de duração limitada. Não há sentido realizar essa nomeação por instrumento separado supondo que tal ato se faça por prazo indeterminado, ao contrário do que ocorre com a nomeação de administradores indicados no próprio contrato social. Com efeito, a nomeação do art. 1.012 do Código Civil tem o matiz de indicar, temporariamente, um administrador, ainda que amplas e gerais sejam suas atribuições administrativas. Após essa nomeação, que por motivos exclusivamente de interesse societário se fez por ato em separado, o contrato social deve ser alterado com a inclusão definitiva do referido administrador no próprio contrato ou que não mais exerça funções administrativas na sociedade. Evidentemente que o Código não delimitou um prazo-limite sobre a nomeação em ato separado de administrador da sociedade, porém a regra geral societária é que os administradores constem do contrato social. A hipótese do referido art. 1.012 tem como função possibilitar a indicação de um sócio administrador por um determinado período. Findo esse, as coisas voltam ao estado anterior, ou, ao contrário, esse administrador assume efetivamente e por prazo indeterminado a administração da sociedade. O Código Civil da Itália assim determina, ao estabelecer que: i) a revogação do administrador nomeado no contrato social somente pode ser feita por justa causa; b) o administrador nomeado por ato em separado pode ser destituído de suas funções a qualquer momento, nos mesmos termos e condições das normas sobre o mandato (art. 2.259). Por conseguinte, o administrador nomeado por ato em separado assume as vestes de mandatário, ainda que essa nomeação seja efetivamente averbada. O requisito da averbação tem como única finalidade a proteção dos terceiros, ou seja, lhes informar que aquele administrador está representando a sociedade, assumindo direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade.

O instrumento em separado deverá especificar quais atos podem ser praticados pelo administrador. Se nesse ato vem nomeado sócio administrador, com amplos poderes administrativos, esse sócio assume a administração na qualidade disjuntiva, podendo praticar todos os atos negociais que assim entender e sem necessidade de dar notícia de seus atos aos demais sócios.

Esse instrumento em separado tem a qualidade de constituir um sócio na qualidade de sócio administrador, como órgão de administração da sociedade. A correlação que existe, neste caso, com o mandato é que o ato em separado pode ser revogado pelos sócios que conferiram a qualidade de administrador ao outro sócio. Para essa revogação não é necessário ocorrer justa causa (como no caso de sócio administrador indicado pelo contrato social). O instrumento em separado não tem a qualidade negocial de alterar o contrato social. O contrato social não suporta adendos. Se um sócio que não é administrador assume as vestes de administrador em virtude do ato em separado, o contrato social não foi alterado nem sofreu nenhum adendo, mas apenas se celebrou esse ato por mero interesse social, e que, cessada esse interesse, revogada estará a concessão da autorização administrativa. Se não fosse assim, os sócios poderiam burlar o sistema de alteração do contrato social, previsto pelo art. 999 do Código Civil, que diz, expressamente, que as modificações do contrato social que tenha por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime.

O art. 1.012 do Código Civil autoriza que seja indicado, em separado, sócio administrador, que, evidentemente, não exercia essa função na sociedade, e que, por certo, o contrato social não o elencava entre os sócios administradores. Portanto, para não se burlar a lei (art. 999), a indicação, por ato em separado, de sócio para que exerça a administração deve ter caráter temporal, atinente às questões da própria sociedade, e se correlaciona, portanto, ainda que parcialmente, com a figura do mandato, bem sabendo que esse sócio, após a investidura na qualidade de administrador, deve ser considerado órgão administrativo da sociedade. O referido art. 1.012 ainda determina que pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, o administrador nomeado por instrumento em separado responde pessoal e solidariamente com a sociedade. Então se dessume que: i) que a sociedade efetivamente requereu a averbação; ii) que o administrador praticou atos antes de requerer a averbação: na concomitância dessa situação, é como se a sociedade ratificasse os atos praticados pelo administrador realizados antes de requerer a averbação. Com efeito, o que a lei quer dizer é que esse ato tem a condição de ratificação dos atos praticados e a característica de responsabilizar tanto o administrador obviamente, mas principalmente de responsabilizar a sociedade perante terceiros. Caso contrário, ou seja, se não se requeresse a averbação do instrumento em separado, o ato praticado pelo pretenso administrador seria considerado ultra vires, sem qualquer responsabilidade contra a sociedade, e entraria nas hipóteses do art. 1.015, I-III, do Código Civil, ao determinar que o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Ainda nas referidas hipóteses do art. 1.015 do Código Civil, a sociedade pode ser responsabilizada se, expressamente, ratificar o ato praticado por aquele que não possuía os necessários poderes. Salvo essa hipótese, não há responsabilidade contra a sociedade.

Em relação ao administrador indicado em ato separado, o requerimento de averbação desse instrumento funciona como ratificação dos atos praticados pelo sócio e tem a consequência de responsabilizar a sociedade. Neste caso, os atos praticados antes do requerimento são válidos e obrigam a sociedade, e essa responde solidariamente com o sócio administrador, com referência ao princípio de proteção ao terceiro de boa-fé. Com efeito, diz a lei, os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar (art. 662, C.C.). Até o momento do requerimento da averbação, os atos praticados pelo sócio sem poderes de representação não obrigam a sociedade, e devem ser considerados ultra vires. Contudo, após o requerimento de averbação, a sociedade se responsabiliza por esses atos, integralmente, ao lado do sócio que os praticou. É nessa direção que a averbação tem efeitos de ratificação do ato praticado. O acertado é primeiro requerer a averbação do instrumento em separado indicando o sócio na prerrogativa de administrador, para que, posteriormente, tal sócio realmente leve a efeito seus poderes administrativos e de representação. Na sociedade simples, o ato praticado por sócio que não tem poderes de representação social se enquadra na regra do art. 1.015, I-III, do Código Civil, salvo: i) se a sociedade ratificar os referidos atos; b) se conferir, por instrumento em separado, devidamente averbado, poderes de representação em favor desse sócio. Se nenhuma dessas hipóteses tiver lugar, o ato não tem validade contra a sociedade simples. Presume-se, também, que a indicação por ato em separado de sócio administrador seja característica da administração disjuntiva. Salvo alguma condição específica, não teria razão conferir, em instrumento separado, poderes de representação social, em sede de administração conjunta de sócios. É bem verdade que podem ser investidos, por ato em separado, um ou mais sócios na administração, mas, salvo expresso pacto em contrário, os seus poderes administrativos são de natureza disjuntiva. Portanto, no silêncio do instrumento, ainda que um ou mais sócios sejam indicados na qualidade de sócios administradores, a referida administração, por eles levada a efeito, será sempre disjuntiva. Recapitulando, diz a lei (art. 1.022) que a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. A fonte desses poderes de administração pode ser encontrada na teoria do órgão, na medida do contrato societário como contrato de organização, na sua perspectiva plurilateral. O contrato social da sociedade simples é, por excelência, um contrato plurilateral. Com efeito, ensina o exímio TULLIO ASCARELLI , que a função do contrato plurilateral não termina, quando executadas as obrigações das partes, ao contrário dos demais contratos. No contrato societário, a execução das obrigações das partes constitui a premissa para uma atividade ulterior, e a realização desta atividade constitui a finalidade do contrato: o contrato

consiste, substancialmente, na organização das várias partes em relação ao desenvolvimento daquela atividade. Concluída a sociedade, as partes buscam organizar-se para a realização da atividade ulterior.1 No contrato social da sociedade simples a atividade ulterior que se busca não é empresarial, porém, esse fato, obviamente, não tem correlação de finalidade com a natureza jurídica do próprio contrato societário: os fatores determinantes são que a atividade seja organizada, de natureza econômica, com finalidade lucrativa, de finalidade comum, que os sócios estejam reunidos em affectio societatis, etc. A fonte, portanto, do poder de representação dos administradores da sociedade não é o mandato. Por conseguinte, equivocada e desautorizada a regra do art. 1.011, § 2º, do Código Civil, que estabelece: “Aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato.” Evidentemente que o referido art. 1.011, § 2º, reflete uma doutrina profundamente defasada, que havia na teoria do mandato a fonte jurídica suficiente em explicar a origem do poder de administração nas sociedades, e esse regramento não é mais nada do que a transliteração do art. 2.260 do Codice Civile de 1942, que determina: “I diritti e gli obblighi degli amministratori sono regolati dalle norme sul mandato.” Na qualidade jurídica de órgão, os sócios têm deveres, competências, prerrogativas, direitos, atribuições, autonomia e poderes próprios, sem vínculo de subordinação. Nessa consideração se tem o administrador na posição jurídica de sócios, fato característico da sociedade simples. Entendo que, na sociedade simples, somente os sócios podem exercer a administração da sociedade, e impraticável a contratação de terceiros para administrarem a sociedade. A administração, portanto, tem que ser feita por pelo menos um dos sócios. Portanto, o art. 1.022 se refere aos sócios administradores. A sociedade pode constituir mandatários com poderes específicos, mas que não autorizam a prática de atos administrativos. Se a sociedade simples conferir mandatos para terceiros, com amplos poderes ou com a cláusula “para efetuar a gestão dos negócios financeiros da sociedade”, ter-se-á sociedade irregular, e tal “mandatário” deve ser considerado, na verdade, sócio de uma sociedade irregular, ou seja, será uma sociedade em comum. Em sede de teoria do órgão, o administrador tem a posição jurídica e qualidade funcional para assumir direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade, como entidade jurídica distinta dos seus sócios. Na teoria do órgão se levam em consideração, basicamente, os seguintes elementos constitutivos, ou seja, órgãos: i) de deliberação; ii) de administração; iii) de controle.

O órgão de deliberação, em sede de sociedade de pessoas, notadamente a sociedade simples, se tem, pelo art. 1.010 do Código Civil, quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. A administração, como órgão social, assume relevância, dentre outros, nos artigos 1.001-1.002 e 1.012-1.022 do Código Civil.

O órgão de controle é de natureza contábil, sobre as suas funções, e tem lugar no Conselho Fiscal, expressamente previsto para as sociedades limitadas, e pode integrar, perfeitamente, o contrato social da sociedade simples. No ponto de chegada da teoria do órgão está o conflito de interesses. É razoável esperar que existam conflitos societários, atinentes ao funcionamento dos respectivos órgãos, mas o interesse social e o próprio cumprimento dos deveres funcionais de cada um dos órgãos são suficientes em reverter esse conflito que era aparente, mas que após uma análise escorreita das atribuições e competências de cada um dos órgãos, verificando de qual modo se efetivaram, se pode alcançar com exatidão o entendimento de que o conflito entre as instâncias administrativas organizacionais da sociedade encontra seu equilíbrio na busca do fim social comum.

Um exemplo sobre o conflito de vontades manifestado na condição de órgão social está no direito de oposição que o sócio pode apresentar contra ato negocial que o outro sócio pretende praticar, isso em sede de administração disjuntiva. Porém, a oposição somente pode ser apresentada por sócio administrador. A lei assim estabelece: Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos (art. 1.013, § 1º). O sócio que não exerce a administração não pode apresentar oposição. Somente administradores indicados no contrato social ou nomeados em instrumento separado podem apresentar oposição contra atos negociais pretendidos pelos outros sócios. Com efeito, o poder de oposição compete ao sócio somente enquanto ele seja sócio administrador. O Código estabelece que os sócios investidos da prerrogativa de administração – sejam nomeados pelo contrato social ou por ato em separado – estão sujeitos à oposição feita pelos outros sócios. Esse sistema tem aplicação tanto no caso de administração disjuntiva quanto conjunta. Os sócios não administradores não podem nem mesmo apresentar suas eventuais oposições quando na sociedade for indicado apenas um sócio administrador. Os sócios não administradores podem controlar o desenvolvimento dos negócios sociais, bem como ter ampla informação sobre as contas sociais; i) os sócios que não exercem a administração têm o direito de ter notícia do desenvolvimento dos

1 Problemas das sociedades anônimas, cit., p. 272.

negócios sociais; ii) de consultar os documentos relativos à administração; iii) e de obter as demonstrações contábeis e sobre a distribuição dos lucros (art. 2.261, Codice Civile). Ademais, existe outro controle sobre os administradores, nos termos do art. 2.260 do Codice Civile, ao determinar que: os administradores são solidariamente responsáveis em relação à sociedade pelo cumprimento de suas obrigações que lhe são impostas pela lei e pelo contrato social, mas a responsabilidade se estende ao administrador que demonstre estar isento de culpa. A sociedade pode, conforme o caso, processar judicialmente os sócios administradores pelos atos praticados em desconformidade ao interesse da sociedade e pelo não-cumprimento correto dos seus deveres e funções de administradores.

A cumulação da qualidade de sócio com a de administrador não impede que a irregularidade ou a ilicitude cometida pelo administrador determinem não apenas a revogação da qualidade de administrador e o exercício da ação de responsabilidade, mas também não impede a exclusão desse sócio por violação dos deveres previstos pelo contrato social, contrariando o interesse social da sociedade (Cass. civ., sez. I, 9 marzo 1995, n. 2736).1 Deve-se ter em conta que os administradores não precisam dar notícias, entre eles, do desenvolvimento dos negócios sociais; contudo, devem fornecê-las aos sócios não administradores. O contrato social pode estabelecer o dever de os administradores informarem, em reunião com épocas ajustadas anteriormente, aos sócios administradores o regular desenvolvimento dos negócios, bem como das questões financeiras da sociedade. Porém, na deliberação sobre a impugnação votam todos os sócios, administradores ou não, porque na qualidade de órgão deliberativo (art. 1.010) a lei lhes confere a prerrogativa de votar sobre as questões administrativas, e a deliberação sobre a oposição é um exemplo característico desse direito de voto, que compete ao sócio na busca do interesse social. Com efeito, é dever do sócio administrador a apresentação da impugnação diante de ato negocial que entenda não ser do interesse da sociedade, até porque como administrador tal sócio tem responsabilidade social perante aqueles que não exercem a administração, e, ademais, pelo lado prático, tem informações sobre eventuais riscos que decorrem do negócio pretendido. MODESTO CARVALHO assevera, com perfeição, sobre os poderes de representação nas sociedades limitadas, o que também pode ser aplicado ao entendimento organizacional administrativo nas sociedades simples. Ensina o mestre que tendo o Código Civil atribuído personalidade jurídica às sociedades, associações e fundações, revestiu a representação dessas entidades de caráter orgânico, e a sociedade limitada, devidamente inscrita, manifesta-se por intermédio dos seus administradores a quem o contrato social investiu dos poderes de representação perante terceiros, ao passo que esses representantes devem atuar nos limites desses poderes previstos pelo contrato social. Assim, tem-se representação orgânica, que na sociedade limitada competirá somente aos administradores incumbidos dessa função no contrato social: não há qualquer relação de mandato na espécie – a representação é orgânica porque inexistem duas pessoas, o representante e o representado, mas há apenas uma pessoa, ou seja, a própria sociedade, e, portanto, essa representação não é mandato, mas função.2 Nesta esteira tem-se que na sociedade simples, em sede de administração e representação da sociedade, os sócios administradores, investidos de poderes de representação perante terceiros, não estão vinculados, em hipótese alguma, na condição jurídica de mandatários, porém, ao revés, confluem na qualidade jurídica de órgão social de representação societária, e esses sócios têm deveres, funções e prerrogativas próprias, que derivam da sua própria função administrativa, ou seja, do exercício da sua competência funcional. Na representação da sociedade o sócio administrador exerce uma função, que na sociedade simples lhe é indelegável: ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar (art. 1.018, C.C.). O sócio investido em poderes de representação por ato em separado pode ser destituído dessa função, sem justa causa, porque anteriormente, no contrato social, tal sócio já havia renunciado ao poder administrativo, que passa, perante terceiros, pela representação social. Por sua vez, o sócio administrador, com poderes de representação previstos no próprio contrato social, somente pode ser destituído dessa sua função por justa causa, reconhecida judicialmente, isso porque seus poderes integram o contrato que originou a sociedade, e que o sócio, não havia renunciado em favor dos outros sócios, ou seja, é um direito essencial da sua qualidade jurídica de sócio, na amplitude da sua função. A justa causa que enseja a destituição das funções de representação pode ser de tal gravidade que acarretará, conforme o caso, até a exclusão do sócio, diante da quebra da affectio societatis ou por atos contrários ao interesse da sociedade, fatos que o contrato social pode especificar e impor responsabilidades sociais. A administração com representação é um poderdever funcional do sócio.

1 BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.988.

2 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 109.

Ensina a doutrina que o poder de representação é na sociedade de pessoa conatural ao poder de administração: esse, portanto, compete ao sócio administrador, enquanto tal considerado, sem necessidade de um expresso conferimento de poderes e se refere a todos os atos que entram no objeto social da sociedade. O poder de representação passa pelo poder de administração, no caso de administração disjuntiva ou conjunta.1 Nas sociedades simples, observados os rigores da lei, existem as seguintes formas de responsabilidades dos sócios, que se operam tanto na administração disjuntiva, quanto na administração conjunta: a) os sócios que têm a administração e a representação da sociedade respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações sociais; b) também respondem pessoal e solidariamente os demais sócios (que não exercem a administração), porém com pacto social podem estabelecer limitações contra essa responsabilidade e valem contra terceiros desde que devidamente inscrita no Registro da sociedade; c) os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Com efeito, há responsabilidade que se opera: i) por atos regulares de gestão, contra os administradores, se não consta limitação no contrato social da responsabilidade; ii) por atos culposos, também contra os administradores, perante a sociedade e terceiros. Na sociedade simples, a qual conta com ampla autonomia contratual, os sócios podem, ademais, pactuar limitações de responsabilidade (art. 997, VIII), que são válidas perante terceiros, se devidamente inscritas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

169. Da teoria de FRANCESCO GALGANO sobre a votação do sócio não administrador na deliberação de oposição

Como disse, supra, o sócio não administrador tem direito de votar na deliberação sobre a oposição apresentada por sócio administrador. Essa hipótese se efetiva na administração disjuntiva. GALGANO afirma, com acerto, que essa é a única hipótese em que é conferido ao sócio não administrador deliberar sobre a administração da sociedade. Em regime de administração disjuntiva, a maioria dos sócios é chamada a decidir sobre a oposição de um administrador contra a operação pretendida por um outro administrador. É significativo, entretanto, que nem mesmo nesta hipótese os sócios não administradores têm um autônomo poder de ingerência sobre a administração: eles, sócios não administradores, intervêm somente quando um sócio administrador tenha, com a apresentação da oposição, colocada referida operação social ao seu juízo.2 Seguindo o art. 2.257 do Codice Civile, pode se considerar superada a tradicional concepção da administração social como figura jurídica derivante de um mandato da sociedade, e ter a administração como órgão social, com poderes autônomos, balizados pelos deveres administrativos e sociais. A referida interpretação de GALGANO também encontra amparo em sede de ordenamento jurídico pátrio, na exegese dos artigos 1.010 e 1.013, § 1º, do Código Civil. Com efeito, diz a lei, quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um; e se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos. Portanto, seja na administração disjuntiva, como na administração conjunta, no caso de oposição, compete aos sócios (todos) deliberarem, por maioria de votos, sobre a referida oposição: essa é uma competência administrativa que decorre da lei, obrigatória. O sócio não administrador não pode ser impedido de votar nessa deliberação. Se esse sócio for impedido de votar ou se não for computado para fins de maioria, a deliberação é nula, e o ato negocial praticado deverá ser anulado judicialmente. Esse ato negocial seria o objeto da oposição. O Código Civil fala em se a administração competir separadamente a vários administradores: o que significa administração disjuntiva. Conquanto esse fato, a administração conjunta também pode ensejar oposição, notadamente pelo impasse sobre determinado ato negocial, que pode ser objeto de oposição, o que implicaria a deliberação, participando também os sócios não administradores.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale di diritto commerciale, cit., p. 244.

2 Trattato di diritto civile e commerciale, cit., vol. XXVIII, p. 186.

170. Da administração disjuntiva na sociedade simples

O sócio tem, então, a prerrogativa de administrar individualmente a sociedade, podendo assumir direito e obrigações em nome e por conta da sociedade. Todos seus atos serão considerados válidos perante terceiros, e a sociedade responde perante eles. Na administração disjuntiva o sócio pode praticar sozinho todas as operações negociais que entrem no objeto social da sociedade, sem estar obrigado a pedir a aprovação do ato aos demais sócios. Cabe aos demais sócios, conforme o caso, apresentarem, tempestivamente, oposição contra o ato a ser praticado pelo sócio. Essa oposição tem que ser feita antes da prática do ato, sob pena de ser considerada ineficiente e não produzindo efeitos contra terceiros. Ademais, a principal função da oposição é ocasionar a instalação da reunião de sócios, que por maioria decidem sobre o conteúdo e oportunidade da prática do ato. Nesta votação não se leva em consideração o voto do sócio contra o qual se argüiu a oposição, ou seja, votam apenas os demais sócios.

Tudo somado, em síntese, diz o legislador pátrio que quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um (art. 1.010).

Não se pode confundir “alterações contratuais” da sociedade que influenciam sobre a sua administração com os poderes administrativos. Os poderes administrativos envolvem a administração ordinária e extraordinária. Nas sociedades simples ou empresariais, pode existir administração disjunta (separada) ou conjunta, entre os sócios. A formação da maioria, nas matérias específicas, é uma qualidade administrativa, isso se o contrato social não eleger a unanimidade dos sócios como forma de aprovação de determinadas matérias. Com efeito, as modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Essa é a regra geral, que deve ser seguida, fielmente, nas sociedades simples, por exemplo. Nas sociedades de pessoas, o quorum da unanimidade denota tanto a confluência de vontades entres os sócios, como a consequência da responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. Portanto, a administração disjuntiva (separada) é o sistema escolhido pelo legislador como regra geral sobre a administração das sociedades simples, ao passo que o art. 1.013 diz, claramente, que “administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios”. Neste sistema os sócios são os administradores “naturais” da sociedade, instaurando uma correlação de poderes entre eles, tendo sempre em consideração o risco da atividade. Se o contrato social for silente, a conclusão é óbvia: a administração da sociedade compete separadamente a cada um dos sócios.

Assim, qualquer dos sócios tem legitimidade para desenvolver, separadamente, as operações necessárias no interesse da sociedade, sem ter que informar previamente aos outros sócios, salvo se tal sócio não for impedido, tempestivamente, pelos demais sócios, opondo-se contra a prática do determinado negócio jurídico. Essa é a regra do art. 1.013, § 1º, que, diga-se, bastante acertada, e segue a tradição da administração das sociedades de pessoas, notadamente da sociedade simples. Portanto, se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios por maioria de votos.

Como já se disse, na legislação italiana, tem a seguinte regra sobre esse fenômeno administrativo, “salvo diversa pattuizione, l’amministrazionde della società spetta a ciascuno dei soci disgiuntamente dagli altri. Se l’amministrazione spetta disgiuntamente a più soci, ciascun socio amministratore ha diritto di opporsi all’operazione che un altro voglia compiere, prima che sia compiuta. La maggioranza dei soci, determinata secondo la parte attribuita a ciascun socio negli utili, decide sull’oposizione” (art. 2.257). Os sócios, disjunta ou conjuntamente, no caso de oposição, somente podem praticar o ato objeto da oposição se existe urgência em evitar dano contra a sociedade.

Quando a sociedade simples instituir um “conselho de sócios” para administrar a sociedade, estará-se-á diante de administração conjunta, ainda que a forma escolhida para resolver as oposições seja a maioria, e não a unanimidade. Por isso, toda e qualquer sociedade simples que estabelece conselho de sócio, para fins administrativos, será uma sociedade com administração conjunta, e sob seus efeitos e condições. Se o contrato é silente e não há conselho de sócios ou expressa referência no que se refere aos poderes da administração conjunta, a sociedade será, com certeza, de administração disjunta, com amplos poderes de administração em favor de cada sócio, separadamente, levando em consideração que os demais sócios podem, conforme o caso, apresentar as

tempestivas oposições. A oposição será tempestiva enquanto o negócio jurídico não for concluído e observando as formalidades e solenidades legais. Após a conclusão do negócio, resta aos demais sócios, representando a sociedade, interporem ação de perdas e danos contra o outro sócio e, inclusive, requererem a sua exclusão, por falta grave, e quebra do vínculo de affectio societatis. Por conseguinte, a solução é obrigacional e de natureza societária contra o sócio faltoso. Do ponto de vista administrativo, a confiança entre os sócios é a característica fundamental da sociedade simples e explica o risco da administração disjunta. Se o risco administrativo experimenta prejuízo contra a sociedade, o sócio faltoso deverá reparar esse dano, medido pela própria confiança que os outros sócios lhe depositaram, em favor da sociedade, e com as consequências societárias de cada caso.

171. Da administração conjunta nas sociedades simples

Conforme o art. 1.014 do Código Civil, nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave. Esta é a hipótese da administração conjunta, quando para a prática de atos negociais é necessário o concurso de todos os sócios, ou seja, da conjunta manifestação de vontade de todos os sócios, sob pena da invalidade do ato praticado em desacordo com essa regra contratual. A regra geral é a administração separada – disjuntiva. Porém, essa regra pode ser perfeitamente derrogada por vontade das partes, e neste momento emerge a administração conjunta. Portanto, a administração conjunta nas sociedades de pessoas é uma derrogação à administração disjuntiva. O contrato social, como manifestação suprema da vontade dos sócios, pode determinar que a administração compete coletivamente aos sócios, ou seja, conjuntamente. Neste sistema de administração conjunta é necessário o consenso de todos os sócios que exercem a administração, o que é diferente do consenso de todos os sócios da sociedade. Ainda nas sociedades de pessoas pode haver sócios que não exercem a administração porque se eximiram desse atributo. Consequentemente, o consenso sobre a administração se faz pelos sócios que efetivamente exercem a prerrogativa administrativa de assumir direitos e obrigações perante terceiros. Em casos específicos, que envolvem administração extraordinária, certamente que até aos sócios não administradores pode ser conferido o direito de voto, porém se estará em sede de administração extraordinária. Nas sociedades coletivas é perfeitamente possível essa hipótese. No sistema da administração conjunta, o sócio, isoladamente, não pode praticar nenhum ato negocial, salvo se exista urgência em evitar dano contra a sociedade. Se o administrador praticar o referido ato, contrariando a regra da administração conjunta, o terceiro não pode se insurgir contra a sociedade, se a limitação dos poderes administrativos estiver inscrita e averbada no registro próprio da sociedade. Neste caso, o sócio se obriga pessoalmente perante terceiro, e a sociedade permanece ilesa pelo seu ato contrário ao que se estabeleceu no contrato social. O contrato expressamente estabelecia a forma administrativa conjunta para a validade dos atos negociais em nome e por conta da sociedade, e o registro público do contrato faz fé perante terceiros, tanto da existência da sociedade, quanto da prerrogativa do sócio em obrigar o patrimônio da sociedade. Na redação do contrato social os sócios devem indicar a forma administrativa – conjunta – dizendo, expressamente, o nome dos sócios que administram em conjunto a sociedade. Com isso se quer dizer que não basta que no contrato social conste, por exemplo, a cláusula “que a administração será exercida de maneira conjunta”, sem especificar o nome dos sócios que têm a prerrogativa de administrar a sociedade conjuntamente, e em quais atos. O art. 2.258 do Codice Civile diz que, se a administração da sociedade compete conjuntivamente a vários sócios, é necessário o consenso de todos os sócios administradores para cumprimento das obrigações sociais. O contrato social pode estabelecer, ainda, a regra da maioria para resolver sobre a realização dos negócios sociais que estão sob a égide da administração conjunta, desistindo da unanimidade. A administração da sociedade poderá ser, ao mesmo tempo, de natureza disjuntiva e conjunta. Para tanto, basta que alguns sócios renunciem à obrigação de administrar a sociedade, em favor de outros sócios, ou que se estabeleça que para a prática de determinados atos é possível a atuação separada de cada um dos sócios; por exemplo, em cláusula que estabelece que para que os negócios acima de um determinado valor tenham validade societária é necessário o concurso de vontade de todos os sócios ou de alguns deles (neste caso é obrigatório dizer expressamente quais são esses sócios). Então, por exemplo, em negócios que somem mais de um milhão de reais, é necessário o concurso de todos os sócios ou de alguns deles. Nos demais, é autorizada a prática do ato por sócio, separadamente. Assim, na sociedade, a administração será, ao mesmo tempo, disjuntiva e conjunta. Essa não é uma particularidade das sociedades simples, muito pelo contrário, é regra administrativa de todas as sociedades, inclusive as de natureza personalíssima. A sociedade em nome coletivo pode ser administrada, ao mesmo tempo, pela forma disjuntiva e conjunta, e o seu fator determinante é que todos os sócios exerçam a administração nas suas várias instâncias. O contrato da conta de participação pode estipular que o sócio ostensivo não pratique atos

negociais acima de determinado valor, ou em tais localidades, sem a manifestação expressa do sócio participante. Ressalte-se que, neste caso, o vínculo é de administração interna. O terceiro se vale contra os fundos do sócio ostensivo, mas o sócio participante pode considerar tal situação como quebra de deveres fiduciários e de administração, e mover ação contra o sócio ostensivo, encerrando a sociedade, e apurando as responsabilidades contratuais, em perdas e danos. Essa situação é análoga às comanditas.

172. Do administrador nomeado por ato em separado

Situação completamente distinta se dá com o art. 1.012, Código Civil, quando estabelece que o administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. A medida é correta porque o legislador, nesse caso, tem a sociedade simples como manifestação, na realidade prática, de uma verdadeira sociedade simples irregular, quando o sócio não pode se esquivar das obrigações, e muito menos a sociedade, sabendo que ambos são solidários. A regra do art. 1.012 é correta e busca inibir a existência de sociedade simples irregular. Cabe ressaltar da impossibilidade da existência de sociedade simples de fato que tal sociedade será sempre uma sociedade em comum. Enquanto não registrado o contrato social da sociedade simples, tal sociedade não existe porque como sociedade típica o requisito essencial de sua validade extrínseca é a própria inscrição do seu ato constitutivo, ou seja, do contrato social. Com efeito, enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto sobre a sociedade em comum, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples (art. 986). Se pessoas se reúnem em sociedade, conferem bens, estabelecem capital social, visam repartir os lucros e perdas, formando vínculo societário, em atividade que não seja empresária, ou seja, com objeto social diverso da atividade empresária, essa sociedade não pode ser considerada uma sociedade simples, mas, ao revés, sociedade em comum. A inscrição da sociedade simples no Registro competente tem validade extrínseca, ou seja, pública perante terceiros. Se aos terceiros não é feita a publicidade exigida pela lei (art. 998, C.C.) estar-se-á diante de uma sociedade em comum, e os terceiros podem provar a existência da sociedade por qualquer forma admitida em direito, inclusive testemunhas e presunções jurídicas. Então é impraticável concluir que a sociedade que tenha objeto social atividade não empresária, e que funcione sem a sua inscrição perante o Registro Público das Pessoas Jurídicas, seja, por si só, considerada “sociedade simples”. Pelo contrário, em tal circunstância será sociedade em comum, aplicando, naquilo que forem compatíveis, as normas da sociedade simples. Por outro lado, é possível a existência de sociedade simples irregular, ou seja, aquela que foi devidamente registrada, mas por circunstâncias posteriores é considerada irregular. Na condição de sociedade simples irregular tem plena aplicação o regramento do art. 1.012, quando o administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. O art. 1.012 tem natureza punitiva (com o sentido de responsabilização patrimonial) tanto contra o administrador como sobre a sociedade.

A jurisprudência tem que estar atenta e aplicar fielmente o art. 1.012 para coibir a existência de sociedade simples irregular, até pelo fato de que a inscrição dessa sociedade, no registro cabível, tem valor extrínseco, de prova perante terceiros. Se os sócios não cumprem o mandamento legal acima referido, a penalidade é rigorosa, e tem na defesa do princípio de proteção ao terceiro de boa-fé a sua razão de ser juridicamente. Com efeito, é na segurança jurídica que se funda o crescimento econômico e na certeza dos contratos, pacta sunt servanda , esta é a força garantidora do sucesso dos povos civilizados.

173. Da inadmissibilidade de administradores que não são sócios da sociedade

Na concepção tradicional das sociedades de pessoas, a administração deve ser exercida somente por sócios. Essa interpretação deve ser mantida ainda com o Código Civil de 2002. Então, pode-se afirmar que somente os sócios têm a qualidade jurídica de administrarem a sociedade. O vínculo organizacional da sociedade de pessoas impossibilita que estranhos, não sócios, exerçam a função de administradores. Esses terceiros podem ser, apenas, mandatários da sociedade, nos termos dos artigos 653-691 do Código Civil.

Nas sociedades de pessoas, a qualidade jurídica de sócio é determinante ao exercício das prerrogativas administrativas, inclusive pelo vínculo de affectio societatis. Nas sociedades simples, evidentemente uma sociedade de pessoas, a administração somente pode ser exercida por sócios. Diz a lei que ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar (art. 1.018, C.C.). Ademais, o sócio não pode ser substituído no exercício das suas funções sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social, nos termos do art. 1.002 do Código Civil. E, para afastar qualquer dúvida, o art. 1.013, caput, do Código Civil determina que a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Assim, somente os sócios podem exercer a administração da sociedade, separada ou coletivamente. O administrador não é um mandatário da sociedade, muito pelo contrário, essa teoria já perdeu terreno faz muito tempo. O administrador é órgão da sociedade, e somente assume essa qualidade aquele que constitui a sociedade, do ponto de vista estrutural administrativo, que é titular de direitos de sócios, entre eles, o direito de administrar a sociedade. Essa regra não comporta exceções nas sociedades de pessoas. Notadamente na sociedade simples, que não desempenha atividade empresarial, mas de natureza econômica, entre as quais escritórios de serviços, a administração somente poder ser levada a efeito por sócios devidamente indicados no contrato social ou por ato em separado. Ao contrário do que pensam alguns, não é permitida a nomeação de representantes e administradores nas sociedades de pessoas, muito menos na sociedade simples. Inviável a indicação de administradores não sócios nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples e em conta de participação. Na sociedade simples, de caráter eminentemente pessoal, correlacionado ao fato que essa atividade econômica tem matiz até de natureza profissional conferida àqueles que exercem uma determinada função, evidentemente que sua administração somente poderá ser feita por sócios. Com efeito, uma sociedade simples formada com sócios multidisciplinares terá como administradores somente os referidos sócios, sendo impossível a indicação de administradores não sócios. O Tribunal de Milão, com decreto de 5 de junho de 1999, in: Società, p. 984, considerou legítima a constituição de sociedade de pessoas, na forma de sociedade simples, para o exercício de atividade profissional. De consequência, seguindo essa decisão, os serviços jurídicos podem ser prestados por sociedades de pessoas, na qualidade de sociedade simples, porque tal atividade não é uma atividade empresarial ou tipicamente civil (como nas associações), mas representa um tertium genus – uma empresa civil – distinta das demais, porém qualificável como atividade econômica. Porém, dessa sociedade está proibida – totalmente – a participação de sócios que não sejam os profissionais jurídicos, sob pena de nulidade da sociedade. Nessa sociedade impera a regra da prestação pessoal do serviço, ou seja, a pessoalidade na contratação e na prestação do serviço: por isso, a prestação do serviço é contratada diretamente com o sócio, representando a sociedade, possibilitando, contudo, que os pagamentos sejam efetuados em favor da sociedade. A prestação dos serviços nunca poderá ser feita em nome e por conta da sociedade. Com efeito, na Itália, o Tribunal Administrativo da Região Lazio já decidiu pelo caráter personalíssimo da prestação desses serviços nessas sociedades, o que impõe ao prestador do serviço a obrigação de natureza pessoal, nos termos do art. 2.232 do Codice Civile (Sez. III, 19/05/2000, nº 4107), e nessa qualidade assume responsabilidade pelos atos praticados no exercício da atividade profissional, responsabilizando, inclusive, a sociedade em termos subsidiários. Conquanto vários possam ser os tipos de objeto social das sociedades de pessoas, bastando que não sejam empresariais, ainda assim a administração é direcionada unicamente aos sócios: com efeito, qualquer que seja o objeto social da sociedade simples a administração deverá ser exercida por sócios, até nas hipóteses em que a prestação do serviço não tenha natureza pessoal. Na verdade, não será o tecnicismo legislativo que resolverá a questão sobre a possibilidade ou não do exercício da administração por aqueles que não são sócios. É imperioso, para resolver a referida questão, que se argumente sobre os fundamentos da sociedade, principalmente da sociedade de pessoas, incluída a sociedade simples. Na sociedade simples, de certa forma, resulta infrutífero perquirir no texto legislativo uma regra clara que exclua os administradores não-sócios. Porém, na perspectiva interpretativa para resolver esse problema tem-se que ter atenção sobre a disciplina dos administradores enquanto tal, ou seja, na confluência de um poder que decorre de uma condição jurídica objetiva: o status jurídico de sócio e como instrumento administrativo na condição jurídica de órgão social – bem sabendo que se está falando sobre sociedade de pessoas, ou seja, de maneira totalmente diversa das sociedades de capital. O que o legislador entende como administrador, na sociedade de pessoa, é uma qualidade na qual se insere a condição de sócio: o fato é que o sócio pode renunciar à condição jurídica de administrador somente em favor de outros sócios. Desde que a sociedade é constituída, o sócio assume posição jurídica administrativa, que, nos termos do contrato social, se insere e pressupõe o seu próprio status jurídico. A lei diz que as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (art. 1.001, C.C.).

Várias são as obrigações dos sócios, e no que se refere ao presente tema está a obrigação de administrar: o sócio tem a obrigação de administrar a sociedade, bem sabendo que o contrato social é um contrato de finalidade, na busca de um fim social, que se executa na consecução da atividade econômica, ou melhor, no desenvolvimento dessa atividade econômica organizada. A lei permite que o sócio renuncie ao dever administrativo somente se a renúncia for realizada em favor de outros sócios. Se não fosse assim, a autorização para administrar entraria na qualidade jurídica do mandato, quando os sócios – todos eles – se despiriam da obrigação de administrar e entregariam esse dever contratual em favor de terceiros estranhos aos sócios, o que, com certeza, não encontra nenhuma razão de ser do ponto de vista teórico e legislativo. Essa questão tem resposta no art. 1.018 do Código Civil, determinando que: ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar. Ora, é evidente que o legislador emprega o termo administrador bem sabendo que se está referindo ao sócio, tanto que a referência aos mandatários entra na condição de atos e operações específicas. Por conseguinte, como órgão social, obrigado em administrar a sociedade, esse órgão não pode, nas sociedades de pessoas, transferir essa incumbência legal em favor de terceiro que não seja sócio. Tal interpretação estaria em desacordo com o princípio da reforma, mas, sobretudo, estaria em desacordo com os princípios e regras de ordem societária, notadamente das sociedades de pessoas: i) affectio societatis; ii) responsabilidade pessoal; iii) natureza pessoal dos serviços prestados conforme o objeto social da sociedade; iv) responsabilidade solidária. Nesta esteira, a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador, conforme o art. 1.002 do Código Civil.

Esses “poderes especiais” são aqueles que decorrem do contrato social, na administração conjunta da sociedade, ou ainda que disjuntiva, quando para a prática de algum ato em especial (por exemplo: firmar contratos de financiamento), se faz necessária a participação de um número expressivo de sócios ou até pela unanimidade. Ao passo que a sociedade somente pode adquirir direitos, assumir obrigações e proceder judicialmente por meio de seus administradores: a interpretação de administradores, no texto legislativo, é aquele que identifica a função de administrar ao status jurídico de sócio, e vice-versa. Por conseguinte, a sociedade pode ter vários sócios, mas todos renunciam ao poderdever de administrar em favor de apenas um: ainda nesse caso ter-se-á órgão social administrativo, com poderes específicos, e competência exclusiva e autônoma para obrigar a sociedade perante terceiros. A perspectiva interpretativa que se segue tem na administração um fenômeno técnico e societário correlacionado ao poder jurídico que deriva do contrato social ou também da nomeação de administrador por ato em separado, conforme o texto normativo. Essas pessoas não são mandatárias da sociedade, e, na verdade, estão bem longe dessa condição jurídica. A administração compete ao sócio como limite intrínseco do contrato de sociedade. Essa limitação derruba o permissivo geral que a cada um tem ampla autonomia para escolher um representante de confiança. Nas sociedades, esse permissivo geral tem relevância apenas aos atos de representação sem poderes, quando a sociedade constitui um mandatário para cumprir determinada e específica função, em ato e operação determinada e específica, seguindo as regras clássicas do instrumento de mandato. Neste caso o mandatário tem que observar limites objetivos, previstos em lei e pelo contrato. Nas sociedades a situação é bem outra: o poder de administrar é um poder de dispor sobre patrimônio alheio, ou seja, da sociedade. Nas sociedades de pessoas somente os sócios têm essa prerrogativa, jamais terceiros que não sejam sócios. O poder de administrar, visto como poder de dispor sobre bens alheios (contratar, alienar, obrigar, etc.), tem amplitude e autonomia geral, nos termos da lei e do contrato social. Essa situação jurídica em nada se assemelha ao mandatário: ao contrário, é uma situação jurídica completamente distinta, sem a possibilidade de nenhuma comparação em termos de finalidades, direitos, obrigações, deveres, responsabilidades, etc. Por conseguinte, é de entender que nas sociedades de pessoas, entre elas a sociedade simples, impraticável é a nomeação de administrador como pessoa estranha aos sócios: nessas sociedades somente os sócios têm o poder de dispor sobre bens da sociedade, fato esse que tem o nome de órgão social administrativo. A disciplina jurídica sobre o órgão social administrativo é toda de direito societário, não entra nas perlengas de direito civil comum, e, portanto, não está adstrita à figura do mandato. Não podendo constituir mandatário geral por força dessa condição jurídica, somente aos sócios é conferido o poder-dever de administrar a sociedade na qualidade de órgão social. Uma vez que a sociedade está impossibilitada de constituir mandato com poderes de representação – com o significado de dispor sobre bens alheios –, somente aos sócios é entregue a qualidade de administrar a sociedade. O que se quer dizer é que esse poder-dever deriva da própria condição jurídica do contrato de sociedade e da sua pluralidade de interesses, que tem no órgão de administração a confluência dos interesses dos sócios e da sociedade, confluência jurídica essa que não suporta os estreitos limites do mandato para dar-lhe solução jurídica. Com efeito, somente tendo em consideração que as pessoas que exercem esse poder-dever assumem a qualidade jurídica de administradores, em razão de seu posicionamento organizacional nos limites do status jurídico de sócios, é que se pode alcançar o verdadeiro significado do termo jurídico administrador – ao menos para as sociedades de pessoas.

A empresa não é conceito jurídico: empresa é um fenômeno econômico e social que tem regulação normativa. O contrato social é o instrumento jurídico de conformação societária da empresa social. Essa empresa social funciona e assume a qualidade de sociedade empresária. O ordenamento jurídico já estabeleceu que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (art. 966, caput, C.C.). Por sua vez, não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (art. 966, parágrafo único, C.C.). A sociedade simples é sociedade não empresária. Com efeito, essa sociedade, nessa condição, é formada por contrato plurilateral, nos mesmos moldes da sociedade empresária. O que ocorre é que do ponto de vista organizacional ambas se identificam como instrumento societário de manifestação social, com finalidade social, e interesse social. Ambas buscam lucro. Porém, na sociedade empresária a atividade é tecnicamente de empresa mercantil: sociedade em nome coletivo; em comandita simples; em conta de participação; comandita por ações; limitada; sociedade anônima. Na sociedade simples tem empresa civil: atividade econômica não empresarial, mas passível de exploração pela via societária. É imperioso ressaltar esta expressão: empresa civil. A prática societária deve se atentar diante da referida expressão que simboliza muito das atividades levadas a efeito pelas sociedades simples. A empresa civil tem a conotação de atividade não empresária. Neste passo, empresa é consentânea de atividade. Impraticável seria supor uma empresa sem que se entendesse, consequentemente, o fenômeno da atividade. Por conseguinte, empresa civil é uma atividade não empresarial e que busca alcançar lucro. Tem como objeto social a prestação de serviços personalíssimos, ou seja, aqueles descritos no art. 966, parágrafo único, do Código Civil, vale dizer, de natureza intelectual, científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. A redação do referido art. 966, parágrafo único, entende empresa com significado bastante limitado, sem alusão ao novo conceito de empresa civil: o que o legislador quis dizer no art. 966, parágrafo único, é o termo empresa visto do lado mercantil. Portanto, é como se estivesse assim disciplinado: “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa mercantil.” O objeto social da sociedade simples, quando se refere ao significado de atividade intelectual, científica, literária ou artística, é tertium genus porque não adentra o conceito de empresa mercantil, ou menos ainda no conceito de associação ou sociedade civil clássica.

Por não ser um conceito jurídico, a empresa, com o significado de atividade, quando assume as vestes de seu exercício se efetivar via sociedades, o seu sistema de administração somente pode se realizar diante de órgão social, porque em qualquer um dos casos – empresa mercantil ou empresa civil – administrar a atividade será sempre uma ação (poder) de dispor sobre bens alheios. A única pessoa autorizada pelo ordenamento jurídico para dispor sobre bens alheios é o sócio administrador. Em nenhuma hipótese um terceiro poderia dispor sobre bens alheios, na qualidade de mandatário. Tal ato caracterizaria excesso de mandato, acrescido da responsabilidade penal. É notório que o ato praticado com excesso de mandato não acarreta responsabilidade contra o mandante: o mandatário que exceder os poderes do mandato ou proceder contra eles será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos (art. 665). Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido (art. 862). Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente, haver-se-á o gestor por sócio daqueles cujos interesses agenciar de envolta com os seus. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr (art. 875). Os atos praticados por quem não tenha mandato ou o tenha sem poderes suficientes são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar (art. 662). O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente (art. 673). É igualmente obrigado o mandante a ressarcir ao mandatário as perdas que este sofrer com a execução do mandato, sempre que não resultem de culpa sua ou de excesso de poderes (art. 678). É evidente que o administrador da sociedade não atua nessas condições acima referidas, muito pelo contrário. Assim, o administrador tem: a) plenos poderes administrativos, nos termos do contrato social e da lei; b) exerce esses poderes no interesse social da sociedade; c) não há vínculo de representação, porém de natureza administrativa societária de maneira autônoma; d) o administrador é órgão social de representação da sociedade perante terceiros; e) assume responsabilidades por culpa ou dolo, acrescida por atos contrários aos interesses sociais, etc. Fica evidente que não há idêntica disciplina jurídica entre os mandatários, gestores e administradores de sociedades. Cada um tem regramento jurídico próprio, com disciplinas específicas, com aplicação em casos práticos diferentes uns dos outros. Por isso, é impossível aplicar a mesma disciplina do mandato para explicar os administradores, e vice-versa, o que impede que a sociedade assuma representantes com poderes, bem sabendo que esses seriam pessoas estranhas ao contrato

social. Assim, somente aqueles sócios que integram o contrato social ou que têm nomeação posterior por ato em separado é que também podem assumir as vestes de administradores sociais. Essas pessoas estranhas ao contrato social não podem assumir, em hipótese alguma, a condição jurídica de administradores porque não têm a qualidade jurídica de sócios, ou seja, é de manifesta importância ressaltar que o poder de administrar está circunscrito ao requisito objetivo de ser sócio da sociedade. A direção da empresa social somente pode ser levada a efeito por aqueles que compõem a entidade social: o contrato social. Isso é uma particularidade das sociedades de pessoas, e deve ser entendida em todos os seus termos e condições, sob pena de desvirtuamento do instituto jurídico, o que não se pode aceitar.

Nas sociedades de pessoas, entre elas a sociedade simples, ao menos um dos sócios deve ter a direção da empresa social: esse é o fato que denota, claramente, que se tem uma sociedade de pessoa. Nestes tipos societários a pessoa do sócio é determinante tanto para a constituição da sociedade, como para seu funcionamento e administração da empresa social. Sem um determinado sócio a sociedade pode e corre o risco até de entrar em dissolução, diante da enorme importância que aquele sócio exerce sobre os comandos sociais, bem como sobre a confiança que os demais sócios lhe nutrem, de tal ordem que lhe conferem o direito de administrar e representar a sociedade perante terceiros. Qualquer outra assertiva seria lesiva ao conceito de sociedade de pessoas. Atentaria contra os fundamentos dos institutos. Aqueles que têm outros interesses devem firmar contrato de outra natureza, assumindo as peculiaridades, por exemplo, do contrato social da sociedade limitada ou da sociedade anônima. Nestes casos não se estará diante de uma sociedade de pessoas, e a representação é possível na qualidade de diretores. Porém, nas sociedades de pessoas o sistema é o contrário: somente sócios podem exercer a administração, fato esse que decorre e é conatural ao status jurídico de sócio. Impraticável a contratação de administradores estranhos nas sociedades em comandita simples, em nome coletivo e em conta de participação. Da mesma forma, impraticável a contratação de diretores na sociedade simples. O aspecto central que afirma a unidade entre essas sociedades é o seu vínculo contratual entre os sócios que se exterioriza na administração da empresa (civil ou mercantil), que somente pode ser levada a efeito por aqueles que integram o contrato social. A sociedade pode ter representante legal, mas esses representantes não têm a qualidade jurídica para praticar atos de administração. Somente podem praticar esses atos os sócios devidamente investidos na função de administradores na representação com poderes sociais. Uma vez que somente os sócios têm essa prerrogativa, a sociedade não pode contratar estranhos para que exerçam a administração na representação com poderes. Com efeito, diante desses fundamentos, nas sociedades de pessoas se encontram as seguintes características: a) aqueles que dirigem a empresa social não podem, em nenhum caso, se esquivar da responsabilidade pelas obrigações sociais; b) a direção da empresa social é um atributo da qualidade jurídica de sócio; c) os sócios da sociedade de pessoas podem renunciar ao dever de administração somente em favor de outros sócios, e nunca em favor de estranhos, que não assumiriam o risco da empresa comum – a direção (administração) da empresa social, em forma de sociedade de pessoa, deve, necessariamente, competir a quem da empresa suporte os riscos e lhe garanta, por isso mesmo, uma administração responsável. Ao estranho, ainda que receba a denominação de “administrador”, não poderá ser conferida a qualidade técnica de administrador porque, na realidade, não tem poder de direção sobre a empresa social: essa pessoa será apenas um mero representante legal da sociedade, com as limitações cabíveis. Aos sócios permanece o atributo técnico de administrador, que se identifica com o poder de dirigir a empresa.1 Se, por exemplo, uma sociedade simples indicar como administrador pessoa que não é sócio, entende-se que o poder de administração permanece com todos os sócios ilimitadamente responsáveis. Se houve limitação de responsabilidade, neste caso, a sociedade deveria entrar em dissolução, com fundamento no art. 1.034, I e II, do Código Civil, porque inexequível o seu fim social. Somente sócios podem administrar a sociedade. Se do contrato social consta apenas pessoa não sócia como “administrador”, impraticável é a possibilidade dessa sociedade em realizar atos e negócios sociais, ou seja, inexequível o seu fim social, e deve ser anulada a sua constituição. Seria uma entidade social sem poder diretivo, o que em sede societária encontra solução de continuidade: uma verdadeira sociedade acéfala, ocasionando o seu desaparecimento como entidade jurídica incapaz de assumir direitos e obrigações perante terceiros, e impossível de administrar e organizar a atividade econômica, ou seja, a empresa social. Solução diversa ocorre na sociedade em nome coletivo: nessa sociedade, se o contrato social conferir administração a pessoa estranha ao quadro de sócios, entende-se e se presume, de maneira absoluta, que todos os sócios são administradores pelo fato de que todos eles respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Essa situação também terá lugar se no caso da exclusão do único sócio que administrava a sociedade, excluído o sócio administrador, todos os demais sócios assumem as vestes de administradores. Se o contrato social for silente, entende-se que são administradores em sentido disjuntivo. Desde os tempos medievais se entendia que a qualidade jurídica de administrador somente pode competir aos sócios, enquanto aos não-sócios somente poderiam ser instituídos mandatos na figura de prepostos, ou seja, com poderes limitados e não de disposição de bens sociais (administração). O preposto pode praticar todos os atos pertinentes ao

1 GALGANO, Francesco. Trattato di diritto civile e commerciale, cit., vol. XXVIII, p. 201.

exercício da atividade na qual foi instituído, salvo as limitações contidas no próprio instrumento de mandato (art. 2.204, Codice Civile).1 Idêntica solução aos procuradores da sociedade (art. 2.209, Codice Civile). Os limites dos poderes de representação dos prepostos e procuradores colocam as obrigações que lhes são conferidas unicamente no âmbito executivo, com a proibição de qualquer atividade participativa na determinação do conteúdo negocial, e esses sujeitos não podem introduzir cláusulas ou condições que determinem o desvirtuamento da sua relação contratual com o mandante, ou seja, de natureza meramente executiva. Com efeito, em nada se assemelha a representação em sede de preposto ao poder-dever da função administrativa do sócio: são institutos jurídicos completamente distintos, obviamente, e que mostram a impossibilidade de a sociedade simples contratar estranho para a prática de atos de administração. Como se disse, a sociedade de pessoas, entre elas a sociedade simples, se caracteriza nesse matiz pela importância da pessoa dos sócios. Essa importância se faz em várias condições: a) na affectio societatis entre eles; b) nas qualidades administrativas dos sócios; c) na confiança recíproca entre os sócios, em nível elevadíssimo diante do fato de que a regra geral nas sociedades de pessoas é a administração disjuntiva; d) o desaparecimento da pessoa pode ensejar a dissolução da sociedade; e) a prática de determinados atos, previstos no contrato social, pode acarretar a exclusão do sócio da sociedade, por questões atinentes exclusivamente ao interesse social, etc. As funções dos sócios têm natureza administrativa, organizacional. As funções dos mandatários têm natureza executiva. De certa forma, essas figuras jurídicas são até contraditórias na sua essência, e que, portanto, acarretam diversa disciplina jurídica. As funções de sócios entram na esfera do regramento organizacional da sociedade. As funções de mandatário entram nas relações contratuais clássicas. Desta feita, impossível a comparação entre os referidos sistemas, notadamente pelo fato do autônomo poder de dispor sobre bens sociais, fundamento maior da natureza da administração social. Diz o art. 2.266 do Codice Civile que a sociedade adquire direitos e assume obrigações por meio dos sócios que a representem perante terceiros, e está em juízo na pessoa dos mesmos. Na falta de diversa disposição contratual, a representação da sociedade compete a cada um dos sócios administradores e se estende a todos os atos que entram no objeto social. Dessume-se, então, que a administração somente poderia ser feita por sócios, nos limites do contrato social, e dentro do objeto social. Contudo, existem posicionamentos em contrário. A noção de administração social é por definição ampla, enquanto o mandato se restringe aos poderes conferidos; o sócio tem direito de dispor sobre o patrimônio social, o mandatário preposto tem deveres executivos, nos estritos termos do contrato; o preposto é representante fiduciário do mandante, enquanto o sócio administrador é órgão da sociedade; a função executiva do mandatário exclui aquela organizativa; a função organizativa do sócio inclui aquela executiva; o preposto não pode perquirir sobre a oportunidade ou conveniência do negócio, porque sua responsabilidade se restringe ao fiel cumprimento do mandato; o sócio deve, obrigatoriamente, perquirir sobre a oportunidade e conveniência do negócio, na busca do interesse social. Por conseguinte, a administração compete exclusivamente aos sócios pela somatória de todos esses fatores, típicos das sociedades de pessoas. A interpretação clássica do texto legislativo deve ter em consideração todas essas condicionantes, para o melhor entendimento das questões societárias. Nessa direção se entende como factível ter na administração a figura jurídica do poder-dever social, qualidade jurídica que advém de um status jurídico de sócio. O matiz orgânico da administração social tem no conflito de interesses uma das suas manifestações mais complexas. A lei diz: Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto (art. 1.010, § 3º, C.C.). Bem sabendo que é péssima a redação do referido art. 1.010, § 3º, na sua exegese o intérprete constata que o conflito de interesses é matéria que envolve a própria formação da vontade social, ou seja, da entidade social, na confluência das maiorias necessárias para a aprovação da matéria. Com efeito, o interesse que deve preponderar é o da sociedade, o que faz concluir, acertadamente, que o interesse do sócio – manifestado em seu voto – não tem o poder de representar por si só o interesse de toda a sociedade. Ademais, esse conflito de interesses não pode ser confundido com o fato de que na administração das sociedades as divergências administrativas, decorrentes de perspectivas distintas, são conaturais ao contrato societário, plurilateral por definição. Com efeito, o conflito de interesses é matéria prejudicial ao voto do sócio: quando vota em conflito de interesses, é como se o sócio estivesse perpetrando um ato em traição contra a sociedade; por isso a responsabilidade pelas perdas e danos. O conflito de interesses deveria impedir o voto do sócio, mas esse pode votar, arcando com as consequências da responsabilização por perdas e danos (art. 1.010, § 3º). O conflito de interesses envolve, plenamente, a teoria do órgão: somente aquele que tem poder de representação com significado de administração social é que pode ter conflito de interesses com a entidade jurídica que integra na qualidade de sócio. Em relação ao representante sem poderes administrativos, ou seja, o preposto, inviável seria arguir pelo conflito de interesses porque o preposto deve praticar o ato

1 “Dal sistema della legge e, in particolare, dalla norma di cui all’art. 2208 c.c., si evince che il titolare dell’impresa è, per presunzione, responsabile di tutti gli atti compiuti in suo nome nella sede dell’impresa stessa, essendo a lui riferibili, in base ai fondamentali principi dell’apparenza giuridica e dell’affidamento, le attività svolte da coloro i quali, a qualsiasi titolo, agiscano nella suddetta sede quali suoi incaricati o che, ragionevolmente, possano essere considerati tali.” (Cass. civ., sez. I, 11 novembre 1986, n. 6596), cf. BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P., Il codice civile, cit., pp. 1.950/1.951.

nos termos e condições avençadas: é mero representante e executivo de atos circunscritos. Se o preposto age em desacordo com o avençado, ter-se-á quebra contratual, não por conflito de interesses, mas por quebra da confiança e das condições contratuais.

Na Itália a disciplina do conflito de interesses assume outras vestes, bem mais adequadas. O art. 2.391 do Codice Civile estabelece que a deliberação poderá ser anulada se o voto em conflito de interesses foi determinante na aprovação da matéria. Ademais, nos poderes de representação, o contrato concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado pode ser anulado, mediante ação do representado, se o conflito era conhecido ou reconhecível pelo terceiro contratante (art. 1.394, Codice Civile).

A jurisprudência italiana já decidiu, perfeitamente, que “la disciplina dell’atto compiuto dall’amministatore único em nome della società ed in conflitto d’interessi con la stessa si rinviene nell’art. 1394 c.c., e non nel successivo art. 2391, che presuppone, per la sua applicabilità, l’esistenza di una delibera consiliare” (Cass. civ., sez. III, 10 aprile 2000, n. 4505).1 Portanto, o ato poderá ser anulado, e esse sistema também tem aplicação sobre as sociedades de pessoas e limitadas. Nas sociedades, quando um sócio administrador representa separadamente a sociedade e conclui um negócio jurídico, contrariando o sistema de deliberação da sociedade, e esse ato se mostra em conflito de interesses com o da própria sociedade, o referido contrato poderá ser anulado, por força do art. 1.394 do Codice Civile. A proibição de agir em conflito de interesses com a sociedade representa um limite que deriva da regra jurídica, e não unicamente da manifestação de vontade dos sócios presentes no contrato social ou nas deliberações sociais. O conflito de interesses deve ser visto como conduta contrária à ordem pública, porque atinge, diretamente, o interesse dos credores e de terceiros, e não apenas o interesse da sociedade.

De uma forma ou de outra, somente aqueles que estão sujeitos ao regime da disciplina de órgão social diretivo é que podem entrar em conflito de interesses contra a entidade que integram – o que, na sociedade de pessoas, somente se exterioriza na figura jurídica: i) do sócio administrador; ii) do sócio administrador com poderes de representação.

174. Da representação orgânica da sociedade

A função administrativa é distinta da função de representação. A administrção tem como objeto a direção dos negócios sociais no âmbito da competência resultante das cláusulas contratuais e da própria lei, ou seja, do Código Civil. A representação se refere à legitimidade material e processual perante terceiros. As fontes das relações administrativas são, resumidamente, as seguintes: a própria administração disjuntiva ou conjunta, ou seja, o poder de obrigar a sociedade; o contrato social e o ato separado, de nomeação de administradores. Com efeito, obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo (art. 47). Tal circunstância diferenciadora entre administração e representação se mostra, claramente, no Código Civil ao estabelecer “quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um” (art. 1.010), e “ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar” (art. 1.018). Ao passo que, em se referindo ao poder de administração, e não de representação, diz o Código Civil que “são irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios” (art. 1.019, caput). Ao reverso, referindo-se aos poderes de representação, diz o Código Civil que “são revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado ou a quem não seja sócio” (art. 1.019, parágrafo único). A referência “ou a quem não seja sócio” pode levar a crer na possibilidade de administradores não sócios, porém, o que a lei quer dizer é a hipótese da contratação de mandatários para atuarem em negócio específico em nome e por conta da sociedade.

Tal interpretação se dessume do próprio art. 1.012 do Código Civil, ao dizer expressamente que o administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. Não é necessária a averbação de uma procuração, conferida pela sociedade, para a prática de determinado ato jurídico. Neste caso se aplica a regra do contrato de mandato, quando o mandatário é mero representante do mandante, e deve cumprir sua obrigação nos expressos e limites constantes do próprio instrumento de mandato.

1 BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.188.

Aquilo que o legislador se refere no art. 1.012 não é contrato de mandato, e sim poderes administrativos, para atuar, com ampla autonomia, nos limites do contrato social, obrigando a sociedade, ou seja, é poder de administração, não tecnicamente de mandato. Na hipótese do art. 1.012 o administrador é órgão da sociedade.

Por isso, arcaica é a regra do § 2º do art. 1.011, ao dizer que “se aplicam-se à atividade dos administradores, no que couber, as disposições concernentes ao mandato”. Essa regra pode ser desprezada pela Jurisprudência.

Os administradores são órgãos da sociedade, e por isso seus atos obrigam a sociedade, e como órgão da sociedade eles têm direitos e deveres próprios, muito mais amplos e complexos que a mera regra do mandato. Por bem da verdade, o § 2º do art. 1.011 é a transliteração do art. 2.260 do Codice Civile, quando diz: “I diritti e gli obblighi degli amministratori sono regolati dalle nome sul mandato.” Essa regra já foi, quando da sua edição, criticada por ANTONIO BRUNETTI, pelo fato da sua referência ao mandato. A transliteração é arcaica, de 1942, e cedeu espaço em favor da teoria do órgão, com ampla aceitação em direito societário clássico. O mais interessante a notar é que o Código Civil de 2002 recebeu a qualificação de “novo”, quando parte do seu conteúdo, notadamente no direito da empresa, é já bem “antigo”, lá pelos idos de 1942. Muito do que está previsto no capítulo do “direito da empresa” no Código Civil pátrio de 2002 já vigorava na Itália desde 1942, em redação muito mais qualificada. Os direitos e obrigações dos administradores, nas relações entre eles e a sociedade, entre a sociedade e terceiros, entre os sócios e terceiros, são regidos pela teoria do órgão, a qual tem no contrato plurilateral sua dogmática societária tanto no aspecto do contrato social como num contrato de finalidades, como de funcionalidades. Os administradores não são meros mandatários, mas órgãos da administração. O que ocorreu é que entre os seus direitos e obrigações está representar a sociedade perante terceiros, inclusive judicialmente. A comprovação dessas assertivas está no próprio art. 1.018 do Código Civil, quando estabelece que ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar. Portanto, os sócios administradores não podem ser substituídos ou menos ainda renunciar a suas funções em favor de administradores não sócios e, muito menos, por conta de mandatários. As suas funções são obrigações administrativas, previstas pelo contrato social. Os limites de seus poderes são atinentes aos poderes administrativos, ou seja, de obrigar a sociedade perante terceiros, em administração disjuntiva ou conjunta. O instrumento juridicamente viável para autorizar, com poderes específicos os atos que poderão ser praticados, é o mandato, que em sede societária tem conotação para a prática de determinados atos, e não o cunho administrativo, sobre a atividade do objeto social. Portanto, o sócio obviamente pode constituir um mandatário para prática de determinado ato, como comprar um bem imóvel em nome e por conta da sociedade, etc., e, findo o ato, extingue-se a relação contratual que originou o contrato de mandato. Inclui na especificação o mandato para fins judiciais.

175. Dos administradores que não são sócios

Não é aceitável administrador que não seja sócio da sociedade simples. Esse é o posicionamento que parece mais atinente ao espírito da sociedade simples, que tem por objeto social atividades que podem ser colocadas a efeito única e exclusivamente pelos próprios sócios. Não parece que a sociedade simples seja o tipo societário mais aconselhável para a atuação de administradores que não são sócios, até por regra pragmática, ou seja, da responsabilidade solidária e ilimitada. Contudo, da redação confusa do Código Civil em matéria societária, notadamente nesta hipótese, aquela do art. 997, VI, quando diz que o contrato social mencionará “as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições”, cabe questionar se o legislador se refere somente aos sócios administradores pessoas físicas ou, em interpretação extensiva, abarcaria, também, administradores que não são sócios. Se a sociedade simples tem efetivamente como objeto social as atividades profissionais, impossível é que participem da administração pessoas que não sejam sócias, e, por conseguinte, que não exerçam aquelas funções. Desta feita, seria impraticável que uma sociedade simples que tem com objeto social a exploração da atividade negocial de arquitetura tenha, como administrador, uma figura que não seja sócia da sociedade, ou seja, um arquiteto. Assim, somente os sócios, arquitetos, em sociedade autorizada a funcionar, é que poderiam administrar a sociedade, obrigando a sociedade simples. Não seria possível a contratação de diretores, que não são arquitetos nem sócios, bem como não seria possível a contratação de administrador que não seja arquiteto.

A origem da sociedade simples é sociedade personalíssima; seria, em termos de comparação, a sociedade em nome coletivo na esfera agrícola. Portanto, não parece acertado, mesmo que o texto do Código Civil insista em falar sobre administradores, que a sociedade simples possa contar com administradores que não são sócios. A atividade exercida pela sociedade simples não é de empresa. Com efeito, a atividade dos profissionais intelectuais não é considerada como atividade de empresa. Como se disse, existem profissões intelectuais em que o seu exercício fica subordinado, pela lei, à inscrição perante o órgão de classe. São os casos dos médicos, arquitetos, etc. Como atividade profissional, é, também, nesse caso, de matiz personalíssimo. Pressuposto indispensável dessa atividade de prestação profissional é de seguir pessoalmente a função assumida. Este fato deixa inadmissível uma sociedade entre profissionais com o fim de constituir elemento de empresa.1 Não é juridicamente aceitável nas sociedades de prestação de serviços profissionais a presença de administradores que não são sócios. Neste caso, inclusive, o objeto social impede a presença desses administradores. No exemplo aventado, somente o arquiteto tem poderes de obrigar a sociedade, emitindo laudos, projetando as casas, etc. Sua atividade é privativa. Por isso, é de considerar, obrigatoriamente, como impraticável a presença de administradores não sócios nas sociedades simples prestadoras de serviços profissionais. Ademais, os sócios não podem renunciar ao dever de administrar a sociedade em favor de pessoa que não seja sócia. Por bem da verdade, o sócio pode renunciar ao dever de administração somente em favor de outro sócio, e isso é a diretriz da administração disjuntiva. Essa renúncia pode ser parcial (prática de determinados atos), quando se terá administração conjunta para os demais atos negociais; e poderá ser uma renúncia total (administração disjuntiva), restando, obviamente, entre outros, o direito de fiscalizar as contas da sociedade e o bom funcionamento da sociedade, participar dos lucros, e o de recesso.

176. Do objeto social da sociedade simples

Na prática societária, a sociedade simples não tem grande relevância econômica, se comparada com as sociedades limitadas ou anônimas, que regem, com efeito, o sistema capitalista. A sociedade simples é a antítese desse sistema, ao quanto se vê da sua própria finalidade. Sua principal função é aquela de verdadeiro substrato jurídico para outros tipos societários, quando compatível a aplicação das suas regras às sociedades empresárias. Como já se disse, supra, a sociedade simples acabou abarcando uma grande esfera de atividades econômicas, até então vistas como sociedades civis.

O objeto social da sociedade simple abarca, também, as sociedades profissionais de prestação de serviços, por serem essas atividades não empresárias e buscarem lucro. Neste passo a sociedade simples se diferencia das associações, fundações e cooperativas. A sociedade simples é uma sociedade diversa, ou seja, diversa quanto ao seu objeto, vale dizer, expressamente, objeto não empresarial. Por bem do rigor terminológico, a sociedade simples não é sociedade típica. Não é sociedade especial. São sociedades típicas e especiais aquelas que exploram atividade empresarial. A sociedade simples é a sociedade geral. A sociedade simples é sociedade comum. Com efeito, típicas são somente as sociedades empresariais, passíveis de inscrição no Registro das Empresas.

Evidentemente que a sociedade simples está “tipificada” no Código Civil, porém sua tipificação envolve a noção apenas “formal” da sua existência. A sociedade simples é uma sociedade elementar, do ponto de vista da sua constituição, com amplíssima liberdade contratual. O fato da expressa previsão da sociedade simples no Código Civil não faz dela um tipo societário específico, tanto que suas regras são aplicadas, subsidiariamente, em qualquer outra sociedade empresária. A sociedade simples tem duas funções diferentes: a) complementar as regras das demais sociedades; b) servir como contrato social para atividades não empresariais. Com efeito, por essa sua ambivalência, a sociedade simples não pode ser vista como sociedade típica, ao passo que as sociedades empresariais são, verdadeiramente, típicas, e estão em numerus clausus (sociedade em nome coletivo; em conta de participação; comanditas; limitada; anônima). Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro; e simples, as demais (art. 982, caput, C.C.). Feita essa ressalva, importantíssima sobre a natureza da sociedade simples, cabe precisar ainda mais a sua segunda função, ou seja, aquela de servir como contrato social para atividades não empresariais. Por conseguinte, a sociedade simples abarca as atividades profissionais de natureza intelectual. Em termos gerais, no objeto social da sociedade simples entram as atividades profissionais, desde que não caracterizem elemento de empresa mercantil.

1 GALGANO, Francesco. Trattato di diritto civile e commerciale, cit., vol. XXVIII, pp. 20/21.

O Codice Civile ao tempo da sua edição não conhecia dois tipos de empresa: a) empresa comercial; b) empresa agrícola (sociedade simples). Porém, pode-se considerar que em todos os outros casos a atividade é empresarial? Se um grupo de dois ou mais médicos, que se propõem a exercitar a profissão em comum para repartirem os lucros e as perdas, se terá, com certeza, nessa atividade uma atividade econômica, porém não empresarial, ou seja, será uma atividade diversa daquela empresarial, portanto, será objeto de uma sociedade simples. Então, não são empresários os prestadores de serviços profissionais e intelectuais, como os médicos, jornalistas, advogados, etc., e em hipótese alguma o exercício da sua profissão será uma atividade empresarial. A relação jurídica, de índole societária, entre esses profissionais será sempre de sociedade simples. Outra hipótese, completamente diferente, se dá quando um grupo de médicos entra em sociedade para administrar uma clínica hospitalar de caráter eminentemente privado; ou um grupo de professores para abrir uma escola composta de quadras esportivas, prédios, etc.; ou um grupo de químicos para fundar um laboratório na pesquisa e experiência de química industrial, etc. Nestes casos, o conferimento de bens e a prestação de serviços destinados aos consumidores implicarão o exercício de uma atividade econômica, que é autêntica atividade de empresa, e a atividade intelectual é absorvida pela organização industrial ou de prestação de serviços. Neste caso, a atividade será empresária, observando um dos tipos societários típicos.1 De uma forma ou de outra, tal assertiva se encontra no art. 966, parágrafo único, quando estabelece que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Portanto, o laboratório e a construtura formam elemento de empresa, e não podem funcionar via sociedade simples. A sociedade holding acionária que controla faculdades e institutos educacionais será sempre empresária. As demais sociedades, ou seja, aquelas onde o exercício da profissão não constitui elemento de empesa serão sempre sociedades simples (advogados, engenheiros, etc.), e devem observar fielmente o regramento dos seus respectivos órgãos de classe.

177. Do sócio de serviços na sociedade simples

Na sociedade simples é possível a participação de sócios cuja contribuição consista em serviços.

Com efeito, seu conferimento se faz na prestação de serviços. Tal figura não pode ser confundida com o “mero prestador de serviços”; “gerentes sem poderes de representação”; etc. Conforme o entendimento de WALDIRIO BULGARELLI , “é, portanto, o sócio de indústria sócio. Tem, por isso, direitos e obrigações no contexto societário de que é parte. Proporcionais, contudo, esses direitos e obrigações à sua condição especialíssima de sócio de indústria. É este o ponto básico que necessita ser destacado, para que não se confunda sua posição na sociedade, quer com os sócios plenos, quer com aqueles que sócios não são. Posto isto, configura-se plenamente a sua responsabilidade”.2

Diz o Código Civil, art. 997, V, que a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços. Com o contrato de sociedade duas ou mais pessoas conferem bens ou serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica com o escopo de dividirem entre si os lucros (art. 2.247, Codice Civile). Com o termo serviços deve se entender aquele conjunto de trabalhos, de aptidão pessoal e de experiência útil na esfera econômica na qual a sociedade está direcionada.

Esse sócio será considerado como sócio de “indústria”, e consiste na prestação de trabalho intelectual ou manual na busca do objeto social da sociedade. De certa forma, esse sistema guarda semelhança com a antiga sociedade de capital e indústria. Conforme o revogado art. 317 do Código Comercial, diz-se sociedade de capital e indústria aquela contratada entre pessoas que entram de uma parte com os fundos necessários para uma negociação comercial em geral ou para alguma operação mercantil em particular, e da outra parte com a sua indústria somente. O contrato social da sociedade de capital e indústria, dizia o antigo Código Comercial, deve especificar as obrigações do sócio ou sócios que entrarem na associação com a sua indústria somente (art. 319). Cumpre ressaltar que a sociedade simples, ainda que não seja empresária, não pode contar única e exclusivamente com sócios de serviços, sem outro sócio que invista capital ou bens na conformação do capital social.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 76.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 113.

Tal situação decorre do art. 997, incisos IV e V, do Código Civil, quando o contrato social deve mencionar a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; e as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços.

Ainda que a sociedade simples seja uma sociedade “particular”, ou seja, uma sociedade com amplíssima liberdade nas pactuações pelo fato de que sua inscrição tem efeito meramente de comprovar a existência da sociedade perante terceiros, não parece razoável conjecturar uma sociedade na qual o conferimento para a formação do “capital social” seja feito única e exclusivamente em serviços. Não se deve argumentar que o serviço pode ser mensurável em termos econômicos, porque excessivamente arbitrária essa posição. Assim, dois químicos qualificados profissionalmente não podem abrir uma sociedade sem o mínimo de capital devidamente integralizado, e impraticável seria medir esse “capital” unicamente sobre os seus serviços. A quota sobre o capital, evidentemente, tem valoração e pode ser mensurável em bens móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos, aviamento, clientela, crédito contra terceiros, etc., mas nunca sobre “serviços”. Portanto, na sociedade que algum sócio entre com serviços, necessariamente deverá existir outro sócio que entrará com o capital, formando a quota inicial, e o serviço complementar o objeto social, a título de obrigação de fazer. Portanto, a sociedade simples, neste caso, é personalíssima, com seus efeitos de dissolução no caso de falecimento do sócio de serviços, ou sua exclusão, desde que assim estabeleça o contrato, ou for impossível dar continuidade ao objeto social sem a presença do sócio de serviços. Contra a sociedade simples, com derivação de sócio capitalista e aquele que entra com os serviços, podem ser direcionadas as críticas feitas, em tempos já mais distantes, contra a sociedade de capital e indústria, então prevista, expressamente, pelo Código Comercial de 1850. Esta sociedade, totalmente extravagante, busca, de maneira sucinta, encontrar a confluência entre capital e trabalho, coisa que não é das mais fáceis, notadamente na sistemática societária. O Código Civil de 2002 estabelece, então, uma forma societária que poderia ser denominada de sociedade simples de serviço, quando há confluência de sócios capitalistas e de trabalho. Da Exposição de Motivos sobre o projeto de Código Civil se assentou bem esse detalhe, ao passo que se entendeu por bem integrar a sociedade de capital e indústria à sociedade simples, na qualidade de sociedade personalizada, porém, verdadeira sociedade geral, capaz de absorver várias formas, admitindo-se a de capital e indústria, por via da permissibilidade da contribuição em trabalho.1 Com efeito, na Exposição de Motivos se encontra, claramente, a referência sobre essa situação, cuidando da sociedade simples como forma societária geral ao abarcar as regras gerais aplicáveis aos outros tipos societários, elencando o esclarecimento da contribuição do sócio que consista na prestação de serviços, possível em diversas sociedades (entre elas a sociedade em nome coletivo), e, assim, foi possível suprimir a sociedade de capital e indústria como tipo societário autônomo.

A sociedade simples não é, tecnicamente, um tipo societário porque, assim como diz a própria Exposição de Motivos, seu regramento pode ser aplicado em outras sociedades, o que faz crer, conforme e seguindo a melhor doutrina, que a sociedade simples é uma sociedade geral, ao passo que são típicas todas as demais sociedades, ou seja, as sociedades empresariais. Com efeito, pode acontecer que todos os sócios se obriguem a contribuir com o próprio serviço, como também pode acontecer que alguns sócios se obriguem a conferir serviços e outros ao conferimento do capital. É uma situação anômala, mas que na sociedade simples pode ter lugar. A consequência será que, se a sociedade não alcança lucros, o sócio de serviços terá trabalhado por nada. A legislação atual não impede a existência de sociedade de capital e indústria para fins não comerciais, ou seja, é possível a existência de sociedade de capital e indústria simples, perseguindo atividade econômica de natureza civil.

178. Do conferimento em serviços e sua inexecução

Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (art. 981, C.C.). No caso de conferimento em serviços a sua inexecução, contra o sócio remisso, deve se converter em perdas e danos.

1 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 102.

O conferimento de serviços tem uma resolução especial no caso de o sócio não cumprir a sua obrigação, ou seja, prestar o respectivo serviço. Não pode haver vínculo de subordinação, porque descaracterizaria o vínculo de sociedade, e, na verdade, a sociedade simples seria utilizada, ilicitamente, para fraudar relações trabalhistas. A sociedade de capital e indústria, na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, era já ao tempo do Código Comercial, um tanto quanto “esdrúxula”.1

Com efeito, ainda mais nos dias de hoje, uma sociedade simples dessa natureza também merece aquele adjetivo, posto

pelo mestre CARVALHO DE MENDONÇA.

O mais interessante é que o Código Civil de 2002, revogando o capítulo das sociedades do Código Comercial, não contemplou a sociedade de capital e indústria, o que fez bem, contudo, manteve, por via reflexa, a possibilidade da sociedade de conferimento em serviços na sociedade simples. A antiga sociedade de capital e indústria nada mais era que uma sociedade coletiva, na qual figuravam duas espécies de sócios: os capitalistas, que forneciam os fundos necessários para a empresa ou para a operação mercantil, sócios esses que davam nome à firma social e que administravam a sociedade; e os sócios de indústria, que cooperam, pessoal e diretamente, para o fim social, dedicando a sua atividade à sociedade. O sócio de indústria dava o seu trabalho, a sua atividade, a sua dedicação à sociedade. Se o sócio de indústria tivesse seu nome na firma social, assumiria responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações sociais, e, nesse passo, “a sociedade de capital e indústria, que é a mesma sociedade em nome coletivo, onde figuram um ou mais sócios que contribuem exclusivamente com a sua indústria, não podem existir sem firma ou razão social, que se compõe do mesmo modo que a firma ou razão desta sociedade, apenas com a exclusão do nome abreviado ou por extenso do sócio de indústria”.2

Como no caso o conferimento se faz em serviços, ou seja, como obrigação de fazer, caso o sócio que se obrigou a entrar para sociedade com seu serviço venha descumprir essa sua obrigação, deve ser excluído e apurar as perdas e danos cabíveis. Com isso, tem aplicação a regra do art. 1.004 do Código Civil, que dispõe: Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. No caso do sócio de serviço, a mora se converterá em perdas e danos, com a exclusão do sócio. Portanto, não tem efeito, no caso de sócio de serviço, o parágrafo único do art. 1.004, quando dispõe que, verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031.

Não terá efeito porque é impraticável “reduzir quota” de sócio, o qual se obrigou em contribuir com serviços, e, inclusive, não tem aplicação o § 1º do art. 1.031, acima referido, quando o capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A regra acima transcrita não tem efeito em caso de sócio que se obrigou por serviço porque o serviço não entra na qualidade de capital social, ou seja, esses fundos foram objeto do aporte dos sócios que efetivamente integraram suas quotas. O sócio de serviço, ao contrário, não entra com valores pecuniários, bens, etc., mas apenas com sua dedicação e prestação de serviços em favor da sociedade, mediante uma retribuição, que nesse caso, por conta do vínculo societário, tem a natureza de distribuição de lucros. O serviço não pode ser mensurável em termos de capital social, ao passo que “tem-se, pois, os sócios capitalistas que contribuem para o fundo social com dinheiro, bens ou efeitos e o sócio de indústria que, praticamente, em nada contribui para o capital social, pois sua contribuição consiste em trabalho que executará durante a vigência da sociedade, sendo insusceptível de avaliação para incorporar-se ao capital social. Com efeito, a sua quota no fundo social não se incorpora a este por consistente em trabalho”.3

Existe, na prática dos contratos, certa dificuldade em se definir a posição dos sócios de serviços nas sociedades em nome coletivo e nas simples. Contudo, esse sócio, na sociedade coletiva, desenvolve atividade empresarial, quando se pode presenciar mais claramente uma recíproca atividade comum entre os sócios. Porém, na sociedade simples, o sócio de serviços tende a se confundir com “mero prestador de serviços”, ou ainda de empregado, o que não facilita as coisas do ponto de vista de se determinar, efetivamente, o vínculo societário. Ademais, pode se verificar que tal relação se caracteriza como vínculo de associazione in partecipazione, figura contratual da prática italiana. De uma forma ou de outra, na realidade do ordenamento jurídico pátrio, terá que se perquirir se o vínculo entre os contratantes é verdadeiramente de sociedade, o que significa dizer em exercício comum de uma atividade econômica com a finalidade de distribuir os lucros, ou se, por outro lado, se teria um vínculo de subordinação.

1 Tratado, cit., vol. III, n. 762, p. 196.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, pp. 197/198 e 201.

3 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 106.

Esta é a lição de ANTONIO BRUNETTI, ao enunciar que “per distinguere il socio d’opera del prestatore di lavoro retribuito mediante cointeressenza negli utili, in mancanza di scrittura contrattuale, occorrerá vedere, da un lato, se vi sia il caratteristico rapporto di subordinazione e, dall’altro, se il patto sia diretto a stabilire l’esercizio in comune di un’attività economica per dividerne gli utili”.1

Com efeito, a contribuição do sócio pode consistir em indústria ou trabalho e nos benefícios que daí se podem tirar; são os conhecimentos técnicos especiais, industriais que o sócio coloca a serviço da sociedade, e o antigo Código de 1850 não exigia avaliação prévia em dinheiro do trabalho ou da indústria, com que o sócio promete contribuir, e seu valor não se computa na capital declarado no contrato; o trabalho ou indústria é antes instrumento de produção do que bem ou coisa mensurável.2

Tal regra tem efetividade nas sociedades simples, na qualidade dos sócios de serviços, plenamente possível como fundamento organizacional. Uma sociedade simples com sócio de serviços não pode ser transformada em sociedade limitada ou por ações, porque esses tipos societários impedem tal tipo de contribuição. Da mesma medida, seria impraticável a transformação de uma sociedade em nome coletivo ou comandita que figure sócio de serviços em tipo societário como a limitada e a forma acionária.

No caso da dissolução da sociedade de que participa sócio de serviço, tal sócio não participará do acervo da companhia em liquidação, por impraticável mensurar a sua quota sobre o capital social. Ademais, essa seria uma consequência lógica de equilíbrio do sistema, sabendo que o sócio de serviços não responde pelas dívidas sociais, e no caso da liquidação também não participará do acervo. Perante terceiros, a responsabilidade do sócio de indústria não existe, é nenhuma. Os sócios capitalistas têm responsabilidade solidária e ilimitada, por exemplo, se for uma sociedade em nome coletivo. O equilíbrio entre administração e responsabilidade solidária encontra no caso da liquidação a resolução patrimonial em favor do sócio capitalista, que, efetivamente, enfrentou os riscos do negócio, ao passo que o de serviços não se responsabilizava, salvo se agisse com culpa, dolo, ou tivesse seu nome na firma social, ou atuasse como gerente da sociedade. Conquanto sob os olhos da lei essa seja a solução aceitável, com certeza não parece a mais justa.

179. Da administração da sociedade simples com sócio de serviços

Contrariamente ao que ocorria com a antiga sociedade de capital e indústria, o sócio de serviços, na sociedade simples, pode ter funções administrativas, sem que isso possa piorar ou melhorar sua condição quanto à responsabilização pelas obrigações sociais. Na antiga sociedade de capital e indústria o sócio meramente de indústria não poderia administrar a sociedade, sob pena de assumir a condição de sócio solidária e ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais. Atualmente, com o contrato social, o regramento da responsabilidade dos sócios na sociedade simples já tem regramento específico, quando estabelece, nos artigos 1.022-1.024, o seguinte: A sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Com efeito, o sócio que entrou meramente com seus serviços tem perfeitamente a condição de administrar a sociedade, assumindo as obrigações, em administração disjuntiva ou conjuntiva. A sociedade simples não pode, obviamente, ser utilizada por gatunos com o objetivo de fraudar as leis trabalhistas, realizando negócio simulado, quando o sócio de serviços seria, na verdade dos fatos, um trabalhador com vínculo de subordinação. A prática já mostrou, perigosamente, como cooperativas de trabalho, constituídas mediante circunstâncias de fraude, agiam para fraudar a legislação trabalhista, colocando as pessoas na condição de cooperados, quando eram, na verdade das coisas, empregados. Essa não é uma problemática que fica atinente apenas à sociedade simples, até porque é perfeitamente possível a sociedade em nome coletivo que tenha sócio de indústria. O trabalho, indústria ou serviço não pode ser objeto de contribuição dos comanditários nas comanditas. Evidentemente que a sociedade por ações não tolera sócio de serviços.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 242.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, pp. 34/35.

Porém, na sociedade simples a situação de fraude pode ser mais complexa porque o seu registro é apenas forma, com o sentido de público, de informar aos terceiros da existência da sociedade. Sobre as sociedades em nome coletivo e comandita simples, nas quais podem figurar sócios de serviços, o controle formal do contrato social e dos atos é feito por órgão próprio, vale dizer, o Registro das Empresas, fato esse que confere muito maior segurança jurídica. De uma forma ou de outra, o sócio de serviços pode, na sociedade simples, exercer a administração, desde que autorizado pelo contrato social.

180. Da obrigação do sócio de serviços ao seu conferimento

De um modo geral a obrigação do sócio em realizar a contribuição é uma obrigação de entregar bem ou numerário. Na hipótese das sociedades simples, como no caso do sócio de serviço, sua contribuição é o próprio serviço, ou seja, uma obrigação pessoal de fazer, existe uma consequência lógica sobre tal sistema, que é a regra do art. 1.006 do Código Civil, que dispõe que o sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar -se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído. A regra já era conhecida do Código Comercial de 1850, porém de maneira ainda mais drástica, ao passo que o art. 317 dizia que o sócio de indústria não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em operação alguma comercial estranha à sociedade; pena de ser privado dos lucros daquela e excluído desta. Com isso fica evidente a correlação que existe entre a sociedade simples e qualquer outra sociedade que tenha sócio de serviços, com a sociedade de capital e indústria, do antigo Código Comercial de 1850. A natureza do art. 1.006 do Código Civil é de obrigação de não fazer, ou seja, o sócio de serviços que se obrigou pessoalmente com a sociedade não pode praticar certa conduta, ou seja, está impedido de atuar em outras sociedades, na qualidade de sócio, funcionário público, empregado de outras sociedades, etc., sempre que previsto pelo contrato social. Portanto, o sócio de serviço deve cumprir fielmente a sua obrigação pessoal, de fazer, em relação a sociedade que faz parte, obrigando-se, respectivamente, a cumprir fielmente seus deveres sociais. A sociedade simples que tenha sócio de serviços será uma sociedade simples de natureza personalíssima, sua obrigação será de fazer, e, por isso, pode ser vista como uma sociedade simples coletiva, em referência à sociedade em nome coletivo, mas tem regramento jurídico próprio, pela sua característica societária e pelo seu objeto social.

181. Dos direitos essenciais e do statusjurídico de sócio na sociedade simples

Entre os direitos essenciais de sócios estão: a) participar da distribuição de lucros; fiscalizar a administração da sociedade. O art. 1.021 do Código Civil diz que “o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade”. Esse é um direito que decorre pelo mero fato de ser sócio da sociedade. As restrições ao exercício desse direito podem ter lugar somente em determinar época própria. Qualquer outra restrição contratual é nula de pleno direito. O direito de participar nos lucros é uma consequência não do contrato societário, mas, primeiramente, da própria atividade econômica levada a efeito pela sociedade. Com efeito, esse é um direito de natureza societária, obviamente, mas que tem como condição suspensiva que a sociedade produza lucros. Do contrário, caracterizaria distribuição ilícita ou fictícia de lucros, lesando o seu capital social, garantia dos credores.

Diz a lei (art. 1.007, C.C.) que “salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas, na proporção das respetivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas”. A regra geral é que o sócio participe, nas sociedades simples, sobre os lucros e as perdas conforme a proporção das suas quotas. Porém, os sócios podem pactuar, no seu próprio interesse, que, entre eles, a participação nas perdas não será proporcional às quotas. Essa cláusula em nada prejudica os direitos dos credores, que concorrem igualmente contra todos os sócios. As perdas têm correlação patrimonial entre os próprios sócios, que, por conseguinte, podem estabelecer proporção distinta daquelas previstas originalmente sobre as quotas. Contudo, a participação nos lucros é um direito essencial do sócio. A limitação em relação ao sócio de serviços não tem razão de existir, ao passo que a lei diz “mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas”. De certa forma, parece que o legislador desconhece que a contribuição do sócio de serviços, nas sociedades simples, pode ocorrer frequentemente. Conquanto essa referência de ordem prática, é perfeitamente mensurável o valor do conferimento do sócio de serviços, e, por isso, arbitrária é a referida regra ao dizer que o sócio de serviços “somente participa dos lucros

na proporção da média do valor das quotas” (art. 1.007). Essa regra é arbitrária, e, por assim dizer, contrária ao posicionamento contemporâneo das questões que envolvem a entrada do conferimento do sócio de serviços da sociedade simples, fato esse, ou seja, da presença de sócios de serviço, algo muito frequente para as sociedades simples.

182. Das alterações no contrato social da sociedade simples

Nos termos da lei (art. 997), a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: I – nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II – denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III – capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IV – a quota de cada sócio no capital social e o modo de realizá-la; V – as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; VI – as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade e seus poderes e atribuições; VII – a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII – se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.

E as modificações do contrato social, que tenham por objeto matéria indicada no art. 997, dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Portanto, a regra geral é da unanimidade dos sócios nas questões indicadas no art. 997 do Código Civil. Contudo, muitas dessas matérias têm desdobramentos societários complexos, que a unanimidade não seria a metologia das decisões mais acertada para providenciar sua alteração. O fato de que “as demais” podem ser decididas por maioria absoluta de votos implica decisões administrativas, que, nos termos do contrato, podem ou não prescindir da votação unânime. Bem mais acertado seria ter como metodologia de votação a regra majoritária, deixando ao contrato social, se assim for o interesse dos sócios, a faculdade de exigir a unanimidade deles para a aprovação das matérias que entenderem necessárias. Portanto, equivocada é a regra do referido art. 997 do Código Civil quando exige a unanimidade para várias matérias, o que implicará também situações correlatas aos temas previstos no próprio art. 997, e que, por conseguinte, podem prejudicar o bom funcionamento da administração societária. O melhor e mais acertado seria seguir a regra do Codice Civile, art. 2.252, ao estabelecer que “il contratto sociale può essere modificato soltanto com il consenso di tutti i soci, se non è convenuto diversamente”. Com efeito, essa é uma regra que consagra a liberdade e a autonomia das partes, quando do regramento de seus interesses, diante de pessoas que têm ampla liberdade de contratar, atendendo as suas finalidades, na qual a entidade societária será o reflexo dessa autonomia contratual, assim como requer a cultura jurídica dos quadrantes evoluídos. Ao descontente cabe o recesso. Com isso, a sociedade tem segurança jurídica nas suas questões e pode funcionar perfeitamente sem o requisito da unanimidade, que em muitos casos é utilizada de maneira perniciosa por sócios incompetentes ou gatunos de índole duvidosa. Na liberdade de contratar se entende que cada um dos sócios está vinculado somente pela sua própria manifestação de vontade e nos seus limites, e nenhum deles pode ser colocado em sujeição pela vontade dos outros. Então, nas sociedades, deve sempre imperar a regra da maioria, e se for do interesse das partes, em medida de enorme relevância administrativa, se pode aceitar, no seu interesse de sócio, a presença da regra da unanimidade.

Sobre a administração da sociedade vale a regra do art. 1.010 do Código Civil, ao preceituar que “quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”, e para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais de metade do capital. A regra administrativa (art. 1.010) deveria ser idêntica para a regra geral das sociedades quando da modificação do contrato social (art. 999), entregando ao interesse dos sócios a previsão da unanimidade nas hipóteses que assim entenderem justas. Ainda que a sociedade simples seja o protótipo das sociedades de pessoas, parece que nos dias contemporâneos deve, de maneira ainda mais enfática, ter prevalença o interesse dos sócios na redação do contrato social, na esfera de equilíbrio de poder na conformação da vontade social. Nas hipóteses do art. 997 do Código Civil claro é que algumas delas entram na categoria da metodologia das decisões pela forma da unanimidade, como, por exemplo, objeto social e prazo de duração da sociedade.

Porém, nada impediria que os sócios, no seu próprio interesse, quando da redação do contrato social, estabelecessem regra oposta, como, por exemplo, pela regra da maioria, nos casos da denominação social, entrada de sócios, capital social, poderes de administração social. A lei (art. 999, C.C.) entende de outra forma, e as modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Com efeito, no entender do legislador, a regra geral será sempre a unanimidade, nas hipóteses do art. 997 do Código Civil, ressaltando o fato de que “as demais” podem ser decididas por maioria absoluta, se o contrato social não estipular a regra da unanimidade em todos os casos.

Em outra perspectiva se deveria caminhar na direção que as regras contratuais, ainda aquelas previstas no referido art. 997, poderiam ser alteradas por maioria absoluta de votos, salvo se o contrato social dispusesse pela unanimidade. Se o legislador houvesse seguido essa forma metodológica, a administração das sociedades, na conformação dos seus vários interesses, seria bem mais democrática, reservando ao voto vencido o direito de recesso. Não parece justificável afirmar que a regra da unanimidade serve aos propósitos das sociedades de pessoas. Na verdade, quanto ao fato de metodologia das decisões, a unanimidade favorece o impasse, o que, na administração societária, no mais das vezes, apenas produz discórdia. As regras da sociedade simples servem como protótipo para a formação das demais sociedades empresárias, e, por exemplo, nas comanditas simples não existe regra de unanimidade até porque o comanditário não tem poderes administrativos, sob pena de responder solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Com efeito, por exemplo, nas comanditas é notório o fato, ainda que em casos específicos e raros, que o comanditado é apenas um, enquanto os comanditários são vários. Dificilmente o comanditário entregaria a soma de capital para vários administrarem e se obrigarem perante terceiros. Não se pode fazer baralhada entre affectio societatis e regra da unanimidade. Nas comanditas simples o comanditado exerce soberamente suas obrigações sociais, sem concurso do comanditado. Na alteração do contrato social, é justo que os comanditários exerçam essa prerrogativa de representarem a qualidade de sócios capitalistas, e se exigir unanimidade, neste caso, parece que impede o próprio exercício das prerrogativas sociais. Então, a regra da unanimidade tem que ser vista com bastante atenção, e não se impõe, automaticamente, sobre as demais sociedades de pessoas. Nas coletivas a situação é semelhante, mas com algumas particularidades. O vínculo de affectio societatis nessas sociedades é muito mais forte que nas comanditas simples ou que nas em conta de participação. Assim, a consequência desse extremo vínculo de affectio societatis se mostra inexoravelmente na administração da sociedade coletiva, quando todos os sócios têm poderes de administração. Por conseguinte, no momento de reforma do contrato social, essa situação fática se exterioriza na qualidade da unanimidade, até porque na sociedade coletiva todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente, o que faz por merecer a unanimidade como regra geral nessa sociedade. Porém, na sociedade simples há regra de limitação de responsabilidade, acrescido o fato de que nem todos exercem a administração da sociedade. Essa circunstância acarreta que a regra geral da unanimidade, ainda que se tenha a sociedade simples como protótipo da sociedade de pessoas, não se perfaça adequadamente, pelo menos do ponto de vista administrativo, o que teria sido mais acertado elencar, como metodologia das decisões societárias, a forma majoritária, entregando ao interesse dos sócios a regra da unanimidade quando assim bem entendessem. O que se quer dizer é que até nas antigas sociedades de pessoas se deve levar em efeito jurídico o sistema econômico administrativo. Nesta esfera de poder econômico têm relevância as formas associativas vigorosas economicamente, ou seja, que alcançam e satisfazem os rigores do sistema capitalista. Neste sistema capitalista, que tem as suas próprias estruturas funcionais, a regra jurídica societária da unanimidade não atende perfeitamente, e a regra da maioria conforma com mais atenção os detentores das maiores participações sociais. Não se pode olvidar que a sociedade simples desempenha atividade econômica, ainda que não seja de natureza empresarial. Como atividade econômica, inserida num sistema capitalista de circulação de riqueza, as regras jurídicas limitativas, ao excesso, do poder administrativo daqueles que têm poder capitalista devem ceder espaço ao regramento que tem na difusão e na profusão do próprio sistema capitalista a sua razão econômica e jurídica em idêntico momento. Argumentar que as sociedades de pessoas são antigas, e, por isso, a regra da unanimidade refletiria uma reminiscência histórica difusa entre affectio societatis e responsabilidade ilimitada, não encontra mais sustentação econômica, apesar de manter certa legitimidade no discurso estritamente jurídico. A questão é que muitas das novas sociedades simples têm importante papel econômico na sociedade capitalista. Esse fato não pode impedir ter nessa atividade econômica algo que está muito próximo dos rigores do sistema capitalista empresarial e de suas finalidades. Quantas sociedades simples já não existem no país após a chegada do Código Civil de 2002. Esperar que a somatória de todas essas sociedades não alcance patamares de relevância sobre a atividade econômica da sociedade capitalista seria reduzir o verdadeiro impacto dessas sociedades à realidade nacional. A valorização que o capital tem nessa sociedade capitalista, alçado ao paradigma da existência de tantas pessoas, deve encontrar, na administração das sociedades de pessoas, instrumentos eficientes, nos dias de hoje, para que essas sociedades

possam, efetivamente, alcançar suas finalidades econômicas. Com efeito, a sociedade simples é uma sociedade que tem fim social e finalidade lucrativa.

Amplo pode ser seu objeto social, desde que não caracterize elemento de empresa mercantil. Portanto, inúmeras podem ser as suas atividades, o que ressalta a importância desse tipo societário, notadamente aos escritórios especializados, etc. Então, bem sabendo que essas atividades entram na esfera de elemento de empresa civil, ou seja, que não confluem ao fenômeno societário de empresa comercial, a sociedade simples entra na esfera da atividade econômica especializada, e a reforma do contrato social não deveria passar, como regra geral, pela unanimidade, mas sim pelo debate majoritário, diante da sua importância econômica, assim como nas sociedades de capitais. Seria querer fugir aos fatos da realidade não comparar, do ponto de vista meramente administrativo, as assim denominadas “sociedades de pessoas” das “sociedades de capitais”, diante de um momento histórico contemporâneo em que até a felicidade das pessoas – e talvez também seus direitos – em grande parte é medida pela quantidade de bens que possui ou que pode comprar. A sociedade simples atual, profundamente distinta daquela dos anos de 1942, do Codice Civile, tem que se ajustar aos tempos contemporâneos, nas suas questões administrativas, porque em sede de direito societário sempre prevalece aquilo que a realidade ensina, ou seja, aquilo que as formas empíricas mostram como soluções que depois se manifestam em leis e códigos. No direito empresarial primeiro chegam os mercadores, depois os legisladores. Bem sabendo que no direito societário primeiro chega o interesse dos sócios. A sociedade, para encontrar êxito como tipo societário escolhido, deve sufragar a realidade fática, sob pena de correr o risco de seu desaparecimento. A sociedade simples, ao contrário, por certo tipo societário obrigatório àqueles que não exercem atividade empresarial, obviamente que permanece inabalável em termos de estrutura, mas deve se atentar à realidade, até porque esse tipo societário fez muita baralhada em relação aos termos já consolidados da antiga sociedade civil. Portanto, a jurisprudência deve estar atenta aos efeitos da chegada do novo Código Civil, notadamente no capítulo societário, e ainda mais sobre a sociedade simples. O que se sugere é ter na sociedade simples um contrato de finalidades, assim como nos contratos sociais que regem atividades societárias de natureza empresarial. Na sociedade de pessoa o contrato é verdadeiramente uma manifestação de vontade, que, na sua modificação, somente se faz mediante um novo acordo entre as mesmas partes que formaram o contrato originário. Isso se entende perfeitamente, mas a sugestão, que pode ser aceita ou não, é que também no contrato social da sociedade simples se tenha a seguinte noção: i) que é um contrato plurilateral como qualquer contrato societário; ii) que sua modificação se faça por maioria absoluta, deixando ao interesse dos sócios a regra da unanimidade; iii) que esse fato seja a decorrência da sujeição do contrato social ao instrumento de decisões metodológicas razoáveis e justas em efetivar os riscos da administração e do poder capitalista; iv) que nesse sistema o poder capitalista possa exercer sua prerrogativa, sem lesar o interesse dos demais sócios; v) que o direito de recesso seja efetivado e implementado de maneira justa e correta na defesa do sócio minoritário. Feitas essas ressalvas, não parece estranho ao bom entendimento ter no contrato social da sociedade simples um contrato de finalidades econômicas, que ficaria ao lado dos demais contratos sociais das sociedades de capitais. Esse fato decorre de uma situação fática, em metodologia empírica, que pode ser perfeitamente utilizada para a aplicação do texto legislativo, em interpretação teleológica. De certa forma, essa questão entra na esfera do culturalismo jurídico, bem sabendo da origem da sociedade simples, em sistema jurídico bem semelhante ao ordenamento jurídico pátrio, mas com sua própria e tantas particularidades. Como contrato de finalidades, o contrato social da sociedade simples é uma modalidade econômica de regulação de interesses econômicos e jurídicos entre os sócios, os quais, por se inserirem no contexto de uma sociedade capitalista de massa, recebem sua influência, e quando da reforma do contrato social o rigor desse sistema econômico encontra também um rigor jurídico, que se manifestaria pela forma majoritária, salvo expresso comando que atenda aos próprios interesses dos sócios determinando a regra da unanimidade. Com isso se teria a conjugação dos fatores econômicos e jurídicos, do ponto de vista que o interesse do sócio, na pactuação do contrato, deveria sempre levar em consideração aspectos de sustentação econômica da própria entidade societária, alcançando a finalidade do contrato, qual seja, a de servir, como instrumento jurídico, para que a sociedade alcance lucros e cumpra sua função social. A principal função social do contrato societário está em funcionar como instrumento jurídico de pactuação de interesses econômicos. Por conseguinte se pode notar que o contrato social tem função a) social; b) jurídica; c) econômica. Cabe ressaltar que essa função social do contrato societário não é aquela prevista pelo art. 421 do Código Civil. A função social do contrato societário decorre de uma atividade econômica, que tanto pode ser de natureza empresária quanto não empresária. A função social do contrato, nos termos do art. 421 do Código, é uma função social que tem como elemento o equilíbrio contratual, alcançando a boa-fé na execução do contrato. Nesta perspectiva, a função social nos contratos em geral (art. 421) é a de possibilitar a transferência de propriedade, de riqueza, prestação de serviços, etc., e que essas figuras contratuais

sejam pactuadas nos limites intrínsecos do sistema jurídico, sem dar espaço para o enriquecimento sem causa, ou, em sentido mais amplo, impedindo que o contratante utilize o contrato como instrumento lícito, mas moralmente injusto, para acumulação de riqueza. Sociologicamente, a função do contrato em geral é consentânea com a própria conformação da pactuação existente num sistema liberal capitalista, quando as partes têm no contrato a forma jurídica de estabelecerem e regrarem os seus interesses econômicos. Assim, a função social é uma experiência vivida pelas partes enquanto sujeitos de direitos, em buscarem o regramento de seus interesses econômicos. A função jurídica do contrato está na disciplina contratual. Basta abrir o Código Civil, que lá encontrará a função jurídica do contrato de compra e venda e de todos os demais contratos típicos. A função jurídica é o manancial normativo que regulamenta o contrato, e que, obviamente, deve ser interpretado. É impossível querer que um determinado contrato receba apenas uma interpretação de finalidades, por exemplo, o que deixa claro que a função jurídica do contrato, ainda que presente em termos de direito positivo, vai na confluência dos princípios clássicos, dentro da esfera de liberdade, etc., que podem se contrapor aos sistemas mais revisionistas, como justiça social. A função jurídica do contrato está na busca de elementos que reduzam os conflitos decorrentes da sua própria fenomenologia social, ou seja, naquele momento em que as partes buscam o ajuste econômico dos seus interesses. Ao perseguirem seus interesses econômicos, com grande frequência, as partes entram em conflito, o que pode ser mais intenso conforme o tipo de contrato. De uma forma ou de outra, um sistema jurídico será mais evoluído quanto mais respeitado forem os termos contratuais. Um sistema será mais atrasado quanto mais revisionistas estiverem os contratos. Isso porque quanto mais por revisões se passar um contrato, mais significa que menos ele é cumprido, e assim sua função jurídica é precária. Portanto, não é por outro motivo que nos países civilizados os contratos são cumpridos, ou seja, a função jurídica do contrato em regrar os interesses econômicos foi sociologicamente acertada. Quanto mais revisões, mais perdas e danos, etc., pior foi a função jurídica sobre aquele contrato, e sociologicamente esse sistema é um fracasso. O reflexo econômico desse atraso na função jurídica e do seu fracasso sociológio será: i) o endividamento crescente das pessoas; ii) pouco crescimento econômico; iii) falências econômicas. Nos contratos societários, a sua função social é totalmente distinta pelo fato de que desse contrato decorre uma atividade econômica empresarial ou não empresarial. Até nas sociedades simples a função social do contrato social decorre dessa atividade econômica, mas nesse passo não é uma atividade tipicamente empresarial. Assim, a função social do contrato societário é a manifestação dos interesses sociais dos sócios: a) voto; b) lucros; c) regramento da sociedade; d) administração; e) liquidação, etc., e quanto mais eficiente for juridicamente o contrato social ao regulamentar esses interesses, mais acertada será a sua função jurídica. Porém, em hipótese alguma pode ser confundida a função social do contrato societário com a função social da atividade econômica empresarial ou não empresarial. A função social do contrato societário é regular, da maneira mais acertada possível, o interesse dos sócios. Nessa regulação assume lugar a função jurídica do contrato social. Nessa função jurídica, seja na sua constituição ou modificações posteriores, deve se ter em consideração o interesse dos sócios. A função econômica do contrato societário é proporcionar, em termos formais, o surgimento de uma entidade societária que comandará aquela atividade econômica, seja empresarial ou não empresarial. Por conseguinte, a função econômica do contrato social está correlacionada com a função da atividade econômica perseguida pela sociedade, ou seja, alcançar o seu fim social, distribuir lucros, etc. Contudo, na sociedade contemporânea capitalista, com múltiplos interesses, formando uma sociedade complexa, é evidente que nessa atividade econômica entrarão em questão muitos outros interesses que não são apenas os interesses dos sócios (que se manifestam, perfeitamente, na função social e jurídica do contrato societário). Esses interesses que entram em debate e decorrem da atividade econômica organizada (empresa mercantil e empresa civil) estão correlacionados ao emprego, ao meio ambiente, ao consumo, concorrência, etc. Portanto, é sobre a função econômica do contrato social que se colocam os grandes debates no direito societário contemporâneo. Com certeza que a função social e jurídica é de primeira grandeza, inclusive sem ela não se teria como falar em função econômica do contrato social. Conquanto esses fatores, depreende-se que a função econômica alcança a noção de atividade econômica organizada, e que suplanta a figura sociologicamente aceita da sociedade como instrumento jurídico para pactuação de interesses específicos dos sócios. Com efeito, na função econômica do contrato se inserem os interesses da sua atividade econômica, ou seja, decorrentes, de uma forma ou de outra, da função jurídica do contrato social. Aquele que tem poder de administrar representa a sociedade, a qual assume direitos e obrigações perante terceiros. Na administração da sociedade, ou seja, em fazer valer seu interesse administrativo, a conjugação da função sociológica desse contrato é assumir, efetivamente, que esses interesses são societários na medida em que a sociedade existe como

entidade sociologicamente aceita, e os administradores têm a prerrogativa jurídica – como órgão – de cumprir fielmente seus deveres, bem se falando de deveres e dos direitos administrativos de uma entidade societária, que governa uma atividade econômica dentro de uma sociedade liberal e capitalista. A sociedade simples, como qualquer outra sociedade, entra na categoria de contrato de organização econômica. Nesta premissa, os interesses do emprego, meio ambiente, consumo, concorrência, etc., são encarados como intrínsecos da atividade econômica, que, pela função jurídica do contato social, do ponto de vista organizativo, compete ao organismo societário.

Nesta berlinda de interesses que, na imensa maioria das vezes, são conflitantes ou estão em paralelo, o contrato societário – inclusive nas suas alterações – deve ser colocado como contrato organizacional de finalidades econômicas, sociais e jurídicas, para, sem ter que internalizar ou externalizar interesses, ter na perspectiva empírica da coletividade um fenômeno de sociedade complexa, a qual, seja nos elementos de empresa mercantil ou de empresa civil, operam os mesmos efeitos. Visto desse prisma, o contrato societário assume a sua condição de função: i) jurídica, na formação da entidade societária; ii) social, como fenômeno sociologicamente aceito pelas partes e sujeitos de direitos; iii) econômica, como instrumento que organiza a atividade e faz surgir essa própria atividade econômica e suas finalidades, alcançando os interesses que o envolvem e o caracterizam como entidade própria e específica no sistema liberal capitalista.

183. Do direito da participação nos lucros

A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas (art. 997, VII). Ao lado do direito de administrar a sociedade, o direito ao lucro é condição objetiva do contrato de sociedade. O lucro é o matiz diferenciador do contrato de sociedade em relação aos demais contratos associativos, como as fundações, cooperativas, associações, etc. Será nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas (art. 1.008). Uma sociedade dessa natureza seria leonina, com evidente abuso de direito. O Código Comercial já assim estabelecia, dizendo que o contrato social deve conter a designação específica do objeto da sociedade, da quota com que cada um dos sócios entra para o capital, e da parte que há de ter nos lucros e nas perdas. A sociedade simples como figura de atividade não empresária é tipo societário, e como sociedade que é tem, obrigatoriamente, finalidade lucrativa.

184. Das obrigações societárias

Na qualidade jurídica de sócios, a administração na sociedade simples é uma obrigação, antes que um direito. Portanto, deve exercer a administração pessoalmente em nome e por conta da sociedade. O dever de administrar a sociedade está no elenco interpretativo do art. 1.001 do Código Civil, ou seja, que as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguem as responsabilidades. Portanto, é uma obrigação do sócio administrar a sociedade, mas também exercer a função de liquidante. Esse é um dever de administração. Por certo que o sócio poderá, na liquidação, contratar um mandatário para vender, por exemplo, os bens do ativo da sociedade, que se encontram em outra cidade, observando os limites dos seus poderes previstos no contrato social, bem como nos limites do contrato de mandato.

O dever de administração impede a delegação da função administrativa, ao passo que o art. 1.002 do Código Civil diz que o sócio não pode ser substituído no exercício de suas funções (administrativas) sem o consentimento dos demais sócios, expresso em modificação do contrato social. Se, por acaso, o sócio se retira da sociedade, com o consenso dos demais, porém não efetua a inscrição do contrato social e sua respectiva alteração, ter-se-á, então, sociedade simples irregular. Idêntica solução, ou seja, de sociedade irregular, se terá quando a sociedade simples admitir um sócio de fato, sem realizar sua inscrição no contrato social. A responsabilidade será solidária entre eles e ilimitada pelo sócio de fato que contratar pela sociedade. Outra obrigação é que o sócio não pode exceder os poderes conferidos pela lei ou pelo contrato social. Se o administrador exceder seus poderes, incide a regra do art. 1.015 do Código Civil, e o excesso por parte dos administradores somente

pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. O administrador não ter proveito próprio, lesando a sociedade ou os demais sócios. Contra tal situação tem vigência a regra do art. 1.017 do Código Civil. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. Obrigação de administrador também é prestar aos sócios as contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. A administração da sociedade é dividida em ordinária e extraordinária. Como seu dever, e no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir (art. 1.015, caput). Administração ordinária é aquela que se correlaciona diretamente com o objeto social da sociedade, ou seja, são os atos colocados a efeito para alcançar o objeto social, no fim social, buscando sempre o interesse social. Sobre a administração ordinária é que, via de regra, se tem administração disjunta. Quanto à administração extraordinária, são atos societários que estão correlacionados ao sentido de administração em sentido amplo da sociedade, e, não por isso, ocasionam, no mais das vezes, direito de recesso por parte do sócio dissidente, como nos casos de reestruturações societárias, alteração do objeto social e demais casos previstos em lei. Nas sociedades simples seria aconselhável um conselho de sócios para decidirem, por unanimidade, sobre a prática de atos de administração extraordinária. A falta do consenso impediria a prática do ato, e se partiria, então, para eventual dissolução da sociedade se o impasse fosse de grande monta. A natureza de sociedade de pessoas que é clássica da sociedade simples assim requer, e a medida do conselho de sócios seria um órgão qualificado, seja do ponto de vista do fator da unanimidade, quanto em legitimar ou não a prática do ato, na confluência da busca do interesse social.

185. Da exclusão do sócio

Conforme o art. 1.030 do Código Civil, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante a iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido ou aquele cuja quota tenha sido liquidada, nos termos do parágrafo único do art. 1.026. A hipótese em questão retrata caso gravíssimo de quebra de affectio societatis, e a incapacidade superveniente se perfaz por sentença judicial, declarando o estado de interdição. Cumpre ressaltar que a incapacidade superveniente não é causa obrigatória de exclusão de sócio que não exerce a administração da sociedade ou que não tenha poderes de representação. Isso pelo fato de que tal pessoa não tem a qualidade de representar a sociedade perante terceiros. Nas sociedades limitadas, com matiz capitalista, e nas quais constem diretores com os poderes de administração fixados pelo contrato social, é possível a permanência do sócio incapaz na sociedade, desde que representado judicialmente. Por outro lado, nas sociedades de pessoas, entre elas as sociedades em nome coletivo, simples, impraticável é a sociedade persistir com sócio incapaz, ainda que representado, pelo fato de que a responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada. Na legislação italiana, a exclusão do sócio pode ter lugar por grave descumprimento das obrigações que decorrem do contrato social ou da lei, pela interdição, ou por crimes que impeçam sua participação na administração pública (art. 2.286, Codice Civile). Nas sociedades de pessoas, as normas de exclusão dos sócios por grave descumprimento das suas obrigações têm caráter especial e derrogam as regras sobre a resolução dos contratos bilaterais, por culpa ou dolo. O contrato social é plurilateral e tem na administração da sociedade a principal das circunstâncias que importam exclusão de sócio. Certamente que o sócio poderá ser excluído da sociedade quando não efetuar a contribuição que está obrigado pelo contrato social para a formação da sociedade (art. 1.004, C.C.). Com efeito, verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da

sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota (art. 1.031, C.C.). A exclusão de sócio por não cumprir sua obrigação na formação do capital social é apenas uma das hipóteses possíveis pela prática societária. Desta feita, por não realizar o conferimento na data e condições ajustadas, o sócio será excluído da sociedade, já no seu início. Contudo, existem várias outras possibilidades de exclusão, as quais estão correlacionadas com a administração da sociedade, ou seja, durante a vigência do contrato plurilateral. A sociedade é contrato de fim comum. Qualquer ato do sócio que vise prejudicar a sociedade na busca do fim comum é passível de processo judicial de exclusão. O contrato de sociedade é um contrato de manifestação de vontade e de interesse social. Portanto, o simples conflito administrativo, por óbvio, não alcança a possibilidade de exclusão do sócio dissidente, mas a lei, por justiça, em alguns casos lhe autorizará o direito de recesso, ou seja, de se retirar da sociedade por vontade própria. Contudo, a exclusão de sócio é fato gravíssimo e fica condicionada ao processo judicial. Em sede própria se provará que a conduta do sócio foi lesiva aos interesses da sociedade, que sua manifestação de voto era viciada por atos de corrupção, que tal sócio buscava unicamente lesar a sociedade em proveito próprio, prejudicando credores, terceiros e os demais sócios.

Não é o simples dissentir entre os sócios que ensejará o processo de exclusão. Isso seria a lei da maioria utilizada abusivamente contra a minoria. Na administração do contrato plurilateral o dissentir é da sua própria essência jurídica, como elemento caracterizador da vontade social, alcançada na confluência dos votos dos sócios, cada qual seguindo o interesse social da sociedade, e não aquele seu próprio, lesando a sociedade, terceiros ou credores. Na primeira situação, ou seja, na administração regular do contrato plurilateral, do dissentir sobre a administração, a votação majoritária é a forma metodológica de alcançar o interesse social, nos limites da lei. Contudo, quando o sócio, não buscando o interesse da sociedade, mas o seu próprio, utiliza do seu direito de voto como forma lesiva aos interesses da sociedade e dos sócios, surge a possibilidade da sua exclusão.

186. Das hipóteses de exclusão de sócio

As hipóteses de exclusão de sócio variam, muitas vezes, conforme o tipo societário, se uma sociedade simples, limitada, em nome coletivo, comandita e a por ações. Nas sociedades coletivas, nas quais a responsabilidade solidária e ilimitada é condição do próprio tipo societário, o pagamento pro quota (ou seja, solidariamente) dos valores de um contrato de mútuo oneroso contratado pela sociedade é objeto de uma obrigação societária que decorre, necessariamente, do status jurídico de sócio em nome coletivo, e que ao mesmo tempo que confere ao sócio a participação nos lucros na medida da sua quota sobre o capital social também lhe confere a obrigação de pagar pessoalmente as dívidas da sociedade nesta mesma proporção (salvo o beneficium excussionis), quando todos os sócios são devedores solidários e ilimitadamente responsáveis. Por conseguinte, a inadimplência da obrigação solidária e ilimitada do sócio coletivo pode ocasionar sua exclusão da sociedade, por não cumprimento de suas obrigações societárias.1 A referida decisão é extremamente correta, e mostra claramente a correlação entre a esfera dos tipos societários, seus deveres administrativos, obrigacionais, com a sua correlação na exclusão do sócio faltoso. Ressalte-se que em sede de contrato plurilateral, para fins de exclusão de sócio, não se deve perquirir, única e exclusivamente, a via da responsabilidade por atos culposos ou dolosos, que ensejariam a exclusão. Em sede de contrato plurilateral e da exclusão de sócios se deve perquirir sobre a própria razão do vínculo societário, suas condicionantes objetivas e subjetivas. No exemplo acima referido, há, evidentemente, quebra de obrigação por parte do sócio que não honra, pro quota sua, a obrigação perante o contrato de mútuo oneroso. Tal comportamento, em sede de sociedade coletiva, é verdadeiramente uma conduta injúria contra os demais sócios, que sabem que a responsabilidade solidária e ilimitada faz parte das regras dessa sociedade, e se esses sócios estão em nome coletivo é porque alguma explicação comercial assim exige e explica, e não seria tolerável, do ponto de vista de suportar a presença de sócio faltoso, permitir tamanha ofensa. Para se excluir um sócio deve ser ter a correlação: gravidade da conduta e tipo societário. Impraticável se imaginar a hipótese acima referida em uma sociedade limitada, anônima ou comandita.

1 Cass. civ., sez. I, 7 dicembre 1995, n. 12628, cf. BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1999.

Nestas sociedades não se vai pela via da responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais, pelo contrário. Na comandita, existem os comanditados, que são pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota. Assim, entre comanditados e comanditários não há responsabilidade solidária nas idênticas proporções com a sociedade em nome coletivo. O exemplo acima figurado teria razão de ser na exclusão de sócio comanditado se não entrasse pro quota sua, entre os demais comanditados, para solver obrigação da sociedade. Porém, impraticável se imaginar a exclusão de comanditário por essa mesma razão, até porque o comanditário responde somente pelo valor da sua quota, o que já é o suficiente. Com efeito, também impraticável tal hipótese nas limitadas e anônimas, que têm a responsabilidade circunscrita às quotas e a ações do seu capital, respectivamente. Conforme a gravidade do caso, e do tipo societário, podem ser excluídos das sociedades os sócios que se situarem nas seguintes condições: a) não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação; b) o administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Podem ser excluídos, da mesma forma, perdulários que descumprem o art. 1.011 do Código Civil, contrariando o dever de probidade, lealdade e boa-fé, nos termos em que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Ademais, os sócios que gerem a sociedade administram patrimônio alheio e prestam contas de seus atos, e respondem criminalmente se se apropriarem de bens ou valores sociais.1 Os sócios que assim agirem devem ser excluídos judicialmente da sociedade.

O sócio excluído não tem a prerrogativa de requerer a dissolução da sociedade. De uma maneira geral, essas seriam as hipóteses de exclusão de sócio: a) se o sócio não entra conferindo bens, dinheiro ao capital social (obrigação de dar); b) se não entra com os serviços; c) se não dá cumprimento obrigacional (obrigação pessoal de fazer) aos serviços pactuados na qualidade de prestação formativa da sociedade; d) se o sócio de serviços empregar-se em atividade estranha à sociedade; e) interdição; condenação por crimes contra a ordem econômica, administração, pública, etc.; f) circunstâncias fixadas pelo contrato social que caracterizem justa causa, como quebra da affectio societatis, não cumprimento dos deveres fiduciários na gestão da sociedade, etc. Dentre as principais causas de exclusão estão: por grave descumprimento das obrigações legais e contratuais; interdição; condenações penais; impossibilidade de cumprimento dos serviços para o sócio que assim se obrigou; incapacidade superveniente.

Quanto ao fato de o art. 1.030 se referir “mediante iniciativa da maioria dos demais sócios”, é uma alusão sobre a exclusão majoritária, porque qualquer sócio pode requerer judicialmente a exclusão de outro, sem que seja necessária aprovação por deliberação, e, com efeito, sobre a exclusão judicial quando a sociedade é composta por dois sócios, a exclusão de um deles deve ser pronunciada judicialmente por requerimento de um único sócio, obviamente.2 Neste caso, o sócio in bonis tem até cento e oitenta dias para cumprir a regra da pluralidade de sócios, do art. 1.033, IV, evitando a dissolução da sociedade.

A exclusão do sócio será automática quando da hipótese de sua falência ou quando o credor particular do sócio tenha obtido a liquidação da quota (artigos 1.026 e 1.030, C.C.). Na exclusão judicial aprovada por maioria absoluta, o magistrado deve perquirir se o que motivou a exclusão do sócio é efetivamente a defesa do interesse social: se configurada exclusão por razões de ordem extrassocial, a deliberação é nula de pleno direito, e o sócio mantém seus direitos como se aquela medida societária de exclusão não tivesse existido. O contrato social pode estabelecer a prerrogativa que os sócios, em maioria absoluta, aprovem a exclusão de sócio na defesa do interesse social, e será sobre esse fenômeno que o magistrado deve perquirir se houve conduta omissiva ou comissiva do sócio excluído que seja contrária ao interesse social. Contudo, essa cláusula será nula se tem o objetivo de criar causas de exclusão que não entram na categoria de não cumprimento dos deveres sociais ou incapacidade superveniente, e essa cláusula padecente de nulidade teria, única e exclusivamente, a finalidade de estabelecer sistema de ditadura em favor da maioria do capital contra sócio minoritário, com a ameaça da exclusão da sociedade por questões de “interesse social”.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 637, p. 109.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 405.

Anulada a deliberação majoritária de exclusão do sócio, a sentença terá efeitos ex tunc e comporta a reintegração do sócio na sua posição anterior, na plenitude dos seus direitos societários.

O magistrado não pode perquirir sobre a “oportunidade” da exclusão do sócio: a maioria pode excluir o sócio faltoso, corrupto, que não cumpre seus deveres administrativos ou de representação, que tem sua quota liquidada pelo credor pessoal (art. 1.026) e em outras situações jurídicas que o contrato social, expressamente, determinar como condição de exclusão. Com efeito, ao passo que o magistrado não pode perquirir sobre a “oportunidade” da exclusão, compete-lhe perquirir se a condição de exclusão prevista no contrato social é lícita, e não a mera manifestação do poder ditatorial da maioria, que se resumira em condições inócuas ou de cunho limitativo contra o direito de voto do sócio minoritário. Por exemplo: será nula a cláusula que estabelece, genericamente, a exclusão do sócio que não votar com a maioria dos sócios, pretendendo que a maioria seja a titular da prerrogativa de estabelecer o que se entende por “interesse social”. Se o sócio minoritário vota, sempre, contra a maioria, esse fato – por si só – não acarretará sua exclusão; porém, se o voto contrário é motivado por interesse pessoal ou evidentemente contrário ao interesse da sociedade, a exclusão aprovada pela maioria dos sócios terá lugar. O voto contrário ao balanço, com a finalidade de prejudicar a administração da sociedade, também poderá ensejar exclusão de sociedade, desde que provada a má-fé do sócio em sua votação. A contabilidade da sociedade é matéria fática, que comporta interpretação restritiva em seus fundamentos. Se o sócio minoritário levanta inverdades contra a prestação de contas, poderá ser excluído da sociedade, se comprovada a leviandade de seus argumentos contra as contas sociais. O voto contrário à prestação de contas, por si só, não acarreta exclusão, obviamente. O fato que enseja a exclusão será sempre o dolo ou culpa na argumentação contra a prestação de contas: se a conduta é dolosa ou culposa, mas provoca prejuízos contra a sociedade, a exclusão é medida justa contra o sócio faltoso. Em sede judicial têm que ser provados: a) o prejuízo da sociedade decorrente do voto contrário do sócio; b) que sua alegação contra a prestação de contas se faz por dolo ou culpa. A culpa é aquela em termos societários: o sócio tem o direito de ter informação sobre as contas sociais, porém, deve ter bem acertado o entendimento da situação patrimonial da sociedade. Se as informações contábeis prestadas se provarem falsas ou equivocadas, é evidente que o sócio que contra elas se insurge não poderá ser excluído, ainda que de seu voto a sociedade incorra em prejuízos. Portanto, se o voto for contrário às contas sociais, mas esse voto se manifesta nos termos da legislação, em nada incorrerá o sócio que reprovou as contas, principalmente se o voto tem fundamentação na equivocada prestação de contas, fruto da fraude e da gatunagem. Esse voto não entra na categoria de “contrário ao interesse social e com objetivo de prejudicar os negócios sociais”, como poderia argumentar a maioria, deliberando e aprovando a exclusão do sócio: nessa circunstância, o voto contrário é a exata manifestação do interesse social da sociedade, que se consubstancia no voto do sócio minoritário.

Neste passo, em última instância, esse sócio pode se retirar da sociedade (art. 1.029) e liquidar sua quota; mas poderá, também, requerer a dissolução judicial da sociedade com fundamento na quebra da affectio societatis. É evidente que numa sociedade na qual imperam a fraude contábil e o dissídio entre os sócios, ainda que do minoritário em relação ao majoritário, tal sociedade pode ser dissolvida judicialmente, apurando as responsabilidades societárias e liquidando o ativo entre os credores, e o remanescente distribuído entre os sócios, se houver. Essa sociedade não está mais em condições de cumprir seu fim social: o conflito entre os sócios, se for de tal natureza, pode acarretar a paralisação da administração social, e por isso enseja a dissolução judicial por impossibilidade de cumprir seu fim social. Se o conflito social impede o exercício da administração, a sociedade deve entrar em liquidação. Por outro lado, se apenas um ou mais sócios são aqueles que provocam o conflito societário, sem que dessa feita consigam impedir a administração social pela maioria e pelos demais sócios, a via será outra: esses sócios devem ser excluídos com fundamento no art. 1.030, caput, do Código Civil. Como regra geral, o sócio pode ser excluído nos seguintes casos: por não cumprimento dos seus deveres sociais; interdição; inabilitação ao exercício de profissão (característica das sociedades de pessoas, na figura dos sócios que exercem profissão regulamentada); não contribuição ao capital social (bens, dinheiro ou efeitos); quando o sócio for declarado falido; quando o credor particular do sócio obteve a liquidação da quota social do sócio; cláusulas de justa causa, previstas no contrato, que não contrariem a ordem pública e os direitos essenciais do exercício das prerrogativas de sócio. O sócio que não observa os deveres relativos ao exercício da administração pratica um ato contrário ao interesse social da sociedade, e por isso pode ser excluído: a obrigação de administração é o principal dever do sócio nas sociedades de pessoas, conforme cada um dos casos. Por exemplo, nas comanditas, o comanditário está impedido de exercer a administração sob pena de responder ilimitadamente pelas obrigações sociais. Porém, tal sócio deve observar o dever de lealdade, boa-fé e realizar o conferimento ao capital social. No caso de esse sócio não cumprir suas obrigações, seus sócios de idêntica condição podem aprovar a sua exclusão.

187. Da exclusão do sócio de serviços

Nos termos do Código Civil (art. 1.006), o sócio cuja contribuição consista em serviços não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído. O sócio

de serviço deve cumprir sua obrigação durante a vigência da sociedade, e os sócios capitalistas são os administradores da sociedade, como na sociedade em nome coletivo.1 Toda e qualquer sociedade que tenha sócio de serviços tem a natureza pessoal, que neste caso assume característica personalíssima, decisiva para o agrupamento societário. A obrigação do sócio de serviços é uma obrigação de fazer. O mandamento legal, desde que previsto pelo contrato social, impedindo tal sócio de empregar-se em atividade estranha à sociedade, é uma obrigação de não fazer. Então, nessa sociedade, o sócio tem duas obrigações diametralmente opostas. Uma é aquela da prestação dos serviços; a outra é aquela em não participar de atividade estranha à sociedade. Caso o sócio de serviços participe de atividade estranha à sociedade ele será excluído da sociedade, conforme dispuser o contrato social.

A expressão atividade estranha à sociedade tem que ser interpretada extensivamente, abarcando toda e qualquer atividade profissional. Por conseguinte, para figurar na qualidade de sócio de serviços tal pessoa não poderá integrar outras sociedades; exercer cargos públicos de qualquer natureza; atuar profissionalmente em idêntico setor ou diverso; não poderá entrar em atividade de concorrência com a sociedade.

Essa situação encontra equilíbrio, ao passo que a lei diz, textualmente, que, salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das respectivas quotas, mas aquele cuja contribuição consiste em serviços somente participa dos lucros na proporção média do valor das quotas (art. 1.007, C.C.). A tradição é que o sócio de serviços não se responsabilize pessoalmente pelas perdas da sociedade porque sua contribuição não é mensurável em capital; e, do ponto de vista gerencial, ele não é responsável pessoalmente porque não exerce a administração.

Com efeito, “o sócio meramente de indústria não pode ser gerente, sob pena de assumir as vestes de sócio ilimitada e solidariamente responsável para com terceiros pelas obrigações sociais”.2 A regra antiga era a seguinte: o sócio de indústria não responsabiliza o seu patrimônio particular para com os credores da sociedade. Se, porém, além da indústria, contribuir para o capital social com alguma quota em dinheiro, bens ou efeitos, ou for gerente da firma social, ficará constituído sócio solidário em toda a responsabilidade (art. 321, Código Comercial).

Parece que o objetivo buscado pelo legislador ao disciplinar “as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consiste em serviços” (art. 997, V), e “quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”, e sabendo que “para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais da metade do capital” (art. 1.010), é que o sócio de serviços não exerça a administração da sociedade. Há uma correlação entre não administrar a sociedade e não ser responsável pessoalmente pelas obrigações sociais. Se se considera que o sócio de serviço não exerce a administração, tal figura também não será responsável pessoalmente pelas obrigações sociais. É um equilíbrio que o legislador busca, entre administração e responsabilidade. De certa forma, o que o legislador busca na sociedade que tem sócio de serviço é sua dedicação total à sociedade, impedindo tal sócio de empregar-se em atividade estranha à sociedade. A expressão estranha à sociedade não envolve unicamente atividades estranhas ao seu objeto social. O legislador utilizou a expressão em sentido amplo, abarcando toda e qualquer atividade profissional estranha à sociedade, ou seja, que não seja apenas estranha ao seu objeto social, como o termo sociedade tem o significado de atividade, serviço, ocupação, função ou cargos de qualquer natureza. Com isso, se o sócio de serviço se ocupar de outra atividade, estranha àquela atividade profissional que exerce em sociedade, é hipótese para sua exclusão, a ser decidida pelos demais sócios, em maioria. Situação complexa ocorre quando dessa sociedade participem apenas dois sócios, ou seja, o de serviço e um outro sócio que integra o capital social, com bens ou dinheiro. Como a exclusão é judicial, o sócio de capital poderá requerer a exclusão do sócio de serviços, sem qualquer restrição. Neste caso, opera verdadeira dissolução, após a exclusão, observando o art. 1.033 do Código Civil. O sócio de serviços também pode requerer a exclusão do outro sócio de capital, sempre por grave descumprimento dos deveres administrativos e quebra da affectio societatis. Tal circunstância não opera incidir na “administração” da sociedade, mas é uma medida judicial prevista pelo ordenamento jurídico, com a finalidade de fixar responsabilidades contra o sócio faltoso.

1 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 114.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 772, p. 202.

Se o sócio de serviço não der continuidade às suas obrigações, ou seja, a de cumprir efetivamente os serviços sobre os quais se obrigou na formação da sociedade, também poderá ser excluído, pouco importando se o descumprimento obrigacional foi temporário. O que importa é que neste caso se comprove o não-cumprimento da obrigação, e não se deve, unicamente, perquirir se o fator que deu causa ao descumprimento foi ou não culposo. O sócio de serviços que sabe não ter condições de prestar os respectivos serviços, seja momentânea ou indefinidamente, deve requerer a sua retirada da sociedade, apurando os haveres a que tiver direito. Em hipótese alguma deve se deferir a permanência de sócio de serviços que não presta os respectivos serviços perquirindo sobre a sua culpa. Basta a não-prestação do serviço para ensejar e fundamentar a ação judicial de exclusão de sócio. Tal solução é justa porque entra na condição de validade da obrigação contratual assumida pelo sócio de serviço, que é totalmente diferente do sócio que, na formação do capital social, entra com bens ou dinheiro. Cumprido o seu dever, ou seja, a obrigação de conferir os respectivos bens e dinheiro, o sócio de capital somente será excluído nas hipóteses que decorrem da administração do contrato plurilateral. Bem andava o antigo Código Comercial de 1850, quando estipulava que as sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes do período marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios, mostrando-se que é impossível a continuação da sociedade por não poder preencher o intuito e fim social, como nos casos de perda inteira do capital social ou de este não ser suficiente. Como o citado Código Comercial se referia às sociedades coletivas, comanditas, conta de participação e de capital e indústria, a questão do capital social ganhava relevância sobre os fundos sociais, fator esse que impediria a continuidade dos negócios sociais. Seria um dever do sócio aquele de requerer a dissolução, apurando que o capital social não mais permitiria explorar o comércio, apurando os haveres. Porém, sobre o sócio de serviços a situação é bem outra, ao passo que o seu serviço é a sua contribuição à formação da sociedade, como, também, para a consecução do seu fim social. A prestação do serviço é condição da sua presença em sociedade.

O serviço não se encerra com o seu “conferimento”, muito pelo contrário, ele tem continuidade durante o funcionamento da sociedade, diversamente da contribuição do sócio, em bens ou dinheiro. Com efeito, é de extrema gravidade o fato de que o sócio de serviço não preste mais os seus deveres contratuais, não realizando o respectivo serviço, ensejando a sua exclusão. Ademais, tal situação pode ser causa de dissolução judicial da sociedade, agora operando em favor do sócio de serviço.

O mestre dos mestres ensina que muitas vezes a exclusão dos sócios “traz necessariamente a dissolução da sociedade, e não raro a impossibilidade da sua continuação. Assim: se a sociedade se compõe de dois sócios, e um deles não entra com a quota, excluído este, aquela não pode subsistir; quando muito o sócio que cumpriu as cláusulas do contrato pode continuar com o negócio individualmente. Se o sócio de indústria representa a parte mais apreciável, em virtude de sua capacidade e habilidades técnicas, que dá impulso ao comércio exercido pela sociedade, excluído este sócio, a sociedade está fatalmente condenada a perecer. Não podendo preencher o intuito e fim, o caminho é a dissolução”.1

Nas sociedades de pessoas, a exclusão de um sócio pode, indiretamente, ocasionar a dissolução da sociedade. Em sede de exclusão de sócio, no mais das vezes, há conflitos societários sobre os fundos da sociedade, distribuição de lucros, prestação de contas, fraudes de toda ordem, e seria aconselhável que o sócio, antes de medidas extremadas, alcançasse abrigo em solucionar os eventuais conflitos, porque a exclusão do sócio, ainda que decidida pela maioria, pode colocar a perigo a continuidade e o funcionamento da sociedade.

188. Do direito de requerer a exclusão de sócio

A exclusão de sócio tem que ser fundamentada e justificada por atos inequívocos. Esses atos são: corrupção, lesão ao patrimônio social, incapacidade, falta grave no cumprimento de suas obrigações. A lei estabelece que, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente (art. 1.030). O sócio declarado falido será excluído, automaticamente, da sociedade in bonis. Isso não significa que essa exclusão não seja fundamentada e justificada: a fundamentação tem lugar com a sentença declaratória de falência; a justificação é que o falido está impedido de exercer a atividade empresarial e de participar de sociedades, ainda que na sociedade simples, bem sabendo que após sua exclusão sua quota será liquidada perante o concurso da falência. O que ocorre é que a exclusão, no caso de falência, se opera de pleno direito: é uma circunstância de tal gravidade que não é necessária a provocação dos sócios para que se efetive. Basta a convocação de reunião de sócios para deliberarem sobre

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 689, p. 150.

a matéria, aprovando a exclusão. Essa aprovação tem efeitos perante terceiros e limita responsabilidades contra a sociedade in bonis.

Outra situação que enseja a exclusão automática da sociedade é aquela prevista pelo art. 1.026 do Código Civil: O credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Fato de extrema gravidade é o caso de o credor particular do sócio, na insuficiência dos seus bens pessoais, direcionar a execução sobre os lucros do sócio ou na parte que lhe couber na liquidação. Porém, o fato que realmente enseja, do ponto de vista da fundamentação e justificativa, a sua exclusão da sociedade é que o credor particular poderá requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor será apurado nos termos do art. 1.031 do Código Civil. Com efeito, é verdadeiramente hipótese de exclusão automática porque o próprio Judiciário determinou a “liquidação da quota social”, o que significa verdadeira dissolução parcial em relação ao sócio. Portanto, há quebra no feixe das relações jurídicas dentro do contrato plurilateral, bem sabendo que essa quebra não tem o poder de resolver o contrato como um todo (dissolução total), porque é próprio do contrato plurilateral a existência de infinitas relações jurídicas societárias. No caso do credor particular do sócio que alcança a quota social há evidente quebra do feixe societário entre esse sócio e a sociedade, restando intactas as demais relações jurídicas de matiz plurilateral, o que permite que a sociedade não entre em solução de continuidade, evitando a dissolução total. Nas sociedades, a exclusão do sócio pode ser feita mediante a manifestação da vontade social contra o sócio faltoso e nas seguintes situações: a) por falta grave no cumprimento dos deveres de sócios; b) por descumprimento dos deveres de sócios (condutas omissivas); c) pela interdição; d) inabilitação (sócio de serviços); e) pela evicção da coisa que conferiu a título de propriedade; f) pelo não-conferimento do crédito que prometeu, em razão da insolvência de seu devedor, e por qualquer descumprimento das suas obrigações, nos termos do art. 1.004 do Código Civil. O sócio pode ser excluído se a coisa que conferiu a titulo de propriedade em favor da sociedade se perder pela evicção. Também poderá ser excluído pela insolvência do devedor, quando sua contribuição for o crédito de seu devedor. Essas condições derivam do art. 1.005 do Código Civil: o sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso responde pela evicção, e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito. Portanto, será excluído se o bem for objeto de evicção e não conferir o crédito pela insolvência do seu devedor. Ademais, será excluído o sócio de serviços que abrir concorrência contra a sociedade: o sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar-se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído (art. 1.006). Por bem da verdade, esse sócio não pode atuar em nenhuma outra atividade, ainda que não concorra com a sociedade da qual faz parte. A exclusão é de pleno direito, como se disse, nos seguintes casos: a) declaração de falência do sócio; b) quando o credor particular do sócio obtenha a liquidação da sua quota na sociedade. Com efeito, a exclusão judicial tem lugar para fazer valer as hipóteses de exclusão por manifestação da vontade social, quando contestada. Será sempre uma exclusão por justa causa, ou seja, grave descumprimento dos deveres sociais, inabilitação, e nos termos dos artigos 1.004, 1.030 e 1.085 do Código Civil, ou seja, por atos contrários ao dever de lealdade, probidade, boa-fé administrativas, bem como pelo dever de manter a integridade do patrimônio social, e administração da sociedade de maneira correta e sem praticar atos temerários. Por conseguinte, a exclusão judicial terá lugar quando a vontade social representar a defesa dos interesses patrimoniais e sociais da sociedade na condição e qualidade de entidade jurídica, e, também, na condição de fenômenos socioeconômicos, na ampla concepção dos interesses que convergem sobre a atividade econômica.

189. Das consequências obrigacionais da exclusão de sócios

Várias são as consequências decorrentes da exclusão do sócio faltoso. Dentre as principais, está em considerar, para efeitos de responsabilização, o sócio excluído da sociedade na mesma condição daquele que se retira, por vontade própria, da sociedade ou daquele que deriva do direito de recesso. Com efeito, a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos (retirada e exclusão), pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requer a averbação (art. 1.032, C.C.). A regra é correta, e busca evitar o conluio fraudulento, a lesão contra os credores da sociedade, etc. Ressalte-se que a extinção das obrigações, em relação ao sócio excluído, se dá em até dois anos após averbada a resolução da sociedade. Na outra situação, as obrigações – posteriores e em igual prazo – não se extinguem enquanto não se requer a averbação.

O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins compreende: dos atos constitutivos e respectivas alterações das demais pessoas jurídicas organizadas sob a forma empresarial mercantil, bem como de sua dissolução e extinção (art. 32, II, d, Decreto 1.800/96). Em situação análoga, nas sociedades simples, os prazos do art. 1.032 contam dos requerimentos de alteração do contrato social, perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Contudo, de uma forma ou de outra, a extinção das obrigações vai operar, efetivamente, após o trânsito em julgado da ação de exclusão de sócio, com a respectiva anotação, quer se faça no Registro das Empresas (sociedades empresariais), quer no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (sociedade simples). Nas sociedades empresariais, tem efetividade a questão dos efeitos da falências sobre os sócios da sociedade com sócios solidária e ilimitadamente responsáveis, conforme dispõe o art. 81 da Lei 11.101/05, ao determinar que decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem. O disposto no caput do referido art. 81 aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade há menos de dois anos quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência. A exclusão do sócio deve constar de ato escrito registrado e publicado, nos termos acima referidos, para que tenha validade contra terceiros, sob as consequências da lei.

190. Das causas de exclusão do sócio

Como já se disse, várias são as hipóteses de exclusão de sócios: todas, de uma forma ou de outra, se consubstanciam em condutas ou fatos que ensejam a quebra do vínculo societário entre os sócios. Esse vínculo tem natureza objetiva e subjetiva. Dentre os de matiz objetivo estão: a) lesão ao patrimônio social; b) descumprimento dos deveres sociais e corrupção; c) falência; d) liquidação da quota pelo credor particular; e) abrir concorrência contra a sociedade, entre outros que o contrato, expressamente, estabelecer. Dentre aqueles de natureza subjetiva estão: a) quebra do vínculo de affectio societatis; b) falta de lealdade diante dos demais sócios. A exclusão é medida extrema que se insurge contra a condição de sócio: em sede societária é a consequência mais radical provocada por aqueles fatos acima mencionados. A exclusão sempre deverá ser fundamentada e justificada. Será nula, de pleno direito, a deliberação que aprova exclusão de sócio quando não se verifiquem as condições previstas em lei ou pelo contrário. É direito fundamental do sócio permanecer na sociedade: o contrato social somente pode ser resolvido por consenso entre os sócios ou com fundamento em causas específicas. O direito do sócio de permanecer na sociedade somente pode ser revogado pelas causas expressas que ensejam a exclusão. Essas causas podem ser motivadas pelo inadimplemento de obrigação (artigos 1.004, 1.005, 1.006) ou pela liquidação da quota pelo credor particular (art. 1.026), pela falência (1.030), por falta grave (descumprimento dos deveres de sócio, art. 1.011, entre outros) e incapacidade superveniente (art. 1.030). O contrato social pode estabelecer outras causas de dissolução, no interesse dos sócios, desde que essas causas não sejam contrárias à ordem pública. Por falta grave se entende uma conduta certa em prejudicar os interesses e efeitos da sociedade: portanto, não é qualquer situação que entra na categoria de “falta grave”. Se a conduta foi faltosa, mas não foi grave, não ensejará a exclusão: quando a conduta acarretou pouca importância sobre os interesses sociais, não há que falar em exclusão de sócio. As “faltas” e os “equívocos” ocorrem, mas de pouca relevância não acarretam a exclusão. O que a lei quer dizer por “falta” é conduta omissiva ou comissiva praticada pelo sócio suficiente em lesar o patrimônio social ou a prática de atos manifestamente contrários ao interesse social da sociedade. Por exemplo, um sócio administrador que assume obrigações em atos ultra vires poderá ser excluído da sociedade, ainda que a sociedade não passe por um prejuízo econômico ou patrimonial. Também pode ser excluído da sociedade o sócio que administra a sociedade de maneira temerária; fraudulenta; negligente; desidiosa e corrupta. Os requisitos da exclusão se manifestam como condutas lesivas ao patrimônio da sociedade e contrárias ao interesse social. A desída comporta exclusão da sociedade: é uma conduta antissocial. Os sócios devem unir esforços em comum: se algum deles se envereda pela desída, deve ser excluído da sociedade com fundamento em “falta grave” e descumprimento de seus deveres, entre eles o de realizar esforços comuns pela sociedade. A desída é o contrário do dever de colaboração entre os sócios. Os sócios conferem bens ou serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica. O art. 981 do Código Civil estabelece: celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. O exercício dessa atividade é, evidentemente, em comum, na perspectiva que o contrato de sociedade é um contrato de colaboração e finalidades. A partilha dos resultados tem como substrato a atividade comum desempenhada pelos sócios na consecução do fim social. O sócio que falta ao dever de colaboração ao exercício em comum dessa atividade deve ser excluído da sociedade. A falta pode ser pela omissão ou por atos diretos em prejudicar a formação do vínculo de colaboração, e, ainda, em fomentar intrigas entre os sócios, com o fim de prejudicar a administração social (exercício em comum da atividade econômica).

As intrigas desmotivadas são as fontes de todas as discórdias e devem ser evitadas: caso o sócio insista nessa prática, deve ser excluído da sociedade. Também deve ser excluído o sócio que vota sempre contrário ao interesse social, bem sabendo que seu voto tem como finalidade apenas contrariar e conturbar o bom andamento dos negócios sociais. Nestes casos, evidentemente que o voto contrário que se está falando é aquele sem motivação sobre as contas da sociedade ou sobre fundamentos objetivos sobre os lucros sociais: o sócio vota contrariamente com o objetivo de lesar a sociedade, acarretarlhe prejuízo ou ainda que fique na tentativa de acarretar-lhe esse prejuízo. Deve ser excluído da sociedade o sócio que abriu concorrência contra a sociedade, contrariando expressa cláusula do contrato social, notadamente nas sociedades em nome coletivo. Os psicopatas não podem administrar patrimônio próprio ou social e podem, por conseguinte, ser excluídos das sociedades que integram. Note-se que, neste caso, a exclusão é meramente facultativa. Os sócios podem, ao contrário, deliberar pela continuidade e permanência do sócio incapaz, desde que não exerça nenhuma função administrativa (deliberação e voto) ou de representação (executiva) na sociedade. Contudo, se o sócio declarado incapaz por sentença for sócio comanditado, deverá ser excluído da sociedade. O sócio incapaz pode continuar na sociedade em nome coletivo desde que não empregue seu nome na firma social. Se esse era o único sócio administrador, a sociedade tem que entrar em dissolução. Se na comandita simples o comanditado for um só e declarado incapaz por sentença, a sociedade deve entrar em liquidação ou observar a regra do art. 1.051, II, do Código Civil.

Em todos os casos, a “falta grave” ou o “descumprimento dos deveres de sócio” devem ser comprovados judicialmente. É nula a cláusula contratual que estabelece juízo arbitral para essas questões: a única via é a jurisdicional, e não tem efeito cláusula de juízo arbitral com a finalidade de apurar “justa causa” para exclusão de sócio. Esse é o regramento do art. 1.030 do Código Civil: ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente.

Se a exclusão é judicial, imprestável é a cláusula que estabelece juízo arbitral para apurar “justa causa” na exclusão de sócio: a matéria é de direito indisponível e ordem pública. É um direito irrenunciável do sócio. Da mesma forma, a única via para a revogação dos poderes de administração dos sócios, investidos no contrato social, é a judicial, nos termos do art. 1.019 do Código Civil. O contrato social pode estabelecer, como se disse, situações que ensejam a exclusão do sócio, porém essas condições não podem ser arbitrárias ou conferir poderes absolutos em favor da maioria: essas regras também devem ser consideradas sem efeito contra os sócios minoritários.

Por bem da verdade, deve-se ter muita cautela em relação ao art. 1.085 do Código Civil, quando estabelece: ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluílos da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. Essa defesa não é meramente em sede societária: o sócio pode se insurgir, judicialmente, contra a deliberação que aprovou sua exclusão. Não tem efeito a cláusula que estabelece juízo arbitral para apurar essa justa causa de exclusão. A matéria é de ordem pública, e ainda que possa entrar subjetivamente nas questões arbitrais envolve a possível lesão de direito, bem como de responsabilidades civis e penais.

O risco sobre a “continuidade da empresa” envolve atos administrativos de gestão temerária, fraudulenta ou lesiva ao patrimônio social. Entram nessa esfera conflitos societários suficientes em colocar em risco a continuidade da sociedade, porém em hipótese alguma o poder conferido pelo art. 1.085 do Código Civil poderia se manifestar como abuso ou excessiva arbitrariedade contra os minoritários, que têm o direito de permanecer na sociedade. O direito de permanecer na sociedade entra na qualidade de fundamental: o sócio que integra a sociedade faz parte do contrato plurilateral e tem direitos e deveres específicos. Sua participação social – no exercício comum de uma atividade econômica – é manifestação jurídica da própria livre iniciativa, que nenhum grupo de controle majoritário pode, ao arrepio da lei, desconsiderar. A exclusão do sócio, em qualquer caso, importa a dissolução do vínculo societário daquele sócio com os demais, ou seja, na resolução sobre o feixe contratual do sócio faltoso, sem que isso importe a resolução do inteiro contrato social. Com efeito, a exclusão não acarreta a dissolução total da sociedade nem mesmo quando da sociedade participem dois sócios: neste caso, o sócio in bonis pode se valer da regra do art. 1.033, IV, do Código Civil. Assim terá cento e oitenta dias para restabelecer a pluralidade de sócios. Desta feita, e nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente

redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário (art. 1.031, C.C.). O sócio pode ser excluído ainda quando a sociedade esteja em processo de liquidação de seus ativos, ou seja, após a dissolução. A sociedade somente desaparece após a sua extinção. Enquanto isso, a sociedade existe juridicamente, ainda que após a aprovação da dissolução a sociedade possa somente praticar atos que visem facilitar a liquidação. Se o sócio não cumpre seus deveres em sede de liquidação, pode ser excluído da sociedade. O sócio de serviços pode ser excluído com fundamento: i) na culpa grave; ii) na incapacidade superveniente para o desempenho do serviço que se obrigou no contrato social. Essa é uma particularidade do sócio de serviços, ou seja, sua exclusão terá lugar pela incapacidade superveniente definitiva ao desempemnho da função que se obrigou. Em relação aos demais sócios, que não se obrigaram no contrato como prestadores de serviços, a exclusão tem lugar somente na culpa grave ou descumprimento dos deveres de sócio. Não entra, sobre eles, a incapacidade superveniente ao desempenho dos serviços que se houvera obrigado no contrato social (sócio de serviços). Portanto, o sócio de serviços poderá ser excluído se praticou atos que entram na culpa grave, e, também, naquela hipótese que está impedido, definitivamente, ao exercício da empresa que se obrigou a título de contribuição social. O fundamento da deliberação de exclusão de sócio deve ser certo e determinado: não terá amparo na lei a deliberação de exclusão com fundamentos em circunstâncias subjetivas ou abstratas. A deliberação tem que se fundamentar, objetivamente, em provas de tal sorte que servem de lastro para a exclusão. Assim, a deliberação é uma manifestação societária fundamentada em provas: a) contábeis; b) documentais de toda ordem; c) alcançadas judicialmente. Por conseguinte, a deliberação é feita sobre um fato existencial, material e comprovado. Não servem provas testemunhais, quando o fato tem-se como necessário à prova documental. Na deliberação o sócio arguirá as matérias pertinentes e terá espaço para apresentar suas provas em contrário. Contudo, judicialmente, compete à sociedade comprovar a falta grave ou o descumprimento dos deveres de sócio. Na ação de anulamento da deliberação social será a sociedade a parte com o ônus da prova, ou seja, comprovar judicialmente o fundamento daquilo que se decidiu e se aprovou societariamente. Nessa respectiva ação o sócio pode requerer liminar, suspendendo os efeitos da deliberação, e mantendo as prerrogativas de sócio, exercendo a administração da sociedade e sua representação, conforme o contrato social.

191. Ainda sobre as causas de exclusão de sócios das sociedades

Nos termos já aventados, pode ser excluído da sociedade o sócio que, constituído em mora, não efetua a contribuição ao capital social, que frauda a administração social ou a contabilidade; atua contra o interesse da sociedade; abre concorrência contra a sociedade; utiliza recursos, bens ou efeitos da sociedade em proveito próprio, atua com ingerência na administração da sociedade (p. ex., comanditário); tem sua quota liquidada por credor particular; falido, etc. Todo sócio que, de uma maneira ou de outra, atentar contra a integridade do patrimônio social deve ser excluído da sociedade: é dever dos demais sócios a defesa da preservação do patrimônio da sociedade, e a exclusão serve como medida assecuratória dos interesses sociais e dos credores.

A interdição sobre a pessoa do sócio acarreta a sua exclusão nas sociedades de pessoas pelo fato de que sua participação na administração da sociedade é impossível, salvo se a sentença de interdição for reformada. Mas, desde que exista uma sentença de interdição, o sócio poderá ser excluído, e não se faz necessária a coisa julgada na ação de interdição para que tenha lugar a exclusão do sócio. O sócio que tem declarada sua interdição não pode administrar seu patrimônio e muito menos administrar patrimônio alheio: esse fato é determinante na fundamentação da exclusão do sócio incapaz. Como na sociedade de pessoa, a própria pessoa do sócio é decisiva na administração e representação da sociedade, ao passo que é impraticável a delegação da administração aos terceiros que não sejam sócios, o sócio incapaz está praticamente impedido de exercer toda e qualquer atividade administrativa ou de representação. O sócio comanditado tem que ser excluído da sociedade, não sendo permitida a nomeação de procuradores para representação desse sócio. Tal situação coloca a risco o crédito da sociedade perante terceiros: impraticável a indicação de representante para fins de administração de patrimônio social nessas condições. A sociedade deve ser administrada pelos sócios: essa é uma premissa das sociedades de pessoas, e impraticável a contratação de diretores (administradores) externos para que exerçam as funções administrativas e de representação. Nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples, em conta de participação e na sociedade simples, somente o sócio tem competência para o exercício da representação social e administrativa. A sociedade pode ter mandatários, com poderes específicos e para ato determinado: impraticável a outorga de instrumento de mandato geral e para fins de administração do patrimônio social a terceiro. Essa condição caracteriza formação de sociedade entre os contratantes, com responsabilidade solidária e ilimitada.

Com efeito, a declaração de incapacidade é em termos objetivos uma medida que impossibilita ao sócio o pleno uso das suas prerrogativas. Nessa sentença, conforme o seu novo status jurídico, agora de incapaz, emerge a impossibilidade da administração patrimonial. Bem sabendo que nessas sociedades não tem lugar a contratação de administradores externos, a única via é a exclusão do sócio.

A incapacidade para os atos da vida civil acarreta a exclusão do sócio porque na sociedade de pessoa a condição pessoal é fator objetivo para a administração da sociedade. Nessas sociedades há uma simbiose entre a pessoa física do sócio e sua participação na sociedade, quanto menos para fins de obtenção de crédito e confiança dos credores. O sócio interditado é incapaz para contratar em nome e por conta da sociedade. A representação do estado de tutela tem efeito somente nos seus negócios individuais, e não para fins de administração social em sociedades de pessoas. Por exemplo, o sócio excluído por incapacidade será, quando da liquidação da sua quota, representado pelo seu tutor, que atua no interesse do representando, e presta contas por essa função de representação. Somente um desavisado contrataria com uma sociedade de responsabilidade solidária e ilimitada, bem sabendo que o sócio que exerce os poderes de representação foi declarado como psicopata e impedido de praticar atos de alienação patrimonial. Nessa sociedade a presença do sócio, na administração (deliberação e atos de administração interna) e na representação (execução externa), entra na categoria de função privativa. Somente sócios exercem a administração. Se o sócio é incapaz, impossível sua permanência na sociedade. A solução seria diferente se o caso de interdição tivesse lugar em sociedade limitada ou anônima, quando é possível a contratação de diretores (com amplos poderes de representação) para que exerçam a administração social. Na hipótese da impossibilidade de o sócio prestar o serviço que se obrigou, a exclusão tem lugar sobre a condição técnica ou profissional do sócio. Se a contribuição social se perfaz em serviços, e impossibilitado, por qualquer motivo, para o exercício dessa prestação, não resta outra solução que a exclusão do sócio. Outra hipótese correlacionada tem lugar quando o sócio de serviço, por desídia ou conflito com os demais sócios, cumpre sua obrigação de maneira equivocada ou prejudicial ao interesse da sociedade: por exemplo, se o sócio efetua os serviços com o objetivo de prejudicar a sociedade, com culpa ou dolo, deverá ser excluído. A prestação de serviço é a sua contribuição social: deve, portanto, cumprir sua obrigação de modo diligente, leal e com fidelidade em relação aos demais sócios e diante da sociedade. Se a prestação dos serviços não é feita seguindo as premissas da profissionalidade, impedindo a execução do fim social, esse sócio deve ser excluído por descumprimento de seus deveres, na qualidade de exclusão por justa causa. No caso da exclusão por falência, o fundamento é diverso: a falência, por si só, não é causa de resolução das relações contratuais, porém, no caso do contrato societário, na sua perspectiva de contrato de finalidades e de administração, impossível seria a permanência de um sócio falindo em outra sociedade. Esse fato seria negativo para a sociedade in bonis, que poderia ter seu crédito abalado pela presença de um sócio falido no seu quadro social. Ademais, a exclusão do sócio importa a liquidação da sua quota: no caso da exclusão por falência, a quota do sócio será paga em favor da massa de credores. Com efeito, na sua falência, o sócio perde a posse e a administração dos seus bens, o que acarreta a sua exclusão. Não podendo administrar seu patrimônio que será arrecadado na sua falência, não há possibilidade de continuar participando de outras sociedades. Na falência é preponderante o interesse dos credores: se o sócio participa de outras sociedades, sua quota será arrecadada e liquidada em favor da massa falida para pagamento dos credores. Esse é o fundamento da sua exclusão. Não significa, com a exclusão por falência, que o sócio descumpriu seus deveres de sócio ou praticou atos contrários ao interesse social: nada disso, sua exclusão existe no interesse dos credores (arrecadação das quotas e sua liquidação em proveito da massa falida subjetiva) e também no interesse dos demais sócios e da sociedade in bonis, que podem excluir o sócio nessa condição, sem que importe prejuízo ou abalo ao seu crédito perante terceiros. No caso da exclusão quando da liquidação da quota pelo credor particular do sócio tem-se medida assecuratória do interesse social: impraticável a permanência de sócio que teve sua quota arrecadada pelo credor particular, ao passo que deve ser feita a redução do capital social, salvo se os demais sócios integralizarem a parte referente ao sócio excluído. O credor não pode requerer a dissolução da sociedade. O direito do credor vai nessa direção, esposada pela lei: se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. A questão terminológica se interpreta no significante processual, que decorre de uma eventual medida processual assecuratória do direito creditório. Assim, o credor direciona a execução, como garantia, sobre as quotas que o sócio tem na sociedade, e são essas quotas que garantem o juízo. Feito isso, abre-se o regular processo de liquidação da quota social, e não se discute a dissolução da sociedade, obviamente. A resolução é feita somente na quebra do feixe da relação contratual do sócio a ser excluído com os demais sócios, permanecendo intacta a sociedade. Essa resolução alcança somente a relação jurídica entre os sócios e tem como finalidade garantir a execução do credor particular. Garantido o juízo, a liquidação será feita na forma do art. 1.031 do Código Civil, com a ressalva do parágrafo único do art. 1.026. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O valor da quota será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação.

Do ponto de vista prático, o principal aspecto, muitas vezes, é conseguir converter a quota em dinheiro, pelo fato de que não há interessados na respectiva quota. O que pode acontecer, conforme o caso, é o sócio in bonis adquirir a quota do sócio excluído, se o contrato social assim permitir. O numerário será, então, direcionado ao juízo da execução, com a alteração da participação societária. Os sócios têm a prerrogativa dessa aquisição. Não raro é a liquidação de a quota por parte do credor particular acarretar a dissolução total da sociedade. Se depois de pago o credor restar saldo, esse valor será entregue ao sócio: o remanescente cabe ao sócio pela sua contribuição ao capital social. Seria, por bem da verdade, nos mesmos termos da liquidação da sociedade, e decorrente do direito do sócio em participar sobre o acervo da sociedade. Nesta hipótese não se fala em acervo social, mas direito ao recebimento – pelo saldo – da sua contribuição ao capital social. O sócio é responsável pelas obrigações sociais até o devido arquivamento da sua exclusão social: portanto, enquanto não ultimada a exclusão, o sócio responde pelas obrigações sociais pelo fato de que sua posição jurídica ainda é aquela de sócio. O legislador espera que esse processo de liquidação se perfaça em até noventa dias após a liquidação da quota (art. 1.026, parágrafo único, C.C.), com o pagamento do credor, e a definitiva exclusão do sócio. Os sócios podem aprovar a dissolução da sociedade, inclusive com o voto do sócio que teve a quota arrecadada, mas ainda não liquidada. Enquanto não liquidada a quota, o sócio mantém seus direitos de sócio em sua plenitude, entre eles os de administração interna da sociedade, vale dizer, votar na deliberação sobre a dissolução total da sociedade. Se da sociedade participam somente dois sócios, a exclusão do sócio deve ser sempre pela via judicial. Porém, se a justa causa não for comprovada, o magistrado pode determinar a dissolução total da sociedade com a abertura da liquidação e a nomeação do liquidante. O liquidante será, salvo diversa disposição contratual, o próprio sócio que requereu a exclusão de seu consócio. O magistrado poderá nomear um estranho como liquidante da sociedade, se o conflito entre os sócios for de tal ordem que inviabiliza a indicação de sócio ao exercício dessa função. Em todos os casos a deliberação sobre a exclusão tem efeitos imediatos, cabendo ao sócio apresentar a oposição cabível e discutir judicialmente o mérito da exclusão: bem sabendo que o sócio excluído pode obter, conforme o caso, liminar na sua oposição, suspendendo os efeitos da deliberação societária. Com efeito, assim o sócio permanecerá na plenitude e na integralidade dos seus direitos de sócio, administrativos e de representação social, nos termos do contrato social. Se o conflito impedir a administração social, os demais sócios podem aprovar a dissolução total, com fundamento no art. 1.034, II, do Código Civil, e pela inexequibilidade do fim social.

192. Do direito de revogar os poderes de representação do sócio na sociedade

As regras sobre a revogação dos poderes de representação são expressas: a) são irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa no contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios; b) são revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato em separado. A revogação dos poderes conferidos em ato separado ao sócio administrador são revogáveis ad nutum. Por outro lado, os poderes de representação, investidos com cláusula no contrato social, somente podem ser revogados por justa causa, reconhecida judicialmente. Não raro o reconhecimento da justa causa é acompanhado da exclusão judicial do sócio, nos termos do art. 1.030 do Código Civil. Com efeito, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Dentre as causas de exclusão estão: descumprimento das obrigações de sócio; prática de atos lesivos ao patrimônio social; incapacidade superveniente; falência; não-cumprimento da obrigação de contribuir para o capital social e outras que o contrato social estabelecer como causa de exclusão da sociedade.

Essas causas – que o Código denomina como “justa causa” – são no mais das vezes hipóteses para revogação dos poderes de representação da sociedade. A lei andou bem em determinar “a pedido de qualquer dos sócios”, o que, conforme o caso, poderá ainda ensejar a dissolução da sociedade se aquele for o único sócio com legítimos poderes de representação. O sócio que integra a representação da sociedade em razão da expressa cláusula do contrato social somente pode ser cassado dos seus deveres por manifestação social de idêntica qualidade, alterando o contrato social, desde que exista “justa causa”, comprovada judicialmente. Ao contrário, aqueles que têm poderes de representação por instrumento separado podem ser cassados ad nutum de suas funções, na simetria jurídica que fundamentou sua nomeação.

193. Do direito de recesso

Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa (art. 1.029, caput, C.C.).

Nos termos do art. 2.285 do Codice Civile, “ogni socio può recedere dalla società quando questa è contratta a tempo indeterminato o per tutta la vita di uno dei soci. Può inoltre recedere nei casi previsti nel contratto sociale ovvero quando sussiste una giusta causa”. Com efeito, nas sociedades de prazo indeterminado, o direto de retirada do sócio pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se discuta justa causa. Nas sociedades com prazo indeterminado, o sócio pode exercer seu direito de retirada a qualquer tempo, desde que comprove justa causa. A lei reconhece ao sócio o direito de se retirar da sociedade, ou seja, de manifestar, unilateramente, sua declaração de vontade pela retirada: é uma manifestação unilateral da vontade do sócio que dissolve sua relação societária com os demais sócios sem acarretar a dissolução total da sociedade.

194. Da responsabilidade dos sócios na sociedade simples

A forma de responsabilidade dos sócios decorre da redação do contrato social. A regra geral é aquela do art. 997, VIII, do Código Civil. Por conseguinte, a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará se os sócios respondem ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Então, se o contrato for silente, a responsabilidade será ilimitada. Tal interpretação é consentânea com os artigos 1.023 e 1.024 do Código Civil. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. O contrato social pode vedar todas essas consequências, ao estipular sociedade simples limitada, por força dos artigos 983, caput, e 997, III, do Código Civil. Com isso, basta escolher a forma limitada, artigos 1.052 e seguintes, com expressa referência à limitação da responsabilidade dos sócios ao capital da sociedade porque na sociedade limitada a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas. A sociedade simples guarda semelhança com o conceito romano de sociedade pelo fato da responsabilidade subsidiária dos sócios pelas obrigações sociais. Os sócios têm liberdade em excluir ou não tal subsidiariedade, ou seja, pactuar sobre autonomia patrimonial da sociedade (art. 997, VIII). Com o Código Civil de 2002 não pode existir sociedade simples de fato porque tal expressão não tem explicação jurídica aceitável. Se a sociedade não tem contrato escrito, será sociedade em comum, (art. 986 do referido texto normativo). Pode, contudo, existir sociedade simples irregular, ou seja, aquela que foi registrada corretamente, mas depois, por qualquer motivo de natureza societária, se mostra irregular. Com efeito, nos trinta dias subseqüentes à sua constituição, a sociedade deverá requerer a inscrição do contrato social no Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede (art. 998, caput). A regra geral é a seguinte, em sede de direito comparado: os administradores são solidariamente responsáveis em relação à sociedade pelo cumprimento das suas obrigações e deveres decorrentes da lei e do contrato social: todavia, a responsabilidade não se estende àqueles sócios que demonstrem ser isentos de culpa no exercício dessas suas funções e atribuições legais e contratuais (art. 2.260, Codice Civile). Portanto, a responsabilidade dos administradores diante da sociedade pode ser infirmada se o sócio comprove que não agiu com culpa: do contrário, a sociedade deve acioná-lo, perquirindo sua responsabilidade pelos atos lesivos ao patrimônio social e contrários ao interesse social.

195. Da interpretação de MODESTO CARVALHOSA

Ensina o exímio jurista que “o Código Civil de 2002, como referido, continua adotando o critério do objeto para distinguir a sociedade empresária da não-empresária mas deixa expressa duas exceções: independentemente do objeto, as sociedades anônimas serão consideradas empresárias, e as sociedades cooperativas, sociedades simples. Como se percebe, as sociedades limitadas não se incluem nessa exceção legal, e, portanto, poderão ter por objeto atividades empresárias ou não

empresárias, de acordo com o conceito do art. 966”.1 É importante a lição de MODESTO CARVALHOSA , e ainda na sua esteira nada há nas regras específicas sobre as sociedades limitadas que possa ser entendido de maneira que tais sociedades pudessem ser exclusivamente empresárias, e a sociedade simples limitada terá inscrição no Registro Civil das Pessoas Jurídicas e não estará sujeita a falência, a qual pode atingir somente as sociedades empresárias. Neste caso, a forma absorve o conteúdo. Se os sócios não querem correr os riscos da falência e não desejam explorar atividade de empresa, o correto é escolherem a forma da sociedade simples, com a restrição sobre as obrigações sociais, assim como diz o art. 997, VIII, ou seja, se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais. Se do contrato social da sociedade simples consta essa cláusula, ela tem validade contra terceiros, porque inscrita no Registro Público. Se do contrato social da sociedade, qualquer que seja, consta expressamente a forma da limitada ou de qualquer outra sociedade empresária (artigos 1.039-1.092), ela será necessariamente sociedade empresária e deverá ser inscrita no Registro das Empresas. A forma societária absorve o conteúdo. É isso o que estipula o Codice Civile (art. 2.249), le società che hanno per oggetto l’esercizio di una attività diversa sono regolate dalle disposizioni sulla società semplice, a meno che i soci abbiano voluto costituire la società secondo uno degli altri tipi regolati nei capi III e seguenti di questo titolo . Atividade diversa entenda-se atividade agrícola, nos termos do art. 2.135 do Codice Civile.

Por “outros tipos societários regulados nos capítulos III e seguintes (2.291 e ss) deste título”, entenda-se: sociedade em nome coletivo (arts. 2.291 e ss); sociedade em comandita simples (arts. 2.313 e ss); sociedade por ações (arts. 2.325 e ss); sociedade em comandita por ações (arts. 2.452 e ss); sociedade de responsabilidade limitada (arts. 2.462 e ss). Isso significa que ainda que o objeto social seja a atividade agrícola, se os sócios escolherem qualquer das outras formas societárias, todas empresariais, a sociedade será sempre empresarial. Assim, se o objeto social da sociedade for atividade artística e a sociedade se constituir sob a forma limitada, tal sociedade será necessariamente empresária, independentemente do seu objeto. Com efeito, a sociedade simples se diferencia, bastante, das associações, pela sua ausência de escopo lucrativo. A sociedade simples tem escopo lucrativo.

196. Do objeto social das sociedades simples

A sociedade simples não tem por objeto social atividade comercial. Por isso, na busca dessa atividade não deve ser constituída sociedade segundo um dos modelos específicos das sociedades empresariais, quais sejam: sociedade em nome coletivo, em comandita simples, sociedade anônima, em comandita por ações, limitada. Com efeito, a sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias (art. 983). As sociedades que desenvolvem atividade diversa daquela empresarial são reguladas pelos dispositivos da sociedade simples, a menos que os sócios queiram constituir a sociedade segundo um dos outros tipos societários regulados nos Capítulos III e seguintes do Título V do Codice Civile (art. 2.249). Em linhas gerais, o art. 983 do Código Civil se identifica com o art. 2.249 do Codice Civile, ao consentir que sejam abertas sociedades que não exercem atividade empresarial, seguindo um dos tipos das sociedades empresariais.

197. Das principais características da sociedade simples

A sociedade simples não tem firma social, mas denominação social (art. 997, II); as deliberações sociais são feitas por unanimidade, salvo expressa regra contratual admitindo votação por maiorias (art. 999, caput); o patrimônio social é uma coletividade unitária de direitos e obrigações, por isso passível de responsabilidade subsidiária; os sócios não podem dispor do patrimônio comum como se fosse seu, e, ao contrário, cada qual é titular de uma quota que lhe cabe na participação sobre os lucros e nas perdas, apurando e pagando o passivo, na liquidação, recebendo o saldo, se existir; a cessão das quotas se faz por decisão unânime dos demais sócios (art. 1.003, caput).

1 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, pp. 51/52.

A regra da unanimidade é característica da sociedade simples como sociedade de pessoas, mas é possível a confluência, no aspecto administrativo, do princípio majoritário: quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. Para a formação da maioria absoluta, são necessários votos correspondentes a mais de metade do capital. Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate e, se este persistir, decidirá o juiz (art. 1.010). Na administração da sociedade simples também é semelhante a regra da comunhão patrimonial (art. 1.325) que dispõe que “a maioria será calculada pelo valor dos quinhões. As deliberações serão obrigatórias, sendo tomadas por maioria absoluta. Não sendo possível alcançar maioria absoluta, decidirá o juiz, a requerimento de qualquer condômino, ouvidos os outros”. Evidentemente que essas são apenas comparações sabendo que a sociedade simples não tem correlação com a figura da comunhão patrimonial do ponto de vista estrutural ou funcional. A referência tem sentido unicamente de comparação sabendo que a autonomia patrimonial da sociedade simples é circunscrita pela subsidiariedade, o que, de certa forma, tem a consequência da unanimidade em todas as alterações que envolvam o contrato social, ao passo que as deliberações administrativas se fazem, obviamente, no rigor do contrato social, por maiorias. Como se disse, na sociedade simples a regra da unanimidade é fundamental sobre os atos previstos no art. 997, ou seja, do contrato social. Essa regra é incontestável, e a vontade das partes não pode revogá-la. As modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios. Neste passo, a sociedade simples se aproxima da regra da copropriedade. Equivalente seria com a regra do art. 1.314, que diz que “nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem da posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros”. Quanto aos atos de administração ordinária da sociedade, as deliberações são majoritárias, vinculantes para a minoria. A regra de administração patrimonial, ainda nas sociedades de pessoas, vem seguindo, conforme estipulação dos contratos, a regra majoritária, para que não se articulem conflitos societários pela regra da unanimidade. Essa prática leva em consideração o interesse social e a busca da valoração administrativa em condições de equidade, no interesse dos sócios, e sua convergência com o interesse da sociedade, neste caso, da sociedade simples.

198. A sociedade simples é sociedade de pessoas

Não é incorreto afirmar que a sociedade simples é uma “sociedade em nome coletivo” de natureza não empresária. O termo simples tem correlação com seu objeto social, que na prática é de atividade agrícola. A sociedade simples é aquela que tem a forma mais adaptada para as atividades agrícolas, de silvicultura e de transformação dos produtos agrícolas, desde que não entrem na categoria de atividade empresarial.1 Na conformação do direito comercial, em termos históricos, a atividade agrícola não entrava como atividade comercial, muito pelo contrário, e não compunham atividade empresarial as atividades de “agricultura, compreendidas nesta a pecuária e a silvicultura; a mineração; a caça; a pesca”.2 O objeto social da sociedade simples é, exatamenente, esse da agricultura, silvicultura, colocado a efeito em sentido estrito, na sua perfeição histórica. O comércio estava na intermediação de bens, serviços ou efeitos; na especulação lucrativa sobre ganhos em sociedade; na indústria mercantil; na navegação; transformação e circulação de bens móveis, corpóreos ou incorpóreos; serviços de transporte; de crédito; operações bancárias. Ocorre que o incrementar da atividade empresarial foi abarcando aquelas outras figuras de atividade, como a agricultura, pecuária, silvicultura, pesca, mineração, imóveis, e hoje existem inúmeros conglomerados empresariais, constituídos pela forma acionária ou limitada, que exercem essas atividades, na qualidade de atividades empresariais, tudo isso muito antes da entrada em vigor do Código de 2002. Nas sociedades por ações, qualquer que seja o seu objeto, a atividade será sempre empresária. A sociedade simples, na sua feição histórica, é a antítese da sociedade empresária; por isso, envolve a confluência da atividade agrícola. Então mesmo se sob esse objeto social os sócios optarem por tipo societário privativo da atividade de empresário, a sociedade será sempre empresária, porque a forma absorve o conteúdo. Como sociedade de pessoas, não é consentâneo com a tradição dessa sociedade que dela participe sócio pessoa jurídica, apesar da regra do art. 997, I, do Código Civil, quando estabelece que a sociedade simples constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: nome, nacionalidade, estado

1 BRUNETTI, Antonio, Trattato, cit., vol. I, p. 346.

2 BULGARELLI, Waldirio, Direito comercial, cit., p. 9.

civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas. A presença de pessoa jurídica na sociedade simples refoge da sua principal característica, que é da administração da sociedade, que somente pode ser exercida por pessoas naturais, por mandamento do próprio art. 997, VI, do Código Civil. O que aconteceu na prática dos negócios é que a sociedade simples passou por cima da sociedade civil, atropelando essa sociedade, que funcionava perfeitamente na realidade negocial. Com isso, depois do referido atropelamento, a prática teve que encontrar uma saída para as sociedades de natureza civil, e o objeto social da sociedade simples começou a abarcar inúmeras atividades.

Contudo, é mais que evidente que uma atividade intelectual, artística ou literária pode ser de natureza empresária, e para isso basta que os sócios escolham a forma de sociedade empresária, vale dizer, explicitamente, que efetuem a abertura de uma sociedade optando por um dos seguintes tipos societários: limitada, comanditas, em nome coletivo, sociedade anônima, em conta de participação. Nesses casos, qualquer que seja o objeto social, a sociedade será sempre empresária. A sociedade não será empresária somente quando for feita a escolha de sociedade simples, desde que seu objeto social também não seja de empresário. Se alguém efetuar a inscrição de sociedade simples no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, mas seu objeto social for o exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços – ou seja, de empresário –, essa não será uma “sociedade simples irregular”, mas uma sociedade em comum, bastante semelhante a uma sociedade em nome coletivo, na qual todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Assim, serão considerados empresários, e poderão ser declarados falidos, e inclusive a sociedade poderá ser declarada falida, arrastando os sócios ao mesmo fim.

199. Da constituição da sociedade simples

A sociedade simples é de extrema simplicidade formal. Isso se comprova no art. 2.251 do Codice Civile, quando na sociedade simples o contrato não está sujeito a formas especiais, salvo naquelas que se referem sobre a natureza dos bens conferidos. Esses bens são, pela sua natureza, os bens imóveis e os direitos reais sobre bens imóveis, nos termos do arts. 1.350, nº 9, e 2.643, nº 10, do Codice Civile.

Com efeito, “con il contratto di società due o più persone conferiscono beni o servizi per l’esercizio in comune di una attività economica allo scopo di dividerne gli utili” (art. 2.247, Codice Civile).

A simplicidade da forma da sociedade simples prevista no Código Civil de 2002 também se manifesta pelo fato de que sua inscrição se dá no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Ou seja, em hipótese alguma o referido cartório pode fazer qualquer restrição sobre o conteúdo do contrato social da sociedade simples, ao passo que a sua função é unicamente de registro para fins de publicidade perante terceiros. Esta formalidade não incide sobre a validade do contrato social da sociedade simples, mas é apenas elemento comprobatório perante terceiros, da existência da sociedade. Sua função é permitir o acesso do público ao contrato da sociedade.

Ademais, a sociedade simples tem fundo social, que deriva da contribuição dos sócios.

200. Da responsabilidade dos sócios de sociedade simples no Codice Civile

Os credores da sociedade podem fazer valer os seus direitos sobre o patrimônio social. Pelas obrigações sociais respondem, pessoal e solidariamente, os sócios que agiram em nome e por conta da sociedade, e, salvo pacto em contrário, os demais sócios. Esse pacto deve ser público – inscrito no Registro das Empresas – e, na sua falta, a limitação da responsabilidade ou exclusão da responsabilidade solidária não será oponível contra terceiros que dele não tiveram conhecimento (cf., art. 2.267). Se uma sociedade, registrada como sociedade simples, exercer de fato o comércio, tal sociedade pode ser declarada falida.1 Tal propositura leva em conta o objeto social da sociedade, que prevalece no confronto com a formalidade do registro. Será verdadeira sociedade coletiva.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. X, p. 11.

201. Da interpretação de GIUSEPPE FERRI na responsabilidade dos sócios na sociedade simples italiana

Quanto ao regime da responsabilidade, a sociedade simples integra em si mesma o sistema de responsabilização de outros dois tipos societários, ao passo que é consentida a limitação da responsabilidade dos sócios que não agem através de um pacto expresso do contrato social, o qual deve ser levado a conhecimento dos terceiros, com o registro cabível, sob pena da sua inoponibilidade aos terceiros que dele não tiveram conhecimento. Disto deriva que na sociedade simples todos os sócios podem ser responsáveis ilimitada e solidariamente como nas sociedades em nome coletivo; ou alguns deles (aqueles que agem) podem ser responsáveis ilimitada e solidariamente; e outros (aqueles que não agem) podem ser limitadamente responsáveis como nas comanditas simples.1

202. Da aplicação da interpretação de GIUSEPPE FERRI sobre a responsabilidade dos sócios na sociedade simples prevista no Código Civil de 2002

Exceção feita aos artigos 983, caput, e 997, III, do Código Civil, que permitem a limitação de responsabilidade, via sociedade simples limitada, a interpretação de FERRI pode ser perfeitamente aplicada ao ordenamento jurídico pátrio. Tal interpretação deriva dos artigos 997, VIII (no caso de silêncio do contrato sobre a responsabilidade do sócio ou quando, expressamente, estipula a responsabilidade ilimitada deles), 1.023 e 1.024 do Código Civil. Assim, na sociedade simples ilimitada respondem, perante terceiros, todos os sócios que administram a sociedade, excluído aquele que não tem poderes de administração. O sócio que não tem poderes de administração, conforme expressa cláusula do contrato social, não responde perante terceiros. Essa última regra ainda deve ser construída pela Jurisprudência. Em razão do art. 997, parágrafo único, do Código Civil, é ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato. Então, a única exceção à regra de interpretação é bem essa, ou seja, é impraticável pacto que limita responsabilidade de sócio que administra a sociedade ou também que não administra, quando o contrato social for silente, ou seja, admita tacitamente a responsabilidade ilimitada e solidária de todos os sócios, ou for prevista, expressamente, a cláusula da responsabilidade ilimitada e solidária, ou, ainda, no caso de todos os sócios exercerem a administração da sociedade. Contudo, mesmo quando o contrato social expressamente diz quais sócios têm os poderes para administrar a sociedade e quais sócios não têm essa prerrogativa, somente respondem pessoalmente perante terceiros aqueles que agem em nome e por conta da sociedade e nunca os demais, ou seja, vale dizer, aqueles que não têm poderes de gerência. Neste passo a sociedade simples se aproxima da comandita simples. Quando todos os sócios têm poderes de administração, e não há expressa limitação de responsabilidade, vale a correlação poder-responsabilidade, e todos são garantes das obrigações sociais, o que aproxima a sociedade simples da sociedade em nome coletivo. Ademais, tal interpretação é consentânea com os artigos 997, VI, 1.013-1.016, 1.019, parágrafo único, e 1.023 do Código Civil.

203. Da interpretação de ANTONIO BRUNETTI sobre a responsabilidade dos sócios na sociedade simples

Diz com perfeição o referido jurista: a) os sócios que têm administração e representação da sociedade respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações sociais; b) também respondem pessoal e solidariamente os outros sócios, mas, com pacto especial, podem estabelecer as respectivas limitações; c) os bens dos sócios somente podem ser executados depois de exaurido o patrimônio social.2 Em sede de legislação nacional, é o contrato social o único instrumento que pode restringir a responsabilidade dos sócios que administram a sociedade, por mandamento do art. 997, VIII, do Código Civil. De uma forma ou de outra, a responsabilidade dos sócios da sociedade simples é sempre subsidiária.

1 FERRI, Giuseppe., Diritto commerciale, cit., p. 217.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 368.

204. Dos fundamentos da responsabilidade dos sócios administradores na sociedade simples

Uma das formas de se estabelecer responsabilidade contra os sócios administradores se faz sobre a escrituração contábil e mercantil da sociedade. A lei estabelece que “os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico” (art. 1.020, C.C.). Todo aquele que administra patrimônio alheio deve prestar contas. Nesse caso, o dever de prestar contas é do sócio administrador diante dos sócios não administradores. O patrimônio em questão é o social, que está sob a disposição do sócio administrador. Prestando contas aos demais sócios, esses podem conferir sobre a integridade do patrimônio social, analisar a situação econômica e financeira, perquirir sobre as perdas, ter ciência da razão contábil de distribuição dos lucros, etc.

A apresentação do balanço e demonstrações cabíveis tem a consequência de permitir aos demais sócios julgarem a conduta dos sócios administradores e de, conforme o caso, proporem a ação de responsabilidade. Se os sócios administradores descumpriram as obrigações impostas pela lei e pelo contato social, emerge a possibilidade da propositura da referida ação social.

O objetivo dessa ação é obter a condenação do sócio ao ressarcimento dos danos provocados contra a sociedade, permitindo a restauração do patrimônio social. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011, caput, do Código Civil). Na administração disjuntiva os sócios administradores devem ter muita atenção na vigilância dos negócios sociais, para evitar a responsabilização por atos praticados pelos outros sócios. A impugnação (art. 1.013, § 1º) é a forma correta de o sócio se insurgir contra um ato – no mais das vezes temerário – e com isso evitar a sua responsabilidade. Se o sócio fica silente diante da conduta temerária dos outros sócios administradores, com certeza esse sócio será responsabilizado pelo dano causado contra a sociedade, pelo simples fato de que seu silêncio opera pela aceitação tácita do ato; portanto, passível de responsabilização. Por conseguinte, o dever de viligância sobre os atos administrativos dos demais sócios é condição natural da administração da sociedade de pessoas: nessa condição o sócio administrador deve apresentar as oposições cabíveis e com isso evitar a sua responsabilidade pela anuência tácita na prática do ato negocial prejudicial ao patrimônio da sociedade. O administrador deve exercer suas funções com a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios: assim, o homem ativo e probo não fica silente caso tenha informação que seu patrimônio esteja em risco. Desta feita, o administrador não pode ficar silente se tem informação que o patrimônio da sociedade está em risco pela possível prática de ato contrário ao interesse da sociedade. Conquanto esses fatores, na qualidade de administrador, o sócio deve perquirir pelas informações, solicitar esclarecimentos, com a finalidade de ter pleno conhecimento sobre o desenvolvimento da atividade social. Desde que esse sócio, cumprindo seu dever de diligência, cumpra sua obrigação de fiscalizar a administração dos demais sócios administradores, nada lhe prejudicará, em termos de responsabilidade, a prática de ato negocial contrário ao interesse da sociedade: nesse caso, o sócio administrador utilizou-se de todas as formas possíveis para ter notícia e informação sobre o desenvolvimento dos negócios sociais, porém, contra sua própria vontade, não conseguiu recebê-las em tempo oportuno, e, portanto, não há que se falar em responsabilidade contra esse sócio. Nesta hipótese o sócio administrador empregou toda sua diligência em descobrir eventuais equívocos administrativos, fraudes ou atos temerários, porém, foi ludibriado ou faltaram com a verdade em seu confronto. Evidentemente que nesse caso o sócio diligente e probo não poderá ser processado na ação de responsabilidade social. É imperioso ressaltar que a responsabilidade alcança todos os sócios administradores, ainda na hipótese de administração disjuntiva. Somente não será responsabilizado o sócio que: a) apresentou oposição contra a prática do ato e foi vencido pela maioria ou pela unanimidade; b) o sócio que agiu de maneira diligente, oportuna e com probidade em ter informações sobre o desenvolvimento dos negócios sociais, mas foi ludibriado pelos demais sócios ou lhe faltaram com a verdade. Com efeito, a lei diz: Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria (art. 1.013, § 2º, C.C.). Ademais, a responsabilidade social é solidária entre os sócios administradores. Nestes termos, a lei determina que os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, C.C.). Esse é um fenômeno clássico das sociedades de pessoas. Em atos culposos, há solidariedade entre os sócios. Na administração disjuntiva a solidariedade é a regra máxima entre os sócios e serve como limite extrínseco contra a prática de atos temerários de um contra os outros. Somente entram nessas sociedades aqueles que têm ampla confiança recíproca, que sabem dos efeitos provocados pela responsabilidade solidária e que conferem enorme relevância diante da pessoa do sócio administrador.

Por essas e outras razões é que se determina: a) a responsabilidade é solidária perante terceiros nos atos culposos; b) a responsabilidade é solidária perante a sociedade nos atos negociais contrários ao interesse social da sociedade e que, de uma forma ou de outra, lesaram o patrimônio social. São duas frentes de responsabilidades completamente distintas: a primeira se opera diante dos terceiros, que podem acionar a sociedade, e qualquer dos sócios administradores responderá em solidariedade passiva; a segunda é a ação de responsabilidade, movida pela sociedade ou por qualquer dos sócios, que busca processar o sócio faltoso, que lesou o patrimônio social e que, agora, deverá ressarcir a sociedade pelos valores equivalentes ao desfalque. Na administração disjuntiva está implícito o dever de vigilância entre os sócios. À medida que o sócio administrador não está obrigado a dar notícia prévia de seus atos, pela sua autonomia administrativa, os demais têm o dever de perquirir informações objetivas sobre o desenvolvimento dos negócios sociais. Se o sócio assim não procede, poderá ser acionado para responder, solidariamente, pelo prejuízo causado pelo outro sócio: para escapar da responsabilização, esse sócio deverá provar que é isento de culpa, ou seja, que praticou e diligenciou de maneira razoável para ter as informações dos negócios sociais e sobre seu desenvolvimento, mas o outro sócio o ludibriou ou falsificou documentos de toda ordem, induzindo esse sócio a erro ou impossibilitando que apresentasse, no tempo oportuno, a oposição contra o ato negocial.

A solução ao caso advém do art. 2.260 do Codice Civile, ao estabelecer, acertadamente, que “gli amministratori sono solidalmente responsabili verso la società per l’adempimento degli obblighi ad essi imposti dalla legge e dal contratto sociale. Tuttavia, la responsabilità non si estende a quelli che dimostrino di essere esenti da colpa”. Com efeito, a ação de responsabilidade não terá lugar contra o sócio que for “isento de culpa” no desempenho de suas funções. Isso significa, na parte da administração disjuntiva, que o referido sócio praticou de forma diligente o controle sobre a administração social, nos termos que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Esse fato tem o poder de isentar de culpa o administrador: entende-se tal circunstância pelo argumento que o administrador não concorreu, indireta ou tacitamente, para a prática do ato. O sócio que seja ativo probo e diligente na vigilância da sociedade não pode ser acionado em sede de ação de responsabilidade social. É mister ressaltar que essa isenção de responsabilidade não se circunscreve nos meandros da responsabilidade civil do direito comum. Em se referindo ao conceito de administração devem preponderar, em favor desse sócio, regras de equidade na conformação da responsabilidade, bem sabendo que será esse sócio que deve provar, judicialmente, as causas de exclusão de responsabilidade. Portanto, o ônus da prova é do sócio contra quem se insurge a sociedade: é o sócio que deve provar que agiu de maneira diligente e com vigilância, porém, ainda diante dessas circunstâncias, não havia meios para descobrir a fraude ou desmascarar os gatunos que prejudicaram a sociedade lesando seu patrimônio. Neste caso o sócio administrador se exime de qualquer responsabilidade e foi, por bem da verdade, vítima, assim como a sociedade, pela prática de atos temerários, em confronto com o interesse da sociedade. Ao contrário, se o sócio administrador foi negligente nas suas funções, a responsabilidade terá lugar, porque filha da desídia. A primeira forma de comprovar o dever de vigilância e a diligência do sócio é a apresentação da oposição. Feita a impugnação contra o ato negocial antes da sua efetivação, o sócio já se exime de responsabilidade social perante a sociedade. Contudo, existem outras formas, como o envio de notificação para que o sócio informe sobre o andamento dos negócios; medidas judiciais de exibição de livros ou prestação de contas; ou seja, toda e qualquer documentação que comprove que o sócio empregou todos os meios razoavelmente admissíveis para ter notícia dos atos administrativos e seu desenvolvimento, mas que, ainda assim, não conseguiu ter acesso aos documentos ou impedir a prática de ato contrário ao interesse da sociedade.

Somente com esses documentos é que o sócio conseguirá elidir a responsabilidade comprovando sua atuação diligente na administração da sociedade. Contra terceiros, a responsabilidade por atos culposos decorre, em termos de solidariedade, pelo fato de que a responsabilidade solidária e ilimitada é clássica nas sociedades de pessoas diante da característica que todos os sócios exercem poderes administrativos. Ademais, essa é uma garantia que opera em favor dos terceiros que contratam com a sociedade, e que, por atos culposos, podem se insurgir contra os sócios, caso a sociedade não tenha patrimônio para solver suas dívidas. A responsabilidade é solidária, também, porque o sócio exerce a administração em caráter pessoal, e na administração disjuntiva a solidariedade opera em favor dos terceiros, mas como limitação aos atos temerários e culposos. A responsabilidade dos sócios nas sociedades de pessoas, cada qual conforme o tipo societário em questão, é ampla e deriva da confluência dos interesses na sua formação, bem como da própria forma de exercício da sua administração.

205. Das obrigações e das responsabilidades dos sócios administradores na sociedade simples

Em termos administrativos e de obrigações sociais a sociedade simples tem grande similitude com a sociedade em nome coletivo. Assim como na sociedade em nome coletivo, os sócios das sociedades simples são todos, em princípio, administradores. Os sócios podem, como já se viu, estabelecer e reservar o poder de administração em favor de um ou alguns sócios. Os administradores da sociedade devem ser sócios, não sendo admissível que todos se dispam, em favor de terceiro estranho, do poder de dirigir a empresa social. O pacto que confiar a administração em favor de um estranho não é suficiente em despir os sócios da qualidade de administradores: esse pacto, diz GALGANO, não os priva do poder de dirigir as operações sociais em substituição ao estranho, que deverá ser qualificado como mero preposto da sociedade, e também não os priva da condição de administradores.1 Aos administradores competem entre outros deveres: a) exercer efetivamente essa função administrativa e de representação com poderes; b) os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico; c) representar judicialmente a sociedade. Com efeito, ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar. A responsabilidade dos sócios segue esta regra: se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária (art. 1.023, C.C.). Dentro dessa regra de responsabilidade, os sócios dispõem de um benefício, qual seja: os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (art. 1.024, C.C.). Pelos atos culposos a regra é a solidariedade: os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, C.C.). A responsabilidade é solidária pela natureza da administração disjuntiva. Em sede societária a solução é distinta daquela do direito comum sobre a solidariedade nas obrigações: a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes (art. 265). Nas sociedades a solidariedade resulta da lei, mas tem como origem o fenômeno associativo entre os sócios, bem sabendo que todos estão em sociedade, ou seja, situação em que a solidariedade não é apenas presumida, mas constitui elemento intrínseco ao contrato social e ao vínculo societário.

Nas sociedades em nome coletivo a responsabilidade é solidária não apenas porque resulta da lei, mas, antes disso, porque estão todos sob uma firma social comum; todos os sócios têm poderes de administração; as obrigações sociais são assumidas em nome comum; nos tempos medievais, o vínculo de sociedade se formava no contrato social entre os sócios, mas perante terceiros era o próprio sócio que assumia a obrigação, levando consigo os demais, em razão da firma social. Por isso, nessas sociedades sempre se teve como responsabilidade solidária e ilimitada a regra geral, como lei dos mercadores, prática comum entre os comerciantes, no princípio de garantia creditória ampla, etc. Nas sociedades de pessoas, notadamente a sociedade simples, os sócios que renunciaram ao poder administrativo da sociedade estão exonerados das obrigações contábeis, que, certamente, ficaram para os demais sócios. Essa regra vale, também, para as sociedades coletivas. Mas, até para esses sócios, existem outros deveres: salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, assim como o estado da caixa e da carteira da sociedade (art. 1.021). Ainda que o sócio não administrador não cumpra obrigações sociais referentes aos aspectos contábeis da sociedade, a lógica lhe aconselha fiscalizar as contas da sociedade sob o risco de sua omissão acabar acarretando determinada responsabilidade. Essa responsabilidade pode se exteriorizar no caso do recebimento de lucros inexistentes ou indevidos: a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade (art. 1.009). Aos sócios não administradores incidirá responsabilidade sempre quando não cumprirem o seu dever de fiscalizar os negócios sociais, utilizando de todos os meios razoáveis para que tenham acesso às informações contábeis, patrimoniais e financeiras da sociedade: da sua omissão emerge a responsabilidade solidária. O sócio não administrador deve fiscalizar a sociedade com a mesma diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. Cumpre ressaltar que o sócio pode se despir dos poderes administrativos da sociedade, porém não pode ser omisso, por esse fato, na fiscalização da sociedade porque dela tem interesse direto, que se manifesta na distribuição dos lucros, por exemplo.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 314.

Não seria ativo e probo um sócio que se omitisse em fiscalizar a sociedade, porque filha da desídia. Certamente se o sócio embolsou dividendos, e que depois se provaram lesivos ao patrimônio da sociedade e prejudicando, com isso, o interesse dos credores. O sócio que os embolsou terá que restituí-los, ainda que não seja sócio administrador, bastando para configurar a sua responsabilidade o fato de que não se utilizou, razoavelmente, dos instrumentos societários para ter acesso, de maneira eficiente, ao andamento contábil e econômico da sociedade. O sócio pode renunciar ao poder de administração, porém nunca poderá renunciar ao direito de fiscalizar a sociedade porque é de seu interesse a distribuição do lucro que decorre da atividade levada a efeito pela sociedade, a qual integra e tem responsabilidades. Outro fator de responsabilidade pessoal dos sócios administradores tem lugar nos casos da prática de atos que refogem ao objeto social – ultra vires. Também tem lugar a responsabilidade pessoal no ato que excede o poder de representação perante terceiros. Essas hipóteses foram previstas, expressamente, pelo Código Civil (art. 1.015), ao determinar que o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade – bem sabendo que a regra geral se entende como: no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir.

Os administradores podem praticar atos que entrem no objeto social e nos limites do contrato social: atos de administração ordinária.

Os administradores também podem praticar atos de administração ordinária, desde que autorizados pelo contrato social e pelos demais sócios; por exemplo, oneração ou venda de bens se faz necessária sempre com a aprovação da maioria dos sócios. Sem esse requisito o ato não tem vigência e não opera efeitos contra a sociedade. A responsabilidade pelo ato desamparado pela lei ou pelo contrato será, unicamente, a responsabilidade pessoal do sócio, nada podendo os terceiros demandar contra a sociedade. O órgão social não pode administrar a sociedade contrariando seus interesses ou descumprindo os deveres pelos quais está obrigado, sob pena de o ato não produzir efeitos contra a entidade social, ou seja, a sociedade. O que a lei busca é concentrar na mesma pessoa a administração da sociedade e sua representação: o administrador que tem a representação da sociedade pode cumprir todos os atos que entram no objeto social, salvo as limitações expressas no contrato social ou na procuração (art. 2.298, Codice Civile). Na sociedade simples, o Código Civil tem a mesma identificação de funções entre administrador e representação da sociedade. Somente pode administrar a sociedade aquele que seja sócio, e com isso assumirá, perante terceiros, os direitos de representação. A sociedade pode ter mandatários que não sejam sócios, porém jamais com poderes de administração. Os mandatários e prepostos da sociedade somente podem praticar atos que entrem na relação contratual do mandato. Os sócios que administram a sociedade e que também exercem a sua representação podem praticar todos os atos que entrem no objeto social da sociedade, ressalvas feitas das limitações expressas no contrato social ou na procuração. Se o administrador exceder seus poderes de representação, o ato não vinculará a sociedade, porque esse ato opera somente contra a pessoa do representante: é como se esse ato nem existisse para a sociedade, e as regras são aquelas do art. 1.015 do Código Civil. A sociedade somente pode ser representada por aqueles que disponham, efetivamente, dos poderes de representação, que seja um sócio ou um terceiro. Se quem excedeu os limites do contrato social ou da procuração foi um sócio, a sociedade não responde, mas apenas o referido sócio. Se quem excedeu a procuração foi um terceiro para a prática de ato certo e determinado, o único responsável será esse terceiro. Em ambos os casos, a sociedade está isenta de qualquer responsabilidade porque o ato foi praticado por aquele que não dispunha dos devidos poderes de representação. Os sócios administradores são também responsáveis, em relação aos credores, pelos prejuízos causados ao patrimônio social decorrente da violação do dever de conservação integral do patrimônio da sociedade, evitando atos temerários na administração da sociedade. A sociedade pode mover, contra os administradores, a ação de responsabilidade, para que restituam em favor da sociedade os valores perdidos pela sua administração temerária, culposa ou de ma-fé. Os credores também podem mover essa ação, caso a sociedade não cumpra esse seu dever. Os credores têm legitimidade processual e interesse de agir, bem como a possibilidade jurídica do pedido decorre da interpretação analógica dos artigos 158 e 159 da Lei 6.404/76. Com efeito, em sede acionária se estabelece: o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: i) dentro de suas atribuições ou poderes com culpa ou dolo; ii) com violação da lei ou do estatuto. O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral. Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do nãocumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto,

tais deveres não caibam a todos eles. Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto. Ademais, diz a lei acionária: compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador pelos prejuízos causados ao seu patrimônio (art. 159, caput). E a ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador (art. 159, § 7º). É evidente que o terceiro pode ser interpretado como credor prejudicado pelo ato do adminitrador: esse ato temerário, culposo, doloso, lesivo ao patrimônio da sociedade prejudica o interesse do credor, que tem sobre o patrimônio social a sua principal garantia de recebimento pelo seu crédito. Na sociedade simples, caso a sociedade não apresente ação de responsabilidade contra o administrador, o credor poderá acionar judicialmente o referido administrador para que restitua à sociedade a soma referente aos valores perdidos por seus atos lesivos ao patrimônio social. Portanto, o credor tem legitimidade, interesse de agir, e a possibilidade jurídica do pedido está amparada nos artigos 158 e 159 da Lei 6.404/76 naquilo que couber em sede de sociedade simples. Não é mera interpretação analógica, porém, responsabilidade direta contra o administrador pela prática de ato lesivo ao patrimônio da sociedade, que tem correlação com a lesão de direito, na situação jurídica equivalente ao “fato ilícito”, como responsabilidade extracontratual.

A legislação italiana tem regra expressa sobre a possibilidade jurídica do pedido, nas sociedades anônimas, operando em favor do credor. Desta feita, os administradores respondem em relação aos credores da sociedade pela inobservância das obrigações inerentes ao dever de conservação de integridade do patrimônio social. A referida ação pode ser proposta pelos credores quando o patrimônio social resultar insuficiente ao pagamento dos seus créditos. A renúncia da ação por parte da sociedade não impede o exercício dessa ação por parte dos credores da sociedade. O ato jurídico lesivo pode até ser objeto de ação revocatória, nos termos da lei, no caso de decretação de falência (art. 2.394, Codice Civile). Essa regra deveria encontrar espaço de aplicação no ordenamento jurídico pátrio, seja na sociedade anônima, bem como nas limitadas e sociedades de pessoas. O exímio GALGANO já defendia a aplicação do art. 2.394 às sociedades de pessoas, na medida em que aos credores caberia uma ação própria de responsabilização contra o administrador, direcionada em obter a condenação do administrador em relação aos credores que apresentaram a demanda judicial, não obstante o fato da renúncia da sociedade em propor a ação. O fundamento dessa ação é a caracterização de fato ilícito, ao explicar que: “la si deve ammettere, pur in difetto di una esplicita disposizione di legge, per applicazione del generale principio sancito dall’art. 2.943 c.c.; e sul presupposto che sia, agli effetti di questa norma, danno risarcibile non soltanto quello che consista – come un tempo si riteneva – nella lesione del diritto di proprietà o di altro diritto assoluto. Nella specie non si tratta, a ben vedere, neppure della lesione di diritti di credito, la quale implica il verificarsi, per il fatto di terzo, di una causa estensiva del rapporto obbligatorio: si tratta della lesione, per il fatto degli amministratori, della aspettativa di prestazione dei creditori. Ogni perplessità cui l’assunto poteva in passato dare luogo è oggi destinata a scomparire: oggi si ammette la risarcibilità, per principio generale, del pregiudizio al credito da parte del terzo; e si ammette la risarcibilità, siccome danno ingiusto, ai sensi dell’art. 2.043, della lesione di ogni situazione giuridicamente rilevante, quando fra l’interesse leso e il comportamento lesivo esista un rapporto di crrelatività”.1

Essas questões envolvem o dever de conservação da integridade do patrimônio social. Nas sociedades de pessoas esse dever se manifesta claramente como obrigação aos sócios administradores, por atos de administração ordinária e extraordinária, mas alcança também aos sócios não administradores, quando recebem dividendos ilícitos ou fictícios. O dever de conservação da integridade do patrimônio social entra no art. 1.011, caput, do Código Civil. Ao passo que, bem sabendo, diz a lei: se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária (art. 1.023, C.C.). O que se quer dizer é que, nas sociedades de pessoas, a responsabilidade dos sócios administradores pode ser alcançada no caso de o patrimônio social não ser suficiente para saldar as dívidas sociais. Assim, bem sabendo que a ação de responsabilidade, nos termos considerados, seja extremamente útil na defesa do interesse dos credores, a finalidade do art. 1.023 lhe é idêntica, ou seja, responsabilizar o sócio pelas dívidas sociais não pagas. Se o sócio praticou ato lesivo, temerário, prejudicial ao patrimônio da sociedade, mas essa sociedade ainda tem bens suficientes para honrar as dívidas sociais, não há por que falar em ação de responsabilidade ou quanto menos em acionar o sócio administrador para pagar, pessoalmente, as dívidas sociais.

Com efeito, os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (art. 1.024, C.C.). Portanto, enquanto a sociedade possuir bens suficientes, o interesse dos credores está salvo, e não tem que falar em ação de responsabilidade. Nas sociedades de pessoas se fala apenas em responsabilidade pessoal dos sócios administradores quando findo o patrimônio social. Então, findo o patrimônio social, os credores têm sobre o patrimônio pessoal dos sócios – que respondem solidariamente – a garantia da sua dívida, ao

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 319/320.

passo que essa seria uma forma de “ação de responsabilidade social movida pelos credores contra os sócios”, com a finalidade de receberem aquilo que lhes é devido. Por força do referido nos artigos 1.023 e 1.024 do Código Civil, os sócios administradores responderão pelo desfalque patrimonial, quer seus atos sejam lesivos, ilícitos, culposos, dolosos ou qualquer outra situação que se possa configurar: a responsabilidade deles é objetiva em relação aos credores, findo o patrimônio social. Não cabe perquirir se agiram de boa-fé, mas apenas que o ato entre no objeto social e tenha sido praticado nos limites do contrato social e do mandato: basta que a sociedade não mais tenha bens para saldar as dívidas, e a partir desse momento incidirá a responsabilidade pelas obrigações sociais, respondendo todos os sócios, em solidariedade, se previsto no contrato social. A solidariedade opera, de imediato, somente entre os sócios na sociedade em nome coletivo. Ademais, responde também o sócio não administrador sempre que recebeu dividendos ilícitos ou fictícios, se não provar que agiu com vigilância sobre as contas da sociedade. O recebimento de dividendos ilícitos ou fictícios caracteriza desfalque sobre o capital social, e por isso deve ser restituído à sociedade. Se os credores não encontram a garantia sobre o capital social (patrimônio), os sócios que fraudaram as contas, bem como aqueles que receberam dividendos, assumem idênticas roupagens em termos de responsabilidade social perante credores.

O art. 1.023 do Código Civil é fulminante contra os sócios, ainda que estabeleça que “respondem os sócios pelo saldo na proporção em que participem das perdas sociais”, salvo cláusula de responsabilidade solidária. Portanto, a responsabilidade do sócio está confiada ao aspecto proporcional das perdas, o que se correlaciona, por seu turno, com a participação que o sócio tem na sociedade: o passivo sem lastro social vai incidir proporcionalmente sobre a participação do sócio. A equação é matemática e não comporta conflitos. Contudo, a lei diz: salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das respectivas quotas, mas aquele cuja contribuição consiste em serviços somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas (art. 1.007, C.C.). Cabe perquirir se o contrato social pode estabelecer que sobre as perdas um sócio tenha participação inferior em comparação com a sua participação nas suas quotas medidas pela sua contribuição social: a resposta é afirmativa, nos termos da interpretação do referido art. 1.007. Na sociedade simples os sócios podem pactuar que a participação sobre as perdas será inferior à sua participação sobre o capital social desde que tal regra não caracterize pacto leonino. É bom ressaltar que a regra do art. 1.007 do Código Civil produz efeitos somente entre os sócios, e não prejudica os terceiros. Da mesma forma o art. 1.023 do Código Civil, que opera efeitos somente entre os sócios. Findo o patrimônio social, o credor exerce seu direito de recebimento sobre o sócio, e esse é que deverá acertar, contra os demais sócios, a proporção de regresso entre eles, conforme prevista pelo contrato social. A origem normativa do art. 1.007 do Código Civil é o art. 2.263 do Codice Civile. Esse texto normativo estabelece que: “Le parti spettanti ai soci nei guadagni e nelle perdite si presumono proporzionali ai conferimenti. Se il valore dei conferimenti non è determinato dal contrato, esse si presumono eguali. La parte spettante ao socio che ha conferito la propria opera, se non è determinata dal contratto, é fissata dal giudice secondo equità. Se il contratto determina soltanto la parte di ciascun socio nei guadagni, nella stessa misura si presume che deba determinarsi la partecipazione alle perdite.” O referido art. 2.263 da legislação italiana admite a presunção proporcional ao conferimento sobre o capital social. A regra geral, então, é a proporcionalidade entre o valor da participação social sobre o capital investido. Assim, se o valor da contribuição de um sócio corresponde a um quarto do valor de todas as contribuições, tal sócio participará sobre um quarto nos lucros e um quarto nas perdas. Se o valor da contribuição não for determinado pelo contrato social, presumir-se-á que as partes dos sócios sobre os lucros e nas perdas serão iguais entre eles. Se o contrato determina somente a parte de cada sócio nos lucros, então se presume que essa será também a participação nas perdas. Contudo, os sócios podem pactuar diversamente, no seu legítimo interesse, desde que não entrem na hipótese do art. 1.008 do Código Civil, ao determinar que é nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas. Então, o art. 2.263 da legislação italiana estabelece a presunção de igualdade entre as participações nos lucros e nas perdas, mas as partes podem derrogar essa presunção desde que respeitado o limite que impede o pacto leonino. O art. 1.007 do Código Civil, da mesma forma, estabelece apenas uma regra de presunção proporcional de igualdade dos sócios na participação nos lucros e nas perdas, decorrente da contribuição sobre o capital social de cada um deles; porém, essa regra pode ser derrogada no interesse dos sócios, pactuando diversamente. Aquele sócio que pagou a dívida social contra o credor da sociedade pode acionar, em via de regresso, os demais sócios para que, nos termos previstos no contrato social, entrem com a participação de cada um sobre as perdas. A lei foi acertada ao conferir aos sócios o valor da participação de cada um deles sobre as perdas, desde que não configue pacto leonino. Se uma sociedade excluir, por completo, um ou mais sócios das perdas, será nula apenas essa cláusula, e não todo o contrato social, que continua em vigência perante terceiros e sócios. Neste caso, ou seja, da cláusula leonina, o

contrato social tem vigência, e a disciplina aplicável sobre as perdas será a regra geral da proporcionalidade sobre as participações sociais, conforme estabelece o art. 1.007 do Código Civil, ou seja, as partes que cabem aos sócios nos lucros e nas perdas se presumem nas mesmas proporções às suas contribuições ao capital social. Como já se disse, se o valor da contribuição não for determinado no contrato social, presumir-se-á que as partes dos sócios sobre os lucros e nas perdas serão iguais entre eles. E, se o contrato determina apenas a parte de cada um dos sócios nos lucros, então se presume que essa será também a participação deles nas perdas. Essa é uma regra de justiça que deve ser aplicada somente no caso de pacto leonino. Nas outras avenças, as partes têm plena autonomia negocial, ou seja, esse é um critério de estrito interesse dos sócios, em pacta sunt servanda e de liberdade nas contratações particulares e não prejudica terceiros. Os credores acionam os sócios para receber o que lhes é devido, e a proporção sobre as perdas entra somente como aferição entre os próprios sócios nas suas relações sociais, não prejudicando o interesse dos credores sociais. Como se disse, a regra do art. 1.007 do Código Civil tem efeitos somente entre os sócios e a sociedade.

Ainda sobre a responsabilidade dos administradores (art. 1.016 do Código Civil), os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho das suas funções. Compete interpretar o sentido do referido art. 1.016 na questão do interesse social: o interesse alcançado pelo regramento normativo é aquele da sociedade, que não pode ter seu patrimônio desfalcado por atos culposos dos sócios, como gestão temerária, etc. Como já se demonstrou, a regra do art. 1.016 tem aplicação quando a administração é conferida a vários sócios, mas não a todos: portanto, tem-se administração disjuntiva ou conjunta quando sócios comprometem, negativamente, o patrimônio da sociedade, garantia fundamental dos credores. Ademais, o sócio administrador deve exercer suas funções com diligência e lealdade diante da sociedade: a sociedade não pode ser utilizada em proveito próprio do sócio, desfalcando seus recursos, dilapidando patrimônio, etc., até porque a sociedade se exterioriza como entidade jurídica distinta dos seus sócios, e, por conseguinte, esses não podem atuar de maneira desleal, como filhos da gatunagem. Contra essa prática ruinosa ao interesse da sociedade – interesse que é ao mesmo tempo distinto e complementar ao do sócio – o art. 1.017 do Código Civil estabelece: o administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá; fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. O art. 1.016 do Código Civil preceitua uma obrigação de ressarcimento contra o administrador culposo, e a solidariedade decorre como condição natural ao poder de administração que envolve a qualidade de sócio: desta feita, a solidariedade é uma consequência da estrutura organizacional da sociedade, bem informando aos sócios para que todos exerçam a administração de maneira cautelosa, sem colocar a sociedade em riscos desnecessários, com lealdade, boa-fé, probidade, evitando, a todo custo, entrar em operações arriscadas, ainda que de grande esperança de resultados econômicos favoráveis.

Qualquer sócio pode propor essa ação, que é uma verdadeira obrigação de sócio, imputando responsabilidade aos demais, para que entrem, solidariamente, para cobrir o desfalque provocado contra a sociedade. Quando emerge a responsabilidade pelo fato de que o patrimônio social foi lesado, o dano que o sócio percebe é aquele próprio que a sociedade também passou, em razão da culposa gestão administrativa, e nada mais lógico que esse patrimônio social deva ser ressarcido pelos próprios sócios. Não seria suficiente que os administradores se limitassem a ressarcir aquela parte do dano que corresponde a sua participação social porque desse modo se comprometeriam o funcionamento da sociedade e o interesse dos credores.1 Com a solidariedade dos sócios pelo ressarcimento, o que se quer evitar é, exatamente, que esse desfalque se manifeste como irreversível.

206. Dos poderes de representação dos sócios na sociedade simples

A lei diz que a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador (art. 1.022).

Com efeito, nos termos do art. 2.266 do Codice Civile, “la società acquista e assume obbligazioni per mezzo dei soci che ne hanno la rappresentanza e sta in giudizio nella persona dei medesimi. In mancanza di diversa disposizione del contratto, la rappresentanza spetta a ciascun socio amministratore e si estende a tutti gli atti che rientrano nell’oggetto sociale”. Desta feita, a sociedade adquire e assume obrigações por meio de seus sócios que têm a representação da sociedade, bem como exercem a representação judicial. Ademais, na falta de diversa disposição contratual, a representação cabe a todos os sócios administradores por atos que entram no objeto social da sociedade.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 241.

Por conseguinte, como regra geral, qualquer sócio administrador também é titular da representação da sociedade; mas o contrato social pode dispor diversamente, restringindo os poderes de representação em favor de alguns desses sócios, bem como pode restringir quais sejam os atos que podem ser praticados separadamente por esses sócios. Os poderes de representação se interpretam restritivamente: somente podem ser praticados os atos que efetivamente entrem no objeto social e que sejam autorizados pelo contrato social. Não há espaço para interpretação extensiva em sede de poderes de representação. O que existe é presença de atos correlatos ao poder de representação, que atingem o objeto social, bem sabendo que esses atos são previamente estabelecidos pelo contrato social. O art. 1.022 do Código Civil empresa efeitos jurídicos praticados pelos sócios em nome e por conta da sociedade, na qualidade de poder de representação, e esse poder tem a condição de infletir sobre o patrimônio social, bem sabendo que a obrigação assumida entra na esfera social, e, portanto, assumem direitos e obrigações sobre o patrimônio da sociedade. A condição de validade do ato negocial praticado pela sociedade é que esse ato tenha sido levado a efeito por um sócio que tenha o poder de representação da sociedade, ou seja, por um sócio investido do poder de agir em nome e no interesse da sociedade.

O contato concluído pelo representante em nome e no interesse do representando, nos limites conferidos pelo contrato social, produz efeito diretamente em relação ao representado. A regra geral é aquela prescrita pelo art. 675 do Código Civil: o mandante é obrigado a satisfazer todas as obrigações contraídas pelo mandatário, na conformidade do mandato conferido. Em sede societária o poder de representação assume a qualidade de interesse social, circunstanciado pelos limites impostos pelo contrato social. Por esse fator, é plenamente aplicável a regra sobre o conflito de interesses (art. 1.010, C.C.). A responsabilidade será: i) do sócio administrador que aprovar a deliberação; ii) do sócio administrador com poderes de representação que praticou o ato em conflito de interesses com a sociedade.

Na falta de diversa disposição contratual, a representação da sociedade cabe a cada um dos sócios administradores. Essa prerrogativa da representação se configura como um atributo inerente à qualidade de sócio administrador e não requer, por isso, nenhuma autorização expressa. Nas sociedades de pessoas existe essa regra: i) cada um dos sócios ilimitadamente responsáveis e, enquanto tal, administrador da sociedade, ou seja, ele tem o poder de decidir sobre as operações sociais; ii) e todo sócio administrador é, enquanto tal, representante da sociedade, ou seja, ele tem o poder de decidir e de concluir as operações sociais diante dos terceiros.1 A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Portanto, no silêncio do contrato a administração será sempre disjuntiva porque o direito de representação é uma qualidade individual do sócio administrador, e, salvo disposição em contrário, nas sociedades de pessoas todos os sócios são também administradores.

Com isso, há relevância entre o poder-dever de administrar e a qualidade de representante da sociedade, bem sabendo que na administração há decisão e na representação há conclusão das operações sociais, bem sabendo, também, que o sócio que tem a representação será, obrigatoriamente, um sócio administrador, confluindo as duas esferas de poder, ou seja, decisão e conclusão de negócios sociais. Nas sociedades de pessoas há confluência entre administração e representação, salvo se o contrato dispuser em contrário, determinado que apenas alguns sócios têm a representação da sociedade. Contudo, o limite de representação será o objeto social. Atos em ultra vires ou com excesso, abuso de poder e desvio de finalidade não obrigam a sociedade, mas apenas o sócio individualmente.

Na administração disjuntiva todo e qualquer sócio administrador pode praticar atos de representação, desde que não existam restrições no contrato social: portanto, há plena identificação das funções e deveres. A oposição contra a prática de um determinado ato negocial deverá ser apresentada por sócio administrador, ainda que não seja representante da sociedade. Não poderá ser apresentada por sócio que renunciou à administração, e, por conseguinte, à representação. Como já se viu, esse sócio poderá deliberar sobre a oposição, por força do art. 1.010 do Código Civil. Se o contrato social estabelece administração conjunta sobre a decisão das operações sociais, a consequência será que a representação da sociedade também será conjunta entre os sócios. Com efeito, neste caso, a representação deverá ser exercitada nos idênticos termos da administração, ou seja, com a participação de todos os sócios administradores. Portanto, se a sociedade escolheu a forma conjunta de administração em decidir sobre os negócios sociais, a representação perante terceiros no concluir esses negócios sociais também será coletiva, sob pena de o ato praticado em desacordo não produzir efeitos contra a sociedade.

Sobre administração tem lugar a regra que nos atos de competência conjunta de vários administradores torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável e grave contra a sociedade.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 241.

Sobre a representação tem lugar a regra que: a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente por meio de administradores com poderes especiais ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. Portanto, no caso de os administradores serem titulares de poderes especiais, como na administração conjunta, somente poderão ser praticados atos de representação por aqueles que detêm esses poderes administrativos, ou seja, sócios administradores: na administração conjunta somente podem ser praticados atos de representação nos termos fixados pelo contrato social, e a representação será, também, exercida pela forma conjunta. Os atos de representação devem entrar no objeto social e envolvem atos de administração ordinária e extraordinária. Os representantes, desde que autorizados pelo contrato social e pelas maiorias necessárias, podem praticar todos os atos de administração ordinária ou extraordinária relativos ao objeto social da sociedade. Depois que a maioria decidir (art. 1.015), os representantes da sociedade têm ampla, geral e irrestrita capacidade jurídica e negocial para a prática de ato de administração extraordinária. Nas sociedades o poder de representação é amplíssimo, e encontra sustentação jurídica no poder de dispor sobre bens alheios, nas medidas acertadas pela lei e pelo contrato social. Nas sociedades empresariais e simples não têm lugar as seguintes regras: o mandato em termos gerais só confere poderes de administração. Para alienar, hipotecar, transigir ou praticar quaisquer outros atos que exorbitem da administração ordinária depende a procuração de poderes especiais e expressos; o poder de transigir não importa o de firmar compromisso (art. 661, C.C.). No direito comum o mandatário somente pode praticar atos de administração ordinária, excluídos os atos extraordinários, entre eles, o de alienar, hipotecar, transigir ou quaisquer outros que exorbitem os atos de administração ordinária. Nas sociedades, a regra é a contrária: o sócio representante tem totais poderes tanto sobre os atos de administração ordinária quanto extraordinária, nos termos do art. 1.015 do Código Civil. Nas sociedades o poder de representação do sócio também é de representação processual e negocial. A sociedade está em juízo representada na pessoa dos seus sócios. Poderes de representação e de administração são funções que, no mais das vezes, estão unificadas na pessoa do sócio – porém, o contrato social pode dissociar essas funções, estabelecendo que nem todos os sócios administradores têm poderes de representação, conquanto todos os sócios que representem a sociedade são, ao mesmo tempo, sócios administradores. O contrato social pode dissociar, então, o poder de representação do poder de administração, reservando somente a um ou alguns dos sócios o poder de representação. A consequência será que os outros sócios terão somente o poder de decidir internamente sobre as operações sociais. Os demais sócios terão o poder de decidir sobre as operações sociais, bem como atuarem diretamente sobre a conclusão dessas operações sociais. O contrato social também poderá exigir para os atos de administração extraordinária a assinatura de todos os sócios administradores, ainda que não exerçam poderes de representação. Essa hipótese é bastante comum na prática, até nos casos em que os sócios renunciaram à função administrativa. Pode existir sociedade na qual um sócio não exerce a administração decisional sobre atos que entram no objeto social em sede de administração ordinária, que não representa a sociedade perante terceiros, porém, para a prática de ato de administração extraordinária é necessária sua assinatura, conjuntamente com os demais sócios, sob pena de o ato não produzir efeitos contra a sociedade. Essa regra é plenamente válida e aceita, e entra na esfera de organização interna das sociedades, e competirá ao terceiro verificar os contratos sociais das sociedades antes de firmar negócios jurídicos de natureza extraordinária. Uma sociedade não vai às agências bancárias, todos os dias, para firmar empréstimos lastreados em hipotecas. Se o banco não perquiriu sobre os poderes de representação, não poderá acionar a sociedade, que é, neste caso, estranha ao caso, porque praticado em abuso de poder de representação: a responsabilidade será, portanto, única e exclusiva do sócio. O poder de representação tem de ser público para valer contra terceiros. Nas sociedades, com o registro competente do contrato social devidamente arquivado, cumpre-se a finalidade de publicidade que se requer por lei: o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Nessas referidas condições a sociedade não será responsável por atos praticados com abuso de poder, excesso de mandato ou ultra vires. A regra é justa e deve ser aplicada pelos tribunais, evitando que o patrimônio social responda por dívidas que não foram contraídas pela sociedade, e, portanto, não lhe dizem respeito. O registro da sociedade simples, bem como o das sociedades empresariais, são os meios capazes e suficientes para que os terceiros tenham as informações cabíveis sobre os poderes de representação da sociedade. Cabe ao terceiro o ônus de conferir, sobre o contrato social, os poderes de representação daqueles que agem em nome e por conta da sociedade, enquanto a sociedade poderá opor ao referido terceiro todas as limitações decorrentes desse poder de representação, que é público por força do arquivamento do contrato social. Com efeito, obviamente a sociedade poderá contratar mandatários para executarem determinados atos em seu nome e por sua conta, assumindo as obrigações do negócio jurídico. São, por exemplo, os mandatários e prepostos. Contudo, os poderes dos mandatários e prepostos não são regulados pelo art. 1.022 do Código Civil. O referido art. 1.002 disciplina

somente os poderes de representação dos sócios administradores. Os mandatários e prepostos estão sob o império das regras atinentes ao contrato de mandato (artigos 653 e seguintes, C.C.). Os mandatários e prepostos podem, única e exclusivamente, cumprir atos de execução que não entrem na administração extraordinária, salvo se expressamente previsto no instrumento de mandato. Neste passo tem lugar a aplicação da regra do art. 661 do Código Civil: O mandato em termos gerais só confere poderes de administração: para alienar, hipotecar, transigir ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária depende a procuração de poderes especiais e expressos; o poder de transigir não importa o de firmar compromisso. Obviamente que o conferimento do instrumento de mandato em favor de terceiros estranhos à sociedade, nos termos do art. 661, não priva os administradores do poder de representação social. Ademais, até na hipótese de os sócios conferirem ao terceiro estranho à sociedade todos os poderes gerais e amplos, os sócios não perdem a administração da sociedade, ou seja, mantêm a qualidade de administradores, e, por consequência, conservam a representação da sociedade: serão, também, responsáveis pelos atos praticados pelo mandatário estranho à sociedade, e essa responsabilidade é solidária entre os sócios.

Os sócios podem renunciar à administração somente em favor de outros sócios, que, então, exercem a representação da sociedade, bem como serão os sócios administradores. Se todos os sócios renunciam à administração e à representação em proveito de terceiro estranho, esse ato os coloca todos como administradores e representantes, com a única finalidade de serem responsabilizados, solidariamente, pelas obrigações sociais.

207. Da responsabilidade da sociedade simples e dos seus sócios pelos atos de representação social

A sociedade responde por suas dívidas nas forças do seu patrimônio, e, findo o patrimônio social, os credores podem acionar diretamente os sócios, que respondem pelo passivo sem lastro social. Com efeito, a lei diz: Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária. Pelas obrigações sociais respondem solidária e ilimitadamente os sócios que agiram em nome e por conta da sociedade e, salvo pacto em contrário, os demais sócios. Disto se dessume que os sócios que têm a representação respondem pelas dívidas sociais de maneira solidária e ilimitada. Os sócios que não têm a representação não respondem pelas obrigações sociais, salvo pacto dispondo ao contrário. O art. 997, VIII, determina que o contrato social deve mencionar se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais. Em primeiro lugar, é o patrimônio social que responde pelas dívidas sociais. Assim, a contribuição que os sócios fizeram ao capital social quando da abertura da sociedade, acrescida de entradas que formaram o patrimônio social, garante os interesses de recebimento dos credores.

Nas sociedades simples existe sistema de responsabilidade social bastante diverso das demais sociedades de pessoas. Esse sistema não pode ser comparado com a sociedade em nome coletivo, em comandita simples ou em conta de participação. Ainda por força do art. 997, VIII, do Código Civil, a restrição da responsabilidade subsidiária não faz da sociedade simples uma consequência natural de algo semelhante às sociedades limitadas. Todos os sócios são, em princípio, ilimitada e solidariamente responsáveis pelas obrigações sociais, salvo pactuação diversa que excluir dessa responsabilidade os sócios que não exercem a representação da sociedade perante terceiros, porém, que, ao final, por serem considerados administradores em sentido amplo acabam por responder subsidiariamente É uma responsabilidade direta: os credores podem agir diretamente contra o sócio sem ter que acionar previamente a sociedade.

O sócio tem, todavia, a seu favor a prerrogativa de invocar o beneficium excussionis, para que os bens da sociedade sejam executados antes dos seus bens pessoais; o sócio somente tem o direito de se socorrer do beneficium excussionis se estes bens são, efetivamente, suficientes em saldar a dívida social, e cabe ao sócio comprovar sua existência e certeza (art. 1.024). O sócio admitido em sociedade já constituída não se exime das dívidas sociais contraídas anteriormente à sua admissão (art. 1.025). A responsabilidade é pelas obrigações sociais, ou seja, obrigações assumidas pela sociedade, por meio daqueles que têm o legítimo direito de representação social (art. 1.022); bem como das obrigações que decorrem do ato ilícito; das obrigações assumidas pelos mandatários e prepostos, nos termos do contrato de mandato.

208. Do pacto de limitação de responsabilidade nas sociedades simples

Nos termos da legislação italiana, é admissível pacto que exclua a solidariedade entre os sócios, excluindo, por conseguinte, aqueles sócios que não têm poder de representação social. Esse pacto deve ser exteriorizado em cláusula do contrato social e devidamente arquivado no registro competente. Em relação aos atos ilícitos, o sócio que não administra a sociedade não responde pessoalmente pela obrigação, independentemente de pacto de exclusão de responsabilidade. Esse sócio não responderá pelo fato de não possuir a condição de sócio com poderes de representação social, e não pela circunstância de que a sociedade tem personalidade jurídica. Os demais sócios, que têm poderes de representação perante terceiros, são responsáveis pelas obrigações sociais de qualquer natureza. A limitação que fala o art. 997, VIII, do Código Civil é a da restrição de responsabilidade dos sócios que não exercem a administração, e não vale contra os sócios que representam a sociedade perante terceiros. O pacto de limitação da responsabilidade ou da exclusão da solidariedade não vale para os sócios que tenham agido em nome e por conta da sociedade, os quais restam, não obstante qualquer pacto em seu favor, ilimitada e solidariamente responsáveis pelas obrigações sociais. GALGANO ensina que a sociedade simples com pacto de limitação de responsabilidade dos sócios que não agem em nome e por conta da sociedade assume estrutura análoga àquela da sociedade em comandita simples, caracterizada pela presença de sócios comanditados, ilimitadamente responsáveis, e por sócios comanditários, que têm responsabilidade limitada pelo valor da sua quota, os quais não podem praticar atos de administração, sob pena de responderem, ilimitadamente, com os sócios comanditados. O art. 2.267 do Codice Civile não faz referência ao cumprimento de “atos de administração”, mas em relação aos sócios que tenham agido em nome e por conta da sociedade: esta expressão designa, em termos jurídicos, a atividade de representação, ou seja, agiu pela sociedade nas suas relações externas perante terceiros. Por esse motivo, vários interprétes entendem que na sociedade simples seria inderrogável somente a responsabilidade ilimitada dos sócios administradores que agem como representantes externos da sociedade e concluem que o pacto de limitação da responsabilidade poderá beneficiar os outros sócios administradores que não exercem poder de representação externa da sociedae. Todavia, na esteira de GALGANO, e nos limites do próprio art. 2.267, se devem entender “por sócios que agiram em nome e por conta da sociedade” aqueles que, de qualquer modo, participaram e concorreram para o cumprimento dos negócios sociais, ainda que essa participação seja apenas nas relações societárias internas da sociedade (poder administrativo em deliberar) e ainda que esse sócio não tenha poderes de representação externa da sociedade.1 Com efeito, o pacto de limitação de responsabilidade opera efeitos somente aos sócios que renunciaram ao poder de administração e de representação da sociedade. Se o sócio renunciou ao poder de representação, mas administra internamente a sociedade, exercendo a administração interna da sociedade, participando e concorrendo nas deliberações sociais, nenhum pacto de limitação de responsabilidade lhe aproveitará. Portanto, sócios administradores e sócios administradores com representação social são, na sociedade simples, responsáveis pelas obrigações sociais. A limitação a que se refere o art. 997, VIII, do Código Civil é a dos sócios que renunciaram ao poder de administração e de representação da sociedade. O poder de direção (administração) tem correlacionado o risco: neste risco, bem sabendo que a sociedade simples é sociedade de pessoas, o sócio que exerce a administração tem, sempre, a responsabilidade pessoal pelas obrigações sociais. Desta feita, é assim nas sociedades em nome coletivo; em comandita simples; em conta de participação. Na sociedade simples a situação é idêntica, ou seja, o poder de administrar está correlacionado ao risco dessa administração. Não é pelo fato de que a sociedade tenha ou não personalidade jurídica que apenas por essa circunstância ter-se-á limitação de responsabilidade dos sócios. Ademais, a pessoa jurídica, ou melhor, a existência da pessoa jurídica não é suficiente em estabelecer a limitação de responsabilidade em favor dos sócios. Apenas a lei tem a prerrogativa de instituir sociedades nas quais o vínculo societário será constituído de tal ordem que a limitação de responsabilidade opera em favor de todos os sócios: sociedade limitada e anônima.

A personificação tem significado patrimonial, bem sabendo que do Código Civil, Subtítulo II – Da sociedade personificada, fazem parte: a sociedade simples (Capítulo I); a sociedade em nome coletivo (Capítulo II); a sociedade em comandita simples (Capítulo III); e a sociedade limitada (Capítulo IV). Por conseguinte, não é o fato da personificação que tem o poder de limitar, em favor de todos os sócios, a responsabilidade pelas dívidas sociais. Nas sociedades de pessoas, classicamente consideradas sociedade em nome coletivo, comandita simples e sociedade simples, o risco da administração social acerta, em última instância, os próprios sócios, que no máximo apenas podem se valer do benefício previsto no art. 1.024 do Código Civil. Tem-se, nessas sociedades, pessoa jurídica distinta da dos seus sócios, e tais sociedades são devidamente inscritas no registro competente, que lhe confere foro de existência perante terceiros. Contudo, na sua administração, a correlação risco-poder de administração é pessoal, ou seja, bem sabendo que existe personificação de um patrimônio social em favor da pessoa jurídica societária, os sócios respondem subsidiariamente. A sociedade é a empresária. É titular de direitos e obrigações. Porém, a responsabilidade é

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 246/247.

subsidiária dos sócios. Na sociedade simples, a sociedade é a titular da “empresa civil”, e os sócios respondem subsidiariamente pelas obrigações, bem sabendo que se fala de sócios administradores, quer exerçam ou não a administração social. Nas sociedades de pessoas, somente sócios têm a qualidade jurídica para exercer a administração interna e externa da sociedade, fato esse que denota a responsabilidade subsidiária. A sociedade limitada (Capítulo IV) não é, em termos institucionais, sociedade de pessoas, mas, em casos práticos, o vínculo entre os sócios é nitidamente pessoal. Porém, o fato mais importante é aquele institucional, fato esse que denota a responsabilidade limitada, e assim como na administração profissional, ao passo que nas sociedades limitadas é permitida a contratação de diretores para o exercício da administração social (art. 1.061, C.C.). A partir desse fato, institucionalmente, a sociedade limitada não pode ser caracterizada como sociedade de pessoas, mas, quando muito, de sociedade mista. Contudo, aqueles fatores são determinantes em acarretar a limitação da responsabilidade dos sócios ao valor das quotas investidas, sem responsabilidade subsidiária pelas dívidas sociais. Esses fatores são: i) responsabilidade limitada por não constituir sociedade de pessoas em sentido absoluto; ii) possibilidade de a administração ser exercida por diretores, ou seja, por aqueles que não são sócios. A personificação patrimonial é uma técnica organizacional em sentido jurídico: o simples fato de ter personificação não acarreta a limitação de responsabilidade ao valor do patrimônio investido. O fator determinante para a limitação da responsabilidade dos sócios ao capital investido é o mandamento normativo, que estabelece, como equilíbrio, a confluência risco-poder de administração, bem sabendo que nas sociedades de capital a responsabilidade, ao menos em sentido programático, se tem sobre o patrimônio, ou seja, sobre os bens, não perquirindo responsabilidade pessoal dos sócios. Com efeito, a sociedade limitada (Capítulo IV) entra na categoria de sociedade de capital por força de expressa disposição normativa: artigos 1.052 e 1.061 do Código Civil. Assim, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. A lei diz: se o contrato permitir administradores não-sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização. Nos termos do Código Civil a sociedade limitada é uma sociedade de capital, principalmente pelo fato da possível contratação de diretores, acrescido dos aspectos atinentes ao Conselho Fiscal, das “deliberações sociais”, assumindo o caráter capitalista na administração, reservando, por bem da verdade, certa predominância desses interesses sobre a pessoa do sócio. Contudo, na prática das sociedades, o vínculo formativo para a constituição da sociedade, e aqui se fala em formação subjetiva do vínculo societário, a sociedade limitada ainda mantém conotação pessoal, atinente à pessoa do sócio, e, por conseguinte, , entra na esfera de affectio societatis. Porém, não é raro encontrar sociedades limitadas que integram grupos societários, controlam outras sociedades, etc., situação essa que somente reforça a perspectiva capitalista da sociedade limitada. A dualidade de matizes sobre a natureza das sociedades limitadas se reflete, ademais, no art. 1.053 do Código Civil, quando estabelece: a sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples; o contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Este regramento consagra a natureza dualista da própria natureza jurídica da sociedade limitada, ora mais próxima da sociedade simples (de pessoas), ora mais próxima da sociedade anônima (de capitais). Somente o caso prático é que vai responder qual sistema será seguido quando da formação do contrato social, ou seja, se a sociedade limitada terá natureza “pessoal” ou de “capitais”. Contudo, em qualquer dos casos, a responsabilidade é limitada ao valor das quotas e podem ser contatados diretores não sócios. O fato de a sociedade ter diretores não-sócios não induz, obrigatoriamente, que a sociedade limitada tem natureza capitalista, mas apenas indica uma sua particularidade, um rigor administrativo e jurídico, que deve ser respeitado sob todas as condições. Na verdade, uma sociedade limitada terá natureza “pessoal” se o seu contrato social mandar aplicar, nas suas omissões, as regras da sociedade simples; ao passo que a sociedade limitada terá feição “capitalista” quando o contrato social estabelecer regência supletiva pelas normas das sociedades anônimas.

Assim, são aplicáveis, na qualidade de “omissões”, dentre outros, os artigos 1.054, 1.072, 1.086 e 1.087 do Código, porém, sem olvidar que a sociedade limitada (Capítulo IV) constitui sistema jurídico autônomo, mantendo apenas correlação de interpretação sistemática com alguns dispositivos da sociedade simples. Diante da sua importância, esses temas serão vistos infra, no momento apropriado. Por certo que esse tema da personificação e limitação da responsabilidade é essencial para a sociedade de pessoas: por exemplo, na sociedade em comandita simples há limitação de responsabilidade não pela personificação de um patrimônio social, única e exclusivamente, mas por expresso mandamento normativo, característico desse tipo societário, limitação de responsabilidade que opera em favor do sócio comanditário enquanto ele não praticar atos de administração. A qualidade de sócio comanditário, por si só, já assegura a limitação de responsabilidade, e não o fato de a sociedade ter ou não personificação patrimonial, ou, muito menos, de sua situação de pessoa jurídica. Não é o registro que tem a condição de limitar responsabilidade dos sócios: é o devido arquivamento do contrato social – contrato formador da sociedade – que faz incidir o regramento jurídico aplicável em cada tipo societário. Com efeito, basta que a vontade dos sócios seja consubstanciada no contrato social da comandita simples e que esse contrato social seja devidamente arquivado para que se tenha a qualidade de sócio comanditário, com a regular limitação da sua responabilidade ao valor da sua quota.

Na sociedade simples toda essa questão entra em cena por conta do possível pacto de limitação de responsabilidade perante as dívidas sociais, nos termos do art. 997, VIII, do Código. Desta feita, já se disse que o referido pacto opera em favor, única e exclusivamente, dos sócios que não exercem a administração da sociedade, ou seja, dos sócios que renunciaram, em favor dos outros sócios, dessa sua prerrogativa. A renúncia do poder de administração somente pode ser feita em favor de outros sócios, e não para estranhos. Se todos os sócios renunciarem ao poder de administração em favor de um estranho, é licito interpretar que todos são sócios administradores, com a finalidade de os responsabilizarem – todos –pelos atos negociais praticados por esse referido estranho. A sociedade simples que tem pacto de limitação de responsabilidade assume as vestes de sociedade em comandita simples, mas para o desempenho de uma “empresa civil”. A sociedade em comandita simples persegue atividade de “empresa mercantil”. Por sua vez, a sociedade simples persegue atividade de “empresa civil”. Na sociedade simples o sócio que não exerce a administração (em sentido amplo) pode ser comparado ao sócio comanditário da sociedade em comandita simples. Portanto, ainda na sociedade simples tem vigência a correlação risco-poder de administração: a responsabilidade incide sobre os sócios que administram a sociedade e assume os riscos do negócio, aqui com o significado de atividade. O aspecto central, que produz a responsabilidade subsidiária dos sócios, decorre dos artigos 1.013, 1.014 e 1.022 do Código Civil. Por conseguinte, aqueles sócios que têm a administração da sociedade, quer seja em sentido disjuntivo, conjunto ou que efetivamente exercem os poderes de representação perante terceiros, são responsáveis subsidiariamente pelas obrigações sociais, e lhes protege apenas o benefício do art. 1.024 do Código. Com efeito, são responsáveis subsidiariamente todos os sócios que entram na administração da sociedade (deliberar) ou que representem a sociedade perante terceiros (concluir), ou seja, concluindo os negócios sociais. Essa responsabilidade é inderrogável: não há pacto social que consiga excluir, perante terceiros, a responsabilidade subsidiária dos sócios administradores da sociedade simples. Qualquer pacto nessa direção padece de doença incurável e não produz efeitos contra terceiros.

Ademais, o pacto tem que ser público, ou seja, constar expressamente do contrato social, para que terceiros não sejam induzidos a erro. Se o pacto não constar expressamente do contrato social, não opera efeitos contra terceiros, ainda que seja registrado posteriormente. A limitação de responsabilidade deve constar do contrato social, por força do art. 997, VIII, do Código Civil, ao determinar que o contrato social, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais. Portanto, dessume-se, claramente, que o pacto de limitação de responsabilidade deve constar, expressamente, do texto do contrato social, sob pena de não produzir efeitos contra terceiros. Em nada vale a pactuação por ato separado, que nenhum efeito produz contra terceiros, ainda que registrada no cartório das pessoas jurídicas. Ademais, como se disse, é inderrogável a responsabilidade subsidiária dos sócios administradores. O conceito de administração social é amplo e abarca todos os sócios que concorrem para a formação da vontade social, ainda que não sejam sócios com poderes de representação social perante terceiros. Com isso, basta que o sócio administre internamente a sociedade e estará impedido de pactuar pela sua limitação de responsabilidade pelas obrigações sociais. Esse sócio, ou seja, aquele que administra internamente a sociedade e concorre para a formação da vontade social, é responsável subsidiariamente pelas obrigações sociais, e nenhum pacto lhe exonera dessa responsabilidade. Esse sócio é administrador da mesma forma do sócio que também exerce o poder de representação social perante terceiros. Ocorre que o sócio que mantém a representação da sociedade perante terceiros tem o poder de concluir as operações sociais, muitas vezes já acertadas pelo sócio administrador da sociedade. Não raro o sócio administrador, aquele que exerce a função de administração interna, mantém contato direto com fornecedores, recebe clientes, fiscaliza o bom andamento nos afazeres sociais da sociedade, recebe correspondências, redige minutas de contratos, etc., e todos esses fatores denotam que tal sócio concorre, diretamente, para a formação da vontade social, e, por isso, sua responsabilidade é subsidiária, e nenhum pacto social pode restringir essa responsabilidade contra terceiros.

Seria contra a própria natureza da sociedade simples conjecturar que o sócio administrador não seja, também, responsável pelas obrigações sociais. A figura pessoal do sócio e, sua participação na formação dos negócios sociais são de manifesta importância para a futura conclusão das operações sociais, ainda que essa parte da administração fique por conta de um outro sócio, ou seja, daquele que exerce os poderes de representação social, nos termos do art. 1.002 do Código Civil. É imperioso ressaltar que há entendimento em sentido oposto, ou seja, na perspectiva de que somente os sócios com representação social é que são responsáveis subsidiariamente pelas obrigações sociais; porém, essa interpretação é padecente e não deve ser seguida. Com efeito, é padecente porque olvida o matiz administrativo da sociedade que não seja unicamente o de representação. Ora, nas sociedades, o principal aspecto administrativo é aquele atinente às operações sociais, em sentido amplo, abarcando a formação dos negócios jurídicos, seus termos, condições, verificação da possibilidade econômica da assunção de novas dívidas, aprimoramento dos serviços, desenvolvimento interno das relações organizacionais da sociedade, etc., e tudo isso comporta, de uma forma ou de outra, uma responsabilidade social contra esse sócio na confluência risco-poder de administração.

Na sociedade em comandita simples o comanditário se obriga somente pelo valor da sua quota investida porque não exerce nenhum ato de administração social: há expresso mandamento normativo que impede a ingerência do comanditário sobre os negócios sociais, seja de natureza interna e organizacional da sociedade, seja na perspectiva dos poderes de representação social. A penalidade contra comanditário que descumpre sua obrigação de não fazer é a responsabilidade solidária e ilimitada por todas as obrigações sociais. Por certo que na sociedade simples o sócio que exerce poderes de administração em sentido amplo entra na categoria de sócio administrador, conforme os artigos 1.013 e 1.014 do Código Civil, e não pode se esquivar da responsabilidade dos seus atos, os quais decorrem de um poder deliberativo e decisional dentro da sociedade e que acabam por acarretar consequências externas à sociedade, ou seja, perante terceiros. É nessa qualidade que esse sócio responde subsidiariamente pelas obrigações sociais. Nas sociedades simples os sócios administradores e com poderes de representação respondem, subsidiariamente, por todas as obrigações sociais, ou seja, obrigações: a) contratuais; b) por ato ilícito; c) por culpa; d) extracontratuais. A responsabilidade contratual decorre, em princípio, dos artigos 1.013, 1.014, 1.022 e 1.023 do Código Civil; por culpa, art. 1.016 do Código Civil; por ato ilícito ou extracontratual, pela confluência entre risco-poder de administração, nos termos da lei.

O mandatário da sociedade não assume responsabilidade “pessoal” pelas obrigações assumidas em nome e por conta da sociedade simples. A sociedade pode constituir tanto mandatários bastem aos seus interesses negociais, porém esses praticam o ato negocial em nome e por conta da sociedade, em vínculo de representação negocial, e não em vínculo de representação societária. Portanto, os mandatários respondem, no exercício do contrato de mandato, pelas regras gerais atinentes ao próprio instrumento. Com efeito, a responsabilidade subsidiária, que a lei estabelece no art. 1.023 do Código Civil, alcança única e exclusivamente os sócios e não os mandatários. Os referidos mandatários, cumprindo fielmente seus deveres e obrigações instrumentais, ficam ilesos de qualquer responsabilidade: eles agiram em nome e por conta da sociedade em ato de representação negocial. Com efeito, sempre que o mandatário estipular negócios expressamente em nome do mandante, será este o único responsável; ficará, porém, o mandatário pessoalmente obrigado, se agir no seu próprio nome, ainda que o negócio seja de conta do mandante (art. 663, C.C.). O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente (art. 667, C.C.). O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente (art. 673, C.C.). Em síntese, o sistema de responsabilidade dos sócios na sociedade simples deve observar as seguintes regras: a) os sócios que têm a administração (art. 1.013 e 1.014, C.C.) e a representação (1.022, C.C.) da sociedade respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações sociais; b) os sócios que renunciaram ao poder de administrar (incluso o de representação) também são responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, mas podem, por força do art. 997, VIII, do Código Civil pactuar pela limitação da responsabilidade, desde que esse pacto esteja expressamente previsto no contrato social, devidamente registrado; c) os terceiros podem acionar diretamente o sócio para executar seu patrimônio pessoal, porém o referido sócio tem o direito de invocar o benefício do art. 1.024 do Código Civil – beneficium excussionis. Na sociedade simples o sócio é o devedor principal, mas a lei lhe confere o beneficium excussionis, assim como nas outras sociedades de pessoas. Com efeito, esse característico é suficiente em demonstrar o matiz pessoal da sociedade simples, ou seja, tanto na condição subjetiva de affectio societatis na formação do vínculo societário, como na administração do patrimônio social e na responsabilidade pessoal dos sócios. O poder de administração é conatural ao status jurídico de sócio ilimitadamente responsável, e, por isso, a regra que gera, ainda na sociedade simples, é a administração disjuntiva, cabendo ao contrato social dispor em contrário, ou seja, pela administração conjunta. Aos sócios não administradores são conferidas duas perspectivas de poderes: a) poder de controle; b) direito aos lucros. GIUSEPPE FERRI afirma que o controle sobre a administração é atribuído aos sócios que não exercem a administração, aos quais é expressamente reconhecido o direito de ter notícias sobre o desenvolvimento dos negócios sociais, de consultar os documentos contábeis e da administração, os livros comerciais e de receber os lucros ao término do exercício social. O direito de informação e de controle é um direito pessoal do sócio. Esse direito se perfaz como instrumento de controle contábil, e não como controle sobre a gestão social. Por isso, são considerados sócios não administradores. Do contrário, seriam administradores, em sentido amplo, assumindo a responsabilidade ilimitada exatamente por exercerem a administração social.1 A limitação de responsabilidade opera em favor dos sócios não administradores, que exercem apenas: a) o controle sobre as contas da sociedade; b) têm informação sobre o desenvolvimento das operações sociais; c) participam dos lucros e das perdas; d) não exercem algum ato de administração ou de representação.

1 Manuale, cit., pp. 242/243.

Aos demais, por ser a sociedade simples uma sociedade de pessoas, os sócios que exercem a administração e a representação respondem, subsidiariamente, pelas obrigações sociais, e não lhes aproveita o pacto de limitação de responsabilidade. Esse é a teoria clássica sobre as sociedades limitadas, e deve ser seguida em sede de regramento jurídico pátrio. Com efeito, a sociedade simples deve ser interpretada bem sabendo de sua origem histórica, para que se mantenha a sua raiz normativa, bem como seus princípios fundamentais. Por bem da verdade, a sociedade simples, nos moldes do Código Civil de 2002, é bastante esdrúxula, e a antiga sociedade civil cumpria fielmente seus propósitos. Contudo, a sociedade simples, pelo seu sistema de responsabilidade, requer interpretação histórica, em perspectiva de suas finalidades e mantendo a sua estrutura jurídica e institucional. Dentre as principais obrigações dos sócios administradores está aquela de dar notícia aos sócios não administradores sobre o desenvolvimento das operações sociais: isso não significa que a administração colocada a efeito fica sobre o crivo de sócios não administradores, o que seria a antítese da noção de não administradores. A questão de dar notícia sobre o desenvolvimento dos negócios sociais se resolve naquilo que se denomina “dever de informação”, não na condição de solicitar a aprovação dos demais sócios de alguma medida administrativa, mas, ao contrário, lhes informar a situação econômica da sociedade, principalmente quando findo o exercício social. O contrato social pode estabelecer outras datas para que os administradores prestem informações sobre o andamento dos negócios da sociedade, que se espera sejam bons e a contento. É pelo fato de não exercerem a administração ou representação da sociedade que os sócios não administradores não assumem, por conseguinte, responsabilidade subsidiária: esses sócios têm apenas informações sobre o andamento dos negócios, e não podem interferir sobre a gestão da sociedade. Com efeito, é nessa qualidade de sócio não administrador que o pacto de limitação de responsabilidade lhe aproveita: o elemento risco-poder de administração não existe diante do sócio não administrador, e, por isso, factível é a limitação de responsabilidade. Ao contrário, aqueles sócios administradores devem exercer pessoalmente a administração e a representação da sociedade, e não há pacto que possa lhes aproveitar: não produz efeitos contra terceiros pactos que limitem a responsabilidade dos sócios administradores e de representação, ainda que inscritos no cartório de registro competente ou ainda que expressamente previsto no contrato social. Os sócios têm direitos essenciais, quer sejam sócios administradores, quer sejam sócios não administradores. Esses direitos fundamentais são, dentre outros: a) o direito de receber informações sobre o desenvolvimento dos negócios sociais, e os administradores são obrigados a prestar aos sócios (quaisquer deles, mas principalmente aos sócios não administradores) contas justificadas de sua administração, e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico; b) salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade (artigos 1.020 e 1.021, C.C.). O exercício desse direito tem que ser feito pessoalmente pelo sócio diante da natureza da sociedade simples. Os sócios que não administram a sociedade podem exercer o controle das contas, mas não o controle da gestão social: neste passo há perfeita identificação entre a sociedade simples e a sociedade em comandita simples, na figura jurídica do sócio comanditário. Outro fato que demonstra a natureza pessoal da sociedade simples é que tal sociedade pode ter razão social, nos mesmos moldes das sociedades em nome coletivo e em comandita simples. A responsabilidade dos sócios administradores é uma responsabilidade principal pela dívida, e não como fiador da sociedade. Não entra em questão o art. 818 do Código Civil: pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Não é essa a natureza da responsabilidade dos sócios administradores nas sociedades simples, em nome coletivo e em comandita simples. Nestas sociedades a responsabilidade é direta, forma vínculo obrigacional direto com o sócio, que responde diante dos credores. Também não existe correlação entre os artigos 827 e 1.024 do Código Civil. O art. 827 diz: O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

Por sua vez, o art. 1.024 do Código Civil determina que: os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. A semelhança entre essas regras é mais ilusória que verdadeira. Na fiança, o fiador tem a qualidade de garante da obrigação principal. Nas sociedades, é o sócio que garante, diretamente, a dívida, antes mesmo da sociedade. A dívida é por obrigação social, firmada diretamente pelo sócio, que age em nome e por conta da sociedade. O sócio, na qualidade de representante, assume a obrigação agindo em nome e por conta da sociedade, mas responde, diretamente, pelo pagamento, caso a sociedade não tenha bens suficientes para pagar a obrigação. E, salvo pacto em contrário, o fiador não é o devedor principal da obrigação: com efeito, não aproveita o benefício de ordem ao fiador que se obrigou como principal pagador ou devedor solidário (art. 828, II, C.C.). Por certo que o fiador, enquanto não renunciar ao benefício de ordem, não é considerado devedor principal, e o art. 828, II, comprova essa assertiva, assim como o art. 837 do Código Civil.

Ao revés, o sócio administrador tem a prerrogativa de indicar o patrimônio social como beneficium ordinis et excussionis, na condição de devedor principal, e importa responsabilidade por ato ilícito e responsabilidade extracontratual. O art. 839 do Código Civil não tem aplicação às sociedades simples ou empresariais. Apresentando o beneficium ordinis et excussionis, não importa se a sociedade entrar em liquidação ou falência, os sócios continuam responsáveis pelo pagamento na qualidade de devedores principais. A posição de sócio ilimitadamente responsável de uma sociedade de pessoas não é semelhante ao fiador, ainda que seja pelos efeitos ex lege característicos de cada uma dessas situações jurídicas, ainda mais porque o fiador garante um débito de outrem e por tal razão, uma vez efetuado o pagamento, ele tem ação de regresso contra o devedor principal e se sub-roga inteiramente nos direitos creditórios. Diversamente, o sócio ilimitadamente responsável responde com o próprio patrimônio pelos débitos sociais que não lhe são totalmente estranhos enquanto derivam do exercício de uma atividade comum, e não há nenhuma possibilidade de ação de regresso sua contra a sociedade, e “tali conclusioni non trovano ostacolo nel fatto che anche le società personali costituiscono centri di imputazioni di situazioni giuridiche distinti dalle persone dei soci, posto che siffatta soggettività ha carattere transitorio e strumentale, essendo i diritti e gli obblighi ad esse imputati destinati a tradursi in situazioni individuali in capo ai singoli membri” (Cass. civ., sez. I, 5 novembre 1999, n. 12310).1

Na esfera de pessoa jurídica, não é aceitável entender o sócio como “garante” da sociedade, na condição jurídica de fiador. O sócio é devedor principal da obrigação, e não tem, obviamente, direito de regresso contra a sociedade, que, por bem da verdade, ainda que seja terceira, mantém vínculo instrumental de correlação de interesses, aproximando, demasiadamente, o sócio da sociedade, o que desnatura qualquer correlação de fiador da sociedade. Portanto, o sócio é devedor principal e responde diretamente pelas obrigações sociais da sociedade simples. Tudo somado, somente os sócios que não exercem a administração ou que não tenham poderes de representação é que podem pactuar sobre a limitação da responsabilidade. Com isso, não induz a erro os terceiros, os quais, antecipadamente, sabem e têm notícia que determinados sócios não são responsáveis pelas obrigações sociais. Com essa informação, de extrema relevância na prática dos negócios, os credores somente ofertarão créditos àqueles que lhe parecerem em condições de pagamento, evitando a perda de capitais. É bom ressaltar que a melhor doutrina já frisou, faz tempo, a distinção entre administração (poder deliberativo interno) e representação (poder representativo externo),2 o que tem enorme importância para fins de responsabilidade pelas dívidas sociais.

209. Da residência dos sócios

O Código Civil foi infeliz ao dizer que deve ser indicada a residência dos sócios. O correto seria a indicação do domicílio. Uma pessoa pode ter várias residências, porém apenas um domicílio. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde alternativamente viva, considerar-se-á seu domicílio qualquer delas. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida. Se a pessoa exercitar profissões em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada (artigos 70-73, C.C.). Do ponto de vista da responsabilidade do sócio, é, conforme o melhor direito, aconselhável a indicação do domicílio, local no qual, enfim, a pessoa pode ser encontrada facilmente, e que, espera-se, tenha lá inscrito bens, direitos, etc., o que facilita a propositura das ações cabíveis. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicilio do réu. Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles (art. 94, C.P.C.).

O ponto central é que na hipótese de o “réu ser demandado no foro de qualquer deles”, faz-se necessário, processualmente, a sua prova, sob pena de procedência nas preliminares. Então, o fato da indicação da residência pode facilitar a vida dos fraudadores, ao indicarem, no contrato social, endereço longínquo, em comarca distante, dificultando o seu enlace, como residência. O correto é a indicação do domicílio. No capítulo das sociedades comerciais, assim já era desde 1850, quando se dizia sobre o contrato social que a escritura, seja pública ou particular, deve conter os nomes, naturalidade e domicílios dos sócios, conforme o revogado art. 302, 1, do Código Comercial.

1 BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.992.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 254.

O ato constitutivo da sociedade em nome coletivo, diz o Codice Civile, deve indicar o domicílio dos sócios (artigos 2.295 e 2.328, este no caso das sociedades por ações; 2.463 nas sociedades limitadas e 2.521 nas cooperativas). Não há razão em alterar essa regra, e o reflexo do art. 997, I, do Código Civil se dá no art. 1.054 do Código Civil, sobre as sociedades limitadas, quando determina que o contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997, e, se for o caso, a firma social. Ora, essa remissão é péssima, e deve prosperar o entendimento que exige a indicação do domicílio dos sócios, e não sua residência, inclusive por referência ao art. 53, III, alínea d, do Decreto nº 1.800/96, que assim estipula expressamente.

210. Da impossibilidade da participação de pessoas jurídicas nas sociedades simples

Nos termos da lei, a sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas. (art. 997, I, C.C.). Em princípio, não tem lugar a participação de pessoas jurídicas na qualidade de sócias de uma sociedade simples: seria desnaturar sua origem histórica e abrir espaço para a fraude contra os credores. A fraude poderia surgir pela limitação de responsabilidade, no caso de participarem pessoas jurídicas como sócias da sociedade simples. Esses motivos parecem, salvo prova em contrário, suficientes em se considerar que na sociedade simples participem na qualidade de sócios somente as pessoas físicas. A sociedade simples é sociedade de pessoas por definição: nessa sociedade participam sócios que administram a sociedade e tem nessa condição pessoal do sócio a própria razão de existência da entidade social. Portanto, ter sócio pessoa jurídica participando de sociedade simples seria diluir a função desse tipo societário, bem sabendo que existem posicionamentos contrários.

Com efeito, é na característica pessoal da administração da sociedade e diante da relevância sobre a pessoa do sócio que se tem, evidentemente, sociedade de pessoas: a sociedade simples é manifestação dessa correlação entre relevância e caracterísitca pessoal do sócio na administração, o que lhe confere natureza própria. Seria profundamente contrária ao significado de sociedade de pessoas a participação de sócio pessoa jurídica na sociedade simples, notadamente na sua administração.

211. Da indicação da profissão dos sócios

Muito importante é a indicação da profissão dos sócios. Isso se faz por conta de se perquirir qualquer impedimento legal e profissional ao desempenho das funções de sócio na sociedade simples. Decorre, também, para fixar responsabilidades civis e criminais, no caso de posterior averiguação de culpa ou dolo no desempenho das referidas funções e a respectiva comunicação aos órgãos de classe. Ademais, como em alguns casos o objeto social da sociedade simples tem caráter artístico, cultural e de profissional técnico, espera-se que ao menos formalmente seus sócios cumpram os requisitos legais para sua abertura e inscrição. Se a sociedade é de arquitetos, não constituindo elemento de empresa mercantil, a indicação da profissão dos sócios é requisito obrigatório, para fins da licitude da prestação dos serviços, de natureza pessoal. Somente arquitetos podem exercer a administração e a representação de tal sociedade.

212. Dos principais aspectos da sociedade simples e sua constituição

Em linha de síntese, cabe ressaltar alguns dos principais aspectos desse tipo societário extremamente “novo” para a realidade pátria. Com efeito, com a finalidade de espancar dúvidas, cabe ressaltar que a sociedade simples é tipo societário básico, um verdadeiro protótipo para as outras sociedades de pessoas. A sociedade simples não tem por objeto social atividade de empresa mercantil. Seu contrato deve ser arquivado no Registro Civil das Pessoas Jurídicas para ter efeitos contra terceiros. A sociedade simples tem imensa relevância jurídica para as sociedades de pessoas pelo fato de que suas regras são aplicadas, subsidiariamente, aos demais tipos societários: a sociedade simples é uma forma de referência para a constituição das demais sociedades de pessoas naquilo que for compatível.

Do ponto de vista econômico a sociedade simples tem relevância restrita, ao menos se comparada com as sociedades limitadas e anônimas. Esse fato de dessume porque a sociedade simples não exerce atividade empresarial, e, portanto, seus reflexos na sociedade capitalista são infinitamente inferiores se comparados com a sociedade por ações ou, ainda, a sociedade limitada.

As alterações do contrato social são feitas por unanimidade (artigos 997 e 999, C.C.) Em determinados casos é possível alteração por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar o contrário. A sociedade se perfaz, na sua constituição, com o devido arquivamento no registro competente. Em relação aos sócios, a sociedade se forma com as suas contribuições sociais (art. 1.004, C.C.). A contribuição do sócio pode ser em: bens em natura; bens móveis; imóveis, dinheiro, créditos, na cessão de crédito do sócio em favor da sociedade; prestação de serviços. Na sociedade simples os credores podem acionar diretamente os sócios pelas dívidas sociais ou podem também acionar a sociedade. Se as ações forem movidas contra os sócios, esses têm o benefício do art. 1.024, reportando ao patrimônio social a incidência das dívidas. Por essa razão, os credores sociais não podem se pagar sobre os bens individuais dos sócios enquanto não findarem os bens sociais. As obrigações sociais alcançam o sócio que entrar na sociedade: o sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão (art. 1.025, C.C.). A responsabilidade dos sócios pelos débitos sociais é: a) ilimitada e os sócios respondem com todo o seu patrimônio individual, presente e futuro, observados os prazos prescricionais; b) solidária: contra um, alguns ou todos os sócios pode ser movida a ação para pagamento das dívidas sociais (art. 1.023). Os sócios podem derrogar a responsabilidade ilimitada e solidária, estabelecendo a responsabilidade limitada pelos débitos sociais, porém essa cláusula contratual opera somente em favor dos sócios que não exercem a administração ou a representação da sociedade. Assim, tal cláusula existe somente em favor do sócio que renunciou ao poder-dever de administração em proveito de um ou mais sócios. A sociedade não responde pelas dívidas pessoais dos sócios: a) o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação; b) se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação; c) os herdeiros do cônjuge de sócio ou o cônjuge do que se separou judicialmente não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros até que se liquide a sociedade. Administração social envolve atos de deliberação e de conclusão sobre os negócios sociais. Neste passo, a administração será disjuntiva ou conjunta entre os sócios, em atos de administração externa, interna, ordinária, extraordinária e de representação judicial, conforme cada situação e nos termos do contrato social. A regra geral é a administração disjuntiva. Dentre tantos direitos e deveres dos sócios, cabe ressaltar os seguintes: exercer efetivamente a administração social no interesse da sociedade e dentro do objeto social; receber os lucros, participar nas perdas; evitar o conflito de interesse seu e o interesse da sociedade; prestar contas da administração aos demais sócios; informar sobre o desenvolvimento das operações sociais; preservar a integridade do patrimônio social; cumprir suas funções no interesse da sociedade com lealdade, probidade e boa-fé. Os administradores que agirem com dolo ou culpa são responsáveis diante da sociedade: os demais sócios, inclusive os que não são administradores, podem mover a ação de responsabilização contra o sócio que descumpriu seus deveres de tal ordem acarretando prejuízo contra o patrimônio social. A função de controle contábil compete, indistintamente, a cada um dos sócios: é um dever deles, correlacionado ao recebimento dos lucros, evitando que pactuem, de maneira tácita ou expressa, pela distribuição de lucros indevidos ou fictícios.

Dentre os direitos do sócio, cumpre ressaltar que cada um dos sócios deve receber os lucros conforme a sua participação sobre o capital social, que é medido pela contribuição social, nos termos do art. 1.007 do Código Civil: salvo estipulação em contrário, o sócio participa dos lucros e das perdas na proporção das respectivas quotas, mas aquele, cuja contribuição consiste em serviços, somente participa dos lucros na proporção da média do valor das quotas. Aspecto muito relevante é o que deriva do art. 1.017 do Código Civil: administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente com todos os lucros resultantes e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Assim, em interpretação ao contrário, entende-se que o administrador que tiver o consentimento escrito dos sócios pode aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, e não terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente. Essa regra seria impraticável nas sociedades de capitais, mas nas sociedades de pessoas tem a sua razão de ser, diante da sua origem histórica.

A regra do art. 1.017 do Código Civil permite a possibilidade de uso não societário do patrimônio, ou seja, de um uso não correlacionado à atividade da sociedade, de seu objeto social, mas em proveito próprio do sócio. O matiz intrínseco do art. 1.017 seria uma certa correlação de interesse dos sócios na formação do vínculo, que em momentos específicos se permitisse que o sócio utilizasse créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiro (interesse direto do sócio), desde que autorizado pelos demais sócios. Com efeito, a disciplina prevista pelo art. 1.017 do Código Civil é justa e tem fundamento na concepção antiga de sociedade: não tem nada de equivocada em sentido de sua aplicação prática; ao contrário, sufraga entendimento corrente na perspectiva dos interesses dos sócios. O que ocorre, ensina GALGANO, é que uma regra com tal fundamento – art. 2.256 do Codice Civile – tem concepção précapitalista e tem na sociedade meio para a imediata satisfação das necessidades dos sócios. Nas “sociedades de pessoas” existentes da Idade Média valia a regra segundo a qual o sócio podia, em caso de grave necessidade, efetuar as retiradas sobre o caixa da sociedade. As hipóteses são específicas e denotam gravidade enorme sobre a pessoa do sócio. O art. 2.256 é, em tempos contemporâneos, a manutenção desse sistema.1

Com efeito, diz o art. 2.256 que “il socio non può servirsi, senza il consenso degli altri soci, delle cose appartenenti al patrimonio sociale per fini estranei a quelli della società”. O art. 1.017 do Código Civil vai na mesma direção: é impraticável conjecturar numa sociedade formada por pessoas com vínculos familiares e de amizade extremamente enraizados – assim como nas sociedades simples, em nome coletivo, em comandita simples – e diante de uma situação de gravidade evidente que os demais sócios não permitiriam que o outro sócio utilizasse de recursos da própria sociedade para pagar um médico ou coisa do gênero. A autorização dos demais sócios é fundamental para a validade do ato praticado pelo sócio, ou seja, a utilização de recursos de titularidade da sociedade. Sem o consenso dos demais sócios, não há como o sócio usufrir das riquezas da sociedade em sentido próprio, ou seja, em perquirir seu interesse imediato sobre os demais sócios. Por conseguinte, desde que autorizado expressamente pelos demais sócios, é lícito ao sócio aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros. Esse terceiro é pessoa muito próxima ao sócio, ou seja, um familiar ou situações semelhantes.

Esse regramento, por bem da verdade, pode entrar em conflito com o interesse dos credores. Se a utilização de créditos ou bens de sócios em proveito próprio ou de terceiro acarretar manifesto prejuízo ao patrimônio social, os credores devem acionar a sociedade, nos termos da lei processual, e fazer valer seu direito contra a sociedade, bem sabendo que nas sociedades de pessoas os sócios administradores respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. Desta feita, equilibram-se os interesses em questão, quais sejam: a) do sócio que se socorre dos bens sociais; b) da sociedade; c) dos credores. Dentre tantas as características da sociedade simples, essas são, com certeza, uma das mais interessantes, e que tantos debates suscitam na prática e na doutrina clássica.

213. Da dissolução do vínculo societário por ato unilateral do sócio

O art. 2.285 do Codice Civile reconhece a cada um dos sócios a faculdade de provocar a dissolução da sociedade. Essa faculdade não é absoluta: o sócio pode, por vontade própria, sair da sociedade quando esta seja contratada por prazo indeterminado ou toda a vida de um dos sócios; poderá, também, sair da sociedade pela dissolução parcial, com justa causa, se a sociedade é por prazo determinado. O art. 2.285 é uma derrogação implícita ao art. 1.372, que fala sobre a resolução do contrato somente na hipótese de consenso de todos os contratantes. Essa derrogação tem lugar, por lei e por vontade das partes, para evitar a eternidade do vínculo contratual. A sua justificação é a tutela da liberdade nos contratos, da livre iniciativa econômica, que resulta assim tutelada ainda que no seu aspecto negativo, como liberdade de renunciar ao exercício, em comum com outras partes, de uma atividade econômica comum. Entre as justas causas estão: a quebra da affectio societatis; não cumprimento dos deveres de lealdade, diligência, integridade do patrimônio social; o que se correlaciona, também, com as possibilidade de exclusão de sócio.2

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 154.

2 “La giusta causa di recesso assolve, perciò, una funzione ulteriore rispetto a quella di permettere il recesso del socio dalla società a tempo determinato: essa può essere invocata dal socio anche se la società è a tempo indeterminato, al fine di rendere immediatamente operativa la dichiarazione di recesso. Nella società a tempo indeterminato può, infatti, accadere che, nei tre mesi intercorrenti fra la comunicazione del recesso ad nutum e la sua operatività, il socio che dichiara di recedere venga, com deliberazione degli altri soci, escluso dalla società; e la deliberazione di esclusione prevarrà sulla dichiarazione di recesso, essendo presa in epoca anteriore al momento di operatività del recesso. Perciò, il socio recedente, che voglia evitare di vedere trasformato in esclusione il proprio recesso, potrà far valere uma giusta causa di recesso, propondendo in giudizio la relativa domanda giudiziale”. GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 271.

Com efeito, é exatamente nessa direção que poderia ter lugar uma medida unilateral de dissolução judicial, com a finalidade de perquirir responsabilidade societárias na sede própria, cada um arcando com os riscos da medida judicial que intentar judicialmente, notadamente se houver a caracterização de inexequibilidade do fim social, fato que enseja a dissolução total da sociedade.

Cumpre ressaltar que esse caso não caracterizaria dissolução parcial da sociedade: o conflito entre os sócios que tem como consequência a inexequibilidade do fim social é causa de dissolução total da sociedade. A jurisprudência diligente elaborou, sob o império da legislação revogada, a dissolução parcial, interpretando o verdadeiro sentido do revogado art. 335, 5, do Código Comercial: a dissolução parcial tem lugar ao permitir a retirada do sócio, com a manutenção da atividade social, apurando os haveres e direitos do sócio. Em resumo, qualquer situação, prevista pelo contrato, poderia ensejar a dissolução parcial. Dentre as mais comuns, estão: pelo falecimento de algum dos sócios, salvo pacto em contrário; por manifestação de vontade de um dos sócios, quando a sociedade for por prazo indeterminado; por abuso, corrupção ou não cumprimento dos deveres de sócio; conflito entre os sócios, desde que esse conflito não acarrete a inexequibilidade do fim social. A doutrina moderna já elaborou o sistema da dissolução parcial buscando evitar a dissolução total da sociedade: não parece acertado conferir ao sócio, isoladamente, o direito de colocar termo à sociedade, bem sabendo que os demais não desejam encerrar as atividades sociais. O interesse do sócio em se retirar da sociedade tem que ser equilibrado com os demais interesses sociais e societários, dentre eles: a) o interesse dos sócios remanescentes que desejam continuar com a sociedade; b) o interesse social da sociedade perante terceiros, como instituição social, que produz, emprega, arrecada tributos, desenvolve tecnologias, etc. Para que a sociedade entre em dissolução total é necessária a verificação de motivo justo e útil para determinar esse fim, porque, do contrário, a manifestação unilateral do sócio, pela dissolução total da sociedade, caracterizaria abuso de direito. O sócio dissidente não pode querer colocar por terra a existência da sociedade, via dissolução total, apenas porque o direito lhe confere a prerrogativa de se retirar da sociedade. Esse direito de recesso é uma prerrogativa do status jurídico de sócio, e em minha perspectiva não pode ser derrogado por vontade das partes. Seria nula a cláusula contratual que derrogasse essa faculdade a ser exercida pelo sócio. Contudo, esse seu direito é limitado ao seu próprio interesse: ou seja, no seu interesse de sócio, e não alcança o interesse da sociedade, que, ao contrário, pode ser o de continuidade. Portanto, fica claro o abuso de direito perpetrado pelo sócio ao requerer a dissolução total da sociedade, calcado única e exclusivamente na sua manifestação unilateral de vontade.

Não seria demasiado esclarecer que por fato de extrema gravidade o sócio poderá apresentar demanda judicial de dissolução total da sociedade, mas nesse caso atua na direção do próprio interesse social, bem como que em circunstâncias extremas, no mais das vezes, a única solução será a dissolução total da sociedade, não só pela inexequibilidade do fim social, mas pela situação de conflito, prevista pelo contrato social como condição da dissolução total da sociedade. Por conseguinte, e conforme o caso, há correlação entre a manifestação unilateral de vontade do sócio com o próprio interesse social: por exemplo, se o sócio in bonis descobre que por vários anos houve fraudes fiscais de toda ordem, nada mais justo que apresentar demanda de dissolução judicial e responsabilizar o sócio corrupto pelas consequências de seus atos perante o fisco, terceiros e a própria sociedade, movendo a ação de responsabilização, caso desse ato decorram efeitos lesivos ao patrimônio social. Com efeito, também podem ocasionar dissolução total da sociedade atos de administração temerária, mas principalmente por atos de dilapidação do patrimônio ou de lesão ao patrimônio social. Nestas duas últimas hipóteses a dissolução total alcançará até direitos dos credores, porque, desde que a sociedade passa pela dissolução, a liquidação de seu patrimônio interessa, diretamente, aos credores, que têm, inclusive, medidas judiciais para fazer valer seu direito de crédito contra o devedor, em sede de liquidação patrimonial das sociedades. A liquidação é feita no interesse dos credores: pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assembléia dos sócios para a prestação final de contas (art. 1.108, C.C.). Ou seja, a linha de finalidades na liquidação deve observar a seguinte direção: a) primeiro o interesse dos credores; b) segundo o interesse dos sócios. Na liquidação são pagos os credores, e, havendo saldo, o restante será partilhado entre os sócios. Se o liquidante distribuir o acervo da sociedade primeiro aos sócios, sem pagar os credores, ou lhes pagando apenas em parte, assume responsabilidade civil e criminal pelo ato assim praticado. Com efeito, é dever do liquidante confessar falência, o que mostra, de maneira insofismável, que o interesse da liquidação é aquele dos credores (art. 1.103, VII, C.C.). Ademais, os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida que se apurem os haveres sociais (art. 1.107, C.C.). Portanto, em casos extremos, quando há coincidência entre os interesses de sócio e os interesse sociais, a manifestação unilateral do sócio pode estar fundada numa dissolução total da sociedade, evitando que a sociedade: a) continue lesando terceiros; b) praticando atos de administração fraudulenta; c) gestão temerária; d) lesão ao patrimônio social; e) ou, ainda, no caso de ser administrada por psicopatas, assim julgados por sentença. É claro que uma sentença de interdição contra o sócio administrador, conforme o caso, e se o contrato social não dispuser ao contrário, acarretará a dissolução total da sociedade se, em decorrência daquela sociedade, houve a inexequibilidade do fim social. Portanto, algumas vezes, fatos e atos que parecem configurar dissolução parcial podem, ao final, ensejar a dissolução total da sociedade, situações essas que somente quando da aplicação da lei é que se poderá perquirir a verdadeira justiça ao caso.

Bem ordenado o entendimento da correlação entre a exclusão do sócio e a dissolução parcial (recesso voluntário do sócio). O sócio que pretende utilizar o seu direito do recesso voluntário, movendo a dissolução parcial, tem que assim proceder bem sabendo dos riscos da demanda e evitando que os demais sócios aproveitem da oportunidade para excluí-lo da sociedade.

Nos tempos contemporâneos entende-se a manifestação unilateral de vontade do sócio como instrumento de resolução da sociedade em relação a um sócio (artigos 1.028 e seguintes do Código Civil). Entendo que não seja acertada a expressão resolução da sociedade: a) essa não se resolve com a manifestação de vontade de um dos sócios; b) o contrato social continua em vigência por conta da manifestaçâo, e não entra em “resolução”; c) o contrato social se resolve, única e exclusivamente, com a extinção da sociedade, nunca com a aprovação da dissolução, muito menos com a manifestação unilateral de algum sócio; d) nem mesmo a liquidação tem a condição de “resolver” o contrato social; e) não há lugar em se falar de “resolução parcial” do contrato social: tal propositura seria antijurídica, para fins de sociedade; f) o que existe, nos termos da melhor doutrina, é dissolução parcial, o que reveste a participação societária do sócio, e não a resolução do contrato, ou seja, sobre a relação contratual. Portanto, o que existe é a resolução da relação contratual em relação ao sócio culposo, por exemplo, quando da sua exclusão da sociedade: na há “resolução da sociedade”. Da mesma forma, não há “resolução da sociedade” no caso de manifestação unilateral do direito de recesso, mas regular exercício de direito de sócio em colocar termo à sua participação societária diante do contrato social, não ocasionado resolução da sociedade, mas apenas modificação do contrato. O exímio GALGANO assevera pelo “scioglimento del rapporto sociale limitatamente ad un socio”.1 É a dissolução da relação social limitadamente a um dos seus sócios e não a resolução inteira da sociedade. A dissolução se opera limitadamente ao sócio: a evidente correlação entre sociedade e atividade econômica explica essa situação, ao passo que impõe a manutenção da organização produtiva, evitando as consequências danosas provadas pelo desaparecimento da entidade societária. Com isso, a lei assegura, nos casos expressos, a continuação da sociedade, liquidando apenas a quota do sócio, consentindo à sociedade manter seu regular funcionamento. A legislação italiana, nos termos dos artigos 2.284, 2.286 e 2.288 do Codice Civile exclui da dissolução total das sociedades os eventos: falecimento de um dos sócios; incapacidade de um deles ou falência de um dos sócios. Em cada um desses casos a sociedade continua com os demais. Se eram apenas dois os sócios da sociedade, tem aplicação o art. 2.272, 5, que estabelece a continuidade jurídica da sociedade por seis meses, para que se alcance, nesse período, a pluralidade de sócios. A liquidação da quota se faz com fundamento na situação patrimonial da sociedade ao momento da dissolução parcial, ou seja, de uma das causas acima mencionadas, apurando os haveres, respeitados os direitos dos herdeiros, no caso de dissolução parcial pelo falecimento de um dos sócios. A correlação entre sociedade e atividade econômica é, certamente, a razão política desse sistema legislativo. A razão jurídica é outra: tem sua explicação na estrutura do contrato plurilateral. A disciplina do contrato plurilateral é desenvolvida pela convergência de objetivos entre os contratantes, ao contrário dos contratos sinalagmáticos. O contrato societário é um contrato de finalidades e de lucro. É claro que o falecimento do sócio, o recesso, exclusão, etc. são fatos jurídicos que interessam à sociedade, mas por via mediata. Seu aspecto primordial se dá limitadamente entre a relação jurídica do sócio e a sociedade, não produzindo o efeito automático da dissolução total das relações jurídicas que se enfileiram e formam um feixe de outras relações jurídicas plurilaterais. Portanto, é a própria natureza, ou melhor, é a própria estrutura do contrato plurilateral – como infinidade de relações jurídicas – que impede a sua dissolução quando apenas uma dessas relações jurídicas entre em conflito (falecimento, incapacidade, falência). Com efeito, os outros feixes contratuais permanecem íntegros, e não sofrem, imediatamente, o abalo provocado pela quebra de um dos pontos jurídicos que se correlacionavam com os demais, formando a relação societária. É evidente que esse conflito, provocado pelo falecimento de um dos sócios, terá uma consequência patrimonial e societária, mas não necessariamente suficiente em colocar termo ao contrato como um todo, salvo se essa for a vontade dos sócios, expressamente manifestada quando da redação do contrato social. Os sócios, como contratantes, têm ampla liberdade de estabelecer que a quebra de um dos feixes do vínculo societário acarretará a dissolução total da sociedade, porque a sociedade é constituída no seu interesse próprio, ou seja, como contrato de finalidades comuns e distribuição de lucros. Nas sociedades de pessoas essa correlação é visível nos contratos. Se num contrato consta a cláusula que falecendo qualquer dos sócios a sociedade entra em dissolução total, a vontade social amparada é aquela formada quando da elaboração do contrato social, e os sócios remanescentes não podem contrariar aquela vontade: eles não teriam legitimidade societária para agir em desacordo com a sociedade. No caso de dissolução total por conta do falecimento de um dos sócios, terá que ser apurada a quota de cada sócio, na liquidação da sociedade, nos termos da lei. Não é a liquidação da quota do sócio falecido, mas a liquidação da sociedade. Bem sabendo dessa situação, a legislação, diante das regras e condições do contrato plurilateral, estabeleceu o sistema que a sociedade se mantém juridicamente existente no caso do falecimento, exclusão, declaração de incapacidade e falência do

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 268.

sócio. A exclusão não é causa de dissolução da sociedade, muito pelo contrário. Assim como o falecimento do sócio ou a decretação da sua falência em outra sociedade ou como empresário individual. A declaração de incapacidade do sócio, contudo, tem maior complexidade. O sócio declarado incapaz pode ser excluído da sociedade: ressalvado o disposto no art. 1.004 do Código Civil e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Por exemplo: se os comanditários aprovarem a exclusão de sócio comanditado declarado incapaz, a sociedade corre o riso de entrar em dissolução total, salvo a hipótese do art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil. A dissolução poderia advir com fundamento na inexequibilidade do fim social. Para se evitar a dissolução total, os sócios comanditários, na mesma deliberação que aprovar a exclusão do sócio incapaz, devem obrigatoriamente indicar administrador provisório para que, dentro do prazo de cento e oitenta dias, encontrem outro sócio comanditário para a sociedade – se não o encontrarem, a sociedade entrará em liquidação. Seria impraticável supor que uma sociedade em comandita simples, a qual tem um único sócio comanditado, o qual foi declarado incapaz, por sentença, poderia ser administrada por um curador do sócio interditado. Nessa hipótese, a dissolução parcial da sociedade é necessária. Da mesma forma que a sociedade não poderia ser administrada por um psicopata, assim declarado por sentença, não há lugar para representação do comanditado incapaz pelo seu curador, para fins de administração societária. O curador deverá representá-lo nos atos e negócios jurídicos da esfera civil, não perante credores, etc. A declaração de interdição não acarreta, automaticamente, a exclusão do sócio: tem que ser aprovada pelos demais sócios (art. 1.030, C.C.). Se aprovada a exclusão do sócio incapaz, e tal sócio era o único administrador da sociedade, e os sócios comanditários não indicam administrador provisório (art. 1.051, parágrafo único, C.C.), a sociedade entrará em dissolução total por inexequibilidade de alcançar o fim social, ainda que o fato da declaração de interdição – por si só –não seja causa de dissolução total de sociedades. Da mesma forma entrará em dissolução total a sociedade em comandita simples que teve seu único sócio comanditado declarado incapaz, mas não indicou administrador provisório, ainda que esse sócio não tenha sido excluído: a sociedade não pode ser administrada por um psicopata (sócio comanditado incapaz por sentença), e os comanditários estão impedidos de exercer a administração social, situação essa que fundamenta a dissolução por inexequibilidade do fim social. Nos termos da lei, no caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: se o contrato dispuser diferentemente; se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido (art. 1.028, C.C.). A legislação estabeleceu sistema em que, no silêncio do contrato social, o falecimento de qualquer dos sócios não acarreta, automaticamente, a dissolução da sociedade. Com isso, busca estabelecer sistema de preservação da entidade social, do ponto de vista da sua permanência como entidade coletiva, na produção de bens, prestação de serviços, arrecadação tributária, empregos, etc. Contudo, a situação não é tão singela como possa parecer: com efeito, essas são nitidamente sociedades de pessoas, em que o desaparecimento de um dos sócios pode – por si só – acarretar a inexequibilidade do fim social. Não raro, muitas sociedades de pessoas têm sua existência correlacionada ao fato da presença física do sócio, não por isso, denominadas sociedades de pessoas, nas quais a figura existencial do sócio é decisiva para a administração da sociedade. Na perspectiva estritamente jurídica, o falecimento do sócio não acarreta a dissolução da sociedade de pessoas pelo fato que se tem contrato plurilateral: o falecimento do sócio determina somente a dissolução da relação social relativa ao sócio falecido, enquanto a sociedade prossegue com os sócios remanescentes. Com efeito, a permanência da sociedade é ampla, geral e irrestrita nas relações com os terceiros e nas relações internas entre os sócios. Por conseguinte, o falecimento do sócio não é causa de dissolução total da sociedade porque seu evento – diante do contrato plurilateral – apenas incide sobre uma das suas várias relações jurídicas: por isso, contrato plurilateral. Bem sabendo dessa premissa jurídica, o falecimento do sócio incide tão-somente na sua relação jurídica com a sociedade, e seu evento não tem força de resolver por completo o contrato de sociedade e muito menos em resolver a sociedade. Nas palavras magistrais de FRANCESCO GALGANO “il fenomeno si ricollega – come già si è avvertito – a piú generali mutamenti intervenuti nel diritto dei contratti e, in particolare, ai principi sui contratti pluralerali, contenuti nel quarto libro del codice civile: è oggi stabilito, per tutti i contratti com piú di due parti in cui le prestazioni di ciascuna siano dirette al conseguimento d’uno scopo comune, che la risoluzione – oltre che la nullità o l’annullamento – del vincolo relativo ad una delle parti non importa risoluzione – o invalidità – dell’intero rapporto (artigos 1.420, 1.446, 1.459 e 1.466, C.C.).1 Com efeito, nas relações contratuais de sociedade – todas de escopo comum – o falecimento do sócio não acarreta a resolução total do contrato, muito menos sua invalidade ou anulação. Desta feita, o contrato de sociedade persiste ainda com o evento de falecimento de um ou mais de seus sócios, diante do fato de que se tem contrato plurilateral, não passível de resolução por essas instâncias, que não lhe perseguem o conteúdo. Assim, a sociedade continua como sujeito de direitos, o contrato está em vigência, tem que ser administrada, continua assumindo direitos e obrigações perante terceiros, etc.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 137.

O Codice Civile (art. 2.284) estabelece: Salvo pactuação em contrário no contrato social, em caso de falecimento de um dos sócios, os outros devem liquidar a quota desse sócio aos seus herdeiros, a menos que os sócios remanescentes prefiram dissolver a sociedade, ou continuá-la com os herdeiros, desde que contem com o consentimento deles.

214. Do falecimento de um dos sócios da sociedade

Na interpretação dos artigos 1.028 do Código Civil e 2.284 do Codice Civile, e seguindo a melhor doutrina, entende-se que nas sociedades de pessoas os herdeiros do sócio falecido não adquirem, automaticamente, a posição de sócio no âmbito da sociedade, e por isso não assumem a qualidade jurídica de sócio: eles, ou seja, os herdeiros têm somente o direito de receber a liquidação da quota, direito que decorre da sua condição de herdeiro, e não pelo fato de a sociedade continuar existindo.

No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: se o contrato dispuser diferentemente; se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido (art. 1.028, C.C.). Os herdeiros somente podem entrar na sociedade se forem aprovados pelos demais sócios. O contrato social pode estabelecer, inclusive, expressamente, que no caso de falecimento do sócio seus herdeiros não entram na sociedade: a votação em contrário acarretará o direito de recesso ao sócio dissidente. Os herdeiros somente entram na sociedade se aprovados pelos demais sócios e, obviamente, consentirem pela transferência das quotas. Caso contrário, a liquidação se faz nos termos regulares, observando o contrato social, e nas suas omissões, ao texto legislativo. Por conseguinte, em hipótese alguma os herdeiros podem requerer a dissolução da sociedade: eles apenas têm crédito contra a sociedade, e a natureza desse crédito é aquela de direito sucessório. Os herdeiros também não possuem nenhum direito de participar do processo de liquidação, postulando isso ou aquilo: a liquidação será feita nos termos do contrato social ou, nas suas omisões, na forma prescrita em lei. Os herdeiros têm direito de participar da liquidação da quota nos termos do art. 1.031 do Código Civil: nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Os sócios, no caso de conflito, podem até se socorrer do Judiciário para que esse fixe outra forma de liquidação da quota, se impossível a aplicação do art. 1.031 ou se o contrato for silente sobre esse procedimento em relação aos herdeiros. Com efeito, os sócios remanescentes – e somente eles – é que podem deliberar sobre a dissolução da sociedade, após o falecimento de um dos sócios. Em hipótese alguma o herdeiro tem o direito de participar dessa decisão porque não tem a qualidade de sócio. O herdeiro, como o próprio nome já está por indicar claramente, tem apenas direitos sucessórios sobre valores patrimoniais da sociedade, que serão liquidados na forma do contrato social ou nos termos do art. 1.031 do Código. Falta, portanto, legitimidade ao herdeiro para participar das deliberações sociais: os herdeiros concorrem, em comum, sobre o patrimônio a ser liquidado, na forma prevista em sucessão, inclusive naquilo que observa as disposições de última vontade. As quotas, desde que observadas as preferências normativas, podem ser objeto de testamento, como qualquer outro bem, mas, nesse caso, o testamento incidirá sobre o patrimônio que é representado, contabilmente, por aquelas quotas sociais. Portanto, o ingresso dos herdeiros na sociedade não se efetua pela via da transmissão hereditária: a regra requer o consenso dos sócios remanescentes (ou seja, uma modificação do contrato social, mediante o consenso de todos os sócios), bem como o consenso dos herdeiros (ou seja, uma declaração de aceitação em entrar na sociedade). Será, assim, um novo contrato social, com a característica que esses novos sócios não precisam efetuar nenhuma nova contribuição ao capital social pelo fato da sua entrada na sociedade. Ademais, tem vigência a regra: a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação (art. 1.032, C.C.). Desta feita, os sócios aceitos e que entraram na sociedade reforçam a garantia pelas dívidas sociais, observado cada um dos tipos societários. Se a sociedade for em nome coletivo, bastará aos herdeiros não entrarem na sociedade, que o passivo não alcançaria seu próprio patrimônio pessoal, mas, ao entrarem na sociedade, serão considerados devedores solidária e ilimitadamente responsáveis por todas as obrigações sociais, em qualquer tempo, observados os prazos prescricionais. Com efeito, serão sucessores, integralmente, nas dívidas contraídas pelo sócio falecido quando da sua administração social, de que herdariam apenas o patrimônio existente da sociedade, mas pelo fato de entrarem na sociedade respondem por todas as dívidas sociais.

Em outras sociedades, parece difícil, salvo expressa disposição contratual em contrário, conjecturar que os sócios comanditários aceitariam a presença de herdeiros dos comanditados para administrarem a sociedade. Se o contrato social fosse silente, no mais das vezes, parece que os comanditários aprovariam a dissolução. O art. 1.028, caput, do Código Civil, diz expressamente que o falecimento de um dos sócios não acarreta a dissolução da sociedade salvo se o contrato dispuser diferentemente, ou seja, em contrário. Nas sociedades de pessoas, no mais das vezes, é aconselhável, se for do interesse dos sócios, estipularem cláusula contratual determinando a dissolução total da sociedade em razão do falecimento de qualquer dos sócios. Isso pelo fato de que são sociedades que têm enorme correlação com a pessoa dos seus sócios, mas, em se dissolvendo totalmente a sociedade, de uma forma ou de outra, o direito dos herdeiros é garantido de maneira mais eficiente, evitando que o sócio remanescente desfalque a sociedade ou prejudique o direito dos herdeiros, por exemplo. O contrato social pode estabelecer o contrário, o que, na minha perspectiva, é temerário, porém entra na liberdade de pactuação entre os sócios: a) o contrato social impõe, obrigatoriamente, ainda que aos herdeiros, e não apenas aos sócios, a obrigação de continuarem com a sociedade; b) a simples aceitação da herança acarreta a aceitação por parte do herdeiro da qualidade de sócio, obrigando também aos sócios. Bem sabendo que essas cláusulas são lícitas em termos societários, ninguém é obrigado a aceitar herança, principalmente pela contrapartida da aceitação hereditária com benefício de inventário, situação que não vai se fazer presente nas sociedades de responsabilidade solidária e ilimitada, quando o simples fato de o herdeiro entrar na sociedade lhe acarretará a responsabilidade solidária e ilimitada por todas as obrigações sociais, ou seja, acarretar-lhe-á um prejuízo sobre o seu patrimônio pessoal, fato esse que ninguém pode ser obrigado a aceitar. Por conseguinte, ainda que minimamente válidas, essas referidas cláusulas acabam por desaparecer em razão da sua inutilidade em termos de sucessão. Portanto, o falecimento de um dos sócios de uma sociedade de pessoas não acarreta a dissolução total da sociedade e muito menos a sua liquidação, mas apenas confere aos herdeiros a condição de receberem, conforme o contrato e a lei, aquilo que lhes compete. A sociedade não se resolve, mas apenas a relação social limitadamente ao sócio que faleceu. Então, nas sociedades de pessoas, compostas por apenas dois sócios, onde o falecimento de um dos sócios venha determinar a falta de pluralidade de sócios, os herdeiros do sócio falecido não têm direito de participar do processo de liquidação da sociedade, ao invés de receberem um valor em dinheiro correspondente às quotas sociais do sócio que faleceu, até porque a dissolução total da sociedade se consubstancia num momento posterior e eventual (possível) em relação à dissolução da relação social referente e limitadamente ao sócio, e, por bem da verdade, a falta de pluralidade de sócios nem é causa de dissolução, se observado o prazo de cento e oitenta dias para a reconstituição dessa pluralidade de sócios (art. 1.033, IV, C.C.).1 Com efeito, da mesma forma que a sociedade não se dissolve totalmente pelo evento do falecimento de sócio, os seus herdeiros não assumem a condição de sócio pelo simples fato desse falecimento, mas têm somente o direito de receber o patrimônio que lhes compete na forma determinada pelo contrato social e pela lei. A qualidade jurídica de sócio se assume pela via contratual, unicamente, e para todos os efeitos jurídicos. A dissolução de uma sociedade pelo falecimento de um dos sócios que a integrava não determina, automaticamente, a extinção dessa sociedade, que se verificará somente com o exaurimento das operações, se aprovada a dissolução. O ônus de provar o valor da quota do sócio falecido de uma sociedade de pessoas, para fins de sua liquidação entre os herdeiros, cabe aos sócios remanescentes e não aos herdeiros do sócio que faleceu, ao passo que somente os sócios estão em condições de produzir as provas contábeis e comerciais da sociedade, demonstrando qual era a situação patrimonial do dia em que se verificou a morte do sócio e quais eram as perdas e lucros do exercício. O magistrado pode, na falta desses documentos, ordenar a perícia contábil sobre os livros, bem como determinar a exibição dos livros comerciais existentes, desde que solicitadas pelos herdeiros. A finalidade dessa produção probatória será confluir sobre elementos materiais para a aferição do valor da quota do sócio falecido e a participação dos herdeiros na liquidação da quota. Poderá, ainda, ser intentada inspeção judicial na sociedade para as verificações cabíveis. Quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito. O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por dois anos a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer. Com efeito, a prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação. O juiz indeferirá a perícia quando: a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico; for desnecessária em vista de outras provas produzidas; a verificação for impraticável.

1 Desta feita, “anche nella società di persone composta da due soli soci, ove la morte di un socio determini il venir meno della pluralità dei soci, non può riconoscersi un diritto degli eredi del socio defunto a partecipare alla liquidazione della società ed a pretendere una quota di liquidazione, anziché il contravalore in denaro della quota di partecipazione, in quanto lo scioglimento della società costituisce un momento sucessivo ed eventuale rispetto allo scioglimento del rapporto sociale limitatamente ao socio e trova causa non tanto nel venir meno della pluralità dei soci, quanto nel persistere per oltre sei mesi della mancanza della pluralità medesima” (Cass., civ., sez. I, 26 giugno 2000, n. 8.670).

O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. Ademais, os herdeiros podem requerer a exibição dos livros, nos termos dos artigos 381 e seguintes do Código de Processo Civil. Portanto, o juiz pode ordenar, a requerimento da parte, a exibição integral dos livros comerciais e dos documentos do arquivo: na liquidação de sociedade; na sucessão por morte de sócio; quando e como determinar a lei. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas. Nas sociedades é fundamental a correta escrituração contábil e documentação que comprove a situação patrimonial da sociedade, ou seja, do balanço. Nas sociedades simples vigoram os mesmos rigores que nas sociedades empresárias sobre a questão das escriturações, bem sabendo que há certa diferença procedimental entre essas sociedades nos rigores legais: a sociedade empresária está obrigada ao pleno exercício da sua escrituração, emisão de livros comerciais, etc. Contudo, a sociedade simples, por não ser sociedade empresária, não precisar observar tantas formalidades naquilo que se refere ao “registro de seus livros”, com exceção da esfera fiscal. Porém, da interpretação da lei se entende, perfeitamente, que os sócios das sociedades simples devem manter atualizados os escritos contábeis e balanços patrimoniais. A lei determina: Os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico (art. 1.020, C.C.). Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado da caixa e da carteira da sociedade (art. 1.021, C.C.). Disso se infere, cabalmente, que os administradores nas sociedades simples estão obrigados ao pleno exercício dos deveres de escrituração como se fosse qualquer outra sociedade empresária, ainda que esses registros não precisem ser arquivados para ganhar efeito nos órgãos públicos. A contrapartida do dever de informação sobre o patrimônio social encontra razão de ser, dentre outras, quando da retirada do sócio, por qualquer motivo, entre eles o seu falecimento, que opera efeitos imediatos em relação aos herdeiros. Com efeito, nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado (art. 1.031, caput, C.C.). Bem sabendo que o valor da participação social será pago em dinheiro, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Os sócios podem, no contrato social, estipular que, no caso de falecimento de qualquer um deles, seus herdeiros herdam determinado patrimônio, e, nesta hipótese, não se faz necessário o pagamento em dinheiro. Contudo, ainda que exista cláusula dessa natureza nas questões societárias, em razão do exercício de uma atividade na qual o patrimônio sofre variação frequente, muitas vezes é impossível, em termos práticos, determinar com exatidão sobre qual patrimônio concorreriam os herdeiros no caso de falecimento de um dos sócios. Os motivos são vários: a) o patrimônio da sociedade pode ter sido arrecadado pelos credores; b) a sociedade alienou ativos, que entrariam nessa estipulação contratual; c) a sociedade empresarial andou em falência; d) o bem pereceu ou se deteriorou, etc. A própria e natural variação patrimonial nas sociedades é situação que dificulta a vigência – apesar de válida – de cláusula que determina aos herdeiros concorrerem sobre bens da sociedade e não ao direto pagamento em dinheiro. Na realidade dos casos, é aconselhável, sempre, que a liquidação da quota se efetive em dinheiro: isso evita fraudes contábeis, discussões judiciais, principalmente sobre a avaliação de bens do patrimônio da sociedade. Os sócios remanescentes têm que, na liquidação da quota do sócio falecido, cumprir a liquidação de maneira diligente, com probidade e respeitando os direitos dos herdeiros. Não raro a liquidação da quota de sócio falecido acerta direitos hereditários de menores: nesse caso é obrigatória a manifestação do representante do Ministério Público sobre a avaliação dos bens sociais, a forma de pagamento, e o inventariante deve zelar pelos direitos do menor, frente aos sócios e credores. Como já se disse, a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime ou a seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos pelas posteriores e em igual prazo enquanto não se requerer a averbação. O requerimento da averbação sobre a dissolução da relação contratual com o sócio falecido é fundamental para limitar a responsabilidade aos herdeiros, principalmente. Se a sociedade tem muitos credores por dívidas já vencidas, evidentemente que tais credores serão pagos sobre a quota do sócio falecido, e o saldo, se houver, será entregue aos herdeiros, respeitados os direitos hereditários e de concursos entre eles. A liquidação da quota do sócio, ou seja, a determinação do seu valor, requer a elaboração de um balanço extraordinário da situação patrimonial da sociedade ao momento da dissolução parcial. O sócio que se retira da sociedade nada mais é que um credor da sociedade. No caso de seu falecimento, a relação jurídica será de direito hereditário, observados seus limites. Da mesma forma que o sócio que se retira da sociedade, por exclusão ou vontade própria, renuncia integralmente aos seus direitos de sócios, não podendo em nenhuma condição exercer poderes de administração e representação, os seus herdeiros não assumem a condição de “sócio”, mas possuem apenas direito ao recebimento do valor que correspondia a sua participação social na data do evento.

Com efeito, não causam a imediata dissolução da sociedade as seguintes situações jurídicas do sócio: a) seu falecimento; b) sua exclusão; c) sua declaração de incapacidade, seguida de exclusão; d) sua declaração de incapacidade, sem exclusão; e) sua falência. Para que essas circunstâncias acarretem a dissolução total da sociedade é necessária expressa cláusula contratual assim determinada em todos os seus efeitos.

215. Da dissolução e liquidação das sociedades simples

Nos termos do art. 1.033 do Código Civil, dissolve-se a sociedade quando ocorrer: o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; o consenso unânime dos sócios; a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. O art. 1.034 do Código Civil disciplina as hipóteses de dissolução judicial das sociedades, ao determinar que: A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando anulada a sua constituição, exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade. Com efeito, o contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas (art. 1.035, C.C.). Desta feita, as principais formas complementares ao texto normativo são aquelas que se referem ao desequilíbio orgânico da sociedade, que se opera, no mais das vezes, pela quebra da affectio societatis; atos de corrupção; atos sociais praticados pelo sócio em contrariedade ao interesse da sociedade, etc. Nas sociedades de pessoas, a sua dissolução com fundamento no invencível conflito entre os sócios pressupõe que a situação de conflito acarrete a impossibilidade de se alcançarem os fins sociais da sociedade. O contrato social pode estipular formas de exclusão de sócios no caso de quebra dos deveres administrativos, sem que isso acarrete a dissolução total da sociedade. Contudo, em alguns casos, diante da enorme gravidade da situação (fraudes, etc.), a única via razoável a ser seguida será a dissolução, ainda que aprovada eventual exclusão do sócio faltoso, pelo fato de que se podem apurar a contento as suas devidas responsabilidades já em sede de liquidação patrimonial, bem sabendo do sistema de responsabilidade contra os sócios nas sociedades de pessoas. Com efeito, ainda em outra hipótese, a exclusão do sócio pode se mostrar inviável em termos práticos, ainda que prevista pelo contrato social: isso porque aquele sócio tem grande participação sobre o capital social, mas, principalmente, pelo fato de que a sociedade não tem recursos disponíveis para suportar os efeitos da dissolução parcial, o que acarretará a sua dissolução total, apurando haveres e responsabilidades na sede justa (liquidação patrimonial). A dissolução da sociedade não lhe produz a imediata extinção, mas essa continua existindo com a mesma individualidade jurídica, estrutura e organização, mas com restrição negocial decorrente da modificação do seu objetivo que na dissolução não é mais aquele do exercício de uma atividade e sim o seu contrário, ou seja, dar abertura ao processo de liquidação de seus ativos, colocando termo nas relações de crédito e débito com terceiros. A verificação de uma causa de dissolução produz, sobre o contrato de sociedade, efeitos diversos para os contratos em geral: a dissolução não determina a cessação da relação contratual, mas, ao contrário, dá lugar a uma ulterior fase de execução do contrato, direcionada à liquidação do patrimônio social, e somente ao término dessa liquidação é que a sociedade pode dizer-se extinta.1 Na legislação comparada, a sociedade se dissolve: pelo decurso do prazo; pelo cumprimento de seu fim social; pela impossibilidade de alcançar o objeto social; pela vontade de todos os sócios; quando faltar a pluralidade de sócios, se essa pluralidade não for reconstituída dentro do prazo de seis meses; pelas outras causas previstas pelo contrato social (art. 2.272, Codice Civile). As sociedades dissolvem-se: a) de pleno direito – ope legis – sem que os sócios tenham que correr e solicitar a intervenção do judiciário; neste caso a dissolução é automática, sem a manifestação da vontade dos sócios, e, no mais das vezes, contra essa vontade; b) por dissídio insanável entre os sócios; c) por convenção dos sócios.2 Cumpre, então, analisar cada uma das várias hipóteses e suas consequências sobre a entidade social. A dissolução se faz no interesse dos credores, principalmente nos casos de dissídio ou acordo, para colocar termo à entidade social. A liquidação, contudo, acerta interesses dos credores e passa de maneira restrita pelo interesse dos sócios.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 287.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, cit, p. 205.

216. Do vencimento do prazo de duração da sociedade

Se por prazo determinado, a sociedade se dissolve quando expirar o seu prazo de duração, salvo se vencido este e sem oposição de sócio a sociedade não entrar em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado. A prorrogação do prazo de duração da sociedade pode ser expressa ou tácita. No caso da espécie de prorrogação expressa, deve ter lugar antes de vencido o prazo de duração, efetuando a respectiva alteração no contrato social. Ao contrário, na prorrogação tácita, basta que o sócio não apresente oposição contra a continuação da sociedade, que não entrará em liquidação. Com efeito, a prorrogação tácita da sociedade impede que essa sociedade seja considerada irregular, como se entendia nos sistemas mais antigos. Desta feita, não é necessária alteração do contrato social, porque a prorrogação da sociedade tem amparo legislativo, considera-se prorrogada por força de lei (art. 1.033, I, C.C.). A sociedade que teve sua prorrogação tácita não entra na irregularidade da sua constituição; em nada altera a disciplina da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais; os credores não podem invocar má-fé dos sócios para contra eles mandar aplicar perseguição solidária e ilimitada pelas obrigações sociais; todos os atos são válidos e operam efeitos em nome e por conta da sociedade, etc. A prorrogação tácita é expressamente prevista pelo art. 2.273 do Codice Civile, ao preceituar que a sociedade se prorroga tacitamente por tempo indeterminado quando, vencido o seu prazo de duração, os sócios continuam a cumprir as obrigações sociais. Portanto, e seguindo a boa lição, o fator determinante que comprova a prorrogação tácita é a continuidade da administração social, cumprindo as operações sociais, ou seja, mantendo a organização da atividade social, perseguindo o seu fim social. A prorrogação é tácita porque manifestos são os atos dos sócios em determinar a continuação da sociedade: a sociedade continua e existe na medida em que os sócios praticam atos de administração, assumindo direitos e obrigações. Desta forma, e nesta esteira, os atos são válidos, e não podem os credores se insurgir contra a prorrogação porque desse fato nada lhes acarreta prejuízo, mas, antes, a prorrogação da sociedade pode até facilitar o pagamento das obrigações devidas.

O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa (art. 111). Neste caso, não é necessária manifestação expressa do sócio em dar continuidade ao ente societário. A manifestação expressa terá que ser feita no sentido inverso, ou seja, em dar início ao processo de liquidação da sociedade.

A lei diz: O vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação: se a sociedade continuar a praticar atos de administração, cumpre ao sócio apresentar sua oposição, e neste caso o desfecho será, realmente, a liquidação da sociedade. Contudo, se nenhum sócio apresentar, expressamente, a oposição contra a continuidade da sociedade, essa se prorroga tacitamente, e seu contrato continua plenamente válido. Não há, por consequência, nenhuma necessidade de se alterar o contrato social. Aquele contrato originalmente arquivado, que estabelecia sociedade com prazo determinado, agora se prorrogou tácita e automaticamente, e não prejudica os sócios. A sociedade não deverá, em hipótese alguma, ser considerada irregular pelo fato de não se alterar o contrato social: neste caso, com efeito, a prorrogação se dá de maneira tácita e legal, operando ao lado da vontade das partes. Nenhum credor pode se insurgir contra essa prorrogação. A dissolução opera no interesse dos sócios, em todos os sentidos. Se esses, tacitamente, resolveram dar continuidade à sociedade, nenhum credor pode se insurgir contra ela, requerendo a dissolução: essa seria medida extrema, não aceita no estado democrático de direito. O credor pode e deve se pagar sobre os bens sociais; por isso, a dissolução em nada lhe interessa diretamente: o credor não tem interesse processual para tal medida, até porque pode acionar os sócios solidários, no caso da falta de bens sociais, notadamente na sociedade simples, bem como na sociedade em nome coletivo, e contra o sócio comanditado na comandita simples. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 107, C.C.). Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113, C.C.). Atua pela boa-fé o sócio, bem sabendo do art. 1.033, I, do Código Civil, não encerrando as atividades da sociedade, e, ao contrário, lhes dà continuidade em novas operações sociais, bem como dá cumprimento das anteriores sem oposição de sócio. Contra essa situação, de composição tácita de todos os sócios, a formação de vínculo societário, verdadeira deliberação tácita, quando a lei não exige forma especial para sua validade. Com efeito, os sócios são soberanos nessa decisão, e nada lhes opera em desacordo.

A legislação comparada estabelece que: “per determinar la comune intenzione delle parti, si deve valutare il loro comportamento complessivo anche posteriore alla conclusione del contratto” (art. 1.362, Codice Civile).

Na interpretação do contrato o elemento literal assume função fundamental, ao passo que a consideração do comportamento das partes posterior ao contrato não constitui uma figura subsidiária, porém, ao contrário, é um parâmetro

necessário e fundamental ao próprio contrato, que o integra em todos os sentidos. O comportamento complessivo posterior à conclusão do contrato é, também, um elemento interpretativo, e esse comportamento deve ser convergente, de tal sorte que pode ser um comportamento unilateral que seja aceito pela outra parte, ainda que tacitamente. A consideração sobre o comportamento na qualidade de elemento interpretativo entra na perspectiva de intenções comuns entre as partes. É bom ressaltar que o contrato societário é plurilateral e tem execução continuada e diferida no tempo: portanto, o comportamento posterior dos sócios, suficiente em demonstrar a intenção de continuidade da sociedade, ocorre após ao seu término, porém é de tal sorte um elemento formador da vontade das partes (sócios) e da vontade social (da sociedade) que a lei lhe confere foros de prorrogação tácita, impedindo o seu desaparecimento.1 A regra de interpretação complessiva por comportamento complessivo acerta os contratos em geral, e os contratos de sociedade. Neste ponto, há confluência de finalidades, que fazem desaparecer as diferenças entre os contratos sinalagmáticos e aqueles plurilaterais. Esse comportamento dos sócios, na continuação da sociedade, se manifesta posteriormente ao término do contrato, porém deve estar presente já desde antes de findo o prazo marcado no contrato social, de tal sorte que a unanimidade dos sócios tenha ciência dessa condição e que a aprovação tácita, no futuro, não será mais que a regular continuação da atual sociedade. Não pode haver nenhuma solução de continuidade após o término do prazo previsto no contrato. A prorrogação tácita entra na formação subjetiva da declaração de vontade, ao passo que é elemento constituidor da liberdade contratual, e, por isso, o direito lhe sustenta diante de situação extremamente complexa. O elemento subjetivo é característico dessa manifestação de vontade, que se exterioriza no comportamento complessivo (sequência ininterrupta de atos), ou seja, na manutenção da atividade, a qual não se suspende, não entrando em solução de continuidade. Esse comportamento complessivo é também global, no feixe de situações que lhe complementam e demonstram a permanência de uma situação jurídica ampla, na qual a manutenção da atividade envolve – e engloba – uma série de outras condições, notadamente a não-oposição de nenhum sócio, bem como que todos tenham conhecimento dessa vontade em dar continuidade ao ente social.

Portanto, o magistrado, em situação análoga, deve se atentar ao elemento complessivo e global dessa manifestação de vontade social, perquirindo sobre a própria subjetividade da manifestação de vontade, e não se ater única e exclusivamente aos termos previstos no contrato social da sociedade. Com efeito, a dissolução de pleno direito é aquela que se opera pela mera ocorrência de alguma das causas previstas em lei, e, neste caso, se tiver que se recorrer ao Poder Judiciário para constatar a efetiva ocorrência da causa de dissolução lhe caberá apenas declarar a dissolução e não decretá-la, porque a decretação somente ocorre nos casos de dissolução judicial da sociedade. 2 Somente na esfera judicial se poderá comprovar e decidir sobre a controvérsia, que pode até versar sobre o falecimento de um dos sócios. 3 Ou seja, ainda pode pesar dúvida se realmente a condição de dissolução imediata da sociedade se operou por completo, o que somente a verificação atenta nos autos poderá elucidar: o término do prazo de duração é, obviamente, condição de dissolução, mas, pela prorrogação tácita, a sociedade não entrará em dissolução e continuará funcionando, perfeitamente, com o contrato social que lhe originou. Ao passo que seja necessária a constatação da efetiva ocorrência da causa de dissolução, isso significa que há dúvida sobre se a sociedade realmente não está em funcionamento, ou, se ao revés, continua funcionando, sem a oposição de todos os sócios. Por exemplo, não há que falar em prorrogação por comportamento complessivo quando os sócios deliberam sobre a prorrogação, e um ou mais dos sócios se opõem, votando contra. Esse voto em contrário exterioriza a oposição, que tem por consequência, imediata e inexorável, acarretar a dissolução da sociedade. Nada importa qual seja a participação do sócio que se opôs à continuidade da sociedade. Ademais, o simples fato de “deliberar” sobre a continuação da sociedade, após o prazo marcado para sua duração, já caracteriza solução de continuidade e acarreta, de maneira inexorável, a sua dissolução, ainda que todos os sócios aprovem a sua continuação. O que se quer dizer é que o elemento subjetivo dos sócios, no comportamento complessivo e global em demonstrar o interesse comum em dar continuidade ao ente social, deve se exteriorizar, tacitamente, antes mesmo de findo o prazo social. Com efeito, a continuidade seria a consequência lógica desse comportamento: a deliberação sobre a continuidade representa solução de continuidade porque não há sentido lógico em se requerer a manifestação expressa daquilo que o silêncio dos sócios já concretizou em todos os seus sentidos. O simples fato de deliberar sobre a possível dissolução da sociedade por prazo determinado já acarreta a sua dissolução e pressupõe a oposição. Essa pressuposição não é absoluta, mas, do ponto de vista societário, o art. 1.033, I, do Código Civil

1 “L’art. 1362 c.c., nel prescrivere in sede di interpretazione contrattuale che il giudice ai fini della individuazione della comune intenzione delle parti debba valutare il loro comportamento complessivo, richiede non la valutazione di ogni singolo atto posto in essere dalle medesime, mas la considerazione globale della loro condotta in relazione agli elementi di fatto che possono avere importanza per l’interpretazione del contratto” (Cass. civ., sez. III, 16 luglio 1973, n. 2067); cf., BARTOLINI, F e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.144.

2 BULGARELLI, Waldirio, Sociedades comerciais, cit., p. 223.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 780, p. 205.

fala em “vencido este e sem oposição de sócio”, denotando que o simples conjecturar sobre a dissolução já acarreta, inexoravelmente, a sua dissolução. A dúvida em se dissolver ou não acarreta a dissolução. O comportamento exigido pelo art. 1.033, I, do Código Civil é aquele da manifestação tácita: do silêncio. Cumpre ao sócio dissidente se opor, comunicando aos demais que não tem interesse na continuação da sociedade. Se o sócio se silencia, assume as consequências, desde que tenha consigo que a continuidade será levada a efeito. Nos tempos mais antigos a doutrina era outra, e as palavras magistrais do maior comercialista desse país ensinavam que “expirado o prazo da sociedade, contratada por tempo determinado, se ela tiver de continuar com os mesmos ou outros sócios, é indispensável novo instrumento, passado e legalizado com as mesmas formalidades da sua instituição. Se a sociedade continua sem novo contrato, devidamente arquivado no registo do comércio, torna-se irregular, respondendo todos os sócios solidariamente pelas operações e atos praticados”.1

Com o passar dos tempos se entendeu que o desaparecimento das sociedades deve ser evitado, o que incidiu sobre a interpretação dos contratos, principalmente nos casos de dissolução. Antes, em qualquer caso, se operava a dissolução total. Depois, com a nova doutrina e a jurisprudência atenta e diligente, elaborou-se todo o sistema da dissolução parcial com a manutenção em funcionamento da entidade social. Essa interpretação tem na pressuposição do princípio da preservação da entidade societária seu maior fundamento: desta feita, a dissolução total das sociedades ficou para os casos de efetiva impossibilidade de sua continuação, e a regra passou a ser a dissolução parcial. O mestre ensinou que “deve-se ter presente, na análise do tema de dissolução social, que toda a orientação da moderna doutrina e, em muitos casos, da própria jurisprudência tem sido no sentido de evitar a dissolução, sempre que possível, a fim de manter a empresa em funcionamento, tendo em vista, conforme já verificamos no capítulo referente à empresa, a série de interesses que se concentram nessa unidade econômica. Argumenta-se, e com razão, que não seria justo que se provocasse a extinção de um organismo econômico produtivo que dá empregos, que paga impostos, que contribui, enfim, para a economia nacional, tão-somente por alterações no quadro societário”.2 O que tem razão, também, para as sociedades simples, ainda que não desempenhem atividade empresarial. Esta moderna teoria interpretativa quer evitar o desaparecimento das sociedades, bem sabendo dos custos negativos que esse desaparecimento provoca sobre a coletividade. Essa disciplina também tem lugar nas sociedades simples. Essas sociedades, de uma maneira ou de outra, exercem atividade com significado econômico e lucrativo, ainda que não seja atividade mercantil.

Desta feita, o art. 1.033, I, do Código Civil tem aplicação nas sociedades empresariais e na sociedade simples, indistintamente. Essa regra é daquelas de natureza geral para todos os tipos societários (em nome coletivo; em conta de participação; em comandita simples; limitada), e de natureza especial, também aplicável à sociedade simples. Em linhas gerais, a não-oposição de qualquer um dos sócios é a síntese da manifestação complessiva e global de todos os sócios pela continuidade da entidade societária. Os sócios são soberanos, e essa prorrogação tácita não requer forma solene, o que seria a antítese de manifestação tácita. Por ser tácita e não requerer, obviamente, forma solene, desnecessária seria a alteração do contrato social, fazendo constar que agora a sociedade seguirá por prazo indeterminado. Essa solução, por bem da verdade, não encontra respaldo no texto legislativo, tanto que é da manifestação tácita que a sociedade se prorroga por prazo indeterminado. Não é da manifestação expressa que a sociedade se prorroga por prazo indeterminado: se os sócios, findo o prazo marcado no contrato social, expressamente deliberam sobre a continuação da sociedade, terá que ser feita a alteração do contrato social, porque aquele contrato não se prorrogou tácita e silenciosamente. Ademais, a “deliberação” de continuação de sociedade, findo seu prazo de duração, é algo impossível de acontecer juridicamente porque a sociedade já se dissolveu, e os atos futuros não podem provocar efeitos no passado. Portanto, a verificação da dissolução da sociedade com prazo determinado requer uma análise subjetiva sobre a manifestação complessiva dos sócios: no caso de findo o prazo de duração, sem oposição de qualquer dos sócios, a sociedade considera-se prorrogada. A oposição do sócio pela dissolução da sociedade se mostra muito claramente: basta que exista, entre os sócios, dissídio sobre a continuação. O mero fato de os sócios não estarem de acordo entre eles sobre a continuação já impede a continuação da sociedade. Não tem razão de ser, após uma análise minuciosa dos termos, asseverar, categoricamente, dizendo que existem dissolução de pleno direito e dissolução convencional. Essas classificações têm razão somente do ponto de vista explicativo, mas que, na prática das sociedades, desaparecem como fantasmas nas noites escuras. Até as sociedades limitadas, com prazo certo de duração, se prorrogadas tacitamente, seus sócios não assumem responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais como se fossem sócios de uma sociedade irregular: essa interpretação tem que ceder espaço diante da realidade e da aparência. Uma sociedade limitada que continua a funcionar após seu prazo de duração bem que poder-se-á entender da sua prorrogação por prazo indeterminado, sem que isso, por conseguinte, a coloque dentro da péssima reputação de

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, p. 208.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., pp. 221/222.

“sociedade irregular”, operando a responsabilidade ilimitada dos sócios. Em casos semelhantes, bem sabendo dos rigores formais e das burocracias incidentais vigentes no país, poderia ser considerada sociedade limitada regular aquela sociedade com prazo determinado que, tacitamente, se prorrogou sem a oposição de nenhum dos seus sócios. Seria uma interpretação justa e de equidade ao tráfico mercantil.1 Ora, somente quando se vai perquirir, efetivamente, sobre a vontade dos sócios é que se pode concluir, com maior certeza, que dentre eles havia dissídio sobre a continuação da sociedade, ou, ao contrário, se estavam todos tacitamente resolvidos pela continuidade da sociedade. Com efeito, simples memorandos internos podem demonstrar, de maneira cabal, que os sócios estão em dissídio, como estão resolvidos pela continuação. Cumpre ressaltar, ainda uma vez, que qualquer forma de oposição do sócio é válida em demonstrar sua contrariedade, ou seja, que é favorável ao cumprimento da cláusula que estabelece prazo determinado para o fim da sociedade. Nos tempos de grande erudição, os preclaros diziam: societas est contractus quo inter aliquos res aut operae communicantur lucri in communi faciendi gratia (VINNIO). Cumpre aos sócios, no seu interesse, resolverem se prorrogam tacitamente a sociedade ou se, ao contrário, cumprem a cláusula terminativa da sociedade. A sociedade é contrato e de interesse dos sócios: são eles soberanos em determinar o término da sociedade.

Por isso, não é praticamente aceitável ver, em todos os casos, a hipótese de findo o prazo marcado no contrato social como hipótese cabal de dissolução de pleno direito da sociedade. Nos tempos de hoje, seguindo os eruditos, é correto afirmar o conteúdo relativo do art. 1.033, I, do Código Civil, ao passo que o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa (art. 111, C.C.). Na qualidade de contrato, a sociedade pode ser prorrogada pelo silêncio dos sócios, bem sabendo que esse silêncio exterioriza um comportamento complessivo e global que encerra um feixe de atividades, negócios sociais, manutenção das operações sociais, etc., de tal sorte que é visível a intenção das partes em não pôr fim ao vínculo societário e, portanto, dar continuidade à sociedade, que não entra em dissolução e muito menos em liquidação. Ademais, esse comportamento complessivo e global assume as vestes de manifestação tácita, e a lei não requer forma especial, o que seria a antítese de manifestação tácita: seria, verdadeiramente, manifestação expressa. Com efeito, se os sócios desejarem, antes de findo o prazo marcado pelo contrato social, prorrogar a sociedade, terão que observar os mandamentos legais, entre eles: a forma expressa; rigor solene; unanimidade em deliberação social. Se não for alcançada a unanimidade, a sociedade fatalmente se dissolverá quando do prazo marcado no contrato social. Não há que falar em direito de recesso porque a votação se faz pelo critério da unanimidade e não por maiorias. Neste caso têm aplicação os artigos 997, II, e 999 do Código Civil. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará o prazo da sociedade. As modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser aprovadas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. Qualquer modificação do contrato social será averbada, cumprindo-se as formalidades previstas por lei. As causas de dissolução, enquanto se verificam os casos práticos, determinam feitos idênticos: não há, portanto, lugar para distinguir as causas de dissolução que operam de pleno direito das causas de dissolução convencionais. Para alguns a verificação do decurso de prazo, a prorrogação tácita ou a vontade dos sócios são imediatas, mas para outros, essa verificação fica condicionada às considerações subjetivas sobre determinadas situações, o que dá abertura para questionamentos judiciais para aferir sua real exteriorização; entre elas, as hipóteses de exaurimento ou cumprimento do fim social.

Cumpre mencionar, também, que nos termos da legislação pátria a prorrogação tácita requer o consenso e a unanimidade dos sócios, por força do art. 999 do Código Civil. Se apenas um dos sócios apresentar a oposição, a dissolução será inevitável em todos os sentidos. Terá lugar a dissolução total da sociedade. Não se fala, menos ainda, em direito de recesso pelo fato de que a alteração importaria modificação sobre o contrato social (art. 997, C.C.), não amparada pela figura do recesso, quanto mais nas sociedades de pessoas. O sócio terá direito, na liquidação, de participar sobre o acervo da sociedade, nos limites da sua participação e da sua contribuição ao capital social.

217. Da manifestação unânime dos sócios para fins de dissolução da sociedade

A sociedade dissolve-se por consenso de todos os sócios (art. 1.033, II, C.C.). É a hipotese do mútuo consenso, na perspectiva de que a sociedade é contrato que pode se resolver por vontade das partes.

1 Com efeito, “la distinzione fra cause di scioglimento che agiscono ipso jure, per volontà dei soci o per pronuncia giudiziale, ha perduto molto del suo interesse dopo che è stato riconosciuto che lo scioglimento non opera automaticamente ma crea particolari obblighi di condotta degli amministratori in relazione al nuovo stato che viene a formarsi”. BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 423.

A doutrina ensina que “o consenso forma o contrato; o consenso o dissolve. É princípio comum aos contratos. A sociedade dissolve-se, também, mutuo consensu”, e o mestre dos mestres já falava sobre a cláusula contratual que permitia à maioria deliberar, discricionariamente ou em casos determinados, sobre a dissolução antecipada.1 O art. 335, 3, do Código de Comércio de 1950 já estabelecia que as sociedades reputam-se dissolvidas por mútuo consenso de todos os sócios. O revogado Código Civil, no art. 1.399, VI, dizia: dissolve-se a sociedade pelo consenso unânime dos associados.

O consenso de todos os sócios na resolução do contato social é regra contratual clássica nas sociedades. Na sociedade por prazo determinado o requisito é a unanimidade dos sócios. O art. 999 do Código Civil impede pactuação em contrário, ao dispor que: as modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. A regra da unanimidade é necessária porque a dissolução do contrato acarreta alteração sobre o prazo de duração da sociedade: se a sociedade é por prazo determinado e os sócios decidem colocar termo ao contrato social antes de findo o prazo social, essa alteração repercute sobre o art. 997, II, do Código Civil. Por ocasionar essa repercussão sobre o contrato social, tem incidência o regramento do art. 999, que impede alteração contratual nas hipóteses do art. 997 do Código Civil. Com efeito, as alterações por maioria absoluta, previstas pelo art. 999, refogem, obviamente, ao art. 997, e se requer a unanimidade. Essa dissolução de que fala o art. 1.033, II, é aquela da dissolução total, dissolução essa que determina a abertura da liquidação e sua posterior extinção. Na perspectiva da sociedade como contrato, entra em questão que o consenso dos sócios é verdadeira manifestação de vontade, nas mesmas condições estabelecidas pelo art. 1.372 do Codice Civile, ao especificar que o contrato “non può essere sciolto che per mutuo consenso”. A sede para a aprovação da matéria terá lugar em reunião de sócios ou deliberação, conforme o caso.

Já apresentei as críticas necessárias ao fato de a legislação (art. 999, C.C) exigir o requisito da unanimidade para alteração das cláusulas previstas no art. 997 do Código Civil. A regra da unanimidade (art. 999) é padecente sobre a metodologia das decisões societárias. O legislador deveria ter deixado ao arbítrio das partes exigir a unanimidade e não impor essa solução como regra fundamental. Os sócios quando abrem sociedade devem ter conhecimento daquilo que pretenden engendrar sobre a atividade econômica. Por conseguinte, a legislação acertada é aquela que entrega aos contratantes amplas liberdades para se associarem da maneira que entendem, sem a tutela estatal, que se consubstancia, entre outras, nos arts. 999 e 1.033, II, do Código Civil. O Codice Civile espancou, já faz tempo, o posicionamento intervencionista sobre a manifestação de vontade dos sócios quando da abertura da sociedade, permitindo as modificações sociais pela regra da maioria, nos termos de seu art. 2.252. Sobre a dissolução andou bem o Código de 2002 estabelecendo a possibilidade de aprovação dessa matéria por maioria absoluta, no caso de sociedade por prazo indeterminado, e bem seguiu aquilo que seu congênere italiano lhe ensinou, o que, verdadeiramente, representa a melhor doutrina. Com efeito, é correto entregar aos sócios a possibilidade de pactuarem que as modificações sociais se operam por maiorias, assim como se fez para as sociedades limitadas (artigos 1.061, 1.063, 1.076 e 1.077). Na sociedade limitada por prazo indeterminado a aprovação da dissolução se faz por maioria absoluta. Por óbvio que a dissolução da sociedade limitada não entra na categoria de “modificação do contrato social”, quando do artigo 1.071 do Código. Em matéria de dissolução, se a sociedade foi constituída por prazo determinado, impera a unanimidade, inderrogável por vontade das partes; se a sociedade é por prazo indeterminado, impera a regra da maioria absoluta em qualquer tipo societário. Na legislação italiana, para a aprovação da dissolução da sociedade será suficiente a vontade da maioria dos sócios quando esses tenham, nos termos do art. 2.252 do Codice Civile, pactuado pelo princípio majoritário nas modificações contratuais.2 Não tem validade a cláusula na qual o sócio renuncia ao direito de deliberar sobre a aprovação da dissolução da sociedade. Essa cláusula não tem correlação com o próprio contrato de sociedade, que é contrato de continuação diferida no tempo. Com efeito, qualquer cláusula na qual conste renúncia ao poder de votar na deliberação sobre a dissolução deve ser considerada nula.

Na aprovação por maioria, ao contrário, não há qualquer renúncia ao poder de voto: os sócios simplesmente estabelecem que a votação terá lugar majoritariamente. O sócio vota, mas, se alcançada a maioria necessária e aprovada a dissolução, a sociedade deve entrar em liquidação. Se diz deveria, é porque não há possibilidade, diante dos arts. 999 e 1.033, II, do Código Civil, de aprovação majoritária sobre a dissolução total da sociedade. Contudo, no futuro próximo poder-se-ia ser elaborada reforma nessa direção, possibilitando a aprovação da dissolução por maioria absoluta.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 805, p. 223.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 289.

O consenso tem que ser expresso: os sócios, na sociedade por prazo determinado, precisam estabelecer data específica para aprovação da medida, convocando reunião de sócios para aprovação unânime dos sócios. Como se verá, infra, o art. 1.033, III, do Código Civil diz que se dissolve a sociedade quando ocorrer a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado. Entendo, seguindo CARVALHO DE MENDONÇA, que as sociedades com prazo determinado também podem dissolver-se pela aprovação majoritária de seus sócios, essa prerrogativa não deveria se circunscrever às sociedades com prazo indeterminado: se o contrato estipulasse, na sociedade com prazo certo de duração, que a maioria absoluta pode aprovar sua dissolução, tal regra poderia ser aceita, por não contrariar a natureza contratual dessas sociedades. Afirmou o mestre que “se é certo que a sociedade se dissolve de pleno direito pela expiração do prazo designado para a sua existência, os sócios, em virtude da liberdade dos contratos, podem adiantar o vencimento desse prazo mediante acordo unânime, a menos que cláusula contratual permita à maioria deliberar a dissolução antecipada discricionariamente ou em casos determinados”.1

É de bom alvitre ressaltar que nesses casos está em debate a dissolução total: sobre a dissolução parcial a Jurisprudência bem construiu o sistema quando qualquer sócio decide se retirar da sociedade, e, diante das pendências em questão, a única forma a ser operada é aquela da dissolução parcial, apurando haveres, direitos e responsabilidades. A dissolução parcial tem lugar tanto nas sociedades com prazo determinado quanto naquelas de prazo indeterminado: contudo, muitas das dissoluções parciais são extremamente problemáticas (do ponto de vista econômico e jurídico) e, no mais das vezes, acabam acarretando a dissolução total da sociedade, ou ainda acabam entrando em falência. Do ponto de vista estritamente jurídico, não há razão – salvo formalismo – em estabelecer a regra da aprovação unânime somente para as sociedades de prazo determinado. Toda e qualquer sociedade simples ou empresária que seja constituída por prazo determinado deveria poder se dissolver, totalmente, por aprovação da maioria absoluta, e tal assertiva tem respaldo na liberdade de contratar e no interesse dos sócios em manifestarem a sua vontade no contrato social. A razão de ser, estritamente jurídica, do fato de que na sociedade por prazo indeterminado a dissolução pode ser feita por maioria é que nelas quer se estabelecer, ainda que em termos mínimos, o entendimento de que não existem contratos eternos, ou seja, vínculos obrigacionais eternos. Ao passo que na sociedade por prazo determinado bastaria ocorrer a expiração do prazo para que o vínculo se dissolvesse prontamente, ou seja, sem a necessidade de motivação. Essa circunstância se correlaciona ao revogado art. 335, 5, do Código Comercial: As sociedades reputam-se dissolvidas por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado. A jurisprudência e a melhor doutrina não tardaram em aplicar os corretivos necesários ao referido art. 335, 5, do revogado Código, o qual, com o passar dos anos, acabou por não refletir uma situação bastante complexa no funcionamento das sociedades.

Com efeito, o fundamento do referido art. 335, 5, era que não existem contratos eternos, ou seja, ninguém está obrigado a associar-se de maneira infinita, sem prazo marcado para terminar. Tal princípio é uma regra intransponível em sede obrigacional e dos contratos em geral, porém no contrato societário permeiam outros matizes. Não se pode conjecturar que pelo mero fato de os sócios pactuarem sociedade por prazo indeterminado exista, portanto, obrigação assumida com o significado infinito. A qualidade jurídica de sócio é diversa daquela comparada aos demais contratantes nos contratos em geral. Ademais, quantos aos sócios pessoas físicas, por certo ocorre o evento do seu falecimento, o que já acarreta a resolução do contrato sobre sua participação; ou a entrada dos herdeiros pela sucessão; ou, conforme previsto no contrato, poderá ensejar até a dissolução total da sociedade. Desta feita, ter no contrato social de prazo indeterminado uma obrigação de caráter infinito, no caso das pessoas físicas, não tem perfeita fundamentação, notadamente para as sociedades de pessoas. Nas sociedades com sócios pessoas jurídicas a situação é, verdadeiramente, mais complexa: contudo, de uma maneira ou de outra, elas também podem desaparecer pela falência ou pela dissolução. Por sua vez, o significado do art. 335, 5, do revogado Código comercial era que o ato unilateral da vontade de um dos sócios rompe o contrato, bem sabendo que não há contratos eternos, e aos sócios se reserva o direito de dissolver a sociedade. Discutia-se se teria validade a derrogação, por vontade das partes, da regra do art. 335, 5, do Código Comercial, com entendimentos discrepantes.2 Nos tempos de hoje, é perfeitamente válida a cláusula que estabelece a resolução do contrato por manifestação direta de qualquer dos sócios. Contudo, não tem valor a cláusula que derroga essa referida possibilidade: o sócio tem o direito, ainda por ser sócio, de se retirar da sociedade. Se os contratantes resolvem, quando da elaboração do contrato social, que qualquer dos sócios pode, a qualquer momento, mediante ato unilateral de vontade, colocar termo à sociedade, não há instância judicial que possa aduzir pela abusividade dessa regra.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 805, p. 223.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 790, p. 215.

O que não pode ocorrer é a derrogação de um direito decorrente da qualidade de sócio: é direito de sócio se retirar da sociedade. Esse direito se perfaz de várias formas: a) recesso; b) dissolução parcial; c) ato unilateral de vontade de qualquer dos sócios, desde que expressamente previsto pelo contrato social. Neste passo se refere, certamente, às sociedades de pessoas e na sociedade limitada.

O contrato social é lei entre as partes contratantes: deve ser cumprido fielmente, e nisso está o dever de sócios. Se, por qualquer razão, mas principalmente nas sociedades de pessoas, os sócios acertaram e aceitaram que qualquer deles pode, por manifestação unilateral, resolver o contrato de sociedade, essa manifestação de vontade tem que ser aceita. Note-se que se está falando de dissolução total da sociedade. Quanto a esse tema, tem valor a vontade dos sócios. Se o contrato for silente, aplica-se a regra geral: a) nas sociedades com prazo determinado a dissolução opera com a chegada do prazo estabelecido pelo contrato social; b) nas sociedades com prazo indeterminado, a dissolução pode ser aprovada a qualquer tempo, por maioria absoluta dos sócios. Pode-se entender que, ao menos com significado teórico, que até nas sociedades com prazo determinado o contrato poderia estabelecer, como forma de dissolução total, a aprovação da medida por maioria absoluta. Ainda nessa direção é lícito entender que, se presentes expressamente no contrato social, os sócios podem pactuar a hipótese de dissolução total por manifestação unilateral de vontade de qualquer dos sócios. Entendo, contudo, que nesta segunda hipótese (manifestação unilateral de vontade do sócio) essa manifestação tem que encontrar justo motivo, sem o qual a dissolução da sociedade não poderia prosperar. Entre esses justos motivos estariam: a) quebra da affectio societatis; b) atos de corrupção; c) abuso de poderes e excesso de mandato; d) o não-cumprimento dos deveres de sócio.

Cumpre ressaltar que essas condutas podem dar ensejo ao processo de exclusão do sócio faltoso e não necessariamente a dissolução da sociedade: contudo, a regra teria plena vigência quando é o sócio majoritário o sócio culposo, reservando aos demais a medida extrema da dissolução total da sociedade. Com efeito, além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa (art. 1.029, caput, C.C.). Nos trinta dias subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade (art. 1.029, parágrafo único, C.C.). Perfaz-se, então, certa correlação – não absoluta – entre a manifestação do sócio e a dissolução da sociedade, situação que somente cada caso pode responder com exatidão.

De qualquer forma, nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. A retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação (artigos 1.031 e 1.032, C.C.). Por isso, é justo o entendimento de que se tem na dissolução total a possibilidade de manifestação uinilateral do sócio, desde que essa manifestação seja fundamentada em atos e condutas que caracterizem quebra da affectio societatis, corrupção, abuso de poder, fraudes contábeis, etc. Essa interpretação decorre do próprio texto normativo (art. 1.035, C.C.), ao dispor: O contrato pode prever outras causas de dissolução a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Dentre as outras causas de dissolução pode ser incluída a manifestação unilateral do sócio diante da conduta social praticada por outro sócio, de tal natureza que a única solução cabível seja a dissolução total da sociedade, não se configurando a hipótese de exclusão de sócio por conta das dificuldades operacionais e judiciais de se alcançar essa exclusão. É evidente que, no mais das vezes, os atos culposos ou dolosos, praticados pelos sócios, como nas hipóteses de fraudes, corrupção, desídia, não-cumprimento dos deveres, etc., poderá, por força da lei, ocasionar a exclusão desse sócio. Assim já decidiu, com perfeição, a jurisprudência italiana, determinando que os dissídios entre sócios, ainda que não expressamente contemplados no art. 2.272 entre as causas de dissolução das sociedades de pessoas, podem resolver-se entendendo que esse conflito acarreta a impossibilidade de a sociedade alcançar seu fim social (inexequibilidade do fim social), porém, nesse dissídio não entra a noção de grave descumprimento dos deveres de sócios, hipótese em que os conflitos dele decorrentes podem ser eliminados com a exclusão do sócio culposo (Cass. Civ., sez. I, 15 luglio 1996, n. 6410). A decisão do julgado é perfeita: o dissídio somente assume vestes de dissolução total quando acarretar a inexequibilidade do fim social da sociedade, hipótese em que tem lugar a dissolução judicial. Se o conflito decorre das circunstâncias do nãocumprimento de alguns dos deveres de sócios, práticas culposas ou dolosas, mas essas circunstâncias não são suficientes em ocasionar a inexequibilidade do fim social, a solução a ser aplicada é aquela da exclusão do sócio, e não tem lugar a dissolução judicial. Em termos de manifestação unilateral do sócio para fins de dissolução total, o contrato social tem que deixar expresso que o conflito entre os sócios pode ocasionar a referida dissolução sempre que impedir o cumprimento do fim social: nesta

hipótese, sócio minoritário pode colocar a efeito essa prerrogativa, o que poderá ser apurado na esfera judicial, nos idênticos termos da dissolução judicial por inexequibilidade do fim social. O que se quer dizer é que, na sociedade por prazo determinado, pode não se alcançar a unanimidade para em consenso se dissolver totalmente a sociedade: neste caso, é bastante útil a cláusula que estabelece a possibilidade de dissolução total sempre que o conflito societário ocasionar a impossibilidade de alcançar o fim social da sociedade. Com essa cláusula, fica expressa a vontade dos sócios, e aquele que se insurge contra uma determinada prática terá que comprová-la judicialmente para alcançar a dissolução da sociedade, arcando obviamente com o ônus da prova. Se perder a demanda, não provando a culpa ou o dolo do outro sócio, arcará com a sucumbência e poderão lhe ser demandadas as perdas e danos. Sem essa cláusula, e nos termos do Código Civil, na sociedade com prazo determinado somente a unanimidade tem força para colocar termo ao contrato social, antes de vencido o seu prazo. Como já disse, essa situação não tem lugar de ser na moderna teoria societária. Em qualquer sociedade o legislador deve entregar aos sócios ampla liberdade de pactuar. Em tempos de hoje, se na sociedade por prazo indeterminado os sócios podem, por maioria absoluta, resolver o contrato social, de maneira idêntica poderiam fazer nas sociedades com prazo determinado. Na sociedade de pessoa, a dissolução por invencível dissídio entre os sócios pressupõe que a situação do conflito tenha como consequência a impossibilidade de a sociedade alcançar seu fim social (Cass. civ., sez. I, 22 agosto 2001, n. 11185). Existe enorme correlação sistêmica entre exclusão de sócio e dissolução judicial de sociedades, bem sabendo que são institutos jurídicos completamente distintos. Não raro se tem notícia de medida judicial na qual se requer a exclusão do sócio, mas por vários outros fatores, ao final, a sociedade entra inclusive em dissolução judicial com a finalidade de se apurarem as devidas responsabilidades. Muitas vezes a comprovada impossibilidade de alcançar o fim social, decorrente de um conflito entre os sócios, emerge das irregularidades contábeis dentro das sociedades, pelo fato de que o dissídio entre os sócios, que teve origem na fiscalização sobre as contas da sociedade, acaba por impedir o regular funcionamento da sociedade, acrescido das ações, perquirindo, judicialmente, a anulação das deliberações societárias que aprovaram as contas corrompidas, fato esse que pode colocar a sociedade na condição de irregular diante dos órgãos públicos de controle. Portanto, é certo que na hipótese do consenso de todos os sócios aprovando a dissolução, manifestada de maneira expressa, a sociedade entrará em liquidação nos seus devidos termos. O problema, contudo, emerge quando dos conflitos societários, das lides infindáveis, das ações de responsabilização, etc., hipóteses em que, no mais das vezes, a dissolução acaba infelizmente por representar a via única dessas sociedades, com prejuízos para toda a coletividade, tributos, prestação de serviços, etc. Então, diante dessa simbiose de fatos, a manifestação unilateral do sócio, desde que motivada, poderia ocasionar a dissolução total da sociedade, bem sabendo que esse sócio terá que, obrigatoriamente, provar judicialmente as acusações que emite contra o outro sócio, sob pena de arcar com a responsabilidade processual pela demanda, acrescida das perdas e danos cabíveis.

Essa interpretação entra no art. 1.035 do Código Civil, ao determinar que o contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Amplíssima é a liberdade dos sócios em pactuarem outras causas de dissolução, dentro do sistema pacta sunt servanda e da autonomia contratual. Nas sociedades de pessoas essas causas refletem o interesse dos sócios em regulamentar as condutas futuras deles próprios, como se fosse um sistema de controle comum sobre a atuação de cada um deles: o contrato social pode, ainda, fixar responsabilidade pelas práticas de quebra de affectio societatis e não-cumprimento dos deveres sociais, e fazer registrar esses pactos. Do outro lado, o sócio majoritário também poderá aprovar, de maneira unilateral, a medida de dissolução total da sociedade, arcando com as responsabilidades desse ato: ou seja, assim como o minoritário poderia apresentar a manifestação unilateral de dissolução da sociedade, devidamente fundamentada, da mesma forma poderá fazer o sócio majoritário na sociedade com prazo determinado, porém, arcando com as responsabilidades processuais, se o seu ato unilateral fosse contestado pelo minoritário, bem como arcar com as possíveis perdas e danos, se vencido na ação, não comprovando, portanto, as condutas do sócio minoritário. Em todos esses casos teria aplicação o regramento do art. 1.035 do Código Civil, que deve ser interpretado na consonância do interesse das partes, que são livres para pactuar hipóteses de dissolução total ou parcial na medida e nos limites dos seus próprios interesses, convergentes ou divergentes, mas que resumem a vontade social da sociedade.

218. Da dissolução por deliberação da maioria dos sócios

A sociedade dissolve-se quando ocorrer a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado (art. 1.033, III, C.C.).

O Código (art. 999) estabeleceu o sistema do consenso de todos os sócios para a aprovação das matérias referentes ao art. 997; porém, no caso de dissolução da sociedade, a aprovação pode ser realizada pela maioria absoluta. O contrato social pode derrogar a regra do art. 1.033, III, do Código, estabelecendo que a dissolução total da sociedade somente terá lugar se aprovada por consenso de todos os sócios. Tal regra não é limitativa ao direito de o sócio se retirar da sociedade: a) o sócio pode exercer o direito de recesso; b) resta aberta a via da dissolução parcial. Portanto, em nada contraria a ordem pública os sócios pactuarem, no contrato social, que a sociedade se dissolve, totalmente, apenas pela deliberação unânime dos sócios. Contudo, se o contrato for silente, a maioria absoluta pode, perfeitamente, aprovar a dissolução total da sociedade, sem que isso possa caracterizar abuso de direito ou dever de indenização em favor do sócio minoritário. Ainda nas sociedades de pessoas deve, como já disse, preponderar o interesse da maioria e não, necessariamente, a unanimidade: as sociedades de pessoas, com o passar dos tempos, foram recebendo os efeitos de um sistema capitalista de dominação, quando o sistema majoritário é a forma jurídica da manifestação de um poder econômico. Essa regra tem lugar até mesmo nas sociedades de pessoas, com a ressalva do art. 999 do Código. Com efeito, na verdade, todas as matérias, inclusive aquelas previstas no art. 997, deveriam ser decididas pela forma majoritária, e o dissidente teria o direito de recesso. Porém, o legislador de 2002 estabeleceu como regra geral a unanimidade para as principais questões administrativas nas sociedades de pessoas. Na dissolução, ao revés, o legislador andou bem, estabelecendo que a maioria absoluta poderá aprovar a dissolução total da sociedade: desta feita, a coincidência entre o princípio majoritário e a vontade social, não passível de oposição do sócio minoritário. Este é um reflexo da visão capitalista sobre a administração das sociedades, ainda que sobre a sociedade de pessoas, bem sabendo que a aprovação da dissolução é ato de deliberação social, ou seja, entra na categoria de administração interna das sociedades. A deliberação por maioria absoluta terá lugar somente nas sociedades com prazo indeterminado. Considera-se sociedade por prazo indeterminado a sociedade que estabelece sua duração até o falecimento de algum dos sócios. Se do contrato social não constar expressamente o prazo de duração, mas contiver cláusula pela qual a sociedade se dissolve pelo falecimento de qualquer dos sócios, a regra tem validade, e não há conflitos. Porém, pode ocorrer a hipótese em que uma sociedade estabelece que sua duração se dá enquanto o sócio estiver com vida. Essa sociedade deve ser considerada por prazo indeterminado: o evento falecimento, como condição da existência da sociedade, para fins jurídicos, é incerto, e, por conseguinte, seu prazo é indeterminado. Nessas circunstâncias, os sócios, por maioria absoluta, podem aprovar a dissolução total da sociedade. A coincidência entre vontade social e princípio majoritário não é, em todos os casos, absoluta, e a responsabilização contra sócios e controladores é a comprovação que interesse social e maioria de sócios não são sinônimos absolutos, bem sabendo do conflito de interesses.

Conquanto esses fatores, a dissolução total poderá ser aprovada pela maioria absoluta, sem que isso caracterize redução ou limitação ao direito de sócio. O sócio dissidente vota, obviamente, na deliberação, porém, por regra pragmática e ligada ao conceito amplo de atividade econômica que a sociedade simples contemporânea possui em sua administração, a aprovação majoritária da dissolução nada mais é que – na visão do legislador – a confluência entre a vontade social e o interesse social.

Da aprovação majoritária não emerge nenhum dever de indenizar o sócio dissidente: o dissidente não tem direito de recesso por exercitar porque com a dissolução aprovada a sociedade será liquidada, e tal sócio concorrerá sobre o acervo patrimonial da sociedade nos limites de sua participação social, depois de pagos os credores. Não cabe oposição do sócio dissidente contra a deliberação social que aprova a dissolução, desde que respeitados os critérios formais. A dissolução acarreta os mesmos efeitos a todos os sócios, e já por conta da deliberação sobre a dissolução deverá ser nomeado o liquidante. A deliberação de dissolução da sociedade pode ser invalidada diante do abuso da regra majoritária somente quando sua aprovação busca perseguir interesses pessoais em contrariedade ao interesse social, deliberação essa fruto da arbitrariedade e filha da fraude societária, como, por exemplo, lastreada em documentos contábeis falsos. Compete ao sócio minoritário comprovar sua alegação. Porém, se não comprovada a fraude ou se impraticável a hipótese da deliberação arbitrária e fraudulenta, em nenhuma condição o magistrado poderá perquirir sobre as “razões” que fundamentaram a aprovação da dissolução: tal competência é exclusiva da sociedade e não pode ser invalidada: o poder de voto do sócio, neste caso, é absoluto e fica preclusa qualquer possibilidade de controle em sede judiciária sobre os motivos que fundamentaram o voto da maioria deliberando sobre a dissolução antecipada da sociedade (Cass. civ., sez. I, 12 dicembre 2005, n. 27387). A sentença é acertada, e não há possibilidade de controle externo sobre a deliberação que aprova a dissolução da sociedade. A única consequência assemelhável tem lugar na disciplina da lei acionária (art. 117, § 1º , b) em sede de responsabilidade contra o acionista controlador que promover a liquidação de companhia próspera ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia.

Esse ato entra na qualidade de exercício abusivo de poder de controle, o que acarretará responsabilização contra o controlador (art. 116, Lei 6.404/76). Contudo, para que se manifeste a conduta abusiva é necessária que a aprovação da liquidação de companhia próspera seja motivada por vantagem indevida, o que caracteriza, então, a arbitrariedade da liquidação da sociedade, devendo arcar com os prejuízos e danos em relação aos demais acionistas, trabalhadores, credores, etc.

No caso de uma sociedade de pessoas, se a maioria absoluta busca “vantagem indevida” como condição para a aprovação da dissolução, certamente o minoritário terá direito a indenização desde que comprove a existência da referida vantagem indevida. Em última instância, a deliberação poderia ser invalidada pelo judiciário, se comprovadas a arbitrariedade e a vantagem indevida: contudo, seria aceitável, do ponto de vista interpretativo, que o controle jurisdicional não se fizesse pela invalidade, mas que fosse julgada procedente a ação de responsabilização contra a maioria que aprovou a dissolução, por exercício abusivo de poder de voto, indenizando o minoritário. Então, existem duas interpretações: a) pela invalidação da deliberação de dissolução; b) pela validação da deliberação, mas com a consequente condenação da maioria pela indenização aos minoritários. Na primeira interpretação tem-se em consideração não somente o interesse dos sócios minoritários, mas, também, o da sociedade no seu perfil institucional, ou seja, na sua preservação como entidade jurídica e econômica com verdadeira função social. Na segunda, confere validade ao voto da maioria, dissolve-se a sociedade, preserva-se a regra capitalista, mas impõe a condenação pelas perdas e danos em favor dos minoritários. Em termos de sociedade de pessoas, a segunda interpretação seria mais acertada, entrando na esfera da liberdade contratual e na manifestação soberana exercida pelos sócios em coincidência com a vontade social.

219. Da falta de pluralidade de sócios não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias

Nos termos do art. 1.033, IV, do Código Civil, a sociedade dissolve-se quando ocorrer a falta de pluralidade de sócios, se não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. O art. 2.272, 4, do Codice Civile estabelece que a sociedade dissolve-se, quando “viene a mancar ela pluralità dei soci, se nel termine di sei mesi questa non è ricostituita”. A sociedade poderá continuar com um sócio, até o prazo de cento e oitenta dias, contados do recesso, exclusão ou falecimento do outro sócio. A finalidade da lei é a preservação da entidade societária, evitando o seu desaparecimento pelo fato de faltar um sócio, quando essa sociedade for constituída por apenas dois sócios. No direito comparado essa regra é já bem antiga (Codice Civile, 1942), e somente agora é disciplinada no ordenamento jurídico pátrio. Se dentro de cento e oitenta dias é reconstituída a pluralidade de sócios, a sociedade não entratá em liquidação: ter-se-á continuação da sociedade já existente, com a inclusão do novo sócio. Esse sócio responde, nos termos da lei, pelas obrigações sociais pretéritas e as que a sociedade assumir. O novo sócio deve fazer a sua contribuição ao capital social, integralizando os valores necessários. Se for sócio de serviço, deve cumprir sua obrigação. Se dentro do prazo de cento e oitenta dias não for reconstituída a pluralidade de sócios, a sociedade entrará em dissolução exatamente no último dos cento e oitenta dias e opera efeitos ex nunc. A sociedade, dentro desse prazo, não entrou em dissolução: não é uma condição suspensiva da dissolução, porém permanência da sociedade com apenas um sócio. Assim, não entrando em dissolução, tal fato ocorrerá somente se não for reconstituída, após o último dia dos cento e oitenta dias, a pluralidade de sócios. No caso de falecimento de sócio, sua quota será liquidada entre os herdeiros, na forma do art. 1.031 do Código. Em hipótese alguma esses herdeiros podem requerer, judicialmente, a dissolução da sociedade porque não adquiriram a qualidade de sócios: são estranhos em relação à sociedade, cabendo-lhes, somente, o direito de concorrer, na sucessão, pelo valor da quota do sócio falecido. Com efeito, se a sociedade fica com apenas um sócio, em razão do falecimento, retirada ou exclusão do outro sócio, os herdeiros e o próprio sócio que se retirou da sociedade não podem requerer a dissolução da sociedade: o sócio que permanece na sociedade tem cento e oitenta dias para encontrar um novo sócio, e com isso evitar que a sociedade entre em dissolução. 1 Portanto, a falta da pluralidade de sócios, dentro do prazo de cento e oitenta dias, não entra na categoria de solução de continuidade, e, por isso, não tem que falar em dissolução da sociedade. A sociedade persiste, regularmente, assume direitos e obrigações, postula judicialmente, etc. A reconstituição da pluralidade de sócios, como disse o mestre, é condicio facti, o que não importa a dissolução da sociedade, desde que efetivamente exercida pelo sócio. Com efeito, a presença de apenas um sócio não é situação imediatamente operativa para acarretar a dissolução do contrato, salvo se prevista no contrato social, ou se não reconstituída a referida pluralidade de sócios em até cento e oitenta dias.

1 “La ricostituzione della pluralità dei soci nel sistema della norma funziona come condicio facti, e non come condicio iuris e, come condicio facti, opera retroattivamente, con la conseguenza che deve considerarsi avvenuta o non avvenuta nel momento stesso in cui la partecipazione è venuta meno. Non vi è quindi soluzione di continuità trai l venir meno della partecipazione e l’ingresso del nuovo socio ed è appunto per la mancanza di ogni soluzione di continuità che la società non si scioglie”. FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 251.

A sociedade entrará em dissolução somente após o primeiro dia dos cento e oitenta dias: antes desse prazo é uma sociedade regular, na qual participa somente um sócio, por expressa previsão legislativa, que busca, exatamente, evitar seu desaparecimento via dissolução e posterior liquidação. Desta feita, o herdeiro do sócio falecido não poderá em hipótese alguma requerer a dissolução da sociedade: seu direito é única e exclusivamente monetário, ou seja, na qualidade de herdeiro receber o valor referente à quota social sobre a qual concorre no inventário. Não há confusão entre sucessão patrimonial pelo valor da quota e de direitos sucessórios: silente o contrato, o herdeiro receberá apenas o valor da quota, que será liquidada nos termos do contrato social e da lei. Ademais, o contrato social pode estabelecer que para o herdeiro entrar na sociedade seja necessária a aceitação do sócio remanescente (art. 1.028, III). Neste caso, se o sócio remanescente não aceitar a entrada do herdeiro na qualidade de sócio, a sociedade também não entrará em dissolução, e o referido sócio sobrevivente tem o prazo de cento e oitenta dias para encontrar novo sócio, evitando, então, a dissolução total da sociedade. O herdeiro não pode se insurgir contra a não-aceitação do sócio sobrevivente ao recusar sua entrada na sociedade. Seu direito será o de receber, na liquidação da quota, o valor correspondente à participação social. Neste passo, tem preponderância a manifestação de vontade do sócio sobrevivente, que tem ampla autonomia em estabelecer a entrada dos novos sócios, aceitando uns, recusando outros, sem que isso importe, por si só, a dissolução da sociedade. O herdeiro e o sócio que se retirou da sociedade recebem um valor que corresponde à participação social e não têm a prerrogativa, com já se disse, de requerer a dissolução da sociedade para participarem e receberem sobre a liquidação do patrimônio social. A sociedade com dois sócios não se dissolve no momento da morte, retirada ou exclusão do sócio, mas somente após transcorridos os cento e oitenta dias: assim, a dissolução opera efeitos ex nunc, ou seja, a partir desse momento, vale dizer, do primeiro dia seguinte aos cento e oitenta dias. A finalidade do legislador, com os artigos 1.028 e 1.033, IV, do Código Civil é evitar a dissolução da sociedade: tem ênfase a preservação da sociedade. Portanto, a sua dissolução terá lugar somente transcorridos integralmente os cento e oitenta dias. Com efeito, o falecimento, retirada ou exclusão do sócio não acarretam, por si só, a dissolução da sociedade, e, por conseguinte, a dissolução terá incidência somente quando do término do prazo de cento e oitenta dias. Antes desse prazo fatal, a sociedade é regular, e tem plena autonomia para assumir direitos e obrigações, ou seja, a antítese da sua dissolução ou liquidação. Nesta interpretação se leva em consideração o interesse social da sociedade, na perspectiva da manifestação da vontade social, que tem no sócio único a premissa da continuidade da existência da sociedade, evitando o seu desaparecimento. Não é sociedade unipessoal, mas sociedade que tem, por um prazo certo e determinado, a condição de existir com apenas um único sócio, para evitar seu desaparecimento, desde que dentro desse prazo seja reconstituída a pluralidade de sócios. Com isso, o legislador acerta, evitando o desaparecimento de sociedades viáveis economicamente, e que, pelo formalismo, podem, então, ter reconstituída a presença de outro sócio, e assim continuam existindo sem entrarem em dissolução.

220. Da dissolução por extinção da autorização de funcionamento

A lei determina que: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar” (art. 1.033, V, C.C.). Essa dissolução é feita por decisão governamental, e nos termos da lei. A sociedade incorre na cassação da autorização de funcionamento por medida governamental, fundada em critérios objetivos, dentre eles, contrários ao interesse nacional, à ordem pública ou ao público em geral. Com efeito, essa cassação governamental não pode impedir a liberdade de contratar ou muito menos caracterizar arbitrariedade por parte da entidade governamental: se assim o for, a sociedade deve se insurgir contra o ato governamental que decretou sua extinção, impetrando mandado de segurança contra o referido ato. Uma sociedade que atua na prestação de serviços de saúde pode ter sua autorização de funcionamento cassada, desde que não cumpra os requisitos legais para o exercício regular dessa atividade: por exemplo, se não emprega os meios técnicos e de última geração para a utilização de equipamentos médicos que emitam radiação. Os órgãos estatais de controle e fiscalização podem suspender ou cassar o funcionamento dessa sociedade, que estaria colocando em risco o público em geral pelo vazamento de ondas radioativas, contaminando a população. Contudo, o processo de suspensão ou cassação da autorização de funcionamento da sociedade, ainda que seja na esfera administativa, deve ser amparado pelo contraditório e pela ampla defesa, nos termos da Constituição Federal. Vencida a parte na esfera da administração pública, a sociedade deve se insurgir, judicialmente, contra o ato governamental de extinção da autorização de funcionamento, seja na parte formal, quanto sobre o mérito do ato de extinção. Nesta direção, MODESTO CARVALHOSA assevera que a cassação da autorização de funcionamento é ato discricionário do Poder Executivo e entra na condição do princípio da legalidade, mas, a despeito dessa discricionariedade, o ato estará sujeito

a revisão judicial quanto ao seu mérito, para que se verifique se a causa declarada pelo agente público é consistente e não fruto de abuso de poder ou desvio de finalidade.1 Portanto, a sociedade que se insurge, por ter no ato de extinção uma medida de arbitrariedade, deve se valer judicialmente das garantias constitucionais, notadamente diante de esferas administrativas corruptas, que perseguem e ameaçam os honestos empreendedores desse país.

221. Da dissolução judicial da sociedade

Com efeito, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando: a) anulada a sua constituição; b) exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade (art. 1.034). Como qualquer contato, a sociedade pode ser anulada judicialmente com fundamento no art. 171 do Código Civil. Por conseguinte, ensejam anulação da sociedade a incapacidade relativa do agente, bem como a incidência de erro, dolo, coação, estado de perigo e lesão ou fraude conta credores. Da mesma forma, a sociedade poderá ser anulada se não constituído em observância do art. 997 do Código Civil. Os requisitos do referido art. 997 são obrigatórios, e na sua falta, ainda que a sociedade tenha sido registrada, podem acarretar a sua anulação. Se o caso assim permitir, pode haver convalidação da sociedade, desde que sanada plenamente a causa de anulação. Por exemplo, é impossível de convalidação o contrato social objeto de fraude contra credores ou dolo. As hipóteses de convalidação se referem, unicamente, às hipóteses do art. 997 do Código Civil, e isso no que for possível. Por exemplo, será passível de convalidação o contrato social que não indicar a denominação social ou a sede da sociedade. Somente sócios podem propor a ação de dissolução: o prazo é de três anos, contados do arquivamento do contrato de sociedade.

Contudo, a exegese sobre a materia de anulação de sociedade é diversa dos contratos em geral. A anulação da sociedade fica para casos de exceção, quando afetam a integralidade das relações sociais e o feixe das relações jurídicas dos sócios. Por exemplo, não será objeto de anulação o contrato de sociedade que estabelece cláusula atribuindo todos os lucros em favor de um dos sócios: nesse caso, somente a referida cláusula será nula, e a distribuição dos dividendos pode ser feita nos termos do art. 1.007 do Código Civil. A sociedade também deve ser dissolvida quando: a) da consecução do fim social; b) exaurido o fim social; c) verificada a inexequibilidade do fim social. Essas são hipóteses que não são idênticas umas das outras. A consecução do fim social é o cumprimento efetivo do seu fim social; por exemplo, se a sociedade foi constituída com um propósito específico de construir uma ponte. Finda a construção da ponte, a sociedade cumpriu efetivamente sua finalidade social (consecução do fim social), e deve entrar em dissolução, obrigatoriamente. Neste caso é possível a prorrogação tácita da sociedade, ou seja, sem a oposição de qualquer dos sócios, desde que seu fim social continue idêntico, ou seja, que essa sociedade continue construindo pontes: a prorrogação tácita da sociedade convalida qualquer defeito de constituição, e essa sociedade deve ser considerada regular, agora com prazo indeterminado. O Codice Civile, art. 2.272, 2, estabelece como causa de dissolução per il conseguimento dell’oggetto sociale o per la sopravvenuta impossibilita di conseguirlo. Com efeito, alcançado o fim social, aqui com o mesmo significante de objeto social, a sociedade entrará em dissolução.

A hipótese “exaurido o fim social” não se identifica totalmente com a consecução do fim social. A situação ocorreria se exaurido o fim social antes da sua consecução. Por exemplo, se a sociedade estivesse explorando petróleo, mas a partir de um determinado momento apenas encontra gás, o fim social se exauriu, e, por conseguinte, é automaticamente inexequível. Por sua vez, a inexequibilidade do fim social opera nas seguintes circunstâncias: pode ser determinada por eventos externos e internos da sociedade, mas são eventos definitivos, e não transitórios, impedindo o desenvolvimento da atividade econômica. A inexequibilidade do fim social decorre de efeitos naturais e jurídicos, como a revogação da autorização de funcionar. Dentre os eventos internos da sociedade que deixam inexequível o fim social estão: a) falecimento, retirada ou exclusão de sócio quando a sua participação na sociedade é essencial; b) perecimento do estabelecimento comercial; c) insanável discórdia entre os sócios, de tal ordem que impedem o desenvolvimento da administração social ou a aprovação das contas da sociedade.

Portanto, o efeito da inexequibilidade do fim social não decorre apenas de efeitos externos, como se costuma afirmar. Qualquer sócio pode requerer a dissolução judicial na hipótese de conflito societário insanável, que acarrete risco sobre a administração ou, ainda e mais precisamente, que impeça sua administração, nos termos da lei. A decretação de interdição de um sócio pode ser motivo de dissolução judicial se aquele sócio desempenha função essencial e decisiva sobre o andamento da administração social: deve ficar provado que sem a presença daquele sócio o fim social

1 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 341.

se mostrou inexequível, diante da impossibilidade da prestação dos serviços; por exemplo, ou diante da função essencial que o referido sócio interditado representava para administração da sociedade. Ademais, se da interdição sobrevier conflito generalizado entre os demais sócios, impossibilitando a administração social e o exercício da atividade, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente. Também pode ser dissolvida judicialmente a sociedade que perdeu seu fundo social. Com efeito, o critério para determinar a inexequibilidade do fim social, por motivo interno da sociedade, é a sua inação administrativa: essa inação pode derivar do conflito entre os sócios, da desídia do administrador e representante social, da inação decorrente da perda do fundo social. Neste aspecto, o fundo social é critério que integra o conceito amplo de estabelecimento comercial. Assim como a sociedade pode ser dissolvida judicialmente pelo perecimento material de seu estabelecimento comercial, a sociedade poderá ser dissolvida pelo desaparecimento do fundo social, o que acarretará a inação econômica da sociedade, que é fruto da sua inação comercial. A inexequibilidade do fim social tem que ocorrer após o funcionamento da sociedade porque, de outro modo, a impossibilidade originária de consecução do objeto social seria causa de nulidade do contrato e não da dissolução da sociedade. Sociedade com objeto social impossível é sociedade inexistente, e o contrato é nulo de pleno direito. Porém, se o objeto social era lícito, mas por uma causa posterior (interna ou externa) a sociedade está impossibilitada de cumprir seu objeto social, ter-se-á dissolução por inexequibilidade do fim social, e qualquer sócio pode – e deve – requerer sua dissolução, abrindo a liquidação de seus ativos para pagamento aos credores, e o remanescente distribuído entre os sócios, se houver. É dever do sócio a apresentação do requerimento de dissolução da sociedade, nos casos expressos em lei e nos termos do contrato social. A nulidade do objeto social acarreta a nulidade do contrato social: não há sociedade em sentido amplo. A inexequibilidade do objeto social é manifestação posterior de uma situação fática ou jurídica que impede a continuação do funcionamento da sociedade, acarretando a sua dissolução, que pode ser feita judicialmente por requerimento de qualquer sócio.

222. Do art. 1.035 do Código Civil

O contato social pode estabelecer, expressamente, outras causas de dissolução da sociedade, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Nestes termos, a vontade da maioria do capital social não tem total coincidência com a vontade social, ou seja, os minoritários podem questionar judicialmente se, efetivamente, a causa da dissolução se manifestou ou se, por outro lado, a dissolução não seria obra da gatunagem dos majoritários, agindo com abuso de poder. A lei diz que a sociedade será dissolvida por deliberação majoritária: maioria absoluta (art. 1.033, III, C.C.), na sociedade por prazo indeterminado. Neste caso, ou seja, do art. 1.035 do Código Civil, deve ser ampla a produção probatória, com a finalidade de confirmar ou infirmar , definitivamente, se a causa dissolutória se efetivou perante os sócios. De uma forma ou de outra, as “outras causas de dissolução da sociedade” entram na categoria já aventada, ou seja, pelos casos clássicos de dissolução, ao passo que o contrato social determinará como causa de dissolução alguma situação jurídica ou de fato suficiente em dissolver totalmente a sociedade e não apenas parcialmente.

Com efeito, dentre algumas dessas “outras causas” de dissolução estão: a) falecimento de um ou mais sócios, determinando o contrato social que ocorrendo o evento do falecimento de qualquer dos sócios, a sociedade se dissolve totalmente e não parcialmente; b) que o descumprimento das obrigações e deveres sociais, bem como a interdição e a inabilitação de qualquer dos sócios acarretam a dissolução total da sociedade; c) que a falência de qualquer dos sócios acarreta a dissolução total; d) que o exercício do direito de um ou mais sócios também acarretaria a dissolução total da sociedade, nas sociedades por prazo indeterminado; e) que, se o capital social da sociedade estiver em determinado valor, a sociedade entrará em dissolução total. Todas essas hipóteses entram na mais ampla liberdade contratual dos sócios, e não podem ser anauladas sob qualquer fundamento: se os sócios ajustaram que o falecimento de qualquer deles acarreta a dissolução total da sociedade, não há herdeiro que conseguirá reverter essa vontade social, e muito menos uma indevida aplicação da lei poderia impedir a dissolução total da sociedade. As causas contratuais de dissolução obrigatória da sociedade operam imediatamente, ou seja, de pleno direito, sem a necessidade de deliberação social sobre a dissolução. A dissolução tem lugar imediatamente, de pleno direito, como manifestação da vontade social, inicialmente pactuada pelos sócios quando da constituição da sociedade. Como não há deliberação sobre essa dissolução, não há que falar em “oposição” do sócio dissidente contra a deliberação. Tal sócio deve, em ação própria, questionar a ocorrência da situação fática ou jurídica que acarretou a dissolução e obter uma sentença que comprove os seus fundamentos. Nessa ação o sócio dissidente deve obter liminar para suspender a liquidação dos ativos da sociedade. Com a suspensão da liquidação, terá lugar a comprovação ou não da situação que causou a dissolução. Se vencer a ação, terá direito a indenização contra os demais sócios, ainda que ultimada a liquidação dos ativos. As outras causas de dissolução, nos termos do art. 1.035 do Código Civil, são válidas, desde que não contrariem a ordem pública e não representem abuso da maioria do capital social sobre a minoria, situação essa que é específica do contrato de sociedades.

223. Dos efeitos da dissolução total da sociedade

Os efeitos da dissolução são de ordem interna e externa: acertam os sócios e os terceiros e a própria sociedade como entidade jurídica. A dissolução da sociedade é a dissolução do contrato social, porém a organização social continua, agora, para abrir o processo de liquidação dos ativos. O contrato social é um contrato de finalidade lucrativa: com sua dissolução, a sociedade está impedida de perseguir atividade lucrativa, e deve praticar atos com o objetivo de liquidar seu patrimônio. Com efeito, essa é a regra normativa: ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente (art. 1.036, C.C.). Portanto, com a dissolução do contrato de sociedade, desaparece a sua principal finalidade, ou seja, perseguir uma atividade lucrativa. Por isso, os sócios estão impedidos de entrar em novas operações, e devem restringir a gestão social aos negócios inadiáveis (por exemplo, recebimento de dívidas). A responsabilidade solidária e ilimitada é a consequência obrigacional do desaparecimento do contrato de sociedade, que dava ensejo e formava a entidade jurídica societária: assim, a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios pelas novas obrigações não é uma penalidade, mas uma consequência natural por assumirem essas obrigações em nome próprio e por conta própria. Aquele contrato desapareceu, tem a denominação de dissolução societária, quando o que se dissolve é o contrato social constitutivo da sociedade. Esse contrato não tem mais a qualidade de gerir a relação jurídica entre os sócios ou entre a sociedade e terceiros: ocorreu a sua dissolução (como se fosse a resolução nos contratos em geral). Portanto, a responsabilidade é solidária e ilimitada porque contratada pessoalmente. Contudo, o contrato social é um contrato de organização: após a dissolução a organização social tem uma única direção, qual seja, a liquidação. Então, do ponto de vista jurídico, a liquidação é a fase ativa da dissolução do contrato de sociedade. Assim, a sociedade que se encontra em liquidação significa dizer que essa sociedade está na fase de liquidação de seu contrato social: com efeito, esse contrato social repercute, diretamente, sobre terceiros, e por isso a liquidação se opera no interesse dos credores. A dissolução (resolução do contrato social) entra no interesse dos sócios, mas a liquidação desse contrato é feita no interesse dos credores. Somente pagos os credores, o remanescente será distribuído aos sócios, na condição de participação sobre o acervo do patrimônio da sociedade. O efeito tradicional será que na liquidação do contrato social somente podem ser praticados atos que importem proveitos para a própria liquidação e que não caracterizem novas operações sociais. Por exemplo, a venda do estoque aproveita a própria liquidação e não caracteriza novas operações. Evidente que os sócios podem, desde que pagos os credores, dividir os estoques entre eles mesmos, mas, nesse caso, será considerado saldo remanescente da liquidação e não patrimônio social, obviamente. O fator organizativo do contrato de sociedade tem na sua liquidação a confluência da fase ativa da dissolução e a resolução das relações jurídicas dos sócios entre eles e da sociedade e com os terceiros, antecedendo a sua definitiva extinção. Com efeito, a dissolução decorre da lei ou da vontade das partes: por conseguinte, a dissolução é materia eminentemente societária, correlacionada ao interesse da sociedade, na imensa maioria das vezes. A única exceção é a dissolução por cassação da autorização de funcionamento, que tem correlação com o interesse público. Todas as demais são medidas societárias, ou melhor, que revestem o interior da vida societária. A hipótese de posterior inexequibilidade do fim social decorre de fatores internos (societários) e externos, como efeitos naturais. A liquidação, de sua parte, será a parte na qual a dissolução do contrato acarretará efeitos sobre terceiros, com uma considerável modificação da situação jurídica dos sócios (agora com restritos poderes de administração), e que devem cumprir suas obrigações e deveres com a finalidade de liquidar o ativo social. Poder-se-ia dizer que a liquidação é a parte patrimonial da dissolução, ou seja, a liquidação do contrato de sociedade, tanto que ao final da liquidação é dever do liquidante prestar contas aos demais sócios. Na dissolução ocorre a resolução do feixe do contrato plurilateral como contrato de finalidade lucrativa, mas seus membros continuam sócios, tanto que podem reverter o curso da liquidação e reativar a sociedade. Somente após o encerramento da liquidação é que terá lugar a extinção da sociedade. Durante a liquidação permanece o perfil organizativo do contrato de sociedade, mas para fins não lucrativos; por isso mesmo que se encontra em liquidação. Após a dissolução do contrato de sociedade não tem lugar o direito de recesso ou a exclusão de sócio. O credor particular do sócio não pode pedir a liquidação da sua quota, mas deve esperar o término da liquidação da sociedade para fazer valer seu próprio direito: o credor particular do sócio não concorre com os credores da sociedade liquidanda. Tal credor particular deve exercer seu direito contra o patrimônio pessoal do sócio, finda a liquidação. Em relação aos administradores, após a dissolução, os atos administrativos podem ser praticados unicamente para conservação do patrimônio social, não caracterizando nova operação social. Desta feita, na liquidação, os bens sociais continuam formando um patrimônio social autônomo, sobre o qual os credores sociais serão satisfeitos, com a exclusão dos credores particulares dos sócios, que devem acioná-lo pessoalmente.

De outra parte, na liquidação os sócios são ainda administradores, mas administradores em sede liquidatária, e devem restringir a gestão social aos negócios inadiáveis (art. 1.036, C.C.), ultimando os negócios sociais pendentes ao momento da dissolução. Dentre os efeitos da dissolução está a nomeação do liquidante (órgão da sociedade em todas as operações necessárias à liquidação; os bens da sociedade continuam no patrimônio da sociedade, servindo de garantia primordial aos credores sociais; os credores conservam o direito de se pagarem sobre os bens sociais, excluídos os credores particulares dos sócios; a sociedade pode ser declarada falida; os sócios não podem administrar a sociedade).

224. Da liquidação e extinção da sociedade

Com efeito, ocorrida a dissolução, cumpre que os administradores providenciem imediatamente a investidura do liquidante e restrinjam a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente. Dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial (art. 1.036). Na liquidação somente podem ser praticados atos que aproveitem a liquidação e que não caracterizem novas operações. Assim, os administradores estão impedidos de assumir obrigações, negociar novos contratos, etc. A finalidade lucrativa do contrato social desaparece na liquidação, e, agora, a organização societária ainda vigente existe para ultimar as obrigações ainda pendentes, com a restrição da gestão aos negócios inadiáveis. Por negócios inadiáveis se entendem aqueles que já estavam em curso antes da dissolução e aqueles negócios necessários para efetivar a própria liquidação. Os negócios que já estavam em curso antes da dissolução devem ser ultimados, para fins de liquidação. Não raro são necessários meses ou anos para o término da liquidação das sociedades, principalmente na liquidação judicial, decorrente de conflitos societários. A intervenção judicial pode ter lugar, inclusive, nas liquidações amigáveis, como incidente, para decidir sobre a forma da partilha dos bens entre os sócios, observando os critérios da partilha judicial e equilibrando os interesses dos sócios. Neste caso, se o conflito entre os sócios é insanável, terá lugar o regramento processual da liquidação judicial das sociedades, notadamente no plano de partilha, nos termos dos artigos 664 e 665 do Código de Processo Civil de 1939, no que for cabível. Nos termos do art. 1.037 do Código Civil, ocorrendo a hipótese prevista no inciso V do art. 1.033, o Ministério Público, tão logo lhe comunique a autoridade competente, promoverá a liquidação judicial da sociedade, se os administradores não o tiverem feito nos trinta dias seguintes à perda da autorização ou se o sócio não houver exercido a faculdade assegurada no parágrafo único do artigo antecedente. Caso o Ministério Público não promova a liquidação judicial da sociedade nos quinze dias subsequentes ao recebimento da comunicação, a autoridade competente para conceder a autorização nomeará interventor com poderes para requerer a medida e administrar a sociedade até que seja nomeado o liquidante. A liquidação é a fase ativa da resolução do contrato de sociedade e tem por finalidade solver obrigações sociais e distribuir o remanescente entre os sócios. Neste passo, a liquidação envolve a resolução da parte patrimonial da sociedade, enquanto a dissolução resolve a parte societária do contrato societário plurilateral. Os efeitos provocados pela dissolução são vários: importa a abertura da liquidação; somente podem ser praticados atos liquidatários; restrição aos poderes de administração; direito de o sócio participar do acervo patrimonial da sociedade, ultimadas as dívidas sociais; elaboração do inventário de bens da sociedade, etc. O instrumento de dissolução não tem condição de contrariar a regra do contrato social sobre a forma de liquidação, salvo se os sócios assim deliberarem, por unanimidade. O contrato social é lei entre as partes, e sua alteração fica condicionada aos requisitos legais e formais. Salvo por unanimidade, o instrumento de deliberação da dissolução não poderá, portanto, estabelecer outra forma de liquidação daquela prevista no contrato social, e qualquer sócio poderá se insurgir contra esse instrumento, requerendo sua anulação. Se não estiver designado no contrato social, o liquidante será eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à sociedade. O liquidante pode ser destituído, a todo tempo: a) eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios; b) em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios, ocorrendo justa causa (art. 1.038). Entre os deveres do liquidante, elencados pela lei, estão: I – averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; II – arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; III –proceder, nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo; IV – ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; V – exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo -se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; VI – convocar assembléia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre ou sempre que necessário; VII – confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as

formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; VIII – finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais; IX – averbar a ata da reunião ou da assembléia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação (art. 1.103, C.C.). Em sentido jurídico o liquidante é administrador, ou seja, órgão: sua administração é liquidatária, e sua natureza jurídica é idêntica à do administrador de qualquer sociedade em funcionamento. Com efeito, o liquidante exerce a administração de um patrimônio em liquidação, fato esse que não lhe retira a qualidade jurídica de administrador de bens alheios, e por isso deve prestar contas da sua administração liquidatária aos demais sócios. A lei diz exatamente isso, ao determinar que: As obrigações e a responsabilidade do liquidante regem-se pelos preceitos peculiares aos dos administradores da sociedade liquidanda (art. 1.104, C.C.). Assim, tem-se sociedade liquidanda, ou seja, aquela que está em liquidação, ultimando seus negócios sociais, mas ainda persiste o vínculo entre os sócios de organização social, agora com finalidade diversa daquela lucrativa, vale dizer, como contrato de organização para fins de liquidação e resolução da parte patrimonial do contrato. O liquidante deve exercer suas atribuições e deveres com o fim de ultimar as obrigações: compete ao liquidante representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação. Esses são os atos negociais que entram na categoria de administração ordinária da liquidação: buscam liquidar o patrimônio e receber valores e bens em favor da sociedade liquidanda (art. 1.105, caput, C.C.). Por outro lado, existem os atos de administração extraordinária da liquidação, sobre os quais pesam inúmeras restrições: sem estar expressamente autorizado pelo contrato social ou pelo voto da maioria dos sócios, não pode o liquidante gravar de ônus reais os móveis e imóveis, contrair empréstimos, salvo quando indispensáveis ao pagamento de obrigações inadiáveis, nem prosseguir, embora para facilitar a liquidação, na atividade social (art. 1.105, parágrafo único, C.C.). O liquidante está impedido, em qualquer condição, de continuar na atividade social, ainda que para facilitar a liquidação. Não existe ressalva contra essa regra. Em nenhuma hipótese o liquidante poderá perseguir a atividade social da sociedade, sob qualquer pretexto, nem mesmo para facilitar a liquidação. Portanto, não é permitida a prática de novas operações sociais. Se o liquidante assumir novas obrigações, estará assumindo em nome próprio e por conta própria.1 Com efeito, novas operações são, portanto, aquelas que não têm lugar sobre a finalidade da liquidação, e, na verdade, são contrárias ao escopo de liquidação, e contraria essa finalidade toda e qualquer operação com finalidade lucrativa ou que persiga o objeto social. A proibição de cumpir novas operações se refere ao liquidante, o qual não tem competência orgânica para obrigar a sociedade, e, por isso, seus atos são assumidos por seu próprio risco, e deles a sociedade não responde. A responsabilidade do liquidante é pessoal e ilimitada, não obrigando a sociedade. Ademais, empréstimo ou constituição de garantia real poderá ser feito única e exclusivamente para o pagamento de credores, fato esse que entra na categoria de “obrigações inadiáveis”. Diante da impontualidade de qualquer obrigação, o liquidante, desde que autorizado pelo contrato social ou pela maioria dos sócios (absoluta), poderá tomar empréstimo para pagamento dos credores, evitando, assim, prejuízos ainda maiores à liquidação e, inclusive, a falência da sociedade. A liquidação opera no interesse dos credores: os artigos 1.106-1.108, dentre outros, comprovam que o interesse preponderante é o pagamento dos credores, e, satisfeitos esses, o remanescente é dividido entre os sócios, passando para a extinção da sociedade. Com efeito, nos termos da lei, respeitados os direitos dos credores preferenciais, pagará o liquidante as dívidas sociais proporcionalmente, sem distinção entre vencidas e vincendas, mas, em relação a estas, com desconto. Se o ativo for superior ao passivo, pode o liquidante, sob sua responsabilidade pessoal, pagar integralmente as dívidas vencidas. Os sócios podem resolver, por maioria de votos, antes de ultimada a liquidação, mas depois de pagos os credores, que o liquidante faça rateios por antecipação da partilha, à medida que se apurem os haveres sociais. Pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assembléia dos sócios para a prestação final de contas. Aprovadas as contas, encerrase a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembléia. O dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber.

Conforme o Codice Civile, art. 2.274, “avvenuto lo scioglimento della società, i soci amministratori conservano il potere di amministrare, limitatamente agli affari urgenti, fino a che siano presi i provvedimenti necessari per la liquidazione”. Com efeito, após a dissolução da sociedade, os sócios administradores conservam os poderes de administração, mas limitadamente aos negócios urgentes, até que sejam efetivados os procedimentos necessários da liquidação. A dissolução de uma sociedade não determina sua extinção imediata: essa continua existindo com a mesma individualidade, estrutura e organização, mas com restrição sobre a capacidade administrativa, que deriva da modificação do seu escopo, que não é mais o exercício de uma atividade econômica, mas aquele da sua liquidação, ultimando as relações de crédito e débito com os terceiros (Cass., civ., sez. II, 2 aprile 1999, n. 3221).2

1 “Nuova operazione è infatti ogni atto che trovi la sua ragion d’essere non nella finalità della liquidazione, ma nello svolgimento dell’attività speculativa, che già formava oggetto della società.” FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 255.

2 Cf. BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il codice civile, cit., p. 1.995.

A extinção da sociedade não é mero aspecto formal: a sociedade pode ser declarada extinta formalmente, mas, enquanto não liquidadas todas as suas obrigações e pesarem demandas judiciais contra a sociedade, essa sociedade não pode ser considerada, de pleno direito, extinta. A formalidade do arquivamento da liquidação não prevalece se ainda restarem dívidas em aberto e questionamentos judiciais. A sociedade será, de pleno direito, considerada extinta somente quando pagas todas as obrigações ou quando operarem prescrição e decadência. Os liquidantes não podem empreender novas operações sociais, sob pena de responderem solidária e ilimitadamente pelas obrigações assumidas (art. 2.279, Codice Civile). Entendem-se por novas operações aquelas que não se correlacionam com o escopo da liquidação e resolução das obrigações sociais ainda pendentes: a ratio da proibição de novas operações é impedir os liquidantes de prosseguir na atividade social, ficando autorizados somente os atos necessários para liquidar o patrimônio e aqueles resultantes do término da atividade social. A proibição imposta aos liquidantes de assumirem novas operações é uma verdadeira preclusão própria às pessoas jurídicas que operam através de seus órgãos administrativos: agindo, necessariamente, mediante seus órgãos, esses mesmos órgãos somente podem praticar aqueles atos que a lei e o contrato social consentem. Como no caso da liquidação esses órgãos estão impedidos de administrar a sociedade perseguindo a atividade social, nada mais lógico que a pessoa jurídica não possa mais assumir direitos e obrigações, que tem, agora, na pessoa do liquidante seu órgão de liquidação. Assim, como órgão da liquidação, o liquidante pode praticar somente os atos consentidos pela lei e pelo contrato social, ou seja, atos que não importem novas operações: e, ao contrário, é seu dever praticar atos de liquidação do patrimônio social e de resolução definitiva das obrigações sociais ainda pendentes, bem sabendo que ao liquidante é proibido realizar novo negócio jurídico em nome e por conta da sociedade no perseguimento de sua atividade social, ou seja, nova operação social (Cass. civ., sez. III, 18 maggio 1971, n. 1489). O liquidante é órgão da sociedade em liquidação: neste passo, pode praticar somente atos consentidos pela lei e pelo contrato social, sob pena de responsabilização pessoal. Essa limitação entra em duas categorias: a) os atos não podem caracterizar novas operações; b) os atos devem ser praticados observando os mesmos deveres dos administradores, quais sejam, boa-fé, lealdade e preservação da integridade patrimonial. Sobre a “preservação da integridade patrimonial” significa que o liquidante, ainda que tenha o dever de transformar em dinheiro os bens sociais, não pode praticar atos lesivos ao patrimônio da sociedade, dilapidando seus bens, de maneira culposa ou dolosa. O dever do liquidante será o de zelar pela integridade do patrimônio em liquidação, movendo as ações que julgar necessárias para a defesa do patrimônio da sociedade liquidanda; defendendo os bens sociais com as medidas judiciais ace rtadas; conservar os bens sociais e empregar toda a diligência possível evitando que esses bens se deteriorem ou pereçam; avaliar os bens para que alcancem o maior valor possível no caso de sua alienação, etc. Os atos praticados pelo liquidante caracterizando novas operações sociais entram na esfera de excesso de poder de representação e não acarretam efeitos contra a sociedade liquidanda; por isso, da responsabilidade pessoal. Na qualidade de órgão da sociedade liquidanda, o liquidante pode e tem competência somente para praticar os atos que são autorizados pela lei e pelo contrato social: todos os demais que importem atividade negocial são ineficazes em relação à sociedade liquidanda, por carência de poder (Cass. civ., sez. III, 17 novembre 1997, n. 11393). A liquidação, pelo menos sob o ponto de vista prático, opera em favor dos credores, e nessa direção é o que determina o art. 2.280 do Codice Civile, ao estabelecer que o liquidante não pode repartir entre os sócios, nem mesmo parcialmente, os bens sociais, até que estejam pagos os credores da sociedade ou não sejam provisionadas as somas necessárias para pagálos. Nas sociedades de responsabilidade ilimitada o liquidante pode exigir dos demais sócios que entrem com os valores necessários, observada a proporção de cada um nas perdas. Como explica FRANCESCO GALGANO, na liquidação os sócios permanecem vinculados entre eles pelo contrato da sociedade, porém esse vínculo contratual não mais tem o objetivo de exercício em comum de uma atividade econômica, assim como era prevista no contrato originário da sociedade. Com a liquidação, a sociedade perseguirá somente dentro do restrito âmbito da liquidação, ou seja, para a resolução das relações obrigacionais ainda pendente ao momento da dissolução e para a liquidação do patrimônio social entre os sócios. As novas operações efetuadas pelo liquidante são feitas ao seu próprio risco, e por elas a sociedade não responde, mas respondem, pessoal e solidariamente, os liquidantes. 1 Após a dissolução, como se disse, o patrimônio social não tem mais destinação ao exercício de uma atividade, e os administradores não podem administrar o patrimônio de tal forma que não seja para ultimar as obrigações ainda pendentes, ou seja, que se originaram antes da dissolução. Os administradores devem, neste passo, cumprir sua obrigação de conservação do patrimônio social, evitando o seu perecimento ou deterioração. Com efeito, os administradores e o liquidante estão impedidos de praticar novas operações, porque há presunção que essas novas operações, além de caracterizarem perseguimento da atividade social, tal fato colocaria a risco o patrimônio social, que é garantia dos credores, e o remanescente distribuído entre os sócios.

Observado o contrato social, os sócios têm ampla autonomia na forma de liquidação dos ativos sociais. O procedimento de liquidação é, na verdade, facultativo e opera no interesse dos sócios sob a forma de liquidação e no interesse dos credores na finalidade da liquidação e resolução das obrigações pendentes. Assim, é bem verdade que na liquidação tem-se formado um feixe

1 Trattato, cit., vol. XVIII, pp. 290/293.

de interesses dos sócios e dos credores, que representa a relação jurídica interna da sociedade e a relação jurídica externa da sociedade, decorrente da perspectiva plurilateral do contrato de sociedade, na confluência de interesses ao mesmo tempo convergentes e divergentes. As regras de liquidação, previstas pelo Código Civil, são derrogáveis por vontade das partes, ou seja, dos sócios: esses podem estabelecer com ampla liberdade e autonomia a forma de liquidação dos ativos da sociedade, e o liquidante tem amplos poderes para saldar as dívidas sociais. As modalidades de liquidação podem ser estabelecidas no contrato social ou ser determinadas de comum acordo entre os sócios, quando se verifica a dissolução consensual da sociedade. As normas em matéria de liquidação, sobre a modalidade de liquidação, têm, portanto, função supletiva e se aplicam somente na falta de uma solução societária. A única limitação imposta pela lei é a impossibilidade de eliminação da prerrogativa de participar sobre o acervo da sociedade, que é um direito essencial da qualidade e do status jurídico de sócio.1 Com efeito, a forma de liquidação prevista pelo Código Civil, artigos 1.102 e seguintes, dentre outros, tem aplicação somente se o contrato não estabelece outro modo de liquidação e se os sócios não estão de acordo sobre a respectiva forma de liquidação dos ativos. Portanto, a forma de liquidação entra na esfera de liberdade absoluta dos sócios, respeitados os direitos dos credores. Desta feita, a lei diz: dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução (art. 1.102, C.C.). Como já se disse, o próprio procedimento de liquidação é facultativo, desde que observadas as circunstâncias de cada caso.

Na administração da sociedade liquidanda, amplos são os poderes do liquidante, e como essa pessoa administra patrimônio alheio tem o dever de prestar contas: compete ao liquidante representar a sociedade e praticar todos os atos necessários à sua liquidação, inclusive alienar bens móveis ou imóveis, transigir, receber e dar quitação. Por conseguinte, é seu dever prestar contas: finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais. Ao passo que, pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assembléia dos sócios para a prestação final de contas. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembléia, nos termos dos artigos 1.108 e 1.109 do Código Civil. O liquidante deve, nos casos expressos em lei, confessar a falência da sociedade: a liquidação opera no interesse dos credores, enquanto instrumento e finalidade (art. 1.103, VII, C.C.). Aspecto fundamental da liquidação é que é dever do liquidante: exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente, conforme o art. 1.103, V, do Código Civil.2 Desta feita, o liquidante convocará o sócio de responsabilidade ilimitada para solver a obrigação social, que depois, nos termos do contrato e da solidariedade entre os sócios, terá direito de regresso contra os demais. Se o sócio ilimitadamente responsável não solver a obrigação, o liquidante pode confessar a falência da sociedade, o que, na sociedade em nome coletivo, acarretará a falência dos sócios. Nos termos interpretativos, os sócios devem nomear, por unanimidade ou maioria absoluta, o liquidante, que tanto pode ser sócio ou administrador. Se o contrato social estabelece que a nomeação do liquidante se perfaz por unanimidade, e não há acordo sobre a nomeação do liquidante, a liquidação será feita judicialmente, com a indicação de liquidante judicial. Na liquidação judicial, o liquidante seguirá a forma de liquidação prevista no contrato social, e, na sua falta, observará as regras previstas no Código Civil. A sua principal função será o pagamento dos credores e a liquidação do patrimônio imobilizado em numerário, para a sua respectiva distribuição entre os sócios, bem como da partilha aos sócios do excedente sobre o capital, conforme a participação de cada um deles na sociedade. Nos termos da lei, se não estiver designado no contrato social, o liquidante será eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à sociedade. O liquidante pode ser destituído, a todo tempo: a) se eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios; b) em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios, ocorrendo justa causa (art. 1.038, C.C.). Nos termos do art. 999 do Código Civil, o contrato social pode estabelecer que a nomeação do liquidante será decidida por maioria absoluta de votos. Se o contrato for silente, também terá vigência o sistema da maioria absoluta de votos porque a nomeação de liquidante não entra na esfera do art. 997 do Código Civil. Somente o contrato social pode estabelecer, expressamente, que a nomeação de liquidante se perfaz por unanimidade. A nomeação do liquidante é feita por deliberação dos sócios, por unanimidade ou maioria, conforme o que o contrato social dispor. Quando falta o consenso unânime dos sócios para a nomeação do liquidante, no caso de o contrato

1 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 253.

2 Nos mesmos termos, o art. 2.280 do Codice Civile: “Se i fondi disponibili risultano insufficienti per il pagamento dei debiti sociali, i liquidatori possono chiedere ai soci i versamenti ancora dovuti sulle rispettive quote e, se ocorre, le somme necessarie, nei limiti della rispettiva responsabilità e in proporzione della parte di ciascuno nelle perdite. Nella stessa proporzione si ripartisce tra i soci il debito del socio insolvente”.

estabelecer, expressamente, que essa nomeação se faz por unanimidade, a referida indicação do liquidante se faz judicialmente.1 Ao liquidante os administradores devem entregar os bens sociais e os documentos da sociedade, bem como as contas sobre a gestão social do último exercício social. Os administradores e liquidantes devem, conjuntamente, levantar o balanço da sociedade e o inventário de bens, dos quais resultará o estado do ativo e do passivo do patrimônio social (art. 1.103, III, C.C.). O liquidante pode ser destituído das suas funções a qualquer momento: os sócios podem aprovar a destituição, por unanimidade. Qualquer sócio pode requerer judicialmente a destituição, desde que por justa causa (atos culposos, dolosos, corrupção, contrários à liquidação, prática de novas operações, inabilitação, interdição, etc). Qualquer sócio pode mover, contra o liquidante excluído, ação de indenização pelos danos causados contra a sociedade. Quanto ao processo de liquidação e extinção de sociedades, sejam sociedade de pessoas ou de capitais, elas não podem ser consideradas extintas até que não ocorra o pagamento de todos os credores, até porque, diz a lei, não é admissível a repartição do patrimônio social entre os sócios se os credores sociais ainda não foram integralmente pagos (art. 1.108, C.C.). Portanto, somente poderá ser partilhado o ativo, depois de pagos integralmente os credores: se os credores sociais não foram pagos, a sociedade não pode ser extinta, para todos os efeitos. Se, por formalidade burocrática, os sócios conseguiram o seu registro de extinção, compete aos credores sociais acionar os sócios individualmente para o pagamento dos seus créditos, promovendo contra o liquidante as perdas e danos cabíveis (art. 1.110, C.C.). A extinção da sociedade significa o desaparecimento da autonomia do patrimônio social em relação ao patrimônio individual dos sócios: desta feita, os sócios respondem em relação aos credores pelas dívidas sociais não pagas, para que se evite o enriquecimento sem causa. Os sócios não podem enriquecer com o empobrecimento dos credores, no caso de partilharem os bens sociais: agora, com o encerramento da liquidação e a extinção da sociedade, desaparece a autonomia patrimonial entre o patrimônio social e o patrimônio individual do sócio, o que enseja a sua responsabilidade pelas dívidas sociais. Com isso, impede-se que o sócio enriqueça – sem causa – por receber o patrimônio social, ocasionando o empobrecimento do credor. Não há causa jurídica que fundamente esse enriquecimento: por conseguinte, o credor pode acionar judicialmente o sócio para que pague a obrigação que lhe é devida, sob pena de enriquecimento sem causa. Se o sócio receber o patrimônio social, a título de partilha ou reembolso da sua contribuição social, sem que no curso da liquidação sejam pagas todas as obrigações sociais, experimentará enriquecimento sem causa, empobrecendo o credor. É evidente que o ordenamento jurídico não aceita essa forma de enriquecimento, que seria fruto da gatunagem. Portanto, a medida de responsabilização individual do sócio pelas dívidas não pagas na liquidação tem lugar para coibir a fraude contra credores praticada em sede de liquidação de sociedade.

A lei andou muito bem nessa direção, determinando: aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir (artigos 884 e 885, C.C.). Com efeito, os gatunos que aprovarem a dissolução e liquidação em ato único, partilhando os ativos, com os devidos registros, conseguindo a extinção da sociedade, serão responsabilizados, individualmente, pelas dívidas sociais pendentes ao momento da dissolução que não foram pagas no curso da liquidação da sociedade. Essa interpretação observa, com exatidão e correção, os preceitos normativos vigentes, dentre eles, os artigos 884-886 e 1.110 do Código Civil. Desde que o liquidante observe os regramentos da liquidação e não contrarie a ordem pública e os direitos dos credores, a liquidação importará a regular extinção da sociedade. Pagos todos os credores, o ativo remanescente deverá ser destinado ao reembolso das contribuições sociais feitas pelos sócios quando da sua entrada na sociedade. Os bens, portanto, serão repartidos entre os sócios, na qualidade de condomínio ou divisão in natura. O excedente, ou seja, aquilo que excede o conceito contábil de contribuição social, também será dividido, da mesma forma, entre os sócios, observando a proporção da participação de cada um deles na sociedade e nos lucros: esse sobrevalor sobre o capital, quando da liquidação, entra na mesma categoria de lucros, que observará a sua divisão conforme a participação de cada um dos sócios na sociedade e nos próprios lucros. Os bens são avaliados, para fins de reembolso aos sócios, na data da aprovação da dissolução. Em termos procedimentais, após a dissolução o liquidante deve estabelecer e efetuar as seguintes situações e condições jurídicas: a) inventariar os bens da sociedade; b) pagar os débitos sociais; c) realizar as restituições das contribuições sociais aos sócios; d) distribuir o excedente sobre o capital, na mesma proporção de participação de cada sócio. Com efeito, e nos termos que entram na qualidade de deveres impositivos, os liquidantes não podem, em hipótese alguma, repartir entre os sócios os bens sociais até que todos os credores sejam pagos. O descumprimento dessa regra acarreta responsabilidade contra o liquidante, no caso de não restarem valores suficientes ao pagamento dos referidos credores, ou seja, aqueles com crédito pendente no momento da dissolução. Ainda que a liquidação, no seu aspecto intrínseco, não seja feita no interesse dos credores, é evidente que a regulação dos interesses dos credores, conquanto no processo de liquidação, deve ser levada em consideração, sob pena de manifesto prejuízo ao terceiro de boa-fé.

1 BRUNETTI, Antonio, Trattato, cit., vol. I, p. 426.

Na liquidação da sociedade, o sócio que conferiu bem em usufruto a favor da sociedade tem direito de receber o referido bem no mesmo estado em que se encontrava quando do conferimento: se o bem se perdeu ou se deteriorou por culpa ou dolo dos administradores, o sócio tem direito ao ressarcimento do dano contra a sociedade, acrescida da ação contra o administrador faltoso. Os administradores, na sociedade de pessoas e também na sociedade limitada, têm a mesma responsabilidade estabelecida contra os administradores das sociedades anônimas, por atos culposos ou dolosos, e devem indenizar os prejuízos causados, entre eles, sobre os bens conferidos pelos sócios (artigos 2.281 e 2.395, Codice Civile).1 No caso da liquidação judicial, será observado o regramento da lei processual. Com efeito, isso significa que têm aplicação os artigos 655 e seguintes do Código de Processo Civil de 1939. Nos termos da lei, o liquidante deverá: I – levantar o inventário dos bens e fazer o balanço da sociedade, nos quinze dias seguintes à nomeação, prazo que o juiz poderá prorrogar por motivo justo; II – promover a cobrança das dívidas ativas e pagar as passivas, certas e exigíveis, reclamando dos sócios, na proporção de suas quotas na sociedade, os fundos necessários, quando insuficientes os da caixa; III – vender, com autorização do juiz, os bens de fácil deterioração ou de guarda dispendiosa, e os indispensáveis para os encargos da liquidação, quando se recusarem os sócios a suprir os fundos necessários; IV – praticar os atos necessários para assegurar os direitos da sociedade e representá-la ativa e passivamente nas ações que interessarem à liquidação, podendo contratar advogados e empregados com autorização do juiz e ouvidos os sócios; V – apresentar, mensalmente, ou sempre que o juiz o determinar, balancete da liquidação; VI – propor a forma da divisão, ou partilha, ou do pagamento dos sócios, quando ultimada a liquidação, apresentando o relatório dos atos e operações que houver praticado; VII – prestar contas de sua gestão, quando terminados os trabalhos ou destituído das funções. Com efeito, os liquidantes serão destituídos pelo juiz, ex officio, ou a requerimento de qualquer interessado, se faltarem ao cumprimento do dever, retardarem injustificadamente o andamento do processo, procederem com dolo ou má-fé ou tiverem interesse contrário ao da liquidação (art. 661, C.P.C. de 1939). Como a liquidação é judicial e, por conseguinte, contenciosa, o liquidante será sempre pessoa estranha à sociedade. Por isso, o liquidante tem direito a remuneração, que se realiza nos termos do art. 667 do Código de Processo Civil de 1939, determinando que: Ao liquidante estranho o juiz arbitrará a comissão de um a cinco por cento sobre o ativo líquido, atendendo à importância do acervo social e ao trabalho da liquidação. Na liquidação judicial é ampla a produção probatória sobre a avaliação dos bens conferidos e da escrituração contábil. Na defesa dos interesses em questão e se houver fundado receio de rixa, crime, extravio ou danificação de bens sociais, o juiz poderá, a requerimento do interessado, decretar o seqüestro daqueles bens e nomear depositário idôneo para administrálos, até nomeação do liquidante (art. 659, C.P.C. de 1939). Com efeito, os sócios podem impugnar os termos do inventário, dos balanços, das avaliações de bens, das perícias contábeis e a forma de partilha dos bens. Caberá ao magistrado decidir, aceitando ou não as alegações das partes, decidindo sobre elas e mandando liquidar a sentença, conforme o caso (art. 673, C.P.C. de 1939). O regramento do Código de Processo Civil de 1939, no capítulo da dissolução e liquidação de sociedades, deve ser interpretado em consonância com o atual Código de Processo e da Constituição Federal de 1988, com ampla produção probatória em favor das partes, sabendo que a liquidação da sentença, bastante comum nesses processos, será feita nos termos da atual legislação adjetiva, bem como sua execução. Depois de ultimadas todas as obrigações e finda a liquidação, proceder-se-á ao registro para a extinção da sociedade. A sociedade somente finda com a extinção, jamais com a sua dissolução, ou mesmo com a liquidação, até porque a liquidação, conforme o caso, é facultativa. A liquidação não é operação essencial, conquanto seja, em regra, necessária. Por sua vez, a liquidação não é necessária quando: a) a sociedade não tem passivo e o ativo se acha em dinheiro ou bens in natura, que podem ser partilhados entre os sócios; b) se no contrato social se estabelece que os sócios entrarão, imediatamente, com as quantias necessárias para solver o passivo, ficando a cargo de um deles o estabelecimento da empresa, com a obrigação de embolsar a quota dos outros sócios, conforme o último balanço; c) se se ajusta entre os sócios ou com outros nova sociedade sucessora, assumindo as responsabilidades do ativo e passivo que se extingue; d) com a alienação de todo o ativo – mas, em todos os casos, os direitos dos credores estão sempre ressalvados, não podendo ser prejudicados ou lesados.2 Na lição de WALDIRIO BULGARELLI , após o encerramento da liquidação, e desde que aprovadas as contas do liquidante, a sociedade pode ser extinta: ter-se-á, então, o arquivamento no Registro das Empresas do requerimento de extinção da sociedade. Esse requerimento deve ser fundamentado em várias certidões, entre elas, a de quitação de tributos, contribuição social e taxas devidas. Com a extinção da sociedade desaparece a sua personalidade jurídica.3

Desta feita, “liquidada a sociedade, extingue-se a firma e cancela-se a sua inscrição”.4

1 Cass., civ., sez. I, 28 marzo 1996, n. 2846; cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.997.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p.. 236/237.

3 Sociedades comerciais, cit., p. 229.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 229.

Com a resolução das dívidas sociais a liquidação pode ser encerrada, e o liquidante deve prestar as contas da liquidação, requerendo a extinção da sociedade, nos termos da lei. Aprovado o balanço, a sociedade entra no processo de extinção, que fica condicionado ao arquivamento no Registro das Empresas do requerimento de extinção da sociedade. Ou seja, há o cancelamento do registro da sociedade, o que não impediria a sua falência, assim como, acertadamente, estabelece o art. 10 da legislação falimentar italiana.

O referido art. 10 da lei falimentar italiana estabelece, expressamente, que “gli imprenditori individuali e collettivi possono essere dichiarati falliti entro un anno della cancellazione dal registro delle imprese, se l’insolvenza si è manifestata anteriormente alla medesima o entro l’anno successivo”, e nos termos da alteração de 9 de janeiro de 2006, Decreto legislativo nº 5. Com efeito, os empresários individuais ou coletivos (sociedades) podem ser declarados falidos em até um ato após a extinção da sociedade, desde que a “insolvência” tenha se manifestado anteriormente ou em até um ano após a extinção da sociedade.

Portanto, a sociedade pode ser declarada falida, nos termos da legislação italiana, até um ano após a sua extinção, o que serve como instrumento para evitar a fraude contra credores. Essa jurisprudência é pacífica na Itália e decorre da famosa sentenza nº 319 de 2000 da Corte Constitucional. Da mesma forma, julgado da Cassazione, em que o prazo anual para declaração da falência decorre da extinção da sociedade,1 em brilhante decisão.

A decretação da falência após a extinção formal da sociedade, desde que impontual antes da dissolução ou durante a liquidação, é medida moralizadora e justa que evita a fraude contra os credores. Neste caso, a falência será decisiva para o recebimento dos credores sociais, notadamente nas sociedades de responsabilidade ilimitada e contra os sócios que fraudaram os credores, no processo de liquidação da sociedade.

Capítulo VI

DA SOCIEDADE EM NOME COLETIVO

225. Definição da sociedade em nome coletivo

O Código Civil não definiu esse tipo societário. O antigo Código Comercial assim o definiu textualmente: “Existe sociedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum, debaixo de firma social”, conforme art. 315. A definição não era das melhores, e mereceu crítica, acertada, de CARVALHO DE MENDONÇA: Em primeiro lugar, a referida definição aplica-se, igualmente, às sociedades em comandita, quando duas ou mais pessoas se unem, formando uma sociedade para exercer comércio debaixo de firma social; em segundo lugar, o Código estabelecia sinonímia entre sociedade em nome coletivo e sociedade com firma, o que não é exato, porquanto as comanditas simples ou por ações também têm firma; acresce que a firma social não é da essência da sociedade em nome coletivo, conquanto seja da sua natureza. 2 A sociedade em nome coletivo é inscrita no Registro, é uma sociedade regular, sujeito de direito.3 Como diz WALDIRIO BULGARELLI , a sociedade em nome coletivo é típica sociedade de pessoas, predominando, em termo acentuado, o intuitus personae.

4 É uma sociedade de cunho exclusivamente familiar. A sua origem, nas belíssimas cidades italianas, isto comprova. É da regra da sociedade em nome coletivo que todo sócio é gerente.

1 Cass., 8 novembre 2002, n. 15677; cf., CARINGELLA, Francesco e MARZO, Giuseppe De. Leggi complementari al codice civile, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 2007, pp. 1.695/1.696.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 693, p. 153.

3 “La société en nom collectif est celle que forment sous une raison sociale deux ou plusieurs personnes, qui répondent solidairement et indéfiniment de tout le passif social”. RYN, Jean Van. Principes, cit., Tomo I, p. 286.

4 Sociedades comerciais, cit., p. 45.

O Codice Civile não definiu a sociedade em nome coletivo, até porque não é função do legislador definir institutos jurídicos, estipulando apenas que nella società in nome colletivo tutti i soci rispondono solidalmente e illimitatamente per le obligazioni sociali, em seu art. 2.291.

A ênfase, como é claro, é feita sobre a responsabilidade dos sócios, característico maior desse tipo societário. Não há no ordenamento jurídico societário uma sociedade em que a responsabilidade dos sócios seja tão ampla, irrestrita e solidária pelas obrigações sociais quanto a sociedade em nome coletivo. A falência da sociedade arrasta os sócios ao mesmo destino.1

226. Da sua origem histórica

Não advém do Direito Romano, mas da economia medieval familiar, quando integrantes de uma mesma família, reunidos em sua casa, por vínculos de confiança e affectio societatis, assumiam uma empresa comum, todos com poderes de gerência. Com efeito, a sociedade coletiva se diferencia totalmente das sociedades civis, de figura histórica (romana), porque “la società colletiva è natta nel medioevo, in altro ambiente e in una diversa economia sociale”.2

Nasceu a sociedade em nome coletivo na Itália, por injunções dos interesses econômicos familiares, muito mais do que como prolongamento ou transformação da societas romana. Compôs-se originalmente entres os membros de uma mesma família, in domo sua, entre os que sentavam ao redor da mesma mesa e comiam do mesmo pão, homines in una domo qui comedunt eundem panem, de onde a companhia. Resultou disso chamar-se a sede do estabelecimento de casa, por igual designativa da própria sociedade3 , casa comercial. A societas romana nunca conseguiu desenvolver a força propulsora na economia do tráfico mercantil porque somente regulava as relações internas dos sócios dentro da sociedade. Somente a sociedade em nome coletivo que floresce na Idade Média, com seu exercício sob uma razão social, conseguiu favorecer o desenvolvimento nas relações externas perante terceiros. A sociedade nasceu, viveu e prosperou como empresa coletiva e sobre a organização de uma vontade comum em seu patrimônio, enquanto na societas romana os sócios entravam em copropriedade sobre bens comuns. A história da sociedade em nome coletivo é, portanto, a história da organização do patrimônio conferido na destinação de um fim comum e unificado sob uma razão social.

Como diz GALGANO,

“la società in nome collettivo – che rappresenta, storicamente, il prototipo delle società di persone – è nata nel tardo Medioevo, agli albori del capitalismo: essa há mutato nome nel corso del tempo (la sua denominazione originaria era “compagnia”); ma la sua struttura giuridica è rimasta, da allora, pressoché immutata”.4

A sociedade em nome coletivo é a figura mais notável e completa da empresa social; surgiu na Itália em plena Idade Média com estrutura e função diversa da societas romana e de outras formas associativas bem conhecidas, quais sejam: a commenda, a collegantia ou da participação. Era composta, na sua formação, dos membros da mesma familha, que sedevano allo stesso desço e mangiavano lo stesso pane – por isso o nome di compagnia – da cum-panis; stare, habitare, vivere ad unum panem et vinum. As relações comerciais destas famílias se estendiam por vários países, e foram adquirindo notoriedade com as matrículas nas gloriosas corporações de mercados, onde se anotavam os nomes de todos os sócios e pactos que os disciplinavam, dando em tal modo e origem o desenvolvimento daquilo que se denominou “razão social”, sob a qual a empresa pode ter uma precisa individualização, alimentando o princípio da separação e autonomia entre o patrimônio investido na especulação mercantil e o patrimônio privado dos sócios.5 A partir dessa socidade, nascida nas famílias de comerciantes de Firenze, a sociedade em nome coletivo se destaca completamente das figuras de direito comum, civilista, fragmentário do direito romano.

1 “Sendo patrimônio diverso o da sociedade e o dos sócios, estes gozam o beneficium ordinis et excussionis, se o credor executa primeiro os seus bens, salvo no caso de falência da sociedade, que acarreta os dos sócios de responsabilidade ilimitada”. MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 724, p. 171.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 26/27.

3 FERREIRA, Waldemar. Instituições, vol. I, t. II, n. 372, p. 544.

4 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 73.

5 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, pp. 437/438.

227. Da esplêndida cidade de Firenze como fonte histórica da sociedade em nome coletivo

A região da Toscana é sem dúvida o local onde a sociedade em nome coletivo se formou como fruto da riqueza da cidade de Firenze e que teve seu apogeu em todos os níveis, desde o comercial, político, das finanças, na arquitetura, etc. Da sua origem familiar a sociedade em nome coletivo conservou o caráter de vínculo jurídico fundado sobre a recíproca confiança, solidariedade e responsabilidade ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais e a regra de que as quotas são inalienáveis.

Conforme A. SCIALOJA, a cidade de Firenze é a pátria natural da sociedade coletiva (chamada simplesmente de “sociedade” ou mais frequentemente “companhia”), e que representou uma criação genial do espírito industrial e mercantil fiorentino, ao passo que permitiu que as pequenas indústrias medievais pudessem adquirir uma importância notável, e, ademais, a sociedade coletiva surgiu na Itália antes que em qualquer outro lugar pela mesma razão que foi na Itália que se originaram quase todos os institutos jurídicos mercantins, ou seja, a Itália teve a primazia de criar esses institutos pela genialidade de seus comerciantes, pela sua importância mercantil, pelo desenvolvimento das suas instituições, ou seja, por ser um lugar em plena expansão e efervescência política, cultural, musical e, certamente, jurídica. Os outros países da época tiveram que importar toda essa belíssima criação colocada a efeito pelos fiorentinos e por toda Itália, e o sul da França era repleto de comerciantes e companhias italianas.1 No desempenhar esse papel de supremacia comercial muito se deve a Firenze, naquela cidade que foi um verdadeiro divisor de águas na história ocidental.

228. Da riquíssima cultura jurídica europeia

O direito romano2 não prescrevia, em regras claras, os ditames que deveriam ser seguidos na disciplina das sociedades mercantis da Alta Idade Média: quidquid non agnoscit glossa, non agnoscit curia. Por isso, o trabalho incansável dos inigualáveis

CINO DI PISTOIA (1270-1336), BARTOLO DE SASSOFERRATO (1314-1357) E BALDO DE UBALDIS (1327-1400) alterou por completo a estrutura jurídica da época, sua aplicação, as regras dos estatutos e sua interpretação, formando e contribuindo para a noção de conjunto da cultura européia.3 Então, “fala-se frequentemente do precoce florescimento econômico e político das cidades do norte da Itália (entre as quais Bolonha era uma das mais ricas e movimentadas). Isso não deve, no entanto, ser entendido como se o movimento comercial, o desenvolvimento artesanal e a crescente economia monetária da Lombardia e da Emília pudessem ter, como tal, conduzido diretamente a um processo cultural como a criação de uma ciência jurídica. A vida econômica não teria precisado do direito romano (como se prova pelo exemplo ao tempo das também florescentes cidades da Flandres). Aí, não vigorou a ordem jurídica justiniana, mas o direito consuetudinário e os estatutos, que provinham do direito vulgar da alta Idade Média e do direito longobardo. A obra clássica de Justiniano era mesmo muito pouco propícia para as necessidades do direito das sociedades. Do direito da propriedade imobiliária para o sistema creditício e para o direito patrimonial da família”.4

A participatio teve desenvolvimento largo em vista de limitar a responsabilidade dos nela participantes, fator econômico e principal de seu sucesso, idêntico ao de sua irmã gêmea – a comandita. Contribuiu, decisivamente, para multiplicar o dinheiro, sem incidir na censura das leis canônicas contra a usura – jamais se reputou a commenda contrato usurário.5 Por conseguinte, foi nesse momento histórico, de ampla transformação econômica e social, que a sociedade coletiva encontra plena aceitação, como forma jurídica nova, ampliando os negócios dos mercadores, e recebendo a sua respectiva

1 cf., BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, pp. 438/439.

2 Na época clássica romana o instituto das sociedades mercantis se representava já acrescido de vários fatores, mas ainda distante daquilo que se constatava nos séculos XI e seguintes nas cidades medievais italianas. Conquanto distante, é imprescindível ver que, nas palavras do inigualável PIETRO BONFANTE, “la società è un contratto consensuale, per cui due o più persone si obbligano reciprocamente a mettere insieme delle cose o delle opere per conseguire un fine lecito e di comune utilità. L’intenzione sociale dicesi affectio societatis o animus coeundae societatis. La società giustinianea à uma fusione di diversi istituti, nelle origini loro e nelle fasi storiche nettamente distinti: la societas omnium bonorum, la quale trae origine dall’antico consorzio agnatizio dei filii familias, che si mantenevano uniti alla morte del pater famílias, la politio, contratto col politor o agronomo, chiamato a dirigere la cultura di un fondo e partecipare a una quota del profitto, la societas quaestuaria o mercantile, avente scopo di lucro, introdotta probabilmente nell’epoca del jus gentium sotto l’influenza greca”. Instituzione di diritto romano, cit., p. 495-496. Fica, portanto, evidente a influência grega, já na época de jus gentium, na formação daquilo que poderia ser conhecida como sociedade mercantil, ou seja, societates quaestuariae.

3 Sobre esse tema, consultar FRANZ WIEACKER, História do direito privado moderno, pp. 82/87, 93 e 135.

4 WIEACKER, Franz. História do direito privado moderno, cit., p. 40.

5 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 631.

disciplina nos estatutos comerciais das cidades medievais, e na inscrição dos comerciantes nas corporações dos ofícios mercantis.

229. Da sociedade em nome coletivo como organização familiar e interesse lucrativo

A correlação entre a sociedade em nome coletivo com a estrutura familiar medieval é absoluta. E conforme WALDIRIO BULGARELLI , a sociedade em nome coletivo foi formada no comércio medieval das cidades italianas, serviu a sociedade em nome coletivo como uma espécie de modelo geral das sociedades comerciais, isso pela existência de somente um tipo de sócios, com a sua responsabilidade solidária e ilimitada perfeitamente determinada pela prática e pelas leis.1 Desde o início da formação da sociedade em nome coletivo, o característico organizacional-familiar se manifesta decisivamente, quando a confiança nos negócios decorre da própria ligação do sangue daquelas pessoas, que viram no comércio fonte de riqueza, alcançando esse tipo societário sucesso incomensurável na história. Foi, via sociedade em nome coletivo, que os comerciantes, então reunidos por vínculos societários, fizeram prosperar seus usos, suas leis, costumes comerciais, registros cabíveis, corporações de ofícios, etc., fazendo nascer o direito das sociedades como direito especial, em regrar suas relações jurídicas. A imensa maioria da riqueza e do poder na baixa Idade Média foi alcançada com esse tipo societário, que alterou, inclusive, a moral e a ética. Não se pode olvidar que o comércio era, naqueles tempos, atividade vil, quase que relegada. Foi o trabalho incansável dessas pessoas que fez alterar, em grande parte, a própria formação sociológica daqueles tempos, abrindo espaço, sob os poderes constituídos, da nova figura, qual seja, do comerciante, do sócio, frente ao sistema de poder, como a Igreja e os proprietários. A riqueza proveniente da empresa em nome coletivo fez por alterar profundamente regras estamentais, e eclodindo sobre o direito comum. A partir dessa época temos direito especial.

Na esteira de VIVANTE, conta WALDEMAR FERREIRA , que “as dificuldades das partilhas das heranças in natura persuadiram os irmãos a continuar sob o mesmo teto, e nesta comunidade de casa se têm os primeiros sinais da sociedade comercial de responsabilidade ilimitada”.2

Quando do florescimento dessas casas em grande companhias, registradas nas corporações de ofícios, fazendo nascer o direito estatutário das cidades medievais italianas, alargando seu campo de atuação, nas lojas, negócios, empresas industriais, casas bancárias, comércio internacional, se erigiu a estrutura contratual das sociedades em nome coletivo como elemento essencial no desenvolvimento do tráfico mercantil, do direito cambiário,3 na figura do comerciante e do comércio, raiz da riqueza daqueles tempos maravilhosos.

230. Da noção clássica da sociedade em nome coletivo

Com efeito, a sociedade em nome coletivo, típica sociedade comercial de pessoas, é sem dúvida a forma de sociedade mais antiga que existe. É uma sociedade de pessoas, na qual a qualidade dos sócios tem uma importância primordial para sua constituição, respondendo todos os sócios ilimitadamente pelas dívidas sociais. Segundo o entendimento de MICHEL JEANTIN, as principais características da sociedade em nome coletivo são: é uma sociedade eminentemente comercial; todos os sócios têm a qualidade de comerciantes; todos respondem pelas dívidas sociais, responsabilidade solidária e integral, asseverando que “les associés ont tous la qualitè de commerçants; leur responsabilité est illimitée et solidaire; l avie sociale est tout conditionnée par le maintien des qualités personnelles de chaque associe”.4

A sociedade em nome coletivo pode ser definida como aquela sociedade de pessoas que exerce uma atividade empresarial sob uma razão social, na qual (razão social) todos os sócios são responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.5

1 Sociedades comerciais, cit., pp. 45-46.

2 Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 545.

3 “O direito cambiário é, por sua origem e por seus elementos hodiernos, diferenciação interna do direito comercial, – portanto, parte especial desse. O fato de pertencer a tal ramo do direito interno, ainda que objeto de leis especiais, quiçá redigidas com outros propósitos que os propósitos da legislação comum, é de certa importância para se saber quais são os princípios gerais a que se há de recorrer para se lhe preencherem as lacunas e qual a ordem das fontes, se as leis cambiárias não trataram disso”. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito cambiário, São Paulo, Max Limonad, 1954, 2ª ed., vol. I, p. 41.

4 Droit des sociétés, cit., pp. 205/206.

5 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 449.

Ainda conforme MICHEL JEANTIN, na esteira do direito societário francês, todos os sócios de uma sociedade em nome coletivo têm a qualidade de comerciante, e, por isso mesmo, um menor ou um maior sob tutela, não podem fazer parte de uma sociedade em nome coletivo. Da mesma forma, não pode vir a participar como sócio de uma sociedade em nome coletivo aquela pessoa que tem alguma incompatibilidade para o exercício da profissão de comerciante, inclusive no caso de estrangeiros, que devem possuir uma inscrição como comerciante nos seus países, de maneira semelhante. A sociedade em nome coletivo, assim como seus sócios, tem idêntico direito ao processo de redressement ou de liquidation judiciaires.

1 Assim o fato de integrar uma sociedade em nome coletivo faz do sócio um comerciante, tudo conforme o direito francês, e na lição de MICHEL JEANTIN. A sociedade em nome coletivo ocupa, no sistema jurídico das sociedades empresárias, a posição de tipo genérico, ao passo que quando duas ou mais pessoas exercem em comum uma atividade empresarial, com o objetivo de dividir entre elas o lucro, e não adotaram nenhuma outra forma de sociedade, a relação social será, sem dúvida, de natureza coletiva, vale dizer, de sociedade em nome coletivo. Na sociedade em nome coletivo qualquer pacto de limitação de responsabilidade não tem efeito perante terceiros.2 Nos termos do art. 2.291 do Codice Civile, o pacto de limitação de responsabilidade ou de exclusão de solidariedade não tem efeito em relação aos terceiros, mas pode ser praticado e tem validade entre os sócios unicamente.

231. De algumas das principais características da sociedade coletiva

Não pode persistir confusão entre dois pontos que são profundamente distantes: um é o fato que a sociedade coletiva tem origem familiar; outro é que não se pode ver nesse fato a sua natureza jurídica, ou seja, ela não é apenas uma “comunhão familiar” sobre interesses comuns. Nada disso. A empresa coletiva feita pela via da sociedade em nome coletivo é a origem do próprio direito societário sob o ponto de vista que nela, ou seja, na sociedade, estão presentes os seguintes caracteres fundamentais: a) tem escopo lucrativo que é a sua força propulsora; b) regime de responsabilidade solidária de todos os seus membros; c) exercício da empresa sob um próprio nome. De uma solidariedade dos sócios pelas obrigações sociais não existia vestígio nas sociedades romanas, quando nem o mandatário podia contratar pelos outros a não ser em nome próprio, nem, portanto, prometer pela sociedade.3 A razão social é a essência da sociedade coletiva. É a sua alma. A sociedade se obriga pelo uso da firma social. Essa situação foi uma criação genial. O direito comum, romano, nunca havia previsto coisa do gênero. Os mercadores se reuniram e formaram suas corporações, registraram suas firmas sociais, passaram a assumir obrigações em nome e por conta de uma sociedade, e sua responsabilidade ilimitada e solidária funcionava como verdadeira garantia aos credores. O passo histórico foi fenomenal e o direito societário encontrou lá seus dias mais fundamentais. A razão social, no uso da firma, liberou os comerciantes nas questões pessoais, na confluência dos seus interesses, ao passo que a firma separava, claramente, o patrimônio investido no tráfico mercantil e aquele da família.

Na verdade, a sociedade coletiva é a antítese da “comunhão familiar” ao se deparar com uma figura dessa grandeza, vale dizer, o fato de criar uma entidade jurídica distinta da figura dos seus sócios, na formação do capital e nas obrigações. Os comerciantes reunidos na figura social celebravam contrato social, dirimindo as questões tipicamente societárias, em nada correlacionadas com os afazeres da família, que passa a ter conotação própria. Em relação aos terceiros, quem se obriga é a sociedade coletiva; por isso o fundo social é o representativo dessa garantia, e os comerciantes, na solidariedade típica da formação originária, eram vistos como garantes da obrigação, porque, mesmo existindo a sociedade, eles, os sócios, podiam – e podem – exercer os poderes de gerência de maneira autônoma, obrigando a sociedade.

Assim, a solidariedade é uma decorrência do poder de gerência, ou seja, fenômeno típico da sociedade em nome coletivo quando todos, de uma forma ou de outra, administram a sociedade, perante terceiros. A razão social é um comprovante, perante terceiros, do poder conferido ao sócio na qualidade jurídica de contrair obrigações em nome e por conta da sociedade. Neste passo, a razão social é o caráter distintivo de maior importância sobre a sociedade coletiva. Na razão social vai constar o nome do sócio, ou dos sócios, e “Companhia”. Essa referência em “Companhia” significa claramente o poder conferido a todos sócios para, conforme o contrato social, obrigar o fundo social em atos obrigacionais.

1 Droit des sociétés, cit., p. 206.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 301/302.

3 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 444.

Nas sociedades em nome coletivo, a administração é sempre disgiuntiva, salvo expressa pactuação em contrário. Com efeito, “salvo diversa pattuizione, l’amministrazione della società spetta a ciascuno dei soci disgiuntamente dagli altri” (art. 2.257, Codice Civile).

Com acerto, a jurisprudência italiana estabelece que “nelle società in nome collettivo, in base al combinato disposto degli artt. 2293, 2266 c.c., la rappresentanza dell’ente spetta, disgiuntamente, a ciascun socie e – salvo diversa disposizione dell’atto costitutivo – si estende a tutti gli atti che rientrano nell’oggetto sociale, in quanto la legge presume che la volontà dichiarata dal rappresentante nell’interesse della società corrisponda alla volontà sociale”. O negócio jurídico válido, realizado pelo sócio com os respectivos poderes, obriga a sociedade, e por via reflexa, tem na solidariedade dos sócios e na responsabilidade ilimitada a garantia dos credores, garantia que é uma condição da existência da sociedade em nome coletivo, quando todos os sócios estão sob a mesma razão social, e, estão, portanto, agindo individualmente ao pactuar as obrigações, mas em nome coletivo nas suas responsabilidades. Na lição de GALGANO na sociedade de pessoas, e notadamente na sociedade em nome coletivo, é realizada, normativamente, a correlação entre poder e risco econômico que a ciência econômica clássica teoriza como elemento de equilíbrio do inteiro sistema produtivo. A figura do empresário se compõe, segundo a economia clássica, de dois aspectos: o poder de direção da empresa de um lado; o risco da empresa do outro. O risco em que o empresário fica exposto, ou seja, de perder a sua riqueza econômica é a justificativa do seu poder econômico (controle) e ao mesmo tempo um elemento que assegura eficiência do sistema produtivo. Assim, a possibilidade do lucro empurra o empresário ao risco empresarial, porém, o receio de perder essa riqueza econômica induz ao empresário um comportamento diligente e com prudência. A correlação poder-risco é fator que confere equilíbrio ao sistema econômico, e, por isso, somente ao empresário cabe administrar a empresa porque somente ele oferece a garantia da sua gestão.1 Em termos gerais, a correlação risco-poder se mantém nas sociedades de capitais, quando o poder de controle assumiu a função diretiva da sociedade, na qualidade de titular da posição de controle societário, ou seja, sobre os órgãos sociais. A limitação de responsabilidade nas sociedades por ações e também na sociedade limitada é condição moderna do equilíbrio risco-poder, em que a técnica organizacional das sociedades, acrescida da crescente forma de produção capitalista, exigiu tal limitação como instrumento de evolução do sistema capitalista. Com efeito, a limitação de responsabilidade, na personificação patrimonial da pessoa jurídica, distinta dos seus integrantes, é o corolário da sociedade capitalista, como protótipo capaz de proporcionar o desenvolvimento desejado no sentido da planificação de uma nova estrutura social, de produção, de concentração de riqueza, de manutenção do controle e das formas políticas de inserção das pessoas na economia.

232. Da sociedade em nome coletivo como sujeito de direitos

A sociedade em nome coletivo constitui autônomo sujeito de direito, que pode ser centro de imputação de direitos e interesses, de várias situações negociais e processuais, distintos em relação aos seus sócios. Por isso, é titular de patrimônio, formado com a entrada de seus bens na formação do fundo social, com a consequência que esta sociedade é passivamente legitimada em relação à causa do sócio excluído – e, portanto, terceiro em relação à sociedade –, ação essa que pede a liquidação da sua quota, a qual constitui um crédito contra os outros sócios da sociedade. Como sujeito de direito, com patrimônio próprio, legitimidade ativa e passiva, o fato da responsabilidade solidária e ilimitada não pode fazer confusão no momento da execução para recebimento dos créditos devidos pela sociedade. Com efeito, não é permitido ao credor acionar os sócios antes de acionar a sociedade. Neste caso, os sócios devem apresentar embargos de terceiro, e o credor afoito deve ser condenado nas custas, honorários, etc., em razão da natureza dos embargos, ou seja, verdadeira ação. A regra do art. 1.024 do Código Civil é clara: os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais – beneficium ordinis et excussionis. Como sujeito de direitos, cabe a prova da sua insuficiência patrimonial para que os bens de qualquer dos sócios possam responder pela integralidade do passivo da sociedade. O sócio que pagar mais poderá ir ao seu encalce dos demais e deles cobrar a diferença, na proporção respectiva ao que diz o contrato social. Na jurisprudência italiana2 já se decidiu que nem mesmo a declaração de falência de uma sociedade em nome coletivo constituiu – di per sé – prova da insuficiência do patrimônio social (ou seja, não constitui prova da insolvência patrimonial do devedor), tal para justificar a execução dos bens particulares dos sócios, que têm beneficium excussionis, conquanto é necessário que o credor prove de não se poder pagar sobre o patrimônio social mediante o procedimento falimentar, provando, por conseguinte, o estado ativo e passivo da sociedade.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 76.

2 Cass. civ., sez. I, 13 marzo 1987, n. 2647, cf., BARTOLINI, F e DUBOLINO, P, Il codice civile, cit., p. 2.007.

Com efeito, a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios pelas obrigações sociais não é, como na sociedade simples (e na sociedade em nome coletivo irregular), uma responsabilidade direta, mas uma responsabilidade subsidiária, e os credores sociais, ainda que a sociedade esteja em liquidação, não podem pretender o pagamento sobre os bens particulares dos sócios, salvo após o exaurimento do patrimônio social. O credor social deve, por isso, agir primeiramente contra a sociedade e somente depois, se constatado o exaurimento dos bens da sociedade, contra os sócios individualmente. Desta feita, existe diferença entre a sociedade simples e a sociedade em nome coletivo no caso de insuficiência patrimonial, qual seja, o ônus da prova. Na sociedade em nome coletivo regular (efetivamente inscrita no Registro das Empresas), é o credor que deve provar a insuficiência do patrimônio social em saldar as dívidas sociais. Na sociedade simples e na sociedade em nome coletivo irregular (não efetivamente inscrita no Registro das Empresas), o ônus da prova compete ao sócio, ou seja, cabe ao sócio provar que a sociedade ainda possui bens suficientes para saldar todas as suas dívidas. Como assevera GALGANO, esta diversa modalidade processual – ônus da prova – sobre o beneficium ordinis et excussionis do patrimônio social se explica, manifestamente, pela diversa condição jurídica da sociedade registrada em relação às sociedades não registradas, ao passo que nas sociedades registradas o credor social está em condição de conhecer em razão da publicidade do contrato social e de suas modificações, o conferimento de bens e os sucessivos acontecimentos sociais, resguardando, por isso mesmo, o sócio do ônus da prova e conferindo ao credor, então, o dever do provar a insuficiência patrimonial da sociedade.1 Na esteira de FERRI GIUSEPPE , o caráter subsidiário da responsabilidade se afirma com diversa intensidade na sociedade simples e na sociedade em nome coletivo ou em comandita: nesses casos, é reconhecido ao sócio o beneficium ordinis et excussionis, mas enquanto na sociedade em nome coletivo e na comandita esse benefício constitui uma condição procedimental da ação executiva em relação ao sócio, e o ônus da prova cabe ao credor social, na sociedade simples o credor poder agir diretamente contra o sócio, o qual poderá, por sua vez, indicar, em sede de execução, quais os bens sociais sobre os quais o credor pode satisfazer sua pretensão.2 Esta interpretação deve ser seguida quanto ao Código Civil (art. 1.024), ao estipular que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade senão depois de executados os bens sociais. Portanto, na sociedade simples, os credores sociais podem mover suas execuções diretamente contra o sócio, mas esse tem a faculdade processual de indicar bens sociais livres e desembargados. Por sua vez, na sociedade em nome coletivo, bem sabendo que a responsabilidade é solidária e ilimitada, o credor social deve mover a execução contra a sociedade, e, provando a insuficiência de bens sociais, deverá, por conseguinte, fazer incidir a execução sobre os bens pessoais dos sócios. Idêntica solução para a sociedade em comandita, quando o credor social deverá mover sua execução contra a sociedade, e, provando a insuficiência de bens, deverá fazer incidir a execução contra o patrimônio pessoal do sócio comanditado. Se o sócio comanditário praticar atos de gestão social, será ele também responsável pessoalmente pelas obrigações sociais, desde que insuficiente o patrimônio social. A responsabilidade solidária e ilimitada não seria, então, uma mera sanção contra os sócios, mas uma condição natural da sociedade, e, de certa forma, no aspecto subjetivo, mostra ao sócio que é tamanha a sua responsabilidade, fazendo que se dedique aos negócios sociais com força e honestidade, para não entrar em falência, e, do outro lado, induzir o credor a ver aumentada a garantia pelo seu crédito. Conquanto seja verdade, do ponto objetivo da questão, a solidariedade dos sócios pressupõe um vínculo único, não obstante a pluralidade de devedores, ligando patrimônio social e patrimônio individual, como garantia. No caso da sociedade simples, o ônus da prova da insuficiência patrimonial da sociedade compete ao credor social, mas, se o sócio indica bens sociais que não sejam livres e desembargados, praticamente confessa a insuficiência do patrimônio da sociedade em saldar as dívidas, oferecendo oportunidade processual para que o credor faça incidir sobre seu patrimônio (do sócio) a execução. Na sociedade em nome coletivo, a falência da sociedade acarreta a falência dos sócios, e os credores sociais concorrem sobre os respectivos patrimônios. Com essa medida, os bens dos credores podem ser arrecadados, para fins de pagamento aos credores sociais, sem a necessidade de provar a insuficiência do patrimônio social. Contudo, essa medida tem raiz processual, que busca possibilitar a satisfação dos credores. Do ponto de vista patrimonial, não se presume a insuficiência patrimonial da sociedade meramente pela sua declaração de falência. Se, neste caso, ao final do processo de falência, restar saldo positivo em favor da massa falida (ou seja, havia bens suficientes para solver o passivo, e, por conseguinte, os bens particulares dos sócios, em tese, não deveriam responder pelas dívidas sociais), tal medida tem caráter procedimental, e visa o interesse dos credores pela consecutiva decretação da falência individual dos sócios. Com a falência da sociedade e a dos sócios, arrecadam-se patrimônios que eram, materialmente, distintos, com a finalidade de solver passivo, mas nunca em se presumir que os bens sociais não seriam suficientes para saldarem as dívidas da sociedade.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 306/307.

2 Manuale di diritto commerciale, cit., p. 231.

Por isso, não é incorreta a tese que encontra na decretação da falência dos sócios da sociedade em nome coletivo um instrumento de interesse dos credores. O que se quer dizer é que a falência da sociedade em nome coletivo não é presunção para incidir a execução coletiva sobre os bens particulares dos sócios. A situação é que a falência da sociedade em nome coletivo acarreta a falência dos sócios porque esses, em última instância, deveriam solver a obrigação, ou seja, pagar a obrigação assumida em nome e por conta da sociedade, bem sabendo que os sócios têm esse dever pelo caráter da responsabilidade ilimitada. Se os sócios não honrarem esse dever de pagar a obrigação, significa que a sociedade faliu, mas não significa que a sociedade não terá patrimônio suficiente em saldar todos os seus credores sociais. A consequência lógica será que, na qualidade de garantes, tenham seu patrimônio pessoal arrastado à falência da sociedade, na perspectiva de solver esse passivo. Idêntica solução se opera no caso da sociedade em comandita sobre o comanditado, ou, também, quando o comanditário efetuar atos de gestão social. Com isso, o credor social não precisará esperar o final do processo falimentar para saber do balanço da sociedade falida e provar a insuficiência patrimonial, ao passo que a falência dos sócios implicará a arrecadação dos seus bens em favor de todos os credores do concurso.

O exímio FERRI já prelecionava que “quando l’incapacità patrimonial della società è accertata com la sentenza dichiarativa di fallimento, la legge ammette l’azione esecutiva del creditore contro il socio, facendo conseguire al fallimento della società quello dei soci illimitatamente responsabili, senza attendere i risultati dell’esecuzione concursuale sul patrimonio della società (art. 147 l. fall.)”.1

A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem (art. 81, Lei 11.101/05). A falência da sociedade acarreta a falência dos sócios automaticamente. Com isso, seus bens são arrastados ao processo falimentar, e, neste momento processual, não teria lugar a alegação do beneficium ordinis et excussionis pelo fato de que todos os respectivos bens, sociais e individuais, formarão a massa falida, ou seja, o conjunto patrimonial que garante os credores. Neste passo, a responsabilidade dos sócios tem a natureza de garantia, na qualidade de responsabilidade ilimitada, e o interesse falimentar dos credores, no seu recebimento, prepondera, processualmente, sobre o interesse individual dos sócios.

Contudo, essa arrecadação não faz presumir, absolutamente, que os bens sociais não sejam suficientes para saldar as dívidas sociais, mas é medida de ordem e justiça, que tem na falência o primado de interesse público. A sociedade em nome coletivo, na qualidade de sujeito de direitos e obrigações, ainda mantém certa correlação interpretativa com suas fontes históricas. Em sede falimentar, a falência da “sociedade” em nome coletivo é vista como a falência individual do sócio, que não tem mais condições de saldar as dívidas assumidas pela sociedade, mas de caráter solidário e ilimitado.

Na origem do direito falimentar, no século XIII, nas cidades medievais, a sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis se apresentava como um contrato que unia entre eles plures mercatores unam mercantiam gerentes, e a noção de falência da sociedade, como processo distinto entre o patrimônio da sociedade e dos sócios, era figura totalmente estranha à época, ou seja, a falência tinha por objeto a pessoa do sócio.

2 Com efeito, ainda hoje, na interpetação histórica das leis, a responsabilidade falimentar do sócio, na sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis, leva em consideração essa imposição categórica da essência do instituto, possibilitando a arrecadação do patrimônio pessoal do sócio, ainda que existam bens sociais, mas sem presumir sua insuficiência para saldar as dívidas sociais e, conforme o caso, não teria lugar o beneficium ordinis et excussionis. Essa situação ocorre, unicamente, no caso de falência.

233. Os sócios da sociedade em nome coletivo são considerados empresários para fins legais

Empresária será a sociedade em nome coletivo obrigatoriamente. Os sócios devem ser pessoas físicas, por certo, como estabelece o Código Civil. Mas esse fato, ou seja, que os sócios sejam pessoas físicas, não acarreta, em termos absolutos, que todos os sócios da sociedade em nome coletivo sejam empresários. Significa que todos podem exercer a administração da sociedade. Contudo, administração tem significado amplo e pode ser somente administração interna da sociedade. A empresa social é feita pela sociedade. A responsabilidade ilimitada e solidária não decorre, unicamente, do fato de serem os sócios considerados empresários em si mesmos, mas da regra que a impontualidade dos pagamentos é da sociedade, mas é o sócio, em última instância, que deve pagar a obrigação. A lei é sábia, e diz que a falência da sociedade acarreta a falência

1 Manuale di diritto commerciale, cit., p. 231.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 343.

dos sócios. É uma consequência, conquanto equiparação, e do alcance da falência aos sócios, que são eles os verdadeiros titulares de uma empresa comum; por isso da sua falência pessoal, como sócios da empresa comum. Ensina a melhor doutrina italiana que a sentença que declara a falência da sociedade determina a falência, propriamente, de cada um dos sócios ilimitadamente responsáveis, e “i singoli soci sono, dunque, assoggettati alle estreme conseguenze che derivano, giuridicamente, dall’assunzione della qualità di imprenditore commerciale. Il contratto di società di persone si presenta, sotto questo aspetto, come un contratto intuito personae”.1 Com efeito, no contrato societário intuito personae, que mantém sua condição de plurilateral, a identidade e a qualidade pessoal de cada um dos sócios são determinantes para a formação do próprio contrato e da continuação da sociedade. A substituição de um dos sócios, por isso, fica condicionada à manifestação favorável dos demais sócios, sob condição resolutiva.

O sócio em nome coletivo, então, assume a qualidade jurídica de empresário, se, com efeito, fica sujeito às regras específicas da atividade empresarial; entre elas, a decretação da sua falência. Ademais, o sócio fica sujeito ao regramento da incapacidade no exercício da atividade empresarial. Entendo que, obrigatoriamente, somente pode figurar como parte da firma social o nome do sócio empresário, e por isso, decorrem os efeitos de dissolução quando do seu falecimento ou da sua retirada da sociedade, sempre acarretando a dissolução da sociedade, e a não-utilização do nome daquela pessoa física na continuação da exploração da firma social. Na interpretação histórica, o art. 3º, § 1º, do Decreto 916, estabelecia que não poderia fazer parte da firma da sociedade em nome coletivo pessoa não comerciante. A qualidade de empresário é clássica ao sócio da sociedade em nome coletivo. A sociedade em nome coletivo exerce necessariamente uma atividade empresarial, o que confere ao sócio a qualidade de empresário. Na sociedade em nome coletivo, assiste-se ao seguinte fenômeno: a qualidade de empresário é reconhecida em favor da própria sociedade, ao grupo dos sócios coletivamente considerados, e aos sócios individualmente considerados. Desse fato, os sócios exercem, em nome coletivo, uma mesma empresa, e que esses são, portanto, destinatários das normas que regem a figura do empresário.

234. Da teoria de CARVALHO DE MENDONÇA sobre a qualificação de comerciante dos sócios

O mestre pergunta: os sócios das sociedades comerciais são comerciantes? O Código Comercial de 1850 dizia que existe sociedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum, debaixo de firma social. Da leitura do texto revogado (art. 315), entende-se que “ainda que algumas não sejam comerciantes”, significa que já não eram comerciantes, e, pelo fato de entrarem em sociedade, essa situação jurídica não se altera em absoluto, ou seja, mantém a sua condição. O fato de os sócios responderem ilimitada e solidariamente não é suficiente para explicar a sua qualidade de empresário, bem como o fato da sua falência, como sócio, porque, atenda-se, não é a impontualidade do sócio, assim como não é a sua qualidade de comerciante, que devem ser provadas para a declaração da falência da sociedade em nome coletivo, mas, sim, a impontualidade da sociedade e o seu caráter comercial – o credor não pode requerer, de imediato, a falência do sócio; esta somente poder ser acarretada pela falência da sociedade.2

A elaboração da doutrina foi nessa direção, e hoje, ademais, não se requer qualidade de empresário em todos os sócios de sociedade em nome coletivo, à exceção daquele que empresta seu nome na firma social. A sociedade é que é empresária, cabendo aos seus sócios administrá-la.

235. Do regramento jurídico da sociedade em nome coletivo

Antes da chegada do novo Código Civil de 2002, a disciplina sobre a sociedade em nome coletivo constava do Código Comercial (artigos 315 e 316). O referido código pretendeu conceituar a sociedade em nome coletivo, dizendo que existe sociedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum, debaixo de firma social. Não podem fazer parte da firma social nomes de pessoas que não sejam sócios comerciantes (revogado o art. 315). A referida definição, realmente, não era das melhores.

1 ___________. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 70.

2 Tratado, cit., vol. II, n. 108, pp. 89/90.

Atualmente, o Código Civil diz que somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo, respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. É evidente que numa sociedade de pessoas, como a sociedade em nome coletivo, seria esdrúxulo supor que uma pessoa jurídica figurasse como sócia. Ademais, o caráter de affectio societatis é fator determinante apenas entre as pessoas físicas. A disciplina sobre a sociedade em nome coletivo, assim como prevista pelo atual Código Civil, também não é das melhores, por ser excessivamente lacunosa, sem maiores rigores sobre sua estrutura de funcionamento, notadamente sobre a administração da sociedade. O art. 1.042 precisaria ser complementado sobre a questão dos atos ultra vires ou com abuso de firma, o que o legislador não fez. O Código de 1850 era mais preciso sobre esse fato, dizendo que, nas sociedades em nome coletivo, a firma social assinada por qualquer dos sócios-gerentes, que no instrumento do contrato for autorizado para usar dela, obriga todos os sócios solidariamente para com terceiros e a estes para com a sociedade, ainda mesmo que seja em negócio particular seu ou de terceiro – com exceção dos casos em que a firma social for empregada em transações estranhas aos negócios sociais designados no contrato. Contra o sócio que abusar da firma social, dá-se ação de perdas e danos, tanto da parte dos sócios como de terceiro; e, se com o abuso concorrer também fraude ou dolo, este poderá intentar contra ele a ação criminal que no caso couber (revogado o art. 316). Em seus termos, de certa forma, a solução, acima referida, ainda é vigente. As regras atinentes à sociedade simples também regulam a sociedade em nome coletivo, nos termos do art. 1.040 do Código Civil, ao determinar que a sociedade em nome coletivo se rege pelas normas deste Capítulo (arts. 1.039-1.044, C.C.), e, no que seja omisso, pelas do Capítulo antecedente (arts. 997-1.038, C.C., sociedade simples). A sociedade em nome coletivo regular e a sociedade em nome coletivo irregular são variações de um mesmo tipo societário, ainda que a irregular tenha natureza de sociedade de fato, quando se tem em correlação societária e de direito como sociedade em comum. Neste caso, os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum. Os bens respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra terceiro que o conheça ou deva conhecer. E todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem (art. 1.024) aquele que contratou pela sociedade (arts. 988-990, C.C.). Feitas essas exceções, tem-se na sociedade em nome coletivo irregular (e não de fato) verdadeira sociedade em todos os seus efeitos, salvo, também, como já se disse, a impossibilidade de pacto de limitação de responsabilidade ou de exclusão de solidariedade (art. 1.039, parágrafo único, C.C.), que somente tem efeito no caso de sociedade em nome coletivo regular, aplicando, naquilo que for compatível, o regramento da sociedade simples. Na sociedade em nome coletivo regular os poderes de representação dos sócios administradores são regulados da seguinte forma, na lição de GALGANO: cabe à sociedade o ônus de levar ao conhecimento dos terceiros as limitações dos poderes de representação dos administradores, mas não é necessário que a sociedade prove que o terceiro tenha efetivo conhecimento da limitação, ao passo que é suficiente que esta cláusula seja presumidamente conhecível pelo terceiro em razão do arquivamento do contrato social no Registro das Empresas, e, assim, essa limitação, uma vez inscrita, poderá ser oposta ao terceiro, ainda que esse, na realidade, a ignore.1

A interpretação vem em consonância com o Codice Civile, quando “le limitazioni non sono oponibili ai terzi, se non sono iscritte nel registro delle imprese o se non si prova che i terzi ne hanno avuto conoscenza” (art. 2.298). A jurisprudência italiana também é clara nessa direção, bem sabendo que, nos termos do art. 2.298, os poderes de representação atribuídos ao administrador da sociedade em nome coletivo vão individuados com referência aos atos que entram no objeto social, qualquer que seja a sua relevância econômica ou natureza jurídica, salvo as específicas limitações resultantes do ato constitutivo ou da procuração. Na essência desses atos, portanto, não se coloca nenhuma diferença, nem mesmo em relação ao caráter dispositivo ou conservativo do próprio ato, considerando somente a incidência que o ato tenha sobre os elementos constitutivos da empresa e sobre a possibilidade da sua existência como empresa, assim como, quando o contrato social distingue entre os atos de ordinária e extraordinária administração, poderá ser considerado como ato que excede os poderes de representação enquanto estranho ao objeto social somente o ato que seja suscetível de modificar a estrutura da sociedade e, por isso, seja contrastante com o próprio objeto social, e, por conta dessa situação, sendo exteriormente reconhecível como não realizado para não atingir os objetivos econômicos almejados pela sociedade, diante da sua natureza excedente em relação ao objeto social.2 Portanto, atos que não entram no objeto social são considerados, verdadeiramente, como não suficientes aos critérios legais de limitação de responsabilidade pelo excesso de mandato, e a responsabilidade pelo ato, na sociedade em nome coletivo regular, será sempre do sócio que assim agiu, contrariando a lei e o estatuto, e não da sociedade. A limitação de

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 307.

2 Cass. civ., sez. I, 5 maggio 2004, n. 8538, cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit, p. 2.005.

responsabilidade pelos poderes de representação dos sócios administradores tem valor e efeito jurídico somente sobre os atos negociais que entram e buscam a realização do objeto social.

236. Da firma ou razão social na sociedade em nome coletivo

Esse é o caráter distintivo da sociedade em nome coletivo, ou seja, sua razão social. É fundamental por diferenciá-la das sociedades em comum, sem registro, que não têm a proteção referida, e não podem conferir, ao patrimônio da sociedade, bens imóveis.

Estabeleceu o art. 2º do Decreto 916 de 1890 que firma ou razão comercial é o nome sob o qual o comerciante ou a sociedade exerce o comércio e assina-se nos atos a ele referentes. A administração da sociedade compete exclusivamente aos sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes.

Quando a lei diz “nos limites do contrato”, quer evitar os atos ultra vires, e sua interpretação deve ser ampla.

Diz a lei italiana que “la società in nome colletivo agisce sotto una ragione sociale costituita dal nome di uno o più soci con l’indicazione del rapporto sociale” (art. 2.292, Codice Civile).

Ao passo que a administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042, C.C. de 2002). A fórmula da razão social é aquela do nome de um sócio, acrescida da expressão Companhia, considerando sócios todos aqueles que figurem no contrato social. A razão social é a forma na qual a sociedade se anuncia ao público, perante terceiros; é o seu símbolo, merece proteção jurídica, por isso vai registrada, ou seja, é o seu nome social, do qual se distingue dos seus componentes isoladamente. Razão social é o nome social. Nos tempos de BARTOLO , a regra consuetudinária explicava que secundum consuetudinem et fere totius Italiae in libris cum litteris mercatorum, unus nominatur nomine proprio, omnes alii nomine appellativo, hoc modo: titius et socii talis societatis. O princípio da solidariedade, depois de uma prática mais que secular, entrou pela sua força espontânea nas sociedades comerciais de responsabilidade ilimitada.1 A solidariedade é uma condição até para aqueles que entram na sociedade após sua constituição, e não tem valor, perante terceiros, nenhum pacto em contrário. Os sócios, como já se disse, podem limitar, entre si, essa solidariedade, mas quanto aos terceiros tal responsabilização é integral, com a única condicionante do art. 1.024 do Código Civil, quando estabelece, expressamente, que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. O sócio assume direitos e obrigações sociais em nome e por conta da sociedade, mas a responsabilidade integral, característica imanente da sociedade coletiva, tem aquela correlação entre patrimônio direcionada ao tráfico mercantil e seu patrimônio pessoal como sócio. Não seria justo que, nos tempos de hoje, a responsabilidade fosse direcionada imediatamente ao patrimônio pessoal do sócio, sem se perquirir sobre a qualidade dos fundos sociais. A comprovação processual é plenamente possível de ser feita, ou seja, nas execuções a sociedade tem que ofertar bem livre e desembargado, para garantia processual; e, a partir do momento que assim não o faz, está confessando sua impossibilidade de garantir a execução, e, por conseguinte, tem lugar a execução sobre os bens do sócio. O fato de a execução não alcançar bens livres e desembargados ofertados como penhora também enseja a possibilidade de requerimento de falência, nos termos do art. 94, II, da Lei de Falências, ou seja, as prerrogativas conferidas ao credor para o recebimento de seus créditos são várias, e basta colocá-las a efeito. Neste caso, a falência da sociedade em nome coletivo vai levar os sócios também, porque a falência da sociedade acarreta a falência dos sócios de responsabilidade solidária e ilimitada, e todos os sócios são considerados, para efeitos falimentares, empresários. Esse é um risco natural da sociedade em nome coletivo, ou seja, a solidariedade nas obrigações sociais, e a responsabilidade ilimitada tem como função, ao menos na esfera obrigacional, garantir os interesses dos credores, que, no momento da negociação, sabiam, antecipadamente, dessa sua qualidade e a devem efetivar em todos os seus efeitos.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, pp. 447/448.

237. Do exercício da atividade empresarial sob a firma social

Na firma social somente pode ser empregado nome de sócio. A firma social é a própria essência da sociedade em nome coletivo. Todos os sócios estão debaixo de uma mesma firma, de uma mesma razão social. Todos se obrigam em nome e por conta dessa firma comum a eles. Foi, precisamente, pela constituição da firma que a sociedade em nome coletivo se formou. Motivo é esse, também, porque não poucos a denominam sociedade com firma, a despeito de que esta não seja privativa deste tipo societário.1 A sociedade em nome coletivo atua sob uma razão social constituída pelo nome de um ou mais sócios (art. 2.292, Codice Civile). A firma social deve coincidir com o nome civil. Em sede de sociedade em nome coletivo, a designação da firma social não aceita nomes fictícios, inexistentes, pseudônimos ou inventados. A firma deve ser registrada, ganhand o, assim, proteção, Questão bem intrincada é se a firma social subsiste no caso de morte ou retirada de um ou mais sócios. Com certeza, o caráter da sociedade em nome coletivo faz concluir que ocorrendo qualquer daquelas duas hipóteses deverá, também, ser alterada a firma social. Com a alteração há profundo abalo sobre a própria continuidade do negócio, que pode se inviabilizar.

Por exemplo, se a sociedade tem a firma social de “Figueiredo & Fagundes”, falecendo o sócio Figueiredo, deve ocorrer imediata mudança de razão social. Idêntica solução se faz no caso de retirada do sócio. Porém, se questiona se os sucessores podem autorizar a continuidade e conservação da firma social anterior. Se for feita a alteração para Fagundes e Filhos, com certeza, há abalo sobre os negócios, porque Figueiredo não compõe mais a sociedade, ou seja, Fagundes e Filhos são, agora, verdadeiramente, desconhecidos do público em geral, mesmo que ricos, por exemplo. Diz o razoável que nem mesmo os sucessores poderiam dar conservação à firma social original porque a sociedade em nome coletivo é personalíssima. Essa é a doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA, ao asseverar que os casos mais frequentes em que se impõe a mudança ou substituição da firma ou razão comercial são: a) traspasse do negócio do comerciante individual a uma sociedade mercantil; b) retirada do sócio que dava nome à firma, ainda que tal sócio consinta na conservação do seu nome, salvo continuando responsável; c) morte do sócio que tinha o nome na firma, ainda que os herdeiros consintam na continuação do referido nome.

2 O Codice Civile, art. 2.292, diz: la società può conservare nella ragione sociale il nome del socio receduto o defunto, se il socio receduto o gli eredi del socio defunto vi consentono. O antigo Código das Obrigações, na Suíça, art. 938, dizia, expressamente, que: quando uma pessoa da qual seu sobrenome faz parte da firma social de uma sociedade em nome coletivo ou de uma comandita simples ou por ações, e tal pessoa cessa de ser sócio, o seu sobrenome não pode ser conservado na firma social, ainda que essa pessoa, expressamente, manifeste o seu consenso, ou no caso dos seus herdeiros; mas, pode ser concedida uma exceção se a sociedade for constituída por familiares na qual ao menos dois dos sócios ilimitadamente responsáveis sejam de natureza consanguínea ou afim e um dos dois tenha o mesmo sobrenome que faz parte da firma social. Diga-se, com efeito, que a regra suíça já era profundamente correta. Em sede de direito pátrio, fico na companhia de CARVALHO DE MENDONÇA. No caso de retirada de sócio, mesmo com seu consentimento em conservar idêntica a firma social, não parece ter validade tal ato,3 impondo a alteração com a finalidade de não iludir terceiro, ou seja, por interesse público. O Código Civil de 2002 e a Instrução Normativa 104, de 30 de abril de 2007, do Departamento Nacional de Registro do Comércio, seguem nessa direção. O nome empresarial não pode ser objeto de alienação. O adquirente do estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor (art. 1.164, C.C.). Em síntese, deve ser aplicada, sem qualquer ressalva, aquilo que já se disse em 1890, nos termos do art. 8º do Decreto 916, que modificada uma sociedade pela retirada ou morte de sócio, a firma não poderá conservar o nome do sócio que se retirou ou faleceu . Toda posição que contrariar essa verdade não deve ser seguida, em qualquer hipótese. O nome do sócio que vier a falecer, se for excluído ou se retirar, não pode ser conservado na firma social (art. 1.165, C.C.).

1 FERREIRA, Waldemar. Instituições, vol. I, T. II, n. 376, p. 551.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. II, n. 194, pp. 167/168.

3 Seria permitir a negociação da própria firma. Uma freguesia pode ser iludida sobre o comércio desenvolto, agora, por terceiro. Se a cessão for considerada válida, pode ver sua firma arruinada, até propositadamente. Contra isso deve haver controle e segurança.

Essas regras estão corretas e espancam qualquer dúvida sobre a certeza da tese aventada. Outra referência importante ocorre com o estabelecimento comercial. Na sociedade em nome coletivo, firma social e patrimônio formam uma correlação praticamente indissociável, porque o nome dos sócios é decisivo para a sorte da atividade empresarial, ou seja, como sociedade personalíssima, a maior parte dos negócios são concluídos diante do prestígio e da presença dos sócios, que alcançam prazos nas negociações, empréstimos, etc., ou seja, defendem o seu “bom nome na praça”. Discute-se, em doutrina, da possibilidade da aquisição da firma social. O art. 7º do Decreto 916 de 1890 dizia, expressamente, que é proibida a aquisição da firma social sem o estabelecimento a que estiver ligada. Uma das várias interpretações sobre o tema da possível aquisição da firma social, na qualidade de sucessor, em referência ao art. 7º do referido Decreto 916/90, é que o adquirente é sucessor em todos os direitos e nas obrigações que pesam contra a firma social, ou seja, assume responsabilidade integral pelo passivo. Por isso, o legislador dizia “do estabelecimento a que estiver ligada”, ou seja, dos seus ativos, bem como do conceito amplo de estabelecimento, como universalidade, na qual pesam, inclusive, todas as obrigações. A sucessão, por conseguinte, é integral, e o estabelecimento é a garantia maior dos credores, por isso da imposição da aquisição do estabelecimento, ou seja, do patrimônio que garante as dívidas em relação aos credores. Com efeito, possível é a aquisição da firma social, mas o adquirente por atos inter vivos ou mortis causa poderá continuar a usar a firma somente a antecedendo da que usar com a declaração – “sucessor de...” (art. 7º, parágrafo único, do Decreto 916 de 1890). Tal declaração serve como um aviso aos terceiros que venham negociar com a sociedade, informando-lhes que agora estão diante de uma sociedade, que apenas usa a firma social anterior, a título de sucessão, com os devidos efeitos práticos na realidade dos negócios empresariais. Na lição de BRUNETTI o nome empresarial não pode ser transferido separadamente do estabelecimento comercial. Da mesma forma, a firma social não pode ser objeto de conferimento para formação de outra sociedade, salvo se acompanhada com a transferência do complexo de bens que formam o patrimônio dessa mesma firma social. Tal contribuição seria nula, ou seja, se feita sem a transferência do estabelecimento comercial.

1 O art. 7º do Decreto 916/90 é absolutamente correto e mostra o caminho da correta interpretação no que diz respeito ao fenômeno sucessório nas sociedades em nome coletivo, bem como em toda e qualquer sociedade, com as atualizações terminológicas contemporâneas.

238. Do capital social na sociedade em nome coletivo

O capital social da sociedade em nome coletivo é o valor expresso em dinheiro dos bens conferidos ou prometidos pelos sócios, dos quais resulta a respectiva avaliação prevista no próprio contrato social. É uma noção diversa daquela de patrimônio social, o qual é formado pelos bens, em geral, e pelas relações jurídicas ativas (créditos) da sociedade. No início da sociedade, o capital social coincide com o valor do patrimônio social, e no decorrer da existência da sociedade, enquanto o capital social permanece inalterado até que seja feita uma modificação no contrato social, com seu aumento ou redução, o patrimônio social varia dia após dia. Com isso, o patrimônio social pode descer abaixo do capital social pelo fato de haver perdas verificadas no exercício social, e pode subir acima dele em consequência dos ganhos conseguidos pela empresa social ou em consequência de outros eventos; por exemplo, um acréscimo no valor dos bens sociais.2 Com efeito, “diversamente do patrimônio social, caracterizado por inúmeras e contínuas mudanças, o capital é marcado por sua rigidez. Refletindo as contribuições dos sócios, apresenta-se como valor fixo no contrato social, cuja modificação depende da exata obediência às determinações legais”.3

Não pode ser arquivado contrato social que não designar expressamente o capital social da sociedade. É da essência de qualquer sociedade a designação do capital social. No transcorrer da atividade empresarial, o capital social pode ser alterado por inúmeras razões, desde a realização de novos aportes pelos sócios ou por novos sócios, bem como sua redução, diante do fracasso da própria atividade. O capital social é, do ponto de vista contábil inclusive, garantia dos credores, que tem nesse valor fonte de informação sobre o peso da sociedade. Ademais, e em relação aos sócios, é sobre o capital social que se inauguram as participações sociais de cada sócio, bem como durante a existência da sociedade reflete a participação de cada um deles sobre o capital.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 462.

2 GALGANO, Francesco., Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 312.

3 CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 278.

239. Da distribuição de lucros na sociedade em nome coletivo

Bem informado que o capital social representa o montante do valor das participações dos sócios na sociedade, a modificação do capital social deve ser feita no próprio contrato social. Sobre a distribuição de lucros em qualquer sociedade, e na sociedade em nome coletivo não é diferente, a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos sócios que a realizaram e dos que os receberam, conhecendo ou devendo conhecer-lhe a ilegitimidade. Evidentemente que os lucros e prejuízos não são escriturados na conta de capital social, porém têm posição específica no balanço da sociedade. Conquanto sejam figuras distintas, ou seja, patrimônio e capital social, a distribuição de lucros ilícitos, fictícios ou indevidos, representa um abalo fraudulento contra a sociedade, na medida em que lhe lesa sua estrutura econômica, repercutindo sobre o interesse da própria sociedade e dos seus credores. A regra do art. 1.009 do Código Civil busca garantir o interesse dos credores. Assim, também assegura que o patrimônio social seja ao menos semelhante ao capital social, do qual os credores têm conhecimento em razão da inscrição do contrato social no Registro das Empresas. O que o art. 1.009 do Código Civil quer evitar é que os sócios utilizem a distribuição indevida de lucros como forma fraudulenta para reembolsar os bens ou numerários conferidos ao capital social. Ainda que na sociedade em nome coletivo os sócios respondam solidária e ilimitadamente, o reembolso do capital investido na sociedade, efetuado mediante a distribuição indevida de lucros, é uma afronta ao direito dos credores sociais, porque no momento que conferiram o crédito bem sabiam do peso que aquele capital social representava sobre o seu convencimento em ofertar crédito à sociedade.

Se depois, com a distribuição indevida de lucros, os sócios conseguem ludibriar os credores, fazendo transparecer que a sociedade tem solidez econômica, mas que, na verdade, assim procedendo, evitaram a respectiva redução de capital, fato esse que, certamente, influenciaria sobre o convencimento do credor em ofertar ou não o crédito à sociedade. Os sócios podem, obviamente, realizar o reembolso do capital investido, desde que aprovado em reunião de sócios, com a respectiva redução do capital, e com a respectiva modificação do contrato social, devidamente registrada, para dar aos credores conhecimento da referida redução. Nas sociedades em nome coletivo os credores não podem apresentar oposição contra a redução do capital social porque tal medida não lhes prejudica diretamente diante do fato de que os sócios têm responsabilidade solidária e ilimitada –contudo, se a redução de capital caracterizar: a) reembolso aos sócios das quotas efetuadas ou b) liberação dos sócios de cumprirem o conferimento de bens que estavam obrigados, os credores têm direito de apresentar oposição judicial contra a redução. Por sua vez, realizada a redução, tal fato servirá de prova documental, em favor do credor, em comprovar a insuficiência patrimonial da sociedade em satisfazer seu crédito, permitindo que o credor receba o valor devido sobre os bens particulares dos sócios.

O Codice Civile é expresso em determinar que “la deliberazione di riduzione di capitale, mediante rimborso ai soci delle quote pagate o mediante liberazione di essi dall’obbligo di ulteriore versamento, può essere eseguita soltanto dopo ter mesi dal giorno dell’iscrizione nel registro delle imprese, purché entro questo termine nessun creditore sociale anteriore all’iscrizione abbia fatto opposizione. Il tribunale, nonostante l’opposizione, può disporre che l’esecuzione abbia luogo, previa prestazione da parte della società di um’idonea garanzia” (art. 2.306). Portanto, é reconhecido ao credor social um direito de oposição, e, se o credor efetivamente utiliza esse direito, a deliberação de redução do capital social não pode ser realizada, salvo se o tribunal autorizar, mediante a prestação de uma garantia. Outra situação ocorre no caso de perda do capital social: nesta hipótese, verificada a perda sobre o capital social, não pode ser feita a distribuição de lucros até que o capital não seja reintegrado ao valor anterior ou que seja reduzido na medida correspondente (art. 2.303, 2º, do Codice Civile). Conforme GALGANO, lucros distribuíveis são o valor que excede o patrimônio social em relação ao capital social. Os lucros realizados nos exercícios sociais deverão ser, se o patrimônio social é inferior ao capital, destinados à reintegração do próprio capital, e não podem ser distribuídos. Os lucros podem ser distribuídos somente se, com deliberação modificativa do contrato social, o capital social for reduzido na medida correspondente.1 No caso de descumprimento do art. 1.009 do Código Civil, os sócios são obrigados a restituir as somas recebidas indevidamente, acrescidas, conforme o caso, de responsabilidade penal dos sócios administradores.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 313.

240. Do regramento de sucessão dos sócios na sociedade em nome coletivo na legislação francesa

Em estudos de direito comparado, é de extrema utilidade o que dispõe o referido Código Comercial francês, no caso do falecimento de sócio em nome coletivo. O importante a notar é que essas regras não caracterizam pacto sobre sucessão futura, o que seria terminantemente proibido.

Com efeito, diz o referido texto normativo que “la société prend fin par le décès de l’un des associés, sous réserve des dispositions du présent article. S’il a été stipulé qu’en cas de mort de l’un des associés, la société continuerait avec son héritier ou seulement avec les associés survivants, ces dispositions sont suivies, sauf à prévoir que pour devenir associé, l’héritier devra être agréé par la société. (Nesta parte teria a caracterização de pacto sobre herança futura, vedada pela lei). Il en est de même s’il a été stipulé que la société continuerait, soit avec le conjoint survivant, soit avec un ou plusieurs des héritiers, soit avec toute autre personne désignée par les statuts ou, si ceux-ci l’autorisent, par dispositions testamentaires. Lorsque la société continue avec les associés survivants, l’héritier est seulement créancier de la société et n’a droit qu’à la valeur des droits sociaux de son auteur. L’héritier a pareillement droit à cette valeur s’il a été stipulé que, pour devenir associé il devrait être agréé par la société et si cet agrément lui a été refusé. Lorsque la société continue dans les conditions prévues au troisième alinéa ci-dessus, les bénéficiaires de la stipulation sont redevables à la succession de la valeur des droits sociaux qui leur sont attribués. Dans tous les cas prévus au présent article, la valeur des droits sociaux est déterminée au jour du décès conformément à l’article 1843-4 du code civil. En cas de continuation et si l’un ou plusieurs des héritiers de l’associé sont mineurs non émancipés, ceux-ci ne répondent des dettes sociales qu’à concurrence des forces de la succession de leur auteur. En outre, la société doit être transformée, dans le délai d’un an, à compter du décès, en société en commandite dont le mineur devient commanditaire. A défaut, elle est dissoute”. São regras bem claras e que, em tese, deveriam ser aceitas e seguidas em sede de ordenamento jurídico pátrio, com as ressalvas de ordem prática. O importante é que a lei confere ao contrato social a prerrogativa de estabelecer se com o falecimento de um dos sócios a sociedade se dissolve de pleno direito ou não, e, caso o contrato social determine que a sociedade continuará existindo regularmente, estabelece as referidas condições, que são realmente bem justas. Em todo caso, na hipotese de o herdeiro ser menor, a sociedade em nome coletivo deve, obrigatoriamente, ser transformada em comandita, sob pena de dissolução. Neste passo, a solução é realmente acertadíssima.

241. Da definição de firma social e sua inscrição

Firma é o nome utilizado pelo empresário, pela sociedade em que houver sócio de responsabilidade ilimitada, e, de forma facultativa, pela sociedade limitada. A firma da sociedade em nome coletivo, se não individualizar todos os sócios, deverá conter o nome de pelo menos um deles, acrescido do aditivo “e Companhia”, por extenso ou abreviado. Na firma, observar-se-á, ainda, que os nomes dos sócios poderão figurar de forma completa ou abreviada, admitida a supressão de prenomes, e o aditivo “e Companhia” ou “& Cia.” poderá ser substituído por expressão equivalente tal como “e filhos” ou “e irmãos”, dentre outras. A proteção ao nome empresarial decorre, automaticamente, do ato de inscrição de empresário ou do arquivamento de ato constitutivo de sociedade empresária, bem como de sua alteração nesse sentido, e circunscreve-se à unidade federativa da Junta Comercial que o tiver procedido. A proteção ao nome empresarial na jurisdição de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído com certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da sociedade interessada. Tudo conforme o melhor direito.

O ato constitutivo da sociedade em nome coletivo, devidamente registrada, deve conter, entre os demais requisitos, a indicação da razão social. A razão social é o nome da sociedade1, ao passo que a sociedade em nome coletivo age sob uma razão social constituída pelo nome de um ou mais sócios, com a indicação da relação social, ou seja, com a expressão “e Companhia”.

242. A sociedade em nome coletivo é sociedade empresária por excelência

A empresariedade da sociedade em nome coletivo advém da sua própria natureza. Toda sociedade em nome coletivo será uma empresa social. Seu objeto social é atividade de empresa, com finalidade lucrativa. Nela, no mais das vezes, todos os sócios são administradores da empresa, e por isso, assumindo tal qualificação, são também responsáveis solidários. A responsabilidade ilimitada tem na organização comercial dos séculos a sua explicação jurídica, quando o sócio, ainda que estivesse sob uma razão social,

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 308.

empenhava o próprio nome nas tratativas, do ponto que o credor sabia que o crédito ofertado encontrava no patrimônio do devedor, e não apenas no da sociedade, a garantia de pagamento. O negócio jurídico obriga a sociedade, e na falta patrimonial servem os bens individuais. Por regra de justiça os sócios podem limitar, entre eles, a solidariedade. Pacto de justiça esse, e toca cada sociedade ao caso concreto. Tal pactuação não vale contra terceiro. Ela é justa porque vale como lei entre os mercadores, como se fosse ato não tecnicamente de liberalidade, mas de ajuste interno, que decorrem, por exemplo, de circunstâncias patrimoniais de cada sócio, parentesco, natureza dos negócios e, principalmente, confiança ou desconfiança. Com o objetivo de elucidar a explicação, basta seguir o art. 2.195 do Codice Civile, que em bom momento, e expressamente, diz quais são as atividades empresárias que devem ser registradas na qualidade dos empresários que a exercitam: atividade industrial na produção de bens e serviços e intermediação de bens. Essas seriam as formas mais corriqueiras de sociedade em nome coletivo.

243. Do art. 2.195 do Codice Civile

O exímio BRUNETTI, seguindo o comentário do preclaro LORENZO MOSSA , escreveu em página histórica ao direito comercial que: a qualificação de empresa comercial para as empresas direcionadas à produção de bens e serviços não é somente o reconhecimento de um estado de direito; é um impulso dado pelo novo Codice no sentido mais profundo da economia, e o art. 2.195 assinala a passagem do tempo do comerciante ao tempo do empresário, e “l’enumerazionde del codice forma come una scala, all’alto della quale figura la nozione generale con l’impresa industriale, che discende alle imprese specificatamente considerate, mentre alla base si allarga la propaggine delle imprese ausiliarie”.1

Conquanto os avisos do legislador e da doutrina tenham sido enormes e eloquentes, o Código Civil pátrio de 2002 não estabeleceu, expressamente, quais são as atividades clássicas de empresário. Não se pode ver no art. 966 uma enumeração de atividades empresariais, mas tão-somente o conceito de empresário, ao passo que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Dentro dessa acepção técnica, também estão as indústrias, por exemplo, quando desempenham atividades empresariais, nas formas de sociedades empresárias (empresa social) ou na empresa individual do empresário. Com efeito, as normas sobre a empresa e aquelas sobre as sociedades operam sobre planos diversos: as primeiras se referem ao fenômeno da empresa em si e “per si” considerada, seja que se manifeste na forma de empresa individual, seja que se manifeste na forma de empresa coletiva; as segundas, ao contrário, se referem ao fenômeno específico da empresa social, ou seja, da empresa coletiva exercida na forma de sociedade.2 A sociedade em nome coletivo é a que exerce, por excelência, atividade de indústria, também entendida como especulação sobre bens e serviços fornecidos pela sociedade. O art. 2.195, expressamente, enumera as atividades, ao passo que estão sujeitos ao registro os empresários que exercem: attività industriale diretta alla produzione di beni o di servizi; attività intermediaria nella circolazionde dei beni; attività di transporto per terra, per acqua o per ária; attività bancaria o assicurativa; altre ausiliari delle precedenti. O fato considerável foi colocar todas essas atividades sob a qualidade de empresa, ou seja, sob a epígrafe do Codice Civile, na confluência dos interesses que compõem a empresa. Evidentemente que o conceito de empresa não pertence aos domínios do direito, mas está na sociologia, na política e na economia. A empresa ganha roupagem jurídica na figura do empresário, o qual, após o registro, assume a prerrogativa de administrar aquela atividade, que se consubstancia na empresa. A sociedade em nome coletivo, como já se disse, é empresarial por excelência, ao passo que sua atividade é eminentemente industrial, com a produção de bens ou nos serviços, especulando lucrativamente, intermediando negociações, etc. O próprio dispositivo do art. 2.195 não tem caráter de definição, mas é apenas explicativo e especificativo sobre as atividades, inclusive sobre as atividades complementares ao sistema de indústria, especulação mercantil, bancária, transporte, etc. O art. 966 do Código Civil de 2002 é a transliteração do art. 2.082 do Codice Civile quando estabelece que “è imprenditore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al fine della produzione o dello scambio di beni e servizi”.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 450.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 45.

Ora, o Código Civil de 2002 é acanhado nesse assunto. Como o código pátrio pode definir empresário e não estabelecer, expressamente, quais são as atividades que, obrigatoriamente, devem ser registradas na figura do empresário, assim como fez, acertadamente, o Codice Civile de 1942? A reforma do Código Civil de 2002 foi profundamente acanhada e torta porque não observou um fenômeno fundamental e que se manifestou quando da edição do Codice Civile de 1942, ou seja, a “comercialização” de todo o inteiro direito privado. Com efeito, a empresa é o centro em que gravita o Codice Civile, mas tal assertiva não é idêntica diante do Código Civil de 2002, infelizmente. Isso significa que o interesse da propriedade deve ser subordinado ao interesse da atividade empresarial, de tal sorte tanto no plano funcional quanto da cultura e da própria antropologia social de uma coletividade.

Porém, o atraso da sociedade brasileira é visível em tantos pontos, e, ainda hoje, a visão “patrimonialista” tem enorme importância, o que se manifesta nos interesses de classe, na fraquíssima inserção do país no comércio internacional, na visão defasada do conceito de empresa, na mediocridade das relações financeiras que assolam o país. Todo esse embrolho cultural, de atraso na visão e no conceito de empresa, se manifesta no caráter “patrimonialista” tanto da sociedade brasileira quanto no Código Civil. O que se quer dizer é que o centro de gravidade do Código Civil de 2002 deveria ser o empresário como titular de direitos e a empresa como atividade inserida num contexto de evolução social e econômica. A função do art. 2.195 do Codice Civile foi, exatamente, cumprir aquela passagem que os exímios BRUNETTI e MOSSA relataram com perfeição, abrindo o capítulo da esfera jurídica sobre a atividade empresária, desaparecendo o sistema dos atos de comércio, que englobavam a dogmática do comerciante, ou seja, o art. 2195 “segna il passagio dal tempo del commerciante a quello dell’imprenditore”.1

Esse é mais um defeito do código pátrio, que não fez referência, no seu próprio texto, às atividades que são sujeitas ao registro, na qualidade de seu exercício, como empresário. Não se argumente que tal enumeração não seria necessária pelo fato de que, de uma forma ou de outra, se encontrarem tacitamente esclarecidas pelas leis do Registro das Empresas ou pela prática dos negócios. Seria, com efeito, absolutamente necessário idêntico artigo 2.195 no código pátrio. Se assim não se fez, a obra do legislador ficou incompleta. Ora, causa espécie esse fato porque, salvo lugares e quadrantes poucos conhecidos e que nem interessa conhecer, o Código Civil de 2002 é o único texto normativo que inaugura o capítulo do “Direito da Empresa” sem enumerar quais são as atividades empresariais, fazendo referência unicamente ao empresário. A situação é estranha porque o legislador de 2002 define empresa pelo seu contrário, ou seja, não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (art. 966, parágrafo único, C. C.). Ora, com efeito, não se tem notícia, salvo em quadrantes bem distantes quiçá, que um capítulo “do direito da empresa” se reserve o direito de definir empresa pelo seu contrário, ou seja, por aquilo que não é empresa. É como se o Criador, ao definir ser humano, resolvesse explicar aquilo que são os animais irracionais que vivem nas florestas. É por dever ressaltar que a jurisprudência italiana, para fins de entendimento não apenas societário do que seja atividade de empresa, já decidiu que não se pode negar o caráter de empresa aos institutos escolásticos ou educativos pelo só fato de que a atividade de ensino e instrução feita no seu âmbito tem natureza eminentemente intelectual, e, assim, o instituto escolástico deve ser enquadrado entre as empresas industriais, previstas no art. 2.195, inciso 1, do Codice Civile. 2 A definição é acertada porque a empresa desenvolvida pode perseguir atividade não lucrativa, que desenvolve atividade econômica e que se enquadra no conceito amplo de empresa, mas refoge de uma figura eminentemente societária; por exemplo, um instituto de ensino.

244. Do exercício de empresa na sociedade em nome coletivo

A forma em nome coletivo já é indicativa da sua natureza empresarial. O seu objeto social – empresarial – é uma decorrência lógica daqueles que abrem uma sociedade de tal tipo. A sociedade em nome coletivo, desde o seu nascimento, e antes mesmo do seu registro, já é mercantil. O registro tem a função estabelecida em relação aos terceiros que com ela tratar e negociar. Entre os sócios, ela já existe, comercialmente. Disso, as sociedades de pessoas se diferem, completamente, das sociedades limitadas, e, ainda mais, das sociedades anônimas, que sem o registro não assumem as prerrogativas que a lei lhe garante e prescreve.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 450.

2 Cass. civ., sez. Lav., 6 settembre 1995, n. 9395, in BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.947.

Nas sociedades de pessoas a situação é bem outra porque, se a sociedade não é registrada, ela não perde, por esse fato, o seu caráter empresarial, e suas relações jurídicas se resolvem pelas regras da sociedade em comum e, cumulativamente, pelas regras da sociedade simples. Como todas as sociedades comerciais, a sociedade em nome coletivo está sujeita à inscrição no Registro das Empresas. A falta do cumprimento desta obrigação não influi, entretanto, sobre a validade do contrato social e não impede que a sociedade em nome coletiva exista. Se a obrigação de inscrição é realizada efetivamente, a sociedade assume uma determinada condição jurídica, que se diz, tradicionalmente, como sociedade em nome coletivo regular, enquanto, se não efetuado o registro, essa será uma sociedade em nome coletivo irregular. Contudo, sociedade em nome coletivo regular ou sociedade em nome coletivo irregular, ambas estão sujeitas a uma mesma disciplina jurídica naquilo que se refere à relação jurídica interna entre os sócios. No caso da sociedade em nome coletivo irregular, permanecendo ainda a responsabilidade solidária e ilimitada, as relações jurídicas da sociedade com terceiros assumem a condição relativa das sociedades simples, feita exceção ao fato que não tem valor o pacto de limitação de responsabilidade entre os sócios, que teria efetividade jurídica somente se a sociedade fosse registrada. Desta feita, diz o art. 1.039 do Código Civil que sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros podem os sócios, no ato constitutivo ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um. Contudo, se a sociedade em nome coletivo não for devidamente registrada, esse pacto não tem valor jurídico entre os sócios porque somente o teria nas sociedades em nome coletivo regulares. A aplicação subsidiária das regras da sociedade simples sobre a sociedade em nome coletivo não tem o poder de converter a sociedade em nome coletivo irregular em sociedade simples, e por conta desse fato não tem aplicação o art. 997, VIII, ao enunciar “se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”. Com efeito, seja a sociedade em nome coletivo regular ou irregular, a responsabilidade dos sócios será sempre ilimitada e solidária entre eles, sem qualquer exceção. Se a sociedade coletiva for regular, os sócios podem pactuar, livremente, entre eles, o que estabelece o art. 1.039 do Código Civil, ou seja, que sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros podem os sócios, no ato constitutivo ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um. Mas se a sociedade coletiva não foi levada, efetivamente, ao Registro, além da responsabilidade ilimitada e solidária entre os sócios, não terá validade a cláusula do contrato social, ou por unânime convenção posterior, que limite entre eles a responsabilidade solidária de cada um. O regramento da sociedade simples é aplicado apenas subsidiariamente à sociedade em nome coletivo, e tal fato não tem o poder de converter sociedade em nome coletivo irregular em sociedade simples porque seria conferir poderes fantasmagóricos ao texto normativo. Basta ver o que estabelece o art. 986 do Código Civil, ao dizer que, enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-seá a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo (da sociedade em comum), observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas das sociedades simples. Ora, a regra é correta, e deve ser seguida pelos tribunais. Se, por acaso, uma sociedade em nome coletivo não foi levada ao devido registro, será uma sociedade em comum, e para dirimir os conflitos devem ser aplicados os artigos 987 -990, bem como os artigos 997 e seguintes, da sociedade simples no que for compatível. A excelsa doutrina italiana já afirmara que “questa disciplina propria della società in nome colletivo irregolare consiste in ciò: a) i rapporti fra la società e i terzi, ferma restando la responsabilità illimitata e solidale di tutti i soci, sono regolati dalle disposizioni relative alla società semplice (art. 2.297, comma Iº): si applicano, perciò, tutte le norme della sezione III del capo II (artigos 2.266-71, Códice Civile), fatta eccezione per la norma che, all’art. 2267, ammette il patto di limitazione della responsabilità o di esclusione della solidarietà”.1

É absolutamente incompatível supor que uma sociedade em nome coletivo, pela falta do seu registro, possa conter cláusula que estabelece “se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais”. A aplicação é cumulativa porque o legislador disse subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis as normas das sociedades simples, ou seja, quando os parcos artigos 987-990 não resolverem a situação deve ser aplicada, conjuntamente, o artigo 997 da sociedade simples.

Essa solução é clássica, ensinada pela doutrina mais abalizada de todas, quando diz, com perfeição, que “nelle società di persone la registrazione opera nel campo dei rapporti fra la società e i terzi e la sua mancanza non ha altro effetto che di riconduirla all’ordinamento della società semplice”.2

Assim, se não existisse a esdrúxula disciplina da sociedade em comum, o direcionamento, via interpretação sistemática, seria feito, automaticamente, para as regras das sociedades simples, sem que existisse necessidade de passar pela “sociedade em comum”, até porque, no que diz respeito à responsabilidade dos sócios, a disparidade entre as duas sociedades não é

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XVIII, p. 305.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 451.

tão grande, exceção feita ao art. 997, VIII, se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais. Ao passo que, na sociedade em comum, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade (art. 990). Assim, seja registrada ou não, o objeto social da sociedade em nome coletivo será sempre de sociedade empresária. Por isso, tal sociedade é empresária por excelência.

245. Do uso da firma social como manifestação de vontade da sociedade perante terceiros

A sociedade em nome coletivo aparece perante terceiros sob o uso da razão social, que é formada pelo nome dos sócios; é sua firma perante terceiros, ou seja, da assinatura que, por si só, é suficiente em obrigar a sociedade, e todos os sócios, solidária e ilimitadamente.

Por conseguinte, o uso da firma social é prerrogativa dos sócios com os devidos poderes, que constam do contrato social. A administração da sociedade compete exclusivamente aos sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042). A firma social requer proteção, e após o seu registro, outras idênticas não podem ser aceitas. Com efeito, firma é o nome utilizado pelo empresário pela sociedade em que houver sócio de responsabilidade ilimitada e, de forma facultativa, pela sociedade limitada. O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade. Com efeito, diz a lei que a firma da sociedade em nome coletivo se não individualizar todos os sócios deverá conter o nome de pelo menos um deles, acrescido do aditivo “e Companhia”, por extenso ou abreviado.

Conforme a legislação italiana, pode se dizer que ditta della società é similar ao conceito de firma social do ordenamento jurídico pátrio, contudo, em sede de legislação italiana, ditta é também utilizada para os empresários individuais. Então, em noção comparada, seria firma individual, firma social, nome mercatorum. Todos os sócios assumem responsabilidade ilimitada pelas obrigações da sociedade. Entende-se sociedade, quando se fala em sociedade em nome coletivo, como se estivesse falando sobre firma social, ou seja, aquele fundo social sob o qual os sócios firmam e assinam as respectivas obrigações, e, quando da falta desse fundo social, a responsabilidade dos sócios é integral pelo passivo da firma social. Então, a firma social se obriga, com o caráter de sociedade, perante terceiros, desde que o uso dessa firma seja autorizado pelo contrato social, devidamente registrado. Na ditta fica claro que se está diante de uma sociedade coletiva, na qual a todos os sócios compete a administração do fundo social, assinando pela firma social. Como bem diz BRUNETTI, la collettività della ditta risulta dalla sua forma esteriore. E a consequência é que o verdadeiro caráter subsidiário da responsabilidade dos sócios, inclusive quando a falência da sociedade acarreta a falência dos sócios individualmente, tem uma correlação prática porque é evidente que, se os sócios deixam a sociedade falir, tal fato é um sinal claríssimo, ou seja, os sócios não estão mais em condições de fazer frente às suas obrigações, e, portanto, toda outra execução individual seria apenas uma perda de tempo e de dinheiro.1 Na esteira de CARVALHO DE MENDONÇA, a firma ou razão social deve representar, o quanto possível, a imagem fiel das pessoas responsáveis, e, com efeito, é esse o alvo do qual a lei não deve se afastar, ou seja, a lei deve coibir firmas simuladas, que induzam situação inexistente na prática dos fatos, e mister é sempre levar em consideração que a firma tem que ser o retrato fiel da realidade, e se se retira da sociedade um dos sócios, sendo substituído por estranho, ela tem que forçosamente alterar a firma, visto que não corresponde à verdade, e idêntica seria a solução quando um dos irmãos, ficando sozinho, não poderia mais usar a firma social, porque aquela sociedade ela não integra.

2 Da firma social devem constar unicamente sócios que exercem a administração da sociedade (empres ários no sentido técnico do termo), ou seja, sócios-gerentes, como se dizia mais antigamente, ou seja, sócios que exercem efetivamente a profissão de empresário, aquela de organizar atividade econômica com finalidade lucrativa; contudo, da sociedade em nome coletivo podem participar sócios que não são, necessariamente, administradores, ou seja, sócios que não exercem a atividade empresarial, com o sentido de administração da empresa, ou seja, empresários. É por dever ressaltar a diferença das coisas: a) na firma somente podem constar nomes de sócios administradores, que empregam, efetivamente, seu nome na firma social e assumem direitos e obrigações pela firma social, responsabilizando todos os demais sócios, de maneira solidária e ilimitada; b) da sociedade em nome coletivo podem participar sócios que não exercem a administração da sociedade, mas, por esse fato, estão impedidos de empregar seu nome na firma social, e, por conseguinte, assumir obrigações em nome e por conta da firma social, responsabilizando solidária e ilimitadamente seus consócios.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 451.

2 Tratado, cit., vol. III, pp. 156/157.

Essa é uma regra de justiça, adaptada aos fatos contemporâneos, porém, em hipótese alguma, pode participar da firma social nome de sócio que não administra a sociedade. Então, é verdadeira prerrogativa de empresário, na qualidade de agente capaz e sujeito de direito, em exercer esse poderdever, empregando a firma social, seus fundos, no interesse da sociedade, obrigando a sociedade, na firma coletiva.

246. Da administração da sociedade em nome coletivo

Fator decisivo e fundamental da sociedade em nome coletivo é a participação dos sócios na gestão dos negócios sociais. De uma forma ou de outra se espera que todos sócios participem da administração da sociedade, entendendo-se administração em sentido amplo, ou seja, participar dos negócios sociais, ter poderes negociais, ou seja, todos atos de administração ordinária e extraordinária. No silêncio do contrato, presume-se que todos os sócios podem administrar a sociedade, sem qualquer restrição ou limites internos, ou seja, contratuais, que de uma forma ou de outra não valem contra terceiros. É uma modalidade de exercício do poder de administração. Por sua vez, sendo o poder de administração algo natural à posição de sócio ilimitadamente responsável, o sistema jurídico estabelece que, salvo estipulação em contrário, a administração da sociedade compete a cada um dos sócios, denominada de administração disjuntiva. Entretanto, o contrato social pode estabelecer diversamente, ou seja, os sócios podem atribuir o poder de administrar a sociedade somente a alguns deles mesmos, ou, ademais, os sócios podem atribuir a um deles, à unanimidade ou à maioria deles a realização de um ou vários atos jurídicos, atribuindo aquilo que se denomina de administração conjunta da sociedade,1 conforme os artigos 2.257 e 2.258 do Codice Civile. O conceito de administração disjuntiva e conjunta é fundamental para entender o funcionamento da sociedade, qualquer que seja, em nome coletivo, comandita, limitada.2 No que se refere à administração da sociedade em nome coletivo, andava bem o Código Comercial de 1850, dizendo que não havendo no contrato designação do sócio ou sócios que tenham a faculdade de usar privativamente da firma social, nem algum excluído, presume-se que todos os sócios têm direito igual de fazer uso dela (art. 316). A tradução moderna dessa regra consta do art. 1.042 do Código Civil, ao dizer que a administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes.

Entenda-se por “uso da firma” competência para obrigar a sociedade. Nos “limites dos contratos”, livre autonomia da vontade entre os sócios em atribuir formas administrativas da sociedade. Dos que tenham os “necessários poderes” é a administração específica sobre determinada competência, prevista pelo contrato, ou seja, administração conjunta da sociedade.

Na lição de GALGANO, os sócios da sociedade em nome coletivo participam da administração da sociedade conforme as regras legislativamente formuladas para as sociedades simples, o que faz concluir que todos os sócios, em princípio, são também administradores da sociedade. Entretanto, na sociedade em nome coletivo moderna, é admitido pacto contratual que reserva o poder de administração em favor de um ou alguns sócios somente. Os administradores devem ser, necessariamente, sócios, não sendo admissível que todos os sócios se dispam, a favor de estranhos, do poder de dirigir a empresa social. O pacto que confere a administração a um estranho (não-sócio) não é suficiente em exonerar os sócios da qualidade de administradores e não priva os sócios do poder-dever de dirigir as operações sociais.3

1 “Nel caso di amministrazione disgiuntiva, al fine di assicurare un coordinamento nell’attività dei vari soci amministratori, la legge attribuisce a ciascuno di essi la facoltà di opporsi alle operazioni che altri intende compiere, prima che esse siano compiute. L’opposizione determina il venir meno del potere del socio singolo, restando attribuita alla maggioranza dei soci, calcolata sulla base delle quote di interesse (partecipazioni agli utili), la decisione sulla opposizione (art. 2.257, C.C.). Nel caso di amministrazione congiuntiva e nel caso in cui l’amministrazione sia conferita alla maggioranza dei soci, per sopperire ad una opposta esigenza, la legge autorizza l’amministratore singolo a compiere da solo atti di amministrazione, quando vi sia urgenza di evitare un danno alla società, e cioè quando gli amministratori o la maggioranza non possano essere sentiti preventivamente e dal mancato compimento dell’atto possa risultare un danno per la società.” FERRI, G. Manuale, cit., pp. 239/240.

2 “L’art. 2.258 Codice Civile, con disposizione dettata per le società semplici, ma applicabile, in virtù del richiamo di cui all’art. 2.293 dello stesso codice, alle società in nome collettivo, prevede che, quando per il compimento di un atto è necessario il consenso di tutti i soci ovvero della maggioranza di essi, i singoli amministratori non possono agire da soli in nome della società, salvo che vi sia urgenza di evitare un danno alla società. La norma è diretta ad impedire che la società possa subire pregiudizi per il ritardo conseguente alla necessita di procedere a consultazione, per acquisire il consenso di tutti i soci o della maggioranza di essi. Essa, quindi, presuppone che non si sia manifesto alcun dissenso, e che, al contrario, sia ancora possibile acquisire i consensi necessari, con la conseguenza che essa non è applicabile allorché sussista un grave disaccordo tra i soci (che, nel caso di specie, aveva portato alla nomina di un amministratore giudiziario)”. Cass. civ., sez. I, 19 luglio 2000, n. 9.464, cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 1.988.

3 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 315.

É bem verdade que os sócios em nome coletivo que não são administradores ficam exonerados de alguns deveres administrativos, mas não de eventuais responsabilidades; entre elas, o embolso de lucros indevidos. Por exemplo: é evidente que o sócio não administrador não está obrigado ao dever de levantar o balanço da sociedade e de toda escrituração contábil, mas antes de receber os lucros deve examinar, fielmente, o respectivo balanço e as entradas, verificando o resultado acumulado do exercício social, e, na deliberação social, aprovar a distribuição dos lucros, no montante correspondente. Mas, se o referido sócio não administrador se furta da obrigação de examinar as contas e embolsa dividendo que depois se comprova como reembolso de conferimento de bens, ou ilícito, ou indevido, certamente terá que restituir esses valores em favor da sociedade.

O sócio em nome coletivo que não exerce a administração mantém a responsabilidade pelo prejuízo causado contra o patrimônio social, ainda que esse prejuízo seja decorrente da distribuição indevida de lucros, da qual aprovou em deliberação de sócios, mas não se certificou, como deveria, da verirficação contábil das demonstrações que lhe foram apresentadas. A peculiaridade da sociedade em nome coletivo é que todos os sócios são também administradores. Com a modernidade, aceitou-se que alguns dos sócios não fossem administradores, conferindo aos demais os poderes de representação e gestão social. Contudo, ainda que os sócios não administradores não sejam, necessariamente, considerados empresários (com seus respectivos deveres), ao entregarem a administração da sociedade (que pela natureza coletiva compete a todos os sócios), acabaram assumindo o risco de assumir os prejuízos causados pelos sócios administradores. Tal situação é enfática na sociedade em nome coletivo pela sua natureza, diversa da sociedade limitada, por exemplo. A obrigação de restituir os valores recebidos como lucros indevidos, ou de indenizar, decorre que há evidente correlação entre o comportamento lesivo e o interesse lesado (credores ou terceiros), correlação essa que se forma entre a exoneração da administração por parte do sócio não administrador com o ato praticado pelo sócio administrador. Na sociedade coletiva o poder de administração é natural ao sócio, e quando o referido sócio se despe desse direito assume as consequências, ainda que não seja, na administração da sociedade, obrigado a levantar balanços e escrituração contábil ou fiscalizar a própria administração. Essa situação é peculiar da sociedade coletiva. No caso de distribuição ilícita de dividendos, o sócio administrador responde civil e criminalmente; o sócio não administrador responde civilmente e, conforme o caso, penalmente. Ensina a doutrina que a sociedade age pelos seus representantes, através dos quais adquire direitos, assume obrigações e figura judicialmente. O poder de representação é na sociedade de pessoa conatural ao poder de administração. Este, portanto, cabe ao sócio administrador enquanto tal, sem a necessidade de um expresso mandato de poderes e se refere a todos os atos que entram no objeto social.1 É exatamente o fato conatural da administração que acaba por gerar responsabilidades contra o sócio não administrador, que se despiu dessa prerrogativa, devendo suportar as consequências se de seu ato, como no embolso de lucro indevido, não agiu com prudência em conferir as demonstrações contábeis. Com efeito, somente pode ser feita a distribuição de lucros efetivamente apurados. Se for verificada a perda do capital social, não pode ser feita a distribuição dos lucros até que o capital social não seja reintegrado ou reduzido na medida correspondente (art. 2.303, Codice Civile). O embolso deve observar, ainda, os artigos 2.261-2.264, Codice Civile, conforme cada caso. Na liquidação, faz-se nos termos do art. 2.282 do Codice Civile. MODESTO CARVALHO ensina, acertadamente, em sede de sociedade limitada, mas assemelhável à sociedade em nome coletivo, que ao contrário da redução, que se configura como medida meramente contábil, a diminuição do capital excessivo tem reflexo direto no patrimônio da sociedade, devendo, por esse motivo, ser aprovada pelos credores. Ainda que a redução do capital excessivo não resulte em restituição de determinado montante aos sócios, a simples liberação de integralização de quantias anteriormente subscritas é suficiente para alterar direitos dos credores que, de boa-fé, acreditavam em sua integralização. Com efeito, o capital subscrito, e ainda não integralizado, é muitas vezes decisivo para que o credor oferte o empréstimo. Mediante oposição, portanto, o credor social poderá inviabilizar a redução do capital excessivo da sociedade, ainda que a sociedade tenha observado rigorosamente todos os procedimentos normativos.2

Nas sociedades coletivas a situação se equivale, quer seja na redução “excessiva” ou na distribuição indevida de lucros, caracterizando reembolso de capital social, fato vedado pela lei. Todos os sócios que embolsarem capital são obrigados a efetuar a devida restituição. O sócio não administrador que os embolsa, ainda que não vote na deliberação, é conivente com o fato ilícito praticado pelos demais sócios, e por isso emerge sua responsabilidade civil perante a sociedade, credores e terceiros. No caso de falência da sociedade coletiva, o que acarreta a falência de todos os seus sócios, seus bens serão arrecadados para saldar as dívidas sociais.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 244.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 303.

247. Do vínculo de confiança entre os sócios

A sociedade em nome coletivo é, na imensa maioria das vezes, constituída por poucos sócios, ligados por recíproca confiança. É a sociedade de pessoas por excelência, quando a consideração sobre a pessoa dos sócios e sua robusteza econômica são os fatores decisivos na escolha dos sócios.

Com efeito, é primordial que o sócio tenha bom nome no comércio, e com isso se quer dizer que tenha condição econômica favorável, que seja rico. Esse fator é importante porque na sociedade em nome coletivo é o sócio que, em último momento, é chamado para pagar as contas da sociedade, em caráter subsidiário, mas ilimitadamente. Do outro lado, ou seja, da confiança, parte que o vínculo societário se forma com pessoas que se conhecem, por força de relações familiares ou de extrema amizade, que sabe da condição de contratarem uma sociedade dessa qualidade, quando todos são os garantes finais do pagamento e cumprimento de todas as obrigações sociais. Ademais, a confiança é fundamenal porque todos os sócios colaborem na administração da sociedade, o que faz crescer a relevância, entre eles, da prudência e da vigilância sobre os negócios sociais, ainda mais na aceitação como sócios. Na sociedade os negócios sociais têm uma consequência pessoal sobre os sócios, que em termos obrigacionais se manifesta na ilimitação patrimonial pelas dívidas, mas, em termos societários, os negócios sociais acabam por repercutir sobre o empenho que o sócio despeja sobre a sociedade, ou seja, é uma sociedade de “dedicação integral”, e não “parcial”, e com isso se quer explicar o fato de que no exercício do poder-dever de sócio – na administração – a dedicação do sócio deve ser efetiva, atuar diretamente sobre os negócios sociais, participar das reuniões sociais, firmar contratos, ou seja, exercer com afinco não só “obrigações”, porém, exercer a própria figura de empresário, na acepção completa do termo. Por isso a lei não tolera contratação de mandatários para administrar os negócios sociais. O sócio em nome coletivo, na perspectiva histórica, era sempre um comerciante, mercador, que se colocava à frente dos negócios sociais, alcançando o prestígio da sua qualidade de comerciante, dirigindo a empresa, e o que tal sócio menos desejava era entregar seus negócios às mãos de um mandatário, administrador. A confiança é um elemento subjetivo da affectio societatis, que pode se ver do lado econômico, ou seja, do lado objetivo, na conformação dos interesses negociais na administração da sociedade, quando o vínculo encerra pleno conhecimento em saber a quantas anda o funcionamento da sociedade. É desse fato que se pode, ao menos em teoria, se afirmar que, de uma forma ou de outra, todos os sócios que estão em nome coletivo devem ser considerados empresários, ou seja, que exercem a administração da sociedade, em sentido exclusivamente societário. Impraticável, ainda que em teoria, seria permitir figurar nome na firma social de sócio que não exerce a administração, ou seja, de sócio-gerente. Tal perspectiva não poderia ser dividida em termos dogmáticos, ao passo que, conforme os ventos doutrinários mais recentes, é aceitável ter na sociedade coletiva sócio que não seja considerado, pelo simples fato de integrar essa sociedade, empresário. Bem afirma BRUNETTI que “dal lato economico la società in nome colletivo rappresenta la più perfetta fusione di capitale e di lavoro per uma comune attività lucrativa. I soci sono ad un tempo titolari e dirigenti dell’impresa; com ciò intimamente legati alle sue sorti, ad essa sogliono dedicare tutta la loro giornata e non semplicemente un’operosità marginale. Il diritto e il dovere per tutti di amministrare e di rappresentare la società e la responsabilità illimitata e solidale per gli impegni da essa assunti, sono efficace e constante incentivo a trattare gli affari della società come affari di interesse proprio. Appunto per questo la collettiva comprende d’ordinario una stretta cerchia di persone fra loro legate da amicizia e da piena fiducia”. 1

Com efeito, na espécie de sociedade personalíssima, a sociedade em nome coletivo tem ampla prerrogativa administrativa, que faz parte da sua própria noção de sócio. A legislação italiana, insuperável no capítulo das Sociedades, assim estabelece, traçando as linhas da amministrazione disgiuntiva e congiuntiva nas sociedades.

248. Da administração conjuntiva e disjuntiva na sociedade em nome coletivo

O Codice Civile diz salvo diversa pattuizione, l’amministrazione della società spetta a ciascuno dei soci disgiuntamente dagli altri. Se l’amministrazione spetta disgiuntamente a più soci, ciascun socio amministratore ha diritto di opporsi all’operazione che un altro voglia compiere, prima che sia compiuta, e la maggioranza dei soci, determinata secondo la parte attribuita a ciascun socio negli utili, decide sull’opposizione (art. 2.257).

1 Trattato, cit., vol. I, p. 452.

Ao passo que, se l’amministrazione spetta congiuntamente a più soci, è necessario il consenso di tutti i soci amministratori per il compimento delle operazioni sociali. Se è convenuto che per l’amministrazione o per determinati atti sia necessario il consensodella maggioranza, questa si determina a norma dell’ultimo comma dell’articolo precedente. Nei casi preveduti da questo articolo, i singoli amministratori non possono compiere da soli alcun atto, salvo che via sai urgenza di evitare un danno alla società (art. 2.258). Esse sistema tem ampla vigência sobre as sociedades em nome coletivo. Quando o contrato social da sociedade estabelecer que para a realização de um ato é necessário o consenso de todos os sócios ou a sua maioria, os sócios administradores não podem agir, isoladamente, em nome da sociedade, salvo na hipótese de evitar grave dano contra a própria sociedade. Neste último caso, é bem o interesse social da sociedade que reclama a atuação isolada do sócio, porque, com certeza, estará ele defendendo o interesse de todos os outros sócios.

Quando da atuação diligente do sócio em evitar dano iminente contra a sociedade, há perfeita identificação entre interesse social e interesse dos sócios individualmente, e tal fator não é exclusivamente patrimonial, mas alcança, até e inclusive, o escopo para o qual a sociedade foi constituída, passando, ademais, pela manifestação prática do vínculo de extrema confiança e amizade que deve existir entre os sócios que estão em nome coletivo. As pessoas autorizadas a representar a sociedade são aquelas que constam do contrato social, e os sócios que têm a representação social podem realizar todos os atos necessários para alcançar o objeto social, salvo eventuais restrições decorrentes do próprio contrato social. O poder de representação (administração externa) se manifesta na conclusão de negócios jurídicos praticados pela sociedade, mediante a assinatura do sócio, e acompanhada da firma social, ou seja, o sócio assina pela firma social. Isso significa que o sócio obriga os fundos sociais com sua própria assinatura, ao passo que sua assinatura, conforme expressa autorização do contrato social, tem a qualidade para obrigar todos os demais sócios e, obviamente, a sociedade coletiva. Nas sociedades em nome coletivo a regra geral é que a administração seja de caráter disjuntivo, ou seja, quando todos os sócios, individualmente, têm plenos poderes para obrigar a sociedade. A única explicação desse fenômeno está na recíproca confiança que existe entre os sócios, mas não é apenas isso, porque a responsabilidade solidária e ilimitada funciona como elemento ético na manifestação de vontade dos sócios, vale dizer, uma ética pragmática, ao colocar todos os sócios na mesma posição de garantes solidários e ilimitados, reforça-se, entre eles, que estão sob uma batuta idêntica, e que a administração dessa sociedade não pactua com perdulários, corruptos ou cediços. A sociedade em nome coletivo é, com efeito, uma sociedade de irmandade. Contra aqueles que por qualquer motivo olvidarem o peso da irmandade, eles pagarão com a responsabilidade solidária e ilimitada, o que faz dissuadir, na mais das vezes, o espírito gatuno e canalha de muitas pessoas.

249. Da administração disjuntiva na sociedade em nome coletivo

Nos termos do art. 1.013 do Código Civil, a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Se a administração competir separadamente a vários administradores (sócios), cada um deles pode impugnar operações pretendidas por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042, C.C.). Em relação à sociedade em nome coletivo com apenas dois sócios, quando o contrato social dispõe competirem a cada um deles atribuições disjuntivas (separadas) na administração da sociedade, ou seja, no uso da firma social, com amplos poderes gerenciais (prática de atos e negócios jurídicos necessários em alcançar o objeto social, bem como de gestão extraordinária), a única e legítima contraditória que se pode fazer entre os sócios, decorrentes de controvérsias relativas aos referidos negócios sociais, é o próprio sócio, não na qualidade de manifestação da vontade social, mas, pelo contrário, na perspectiva de interesse individual seu e próprio, o que, vale dizer, na condição de quebra da affectio societatis ou na prática de atos ultra vires. Neste último caso, a responsabilidade não alcança o sócio in bonis porque o terceiro deveria saber se o ato praticado extrapola por completo o objeto social. Quanto ao fato da quebra da affectio societatis, decorrente de ato culposo, doloso, gestão temerária, perdulária, incapacidade superveniente, os sócios devem requerer a exclusão do sócio faltoso ou, conforme o caso, a dissolução da sociedade, liquidando as quotas sociais. No silêncio do contrato, os administradores (sócios) podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: a) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provando-se que era conhecida do terceiro; c) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (art. 1.015, C.C.).

O referido art. 1.015 é a transliteração do art. 2.298 do Codice Civile, quando diz: L’amministratore che ha la rappresentanza della società può compiere tutti gli atti che rientrano nell’oggetto sociale, salve le limitazione che risultano dall’atto costitutivo o dalla procura. Le limitazioni non sono oponibile ai terzi, se non sono iscritte nel registro delle imprese o se non si prova che i terzi ne hanno avuto conoscenza.

1 A regra geral é a seguinte: no silêncio do contrato, a administração se reputará disjuntiva. Idêntica afirmação pode ser feita sobre a representação da sociedade na pessoa do sócio administrador. É um direito de sócio a administração em caráter disjuntivo da sociedade, bem como sua representação perante terceiros. Portanto, na sociedade em nome coletivo a regra é que a representação da sociedade compete isoladamente a cada um dos sócios, salvo diversa estipulação contratual, e a presunção legal se manifesta ao entender que fazem parte dessa representação todos os atos negociais necessários ao objeto social, presumindo que a vontade do sócio seja a vontade social, porque todos estão sob uma firma social. Salvo quando o contrato, expressamente, determina se estará diante de uma limitação na administração. Essa limitação na administração envolve atos de relevância jurídica e econômica. No primeiro caso, por exemplo, fica impedido qualquer sócio de prestar fiança ou aval, qualquer seja o valor em questão. Na segunda hipótese, pode existir cláusula determinando que nenhum sócio tem a qualidade administrativa, isoladamente considerada, para assinar contrato que ultrapasse determinado valor.

Se qualquer sócio descumprir o mandamento contratual, opera responsabilidade sobre o respectivo sócio, e, frente à sociedade, o ato é inexistente, e não lhe provoca prejuízos, nem obrigações. Por conseguinte, tem plena aplicação sobre o regramento da sociedade em nome coletivo aquilo que está disciplinado pelos artigos 1.013-1.015 do Código Civil, por força do seu art. 1.040. O art. 1.042 deve ser interpretado tendo em consideração os referidos artigos 1.013-1.105, porque são complementares na aplicação e formação da natureza administrativa dessas sociedades. Assim, a interpretação deve ser entendida da seguinte forma: a administração da sociedade compete exclusivamente aos sócios da sociedade (uso da firma social), sendo o uso da firma, nos limites do contrato (no silêncio será disjuntiva, cabendo ao contrato explicitar se conjunta entre os sócios), privativo dos que tenham os necessários poderes. Se o contrato fixar maioria ou unanimidade para a prática de algum negócio, sua validade é condicionada, objetiva, sobre esse requisito material, sob pena da aplicação da regra na qual responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria (art. 1.013, § 2º, C.C.). Ao passo, que se o contrato escolhe a via da administração conjunta entre os sócios, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes – como já se disse – em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (art. 1.014, C.C.). A interpretação do referido art. 1.014 em sentido teleológico é correta, mas sua redação é péssima. O legislador, em 2002, não poderia fazer imiscuir sobre a gestão societária o conceito de dano irreparável. Ora, isso atende outras figuras, de índole processual, inclusive, ou de imediata solução jurídica, como nos interditos, por exemplo. Agora, na esfera societária, dano irreparável, em sede de administração conjunta dá azo para conflitos de toda ordem, na interpretação daquilo que é realmente irreparável e também se o dano é reparável. Ora, primeiro ponto da questão é saber por quem seria reparável. Evidentemente que não deve encontrar a resposta na própria sociedade. A redação mais acertada deveria ter feito alusão somente ao fato que da omissão ou retardo possa ocasionar dano, sem adjetivar entre irreparável ou grave. O administrador da sociedade deve ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios (art. 1.011, C.C.). Essa regra é fundamental na interpretação sobre dano que decorre da omissão ou retardo do sócio. Por conseguinte, o homem ativo e probo deve evitar qualquer circunstância omissiva provocadora de danos, sejam eles irreparáveis ou graves. Desta feita, o sócio tem que ser diligente nas suas funções, e na sociedade em nome coletivo a regra do art. 1.011 tem relevância extrema na interpretação porque nessa sociedade todos os sócios estão sob firma social, agindo muitas vezes de maneira separada (disjuntiva) na administração da sociedade.

250. Dos poderes de gerência e administração da sociedade

Como ensina a doutrina, uma das prerrogativas dos sócios-gerentes é que tais sócios podem usar da firma social, o que fica implícito no próprio contrato, se não for expressamente previsto. O que o contrato pode mencionar é quais são os sócios que serão gerentes. Se fizer essa distinção, só os gerentes podem usar da firma social e obrigar os fundos sociais. Se

1 Conforme a legislação italiana “i fatti dei quali la legge prescrive l’iscrizione, se non sono stati iscritti, non possono essere opposti ai terzi da chi è obbligato a richiederne l’iscrizione, a meno che questi provi che i terzi ne abbiano avuto conoscenza. L’ignoranza dei fatti dei quali la legge prescrive l’iescrizione non può essere opposta dai terzi dal momento in cui l’iscrizione è avvenuta”, art. 2.193 do Codice Civile.

não o fizer, todos os sócios podem – e devem – fazer valer a sua prerrogativa de sócios em nome coletivo, porque todos são considerados gerentes.1 Nos termos do Código Civil, esses sócios são denominados administradores. As pessoas autorizadas a representar a sociedade são aquelas indicadas nominalmente no contrato social, e, pela sua publicação, os terceiros estarão em condições de saber quais pessoas estão autorizadas a administrar a sociedade e as eventuais limitações (art. 997, VI). O administrador que tem a representação social pode realizar todos os atos que entram no objeto social, salvo as restrições resultantes do próprio contrato social, e são oponíveis ao terceiro desde que o referido contrato tenha sido devidamente inscrito no Registro das Empresas. O ato sujeito a registro, ressalvadas disposições especiais da lei, não pode, antes do cumprimento das respectivas formalidades, ser oposto a terceiro, salvo prova de que este o conhecia. O terceiro não pode alegar ignorância, desde que cumpridas as referidas formalidades (art. 1.154, C.C.). O poder de representação se explica na conclusão dos negócios sociais da sociedade em nome coletivo, assinado pelo respectivo sócio, sob a razão social. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042). Na sociedade simples, por comparação, a firma do sócio fica vinculada à firma de todos os sócios administradores, porque a lei presume que a esse seja atribuída a representação da sociedade para os atos que entram no objeto social. Ademais, na administração da sociedade em nome coletivo, como em qualquer outra, o sócio pode ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações (administrativas), ou, ainda, por incapacidade superveniente. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026, quando o credor particular do sócio, na insuficiência de outros bens do devedor, pode fazer a execução incidir sobre o que a este couber nos lucros da sociedade (art. 1.030, C.C.).

251. Da administração da sociedade e poderes específicos

Pela natureza da sociedade em nome coletivo, cabe a todos os sócios administrá-la, em razão da responsabilidade solidária pelos negócios sociais.2 O contrato pode, se assim o quiser estipular o poder de administração em favor de um só ou mais sócios, como gerentes, fixar expressamente esses poderes. Lícito é tal pacto, e conferido a um ou alguns o uso da firma social, somente esses a exercem.3 O contrato social deve estipular os atos de administração ordinária que os sócios gerentes estão autorizados a cumprir, fixando, mesmo nesses casos, alguns limites, se assim bem entender. Quanto aos atos de administração extraordinária, nada impede que o contrato também lhes autorize, mas, ao que reza a boa cartilha, seria aconselhável convocar maioria ou unanimidade para sufragar tal negócio jurídico, mas, frise, é perfeitamente lícita a cláusula que confere ao gerente a prática individual dos atos de administração extraordinária, como onerar bens imóveis ou mesmo deles dispor.

252. Da responsabilidade dos sócios em nome coletivo

Amplíssima é a responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais. Essa responsabilidade advém de fatores históricos, quando a sociedade em nome coletivo surgiu nas cidades italianas da Idade Média. Ainda que exercido de maneira social, os comerciantes, no seu trato com terceiros, do ponto de vista em garantir a dívida, eram vistos como individuais, e a firma social era até uma garantia mais robusta para o credor. Por isso, da responsabilidade solidária e ilimitada, podendo atacar qualquer dos sócios.

A doutrina clássica ensina que “la società in nome collettivo si caratterizza essenzialmente in funzione della responsabilità illimitata e solidale di tutti i soci per le obbligazioni sociali: la legge precisa che un eventuale patto contrario non ha effetto nei

1 MARTINS, Fran. Curso de direito comercial, Rio de Janeiro, Forense, 1996, 22ª ed., pp. 246/247.

2 “Quanto maiores as obrigações do sócio, tanto maiores são os direitos dele. Por isso, ao sócio de responsabilidade ilimitada pertencem, quanto à administração e fiscalização da sociedade, direitos mais amplos daqueles que pertencem ao acionista.” ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas, cit., p. 291.

3 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, n. 378, pp. 553/554.

confronti dei terzi”.1 É o que diz o art. 2.291 do Codice Civile, já em referência, que na sociedade em nome coletivo todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e qualquer pacto em contrário não tem efeito contra terceiros.

Na falta ou deficiência do patrimônio social, cada sócio responde, com o seu patrimônio individual, indefinida e solidariamente pela totalidade das obrigações contraída em nome e por conta da sociedade. Tal situação se denomina de garantia subsidiária, e os sócios respondem ultra vires societatis, exerçam ou não a administração porque completam e reforçam com o seu crédito o crédito social. Essa garantia subsidiária, ilimitada e solidária, é o característico fundamental da sociedade em nome coletivo, e nenhuma outra sociedade apresenta a extraordinária vantagem de estender o risco sobre o patrimônio inteiro de todos os sócios.2

Com a luz de CARVALHO DE MENDONÇA se interpreta o art. 1.039 do Código. A limitação do art. 1.042 é por atos que ultrapassam o objeto social, e, nesse caso, a responsabilidade é individual do sócio que atua por negócios estranhos ao objeto social.

A lição de WALDIRIO BULGARELLI é perfeita, e “o emprego da firma social em negócios da sociedade e ainda mesmo em negócio particular seu (do gerente) ou de terceiro obriga todos os sócios, salvo, é claro, que tenha sido utilizada em transações estranhas aos negócios designados no contrato. Portanto, o uso da firma social está delimitado pelo objeto social e, utilizado fora do seu campo, será considerado ultra vires, responsabilizando-se o que abusar da firma social, entendido aqui abuso como justamente o uso além do objeto social”.3

O administrador que tem a representação da sociedade pode realizar todos os atos que integram o objeto social da sociedade, salvo as limitações que constem do contrato social ou de procuração específica. As limitações não são oponíveis aos terceiros, salvo se inscritas no Registro das Empresas (art. 2.298, Codice Civile).

253. Da regra do art. 1.039, parágrafo único, do Código Civil

Bem andou a lei ao dispor que sem prejuízo da responsabilidade perante terceiros podem os sócios, no ato constitutivo ou por unânime convenção posterior, limitar entre si a responsabilidade de cada um. A responsabilidade em relação aos terceiros, credores, permanece inabalável, característico da sociedade em nome coletivo. É que, como devedores solidários, podem estipular o limite que cada um responde entre eles mesmos. Os sócios são solidariamente responsáveis perante terceiros, não, porém, uns para com os outros. Se um dos sócios paga integralmente a dívida da sociedade, fica de pleno direito sub-rogado nos direitos e nas garantias do credor, e, relativamente à sociedade, essa sub-rogação é integral. O sócio que pagou se equipara ao fiador, e, relativamente a cada um dos consócios, essa sub-rogação é parcial. O sócio que pagou pode exigir dos consócios as quotas que a cada um couber na dívida paga, na proporção da sua participação no capital social ou na conformidade do que for estipulado no contrato social. Os sócios podem limitar a responsabilidade entre si, repartindo-a em proporções distintas, como, por exemplo, podem contratar que um ou mais sócios não serão obrigados para com os outros sócios, senão até a concorrência de suas quotas ou até um determinado valor fixo, corrigível monetariamente.4 O que caracteriza a sociedade em nome coletivo é, com efeito, o fato de que todos os seus sócios possuem responsabilidade ilimitada e solidária, em forma subsidiária, pelas obrigações sociais. É, portanto, uma sociedade de pessoas, na qual para sua formação se tem em consideração a pessoa dos sócios, pela responsabilidade subsidiária que assumem perante os terceiros.5

Os sócios podem pactuar e limitar, entre si, ou seja, como sócios, os limites de solidariedade. Nada mais lógico e consentâneo com a autonomia da vontade tal cláusula contratual. Note que tal situação em nada altera a participação nas perdas da sociedade e, muito menos, na quota, no caso de liquidação, não podendo aquela cláusula ser denominada leonina, ao revés, é profundamente justa.

1 FERRI, Giusepe. oManuale di diritto commerciale, cit., p. 217.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de, Tratado, cit, vol. III, n. 693, p. 152.

3 Sociedades comerciais, cit., p. 47.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 721 e 722, pp. 169/170.

5 MARTINS, Fran. Curso, cit., p. 248.

254. Dos atos ultra vires na sociedade em nome coletivo

O sócio gerente que empregar a firma social em negócios que sejam estranhos ao objeto social da sociedade, objeto social este declarado no contrato social, não obriga a sociedade nem os outros sócios, salvo se esses lhe deram ou derem consentimento. Não obstante o registro da sociedade faça público o objeto social da sociedade, o sócio gerente que abusa da firma é direta e pessoalmente responsável para com os terceiros, e pode ser processado criminalmente pela fraude ou dolo que porventura tenha maculado seu ato.1 Na hipótese aventada, o patrimônio da sociedade e dos demais sócios permanece integro, não podendo ser atacado pelo terceiro.

Se a sociedade agiu ultra vires, em administração disjuntiva, todos sócios respondem ilimitadamente somente se forem aprovados a má-fé e o conluio entre todos os sócios. Comprovação essa de extrema dificuldade na prática processual. De qualquer forma, a sociedade não é responsável por esse ato ultra vires. Se a sociedade agiu ultra vires, em administração conjunta, somente o sócio infiel é que será responsabilizado, e não a sociedade ou os demais sócios.

Com efeito, a doutrina ultra vires societatis se correlaciona, diretamente, com os limites impostos à sociedade pela cláusula do objeto social, partindo do pressuposto de que a sociedade existe somente para a realização do seu próprio objeto social, sendo ilegítimos os atos não praticados dentro do objeto da sociedade. Desta feita, na legislação inglesa, explica o exímio WALDIRIO BULGARELLI , chegam a serdeclarados nulos, por exigência da proteção dos interesses dos sócios e ao mesmo tempo do interesse público, os atos não compreendidos na atividade social e destinados a fins outros. Dentro do interesse público também está inserido o interesse dos credores.2 A limitação dos atos praticados dentro do objeto social é uma garantia social e creditória, porque envolve o patrimônio da sociedade, seus efeitos e bens, ao lado da segurança do credor em saber que o ato tem ampla validade jurídica. Na sociedade coletiva, a discussão entra pela via da administração conjunta ou disjuntiva, mas principalmente pelo poder de representação. Na representação da sociedade, quando coincidem deveres administrativos com poderes de representação, e bem sabendo que todos os sócios têm, de uma forma ou de outra, deveres e direitos administrativos, a representação da sociedade coletiva deve observar rigorosos critérios na ordem prática, evitando a prática de atos que excedam, por completo, o objeto social. Na sociedade coletiva a existência de firma social já é um critério limitador contra atos ultra vires porque já na firma da sociedade figura aquele com poderes de representação, porque seria inviável ter na firma social nome daquele sócio que não exerce, efetivamente, seus deveres de gerência. A gerência deve ser vista, na coletiva, com sentido amplo, quando coincidem atos gerenciais com poderes de representação e deveres e direitos administrativos, situação particular do sócio coletivo, e com responsabilidade solidária e ilimitada. Na esfera de ação da proteção ao interesse da sociedade o ato que excede o objeto social, nas sociedades coletivas, deve ser fulminado de nulidade, sem produzir-lhe efeitos quanto à responsabilização patrimonial. Essa circunstância se faz necessária mais ainda que nas outras formas societárias, porque na coletiva todos estão sob uma firma social, ou seja, sob um nome familiar, que não pode ser violado de tal forma, contrária, portanto, aos mais elementares rigores da fidelidade e da affectio societatis que deve imperar entre os sócios coletivos. Os poderes de representação atribuídos aos sócios administradores das sociedades em nome coletivo são individuados com referência aos atos que entram no objeto social, qualquer que seja a sua relevância econômica ou natureza jurídica, sob pena de nulidade.

255. Dos atos praticados dentro do objeto social e com abuso de firma

Situação bem distinta daquela acima apresentada ocorre quando o sócio, agindo nos limites do objeto social, ultrapassa os limites impostos pelo contrato sobre determinada negociação. É aquilo que se diz “abuso de firma praticado dentro do objeto social”. O ato é feito no interesse da sociedade, buscando atingir sua vontade social, dentro, por conseguinte, do objeto social, mas maculado por extrapolar os poderes, conferidos pelos próprios sócios, em favor de um outro sócio gerente.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 711, p. 163.

2 BULGARELLI, Waldirio. Questões de direito societário, cit., pp. 1 e 9.

Por exemplo, o contrato social diz que, para a validade de uma compra e venda no montante acima de duas toneladas de algodão, é necessária a assinatura de todos os sócios. Se um sócio, isoladamente, firma um contrato de três toneladas na compra e venda de algodão, mesmo que tal ato esteja perfeitamente incluído no objeto social, ele agiu com excesso de poderes. Neste caso, como o limite era previsto pelo contrato, devidamente registrado, tal negócio jurídico não obriga a sociedade.

A distinção se manifesta que no primeiro caso o ato é fora do objeto social (ultra vires), enquanto no segundo o ato é feito nos limites do objeto social, mas com excesso de poder. Nas duas hipóteses, a solução é idêntica, e o sócio infiel responde pessoalmente pela obrigação. A administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes (art. 1.042, C.C.). No caso em questão, o negócio jurídico é valido, mas não produz efeitos contra a sociedade, por ser firmado em excesso de poderes. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (art. 1.014, sociedade simples; por analogia, à sociedade em nome coletivo). Igualmente, art. 1.015, parágrafo único, I, do Código Civil. Numa sociedade, notadamente na sociedade em nome coletivo, na qual affectio societatis e o jus fraternitatis são fundamentos essenciais, não parece que seja aceitável que um sócio atue em abuso de firma, e, com isso, obrigue os demais sócios perante terceiros, em responsabilidade solidária e ilimitada. Se isso ocorrer, o sócio se mostra infiel, não é mais digno de ter a qualidade de sócio, podendo, conforme o caso, ser excluído da sociedade. Se a sociedade agiu com abuso de firma, em administração conjunta, somente o sócio infiel responde. É bem verdade que essa solução vai prejudicar os interesses do terceiro de boa-fé que contratou com a sociedade, mas, ao mesmo tempo, ele deveria se valer das informações necessárias para conferir os limites do contrato social e ter conhecimento da segurança jurídica da respectiva contratação. Os sócios estão em nome coletivo, mas na própria defesa da firma o contrato pode prever limites, que o registro da sociedade faz público, perante todos. É uma solução rigorosa, mas que se vale da segurança jurídica. Se o contrato silenciar sobre os atos de gestão, não estabelecendo limites, entende-se que os poderes são amplos, gerais e irrestritos, em favor de todos os sócios, que, assim, se obrigam mutuamente, via responsabilidade solidária e ilimitada, perante os terceiros. Também fica caracterizado abuso de firma quando o sócio, assinando pela sociedade, mas contrariando o contrato social, presta aval, subscreve letras de câmbio ou notas promissórias, contrata empréstimo, oferta fiança, garantia real, etc. Se tal ato for vedado ao sócio e requerer, por exemplo, unanimidade entre eles sócios, mas mesmo assim for praticado por qualquer dos sócios, tal ato não obriga a sociedade, e o sócio responde pessoalmente pela obrigação, e, com efeito, pode ensejar dissolução da sociedade, apurando a sua culpa e, por conseguinte, responsabilidades. Se o sócio pratica atos dentro do objeto social, mas que são proibidos por força de cláusula contratual, resolve-se pela limitação contratual sobre o conteúdo da administração em si. Essas hipóteses seriam: a) pode se determinar que certos atos não se possam concluir senão com a assinatura de todos os sócios; b) divisão de atos conforme sua natureza, por exemplo, cambiários, que seriam vetados avais ou fianças; c) que deve concorrer por maioria ou unanimidade dos sócios a prática de certos atos quando os valores alcançarem determinada quantia bem elevada. Nestes casos, a responsabilidade é pessoal do sócio que descumpre o mandamento contratual, devidamente registrado. Os demais sócios não respondem pelas obrigações assumidas sob a firma social no caso de abuso da firma social por parte de outros sócios, e idêntica solução sobre a sociedade, ou seja, a sociedade coletiva no seu patrimônio, não pode ser atacada por obrigações contraídas com abuso de firma, por ato praticado em situação de abuso de poder de administração. Não há, em hipótese alguma, solidariedade entre o sócio faltoso e a sociedade pelo simples fato de que o contrato social está devidamente registrado, é público por definição, e o terceiro não pode alegar ignorância desse respectivo contrato. Impraticável a fixação de solidariedade entre o sócio faltoso e a sociedade porque no abuso da firma não é a sociedade que contrata, mas sim o sócio, em nome próprio e por conta própria. A sociedade não está diante do terceiro nesse ato abusivo, mas sim o sócio, em nome próprio e por conta própria, como se disse. O descumprimento da cláusula opera consequências societárias apenas entre os sócios, e não da sociedade com terceiros. Assim, tal sócio poderá ser excluído, por justo motivo, da sociedade, inclusive judicialmente. A gravidade do descumprimento da cláusula limitativa de atribuições administrativas é de tal ordem que em alguns casos, quebrada a affectio societatis entre os sócios, importa dissolução da sociedade, apurando as perdas e danos cabíveis contra o sócio faltoso. Em hipótese alguma o sócio in bonis poderá ser responsabilizado pela gatunagem do seu consócio. Da mesma forma, o sócio in bonis não poderá ser responsabilizado pela ignorância do terceiro que contratou com o sócio, e não teve as

precauções necessárias de conferir se tal pessoa estava autorizada pelo contrato social em praticar determinado negócio jurídico em nome e por conta da sociedade coletiva, obrigando a firma social. Os negócios sociais praticados fora do objeto social não obrigam a sociedade. Essa é uma regra clássica, que não suporta restrições, sob pena de se confluir negativamente sobre a noção de fundo social ou personificação patrimonial, como centro funcional dos contratos societários.

Essa doutrina é tão correta que foi recebida com clareza pelo art. 1.015 do Código Civil de 2002. Em direito societário clássico, o art. 1.015 é muito bem-vindo e merece todos os aplausos possíveis. Tal art. 1.015, acima referido, espanca qualquer dúvida sobre a responsabilidade dos sócios, e cabe ressaltar que tem ampla vigência sobre as sociedades em nome coletivo, como em qualquer outra sociedade empresária. Assim reza a lei, e deve ser seguida, porque o direito tem na segurança jurídica a razão do próprio ordenamento jurídico. Qualquer outra perspectiva restritiva do art. 1.015 é contrária ao bom andamento dos negócios sociais. Com efeito, diga-se ainda mais uma vez que, conforme a lei (art. 1.015) no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. A regra é fundamental porque efetiva a segurança jurídica e a publicidade nos contratos sociais registrados e afirma, com exatidão, que os atos praticados em ultra vires e com excesso de poderes não responsabilizam a sociedade e muito menos os demais sócios.

A regra é correta e deve ser sufragada, amplamente, pela jurisprudência, revogando as dúvidas antigas.

256. Dos poderes dos sócios na administração da sociedade em nome coletivo

Na esteira de CARVALHO DE MENDONÇA, em geral, os poderes dos sócios são: a) praticar os negócios sociais compreendidos no objeto da sociedade, entre os quais, comprar mercadorias, matérias-primas, vender produtos fabricados ou destinados à revenda, a dinheiro ou crédito; alugar prédios para o estabelecimento, o escritório e os armazéns; contratar empréstimos e operações de crédito; receber dinheiro da sociedade e dar quitação; b) colocar a efeito a firma social e com ela subscrever as obrigações sociais, como contratos in genere, faturas, letras e notas promissórias, cheques, conhecimentos de transporte, depósito, etc.; c) administrar o patrimônio da sociedade, empregando, para esse fim, medidas conservatórias, como interrupção da prescrição, recebimento de valores; inscrição de garantia real, etc.; d) contratar e dispensar empregados; e) levantar o balanço anual e fazer assinar por todos os sócios; f) representar a sociedade em juízo; g) exigir dos sócios as quotas e contingentes a que se obrigaram para a formação do patrimônio da sociedade; h) exercer todos os deveres com a diligência de um bom e prudente comerciante.1 A pessoa que entrar para a sociedade em nome coletivo já devidamente constituída responde com os demais sócios pelas obrigações sociais anteriores, assumindo integralmente o passivo, e não tem efeito contra terceiros qualquer restrição ou limitação obrigacional. O poder de representação na sociedade coletiva advém da própria natureza de direito de sócio deste tipo societário, ao passo que não é uma “autorização” ser administrador da sociedade, mas é um verdadeiro direito de sócio administrar a sociedade. Se não consta do contrato social a limitação de poderes, presume-se a representatividade ampla e geral, e os terceiros de boa-fé tem seus direitos garantidos contra a sociedade e os sócios, solidariamente considerados, arcando de maneira ilimitada.

Por conta dessa situação, os sócios indicados na firma social têm poderes amplíssimos na administração e representação da sociedade, inclusive em receberem citações, notificações, etc., nos termos da legislação processual. Com efeito, por meio dos seus órgãos de representação e administração, a sociedade adquire direitos e obrigações, postula judicialmente, e a autonomia do seu patrimônio existe em função de sua titularidade. Os atos obrigacionais devem entrar no seu objeto social, sob pena de ineficácia em relação à sociedade. A sociedade é legitimada em adquirir, sob sua razão social, propriedades e qualquer outro direito real, bem como qualquer bem móvel, incorpóreo, patentes, direito de autor, etc.2

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 713, pp. 164/166.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 497/498.

Os sócios indicados na razão social são eminentemente sócios administradores, e por isso representam a sociedade em todo e qualquer contrato, inclusive nas questões processuais atinentes à sociedade, seu funcionamento e objeto social.

257. Todos são sócios de uma empresa social

Ainda que na sociedade em nome coletivo existam sócios que fornecem, unicamente, capital, e não façam a gestão, todos são sócios na atividade empresarial, e por isso são responsáveis pelas obrigações assumidas sob a firma social, que lhes une e identifica. Todos estão sob uma empresa que, perante terceiros, atua em nome coletivo, ou seja, em nome de todos, e todos são responsáveis pelas obrigações assumidas, não valendo, perante terceiros, pactos limitativos de responsabilidade. Todos os sócios podem ser considerados empresários, de uma empresa social, agindo em nome coletivo. Era bastante criticada a definição do Código Comercial de 1850, ao permitir que integrassem o fundo da sociedade pessoas não consideradas comerciantes (art. 315). Neste passo, é razoável seguir a linha francesa sobre a sociedade em nome coletivo, quando tous les associés d’une société en nom collectif ont la qualité de commerçants.

1 Então, todos os sócios da sociedade em nome coletivo têm o status jurídico de empresários, sob a empresa social, feita sob uma razão social. O termo empresário tem, aqui, um significado de se assemelhar ao de sócio. É fundamental essa semelhança de termos porque ficam impedidos de participar da sociedade em nome coletivo pessoas incapazes ou proibidas de exercer a atividade empresarial. O sócio capaz, declarado incapaz, poderá continuar na sociedade se devidamente representado. Mas, em hipótese alguma, um incapaz poderá ser representado para abrir uma sociedade em nome coletivo.

Essa semelhança tem algumas restrições práticas, como as seguintes: os sócios da sociedade em nome coletivo não precisam se inscrever, no Registro das Empresas, como empresário individual; e não precisam escriturar, contabilmente, em nome próprio os negócios sociais.

258. Não pode haver delegação da gerência

Em hipótese alguma o sócio-gerente poderia delegar seus poderes de administração a terceiros não-sócios. É característica da sociedade em nome coletivo que tal sociedade seja administrada unicamente por seus próprios sócios. Seus poderes são indelegáveis em favor de diretores ou terceiros, sob pena de nulidade do ato. Tal substituição é incompatível com a sociedade em nome coletivo. Se os sócios quiserem contratar administradores, que abram outra sociedade, com tipo societário que lhes permita assim agirem, como as sociedades limitadas e anônimas (art. 1.042, C.C.). Compete ao sócio administrar a sociedade, não passível de contratação de diretores. O que pode ocorrer é a efetivação de contrato de mandato para determinados negócios, quando o mandatário assume obrigações em nome e por conta da sociedade, responsabilizando integralmente os sócios. Os sócios podem instituir, entre eles, regra na qual a administração fique com um ou alguns deles. Esse poder de representar a sociedade, entre os sócios, tem pleno valor jurídico. Conquanto esse fator, o sócio administrador que representa a sociedade pode praticar todos os atos que entram no objeto social, salvo as expressas limitações previstas no contrato social ou no instrumento de mandato.

Essa regra geral tem em consideração que a representação compete ao sócio administrador em regime de administração disjuntiva, e que se refere, portanto, a uma regra direcionada a concentrar a representação na mesma pessoa que exerce a administração, com as mesmas modalidades de exercício, no silêncio do contrato; e, quando expresso no contrato que a administração é conjunta, o poder de representação competirá aos sócios administradores dentro das mesmas modalidades previstas para o exercício da administração propriamente dita.

1 “Enfin et surtout, la qualitè de commerçant des associés a une conséquence essentielle lorsque la société em nom collectif fait l’objet d’une procédure de redressement ou de liquidation judiciaires; celle-ci, em effet, s’étend de plein droit à tous les associés à raison de leur qualitè de commerçant”. JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., p. 206.

259. Da representação conjunta da razão social coletiva

A representação coletiva tem lugar quando o contrato autoriza todos os sócios a administrarem a sociedade de maneira conjunta, vale dizer, em união total entre eles. Com isso, requer-se que, na manifestação de vontade, se forme o concurso de todos os sócios, como vontade coletiva. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (art. 1.014). Na administração conjunta por excelência, o concurso de todos os sócios, com o sentido de administradores, ou seja, daqueles que figuram com seu nome na razão social, é decisivo para a validade do ato. Essa é uma caracterísitca da sociedade em nome coletivo, quando todos os administradores podem praticar os atos pertinentes à gestão da sociedade, ou seja, sua administração ordinária. Tal regra, não por acaso, é sufragada pela sociedade simples, que nada mais seria, em termos aproximados, que uma sociedade coletiva não empresária. Na sociedade simples, como na coletiva empresarial, a administração é, no mais das vezes, conjunta, pelos vínculos familiares ou de affectio societatis que existem entre os sócios. As formas de administração conjunta podem ser diversas, e os contratantes têm plena liberdade nos pactos. A representação conjunta pode competir: a) a todos os sócios, indistintamente, se são administradores ou não; b) a todos os sócios administradores; c) a dois ou mais sócios administradores; d) a dois ou mais sócios não administradores. Como diz BRUNETTI, o escopo da representação coletiva é aquele de “ovviare alla eventuale inesperienza neglia affari di alcuni soci rendendo necessária la recíproca consultazione prima di addivenire a una deliberazione ottenendosi così la solidarietà morale di tutti. Perciò, tale forma non implica una limitazione subiettiva del potere (che compete cumulativamente a tutti) ma soltanto del suo esercizio. Concettualmente non differisce dalla rappresentanza singolare rimanendo nella sua essenza illimitabile”.1

São revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato separado ou a quem não seja sócio (art. 1.019, parágrafo único, C.C.). O representante nomeado pelo contrato social, do mesmo modo que o administrador, não pode ser revogado das suas funções salvo por justa causa, e tal revogação deve ser feita judicialmente e pode ser solicitada por qualquer sócio. Assim, esta regra diferencia claramente a posição de administrador nomeado pelo contrato social (art. 1.019, caput) daquela regra da representação sucessiva (art. 1.019, parágrafo único), que observa a figura do mandato quando diz “a qualquer tempo”, ou seja, ad nutum.

Conforme a legislação italiana (art. 2.259, Codice Civile), “la revoca dell’amministratore nominato con il contratto non ha effetto se non ricorre una giusta causa”, ao passo que a revogação por justa causa pode em todo caso ser requerida judicialmente por qualquer sócio. Esta regra é o fundamento do art. 1.019, caput, do Código Civil.

Enquanto, “l’amministratore nominato con atto separato è revocabile secondo le norme sul mandato” (art. 2.259, Codice Civile), que, por seu turno, é o fundamento do art. 1.019, parágrafo único, do Código Civil. No caso da revogação dos poderes de administração, qualquer sócio tem legimitidade para requerer tal medida. Ao passo que a exclusão é medida diferente, tanto que a legitimidade para sua requisição é de iniciativa da maioria dos demais sócios, sempre no caso de falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Sobre essa maioria “dos demais sócios”, obviamente não são computados os votos do sócio a ser excluído. A forma de representação se faz com a assinatura do sócio, com a indicação da razão social. É sobre esse poder de assinar que pesa a fonte da representação social. O contrato social deve estipular quem tem o poder de representar (assinar) pela firma social, assumindo as obrigações em nome e por conta da sociedade. É nesta hipótese que tem aplicação o art. 1.019, caput, do Código Civil. Pode, conforme o caso, ser autorizado também por ato em separado o poder de representar a sociedade. Assim, o poder de assinar advém de autorização posterior. Neste passo, tem aplicação a regra do art. 1.019, parágrafo único, do Código Civil.

Com efeito, são irrevogáveis os poderes (assinar) do sócio investido na administração por cláusula expressa do contrato social, salvo por justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios. A regra é perfeita, pelos seus dois postulados: a) primeiro porque é de tal importância a presença do nome do sócio administrador, no próprio contrato social, que somente uma causa muito justa é que poderia fazer essa sua prerrogativa na administração ser revogada, ou seja, é ele membro da sociedade coletiva, administra o fundo, todos os sócios têm total

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 500/501.

confiança no desempenho das suas funções, tudo somando, é tal pessoa a própria manifestação da sociedade como entidade jurídica e econômica; b) segundo porque a lei permite que qualquer sócio requeira, judicialmente, a revogação do poder de administrar, ou seja, não há qualquer referência ao fator de maioria de votos ou sobre o capital ou sobre os lucros, vale dizer, é uma regra bastante democrática dentro da sociedade, permitindo o controle por parte de qualquer sócio sobre os demais.

Com efeito, há equilíbrio societário correto no poder de administração e na sua forma, tanto no caput do art. 1.019, quanto no seu parágrafo único. Tal equilíbrio é sucedâneo da vontade social. No primeiro caso, a justa causa deve ser comprovada judicialmente, ou seja, o equilíbrio entre o requerimento de “qualquer sócio” deverá encontrar amparo na lei, na equidade e na boa-fé, fatos esses que devem ser justificados do ponto de vista societário para ensejar a revogação dos poderes administrativos.

A outra situação, ou seja, a revogação “a qualquer tempo” dos poderes conferidos por ato em separado, mostra, claramente, que entram e têm valor as regras do mandato conferido ao sócio para a prática de atos e negócios jurídicos isolados ou não, mas os quais, de uma forma ou de outra, devem ser cumpridos nos fiéis limites da procuração, o que denota certo matiz de temporalidade, quando a regra da dispensa ad nutum é aceita claramente pelas partes. Não se pode confundir revogação dos poderes de representação com exclusão do sócio. Somente a gravidade da situação é que responderá se um ocasionará a outra hipótese. Em sede de direito societário, vale a regra de equilíbrio contratual, aplicando o art. 1.455, Codice Civile, quando estabelece que “il contratto non si può risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’altra”. Como contrato plurilateral, o contrato societário não se resolve pelo inadimplemento da outra parte. Por isso os sócios podem excluir um sócio que não realizou sua contribuição ao capital social, dando continuidade com a sociedade.

Ocorre que neste caso, ou seja, do não-conferimento de bens, está definitivamente comprovada a justa causa, e o sócio tem que ser excluído obrigatoriamente. Porém, perquirir a natureza de justa causa para exclusão de sócio é matéria extremamente difícil e requer análise profunda sobre a relação societária, quebra da affectio societatis, conflito de interesses, etc., que serão analisados, oportunamente, infra. De uma forma ou de outra, o sócio será excluído nos casos de não realizar o conferimento de bens, dinheiro ou efeitos ao capital social, quando por incapacidade superveniente, condenação penal (conforme o contrato) e por faltar idoneidade ao cumprimento dos seus deveres de administração. Portanto, a revogação dos poderes de administração pode ocasionar a exclusão do sócio, mas não é uma condição necessária.

260. Das características da sociedade em nome coletivo

Entre algumas das principais características dessa sociedade, na lição de WALDEMAR FERREIRA , estão as seguintes: a) ser a parte de cada sócio no fundo social parte de interesse, em princípio inacessível e intransmissível; b) exercer a sociedade atividade empresarial sob firma ou razão social; responderem todos os sócios ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais; terem todos os sócios a qualidade de comerciantes.1 É importante ressaltar que o mestre WALDEMAR FERREIRA não reputava necessário que todos os sócios fossem comerciantes, dissentindo da opinião do grande JEAN ESCARRA. Contudo, é bastante razoável, nos tempos de hoje, propugnar pelo fato de que todos os sócios têm, na sociedade em nome coletivo, a qualidade de empresário, tese essa que considero a mais acertada, em razão da interpretação histórica. Conquanto na realidade, o mínimo que se pode esperar é que o sócio que emprega o nome na firma social seja, efetivamente e sob os rigores da lei, empresário. O fato de não considerar como empresário todos os sócios da sociedade em nome coletivo tem várias consequências, e a principal seria o fato de ser agente capaz para o exercício da atividade empresarial. Em sede de negócios, parece ser essa a finalidade da sociedade, ou seja, que todos exerçam a gestão dos negócios sociais; contudo, isso não é obrigatório, ou seja, podem integrar a sociedade sócios que não empreguem nome à firma social e que não administrem externamente os negócios. Nesses casos, é aceitável, de certa forma, e levando em consideração a realidade, que esses sócios não sejam considerados necessariamente empresários. No direito comparado, todo sócio que está em nome coletivo é considerado comerciante, principalmente aqueles que seguem o sistema francês.

1 Instituições, cit., vol. I, n. 373, p. 547.

Dizia o Código de Comércio de 1850 que, nas sociedades em nome coletivo, a firma social assinada por qualquer dos sócios-gerentes, que no instrumento do contrato for autorizado para usar dela, obriga todos os sócios solidariamente para com terceiros e a estes para com a sociedade (art. 316).

Quando preceituava “sócios-gerentes” a referência era, certamente, aos sócios comerciantes, que exerciam efetivamente o comércio, e sob sua firma assinavam as obrigações. Seu ato, ou seja, sua firma social, obrigava os demais sócios, que, por força contratual, não eram necessariamente comerciantes. Havia, ainda, presunção de que todos eram comerciantes, por derivação do referido art. 316, segundo parágrafo, estipulando que “não havendo no contrato designação do sócio ou sócios que tenham a faculdade de usar privativamente da firma social, nem algum excluído, presume-se que todos os sócios têm direito igual de fazer uso dela”. Essa era uma presunção de que a pessoa era comerciante, que poderia obrigar a sociedade e seus sócios, solidariamente. Somente o contrato poderia restringir essa presunção, dizendo quem, efetivamente, praticaria os atos negociais em nome e por conta da firma social, restando a solidariedade e a responsabilidade infinita aos demais sócios, que têm ampla, geral e irrestrita confiança em favor do sócio que firma pela sociedade. Por seu turno, o Decreto 916 de 24 de outubro de 1890 já dizia, com acerto, que a firma de sociedade em nome coletivo deve, se não individuar todos os sócios, conter pelo menos o nome ou a firma de um com o aditamento por extenso ou abreviado – “e companhia”, não podendo dela fazer parte pessoa não comerciante(art. 3º, § 1º, do referido Decreto 916/90). Nessa sociedade se encontra o ápice da noção de affectio societatis. Nada consegue congregar maiores elementos de fraternidade entre os sócios que a sociedade em nome coletivo, pelo simples fato da responsabilidade ilimitada de todos os seus integrantes, por obrigações assumidas por um ou todos eles, conforme designados pelo contrato social. De certa forma, o Código de 2002 mantém essa obrigatoriedade de o sócio-gerente ser empresário, ou seja, que observe formalmente os requisitos para o exercício dessa caríssima profissão. O art. 1.042 do Código Civil estabelece que a administração da sociedade compete exclusivamente a sócios, sendo o uso da firma, nos limites do contrato, privativo dos que tenham os necessários poderes. O termo administração nada mais pode significar, neste passo, que o sócio assumirá os direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade, em responsabilidade solidária e ilimitada, sendo considerado como poder de representação. Compete, exclusivamente, ao sócio o uso da firma. Então, espera-se que tal pessoa seja um profissional e que observe os requisitos para sua atuação.

261. Da regra sobre a responsabilidade subsidiária

Diz o Codice Civile que i creditori sociali, anche se la società è in liquidazione, non possono pretendere i l pagamento dai singoli soci, se non dopo l’escussione del patrimonio sociale (art. 2.304). Já se decidiu na Itália que nem mesmo a declaração de falência da sociedade em nome coletivo é prova da insuficiência do patrimônio social para justificar a execução dos bens pessoais dos sócios, que gozam do beneficium excussionis até nessa sede procedimental.1 Portanto, a regra é clara: em primeiro lugar, compete ao credor buscar solver o seu crédito contra o patrimônio da sociedade, e, na sua insuficiência, se socorrer contra o patrimônio dos sócios, que respondem ilimitada e solidariamente. A lei é expressa sobre isso, ao determinar que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (artigoss. 1.024 e 1.040, C.C.). Com efeito, constatada essa insuficiência, o credor pode correr contra um sócio, depois outro, vários sócios, e depois alguns, e tanto faz, exercendo ao máximo sua prerrogativa de credor contra devedores solidários. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto (art. 275, C.C.). Em termos de vencimento das obrigações, também tem aplicação, conforme o caso, a hipótese do art. 333 do Código Civil, quando ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado nesse Código: a) no caso de falência do devedor ou de concurso de credores; b) se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor; c) se cessarem, ou se tornarem insuficientes as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Se for declarada falida a sociedade em nome coletivo ou na hipótese de insuficiência na garantia de seus bens, os credores, e provada tal insuficiência, poderão se socorrer contra os bens particulares dos sócios, que são, com efeito, entre eles, devedores solidários entre si e subsidiários da sociedade.

1 Cass. civ., sez. I, 13 marzo 1987, n. 2647, cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 2.007.

Essa regra é inabalável, não tolera restrições infundadas. Assim também diz a lei adjetiva, ao estipular, claramente, que os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. Cumpre ao sócio que alegar o benefício deste artigo nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito (art. 596, C.P.C.). Com feito, deve ser observado, fielmente, o texto da lei. A responsabilidade dos sócios é subsidiária em relação à sociedade, e eles são garantes solidários e ilimitadamente em relação aos terceiros, nas obrigações sociais, quando da ausência de fundos sociais.

262. Da cessão das partes sociais

Como regra geral, o sócio não pode ceder sua parte social a terceiros. Isso descaracterizaria a natureza pessoal da sociedade em nome coletivo. Neste tipo societário, affectio societatis e jus fraternitatis representam condição de existência e continuidade da sociedade, sempre intuitu personae. A única forma de cessão da parte social é se contar com a aprovação unânime dos demais sócios. Eventual cessão que contrariar o texto da lei ou o contrato é nula de pleno direito, respondendo o sócio por falta grave e perdas e danos cabíveis.

Em casos especiais, somente se o contrato social assim permitir, é possível a cessão que seja aprovada por maioria dos sócios. Nesta hipótese, é de bom alvitre que o contrato social preceitue que o sócio dissidente e vencido possa se retirar da sociedade, recebendo aquilo que lhe for de direito decorrente da sua participação social. CARVALHO DE MENDONÇA ensinou que é da natureza das sociedades pessoais que os sócios se aceitem reciprocamente, e a consideração pessoal domina o contrato, isso em razão das qualidades e do caráter dos contratantes, que faz nascer a sociedade. Nenhum dos sócios pode, pois, em sociedades obrigar os outros sócios a aceitarem terceiro, a quem cedesse, por qualquer título, no todo ou em parte, seus direitos de sócio. A escolha dos sócios é de tal ordem essencial, pessoal, que seus herdeiros não lhe sucedem nesta qualidade, salvo, bem entendido, estipulação contrária, e supondo sempre que são aceitos e aceitam os outros. A cessão da quota ou a substituição de um por outro sócio, para ser juridicamente admissível, deve resultar da vontade de todos os sócios, manifestada contratualmente, porque é causa de verdadeira alteração do próprio contrato social. Seria nula a cessão por outras formas, que não essa – cum enim societas consensu contrahatur, socius mihi esse non potest, quem ego socium esse nolui (lei 19, Dig. pro socio). Contudo, admite-se a cláusula em que se estipule que o sócio tenha a prerrogativa de ceder sua quota, em nome da autonomia da vontade nos contratos.1 Nas sociedades em nome coletivo a imensa maioria dos contratos estabelece a impossibilidade de cessão das partes sociais, ou da negociação dos fundos sociais, por maioria de votos. No caso especialíssimo da sociedade em nome coletivo é de considerar sem validade a cláusula que permite a cessão das partes sociais por deliberação da maioria, decorrente inclusive da redação do art. 999 do Código Civil.

Assim já era a disciplina no Código de Comércio de 1850 (art. 334), que dizia: “A nenhum sócio é lícito ceder a um terceiro, que não seja sócio, a parte que tiver na sociedade, nem fazer-se substituir no exercício das funções que nela exercer sem expresso consentimento de todos os outros sócios; pena de nulidade do contrato.” Não é que o contrato da sociedade seria considerado necessariamente nulo, em interpretação recente, mas sim a respectiva cláusula. Com isso, a sociedade não seria irregular. A impossibilidade da cessão das partes sociais por maioria resulta como consequência que a sociedade em nome coletivo é formada por contrato concluído em premissa intuitu personae. É a sociedade em nome coletivo, como qualquer outra, contrato de execução continuada e diferida no tempo, e os sócios devem trabalhar em comum para a consecução do objeto social, inteiramente diligentes sobre os afazeres sociais. Eis por que não se pode fazer substituir no exercício de suas funções e prerrogativas.2 O Código de Comércio da França diz: “Les parts sociales ne peuvent être représentées par des titres négociables. Elles ne peuvent être cédées qu’avec le consentement de tous les associés. Toute clause contraire est réputée non écrite.” Então, via de regra, a cessão das partes sociais pode ocorrer somente quando da aprovação por todos os sócios, ou seja, em deliberação unânime.

1 “Como quer que seja, a substituição de um por outro sócio importa modificação do contrato social e é imprescindível novo instrumento escrito para ser arquivado no Registro do Comércio. Os efeitos daquelas cláusulas são os do contrato preliminar, pois mediante elas os sócios se obrigam ab initio a modificar o contrato social para a retirada de um e admissão de outro sócio.” MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 115.

2 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, pp. 548/549.

Vale ressalvar que essa regra tem aplicação notadamente na sociedade em nome coletivo, que tem caráter personalíssimo, situação profundamente distinta dos demais tipos societários. Por bem da verdade, nem mesmo ao sócio comanditário é lícito ceder sua participação na sociedade sem a deliberação em caráter unânime dos demais sócios.

263. Da incapacidade superveniente dos sócios em nome coletivo

Os menores e incapazes não podem abrir sociedade em nome coletivo pelo fato de que é natural dessa sociedade que todos os sócios exerçam atos de administração. Outro fator que impede a abertura de sociedade em nome coletivo por menor ou incapaz é que tal sociedade é de responsabilidade ilimitada e solidária.1 Nenhum representante legal pode fazer ingressar nessa sociedade menor ou incapaz, sob pena de destituição de suas funções. As obrigações dos sócios começam imediatamente com o deferimento do registro do contrato social. Somente um representante que estivesse agindo de máfé ou com extrema culpa poderia embaraçar os bens pessoais de menor ou incapaz fazendo que tal pessoa seja sócia em responsabilidade solidária e ilimitada. Neste caso, diga-se, o representando estaria melhor sem representante. Pode ocorrer, ao revés, a hipótese de incapacidade superveniente, com decretação de interdição. A interdição, no mais das vezes, vai impedir que o sócio permaneça na sociedade, sendo vedada a representação legal, sempre pelo fato da responsabilidade ilimitada. Neste caso, a sociedade tem que ser dissolvida. Todavia, o contrato social pode estabelecer, supletivamente, a continuação da sociedade no caso de interdição de qualquer sócio, apurando a liquidação da sua parte sobre o capital social. De toda maneira, esse sócio agora será um credor da sociedade na apuração dos haveres. Se pronta for a dissolução, participará sobre o acervo. O menor e o incapaz que foi interditado nunca poderão praticar atos juridicamente válidos na administração da sociedade em nome coletivo. Se a incapacidade é superveniente, ou seja, durante a existência da sociedade, nada mais lógico que ao lado da sua impossibilidade de administrar a sociedade, no uso da firma, a sociedade consequentemente deva entrar em processo de dissolução, pelo seu caráter estritamente pessoal. O fundamento dessa dissolução de pleno direito está no art. 1.034, II, do Código Civil. Nesta esteira, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer sócio, quando exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade. Por certo que no caso de um sócio declarado interditado, bem sabendo que é esse sócio quem tem o direito exclusivo de administrar a sociedade, se manifestará, por conseguinte, a impossibilidade da sociedade alcançar o fim social, por absoluta inexequibilidade. O termo inexequibilidade tem que ser interpretado não em conotação extensiva, muito pelo contrário; conquanto acarrete o entendimento da impossibilidade de fazer a sociedade cumprir seu fim social, ou seja, como um incapaz, assim declarado pela justiça, pode administrar patrimônio alheio, obrigando, em responsabilidade solidária e ilimitada, os demais sócios? Seria a balbúrdia nas sociedades, a desordem completa, coisas nefastas, contras as quais o direito não tolera ingerências desavisadas.

Com efeito, “inexequibilidade” não envolve apenas a conotação da impossibilidade de a sociedade alcançar o seu objeto social, ou seja, por exemplo, uma sociedade que tenha como objeto social cursos de natação em zonas oceânicas: se acontecer um acidente radioativo atômico que contamine aquelas águas por milhares de anos, impossível é o cumprimento do seu objeto social e, por conseguinte, inexequível é o seu fim social. Outro exemplo de impossibilidade de alcançar o objeto social se dá quando da proibição de importação ou exportação dos bens ou mercadorias com as quais a sociedade negociava. Situação completamente distinta ocorre no caso de sócio declarado incapaz: por mais que o objeto social ainda continue exequível, a forma societária em nome coletivo impede a continuação dos negócios sociais suficientes para fazer alcançar objeto social, ainda que esse objeto social seja plenamente exequível e por mais rentável que possa ser. Essa é realmente uma hipótese periclitante, mas que pode ocorrer. O Código de Comércio de 1850 já determinava tudo isso e tem o manancial jurídico suficiente, expressamente, para espancar dúvidas ou contradições. Dizia o referido código, art. 336, 2, que as sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes do prazo marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios por inabilidade de alguns dos sócios ou incapacidade moral ou civil, julgada por sentença.

1 “O sócio, admitido em sociedade já constituída, não se exime das dívidas sociais anteriores à admissão”, art. 1.025 do Código Civil.

O Código Civil de 2002, de tanta baralhada que fez, não diz, expressamente, sobre a dissolução judicial no caso de incapacidade de sócio, aplicável notadamente na sociedade em nome coletivo. Na sociedade em nome coletivo o uso da firma social é forma para alcançar o objeto social. Este somente existe enquanto aquela firma social puder, legitimamente, obrigar a sociedade e responsabilizar os demais sócios. Declarada a interdição, o representante legal do interditado deve, imediatamente, requerer a dissolução da sociedade, sob as penas da lei. Em interpretação condizente com cada caso em espécie, fica, dentre condições raras, permitido que o representante legal do interditado apresente requerimento de transformação da sociedade em nome coletivo em outro tipo societário, de responsabilidade limitada. Pode ser sociedade anônima, limitada ou comandita simples. É claro que, no caso de incapacidade superveniente do sócio que tem poderes de administração, os demais sócios também podem requerer a dissolução da sociedade. Nenhum sócio em nome coletivo é obrigado a permanecer na sociedade quando da incapacidade superveniente de outro sócio, isso em razão da natureza pessoal da sociedade, e diante da total ilegitimidade de representação legal do interditado para fins comerciais, de empresa.

A legislação francesa, Código de Comércio (art. L221-16), diz expressamente que: “Lorsqu’un jugement de liquidation judiciaire ou arrêtant un plan de cession totale, une mesure d’interdiction d’exercer une profession commerciale ou une mesure d’incapacité est devenu définitif à l’égard de l’un des associés, la société est dissoute, à moins que sa continuation ne soit prévue par les statuts ou que les autres associés ne la décident à l’unanimité.Dans le cas de continuation, la valeur des droits sociaux à rembourser à l’associé qui perd cette qualité est déterminée conformément aux dispositions de l’article 1843-4 du code civil. Toute clause contraire à l’article 1843-4 dudit code est réputée non écrite.” Solução correta, que pode ser aplicada em sede de ordenamento jurídico pátrio. Na sociedade em nome coletivo são vedadas a contratação de diretores e a delegação da administração (uso da firma social). Se não pode nem mesmo contratar diretores, quanto mais permitir a representação legal do interditado. Na formação dessa sociedade, o sócio tem atenção especial quanto à pessoa dos demais sócios. Desaparecendo esse vínculo de união, fraternidade social, desaparece a sociedade, partindo para a dissolução.

Diz a doutrina com perfeição que “a inabilidade de algum dos sócios ou a incapacidade julgada por sentença abalam incontestavelmente o crédito das sociedades formadas intuitu personae. Por outro lado, seria intolerável para os sócios, que se aceitaram em virtude de considerações pessoais, entrar obrigatoriamente em relações com os representantes legais de um deles. Eis por que lhes faculta, no caso exposto, requerer a dissolução da sociedade ainda antes do seu termo”.1 Ainda conforme seus ensinamentos, na antiga sociedade de capital e indústria, se o sócio fica impossibilitado de prestar serviços à sociedade, ele próprio tem o direito de requerer a dissolução – o sócio não tem culpa no fato sobre o qual fundamenta o seu pedido. O contrato social pode prescrever que, em regras gerais, no caso de falecimento ou incapacidade de sócio que não usa a firma social, a sociedade continuará com os demais, apurando os haveres e direitos do sócio falecido ou interditado. Para ser sócio-gerente na sociedade em nome coletivo, devem ser observados os requisitos legais para ser empresário, ou seja, a capacidade civil, bem como a profissional. Portanto, podem exercer a atividade de empresários os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. Com efeito, podem exercer a função de sócio-gerente e empregar seu nome na firma social aqueles que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos. O contrato social também pode estabelecer que, se algum sócio for condenado na seara penal, tal circunstância acarreta, de pleno direito, a dissolução da sociedade. Tal hipótese entraria, no âmbito da sociedade, como incapacidade administrativa e quebra de vínculo societário. Por outro lado, conforme o tipo penal, o contrato social poderia expressamente permitir a continuidade dos negócios no caso de condenação penal de qualquer dos sócios, o que, de certa forma, seria uma sociedade de delinquentes. Basta especular no caso dos crimes culposos e que admitem tentativa que não seria acertada ter como ilegal uma cláusula que estabelece a continuidade da sociedade.

Em qualquer situação, fica ressalvado que somente pode empregar o nome na firma social o sócio que exerce efetivamente a atividade empresarial, ou seja, que é empresário. Seria transmutar, dramaticamente, a natureza da sociedade em nome coletivo se a prática permitisse que pudesse empregar nome à firma social o sócio que não é empresário. O rigor histórico do tipo societário assim requer. Àquele que não desejar basta abrir sociedade limitada ou anônima.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 800, pp. 220/221.

264. Do prazo de duração das sociedades em nome coletivo

A duração da sociedade decorre sempre do interesse dos sócios, isso na redação do contrato social. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que mencionará, além das cláusulas estipuladas pelas partes, o prazo da sociedade (art. 997, II). A fixação do prazo é importante especialmente por dois fatores: a) em relação aos credores particulares do sócio que, até que não seja extinta a sociedade, podem agir sobre os lucros que o sócio tem direito; e após a sua dissolução podem agir somente contra a quota que cabe ao referido sócio na liquidação do patrimônio da sociedade; b) ao passo que, findo o prazo contratual da sociedade, esta pode se prorrogar indefinidamente; ou se abre, obrigatoriamente, o processo de liquidação, se os sócios não se opuserem, expressamente contra a continuidade do funcionamento da sociedade, ou seja, por continuidade tácita.1 Esses dois fatores constam dos artigos 1.026 e 1.033 do Código Civil. Com efeito, o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação (art. 1.026). E dissolve-se a sociedade quando ocorrer: o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado (art. 1.033, I). Se o contrato social não especificar o prazo determinado da existência da sociedade ou não constar, expressamente, que se abre a sociedade por prazo indeterminado, o contrato social não poderá ser levado à inscrição no Registro das Empresas. A falta de fixação no contrato social do termo final de duração da sociedade coletiva impede o seu registro, e a falta de indicação de duração equivaleria declarar que a sociedade seria por prazo indeterminado ou que deve durar por toda a vida de um ou mais sócios. Contudo, na sociedade em nome coletivo, não é aconselhável, e muito mesmo juridicamente aceitável, que uma sociedade coletiva seja por prazo indeterminado, pelo simples fato de que a firma social leva o nome de pessoas naturais, quando, no mais das vezes, o seu falecimento acarretaria a resolução da sociedade, até pelo fato da impossibilidade de alcançar o fim social. Com efeito, no caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo se: a) o contrato dispuser diferentemente; b) se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; c) se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido (art. 1.028, C.C.). Nas sociedades coletivas, o prazo de duração da sociedade ou o fato da morte do sócio é relevante principalmente pelo fato da liquidação da quota, diga-se, de um sócio que exerce a representação da sociedade, que tem papel decisivo na sorte dos negócios sociais. Seria, no mais das vezes, equivocado que o seu falecimento não importasse a dissolução da sociedade, e após a dissolução cada sócio poderá abrir outra sociedade ou atua como empresário individual, continuando a exercer a atividade empresarial mas sem se “apropriar” dos serviços e efeitos do sócio falecido. A elaboração da doutrina que defende, acertadamente, a continuidade da sociedade, ainda no caso de falecimento ou interdição de sócio, é eficiente no caso das sociedades capitalistas, nas limitadas bem engendradas ou, obviamente, nas sociedades anônimas, que, na sua estrutura societária, contam com diretores extremamente qualificados para administrar a sociedade.

Contudo, querer transplantar essa teoria para a sociedade em nome coletivo é descaracterizar o instituto mercantil mais que secular. Nas sociedades coletivas o “nome” do sócio é tudo para a sociedade, tanto que são responsáveis ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais. Neste tipo societário não têm lugar administradores contratados no mercado dos diretores, onde sempre podem ser encontrados novos sujeitos com novíssimas idéias na administração das empresas. Em sede de sociedade coletiva, a “história” da pessoa, sua presença como sócios e nas negociais, é, na imensa maioria das vezes, condição para a realização dos ganhos econômicos sob os quais a sociedade requer efetivamente. A sociedade em nome coletivo, como toda sociedade, tem relações com terceiros, seus credores, e na sociedade coletiva essa situação atinge o nível de relação pessoal, quando os credores, certamente, conferem crédito sabendo que, no caso de falecimento do sócio, a sociedade se dissolve, e os credores, na falta de bens sociais, podem se valer sobre o patrimônio dos sócios, ilimitada e solidariamente.

No caso de falecimento do sócio, que tem seu nome na razão social, a solução é a de se concluir que “a convenção pela qual a sociedade deve continuar com os herdeiros do sócio pré-morto não pode ter execução entre os herdeiros maiores sem que todos aceitem livre, expressa e solenemente a posição de sócios e sejam aceitos pelos sobreviventes”.2 Com efeito, a aceitação tem que ser expressa e solene, isso significa com alteração do contrato social.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 462.

2 MENDONÇA, J. X.Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 788, p. 214.

O contrato social da sociedade em nome coletivo deve fixar o prazo de duração da sociedade ou se por prazo indeterminado. Nada impede que exista cláusula contratual estabelecendo que, ao final do prazo de duração fixado, a sociedade se prorroga por prazo indeterminado. Essa regra é válida, e entra na liberdade de contratar. Assim, admite-se que a sociedade em nome coletivo regular possa ser tacitamente prorrogada por tempo indeterminado. 1 Com efeito, sempre que a sociedade estipular prorrogação tácita, tal regra é válida, e de conhecimento de todos os interessados, porque devidamente inscrita no Registro das Empresas. Então, resumindo, a sociedade em nome coletivo regular pode sair: a) como sociedade por prazo certo e determinado, caso em que, findo o respectivo prazo, a sociedade entra em dissolução, liquidando seu ativo entre os credores, e o acervo entre os sócios, com sua extinção; b) como sociedade por prazo certo e determinado, mas com cláusula de prorrogação tácita, caso em que não entrará em dissolução, salvo unânime manifestação em contrário dos sócios; c) pode, já desde o seu início, por prazo indeterminado.

265. Do credor particular do sócio coletivo

Regra justíssima é o que consta do art. 1.043 do Código Civil, ao estipular que o credor particular de sócio não pode, antes de dissolver-se a sociedade, pretender a liquidação da quota do devedor. Poderá fazê-lo quando: I – a sociedade houver sido prorrogada tacitamente; II – tendo ocorrido prorrogação contratual, for acolhida judicialmente oposição do credor, levantada no prazo de noventa dias, contado da publicação do ato dilatório. O fato de que o credor particular do sócio poderá pretender a liquidação da quota do devedor no caso de a sociedade ser prorrogada tacitamente reflete a importância do prazo da sociedade em nome coletivo, quando o credor particular, vendo dissolver a sociedade, poderia, então, concorrer com os demais credores sobre o patrimônio do devedor. A regra é justa porque impede que o sócio devedor se locuplete sobre a boa-fé do credor. Esse poderia saber, ou mesmo por acaso, com o fim da sociedade, receberia seu quinhão creditório, agora formado pelos ativos decorrentes da quota que advém da liqudação do patrimônio da sociedade coletiva. Idêntica justiça se dá no caso do inciso II, art. 1.043, acima citado, quando diz que o credor particular pode se opor se ocorrer prorrogação contratual. Esse ato dilatório, a que faz referência o legislador, é a decisão societária em dar continuidade ao funcionamento da sociedade.

O fundamento dessa decisão não tem relevância, e pode ser tanto o decurso de prazo, quanto o falecimento ou interdição de um dos sócios. Vencido o prazo de duração da sociedade, falecido ou objeto de interdição o sócio, a sociedade entraria em dissolução, e o credor particular poderia concorrer sobre a quota do sócio devedor na liquidação. Por isso, como disse CARVALHO DE MENDONÇA, o acordo pelo qual a sociedade deve continuar com os herdeiros do sócio pré-morto não pode ter execução entre os herdeiros maiores sem que todos aceitem livre, expressa e solenemente a posição de sócios, e sejam aceitos pelos sobreviventes e caracteriza alteração societária, verdadeiro “ato dilatório”, contra o qual o credor particular do sócio pode se insurgir no prazo de noventa dias. Com efeito, na sociedade coletiva, da mesma forma que os credores sociais têm a garantia de concorrer sobre o patrimônio pessoal do devedor, de maneira solidária e ilimitada, os credores particulares dos sócios sabem dessa situação, e o art. 1.043 do Código Civil existe no interesse dos credores particulares, e seria, por bem da verdade, a revanche do sistema, que agora faz prevalecer interesses creditórios dos credores particulares do sócio, porque sabem, certamente, que o patrimônio pessoal do seu devedor garante dívidas da sociedade. Com a dissolução e liquidação da sociedade, os credores sociais demandam diretamente contra os sócios pelas dívidas sociais, e deve-se proceder como se as obrigações fossem contraídas diretamente pelos sócios, como efeito clássico da responsabilidade ilimitada. O credor particular do sócio não tem a prerrogativa de requerer a dissolução da sociedade, mas pode se opor que a sociedade tenha continuidade no caso que ter que entrar em liquidação, hipótese essa que tal credor poderá se fazer pagar sobre a quota do sócio, na liquidação, concorrendo com os demais credores. O credor particular do sócio, por qualquer obrigação, deve se opor judicialmente à continuidade do funcionamento da sociedade, inclusive com a notificação cabível. O art. 1.043 quer evitar o locupletamento por parte do sócio, que, se não fosse a prorrogação tácita ou aquela expressa por parte dos sócios, dando continuidade ao funcionamento da sociedade, teria que pagar o seu credor particular. Cabe

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 311.

ressaltar que a sociedade entra em dissolução, mas pela continuação tácita ou expressa, com alteração contratual, se impede tal fenômeno, e, no interesse do credor particular, pode ser interrompida. A regra do art. 1.043 tem aplicação em qualquer tipo societário, mas na sociedade coletiva tal regramento assume condição especial pelo fato de que os credores sociais concorrem sobre o patrimônio pessoal dos sócios, concorrendo, então, com os credores particulares.

266. Da formação da maioria do capital na sociedade em nome coletivo

O art. 331 do Código Comercial assim estabelecia: “A maioria dos sócios não tem faculdade de entrar em operações diversas das convencionadas no contrato sem o consentimento unânime de todos os sócios. Nos demais casos todos os negócios sociais serão decididos pelo voto da maioria, computado pela forma prescrita no art. 486”. Por sua vez, o art. 486 do Código Comercial determina que: “Nas parcerias ou sociedades de navios, o parecer da maioria no valor dos interesses prevalece contra o da minoria nos mesmos interesses, ainda que esta seja representada por maior número de sócios e aquela por um só. Os votos computam-se na proporção dos quinhões; o menor quinhão será contado por um voto; no caso de empate, decidirá a sorte, se os sócios não preferirem cometer a decisão a um terceiro.” A regra do referido art. 486 tem função de interpretação histórica. Nas coletivas, a formação do capital e a participação de cada sócio sobre o capital determinam a parcela nas deliberações, com suas consequências. O determinante é que na sociedade coletiva todo sócio tem poder de administração, e a gerência pode ser conjunta ou disjuntiva; ou conjunta para determinados atos e disjuntiva para outros, e assim por diante, tudo conforme o contrato social. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Se a administração competir separadamente a vários administradores (sócios), cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios por maioria de votos. Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador (sócio) que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria. Por seu turno, nos atos de competência conjunta de vários administradores (sócios), torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável e grave contra a sociedade (arts. 1.013 e 1.014, C.C.). Nas deliberações sobre atos que entram no objeto social, a maioria se faz observando o capital social, nos termos do art. 1.010 do Código Civil: quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. Para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais de metade do capital. Prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios no caso de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz. Mas sábio é o art. 486 do Código Comercial ao estabelecer que, no caso de empate da deliberação, decidirá a sorte ou terceiro.

Esta regra entra no âmbito da liberdade contratual. Os sócios podem estipular quorum mais alto para a formação da maioria absoluta ou mesmo mandar aplicar a regra do art. 486 do Código Comercial, entregando o conflito societário à sorte ou ao terceiro (arbitragem).

267. Da proibição de concorrência entre os sócios e a sociedade

O art. 2.301 do Codice Civile estabelece que “il socio non può, senza il consenso degli altri soci, esercitare per conto proprio o altrui un’attività concorrente con quella della società, né partecipare come socio illimitatamente responsabile ad altra società concorrente. Il consenso si presume, se l’esercizio dell’attività o la partecipazione ad altra società preesisteva al contratto sociale, e gli altri socie ne erano a conoscenza. In caso d’inosservanza delle disposizioni del primo comma la società ha diritto al risarcimento del danno, salva l’applicazione dell’art. 2286”. Uma aplicação do dever de colaboração do sócio, específica na sociedade em nome coletivo (e limitadamente aos sócios comanditados na sociedade em comandita simples), é a proibição de concorrência dele com a própria sociedade. Ao sócio não é proibido o exercício, individualmente ou como sócio ilimitadamente responsável em outra sociedade, de qualquer outra atividade comercial: mas lhe é proibido somente exercitar uma atividade que seja concorrente com aquela exercida pela sociedade. Ainda conforme GALGANO, a razão da proibição está na exigência em impedir que o sócio se aproveite das notícias e dos conhecimentos adquiridos dentro da sociedade para auferir ganhos, como empresário ou como coempresário concorrente, aproveitando-se pessoalmente dessa situação, com possibilidade de dano contra a sociedade. A proibição, porém, não é inderrogável: os outros sócios podem lhe consentir de exercitar a atividade concorrente, e o

consenso é presumido, se o exercício da atividade ou sua participação em outra sociedade era anterior ao contrato social ou os outros sócios dela haviam conhecimento.1

Na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, o sócio-gerente de uma sociedade em nome coletivo praticaria ato repreensível e comprometeria gravemente a sua responsabilidade aceitando funções idênticas em outra sociedade, constituída manifestamente com o fim de explorar o mesmo ramo de comércio daquele e abrindo-lhe concorrência. Não obstante o silêncio da lei, há fundadas razões para evitar aquela concorrência funesta aos interesses sociais, salvo aquiescência expressa e formal dos demais sócios. O exercício de atividade de empresa, explorada pela sociedade, tem como elemento preponderante e essencial o aviamento, que é parte valiosa de seu ativo. Abrindo-lhe concorrência, o sócio desviaria esse ativo (freguesia) e destruiria aquele elemento, indispensável aos fins sociais. Pondera o eminente THALLER que surge da sociedade a obrigação de garantia que os sócios mutuamente se devem. Ademais, em sentido histórico das legislações, para evitar conflito de interesses, muitas das legislações já impediam aos sócios, administradores ou não, abrir concorrência contra a sociedade, quer individualmente, quer participando em sociedade com idêntica atividade de empresa, entre as quais, o Código de Comércio da Itália, artigos. 112 e 113; da Alemanha, artigos 172 e 173; húngaro, artigos 74 e 75; espanhol, e artigos 136 e 138; etc.2 O Código Civil de 2002 é, obviamente, silente sobre o assunto. Sua única regra expressa sobr e o tema se dá no art. 1.006, ao dizer que “o sócio, cuja contribuição consista em serviços, não pode, salvo convenção em contrário, empregar se em atividade estranha à sociedade, sob pena de ser privado de seus lucros e dela excluído”. Em interpretação analógica, tal regra teria que ser aplicada também nas sociedades em nome coletivo, na direção que se o sócio dessa sociedade, seja administrador ou não, se empregar em atividade concorrente à sociedade, como sócio ou individualmente, será, por conseguinte, excluído da sociedade, privado da distribuição dos lucros (quebra da affectio societatis) e suportar o dano causado contra a sociedade. Com efeito, diz a jurisprudência italiana que a atividade concorrencial do sócio de sociedade em nome coletivo pode constituir violação da proibição de concorrência (art. 2.301 do Codice Civile) ainda quando se realiza mediante a constituição, pelo seu próprio sócio, de uma sociedade de responsabilidade limitada com idêntico objeto, da qual esse sócio assuma a titularidade exclusiva do capital e a qualidade de administrador (Cass. civ., sez. I, 9 luglio 1973, n. 1977). Ademais, quando o sócio de uma sociedade em nome coletivo incorre na violação da proibição de concorrência, previsto pelo referido art. 2.301, a legitimidade processual para agir contra o sócio pelo ressarcimento do dano causado compete exclusivamente à sociedade e não, portanto, ao sócio individualmente (Cass. civ., sez. I, 27 maggio 1977, n. 2176).3 A violação da proibição de concorrência comporta duas consequências jurídicas: a) o sócio pode ser condenado a ressarcir o dano, que com o exercício da atividade concorrente tenha causado contra a sociedade; b) pode ser excluída da sociedade.4 Idêntica solução vale para o direito pátrio, podendo o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente (art. 1.030, C.C.). Caracteriza falta grave o caso de sócio em nome coletivo abrir concorrência contra a sociedade que participa, qualquer que seja o outro tipo societário que constituir, ou, ainda, exercendo atividade de empresa individualmente. A sanção contra essa sua conduta será a exclusão da sociedade, acrescida da condenação ao resarcimento, em favor da sociedade, dos danos que lhe foram causados. Esses danos são contados de várias formas, mas principalmente: a) o dever de indenizar pela apropriação do aviamento; b) segredos industriais; c) desvio da freguesia; etc. A legitimidade processual para requerer a exclusão do sócio, bem como mover a ação de perdas e danos, é da sociedade unicamente. O sócio, individualmente, não pode apresentar tal medida. Na reunião de sócios que vai deliberar sobre a exclusão do sócio infiel não é computada a sua quota para a formação da maioria necessária à aprovação da medida. Somente quando da sociedade participem dois sócios, a exclusão é feita judicialmente, por requerimento do outro sócio, mas representando a sociedade. Não se pode olvidar que na sociedade em nome coletivo todos os sócios têm poderes de administração. Neste caso, ainda que a administração fosse, por contrato, de competência única do sócio faltoso, é dever do sócio in bonis agir com lealdade em relação à própria empresa, credores e terceiros, e no seu próprio interesse de sócio, requerendo a exclusão judical do sócio faltoso. Portanto, no caso de sociedade na qual participem apenas dois sócios, o sócio in bonis tem o dever de requerer a exclusão do outro sócio faltoso e tem, também, legimitidade e interesse de agir processualmente na defesa do seu interesse de sócio e no interesse da sociedade. Esse poder-dever deriva da sua qualidade de sócio e dos deveres de colaboração e informação.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 325.

2 Tratado, cit., vol. III, p. 160.

3 cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., p. 2.006.

4 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 325.

Em alguns casos, salvo expressa disposição contratual em contrário, o sócio que se retira da sociedade ou que aliena sua participação social, observando os rigores do contrato e da lei, poderá abrir atividade de concorrência com a sua anterior sociedade.

Mas, se o contato de alienação for silente, parece razoável entender que o sócio que se retirou da sociedade está proibido, por certo período de tempo, de abrir concorrência contra a sociedade da qual ele se retirou. Porém, essa matéria é de exclusiva liberdade contratual entre as partes. Com certeza, quando da alienação da sua parte social, o sócio que se retira da sociedade terá recebido valor sobre a participação social que, no mais das vezes, inclui o aviamento. Seria, assim, injusto contra o cessionário, que pagou pelo aviamento, ver, agora do outro lado da rua, o ex-sócio abrir atividade de empresa idêntica a sua e lhe desviar toda a clientela pela qual havia pago.

A legislação italiana, Codice Civile, art. 2.557, estabelece: quem aliena uma azienda (“empresa”, estabelecimento, sociedade) deve abster-se, pelo prazo de cinco anos contados da alienação, de iniciar uma nova empresa que pelo objeto, localização ou outras circunstâncias seja idônea a desviar a clientela da empresa alienada.1 Portanto, no caso específico da sociedade em nome coletivo, quando o desenvolvimento do aviamento teve profunda participação e colaboração dos sócios, a regra de proibição de concorrência, perfeitamente pactuável em termos contratuais, é uma consequência natural, que atende ao interesse do cessionário e da própria sociedade. O sócio que se retirou da sociedade tem liberdade para abrir quanto negócios quiser, ainda que do outro lado da rua, mas com exercício de empresa (objeto social), diferente do anterior. Seguindo a lição de GIUSEPPE FERRI , os atos de transferência da empresa produzem duas ordens de efeitos: a) a obrigação do alienante de se abster de uma atividade empresarial concorrente e idônea a desviar a clientela da empresa cedida; b) a sucessão por parte do adquirente nos contratos em curso de execução relativos à sociedade. O complexo empresarial tem valor enquanto instrumento de uma atividade produtiva: é, portanto, necessário que este valor não seja subtraído pelo alienante através do exercício de uma atividade empresarial concorrente a qual possa causar o desvio da clientela, assim como é necessário que o adquirente possa se valer de todas as relações jurídicas contratuais que são indispensáveis para o funcionamento da organização empresarial.2 Na sociedade em nome coletivo, na qual é de grande intensidade a obrigação de colaboração, assume particular relevância o dever de fidelidade entre os sócios, que encontra enérgica expressão na proibição de concorrência. Tal concorrência seria a antítese do dever de colaboração. A concorrência é, por si só, uma deslealdade entre os sócios porque atinge terrivelmente o aviamento da sociedade, e assevera o exímio BRUNETTI que “il socio fa concorrenza anche se non si vale di alcuno dei mezzi caratteristici della slealtà, soltanto in quanto svolge, nel proprio interesse, la stessa attività economica della società, oppure partecipa, il che è la stessa cosa, come socio a responsabilità illimitata ad altra società avente lo stesso oggetto. L’illiceità pertanto è insita nella violazione dell’obbligo di fedeltà senza che occorra adoperare l’uno o l’altro dei mezzi dell’art. 2.598”.3 Ademais, e seguindo o mestre BRUNETTI, é “anticontratual” a simples concorrência econômica entre sócios, prevista no art. 2.595 do Codice Civile, e, pela sua natureza culposa, a violação da proibição de concorrência é inadimplemento contratual, que legitima o pedido de ressarcimento e a exclusão do sócio faltoso. A posição de sócio na sociedade coletiva, neste passo, tem certa analogia com aquela do sócio que presta serviços e que acaba traindo a obrigação de fidelidade quando pratica negócios por conta própria ou de terceiros em concorrência com o empresário, ou divulga informação atinente e de interesse da organização da empresa, causando-lhe prejuízo. Porém, no caso da proibição ao sócio coletivo de concorrer com a sociedade coletiva, a sua posição é ainda mais grave e complexa porque esse, assim agindo, aproveita-se ilicitamente do patrimônio comum e das relações que está em seu poder como administrador da sociedade, lesando, de maneira mais grave, a sociedade.4 A proibição de concorrência se operaria nas seguintes hipóteses: a) envolve todos os sócios, administradores ou não, tenham conferido dinheiro ou sejam sócios de indústria, pelas informações e conhecimento que têm da organização da sociedade, podendo lhe causar grave prejuízo; b) refere-se a qualquer forma de atividade exercida em concorrência, seja isoladamente, seja como comissário, comitente, agente, mandatário, etc.; c) pouco importa se o sócio infiel exerce a

1 “In tema di divieto di concorrenza, la disposizione contenuta nell’art. 2.557 c.c., la quale stabilisce che chi aliena l’azienda deve astenersi, per un periodo di cinque anni del trasferimento, dall’iniziare una nuova impresa che per l’oggetto, l’ubicazione o altre circostanze, sia idonea a sviare la clientela dell’azienda ceduta, non ha il carattere dell’eccezionalità, in quanto essa non deroga ad un principio di liberta, esprimendo, al contrario, um principio generale di liberta giuridica. Pertanto, non è esclusca l’applicabilità in via analogica del citato art. 2.557 do Codice Civile all’ipotesi di cessione di quote di partecipazione societária, ove detto trasferimento realizzi il presupposto di un pericolo concorrenziale análogo a quello conseguente alla cessione di azienda vera e propria, in quanto attraverso la forma della cessione di quote si pervenga, in realtà, a cedere una precipua attività di impresa. Spetta al giudice di mérito di accertare, caso per caso, se il predetto pericolo concorrenziale si sia realizzato anche nel caso di cessione di quote di partecipazione” (Cass. civ., sez. I, 24 luglio 2000, n. 9682), cf., BARTOLINI, F. e DUBOLINO, P. Il Codice Civile, cit., pp. 2.007/2.008.

2 Manuale, cit., p. 184.

3 Trattato, cit., vol. I, p. 479.

4 Trattato, cit., vol. I, p. 480.

atividade concorrente como empresário individual ou participando de outras sociedades, ainda que de responsabilidade limitada, mesmo não exercendo a administração. Esse fato se manifesta na hipótese clássica já aventada, ou seja, durante a sociedade e até mesmo após a alienação da empresa. Assim, a proibição de concorrência, prevista pelo art. 2.557 do Codice Civile, se faz em relação ao alienante diante do adquiriente, e ainda do titular da empresa diante do usufrutuário e do locatário. Por ser a proibição de concorrência um efeito natural de um diverso negócio jurídico (venda, locação mercantil, usufruto), esse, enquanto importa uma limitação da iniciativa econômica, é regulado em conformidade aos princípios fixados pelo art. 2.596 do Codice Civile, na qualidade de pactos de concorrência. A limitação da liberdade individual nos contratos deve ser feita em determinado limite de tempo e espaço. Em relação ao tempo, o limite máximo na legislação italiana, no caso de alienação, é de cinco anos, e para o caso de usufruto ou de locação o prazo é a duração do usufruto ou do contrato de aluguel. Em relação ao espaço, na maior parte dos casos, a proibição de concorrência se estende ao âmbito territorial no qual seria possível a concorrência, ou seja, uma região da cidade, da própria cidade ou da unidade da Federação, etc. Ao passo que é um efeito natural, que encontra fundamento na lei e não na vontade das partes, a proibição de concorrência, nos termos do art. 2.557 acima referido, subsiste tanto nas hipóteses de venda voluntária, quanto nos casos de venda judicial ou falimentar. Contudo, no caso de divisão feita por herança, não tem lugar a proibição de concorrência.1 A violação da proibição de concorrência, feita após a cessão da empresa, acarreta as consequências próprias de todo inadimplemento contratual: a) indenização pelos danos causados; b) resolução do contrato. Fato importante a esclarecer é que tal proibição de concorrência é uma obrigação de não fazer. Caso o alienante a descumpra e venha abrir negócio concorrente, tal prática não importa a condenação por concorrência desleal, ou seja, as clássicas condutas e infrações anticoncorrência, previstas pela Lei 8.884/94, artigos 20 e 21. Então, seguindo a referida interpretação de direito comparado, parece perfeitamente aplicável, também em direito pátrio, o entendimento de que o alienante está proibido de abrir concorrência contra a sociedade da qual alienou sua participação, desde que sejam observados os aspectos particulares da legislação pátria.

268. Da exclusão de sócio na sociedade em nome coletivo

O sócio coletivo poderá ser excluído nas hipóteses previstas em lei e no contrato social, bem como, no caso específico, quando descumprir a obrigação de não fazer, qual seja a de não abrir concorrência contra a sua própria sociedade. Se o sócio coletivo não conferiu os bens, efeitos ou dinheiro que havia se comprometido, deverá, se assim entenderem os demais sócios, ser excluído da sociedade, nos termos do art. 1.004 do Código Civil. Com efeito, diz a lei, os sócios são obrigados, na forma e prazos previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-la, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Verificada a mora, poderá a maioria dos sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado. Ressalvada essa hipótese, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Será, ademais, de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido ou aquele cuja quota tenha sido liquidada no interesse do credor particular do sócio (artigos 1.026 e 1.030, C.C.). Em linhas gerais, a exclusão de sócio na sociedade coletiva deverá ser sempre motivada, e se identifica nas hipóteses de sócio infiel. A hipótese de exclusão por não-conferimento de bens se deve ao descumprimento de cláusula contratual obrigatória para entrada na sociedade, na qualidade de quebra de dever de sócio, passível de exclusão imediata, por ato culposo. Neste caso, diante da qualidade de contrato plurilateral, o contrato não se resolve, mas apenas coloca termo sobre a participação do sócio faltoso porque no contrato societário não vale a cláusula exceptio inadimpleti contractus. Na sociedade coletiva, a exclusão se faz somente por justo motivo, entre eles a quebra da affectio societatis, tipificada em atos de corrupção contra a sociedade, lesando seu patrimônio, aviamento, etc., bem como no caso de o sócio abrir concorrência contra a sociedade.

Conforme CARVALHO DE MENDONÇA, a exclusão do sócio pode se dar nos seguintes casos: a) no caso de nãoconferimento para o capital social com a quota ou contingente a que se obrigou nos prazos e pela forma estipulada no contrato social; b) se o sócio de indústria sem autorização expressa do contrato social se emprega em operação comercial estranha à sociedade; c) se for pactuado no contrato social que a maioria dos sócios pode destituir ou excluir qualquer deles em precisas circunstâncias.2

1 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., pp. 184/185.

2 Tratado, cit., vol. III, n. 687, pp. 148/149.

Os sócios têm ampla liberdade de pactuação de seus contratos, não cabendo ao Registro das Empresas colocar a efeito controle sobre os expressos termos das avenças que se referem unicamente aos interesses dos sócios, notadamente nas sociedades coletivas.

Entre as precisas circunstâncias que podem ensejar deliberação sobre a exclusão de sócio estão: a) sócio desidioso; b) que atenta contra os interesses econômicos da sociedade; c) que corrompe contra a sociedade; d) que abre concorrência contra sociedade; e) que tome toda e qualquer medida que interfira ou possa prejudicar o bom andamento dos negócios sociais, causando prejuízo para a sociedade. O sócio que for excluído será, para fins de responsabilidade contra terceiros, equiparado ao sócio que se retira da sociedade, e a sociedade poderá reter os fundos que lhe pertencem para sua própria garantia. Esse direito de retenção é da sociedade e não dos demais sócios. A sociedade que experimenta prejuízo por ato imputável à conduta do sócio passível de exclusão tem direito de retenção contra os fundos do sócio para sobre eles cobrar o prejuízo sofrido. Não se pode olvidar que esses fundos são de titularidade da sociedade, e por isso a “retenção” é, na verdade, mera execução de um direito próprio, que tem na esfera da garantia contra o sócio faltoso a sua principal função. Não seria jurídica a hipótese de a sociedade conferir ao sócio excluído o valor de sua quota, para depois lhe cobrar, em juízo, a restituição devida pelo prejuízo causado. No caso de não-conferimento ao capital social, a oposição apresentada pelo sócio excluído, contra a deliberação da sociedade em favor da exclusão, deve provar os fatos atinentes ao conferimento, e não sobre outras questões correlacionadas ao contrato social em si considerado.

No caso de exclusão de direito, por falência do sócio, é dever desse sócio informar a sociedade in bonis do seu falimento, o que vai ocasionar, imediatamente, sua exclusão da sociedade, conforme manifestação da própria sociedade in bonis. Em qualquer hipótese de exclusão, se da sociedade participem apenas dois sócios, a exclusão não acarretará a dissolução da sociedade, salvo se assim for previsto, anteriormente, pelo contrato social. Na realidade, tem aplicação a regra do art. 1.033, IV, do Código Civil, quando se dissolve a sociedade se ocorrer a falta de pluralidade dos sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. Portanto, no caso de exclusão, se silente for o contrato social, a sociedade perdura por mais cento e oitenta dias, e somente será dissolvida se não reconstituída a pluralidade de sócios nesse prazo. A exclusão do sócio importa, então, somente a resolução do vínculo contratual limitativamente ao sócio excluído da sociedade, apurando as devidas responsabilidades em sede judicial própria, qual seja a ação de responsabilidade societária pelas perdas e danos que emergem da sua conduta lesiva ao interesse da sociedade. Assim, nem mesmo quando dessa sociedade participem dois sócios apenas, tal sociedade entraria em dissolução e tem aplicação a regra do referido art. 1.033, IV, do Código Civil. Outra causa que pode comportar exclusão de sócio coletivo ocorre quando o sócio não honra obrigação da sociedade. Assim, se findo o patrimônio da sociedade e o sócio não paga a sua quota sobre a obrigação devida pela sociedade, os demais que assim o fizeram e pagaram inclusive a parte referente ao sócio inadimplente podem deliberar pela sua exclusão da sociedade. Quando o sócio entra em sociedade coletiva, sabe que, findo o patrimônio social, compete a ele, solidária e ilimitadamente, arcar com o passivo social. Se os demais sócios cumpriram fielmente essa obrigação, o sócio inadimplente quebrou regra societária clássica (das coletivas) e, por isso, pode ser excluído da sociedade. Os sócios podem estipular cláusula compromissória de juízo arbitral para decidir sobre a exclusão de sócio. Neste caso, a oposição, via declaratória de nulidade, não tem lugar em sede judicial, mas deve ser instaurado, dentro do prazo decadencial cabível, o juízo arbitral. Em qualquer situação, seja em sede judicial ou arbitral, o juiz tem o poder de verificação da efetiva ocorrência dos casos nos quais a lei ou o contrato social permitem a exclusão do sócio, mas não podem, obviamente, interferir sobre a oportunidade da decisão assemblear de exclusão, o que seria ingerência abusiva sobre a manifestação de vontade dos órgãos sociais. Enquanto não extinta, a sociedade persiste. Portanto, se a sociedade está em liquidação, o sócio pode ser excluído, se praticar atos lesivos à sociedade em liquidação, em graves e ilícitas condutas culposas ou dolosas contra os interesses da liquidação, entre eles dos credores. A deliberação de exclusão de sócio não tem caráter contraditório e, portanto, o não-comparecimento do sócio a ser excluído não acarreta nulidade da medida societária. Ademais, a legitimidade da deliberação da convocação da assembléia prescinde não apenas da própria convocação, mas também da preventiva convocação do sócio, que tem direito somente de receber a comunicação de exclusão para assim apresentar judicialmente sua oposição. Nas limitadas, o Código Civil (art. 1.085) determina que ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluir esses sócios da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. A exclusão somente poderá ser

determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. Ensina MODESTO CARVALHOSA que além das hipóteses de exclusão extrajudicial de sócio, previstas no art. 1.085, estabelece o Código, no art. 1.030, a possibilidade de sua exclusão judicial. Assim, se o sócio tiver praticado ato de extrema gravidade, nos termos do art. 1.085, mas o contrato social for silente sobre a justa causa, poderá a sociedade, por deliberação majoritária, acionar judicialmente o sócio para sua exclusão. A iniciativa processual da exclusão judicial é sempre da sociedade, depois da deliberação dos sócios, aprovando a exclusão do sócio faltoso.1 Não parece razoável conferir efeitos de contraditório à deliberação de exclusão de sócio. Essa é uma medida que compete ao órgão social da sociedade, e que, posteriormente, será discutida judicialmente na esfera própria. Cabe unicamente convocar a deliberação, e aprovar ou não a matéria, sem que desta forma se prejudique qualquer direito de defesa. Se, em juízo, for anulada a deliberação de exclusão de sócio, os efeitos da sentença se operam ex tunc, o que importa a reintegração do sócio excluído em todos os seus efeitos, na sua posição anterior e na plenitude dos seus direitos. Nas coletivas, quando da deliberação sobre a exclusão por justa causa, basta que os sócios devidamente reunidos aprovem a matéria, sem nenhuma necessidade de se instaurar contraditório, cabendo ao juízo competente a eventual e posterior discussão da matéria.

Tal medida está sujeita à esfera administrativa das sociedades, de interesse dos sócios, e da livre manifestação de seu direito, inclusive, na defesa do interesse da sociedade, na condição de affectio societatis.

269. Dos direitos dos credores na liquidação da sociedade em nome coletivo

Dissolvida a sociedade, os credores podem executar diretamente os bens da sociedade, e não entra em questão o beneficium ordinis et excussionis. Tal prerrogativa existe em favor do sócio somente quando a sociedade está em funcionamento regular, exercendo sua atividade empresarial na busca do fim social. Quando, ao reverso, a sociedade se dissolve, por conseguinte desaparece o referido benefício que operava em proveito dos sócios, e agora eles têm que suportar as execuções. A responsabilidade ilimitada e solidária entre os sócios, na sociedade coletiva, é a regra. Conquanto essa situação, a lei confere aos sócios o benefício quando a sociedade está devidamente constituída e quando não entrou em liquidação. A partir do momento que a sociedade aprova a dissolução ou é dissolvida de pleno direito, aquela circunstância se instaura por completo, agora respondendo diretamente, ou seja, por todas as obrigações sociais. Ainda que seja órgão da administração societária, o sócio, na sociedade coletiva, é o principal garante das respectivas obrigações sociais, e, na referência histórica, os credores pactuam com a sociedade, mas sabem que o crédito que oferecem será, na última hipótese, pago sobre o patrimônio pessoal dos sócios. Com efeito, quanto mais ricos forem os sócios coletivos, mais crédito a sociedade conseguriá alcançar. Diante dessa premissa, é justo que, finda a sociedade, aqueles que suportam as dívidas não possam mais invocar agora o beneficium ordinis et excussionis que operava como regra de pragmatismo nas relações obrigacionais entre os credores e a sociedade. Faltando patrimônio social, os sócios respondem. É óbvio que no caso de desaparecimento da sociedade impossível é a utilização do beneficium ordinis et excussionis por um patrimônio social que agora entrará em liquidação. Na dissolução, ainda que persista certo sentido de administração em liquidação, ao reverso da administração empresarial, e a entidade societária mantenha muitos dos seus direitos, não se pode olvidar que os credores têm amplas prerrogativas no caso de liquidação. Nesta direção, ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciarem imediatamente a investidura do liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente (art. 1.036, C.C.).

Na liquidação se tem a “administração em liquidação”, quando o liquidante, verdadeiro administrador, deve cumprir sua função, e seus deveres, com o objetivo de liquidar o patrimônio social, pagar os credores e dividir o acervo remanescente entre os sócios.

A sequência dos interesses que confluem na liquidação é a seguinte: a) credores; b) sócios. Se a dissolução é uma medida meramente societária, de interesse dos sócios, a liquidação alcança, precipuamente, interesse dos credores, que têm no patrimônio social sua garantia de recebimento.

1 Comentários, cit., vol. 13, pp. 322 e 333.

Conquanto essa questão, nas sociedades coletivas, desaparecendo a sociedade, enquanto sujeito ativo de direitos na busca de um fim social, emerge aos credores a prerrogativa de endereçarem as execuções diretamente contra o patrimônio pessoal dos sócios, pela própria característica dessa sociedade, na qual a responsabilidade ilimitada é a regra.

A melhor doutrina sempre ensinou que “quando, porém, a sociedade tiver sido dissolvida e liquidada, os credores sociais demandam diretamente os sócios”.1

A solidariedade na sociedade coletiva se faz por duas vias: a) entre os sócios e eles próprios; b) entre os sócios e a sociedade (patrimônio social). Na hipótese de finda a sociedade, aprovada a dissolução e liquidado seu ativo, o credor insatisfeito deve direcionar sua execução contra o sócio – qualquer deles – pelo fato de que são solidários com a sociedade pelo pagamento da obrigação social. Ou seja, a liquidação não consegue quebrar o vínculo de solidariedade que existe entre sócio-patrimônio social porque nas coletivas esse vínculo é indissociável, salvo nos casos de prescrição ou decadência. Por conseguinte, seja na liquidação, seja na falência, o sócio continuará responsável pelo passivo que ficou sem lastro no patrimônio social, até que se opere a prescrição ou decadência. Esses são os únicos institutos que têm o poder de libertar o sócio do vínculo de responsabilidade solidária que assumiu com os credores na administração da sociedade, assumindo direitos e obrigações. Se os devedores gatunos resolverem aprovar a dissolução e, na sequência, imediatamente, a forma de liquidação, partindo para a extinção da sociedade, com o devido requerimento no Registro das Empresas, os credores sociais, ainda nesse caso, têm direito de acionar diretamente os sócios para o recebimento dos valores que lhes são devidos pela sociedade. Somente após o deferimento e o arquivamento da publicação sobre a extinção da sociedade é que tem começo a corrida pelos prazos prescricionais e decadências que agora operam em favor dos sócios contra terceiros. Portanto, amplos são os direitos dos credores decorrentes da liquidação da sociedade em nome coletivo. Por sua vez, os credores sociais não podem apresentar oposição contra os termos da liquidação – neste passo o liquidante assumirá as responsabilidades civis e penais por seus atos –, mas os referidos credores podem colocar a efeito o seu direito acionando diretamente o sócio. É neste passo, contra a oposição dos credores, que se entende que a liquidação se faz no interesse dos sócios. É evidente que a administração da liquidação tem em consideração o interesse dos sócios manifestado sobre o acervo da sociedade, mas isso não exclui, necessariamente, que a liquidação alcance, em termos mediatos, o interesse dos credores. Do ponto de vista unicamente contábil é evidente que a liquidação se faz no interesse dos sócios, bem sabendo que a resultante dos credores que estão sem lastro sobre o patrimômio da sociedade deve acionar os sócios. Com isso, há equilíbrio entre o interesse dos sócios sobre a liquidação – ao final são eles os titulares das participações societárias que lhe serão restituídas sob o capital – e o interesse do credor, que não pode ser lesado, por exemplo, no caso de uma liquidação ruinosa em seu confronto. Os liquidantes são administradores da sociedade em fase de liquidação. São os liquidantes administradores com poderes mais vastos que os administradores tradicionais porque a sua função não é correlacionada à atividade de exercício econômico da sociedade, mas tem por objeto a alienação, ou seja, a realização do patrimônio social. Os sócios devem aprovar, expressamente, a forma de liquidação. Portanto, dessa aprovação emerge a responsabilidade no caso de fraude contra credores.

Ademais, conforme BRUNETTI, a extinção da sociedade coincide com o fim da liquidação somente na sociedade simples. A sociedade em nome coletivo se extingue com o cancelamento da sua inscrição no Registro das Empresas. Mas, extinta a sociedade, pode ocorrer que alguns credores não sejam pagos. Nesse caso, a solução apresentada pelo art. 2.312 do Codice Civile é que, a partir do cancelamento da inscrição no Registro das Empresas, os credores sociais não pagos podem acionar os sócios diretamente, e, se os credores não receberam por ato culposo ou doloso do liquidante, esse também responde pelas dívidas sociais nos seus confrontos.2 Com efeito, aprovado o balanço final da liquidação, o liquidante deve requerer o cancelamento da inscrição da sociedade no Registro das Empresas, e, a partir do referido cancelamento, os credores sociais que não foram pagos, diz o art. 2.312, podem acionar os sócios diretamente, e, se a falta de pagamento em relação ao credor decorre de conduta culposa ou dolosa do liquidante, este também responderá. A escrituração contábil sobre os atos de liquidação deve ser arquivada pelo prazo legal e nos termos da legislação fiscal e civil.

Com efeito, a jurisprudência italiana já decidiu, com perfeição, que “alla cancellazione della società dal registro delle imprese ed ai relativi adempimenti previsti dall’art. 2.312 do Código Civil. non consegue anche la sua estinzione, che è determinata,

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. I, n. 726, p. 172.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 552.

invece, soltanto dalla effettiva liquidazione dei rapporti giuridici pendenti che alla stessa facevano capo, e dalla definizione di tutte le controversie giudiziarie in corso con i terzi per ragioni di dare ed avere. Ne consegue che una società costituita in giudizio non perde la legittimazione processuale in conseguenza della sua sopravvenuta cancellazionde dal registro delle imprese, e che la rappresentanza sostanziale e processuale della stessa permane, per i rapporti rimasti in sospeso e non definiti, nei medesimi organi che la rappresentavano prima della formale cancellazione” (Cass. civ., sez. II, 12 giungo 2000, n. 7.972). A referida jurisprudência é perfeita ao não limitar os efeitos decorrentes do arquivamento do cancelamento da inscrição da sociedade no Registro das Empresas às questões meramente formais, alcançando, ao contrário, as relações de fundo, notadamente relações de obrigações sociais. Com isso, os processos de dissolução e liquidação, com posterior requerimento de extinção das sociedades, não têm efeito prático em lesar os interesses dos credores, que poderão, ainda, acionar quem quer de direito para efetivar seus direitos contra a sociedade, incluindo, ainda, os órgãos de representação da sociedade.

O julgado é acertado e deve ser seguindo, em termos de direito comparado, em direito pátrio, fazendo valer a justiça nas relações creditórias, e restringindo o requerimento de cancelamento de inscrição de sociedade aos meramente formais (publicidade), sem que isso prejudique os direitos dos terceiros de boa-fé e o crédito alheio. Desta feita, amplos são, como se disse, os direitos dos credores na liquidação das sociedades, notadamente nas sociedades coletivas. Esses credores devem se insurgir, processualmente, contra não apenas a liquidação, mas principalmente contra os reflexos patrimoniais da liquidação, acionando os sócios para que honrem as obrigações sociais, ainda que seja após o encerramento da liquidação e da apresentação do requerimento de cancelamento de inscrição da sociedade no Registro das Empresas. A única restrição será decorrente dos prazos prescricionais e decadenciais que operam em favor dos sócios. Enquanto as relações jurídicas da sociedade com os credores não se extinguirem por completo, e não presente o prazo prescricional e decadencial, a sociedade pode ser formalmente cancelada do Registro das Empresas, mas a responsabilidade dos sócios persiste, nos termos acima mencionados, de tal maneira que o interesse do crédito prevaleça sobre a formalidade jurídica, que neste caso apenas implica falta de segurança jurídica. Ao contrário, a segurança jurídica, decorrente da melhor aplicação do direito e da interpretação justa e equânime, leva em consideração a atividade creditória como essência de uma sociedade capitalista, na qual as sociedades e os credores desempenham função primordial na geração de riqueza, interesses esses que devem ser regulados pelo sistema jurídico.

Capítulo VII

DA SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES

A sociedade em comandita simples se caracteriza pelo fato de que é uma sociedade de responsabilidade ilimitada de alguns dos seus sócios e de responsabilidade limitada dos seus outros sócios. É uma típica sociedade empresária.

A comandita tem “duas frentes” que devem ser estudadas porque no mesmo instante é de uma parte em nome coletivo e de outra comandita.

Assim é que explica WALDEMAR FERREIRA que a sociedade em comandita simples é, “de um lado, em nome coletivo. De outro, em comandita. Naquele, os sócios, propriamente ditos, solidariamente respondem pelas obrigações sociais. Neste, os prestadores de capitais, também sócios, mas inativos, limitadamente por elas respondem. Jamais além do montante de suas respectivas comanditas”.1

Contudo, sociedade em comandita simples e sociedade em nome coletivo são tipos societários diferentes entre eles, cada qual com o seu regramento jurídico. O antigo Código Comercial de 1850, art. 311, § 2o, fazia correlação entre esses dois tipos societários, fato esse que mereceu, com acerto, a crítica severa de CARVALHO DE MENDONÇA. 2 Fundamental a noção em ver na comandita simples a correlação de interesses entre sócios provenientes de diferentes situações fáticas, ou seja, comanditados e comanditários. Uns efetivamente são os comerciantes, outros prestadores de capital.

1 Instituições, cit., vol. I, t. 2, p. 595.

2 Tratado, cit., vol. III, n. 732, p. 177.

Com efeito, há, verdadeiramente, sociedade nesse caso e não simples empréstimo de capital a juros. Na sua formação, o elemento pessoal e a afinidade entre os sócios são requisitos fundamentais para o nascimento da sociedade, como perspectiva contratual inerente aos interesses sociais. A sociedade em comandita simples assume direitos e obrigações, inerentes a sua vida administrativa e estatutária, em nome e por conta própria, e o seu patrimônio é organicamente distinto do patrimônio dos seus sócios. O patrimônio da sociedade tem direção em perseguir o objetivo da sociedade que é, portanto, juridicamente, o empresário social, conforme a própria qualificação jurídica do direito empresarial, e, por conseguinte, obrigatória é a sua inscrição no Registro das Empresas. A sociedade em comandita simples tem legitimidade ativa e passiva para figurar em toda e qualquer ação judicial. Nesse caso, a sociedade estará em nome próprio e por conta própria, e será representada judicialmente por seu administrador, com os devidos poderes. Ressalte-se que não é o sócio em nome próprio que apresenta a demanda ou contesta pedidos, mas é a própria sociedade, judicialmente representada pelo seu sócio administrador, que estará pleiteando as medidas cabíveis.

270. Das características da sociedade em comandita simples

A sociedade em comandita simples se distingue da sociedade em nome coletivo pela presença de sócios comanditários, os quais não participam da administração da sociedade, têm responsabilidade limitada, são, necessariamente, quanto ao conferimento, sócios capitalistas. A designação simples existe para distinguir esse tipo societário da sociedade em comandita por ações. A primeira – sociedade em comandita simples – é uma sociedade de pessoas, e, em particular, uma variante da sociedade em nome coletivo; a segunda é, ao contrário, uma sociedade de capital, e, em particular, uma variante da sociedade por ações, aplicando, no que for compatível, as normas da sociedade anônima.1 Os sócios comanditados têm os direitos e as obrigações dos sócios da sociedade em nome coletivo, e a administração da sociedade somente pode ser conferida aos referidos sócios (art. 2.318, Codice Civile). Nas sociedades em nome coletivo os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais – então, os sócios comanditados respondem, na sociedade em comandita simples, solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Qualquer pacto em contrário não tem efeito contra terceiros.

Os sócios comanditários não podem praticar atos de administração, nem tratar ou concluir negócios em nome da sociedade, salvo no caso de mandato com poderes especiais para negócio específico. O sócio comanditário que contrariar essa proibição assume responsabilidade ilimitada e solidária em relação aos terceiros por todas as obrigações sociais e pode ser excluído da sociedade.

Na sociedade em comandita simples os sócios comanditados respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e os sócios comanditários respondem limitadamente pela sua quota conferida ao capital. Obviamente que na comandita simples, por ser uma sociedade de pessoas, a quota de participação dos sócios não pode ser representada por ações.

271. A sociedade em comandita simples é fonte do direito societário clássico

De extrema relevância é a figura jurídica da sociedade em comandita simples pelo fato de que dela decorrem regras e princípios gerais na administração das sociedades, de maneira muito semelhante às sociedades coletivas. Tal sociedade, como se verá, é fruto da riqueza mercantil nos mercadores medievais, da sua incrível habilidade negocial, da inteligência daquelas pessoas que fizeram surgir toda uma nova forma sociológica no interior das cidades medievais, com esplendido crescimento econômico e tecnológico, nos rigores da época. Por esse fator, e também pela sua importância prática, e não apenas teórica, estudar a sociedade em comandita simples é estudar a própria história da formação do direito societário clássico. O mestre WALDIRIO BULGARELLI já havia detectado inúmeras circunstâncias que confluem sobre a prática dos negócios cambiários e societários, ao passo que ainda em vestes societários distintas, muitas vezes, na prática dos contratos negociais entre a sociedade e terceiros, há negócio indireto, ao incidirem sobre a responsabilidade pessoal dos sócios formas antigas de responsabilidade solidária. Com efeito, assim disse, “referimo-nos à exigência, atualmente, em voga, entre nós, das instituições financeiras em geral e de alguns fornecedores em particular, de avais pessoais dos diretores das sociedades anônimas, como representantes do grupo controlador, como uma espécie de sobregarantia àquela natural decorrente do patrimônio da sociedade. Esse engajamento pessoal dos acionistas controladore s tem sido visto como uma espécie de conversão não declarada, da sociedade anônima em sociedade em comandita por ações, na qual o sócio

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 371.

comanditado estaria responsabilizando o seu patrimônio pessoal, não como na comandita pura, através do preceito legal ou de disposição contratual, mas por via da responsabilidade cambiária”. 1

De uma forma ou de outra, a sociedade em comandita simples (assim como a sociedade por ações) é raríssima na prática negocial societária, pelo simples fato da responsabilidade solidária e ilimitada que incide sobre os sócios que administram essa sociedade.

Na atual estrutura da sociedade em comandita simples se reproduz uma antiga estrutura das sociedades entre capitalistas (comanditários) e empresários (comanditados). Contudo, sua importância histórica é fundamental para o entendimento da formação do vínculo societário; da affectio societatis, sua natureza pessoal – intuitus personae –; os poderes de administração confluindo sobre a representação da sociedade; a previsão pelo contrato social dos poderes de representação sobre eventuais restrições negociais; o conferimento na formação da quota sobre o fundo social; o montante de distribuição de lucros é variável, no mais das vezes, conforme a quota do sócio comanditário investido no negócio; a sociedade em comandita tem firma social, idêntica à firma social da sociedade em nome coletivo; nas comanditas há certa convergência do intuitus personae com o intuitus pecuniae quando da relação jurídica e formadora do vínculo societário entre os sócios comanditados e comanditários, prevalecendo sobre este último sócio o intuitus pecuniae (prestador de capital); etc.

272. Da origem histórica da sociedade em comandita simples

Conta a doutrina que a sociedade em comandita simples decorre da evolução do contrato de commenda, muito utilizado nas cidades comerciais italianas entre os séculos XIII e XV , mediante o qual se entregava a quem empreenderia longas viagens marítimas e terrestres uma certa quantia em dinheiro ou mercadorias para que sobre estes fundos negociasse, em nome próprio, mas em proveito comum, conforme pactuado no contrato social. De tal sorte, qualquer fosse o êxito do negócio confiado àquele que empreendia a negociação (tractator, commanditatius), o que entregava o dinheiro ou as mercadorias (commendator, socius stans) não se responsabilizava além do valor entregue, ou seja, de sua quota (comandita). O vínculo de confiança é enorme, porque o comanditado negocia em nome próprio e por conta própria sobre fundos e dinheiro de seu sócio comanditário para posterior divisão comum. Diversifica-se, também, da sociedade em conta de participação, por ser oculta. A sociedade em comandita simples, sem o devido registro, é sociedade em nome coletivo, para todos os fins. Destoa, ademais, e por completo, da comissão mercantil, do mútuo ou do mandato.2 A sociedade em comandita simples é, assim como a sociedade em nome coletivo, de origem medieval. O nome em comandita deriva, segundo GALGANO, de uma possível correlação com o contrato de commenda ou accomanda. No contrato de commenda o contraente capitalista confiava dinheiro a um mercador em troca de participação sobre os lucros que esse último tivesse em seus negócios de comércio marítimo. A sua função econômica se correlacionava aos primeiros desenvolvimentos do capitalismo: a riqueza monetária era de titularidade do clero e da nobreza, aos quais era proibido exercício do comércio. O contrato de commenda permitia a multiplicação da riqueza, no interesse das classes sociais dominantes, ao lado dos mercadores.

No ordenamento jurídico pátrio sempre foi confusa a denominação de comanditado e comanditário, no que se refere a sua função e características (artigos 311 e seguintes do Código Comercial de 1850). E, também, art. 1.045 do atual Código Civil. Bem andou o Codice Civile, que estabeleceu corretamente a distinção entre esses sócios, determinando expressamente que nella società in accomandita semplice i soci accomandatari rispondono solidalmente e illimitatamente per le obligazioni sociali, e i soci acccomandanti rispondono limitatamente alla quota conferita, nos termos do art. 2.313 do referido Codice. Com isso, fica evidente o sistema de responsabilização, cada qual em sua categoria, e presentes os requisitos na conformação da qualidade jurídica de cada sócio. A sociedade em comandita é uma sociedade típica da prática medieval italiana, e surge, efetivamente, no fim da Idade Média. Tal sociedade representou uma nova fase no espírito da especulação mercantil, uma nova forma de “empresa”, com imensas consequências para a vida dos mercadores. Conforme WALDEMAR FERREIRA a sociedade em comandita simples seria uma resposta prática sobre os riscos negociais provocados pela característica de que na sociedade em nome coletivo todos os sócios respondem ilimitada e solidariamente, e na esteira de A. SCIALOJA e GENNARO BOSCO “teria a sociedade em comandita, para este, aparecido em

1 Sociedades comerciais, cit., p. 63.

2 “La société en commandite simple existe sous une reaison sociale et comprend deux ou plusieurs associés soumis à un regime juridique différent: les comandités sont commerçants et répondet solidairement du passif social, les commanditaires n’ont pas la qualitè de commerçants et ne son tenus que sur l’apport qu’ils on promis de faire à la société”. RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, p. 303.

Florença, em 1408, criação legislativa contra a responsabilidade solidária dos sócios. No opinar de TROPLONG, caminhouse da sociedade em nome coletivo para a sociedade em comandita, a fim de burlar-se o rigorismo das leis contra a usura. Não a criara lei alguma. Nem, por via dela, se reagia contra o princípio da ilimitada responsabilidade. As circunstâncias da época teriam adaptado a comenda marítima, velha como os tempos até então decorridos, ao organismo societário vigente e propício ao desenvolvimento do comércio”.1

Na doutrina há profunda controvérsia em saber se a comandita advém da evolução natural da sociedade em nome coletivo ou, por outro lado, se seria derivação do contrato de commenda, quando os navegadores tomavam dinheiro para negociar efeitos e bens em mares longínquos, comprando ou vendendo, e tocava ao prestador dos capitais unicamente o risco de perder esse montante, não entrando nas perdas da sociedade. Do contrato de commenda, reza parte da doutrina de GOLDSCHMIDT, surgiram duas sociedades: a) a comandita simples; b) a em conta de participação, opinando alguns que a comandita era a forma pública da sociedade em conta de participação, o que encontrou enorme oposição na doutrina italiana.

273. A sociedade em comandita simples seria a derivação evolutiva e jurídica da sociedade em nome coletivo e do contrato de “commenda”

Na perspectiva de GOLDSCHMIDT , a sociedade em comandita seria a transformação da antiga “commenda” medieval que do comércio marítimo havia entrado no comércio terrestre do continente, o que seria explicável até pela origem terminológica dos termos “commenda” e comandita. A palava “commendare” semelhante a “recomendar”, confiar (cummandare), se encontra como expressão já conhecida desde os tempos mais antigos, e, na Idade Média, aquele termo tem sentido de “confiar” haveres e pessoas, ao menos no caso que seja feito no interesse de quem confere, em relação de confiança, empréstimo. Com efeito, e segundo GOLDSCHMIDT , a negociação em questão requer um “capitalista” que permanecia em terra firme, o que confere mercadorias, dinheiro, navios (commendator, socius stans) e um comerciante para viajar (tractator, portitor, accomendatarius), frequentemente um capitão de navios, o qual com o capital confiado realiza negócios além-mar, e mais tarde, também no continente em terra firme, trabalhando aquele capital com objetivo de lucro. Tal prática era comum em Veneza (collegantia), cidade de mercadores e capitães de navios, que se uniam para comerciar e tirar lucro comum, e sob idêntica situação também em Genova.2 Entretanto, parece muito distante a evolução do contrato de comenda para a comandita simples. No contrato bilateral de empréstimo, em que se confia dinheiro, mediante a prestação de juros, não há qualquer relação de affectio societatis e pode, ao contrário, derivar em inimizades várias. Em páginas da literatura mundial, SHAKESPEARE resumiu condicionantes de ordem subjetiva que integram os contratos bilaterais, de empréstimos a juros, e que, por si só, se distanciam da relação societária, ao menos na busca do escopo comum, de interesse social, tanto que, no Mercador de Veneza, ANTONIO disse ao prestador de capitais o que segue: “Sono pronto a chiamarti cosi, a sputarti ancora addosso, e anche a prenderti a calci. Se vuoi prestare questo denaro, prestalo, ma non come ad amici tuoi, perchè quando mai l’amicizia há preteso un interesse dall’amico in cambio dello sterile metallo? Prestalo piuttosto al tuo nemico, dal quale se viene meno l’impegno, potrai esigere la penale a muso duro”.3

No contrato de comenda os juros e a cláusula penal conferiam a natureza do próprio contrato e, parece, que não seria viável ter na derivação desse contrato a formação do vínculo societário na comandita, como se fosse quase negócio indireto.

Ainda conforme GOLDSCHMIDT , o dinheiro confiado é conferido como “commenda”, é, na sua opinião, “la commenda, come più recentemente la cambiale, è fin da principio un affare di credito generale (però in forma di società). Com efeito, a “commenda” seria forma de sociedade, pelo fato do conferimento, em confiança, do dinheiro, diferenciando, assim, no mútuo oneroso. Essa opinião recebeu enorme crítica na doutrina italiana, e, conforme BRUNETTI, a “commenda” se afirmou como negócio marítimo especialmente em Veneza (collegantia), em Pisa, Genova e Marselha, e dessas cidades teria entrado no comércio continental e também no exercício de empresas, mas não teria lugar a consideração que a comandita seria uma derivação do contrato bilateral de “commenda” (exercício de uma atividade comercial) ou do mútuo oneroso (“commenda” unilateral).

O principal crítico dessa derivação do contrato de “commenda” em sociedade em comandita foi ARCANGELI, que em enorme pesquisa não encontrou documentos que comprovassem essa transformação sobre um determinado contrato.

1 Instituições, cit., vol. I, t. 2, p. 596.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 554.

3 Il mercante di Venezia, Roma, Newton & Compton Editori s.r.l., 2ª ed., 2005, p. 51.

A crítica histórica mais recente, diz BRUNETTI, é aquela que busca aprofundar o processo formativo do instituto. As considerações mais incisivas foram feitas por CESSI , que depois de uma cuidadosa análise de documentos estabeleceu a clara distinção entra a sociedade, considerada nos seus elementos jurídicos fundamentais, e os outros institutos comerciais (commenda, collegantia) que nasceram das necessidades locais da atividade econômica de cada cidade e que deram uma configuração especial e distinta nos vários lugares. ARCANGELI contrastou, profundamente, GOLDSCHMIDT , negando a intervenção do contrato de comenda na formação da sociedade em comandita, considerando essa sociedade o resultado de um movimento jurídico preexistente na qual a sociedade em comandita simples seria uma forma modificada da sociedade coletiva dominada pelo princípio da limitação da responsabilidade, fruto do comércio na cidade de Firenze, na lei de 1408, posição essa que foi combatida por A. SCIALOJA, considerando a sociedade em comandita simples o produto da fusão entre vários institutos, especialmente da fusão da estrutura da sociedade em nome coletivo com o princípio da responsabilidade limitada difusa de uma variedade de negócios comerciais nos quais a “commenda” é o expoente mais típico e conhecido. De uma forma ou de outra, a sociedade em comandita simples é uma derivação da sociedade em nome coletiva, da qual conserva a firma social constituída pelo nome de um ou alguns dos sócios-gerentes que representam a sociedade perante terceiros e são responsáveis ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais.1 Esta é a posição que deve prosperar, em ter na comandita uma derivação da sociedade em nome coletivo, com algumas particularidades, principalmente a da categoria de sócios, os comanditários e comanditados, e o seu sistema de responsabilidade pelas obrigações sociais. As características da sociedade em comandita simples são: a) funciona sob uma razão social, que somente pode conter o nome de um ou vários sócios comanditados; b) se o nome do sócio comanditário fizer parte da razão social, será responsável pelo passivo social; c) os sócios comanditados estão na mesma situação jurídica dos sócios da sociedade em nome coletivo, mas isso não significa dizer que a sociedade é em nome coletivo em relação aos referidos sócios comanditados; d) sociedade em nome coletivo e sociedade em comandita simples são tipos societários empresariais distintos um do outro; e) como em todas as sociedades de pessoas, as partes sociais não podem ser transferidas sem o consentimento unânime dos sócios, salvo expressa cláusula contratual em contrário; f) as cláusulas permitindo a continuação da sociedade com os herdeiros têm validade ainda em relação aos herdeiros menores devidamente representados porque a responsabilidade é restrita às quotas, isso em relação aos sócios comanditários; no caso de herança de quotas de sócios comanditados, se presentes menores, essa terá que ser transformada em sociedade de responsabilidade limitada.

274. Da natureza jurídica da sociedade em comandita simples

Na lição de FRANCESCO GALGANO, a comandita simples é verdadeira sociedade, e aparece no fim da Idade Média, e era também fruto de um contrato entre um capitalista e um mercador, mas, diferentemente do contrato de commenda, se dava via contrato de sociedade. O aporte de capital do sócio não entrava, como acontecia com a commenda, no patrimônio do mercador, nem era passível de ação executiva pelos credores pessoais do mercador, mas assumia a mesma condição jurídica dos bens conferidos em favor de uma sociedade em nome coletivo, ou seja, formava um patrimônio social autônomo, não passível de execução pelos credores pessoais tanto dos sócios capitalistas quanto dos sócios mercadores e tal patrimônio social poderia satisfazer somente e, exclusivamente, os credores da empresa social. A sociedade em nome coletivo, desde o seu surgimento, teve caráter de uma sociedade entre mercadores, empresários. Porém, a sociedade em comandita simples, ao revés, era formada por sócios comerciantes e não comerciantes, e era, por consequência, uma sociedade na qual somente alguns sócios, os mercadores, participavam da direção dos negócios sociais e assumiam, por isso, a responsabilidade ilimitada e solidária contra terceiros.2

A sociedade em comandita simples, na sua evolução, passou a ser utilizada também para o comércio terrestre, servindo perfeitamente ao desenvolvimento e produção de riqueza no final da Idade Média. De certa forma, a sociedade em comandita simples teve grande sucesso pela correlação existente entre risco-poder-responsabilidade, quando o sócio comanditário concorre somente com a sua quota, no caso das perdas, não respondendo ilimitada ou solidariamente, ao passo que o comanditado assume todo o risco do negócio, essencialmente por ter a direção da empresa em seu comando na correlação poder-responsabilidade. A via da sociedade em comandita simples, como forma jurídica, era fartamente utilizada exatamente porque oferecia e até hoje oferece a participação nos lucros da empresa comum, sem a responsabilidade solidária e ilimitada, no caso do sócio comanditário, facilitando, com efeito, o incremento e a criação de novas riquezas, sem riscos ilimitados.

1 Trattato, cit., vol. I, pp. 558/560.

2 Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 372/373.

275. Da definição da sociedade em comandita simples

Em termos de definição, perfeita é a consideração de ANTONIO BRUNETTI ao dizer que “la società in accomandita semplice si può definire quella società di natura personale che esercita sotto una ragion sociale una impresa comercial, in cui almeno uno dei soci (detti accomandatari) risponde senza limitazione per i debiti della società mentre la rispondenza degli altri (detti accomandanti) è limitata all’ammontare del conferimento convenuto”.1 Portanto, a definição leva em consideração, acertadamente, a sociedade do ponto de vista da responsabilidade dos sócios. Esse é o seu característico principal que a diferencia da sociedade coletiva clássica, quando todos os sócios figuram em comum, ou seja, com responsabilidade solidária e ilimitada. Então, seguindo a referida lição, a sociedade em comandita simples é uma sociedade de natureza pessoal que exerce, sob uma razão social, uma atividade empresarial, na qual ao menos um dos sócios (comanditados) responde sem limitação pelos débitos da sociedade, enquanto a responsabilidade dos outros sócios (comanditários) é limitada ao montante do conferimento realizado.

O aspecto fundamental da comandita simples é o equilíbrio entre não participar da administração da sociedade e a responsabilidade dos sócios. Ressalta-se que na terminologia da legislação italiana os accomandatari respondem ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais; e os accomodanti respondem limitadamente ao valor da quota conferida (art. 2.313, Codice Civile) – enquanto, na legislação pátria, os comanditados, pessoas físicas, são responsáveis ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais; e os comanditários são obrigados somente pelo valor de sua quota. Do exercício em comum de uma atividade econômica de empresa, nos termos de um contrato social típico para a própria existência do contrato de sociedade, tem-se o fato de que o conferimento dos sócios comanditários forma, com aquele eventual dos sócios comanditados, um patrimônio social dotado das características de um patrimônio autônomo, seguindo os mesmos moldes da sociedade em nome coletivo.2 Assim, com o contrato de sociedade, duas ou mais pessoas conferem bens ou serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica com o escopo de dividirem os lucros entre si (art. 2.247, Codice Civile). Devidamente constituída, a sociedade ganha patrimônio social, que tem destinação específica ao exercício da empresa comum. Sobre esse patrimônio social existe uma administração, que fica por conta, nas comanditas simples, dos sócios comanditados – que, em certa medida, podem ser considerados na qualidade de empresários, ou seja, sócios administradores que se assemelham aos sócios que estão em nome coletivo. Do outro lado da sociedade, não exercendo atividade de administração, estão os sócios comanditários, definidos como capitalistas. Sua função não é gerencial, muito pelo contrário. Eles conferem capitais ou bens ao patrimônio social, em regime de affectio societatis, com os demais sócios comanditados, para que esses administrem e multipliquem, via negócios sociais, assumidos em nome e por conta da sociedade, a riqueza dispensada pelos comanditários. A sociedade em comandita simples constitui uma entidade patrimonial com responsabilidade própria e funciona sob uma razão social, e os direitos e obrigações são constituídos em nome da sociedade, mas os comanditados se obrigam diretamente aos credores.3

A natureza capitalista dos sócios comanditários se dessume da própria lei, ao passo que sua quota é transferível por causa morte, fato esse que evidencia a fungibilidade do conferimento, característica encontrável somente no conferimento de capital.4 Com efeito, no caso de morte de sócio comanditário, a sociedade, salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente (art. 1.050, C.C.).

276. O sócio comanditário como sócio inativo

Bem disse WALDEMAR FERREIRA ao explicar que o sócio comanditário é um sócio inativo. Ele é inativo porque não tem poderes de administração, que ficam entregues, exclusivamente, ao sócio comanditado. Se, por seu turno, o sócio comanditário se imiscuir na gestão da sociedade, assume responsabilidade integral pelos seus atos, em solidariedade com o comanditado. É neste passo, apenas, que existe, verdadeiramente, uma semelhança entre sociedade em comandita

1 Trattato, cit., vol. I, p. 564.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 374.

3 Brunetti, Trattato, cit., vol. I, p. 566.

4 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 375.

simples e sociedade em nome coletivo, mas se refere, exclusivamente, como semelhança sobre a responsabilidade dos sócios, ou seja, daqueles que exercem efetivamente a gestão, porém, que, de certa forma, se assemelha ao conceito de sociedade em comum.

Assim, ao conferir o seu contingente, o sócio comanditário assume uma verdadeira “obrigação de não fazer”, ou seja, de não administrar a sociedade. A pena, imposta pela lei, caso ele descumpra essa obrigação de não fazer, é a responsabilidade integral. Ademais, com efeito, se o contrato social assim dispuser, como norma bem aconselhável, o referido contrato poderá estipular que no caso de o comanditário praticar ato de gestão a sociedade entrará em dissolução, liquidando o fundo social.

A organização da sociedade em comandita simples é feita em relação à distinção existente entre os seus dois tipos de sócios, comanditados e comanditários, “ces derniers étant soumis, em raison de la limitation de responsabilité dont ils bénéficient, à une interdiction d’immixtion dans la gestion”.1

Com efeito, é a própria organização da sociedade em comandita que requer essa forma de administração. Caso, levada em consideração cada circunstância específica, o sócio comanditário resolva, contrariando expressamente o contrato, imiscuirse na gestão da sociedade, não há por que se duvidar de que tal fato – gravíssimo – possa ensejar a dissolução da sociedade e a liquidação dos seus fundos. A quebra do vínculo de affectio societatis é enorme neste caso, quebra que se denota do fato de que o comanditário entregou ao comanditado os seus bens ou dinheiro em absoluta confiança, e não se espera que, por qualquer motivo, o comanditário se insurja contra essa situação, querendo, agora, assumir a gestão dos negócios sociais, mesmo que ao lado do comanditado. Ora, basta ao comanditado ver nesse ato uma quebra de confiança, ao lado da ingerência descabida, para com isso, no mais das vezes, se manifestar a impossibilidade da continuidade da sociedade. Não se deve confundir a penalidade imposta contra o comanditário, no caso de sua participação na gestão da sociedade, como fator que impediria a dissolução. Essa penalidade, ou seja, a responsabilidade integral existe em favor dos terceiros, e não tem correlação com a continuidade da sociedade após a prática daqueles atos de gestão. O comanditário é sócio, não mero prestador de capitais, e sua quota faz parte do capital social da sociedade. Em geral, o aporte do sócio comanditário se faz em dinheiro e confere, de maneira irrevogável e incondicional, sua contribuição para a sociedade. Os comanditários participam dos lucros e arriscam a sua quota para tal fim. Ao fim da sociedade, na sua dissolução, o comanditário receberá seu aporte integralmente, mas somente após pago o passivo da sociedade (o capital social é a garantia dos credores), e, além disso, receberá o excedente quando existir. O comanditário está impedido de participar ativamente da gestão dos negócios sociais, e, depois da realização do seu aporte, o comanditário não tem mais nenhuma responsabilidade sobre os riscos do negócio.2 Essas são características presentes em todos os ordenamentos jurídicos societários.

277. Do regramento da sociedade em comandita simples no Código Comercial de 1850

Dizia o art. 311 do Código Comercial: “Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se associam para fim comercial, obrigando-se uns como sócios solidariamente responsáveis, e sendo outros simples prestadores de capitais, com a condição de não serem obrigados além dos fundos que forem declarados no contrato, esta associação tem a natureza de sociedade em comandita.” Ao passo que, em certa confusão, dizia o art. 311, § 2o, que “se houver mais de um sócio solidariamente responsável, ou sejam muitos os encarregados da gerência ou um só, a sociedade será ao mesmo tempo em nome coletivo para estes e em comandita para os sócios prestadores de capitais”. Com efeito, a sociedade em comandita simples é sociedade mista, ao mesmo tempo de pessoas e de capitais, e se forma com sócios de duas categorias: “a) os de responsabilidade ilimitada e, quando dois ou mais, solidária pelas obrigações contraídas pela ou em nome da sociedade e em seu interesse, pelos sócios inibidos de geri-la – os sócios solidários ou comanditados; b) os de responsabilidade individual e limitada ao montante das partes ou quotas com que entrarem para o capital societário, e que se chama – de comandita, de onde se denominarem os titulares desta – de sócios comanditários”.3 Se apenas participar da sociedade um sócio comanditado, será tal sócio que deverá suportar toda a responsabilidade pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, de maneira subsidiária.

CARVALHO DE MENDONÇA explica, em termos críticos, a redação do citado art. 311, dizendo que “o Código parece figurar uma sociedade-jano, aliás, impossível. A sociedade em comandita é uma só em seu conjunto. A redação do art. 311 do nosso Código, copiado do art. 24 do Código Comercial francês, ressente-se de grave defeito. Os comanditados não constituem por

1 JEANTIN, Michel. Droit des sociétés, cit., p. 214.

2 RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, p. 304.

3 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 599.

si sós uma sociedade em nome coletivo, nem se trata da coexistência de duas sociedades diversas. A lei quer dizer que os comanditados encarregados ou não da gerência são ilimitada e solidariamente responsáveis como os sócios na sociedade em nome coletivo. É certo que há regras comuns que disciplinam essas duas formas de sociedade; não se pode, entretanto, considerar a comandita uma modalidade ou espécie de sociedade em nome coletivo. Na sua origem e no seu desenvolvimento, são sociedades distintas, tendo cada qual os seus caracteres econômicos e jurídicos. O Código separou-as distintamente”.1 A responsabilidade dos sócios, tanto dos comanditados quanto comanditários, era disciplinada nos artigos 313 e 314 do referido Código. Desta feita, “na mesma sociedade os sócios comanditários não são obrigados além dos fundos com que entram ou se obrigam a entrar na sociedade, nem a repor, salvo nos casos do art. 828, os lucros que houverem recebido, mas os sócios responsáveis respondem solidariamente pelas obrigações sociais, pela mesma forma que os sócios das sociedades coletivas”.2

Ao seu passo, dizia o art. 314 a regra da obrigação de não fazer, com a cominação da penalidade, afirmando que os sócios comanditários não podem praticar ato algum de gestão, nem ser empregados nos negócios da sociedade, ainda mesmo que seja como procuradores, nem fazer parte da firma social, pena de ficarem solidariamente responsáveis com os outros sócios; não se compreende, porém, nesta proibição a faculdade de tomar parte nas deliberações da sociedade, nem o direito de fiscalizar as suas operações e estado. De uma forma ou de outra, essas eram as regras sobre a sociedade em comandita simples que vigoravam até a chegada do Código Civil de 2002. Fundamental foi e continua ser a função do intérprete na elaboração do melhor direito. Por isso, várias são as interpretações derivantes do texto legal que merecem ser feitas.

278. Do regramento jurídico da sociedade em comandita simples no Código Civil

A sociedade em comandita simples é disciplinada pelos artigos 1.045-1.051 do Código Civil. Na sociedade em comandita simples, tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota. Compete ao próprio contrato estipular e discriminar os comanditados e os comanditários (art. 1.045). Se assim o contrato não o fizer, ou seja, se não discriminar claramente quais são os comanditados e os comanditários, e for efetivado o registro, essa sociedade deve ser considerada em nome coletivo para fins de responsabilização. Por certo, dificilmente seria aceitável considerá-la sociedade em comandita simples irregular porque efetivo foi o seu registro, conquanto o defeito formal é sanável por alteração posterior. Reza o art. 1.046 que se aplicam à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis. Aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações dos sócios das sociedades em nome coletivo.

Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberaçõs da sociedade e de lhes fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades do sócio comanditado (art. 1.047, C.C.). Portanto, o sócio comanditário pode fiscalizar as contas da sociedade e participar das deliberações, decidindo das questões internas da sociedade, sejam também de administração interna, mas não pode praticar atos de gestão externa, sob pena de responsabilidade ilimitada e solidária, idêntica aos comanditados. Essa é a principal regra sobre o funcionamento organizativo da sociedade em comandita simples, ou seja, regra com o significado de sua essência como tipo societário. A sociedade prova-se pelo contrato social. Com efeito, responsabilidade de sócio, em verdade, não se presume, mas, ao contrário, prova-se; pelo contrato social a sociedade se prova, desde que devidamente arquivado no Registro das Empresas. Nos termos do Código Comercial de 1850, dizia WALDEMAR FERREIRA , quando por prazo determinado, findo o referido prazo ajustado no contrato, sem que se faça prorrogação expressa, a comandita desaparece, e incide a solidariedade entre os sócios, e cumpria aos sócios ficarem atentos e impedirem o funcionamento da sociedade depois de findo o seu prazo de duração, porque da sua negligência advirá responsabilidade ilimitada e solidária.3 Contudo, a prática foi noutra direção, e dissolve-se a sociedade quando ocorrer o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado (art. 1.033, I, C.C.). É o caso

1 Tratado, cit., vol. III, n. 732, p. 177.

2 O antiquíssimo art. 828 dizia: “Todos os atos do falido alienativos de bens de raiz, móveis ou semoventes, e todos os mais atos e obrigações, ainda mesmo que sejam de operações comerciais, podem ser anulados, qualquer que seja a época em que fossem contraídos, enquanto não prescreverem, provando-se que neles interveio fraude em dano de credores.” Com o tempo, esse instituto evoluiu na direção da ação revocatória e termo legal da falência.

3 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 597.

da prorrogação tácita, o que em sede de comandita simples pode ser o mais adequado, pelo fato de que da sociedade participa sócio de responsabilidade limitada. A dissolução opera como medida de interesse dos sócios, devendo os sócios, na liquidação, solver o passivo.

279. Dos sócios comanditados

Sempre na lição de CARVALHO DE MENDONÇA, os sócios comanditados são aqueles que além da sua quota que contribuem para o fundo social são ilimitadamente responsáveis pelas obrigações sociais, e somente esses sócios é que têm a prerrogativa de administrar e gerir a sociedade.1 Os sócios comanditados respondem solidariamente pelas obrigações, de maneira idêntica à sociedade coletiva.

O art. 2.313 do Codice Civile diz expressamente que na sociedade em comandita simples os sócios accomandatari respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, e os sócios accomandanti respondem limitadamente à quota conferida. Nas sociedades em comandita simples se aplicam as disposições relativas à sociedade em nome coletivo, naquilo que são compatíveis (art. 2.315, Codice Civile). Na legislação pátria, aplicam-se à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo, no que forem compatíveis (art. 1.046, caput, C.C.). E, aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações do sócio da sociedade em nome coletivo (art. 1.046, parágrafo único, C.C.). Na sociedade em comandita, existem duas categorias de sócio: a) aqueles que respondem como os sócios da sociedade em nome coletivo (os sócios-gerentes, comanditados); b) e aqueles que respondem até uma determinada quota, correspondente ao montante dos valores conferidos (sócios que não exercem a gerência, comanditários).

Com efeito, “la gérance de la société est réservée aux commandités: c’est la contrepartie normal de leur responsabilité illimitée”.2

A sociedade em comandita assume direitos e obrigações, inerente à sua vida contratual, em nome próprio e por conta própria, e o seu patrimônio é organicamente distinto do patrimônio pessoal dos sócios, ao passo que seu patrimônio, ou seja, da sociedade, é destinado a perseguir o objetivo da sociedade que é, portanto, juridicamente, aquele de sociedade empresária, e sua inscrição no Registro das Empresas é obrigatória para os devidos fins. Se não é realizada a respectiva inscrição, ter-se-á sociedade em comum (coletiva), com responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios. Seria verdadeira sociedade coletiva de fato, passível de decretação de falência, por ser eminentemente empresária. Se a sociedade em comandita tem contrato social, que não foi levado à inscrição no Registro das Empresas, será sociedade irregular, de caráter coletivo, alcançando idêntica situação jurídica daquela acima apresentada, ou seja, de responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios, sem distinção entre comanditários ou comanditados, para fins de responsabilização.

Com efeito, “a falta de registro não anula o contrato; torna, porém, os sócios solidariamente responsáveis. A comandita simples, valendo-se da falta de publicidade legal, apresenta-se a terceiros como se fosse sociedade em nome coletivo. Justo é, portanto, que os seus sócios assumam a mesma responsabilidade de que os desta sociedade”.3

Não tem validade, perante terceiros, cláusula de limitação de responsabilidade para a prática de determinados atos de representação da sociedade não devidamente registrada, ou seja, sobre a qualidade de sócios gerentes (comanditados); e sócios que conferem a quota do capital (comanditários), que é um sócio pecuniae, capitalista.

280. Dos sócios comanditários

Por sua vez, os sócios comanditários, cuja responsabilidade pelas obrigações contraídas pela sociedade vai ao limite da quota subscrita, não são responsáveis além dos fundos sociais que entraram para a sociedade. Com efeito, a sociedade em comandita constitui-se em pelo menos um sócio responsável ilimitadamente e outro com responsabilidade limitada, seja pessoa física ou jurídica. Responder limitadamente à quota conferida significa para o comanditário responder pelo conferimento de bens ou dinheiro efetuado.

Os sócios comanditários respondem pelas obrigações sociais limitadamente à quota conferida. Isto significa, diz GALGANO, em termos econômicos, que os sócios comanditários não correm outro risco que perder o capital investido; e significa, em

1 Tratado, cit., vol. III, p. 174,

2 RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, p. 307.

3 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol III, p. 180.

termos jurídicos, que esses não são obrigados, patrimonialmente, senão a executar o conferimento prometido, do qual são devedores pelo respectivo conferimento até sua efetiva realização.1 Na assertiva de CARVALHO DE MENDONÇA, “são da essência dessa sociedade estas duas qualidades de sócios, tal é o seu característico. Se a sociedade se compusesse somente de sócios obrigados ilimitadamente, embora denominada em comandita, haveria realmente sociedade em nome coletivo”.2

Os sócios comanditários não podem exercer a administração da sociedade, e, no sistema do revogado art. 314 do Código Comercial, tal regramento fixava a posição do sócio comanditário de tal ordem que o impedia inclusive da representação como procurador da sociedade ou na qualidade de empregado, mas permite sua participação nas deliberações da sociedade e o seu direito de fiscalização e informação sobre as contas da sociedade.3 Com efeito se verá, infra, e no momento oportuno, o sistema previsto pelo art. 1.047, parágrafo único, do Código Civil sobre a possibilidade de o sócio comanditário ser constituído procurador da sociedade. CARVALHO DE MENDONÇA afirma que no sistema antigo o Código Comercial denominava os comanditários como simples prestadores de capitais, nos termos do art. 3.111, que era uma expressão incorreta, não obstante esse constituir a obrigação fundamental destes sócios na formação da sua quota sobre o capital social, e, na verdade, o que a regra do referido art. 311 queria dizer é que os comanditários não comprometem na sociedade o seu patrimônio pessoal, mas apenas os fundos conferidos ou obrigados a conferir. Assim, a figura do comanditário não se confunde, em hipótese alguma, com aquela do mutuante, nos contratos bilaterais onerosos; e “neste tipo de sociedade, se há vantagens para os comanditários, não têm sido pequenas as decepções. Os comanditados são os administradores e deles depende o êxito da sociedade. Se estes não têm comprometido na sociedade grandes interesses pecuniários, se não têm capacidade para a gestão dos negócios que lhes são confiados, se são desonestos... ai dos pobres comanditários!”.4

Contra os comanditados, que porventura vistam as roupas da gatunagem, pesa a responsabilidade ilimitada e solidária, bem como a sua falência pessoal, pois a falência da sociedade em comandita acarreta a falência dos sócios ilimitadamente responsáveis. Assim, a falência incidirá sobre a pessoa do sócio, e será ele, também, como pessoa física, o falido, entrando para o mundo dos “fantasmas” na esfera negocial. A penalidade, via falência, é medida que busca coibir a gatunagem ou a desídia por parte dos comanditados e equilibrar a relação administração e riscos negociais que tem com o sócio comanditário.

Os contratos sociais determinam, com plena autonomia da manifestação de vontade dos sócios, a participação sobre os lucros. Porém, a cláusula atribuindo ao comanditário “juros fixos pagáveis ainda que na falta de lucros líquidos” não é válida porque permitiria ao comanditário retirar seu capital investido, prejudicando os eventuais credores.5 Compete ao credor processar o comanditário para devolver o valor recebido indevidamente, provando que os lucros recebidos são, na verdade, restituição do capital investido, em fraude contra credores, em verdadeira ação de repetição de dividendos recebidos indevidamente.

No transcorrer da história, os sócios comanditários desempenharam com exatidão sua perspectiva especulativa sobre o lucro em sociedade, mas não são poucos os casos, conforme a comenta a doutrina6, que tais sócios não acabaram por ser ludibriados por sócios comanditados. Contudo, a sociedade em comandita simples é tipo societário histórico e serviu como instrumento para o aumento do tráfico mercantil no final da Idade Média, principalmente nas atividades comerciais dos séculos XV e seguintes.

281. Dos sócios accomandatari e accomandanti na legislação italiana

Conforme o Codice Civile (art. 2.318), i soci accomandatari hanno i diritto e gli obblighi dei soci della società in nome colletivo, e l’amministrazione della società può essere conferita soltanto a soci accomandatari.

Por sua vez, os sócios accomandanti não podem praticar atos de administração, nem negociar em nome da sociedade, sob pena de assumir responsabilidade ilimitada e solidária em relação aos terceiros por todas as obrigações sociais.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 375.

2 Tratado, cit., vol. III, p. 175.

3 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 81.

4 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, pp. 175/176.

5 RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, pp. 306/307.

6 Para alguns, o comanditário seria “antes a figura do tolo do que a personificação da astúcia e da fraude”, nos termos de DELOISON, Soiciétés commerciales, vol. 1º, n. 215; citado por MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 176.

De qualquer forma, em sede de administração interna da sociedade os referidos sócios accomandanti possono tuttavia prestar ela loro opera sotto la direzione degli amministratori e, se l’atto costitutuivo lo consente, dare autorizzazione e pareri per determinate operazioni e compiere atti di ispezione e di sorveglianza. Em todo caso, os accomandanti têm direito de ter comunicação anual dos balanços, dos lucros, das perdas e de controlar as contas, consultando os livros fiscais e outros documentos da sociedade.

A posição jurídica dos sócios gerentes é exatamente aquela dos sócios da sociedade em nome coletivo, e pela sorte da sociedade pagam com todo o seu patrimônio pessoal, e por regra geral são administradores e colocam seu dever de administração a serviço da sociedade. Ao contrário, os sócios comanditários (commanditaires, dos franceses) participam somente com o seu aporte, que via de regra é feito em dinheiro, sem nenhuma ingerência na administração ativa da sociedade. Estes sócios contribuem, assim, para o incremento do capital social e do crédito da sociedade, e, nesta função econômica está a principal razão da sua presença como sócio e que, por sua vez, diferencia, nas relações internas e externas, a sociedade em comandita da sociedade em nome coletivo; e o sócio comanditário é um sócio capitalista1 na confluência do termo que presta o capital, em razão dos vínculos societários, de affectio societatis e intuitus personae. Com efeito, sobre os comanditários, está o fato de que nada autoriza a considerar o benefício da responsabilidade limitada na sociedade em comandita simples com um conteúdo diverso daquele dos outros tipos de sociedade, pelos quais é previsto o favor de todos ou de alguns dos sócios. O sócio de responsabilidade limitada é, em todo caso, aquele que responde pelos débitos sociais somente com os bens sociais (coletivos), isto é, enquanto membro da sociedade, e não com os bens que são de sua titularidade individual. Considera-se, então, que este limite sobre a responsabilidade do sócio influiu sobre o modo da responsabilidade, bem sabendo que a sua será uma responsabilidade coletiva e não individual, ao passo que tal sócio não poderá responder somente como membro da sociedade (patrimônio conferido), e não individualmente, sobre seu patrimônio individual.

282 Os comanditados e comanditários são responsáveis solidários pelas obrigações da sociedade na lição

de CARVALHO DE MENDONÇA

Sobre aquilo que já se falou, supra, em comentários aos revogados artigos 311 e 313 do Código Comercial, cabe um precioso adendo.

Disse CARVALHO DE MENDONÇA que comanditados e comanditários são solidariamente responsáveis pelas obrigações da sociedade, ainda que em medida diversa. Enquanto os comanditados respondem ilimitadamente, os comanditários respondem nos limites das respectivas quotas. A solidariedade consiste no direito que tem o credor de exigir de um só comanditário o valor integral da quota subscrita, sem que esse possa pedir a divisão da dívida entre os consócios.

O mestre emprega, perfeitamente, a distinção entre responsabilidade ilimitada e solidariedade, e com isso impede qualquer confusão interpretativa. Portanto, os comanditários são devedores solidários, conquanto não ilimitadamente, entre os consócios. A pena da responsabilidade ilimitada decorre, necessariamente, da sua intromissão na gestão, pelo descumprimento da obrigação de não fazer. Neste passo, seria responsável integralmente, ilimitada e solidariamente, com os comanditados, como se fossem sócios em nome coletivo2, o que é situação diversa daquela em questão. Com efeito, em termos precisos, há distinção entre a sociedade comandita e aquela em nome coletivo, ou seja, a principal diferenciação se dá na esfera administrativa da sociedade, repercutindo, com isso, na responsabilidade dos sócios, conquanto, em alguns casos, se identificam pela própria alteração que os sócios praticam no comando da sociedade, assumindo as consequências.

283. Da firma social na comandita

Diz o art. 1.041 do Código Civil que, nas sociedades coletivas, o contrato social deve mencionar, além das indicações referidas no art. 997, a firma social.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 565.

2 “Una società in accomandita semplice palese, sia essa regolare oppure irregolare, può avere soci occulti; ed occulti possono essere anche uno o piú soci accomandanti. Il socio accomandante occulto versa, tuttavia, in una situazione processuale difficile: secondo la Cassazione, il socio occulto di una società in accomandita semplice si presume socio accomandatario “fino a prova contraria da parte sua”. Se, perciò, viene dichiarato il fallimento di una società in accomandita semplice, e, a fallimento dichiarato, viene scoperta l’esistenza di soci occulti (art. 147, comma 2º, l.fall.), incomberà a costoro l’onere di provare, per sottrarsi alla estensione del fallimento, la loro qualità di soci accomandanti.” GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. X, p. 52.

Por expresso mandamento do art. 1.046 do Código Civil se determina que “se aplicam à sociedade em comandita simples as normas da sociedade em nome coletivo no que forem compatíveis”. Tem aplicação essa regra, notadamente, na indicação da firma social, sob a qual a sociedade em comandita funciona e assume direitos e obrigações perante terceiros. A sociedade atua sob uma razão social constituída pelo nome de ao menos um dos sócios comanditados, indicando a qualidade de sociedade em comandita simples (art. 2.314, Codice Civile). Assim como na sociedade em nome coletivo, a razão social deve conter a indicação de ao menos um sócio de responsabilidade ilimitada, o que na sociedade em comandita simples deve se referir, necessariamente, ao sócio comanditado porque são eles os que respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. Ademais, também na comandita simples deve ser indicada a relação jurídico-social dos sócios para que os terceiros saibam, de tal modo, que o sócio ou os sócios que aparecem com o nome na razão social estão em comum, sob uma mesma razão social, e, por isso, são responsáveis ilimitadamente, e que esses terceiros saibam, também, que existem sócios (comanditários) que respondem limitadamente. Com a indicação do tipo societário faz-se um aviso pelo fato de que, antes de ofertarem crédito à sociedade, deverão ter a precisa noção de que se trata de sócios comanditários e comanditados com as respectivas responsabilidades.1 A doutrina ensina que “obrigatória é a adoção de firma ou razão social na sociedade em comandita, não se exigindo, porém, como nas leis modernas, que conste a expressão sociedade em comandita simples por extenso ou abreviadamente”.2 A firma ou razão social das sociedades em comandita simples deve compor-se do nome ou da firma de um ou mais sócios comanditados, com o aditamento “& Companhia”. O nome completo ou abreviado de quelquer sócio comanditário não pode figurar na firma, sob pena de responder, perante terceiros, como sócio comanditado. Somente podem integrar a firma das sociedades os sócios comanditados. 3 Não há fórmulas para estabelecer a diferença entre a firma social da sociedade em nome coletivo da sociedade em comandita simples em razão de que são sociedades nitidamente de caráter pessoal, e, principalmente, ainda que a sociedade em comandita simples seja um tipo societário autônomo, sua origem histórica é uma derivação da sociedade em nome coletivo, na formação de um fundo social, administrado com finalidade lucrativa, ao passo que na sociedade coletiva todos exercem a gerência, enquanto na sociedade em comandita simples apenas os comanditados têm essa prerrogativa, fato esse que diferencia as referidas sociedades tanto no plano administrativo quanto de responsabilidade perante as obrigações sociais, e que, de certa forma, as aproxima na identificação de uma firma social, que nas coletivas é exercida disjuntiva ou conjuntivamente por todos os sócios, e na comandita é exercida disjuntiva ou conjuntivamente somente pelos comanditados.

Nos termos do revogado art. 314 do Código Comercial de 1850, “os sócios comanditários não podem praticar ato algum de gestão, nem ser empregados nos negócios da sociedade, ainda mesmo que seja como procuradores, nem fazer parte da firma social”. Essa regra era consentânea com o art. 311 do Código Comercial, que dizia “quando duas ou mais pessoas” (entenda-se um sócio comanditado e outro comanditário), “sendo ao menos um comerciante” (entenda-se o sócio comanditado), refere-se ao fato de que somente pode empregar nome na firma social o sócio que efetivamente era comerciante, ou seja, que seria o órgão de representação da sociedade perante terceiros, assumindo direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade, mas figurando como sócio solidário e ilimitadamente responsável pelas dívidas sociais.

Em termos de comparação, com a sociedade em nome coletivo, se dizia que “não podem fazer parte da firma social nomes de pessoas que não sejam sócios comerciantes”, conquanto “existe sociedade em nome coletivo ou com firma, quando duas ou mais pessoas, ainda que algumas não sejam comerciantes, se unem para comerciar em comum, debaixo de uma firma social” (revogado o art. 315, Código Comercial). Portanto, a firma social da sociedade em comandita simples funciona em idêntica situação jurídica com a firma social da sociedade em nome coletivo, ou seja, somente podem dela figurar (firma social) sócios que efetivamente exercem os poderes de gerência (administração) e representação, obrigando a sociedade perante terceiros. A firma de sociedade em comandita simples ou por ações deve conter o nome ou firma de um ou mais sócios pessoal e solidariamente responsáveis com o aditamento por extenso ou abreviado — “e Companhia”— , sem que se inclua o nome completo ou abreviado de qualquer comanditário, podendo a que tiver o capital dividido em ações qualificar-se por denominação especial ou pela designação de seu objeto seguido das palavras “Sociedade em comandita por ações” e da firma (art. 3º, § 2º, do Decreto 916 de 24 de outubro de 1890). O nome dos sócios comanditários deve, obrigatoriamente, constar do contrato social, mas podem ser omitidos nas publicações e nas respectivas certidões, quando assim requererem expressamente. Não podem ser arquivados os atos constitutivos e os de transformação de sociedades mercantis, se deles não constarem os seguintes requisitos, além de

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 378-379.

2 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 80.

3 “À primeira vista, não há distinção entre a firma da sociedade em nome coletivo e a da comandita simples. Ainda se não achou a fórmula definitiva para estabelecer a diferença”; cf. MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit., vol. III, p. 183.

outros exigidos em lei: o nome por extenso e qualificação dos sócios, procuradores, representantes e administradores, compreendendo para a pessoa física a nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência, documento de identidade, seu número e órgão expedidor e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (art. 53, III, d, do Decreto 1.800/96). Afirma WALDEMAR FERREIRA que responde pelas obrigações sociais a pessoa que tem o nome na firma social, ou seja, os comanditados (socii, sive participes societatis, vel relationis, quorum nomen in ea expenditur, teneantur in solidum pro omnibus gestis, et erga omnes, et singulos crediotres rationis sive societatis), e, sendo os sócios comanditários de responsabilidade limitada, seus nomes não podem figurar na sociedade de que sejam membros, ao passo que esses sócios ocultar-se-ão na firma social sob a expressão “& Companhia”, ainda que abreviada, em “& Cia”, e desde os mais antigos estatutos medievais.1

O contrato social deve discriminar os comanditados e os comanditários (art. 1.045, parágrafo único, C.C.). O ato constitutivo deve indicar os sócios accomandatari e os sócios accomandanti (art. 2.316, Codice Civile) Se o contrato for silente, não discriminando em qual categoria os sócios estão incluídos, ter-se-á sociedade coletiva, ainda que o contrato social tenha sido devidamente arquivado no Registro das Empresas. Neste caso, com a mera indicação dos nomes dos sócios, com referência à “sociedade em comandita simples”, sem a expressa indicação dos sócios que administram a sociedade na qualidade de comanditados, e aqueles que apenas entraram com sua quota na formação do capital (comanditários), a sociedade será considerada coletiva.

O Código Civil de 2002, infelizmente, neste passo, não seguiu a clareza da sua legislação irmã na Itália quando o Codice Civile diz, expressamente, que “la società agisce sotto una ragione sociale costituita dal nome di almeno uno dei soci accomandatari, con l’indicazione di società in accomandita semplice, salvo il disposto del secondo comma dell’art. 2.292” (art. 2.314). Na legislação italiana, somente podem figurar da firma social os sócios-gerentes, que administram e representam a sociedade perante terceiros.

O referido Codice Civile é ainda mais claro ao dizer, no art. 2.314, que “l’accomandante, il quale consente che il suo nome sia compreso nella ragione sociale, risponde di fronte ai terzi illimitatamente e solidalmente com i soci accomandatari per le obbligazioni social”. Com efeito, o sócio comanditário que consente que seu nome seja incluído na razão social responderá ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais. Por bem da verdade, o art. 1.047 do Código Civil diz: Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. Conforme o exímio BRUNETTI, da mesma forma que para a sociedade coletiva, a sociedade em comandita simples pode conservar na razão social o nome do sócio comanditado falecido ou que se retirou da sociedade, quando tenham assim consentido os herdeiros ou o próprio sócio que se retirou.2 Contudo, como já se disse, supra, não parece factível a manutenção, na firma social, do nome do sócio falecido ou que se retirou da sociedade, em razão da insegurança jurídica que dessa situação possa surgir perante terceiros contraentes.

A proibição de exercer a administração tem natureza subjetiva inclusive ao passo que “linterdiction est prévue dans l’intérêt des tiers: si les commanditaires entraient en relations, pour compte de la société, avec des clients, des fournisseurs, des banquiers, ces derniers pourraient les confondre avec les commandités, croire qu’ils assument une responsabilité personelle et accorder ansi à la société un crédit immérité”.3

Para ter bem distintas as categorias de sócios na comandita o contrato deve mencionar os nomes de todos os sócios. Na firma social a expressão & Companhia compreende os sócios comanditários, e, por isso, a mera inclusão do nome na firma social exclui a limitação de responsabilidade do sócio.

284. Das consequências contra o sócio comanditário que empresta seu nome à firma social

Assunto que merece conversa mais aprofundada é quando o comanditário, por qualquer motivo, empresta seu nome à firma social.

Como se disse, supra, o comanditário que consente que seu nome faça parte da razão social responderá em relação aos terceiros ilimitada e solidariamente com os sócios comanditados pelas obrigações da sociedade (art. 2.314, Codice Civile).

1 Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 600.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 567.

3 RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, p. 307.

Na esteira de GALGANO, entende-se que o comanditário responde ilimitadamente, nos termos do referido art. 2.314, independentemente da circunstância que os terceiros soubessem ou ignorassem que se tratava de sócios comanditários; e respondem, também, ainda em relação àqueles terceiros dos quais se possa provar perfeitamente que tinham conhecimento da qualidade de comanditário do referido sócio. Ademais, a responsabilidade ilimitada se refere a todas obrigações sociais, e não apenas àquelas assumidas sob a razão social correlacionadas com o nome do comanditário. O sócio responderá também pela obrigação decorrente de fato ilícito imputável contra a sociedade, pelo qual não se pode nem mesmo colocar o problema do conhecimento do terceiro credor. Então, muito mais que tutelar o terceiro credor, a finalidade do art. 2.314 é reprimir na sua raiz os possíveis abusos que possam ser cometidos com recurso a esse tipo societário. Entende-se, perfeitamente, a razão do art. 2.314 quando se considera que o sócio comanditário (sócio capitalista) e excluído da administração da sociedade ocupa na estrutura da sociedade em comandita simples uma posição secundária. Não existe, portanto, nenhuma razão para que seu nome conste da razão social, o que poderia, certamente, influenciar os terceiros sobre as forças patrimoniais da sociedade. Portanto, o que o art. 2.314 quer evitar, categoricamente, é que o sócio comanditário assuma, no interior da sociedade, uma posição correspondente ao do sócio em nome coletivo, mas venha usufruir do benefício da responsabilidade limitada, sendo indicado expressamente no contrato social, como sócio comanditário.1

Evidentemente que os sócios comanditados que empregam seus nomes na razão social assim o fazem porque exercem efetivamente a administração da sociedade. Com a proibição dos sócios comanditários em empregarem seus nomes na razão social se quer dizer que não têm nenhuma posição dominante na administração social, e que são, meramente, sócios capitalistas, bem sabendo que nessa condição e qualidade podem praticar atos de fiscalização contábil sobre a administração gerencial colocada a efeito pelos sócios comanditados. Se o comanditário emprega seu nome na razão social fica claro que tal sócio assume a administração da sociedade, e por isso terá a consequência da responsabilidade limitada. Seria iníquo imaginar que o sócio que tem seu nome na razão social se esquivaria em administrar a sociedade, mas muito pelo contrário. Em tal condição é patente que o sócio estaria usando da responsabilidade limitada para impedir a execução contra seus bens pessoais, exercendo a administração da sociedade sem nenhum risco, qual seja, aquele de perder os seus fundos sociais. Os comanditados, neste caso, poderiam assumir as vestes de meros “sócios-fantasmas”, com a finalidade iníqua de ludibriar a lei e a certeza jurídica, o que não pode encontrar refúgio na interpretação do melhor direito. A consequência dessa situação se verifica em sede judicial: compete ao sócio comanditário o ônus da prova. Se o seu nome vem empregado na razão social, caberá ao sócio comanditário comprovar, com documentos, que a inclusão do seu nome na razão social foi um ato ilícito contrário a sua vontade.

Essa prova tem que ser documental, e se faz entre o cotejo do contrato social, onde certamente vai figurar a razão social, com os documentos negociais da sociedade. Se no contrato social não consta o nome do comanditário na razão social, mas tal nome aparece nos atos negociais da sociedade, tudo isso representa apenas um indício favorável ao referido sócio, mas, com certeza, não é prova irrefutável. A comprovação que seu nome está na razão social por sua própria vontade, quando dos atos negociais, ainda que não conste expressamente da redação do contrato social, se faz pelas assinaturas nos referidos documentos, remessas de cartas indicando a razão social inverídica, documentos contábeis nos quais se mostra sua assinatura, etc. O nome jurídico do tipo societário não vincula o entendimento do juíz, e o registro do contrato social não tem presunção absoluta. Os princípios gerais de direito da interpretação dos contratos permitem ao magistrado qualificar como sociedade em nome coletivo uma sociedade em comandita simples desqualificada pelos eventos fáticos e jurídicos sobre sua constituição, ainda que formalmente registrada. O magistrado poderá, ainda, qualificar o sócio comanditário como sócio comanditado sempre que aquele exercer a administração da sociedade, de maneira direta ou indireta, empregar seu nome na razão social, etc.

A consequência dessa situação é que a sociedade em comandita simples se desqualificará de sua espécie societária e passará a ser considerada como sociedade em nome coletivo, com todos seus efeitos, inclusive o da responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios por todas as obrigações sociais, quer esses fatos tenham sua origem jurídica antes ou depois dos fatos desqualificadores da condição de comandita simples, e que, agora, representam atos constitutivos e qualificadores da condição de sociedade em nome coletivo. Bem sabendo da natureza plurilateral e específica dos contratos societários, ainda assim sobre eles se aplicam algumas regras de interpretação geral dos contratos, principalmente quando esses princípios gerais são da ordem de evitar o abuso e coibir a fraude, fazendo correr a gatunagem e aqueles que lesam terceiros de boa-fé. O art. 2.314 do Codice Civile é uma regra proibitiva: a consequência pelo seu descumprimento é a responsabilidade solidária e ilimitada. Se o comanditário consente que seu nome seja incluído na razão social ou efetue atos de administração, tal sócio perderá a prerrogativa da responsabilidade limitada.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 379/380.

Em outra hipótese, os sócios da comandita simples também serão considerados como em nome coletivo: tal hipótese se perfaz quando no contrato social não há indicação expressa que se trata de sociedade em comandita simples, ainda que exista cláusula social indicando quais são os sócios comanditários e comanditados. Se o contrato social indicar expressamente que se tem sociedade em comandita simples, mas não indicar quais são os sócios comanditados e quais são os sócios comanditários, ter-se-á sociedade em nome coletivo. Em todos esses dois casos a sociedade será considerada sociedade em nome coletivo irregular.

285. Do conferimento na sociedade em comandita simples

O conferimento do comanditário pode ser em dinheiro, bens móveis, imóveis, mercadorias, etc., que, afinal, representam valor mensurável em capital, e o comanditário confere, então, uma quota ao capital. Em CARVALHO DE MENDONÇA se tem que a prestação de serviço, ainda que mensurável em valor patrimonial, não pode ser objeto de quota do comanditário.1 A prestação de serviço realmente não pode ser objeto da contribuição do comanditário, porque seria a desvirtuação da sociedade em comandita simples; contudo, o valor pecuniário que deriva da prestação do serviço pode, perfeitamente, constituir e integrar o capital da sociedade. Com efeito, diz a legislação comercial francesa, que “Les associés commanditaires répondent des dettes sociales seulement à concurrence du montant de leur apport. Celui-ci ne peut être un apport en industrie” (art. 1.222-1).

Na esteira da melhor doutrina, ao passo que os fundos prometidos entram para a sociedade, a responsabilidade pessoal do comanditário fica extinta, completamente. Então, pode-se dizer que, em relação aos terceiros, não mais existem sócios comanditários. As entradas estão prontas e acabadas, e o seu concurso pecuniário prometido foi incorporado ao patrimônio da sociedade, e sua responsabilidade chegou ao fim.2

O Código de Comércio na França exige, claramente, que “les statuts de la société doivent contenir les indications suivantes: 1° Le montant ou la valeur des apports de tous les associés; 2° La part dans ce montant ou cette valeur de chaque associé commandité ou commanditaire; 3° La part globale des associés commandités et la part de chaque associé commanditaire dans la répartition des bénéfices et dans le boni de liquidation”. Fato importante é aquele que decorre quando o comanditário não cumpre a promessa de efetuar o aporte de capital à sociedade, ficando inadimplente frente aos demais sócios e também contra a sociedade. O contrato social deve indicar a contribuição de cada um dos sócios, o valor que lhe é atribuído e o modo de sua avaliação (art. 2.295, n. 6, Codice Civile). Comenta BRUNETTI que a quota não corresponde unicamente em dinheiro, como já se disse. Porém, pode ser realizada em qualquer forma que aumente o valor do patrimônio da sociedade. Este valor é obrigatoriamente fixado pelo contrato social, e pode ser realizado em segredos industriais e patentes, os quais devem indicar uma determinada cifra sobre o capital social, cifra essa que, em todo caso, servirá como parâmetro da responsabilidade do comanditário até que a referida prestação seja efetivamente executada. Pode, ademais, servir como contribuição social uma obrigação de não fazer, por exemplo, desde que mensurável. Ao passo que é perfeitamente possível a contribuição como a remissão de dívida contra a sociedade, ou na compensação de um crédito do sócio com um débito da sociedade, e para o mestre a contribuição pode ser feita, inclusive, em prestação de serviço, afirmando que “la valutazione degli apporti di industria (prestazione di lavoro) presenta a primo aspetto qualche difficoltà ma essa si supera considerando che anche in tal caso una stima è sempre possibile calcolando, ad esempio, ciò che risparmia la società avvalendosi dell’opera del socio in luogo di stipendiare un impiegato o altro prestatore di lavoro. La responsabilità si commisurerà alla stima. Che se il socio non fornisce l’opera promessa i creditori sociali saranno autorizzati ad agire in suo confronto fino all’ammontare della somma garantita”.3

Concordo com o mestre, e parece perfeitamente possível que o comanditário entre com serviço para a sociedade, desde que esse trabalho possa ser mensurável, por exemplo, no futuro valor que a coisa terá quando colocada à venda no mercado. Neste passo, diferentemente da impossível avaliação do serviço na antiga sociedade de capital e indústria (e também na sociedade simples com sócio de serviço), o que importa na sociedade em comandita simples é a quantificação do valor que vai advir do trabalho e não o trabalho em si, como impraticável de avaliação patrimonial. Por exemplo: se na sociedade em comandita simples entra, como sócio comanditário, um pintor famosíssimo em todo o mundo e que se obriga a pintar vinte quadros, que alcançarão depois de prontos e acabados valores em milhões de dólares,

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 178.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 178. Idem.

3 Trattato, cit., vol. I, p. 597.

vendidos pelos comanditados (mercadores de artes), certo é que o serviço desse pintor poderá servir como contribuição ao capital da sociedade, porque passível de escrituração contábil e de valores, na qualidade de aporte social. Cumprido o serviço estará, também, integralizada totalmente a sua contribuição social, não se falando em responsabilidade contra esse sócio pela quota não efetuada. Se, por exemplo, o pintor deixa de entregar apenas um quadro, será compelido, judicialmente, a ser excluído da sociedade, arcando, frente aos credores da sociedade, com o valor da quota faltante, ou seja, aquela quota que corresponde ao valor de apenas um quadro. Se não entregar nenhum quadro, será excluído da sociedade e arcará frente aos credores da sociedade com o total das suas quotas não conferidas. Se o comanditário não cumpre sua obrigação de fazer, inadimplente estará com a sociedade e com os demais sócios e deverá ser excluído da sociedade, arcando com as perdas e danos cabíveis. Tal sócio não exercerá a administração externa da sociedade, muito pelo contrário. Ficará em seu ateliê, com as suas musas, pintando os quadros, e os entregando no tempo ajustado. Aos comanditados caberá a compra das tintas, telas, equipamentos, etc., para que o sócio comanditário (pintor) possa cumprir sua obrigação. Apenas os comanditados firmam obrigações em nome e por conta da sociedade em comandita simples, e respondem por essas obrigações pessoalmente. O pintor, sócio comanditário, poderá, então, se dedicar às pinturas e às musas, apenas exercendo o seu direito de sócio para fiscalizar as contas da sociedade e os livros contábeis, bem como os contratos de venda de suas pinturas no mercado de artes.

Note-se, com acerto, que é perfeitamente mensurável a prestação do serviço do sócio comanditário, em situação totalmente diferente do “sócio de serviços”, quando seu trabalho não é passível de avaliação monetária ou contábil, por impraticável em termos comerciais. Na qualidade de sócio comanditário o capital desse sócio é o seu serviço. Na outra (antiga sociedade de capital e indústria e na sociedade simples com sócio de serviço), o serviço é a sua contribuição.

286. Da transferência das partes sociais

Em regra geral, as partes sociais somente podem ser transferidas por consenso de todos os sócios, porém, nada impede que o contrato social estabeleça diversamente, segundo a jurisprudência italiana.

Assim, “nella società in accomandita semplice il transferimento della quota dell’accomandatario esige, di regola, l’unanimità dei consensi degli altri soci. Tuttativa, nulla vieta che, anche per il trasferimento della quota degli accomandatari, lo statuto sociale preveda una diversa regolamentazione subordinando la validità di tale cessione alla sola approvazione della maggioranza, ovvero al solo consenso degli altri accomandatari, o, persino, riconoscendo in ogni caso, la validità, anche a prescindere del tutto dal consenso degli altri soci. Un patto, che in tal senso sia stato accettato dai soci al momento della costituzione della società, è infatti pienamente valido, dal momento che esso non pregiudica né gli interessi dei soci stessi, che hanno già disposto del loro interesse con il consentire al patto, né quello dei creditori sociali eventuali che trovano la loro garanzia anche nella responsabilità del socio cedente, ai sensi dell’art. 2.290 do Codigo Civile, ed in quella del cessionário, ai sensi dell’art. 2.269 do Codigo Civile, ne, infine, quello della società, che è l’interesse stesso dei soci”.1

Ao seu passo, a legislação pátria estabelece que: “As modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime” (art. 999, caput, C.C.).

Sobre a transferência das partes sociais o contrato social deve representar fielmente o conteúdo da manifestação de vontade dos sócios. Ampla é a liberdade de contratar, observando, contudo, o previsto pelo ordenamento jurídico.

287. Da administração da sociedade em comandita

Dentro do equilíbrio que existe na comandita simples, consubstanciado no poder-dever de administração e a responsabilidade pelas obrigações, dessume-se que “os sócios comanditários não intervêm na administração social. Como a participação destes sócios na sociedade é restrita à quota do capital social que conferem, receia-se que, ávidos de lucros e não sofrendo prejuízos além do valor da sua quota, lancem a sociedade em empresas de audácia e pouco calculadas. A responsabilidade pesa toda sobre os sócios de responsabilidade ilimitada. A intervenção dos comanditários na gerência seria incompatível com a sua responsabilidade limitada”.2

1 Cass. civ., sez. I, 10 febbraio 1971, n. 340; cf., BARTOLINI F. E DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 2.010.

2 Mendonça, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 184.

Com efeito, reza a lei: sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado (art. 1.047, C.C.). As deliberações de que fala a lei são apenas aquelas que envolvem a administração interna da sociedade nas relações internas entre os sócios.

As operações, na qualidade de fiscalização, são os negócios sociais, levados a efeito pelos sócios-gerentes. Essa fiscalização é de natureza contábil e negocial, ou seja, se operada na observância das leis fiscais, contábeis, comerciais e societárias. A autonomia do sócio-gerente, comanditado, é total, e não pode o sócio comanditário se imiscuir nessa gestão, na qualidade de “fiscalização” ou “controle”. A confiança, após a entrega dos fundos (dinheiro, efeitos, bens), tem que ser de tal sorte que não impeça o comanditado de exercer seu poder-dever em administrar a sociedade, que, em termos precisos, na falta de bens sociais, será seu patrimônio pessoal que responderá pelas dívidas sociais. Com efeito, os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais – beneficium ordinis et excussionis (art. 1.024, C.C.). Quando o contrato social permitir aos sócios comanditários uma participação na administração excedendo os limites fixados pelos artigos 1.047 e 1.051, parágrafo único, ter-se-á sociedade em nome coletivo. O efeito da administração e da responsabilidade pelas dívidas sociais tem no art. 1.024 o seu aspecto procedimental, porque a responsabilidade nas sociedades coletivas e em comanditas (entre os sócios comanditados) será solidária e ilimitada, porém subsidiária. Desta feita, os credores devem ter certeza de que a administração é exercida pelo sócio-gerente, e que este não é um mero “representante” dos sócios comanditários, que buscaria, via elaboração da sociedade em comandita, abarcar a fraude contra a boa-fé dos terceiros credores.

O sócio comanditado tem que exercer sua obrigação na qualidade de sócio, representando os fundos sociais garantia dos credores, que nesse caso é o patrimônio social, bem como o patrimônio pessoal do sócio comanditado. O direito de fiscalizar o estado da sociedade e os sócios-gerentes, ou seja, as contas é prerrogativa de todo e qualquer sócio, bem como o fiel emprego dos fundos sociais, os documentos e livros fiscais e contábeis, direito garantido ao sócio comanditário.

Por sua vez, será nula a cláusula no contrato social da comandita que estabelece a necessidade do consenso de todos os sócios (inclusive dos comanditários) para a prática de uma série de atos determinados (administração externa da sociedade), contrariando tal cláusula a regra do art. 1.047, caput, do Código Civil, que institui um equilíbrio necessário entre a correlação de poder econômico e risco econômico no interesse não apenas de um ou vários sócios, mas em geral, de uma responsabilidade pelo exercício da administração social de uma empresa. Portanto, é nula a cláusula que estabelece ser necessário o consenso de um ou vários sócios comanditários para que o sócio comanditado possa adquirir ou permutar bens móveis ou imóveis; firmar contratos de locação; alienação fiduciária em garantia; mútuo bancário; etc., dar aval; firmar títulos de crédito, ou seja, todos aqueles atos que entram na administração ordinária da sociedade e são realizados para alcançar o objeto social. Essas cláusulas são nulas porque filhas da gatunagem. Os gatunos (sócios comanditários de responsabilidade limitada) contratariam “laranjas” (sócios comanditados de responsabilidade ilimitada), para, perante terceiros, assumir os riscos do negócio e controlariam seus comparsas por essas cláusulas limitativas do poder de representação da sociedade, e eles figurariam numa bem orquestrada esteira contratual, como credores do comanditados, no caso de eventuais perdas. Assim, evitariam os riscos da responsabilidade ilimitada e não seriam considerados sócios-gerentes para fins de responsabilização. Tal orquestração confluiria em mais direitos e prerrogativas se comparadas às outras sociedades, quaisquer que sejam, inclusive a sociedade limitada e anônima, que tem ampla responsabilidade contra os sócios-gerentes e controladores, bem como sobre seus direitores. A sociedade em comandita simples não pode servir aos propósitos escusos desses gatunos, e, neste caso, a responsabilidade dos sócios comanditários tem que ser solidária e ilimitada, funcionando o contrato social como prova da simulação. Ademais, ensina CARVALHO DE MENDONÇA que o comanditário não pode impor ou exigir coisa alguma ao sócio-gerente, nem lhe proibir atos de administração de sua alçada e competência, e não seria lícita a cláusula contratual que restringisse os poderes do gerente de tal modo que ficasse impedido de administrar a sociedade, sendo obrigado a pedir e obter autorização do comanditário para todos os negócios sociais.1

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 188.

O comanditário pode exercer seus direitos de sócio, que nenhum contrato pode excluir validade naqueles atos estritos de administração interna da sociedade, entre os quais: fiscalização e tomada de contas, inspeção nos livros fiscais e contábeis, participação no conselho fiscal.

Por conseguinte, diz a lei comercial francesa que “les associés commanditaires ont le droit, deux fois par an, d’obtenir communication des livres et documents sociaux et de poser par écrit des questions sur la gestion sociale, auxquelles il doit être répondu également par écrit” (art. 1.222-7).

Com efeito, decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem (art. 81 da Lei 11.101/05). A regra, acima referida, é justa e certa, ainda nas sociedades em comanditas simples. Portanto, a falência da sociedade em comandita simples acarreta a falência dos sócios comanditados e por extensão pode alcançar os sócios comanditários que exerciam a administração da sociedade, burlando a regra geral, e utilizando a sociedade como forma de simulação para se esquivar de toda e qualquer responsabilidade, principalmente a falimentar. Bastaria que tal gatuno conferisse valor mínimo de quota sobre o capital, empregando “testas de ferro” na qualidade de sócios comanditados, para evitar, em termos patrimoniais, perdas relevantes, e em termos falimentares, responsabilidade criminal e atos passíveis de revocatório. Nestes casos, a falência serve como instrumento jurídico da defesa do interesse dos credores, em responsabilizar o gatuno pelos seus atos visivelmente lesivos aos terceiros.

Essa a solução da jurisprudência italiana,1 ao passo que na sociedade em comandita simples o sócio comanditário que efetua atos de gestão social incorre na responsabilidade solidária e ilimitada, ainda que sejam atos de administração interna e sem concorrer na manifestação externa da vontade social e sem entrar em relação obrigacional com terceiros na conclusão dos negócios sociais e, por força do art. 147 da legislação falimentar da Itália, a falência da sociedade em comandita simples será estendida ao sócio comanditário de uma forma ou de outra, quando ele se imiscuir na administração da sociedade.

288. Do art. 1.047, parágrafo único, do Código Civil

Diz o texto normativo que “pode o comanditário ser constituído procurador da sociedade para negócio determinado e com poderes especiais”. Com efeito, nesse caso, o comanditário não está exercendo poderes de administração social, como órgão social, mas é mero procurador, e opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato (art. 653). O mandato a que se refere o art. 1.047, parágrafo único, é de negócio determinado. Assim, encontra seu regramento na parte primeira do art. 660 do Código Civil, quando diz que o mandato pode ser especial a um ou mais negócios determinadamente ou geral a todos os do mandante. Então, não é mandato com caráter de gestão de negócios, muito pelo contrário. A procuração tem que ser específica sobre o negócio determinado e sobre o prazo de duração do mandato, para impedir que tenha aplicação a regra do art. 661, que dispõe: o mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

Tudo que o comanditário não pode ter são “poderes de administração”, sob pena de ficar responsável solidariamente pelas obrigações sociais ilimitadamente. Se o mandato for de tal natureza que se possa dessumir que seus poderes são amplos, de caráter administrativo, tal instrumento seria a prova documental que o sócio comanditário está assumindo a gestão da sociedade, e, em juízo, serviria para requerer a responsabilidade solidária e ilimitada do referido sócio comanditário pelas obrigações sociais. Com isso, ao conferirem o mandato, em boa-fé, os contratantes que são a sociedade em comandita simples e o sócio comanditário devem ter bem presentes essas características típicas do mandato de representação instrumental, sob pena de o sócio comanditário ficar responsável, integralmente, com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas da sociedade, ao desempenhar a representação. A procuração pode ser revogada ou renunciada, obviamente.

Ademais, diz o art. 665 do Código Civil que “o mandatário que exceder os poderes do mandato, ou proceder contra eles, será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos”. Por esse fato de que a procuração é ampla e geral, conferindo poderes de representação da sociedade, esses atos entram na relação de administração externa da sociedade, obrigando a sociedade, os comanditados e os comanditários (agora também responsáveis).

1 Cass. civ., sez. I, 6 giugno 2000, n. 7554; cf., BARTOLINI F. E DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 2.012.

Para evitar tal consequência, a procuração deve ser a mais específica possível, impedindo, inclusive, o substabelecimento. Com efeito, diz a lei, “o mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente. Se, não obstante proibição do mandante, o mandatário se fizer substituir na execução do mandato, responderá ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos sob a gerência do substituto, embora provenientes de caso fortuito, salvo provando que o caso teria sobrevindo, ainda que não tivesse havido substabelecimento. Havendo poderes de substabelecer, só serão imputáveis ao mandatário os danos causados pelo substabelecido, se tiver agido com culpa na escolha deste ou nas instruções dadas a ele. Se a proibição de substabelecer constar da procuração, os atos praticados pelo substabelecido não obrigam o mandante, salvo ratificação expressa, que retroagirá à data do ato. Sendo omissa a procuração quanto ao substabelecimento, o procurador será responsável se o substabelecido proceder culposamente” (art. 667, C.C.). A regra é clara: a representação da sociedade compete aos sócios comanditados, com absoluta exclusão dos sócios comanditários. Nem mesmo uma procuração “geral” poderia ser conferida aos comanditários porque os terceiros devem ter a certeza de que esses sócios não participam da gestão. Assim, o art. 2.320 do Codice Civile indica apenas da possibilidade de conferer uma procuração “especial” para negócios isolados, sem a natureza de poderes reiterados de administração. 1

O mandato conferido, previsto pelo art. 1.047, parágrafo único, do Código Civil, é gratuito, sendo impraticável a outorga de mandato oneroso em favor do comanditário. A retribuição do seu capital investido se faz via distribuição de lucros, não pelo seu emprego nos negócios sociais. Ademais, é absolutamente impossível que o comanditário seja empregado ou gerente da sociedade em comandita pela própria aberração que isso significaria.

Por exemplo, uma procuração, com poderes especiais, estabelecendo que o “sócio comanditário é o representante para todos os negócios referentes à gestão bancária da sociedade”, importa considerar esse sócio como administrador da sociedade, e não mero representante com poderes especiais e determinados, fato esse que lhe acarretará a responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações sociais. Neste caso, a procuração será instrumento de simulação, com o objetivo de incutir ilusão sobre os terceiros em situação que na verdade não se materializa na verdade dos fatos reais. Portanto, tem aplicação o que dispõe o art. 167 do Código Civil, que é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. O art. 1.047 do Código Civil tem origem no art. 2.320, da legislação civil italiana, quando dispõe que os sócios comanditários não podem cumprir atos de administração, nem em tratativas ou concluir negócios em nome da sociedade, salvo por força de procuração especial para negócios determinados. O sócio comanditário que praticar atos de administração assume responsabilidade ilimitada e solidária em relação aos terceiros por todas as obrigações sociais e pode ser excluído da sociedade.

O sócio será mero procurador da sociedade, e, sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo instrumento, qualquer deles poderá exercer os poderes outorgados, se não forem expressamente declarados conjuntos, nem especificamente designados para atos diferentes ou subordinados a atos sucessivos. Se os mandatários forem declarados conjuntos, não terá eficácia o ato praticado sem interferência de todos, salvo havendo ratificação, que retroagirá à data do ato (art. 672, C.C.). A sociedade em comandita em hipótese alguma será responsabilizada pelo sócio comanditário quando esse sócio exceder os poderes de representação conferidos expressa e especificamente. Cumpre ressaltar que tal pessoa não figura, ao exercer o mandato, na qualidade de sócio, mas de mero mandatário. Não é órgão da sociedade, não pode obrigar a sociedade por atos que excedam os limites da procuração. Desta feita, não se cogita nem mesmo da aplicação do art. 1.015 do Código Civil, que dispõe: O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Com efeito, como o sócio comanditário é impedido de exercer a administração social, não há como falar em “se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade”. Os poderes conferidos são expressos no contrato de mandato, e somente neste instrumento, o que se permite, cabalmente, que era de conhecimento do terceiro quando da apresentação do mandato. Cabe, ademais, ressaltar que esse instrumento de mandato não tem necessidade de ser arquivado no Registro das Empresas, sendo desaconselhável tal prática, porque poderia incutir, perante terceiros, que seriam poderes de administração social e consequentemente abarcaria responsabilidade solidária sobre o comanditário.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, pp. 591/592.

O contrato de mandato em questão deve ser arquivado na sede da sociedade, para os devidos fins, e aconselhável que se faça por instrumento público. Com isso, manifesta-se o matiz não reiterado do conferimento da procuração, que ficaria, certamente, para atos específicos e isolados, não praticados de maneira frequente pela sociedade. Se a sociedade confere várias procurações, às dezenas delas, essa situação denota, praticamente, que aquele sócio comanditário, na verdade dos fatos reais, é um administrador da sociedade, e o número excessivo de procurações pode assim comprovar, inclusive judicialmente. Sob o império do revogado art. 314 do Código Comercial de 1850, dizia o texto normativo que “os sócios comanditários não podem praticar ato algum de gestão, nem ser empregados nos negócios da sociedade, ainda mesmo que seja como procuradores, nem fazer parte da firma social, pena de ficarem solidariamente responsáveis com os outros sócios; não se compreende, porém, nesta proibição a faculdade de tomar parte nas deliberações da sociedade, nem o direito de fiscalizar as suas operações e estado”. Rigoroso era o referido Código Comercial, que impedia, assim como o Código Comercial da Itália, a participação dos sócios comanditários como procuradores da sociedade, sob pena da responsabilidade solidária e ilimitada pelo passivo social.

Em nenhuma sociedade empresária ou simples se pode recusar aos sócios a verificação dos livros, documentos fiscais, contábeis, escrituração e correspondência, e do estado do caixa da sociedade, sempre que o sócio assim o requerer, e observando as cláusulas contratuais e regras legais sobre a época e prazos necessários. A vontade da lei era, ao impedir a representação conferida ao sócio comanditário, que esse assumisse, em termos fáticos, a gerência da sociedade, iludindo a proibição legal, qual seja, que impede ao sócio comanditário praticar qualquer ato de gestão da sociedade. Contudo, a regra do art. 1.047, parágrafo único, do Código Civil, tem que ser interpretada em conformidade com a regra antiga. O que o legislador de 1850 (art. 314) queria dizer é que não poderia ser conferida qualquer procuração, ainda mais aquelas que outorgassem amplos e gerais poderes aos sócios comanditários.

A legislação comercial francesa diz expressamente que “l’associé commanditaire ne peut faire aucun acte de gestion externe, même en vertu d’une procuration” (art. 1.222-6).

Tal regramento, ou seja, que impede procurações de caráter amplo e geral, é totalmente vedado pelo texto normativo atual (art. 1.047, parágrafo único, C.C., em consonância com o próprio art. 314, Código Comercial). O que o Código Civil de 2002 permite é a outorga de procuração ao sócio comanditário, pela sociedade, com poderes especiais para negócio determinado.

Toda e qualquer procuração que conferir poderes amplos, gerais e reiterados ao comanditário não mais será que uma medida que busca iludir terceiros e acarretará a responsabilidade solidária do comanditário, por todas as dívidas presentes, passadas e futuras. A responsabilidade, como se disse, será por todas as dívidas, e não apenas em relação ao negócio em que figurou como procurador, se a procuração tem natureza ampla e geral quantos aos poderes, bem como será responsável solidário quando da prática reiterada de procurações para desempenho de “atividades administrativas”. A natureza reiterada da procuração mostra, claramente, que determinado sócio (comanditário) está se inteirando excessivamente nos negócios sociais, e pode começar a incutir nos terceiros que seu ato de representação, sem poderes, é ato de representação com poderes, ou seja, como órgão social, e agente capaz, portanto, e obrigar toda a sociedade, inclusive o seu próprio patrimônio pessoal, pelas dívidas da sociedade. Somente o caso em espécie pode demonstrar, cabalmente, se o comanditário assumiu as vestes de comanditado, assumindo, então, a responsabilidade solidária e ilimitada por todas as dívidas presentes, passadas e futuras (exercendo efetivamente a administração), ou se foi somente a prática de um ato isolado de administração, quando, nesta última hipótese, será responsável pessoalmente pela obrigação em relação, unicamente, ao negócio jurídico subjacente. Com efeito, para evitar insegurança jurídica nas relações obrigacionais, o contrato social da comandita deve ser exaustivo nesta parte, ou seja, dizendo expressamente que a sociedade não é responsável pelos atos praticados pelos sócios comanditários, salvo quando devidamente autorizado por procuração com especial poderes em negócios determinados. Neste caso a situação é outra porque não se refere ao excesso de mandato, porque em sede de comandita simples o comanditário não tem poderes de representação social. Seu ato, por conseguinte, é inexistente para a sociedade. Tal ato não teria nem a qualidade de ultra vires; excesso de mandato; abuso de firma social. Se o contrato proíbe expressamente atos negociais por parte do comanditário (cláusula essa que é praticamente obrigatória no contrato social da comandita), tal sócio não tem nenhuma qualidade para assumir obrigações pela firma social, e seu ato, se o fizer, será nulo de pleno direito, assumindo as consequências legais. O problema surge se o contrato social for silente nessa parte, não dizendo, expressamente, sobre a proibição do comanditário em realizar atos negociais, de administração externa ou interna. Neste caso, estar-se-á, provavelmente, diante de sociedade coletiva, transubstanciada em sociedade em comandita.

Não basta que o contrato cumpra fielmente o disposto no art. 1.045, parágrafo único, discriminando os comanditados e comanditários. Essa referência tem que ser feita porque tal é a característica formal da sociedade, induzindo os terceiros, mas apenas os induzindo, que são aqueles (comanditados) que exercem a administração da sociedade, e estes, os comanditários, fornecem o capital. Porém, a indução é meramente formal, ao passo que o art. 1.045, caput, do Código Civil diz, somente, que na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota. Na verdade, a indução ganha explicação de direito material, de fundo, somente no art. 1.047, caput, ao dizer que: não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. Ora, ainda que o referido art. 1.047, caput, do Código Civil assim estabeleça, a situação permanece no campo da mera indução em relação aos terceiros, e não elucida, claramente, a questão do ponto de vista da segurança jurídica nas relações obrigacionais, isso porque o terceiro pode acreditar que, diante de situação fática, o comanditário, aceito tacitamente pelos comanditados, na prática dos atos negociais, estaria assumindo as obrigações em nome e por conta da sociedade, responsabilizando, pessoalmente, todos os demais sócios e ele, inclusive. Contudo, esses sócios podem ser filhos da gatunagem e estarem assim agindo bem sabendo da lacunosa redação do contrato social da sua sociedade, fazendo eles sim incutir indução a erro em relação ao terceiro de boa-fé para posteriormente se esquivarem da responsabilidade social e pessoal decorrente do negócio jurídico firmado pelo sócio comanditário. Contra esses gatunos não vale a regra de que somente os sócios comanditados respondem pessoalmente pelas dívidas sociais, e a responsabilidade pessoal deve ser estendida ao sócio comanditário, bem como a falência da sociedade lhe será estendida.

A única hipótese em que a sociedade comandita não responde pelas obrigações firmadas pelo sócio comanditário é quando no contrato social, devidamente registrado, consta, expressamente, que são nulos e não produzem efeitos contra a sociedade os atos e negócios jurídicos praticados pelo sócio comanditário, salvo quando assim atuar como procurador da sociedade, em negócio especial (não reiterado) e com poderes especiais. Em toda e outra qualquer situação, tal sociedade, para fins de responsabilização, será considerada em nome coletivo, ou seja, todos os sócios terão responsabilidade pessoal e solidária pelas dívidas sociais.

289. Do excesso de mandato do comanditário que representa a sociedade em negócio determinado e com poderes especiais

Não tem validade o mandato conferido em termos gerais, ao passo que é imperioso que seja conferido somente para a prática de negócio determinado e com poderes especiais, sob pena de o sócio comanditário se vir diante da responsabilidade solidária e ilimitada em relação ao passivo social. Então, quando se diz que não tem validade o mandato conferido em termos gerais, significa que tal instrumento não tem validade jurídica para impedir a responsabilidade solidária do sócio comanditário, que neste caso seria o mandatário com poderes gerais. Com efeito, o contrato de mandato na sociedade em nome coletivo, figurando como mandatário sócio comanditário, deve ser especial e para negócio determinado. Ensina a melhor doutrina que “o mandato com poderes especiais só autoriza a prática de um ou mais negócios jurídicos especificados no instrumento. Limita-se aos referidos atos, sem possibilidade de estendê-lo por analogia. Portanto, o mandatário só pode exercer tais poderes no limite da outorga recebida”.1

O mandato não pode ser geral, sob pena de abarcar responsabilidade solidária. O Código Civil diz expressamente que o mandato em termos gerais só confere poderes de administração, e para alienar, hipotecar, transigir ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária depende a procuração de poderes especiais e expressos (art. 661). Ora, é efetivamente isso o que o sócio comanditário não pode fazer, sob pena de ficar responsável pelo passivo social. Tal sócio não pode praticar atos de “administração” ou, muito menos, atos que “exorbitem a administração ordinária”, se esses atos são feitos de maneira reiterada.

Assim, a sociedade pode estipular contrato de mandato para que o comanditário firme determinado negócio, com poderes especiais, como firmar uma hipoteca, em nome e por conta da sociedade. Cumprido seu desiderato, o mandato se extingue. Cessa o mandato: pela conclusão do negócio (art. 682, IV, C.C.).

1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, vol. III, p. 399.

Com efeito, se o mandatário (sócio comanditário) exceder os limites do mandato, tal ato não obriga a sociedade. Portanto, os atos praticados por quem não tenha mandato ou o tenha sem poderes suficientes são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar (art. 662). Para fins de sociedade em comandita simples, o excesso de mandato pelo comanditário é na verdade um ato praticado por quem não tem poderes, ou seja, seria ato praticado sem o próprio instrumento de mandato, não sendo considerado mandatário por não ter a representação da sociedade em atos que excedem o seu dever de mandatário.

No caso em questão, não teria aplicação a regra do art. 665 do Código Civil, ao determinar que “o mandatário que exceder os poderes do mandato ou proceder contra eles será considerado mero gestor de negócios, enquanto o mandante lhe não ratificar os atos”. Nas sociedades comerciais não há um mesmo espaço para duas coisas diferentes. Ou a pessoa exerce, contratualmente, seus poderes de gerência e administração, ou é mera representante para a prática de ato determinado com poderes especiais. O fato de considerar o comanditário como gestor de negócios teria uma consequência. Assim, se o ato em excesso de mandato for de utilidade para a sociedade, caracterizaria a espécie de gestão de negócio, mas a sociedade não é responsável por esse ato, enquanto a negociação não for ratificada pela própria sociedade. Contudo, impossível ter no sócio comanditário que excede os seus poderes de mandato um gestor de negócio. Quando o referido sócio excede o mandato, tem aplicação a seguinte regra: a sociedade não é responsável por essa obrigação, porque o mandatário descumpriu com seu dever de representar, nos restritos limites previstos pelo instrumento, a sociedade perante terceiros em negócio determinado. Com efeito, diz a lei acima mencionada que os atos praticados por quem não tenha mandato ou o tenha sem poderes suficientes são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Se a sociedade efetuar a devida ratificação do ato, nem por isso o sócio comanditário será responsável pelas obrigações sociais presentes, passadas ou futuras, de maneira solidária. Se a ratificação fizer constar que aquele ato, no qual o sócio comanditário excedeu os poderes de mandato a ele confiados, foi assim ratificado na qualidade de negócio determinado, sem o matiz de prática reiterada, o sócio comanditário será responsável solidariamente apenas diante desse contratante, se a sociedade não cumprir aquilo que se obrigou na ratificação. O mandatário, na figura de sócio comanditário, não deve ser encarado como gestor de negócio alheio, no caso de seu excesso de mandato. Se assim o fosse, estaria incutindo nos credores situação fática nova e diversa, impossível de ser aceita pela dogmática societária. O sócio comanditário que excede o mandato pode ser tudo em termos jurídicos, menos gestor de negócio alheio. Diz a melhor doutrina, acertadamente, que nos negócios de grande soma, em que interesses consideráveis entram em discussão, ninguém negociaria com pessoa que, em vez de mandatária, figure apenas como gestora de negócios do representado, e ademais, iniciada a gestão, cumpre ao gestor comunicá-la o mais cedo possível ao “dono do negócio”, aguardando a sua aprovação, e que, ciente do negócio, o ratificará, cessando a gestão, e assumindo a condição de mandato, ou a desaprova, e “no caso de desaprová-la pode o dono do negócio assumi-lo, extinguindo-se igualmente a gestão ou então pode apenas comunicar seu desagrado, momento em que, no mais das vezes, também cessa a gestão, pois são tão pesadas as penas que os artigos 862 e 863 do Código Civil impõem ao gestor que age contra a vontade do dono que só se for temerário recalcitrará”.1

As penalidades contra o gestor de negócio são as seguintes: se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abstido (art. 862). E, no caso do art. 962, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou indenize a diferença (art. 863). Por conseguinte, o comanditário que excede o poder de mandato em hipotese alguma será considerado gestor de negócio alheio, pelo fato de que tal sócio integra a sociedade e conferiu os fundos sociais, e ainda que o sócio não exerça a administração, impossível a sua qualificação de gestor de negócio alheio. Não é pelo simples fato de não exercer a administração social que, no caso de outorga de procuração com poderes especiais e determinados, o referido sócio, acabando por praticar atos negociais que excedem seus poderes conferidos, certamente apenas por isso não se lhe poderá ser conferida a natureza de gestor de coisa alheia, e será, ao reverso, mandatário faltoso, quebrando os deveres de confiança que orientam o contrato de mandato, que é personalíssimo. As consequências são completamente diferentes se comparadas. Como mandatário faltoso, sócio comanditário, tal ato seu poderá ensejar sua exclusão da sociedade, arcando com perdas e danos. As referidas perdas e danos têm razão pelo prejuízo que a sociedade possa passar por conta da liquidação da quota do sócio comanditário, bem como dos eventuais prejuízos

1 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, São Paulo, Saraiva, vol. III, 2003, vol. III, pp. 400/401.

negociais levados a efeito pelo mandatário atabalhoado, que descumpriu sua função, e não mais merecendo a qualidade de sócio, por quebra da affectio societatis. A gestão de negócio alheio tem função totalmente diversa, e visa remunerar aquele que, proveitosamente, interferiu na esfera jurídica de terceiro, prestando-lhe um benefício, cabendo ao dono do negócio reembolsar ou indenizar o gestor pelo seu ato meritório. Com efeito, essas são duas esferas jurídicas distintas, mas que na correlação existente entre o contrato de mandato e a gestão de negócio alheio, com perspectivas várias que se identificam na sua natureza jurídica semelhante e que, ao reverso, se diferenciam no caso das sociedades, em seus aspectos administrativos como órgão social, e que em espécie também se diferenciam diante do sócio comanditário que recebeu procuração especial, e que excedeu seus poderes, quebrando o vínculo de confiança entre tal sócio e os comanditados, o que é passível de exclusão do sócio da sociedade, e, em casos mais drásticos, até a dissolução da sociedade, mas que deve passar pelo crivo da dogmática em todos seus efeitos, evitando intempéries na interpretação do texto. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente (art. 667, C.C.). Se o mandato é conferido em favor de dois ou mais sócios comanditários, aplica-se o art. 672 do Código Civil: Sendo dois ou mais os mandatários nomeados no mesmo instrumento, qualquer deles poderá exercer os poderes outorgados, se não forem expressamente declarados conjuntos, nem especificamente designados para atos diferentes, ou subordinados a atos sucessivos. Se os mandatários forem declarados conjuntos, não terá eficácia o ato praticado sem interferência de todos, salvo havendo ratificação, que retroagirá à data do ato. Os fundos sociais da sociedade em comandita não são responsáveis em nenhuma hipótese de excesso de mandato por parte do sócio comanditário. Assim, o terceiro somente tem direito de processar o mandatário nos termos do art. 673 do Código Civil, que dispõe: O terceiro que, depois de conhecer os poderes do mandatário, com ele celebrar negócio jurídico exorbitante do mandato, não tem ação contra o mandatário, salvo se este lhe prometeu ratificação do mandante ou se responsabilizou pessoalmente. Na hipótese da não-ratificação por parte da sociedade, os fundos sociais não se obrigam, de maneira alguma, pelas obrigações contratadas em excesso de mandato. Por conseguinte, “nella società in accomandita semplice, il compimento di atti della gestione sociale da parte del socio aaccomodante, se pure determina, a norma dell’art. 2.320 do Código Civile, la perdita della limitazione di responsabilità di detto socio, non comporta però la responsabilità della società per gli atti e i contratti posti in essere dal suddetto socio per conto (e in nome) di essa, salva l’ipotesi di sucessiva ratifica”.1

Nos casos em que o sócio comanditário se responsabilizou pessoalmente, apenas o seu patrimônio pessoal abarcará as dívidas contraídas com terceiro contraente, o qual, depois de conhecer os poderes do mandato, com o mandatário celebrou negócio jurídico exorbitante do próprio mandato. O mandatário assumiu o negócio em nome próprio e por conta própria, sem qualquer responsabilidade contra a sociedade em comandita. Contudo, conforme o caso, não seria inviável se o terceiro fosse considerado credor particular do sócio, e restaria aberta a via do art. 1.026 do Código Civil, na qual o credor particular de sócio pode, na insuficiência de outros bens do devedor, fazer recair a execução sobre o que a este couber nos lucros da sociedade ou na parte que lhe tocar em liquidação. Se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Contra esse sócio comanditário que excede o mandato, possibilitando até, conforme o caso, a chegada de sócios particulares para requererem a liquidação da sua quota em sociedade, a única solução acertada é que tal conduta acarretará sua exclusão da sociedade, por expresso mandamento do art. 1.030 do Código Civil, ao dizer que, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026, tudo nos termos da lei. O contrato social pode estabelecer cláusula dizendo, claramente, que o sócio comanditário que exceder o mandato conferido, com poderes especiais em negócio determinado, assumirá a condição de responsabilidade ilimitada pela obrigação pactuada, apurando as perdas e danos cabíveis. Tal cláusula será útil para a sociedade e para os demais sócios em apurarem a responsabilidade do sócio faltoso, em perdas e danos, se forem acionados por terceiros, e, principalmente, quando da liquidação da quota do sócio faltoso, com fundamento no art. 1.026, parágrafo único, do Código Civil. Ademais, na sociedade em comandita simples, a sanção pela responsabilidade solidária e ilimitada, prevista no art. 1.047, ao sócio comanditário, que realiza atos de administração social ou que excede seus poderes no mandato, não revoga a disciplina geral sobre a representação sem poderes, e, portanto, se a sociedade não ratifica o ato ou o considera inexistente por falta de procuração, nenhuma obrigação surigirá contra a sociedade. Se acionada, a sociedade deve, nas preliminares, arguir ilegitimidade de partes; se executada, deve apresentar embargos de terceiro.

1 Cass. civ., sez. II, 21 ottobre 1998, n. 10447; cf., BARTOLINI F. e DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 2.013.

290. O sócio comanditário como falsus procurator

Se o comanditário agir sem procuração, sendo considerado e equiparado ao falsus procurator, o ato por ele praticado não obriga a sociedade e deve ser considerado ineficaz a sua relação. A sociedade não estará vinculada ao referido ato, salvo se o ratificar expressamente. Contra esse ato responderá somente o comanditário, devendo ressarcir o dano provocado contra o terceiro de boa-fé.

Contudo, se a qualidade de falsus procurator decorre da sua ingerência na administração da sociedade, sua responsabilidade será ilimitada por todas as obrigações sociais, ou seja, responderá ilimitadamente contra todos os credores e não apenas contra aquele com o qual contratou. Não importa que o ato seja nulo em relação à sociedade: sua responsabilidade decorre não unicamente em favor dos credores, mas opera em defesa do interesse da pública economia, o que envolve a esfera de todas as obrigações, anteriores ou não, e de todos os credores que com ele contratou ou não. A consequência pelo ato praticado tem duas vertentes quando feito na qualidade de falsus procurator: a) exclusão da sociedade; b) caracterizando ingerência, responsabilidade solidária e ilimitada.

Como diz GALGANO, o simples fato de “negociar tratativas” pela sociedade já faz incidir a consequência da responsabilidade ilimitada em relação aos credores, ainda que essas tratativas não sejam efetivamente concluídas. Responderá, por conseguinte, ilimitadamente ainda quando a tratativa ou a conclusão do negócio se faça contrariando o contrato social, a vontade dos demais sócios, de maneira unânime ou parcial.1 Com efeito, o art. 2.320 do Codice Civile se refere, inclusive, sobre a hipótese do falsus procurator. O contrato social que proíbe ao sócio comanditário não apenas o cumprimento de atos de administração ou de conclusão de negócios em nome da própria sociedade, mas também de simples tratativas, entra na ratio jurídica desse tipo societário em proibir ao referido sócio sua ingerência sobre a atividade social, com a consequência de que do seu descumprimento resulta a responsabilidade ilimitada e pessoal pela obrigação assumida. Também pode se considerar que tal ingerência caracterizaria não apenas a noção de falsus procurator, mas uma tentativa de mudança do tipo societário, hipótese vedada pelo contrato social e pela lei, e sua intromissão seria, então, danosa contra a gestão social. Na sociedade em comandita simples o cumprimento de atos de gestão social por parte do sócio comanditário acarreta a perda da sua limitação de responsabilidade pessoal em relação aos terceiros, mas não comporta a responsabilidade da sociedade pelos atos assim praticados pelo sócio faltoso, salvo se esses atos forem ratificados pela sociedade. Na sociedade em comandita simples, então, nos termos do art. 2.320 do Codice Civile, o qual sanciona o comportamento do sócio comanditário, que pratica atos negociais em nome da sociedade sem a específica procuração, com a perda da responsabilidade limitada em relação aos terceiros, não acarreta derrogação contra a disciplina da representação sem poderes, e, com efeito, se a sociedade se insurge contra o referido ato, arguindo sua ineficácia, a sociedade não será responsabilizada por nenhuma obrigação que decorra do ato praticado, ilicitamente, pelo sócio comanditário (Cass. civ., sez II, 19 novembre 2004, nº 21891). Outra situação completamente distinta ocorre quando da participação de sócio oculto na sociedade em comandita simples. Essa situação se assemelharia, em termos de comparação, à sociedade em conta de participação, sociedade expressamente prevista pelo ordenamento jurídico pátrio, mas desconhecida da prática societária italiana, se comparada em termos por termos.

A jurisprudência italiana estabeleceu a responsabilidade ilimitada do “sócio oculto” na sociedade em comandita simples: a situação do sócio oculto de uma sociedade em comandita simples, a qual é caracterizada pela existência de duas categorias de sócios, que se diversificam conforme o nível de responsabilidade de cada um (ilimitada, comanditados; limitada, comanditários), não é suficiente, nos termos do art. 2.312, em fazer presumir a qualidade de sócio comanditário ao sócio oculto, com a consequência de que o sócio oculto de uma sociedade em comandita simples assume responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais, nos termos do art. 2.320, somente quando esse sócio venha cumprir atos de administração e gestão, ainda que de dentro da sociedade, ou seja, de administração societária interna (Cass. civ., sez. I, 19 gennaio, 1991).2 Conquanto passível de qualificação jurídica, essa sociedade se aproxima da sociedade em comandita simples irregular, porque é obrigatória a indicação do nome dos sócios no contrato social, sejam os comanditados quanto os comanditários, assumindo as vestes de sociedade em nome coletivo, do ponto de vista das responsabilidades dos sócios, ou seja, ilimitada e solidária frente aos terceiros contratantes. É clássica na sociedade em nome coletivo a administração de todos os sócios, ainda que seja administração interna, o que faz por merecer a responsabilidade ilimitada e solidária de todos os sócios por todas as obrigações sociais.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 397.

2 BARTOLINI F. e DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 2.013.

291. Da administração da sociedade em comandita e a participação do sócio comanditário

A administração da sociedade, como se viu, fica entregue ao sócio comanditado, sob uma firma social. A comandita somente se constitui pela via contratual e que seu objeto social seja atividade empresarial. A responsabilidade ilimitada do sócio comanditado advém do seu poder de gestão sob os fundos sociais, e funciona, no plano das subjetividades, como fator determinante sobre a forma pela qual a administração da sociedade é colocada a efeito. A responsabilidade ilimitada serve, diante desse plano subjetivo, como fator essencial em acautelar o comanditado sobre os riscos de seus atos, bem sabendo que os valores que se obrigar em excesso, ou seja, que os fundos sociais não consigam suportar, serão de sua responsabilidade, ao passo que o comanditário tem responsabilidade limitada aos referidos fundos. A sociedade em comandita tem, necessariamente, como objeto social elemento de empresa. Como disse BRUNETTI, as sociedades em nome coletivo, comanditas simples e comandita por ações, limitada e anônima, são tipos absolutos de empresas comerciais, e o arquivamento no Registro das Empresas é condição de sua constituição para finalidades e termos jurídicos.1 A sociedade em comandita simples se obriga, perante terceiros, via assinatura da firma social, como agente capaz de assumir direitos e obrigações. Todo esse manancial administrativo é de responsabilidade do sócio comanditado, competindo-lhe exercer a representação com poderes de gestão. Com efeito, diz a lei, que aos comanditados cabem os mesmos direitos e obrigações dos sócios da sociedade em nome coletivo (art. 1.046, parágrafo único).

Essa regra é reminiscência do art. 311 do Código Comercial, presente em tantas das antigas leis, que dizia “se houver mais de um sócio solidariamente responsável, ou sejam muitos os encarregados da gerência ou um só, a sociedade será ao mesmo tempo em nome coletivo para estes e em comandita para os sócios prestadores de capitais”. Várias críticas podem ser direcionadas ao referido art. 311, misturando tipos societários distintos dentro de um só; porém, o que o legislador queria expressar é que a regra de administração, entre os sócios comanditados, é aquela idêntica à gestão da sociedade em nome coletivo, quando, silente o contrato, a todos os sócios compete disjuntivamente administrar a sociedade.

Com efeito, nos termos do art. 1.046, parágrafo único, do Código Civil, todos os comanditados podem administrar a sociedade, assinando a firma social, salvo se o contrato social estabelecer que, por exemplo, em alguns negócios jurídicos obrigacionais de grande monta seja necessário o concurso de dois os mais sócios, ou seja, a assinatura desses sócios, conjuntamente. Caso isso não se perfaça, a sociedade não se obriga perante terceiros.

A legislação italiana determina que “i soci accomandatari hanno i diritti e gli obblighi dei soci della società in nome collettivo” (art. 2.318, Código Civile). O referido art. 2.318 é a fonte no direito comparado para o art. 1.046, parágrafo único, do Código Civil.

O legislador na Itália foi ainda mais categórico, dizendo, também no art. 2.318, que “l’amministrazione della società può essere conferita soltanto a soci accomandatari”, ou seja, a administração da sociedade pode somente ser conferida aos sócios comanditados (na adaptação terminológica de accomandatari ao direito pátrio). Na sociedade em comandita simples, o poder de representação se estende, salvo restrições do contrato social, a todos os atos de administração que entram no objeto social, ou seja, atos de administração ordinária, firmando contratos, títulos de créditos, garantias e todo negócio jurídico necessário para que a sociedade cumpra a sua finalidade social, ou seja, atos e negócios jurídicos sobre a atividade empresarial desenvolvida pela sociedade. Se o poder de gestão do sócio comanditado é restrito ou limitado pelo contrato social, estar-se-á em administração conjunta dos sócios. Diz a lei: No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade, e a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir (art. 1.015, C.C.). O contrato social pode exigir, em qualquer sociedade, inclusive na comandita, que a venda de bens imóveis que compõem o ativo da sociedade seja decidida por unanimidade. A maioria, prevista pelo art. 1.015, é regra que pode ser reforçada pelos sócios, e cuida dos seus interesses particulares, não cabendo qualquer ingerência pública sobre a autonomia da vontade.

Então, aos comanditados compete administrar a sociedade em comandita nos mesmos moldes daqueles previstos pelos artigos 1.013 e 1.014 do Código Civil. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios (regra de administração disjuntiva). Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendidapor outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos.

1 Trattato, cit., vol. I, p. 571.

Se a operação já se efetivou, impraticável é a impugnação, restando a via do § 2º do art. 1.013, ao estabelecer que responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria. Muitas críticas podem ser feitas contra o referido § 2º do art. 1.013, principalmente pelo fato da subjetividade que tem em consideração “devendo saber” que estava agindo em desacordo da maioria, até porque a maioria é titular da vontade social, mas não é a única titular do interesse social da sociedade. Espera-se, efetivamente, que todos os sócios busquem o interesse social da sociedade, cada qual na sua perspectiva, administrando a sociedade com correção e honestidade, buscando o fim social, ou seja, o lucro. Na administração das sociedades, e frequentemente ocorre, são os minoritários que evocam o interesse social com correção e honestidade, quando os majoritários, ricos ou imprudentes, se envolvem em outras negociações e desviam os seus afazeres em questões que não são aquelas de administrar com probidade os fundos sociais. Em sede de comandita simples, esse fator existe com outras roupagens, quando vários são os comanditados, ainda que os fundos sejam conferidos em grande parte pelos comanditários. Aqueles guardam grande autonomia legal na administração da sociedade, e devem assim proceder observando o regramento que o art. 1.011 estabelece: O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Na defesa contra a maioria dos sócios, o comanditado que efetuou a operação impugnada deve se valer dizendo que a fez buscando o interesse da sociedade e de boa-fé. Os sócios em maioria é que terão que provar que o ato foi em “devendo saber”, e o ônus da prova lhe compete, de maneira cabal, sem presunções. A boa-fé se presume; e a má-fé se prova, já ensinavam os antigos. O sócio comanditado deve assim atuar na administração da sociedade, e não podem entrar em comandita simples, na figura de comanditado, as pessoas condenadas à pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação (art. 1.011, parágrafo único). O comanditado é, eminentemente, um administrador, que assina a firma social, ou seja, em qual condição seria admissível que um perdulário ou filho da gatunagem encontrasse crédito no comércio. Ninguém aceitaria sua firma, já bem conhecida por ser filha da fraude. Na comandita simples a firma leva o nome do comanditado, ou seja, sua pessoa é decisiva para o andamento dos negócios, seja do ponto de vista administrativo ou exclusivamente jurídico. O nome do comanditário não deve figurar na firma social, sob pena de assumir responsabilidade solidária e ilimitada. Portanto, a administração da comandita tem implicitamente a figura do comanditado. Ainda que os nomes de alguns dos sócios comanditados não sejam incluídos expressamente na firma social, sua responsabilidade é ilimitada e solidária porque é imanente o seu direito de administrar a sociedade. A correlação entre administração e responsabilidade é a essência da comandita simples. O contrato social deve fazer constar, claramente, quais são os comanditados e quais são os comanditários, especificando que o comanditário não exerce poderes de representação da sociedade, ao passo que, entre os comanditados, todos administradores, pode ser feita restrição limitativa quando o montante de determinado negócio assim o requerer. Se o contrato social estipular que para a prática de determinados negócios deverá ser consultado o comanditário, a sua responsabilidade será solidária e ilimitada. O comanditário, em algumas circunstâncias bem presentes, até pode aconselhar e acautelar o comanditado sobre negócios da sociedade, mas, em hipótese alguma, tal conduta pode se converter em regra geral, assumindo foros de cláusula contratual. O comanditado pode e deve se aproveitar da experiência do comanditário, escutando sua opinião, que não poderá ter efeito vinculante sobre a formação da vontade social, porque, se tiver essa qualidade, o comanditário se transubstanciou em comanditado, assumindo a responsabilidade ilimitada. A administração da sociedade é um fenômeno de exteriorização, ou seja, a sociedade somente existe em relação ao terceiro quando firma suas obrigações. Antes disso é simples arquivo no Registro das Empresas. A principal função do referido arquivamento é dar publicidade ao contrato social, porém, perante terceiros, a sociedade se mostra nas relações jurídicas obrigacionais, enquanto nas relações societárias internas alguns direitos de sócio existem e prescindem do registro da sociedade.

Porém, neste passo, é importante verificar quais são os efeitos da administração da sociedade em comandita simples perante terceiros. Três perspectivas são necessárias: a) quando os atos são praticados por aqueles que detêm os respectivos poderes de representação; b) quando os atos são praticados por aqueles que detêm os respectivos poderes de representação, mas com a participação dos sócios comanditários; c) por aqueles que não têm os respectivos poderes de representação.

Se os atos e negócios jurídicos são praticados devidamente por aqueles com os necessários poderes, ou seja, os comanditados, dentro do objeto social, o ato é válido, e obriga a sociedade e os referidos sócios ilimitadamente, em caráter solidário.

Se o ato, ao reverso, é praticado pelo sócio comanditado, mas em concurso com os comanditários, o ato também será considerado válido, principalmente nos casos de ratificação ou procuração com amplos poderes ou quando o ato se inclua na gestão de negócios, mas a responsabilidade será solidária entre os comanditados e os comanditários. Se o ato for praticado por aqueles que não têm os respectivos poderes de representação, ou seja, comanditários, o ato não obriga a sociedade, e também não entrará na categoria de gestão de negócios, porque o comanditário é sócio da sociedade e a coisa não lhe é alheia. Se os comanditados ratificaram o ato do comanditário, será válido perante terceiros, e obriga a sociedade e os próprios comanditados. A exclusão em favor do comanditário por atos se opera somente quando esses atos não sejam de gestão (administração externa) da sociedade, que é, então, reservada aos comanditados. O contrato social pode estipular que na comandita simples a aprovação do balanço compete ao comanditado e ao comanditário, sem que assim importe responsabilidade solidária e ilimitada contra o comanditário. Aprovação do balanço é de natureza contábil, e apenas reflete a situação patrimonial da sociedade, não assumindo direitos ou obrigações. Se o balanço é filho da fraude, e houve distribuição indevida de lucros ao comanditário, esse os terá que restituir aos credores no caso de liquidação ou falência da sociedade. Porém, o comanditário não pode se aproveitar da prerrogativa de ter ciência do balanço contábil para se imiscuir na gestão da sociedade, dizendo quais atos deveriam ser praticados por serem mais vantajosos aos cofres da sociedade ou alegando sua insolvência.

O comanditário, sobre o aspecto contábil, deve apenas “controlar” a exatidão das informações contábeis e conferir, com a escrituração fiscal, se sobre os negócios praticados pelos comanditados foram feitos os devidos lançamentos tributários, se os livros mercantis estão devidamente rubricados e se a sociedade passa por auditorias contábeis, etc. O comanditário pode consultar os livros mercantis, realizar inspeções e fiscalizações, observando prazos contratuais, fixados pelo próprio contrato social. Em casos especiais, pode requerer o levantamento de balancete extraordinário, se o caso assim exigir. Via de regra, o comanditário terá acesso aos balanços do exercício social, mas o contrato social poderá estipular que sejam levantados balanços semestrais. No mínimo, o comanditário tem direito de receber relatórios mensais sobre os negócios, conferindo a exatidão dos negócios. Em hipótese alguma, essas informações recebidas pelo comanditário acarretariam responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. É um direito seu, de sócio, ter comunicação sobre a esfera contábil da sociedade. Nenhum contrato pode impedir tal prática. Ao contrário, na medida do razoável, o contrato social deve, principalmente por conta dos equipamentos de informática de última geração, que permitem acompanhar diariamente o desenrolar dos negócios sociais, contratos firmados entre os sócios, ou seja, de conteúdo sigiloso, que não influam sobre a administração da sociedade, estipular que o comanditado lhe envie, semanalmente, relatórios sobre o andamento dos negócios para que o comanditário tenha ciência das contas sociais.

Quando a sociedade em comandita simples surgiu, há tantos séculos, efetivamente sua administração levava em consideração aspectos determinantes, principalmente no fato de que o comanditário era homem riquíssimo, que não buscava, via limitação da responsabilidade, em negócios longínquos, multiplicar o seu capital. Naqueles tempos já distantes, as informações eram precárias se comparadas aos dias de hoje. Portanto, em interpretação consentânea com a realidade atual, nada mais lógico que o sócio comanditado receber as informações contábeis que entender necessárias, como a escrituração financeira e tributária, para que tenha ciência de todos os afazeres sociais. Isto, como já se disse, não implica administrar a sociedade, pelo simples fato de que o sócio não tem poderes administrativos (não é um diretor financeiro), mas somente exerce um direito que é seu, ou seja, de ter comunicação e ciência das contas da sociedade. Não deriva responsabilidade solidária e ilimitada pelo simples fato de receber as contas da sociedade, os valores dos contratos firmados, com a finalidade precípua de ter ciência e comunicação de natureza eminentemente contábil, até para fins de certeza jurídica quanto aos lucros a serem distribuídos no final do exercício social.

292. Das consequências se o sócio comanditário participar da gestão da sociedade

A regra geral é que o sócio comanditário, no caso de participar da gestão social, será considerado responsável ilimitada e solidariamente pelo passivo social.

As legislações consagram essa tradição histórica da sociedade em comandita simples, tanto que “en cas de contravention à la prohibition prévue par l’alinéa précédent, l’associé commanditaire est tenu solidairement avec les associés commandités, des dettes et engagements de la société qui résultent des actes prohibés. Suivant le nombre ou l’importance de ceux-ci, il peut être déclaré solidairement obligé pour tous les engagements de la société ou pour quelques-uns seulement” (art. L222-6, Código Comercial francês).

Porém, se o comanditário somente praticar atos isolados de gestão, sem ter em conta uma prática reiterada, tal sócio será responsável perante terceiros somente nos negócios que participar efetivamente. Se, por outro lado, o comanditário entra reiteradamente na administração externa da sociedade ou se inclui seu nome na firma social, tal sócio é considerado devedor solidário em relação aos terceiros, em todas as obrigações sociais mesmo naquelas em que efetivamente não tenha participado, sem qualquer distinção se a sua participação ocorreu anterior ou posteriormente à sua entrada reiterada na administração social.

1 Então, se o comanditário apenas isoladamente, em algum ato não reiterado, participou da sociedade sem a intenção de administrar efetivamente a empresa comum, sua responsabilidade será solidária e ilimitada somente em relação a esse credor. Se, por sua vez, o comanditário participa com a intenção manifesta de ser administrador da sociedade em seus negócios perante terceiros, será sócio de responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais presentes, passadas e futuras em relação a todos os credores. Em atos não reiterados, isoladamente considerados, em operações determinadas, entenda-se a conduta do comanditário em não assumir as vestes de administrador da atividade empresarial da sociedade em comandita simples. Na economia contemporânea, diante do incremento da profissionalização da atividade empresarial, muitas vezes, o concurso do sócio comanditário, suas habilidades, pode ser útil ao desempenho administrativo da comandita, desde que não reiterada a sua participação, evitando que o sócio comanditado, por inexperiência ou equívoco na administração, acabe provocando prejuízo contra a própria sociedade, perdendo, então, seus fundos sociais, e o sócio comanditado respondendo pessoalmente pela sua inexperiência ou conduta equivocada.

Contra esse rigorismo que advém do próprio art. 1.047, quando “sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado”, a jurisprudência tem que estar atenta, para não aplicar a lei de modo a seguir a interpretação literal do texto, mas tem que buscar interpretação conforme a técnica jurídica e societária de administração das empresas.

A penalidade imposta pelo texto normativo contra o comanditário, assim dizendo “sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado”, tem aplicação literal somente quando o comanditário efetivamente se coloca nas vestes de sócio comanditado, atuando como sócio-gerente. Nas outras circunstâncias, a jurisprudência tem que aplicar o texto conforme a prática societária, evitando seguir a premissa do texto frio da lei. Não há motivo razoável para, em tempos contemporâneos, prescindir da “colaboração” do sócio comanditário, diante das suas habilidades comerciais, sobre alguns pontos administrativos da sociedade, evitando, como se disse, prejuízos à sociedade, aos demais sócios, à coletividade, etc. O sócio comanditário figura na qualidade de interessado no bom andamento da administração da comandita que participa, e se o contrato social, na medida da razoabilidade, lhe confere uma prerrogativa que vai equilibrar o risco de perder o capital investido com a limitação da responsabilidade, nada mais justo considerar tal cláusula como perfeitamente válida e juridicamente aceitável pelas partes. Toda e qualquer desconfiança em ter no sócio comanditário um filho da gatunagem é lesiva ao instituto da comandita simples, a qual, desde os tempos medievais, cumpriu função decisiva no crescimento do tráfico mercantil e no aumento da riqueza. Lícita é a cláusula que estabelece a colaboração do sócio comanditário em determinada operação, que não entre sobre a noção de administração ordinária em efetivar o objeto social e alcançar o fim social. Nos atos de administração ordinária, como inscrição de hipoteca sobre o patrimônio social, ou ainda no contrato de mútuo, parece lícita a cláusula que estabelece como necessária a aprovação desses negócios jurídicos pelo sócio comanditário.

Certamente que inscrição de hipoteca ou firmas em contrato de mútuo entram na esfera da administração extraordinária da sociedade, e ainda que sejam necessárias para alcançar o fim social não são feitas reiteradamente pela sociedade e provocam impacto administrativo de grande monta sobre os fundos sociais, e, por isso, não ser ia, conforme se pode pensar ao contrário também, tecnicamente ingerência abusiva do sócio comanditário sobre a administração da sociedade, ingerência essa suficiente em lhe conferir o status jurídico de sócio comanditado e, por isso, responsável pelas obrigações sociais, em carátel solidário e ilimitado, ou seja, pessoalmente. Por determinadas operações se entende, então, as situações que podem ser perfeitamente individuadas pelo contrato social, não entrando na categoria de atividades, e, por isso, se deve ter como legítima a previsão estatutária que estabelece prévia autorização do sócio comanditário para a contratação de mútuo oneroso que exceda uma soma determinada de valor. Por outro lado, é ilegítima a cláusula que diz ser necessária a autorização do sócio comanditário aos contratos em geral (compra e venda, locação, leasing, alienação fiduciária em garantia, comissão, etc), que excedam determinados valores. Esses contratos entram na classe de atos e negócios jurídicos praticados reiteradamente pela sociedade diante de terceiros, seus

1 RYN, Jean Van. Principes, cit., vol. I, p. 308.

credores. Estão esses contratos inseridos na esfera da administração ordinária da sociedade em efetivar o seu objeto social e alcançar o fim social. Não entra nessa categoria o contrato de mútuo oneroso porque não é praticado reiteradamente pelas sociedades empresárias, ainda que seja contrato extremamente frequente na esfera empresarial e financeira, ao passo que reza a prática da vida que os empresários não estão todos os dias batendo às portas dos banqueiros, salvo aqueles que já estão perto da ruína, e que, certamente, não serão recebidos pelos donos do dinheiro. As inscrições de hipotecas são ainda mais raras, não as fazendo reiteradamente as sociedades, muito pelo contrário. Por isso, perfeitamente válida a cláusula que estabelece ser necessária a autorização do sócio comanditário para que se inscreva hipoteca sobre o patrimônio social, porque esse ato refoge, evidentemente, à administração ordinária da sociedade, sem qualquer relação próxima com o objeto social da sociedade. De idêntica forma não configura responsabilidade solidária e ilimitada ao sócio comanditário que, por procuração específica, é autorizado pela sociedade a firmar inscrição da hipoteca sobre o patrimônio social. Nessa circunstância, o sócio atua em nome e por conta da sociedade como mero procurador. Cumprido o mandato, extingue-se o seu instrumento e cessa sua representação. Se a sociedade, por outro lado, confere mandato amplo, com poderes para firmar hipotecas, assinar contratos de mútuo oneroso, representando a sociedade perante terceiros, evidentemente que se efetivará a transubstanciação do sócio comanditário em comanditado, com a incidência da responsabilidade ilimitada e solidária por todas as dívidas sociais, presentes, passadas e futuras, com a aplicação do art. 1.047 do Código Civil e nos termos da lei. Sobre esse fato, na confluência da figura do comanditado, já se afirmara que, principalmente nos grandes negócios da sociedade, grande risco cabe ao comanditado ouvir o comanditário, informando-lhe seus propósitos, debatendo claramente as possibilidades de ganhos e perdas, para que não desapareça a confiança que é filha da empresa em comum, confiança essa que levou o comanditário a fornecer os capitais e bens necessários ao comanditado, para que desenvolva, em nome da sociedade, isoladamente, os encargos administrativos.1 Os comanditários não ficam responsáveis se dão pareceres ou conselhos aos comanditados, que podem aproveitar a experiência daqueles. Esses pareceres não têm a natureza de ato imperativo, e o comanditário emite sua opinião, não impõe a vontade social. Se os pareceres tivessem caráter imperativo, importariam ato de gestão. O comanditado aceitará ou não a opinião do comanditário, se achar correta.2 A responsabilidade solidária e ilimitada do sócio comanditário se perfaz, obviamente, quando sua atuação é filha da fraude ou equivocada (vestindo as vestes de comanditado). Ao incutir nos terceiros que se apresentaria na condição de gerente da sociedade, realmente não se discute a incidência da penalidade imposta pelo art. 1.047, caput, do Código Civil. Outra coisa diferente, e que o magistrado deve estar atento na aplicação da lei, ainda que raríssimas sejam as sociedades em comandita simples, e de difícil comprovação prática, é que o magistrado deve empregar cuidadosa verificação comprobatória da situação fática, ou seja, conferir faticamente se o comportamento do sócio comanditário realmente incutiu nos terceiros a indução de que esse sócio seria um administrador da sociedade ou se, ao contrário, tal situação não se configura plenamente, hipótese em que não tem aplicação a referida penalidade da responsabilidade solidária e ilimitada. O magistrado deve verificar se a ingerência do comanditário excede os limites internos e de interesses individuais dos sócios ou se, ao contrário, alcançaria a pretensão de interesses externos da sociedade, com o escopo manifesto de se aproveitar da responsabilidade limitada às quotas conferidas ao capital social. Comprovada a ingerência lesiva do sócio comanditário, há incidência da penalidade. Por ingerência lesiva se entendem atos lesivos aos terceiros (credores) e contra sociedade. Não se pode olvidar que o comanditário poderia se imiscuir na administração da sociedade aproveitando-se do descuido dos comanditados, por se encontrarem em férias, afastados por doenças, ou em outros afazeres societários. A conduta do comanditário lesa, diretamente, os sócios comanditados, que, por qualquer motivo, comprovada a ingerência ilegal do comanditário, responderão ilimitada e solidariamente pelas dívidas sociais.

Não parece que o comanditário gatuno tenha seu intento lesivo somente contra os credores até porque a sociedade pode estar já às portas da falência, o que somente irá prejudicar, ainda mais, a situação dos comanditados. Com efeito, a penalidade do art. 1.047 do Código Civil é fruto de uma transubstanciação entre o comanditário para o comanditado, o que requer um comportamento volitivo, incidente sobre terceiros e sobre a sociedade, neste passo identificando interesse dos sócios e interesse da sociedade.

BRUNETTI afirma que “la transformazione consegue al fatto dell’indebita immistione; i suoi effetti diretti sono naturalmente verso i creditori della società (i terzi) ma è intuitivo che indirettamente tali effetti si riflettono sulla società, tanto vero che la maggioranza degli altri soci è autorizzata a chiedere l’esclusione dell’accomandante”.3

1 FERREIRA, Waldemar. Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 601.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 188.

3 Trattato, cit., vol. I, p. 603.

A principal consequência se o comanditário assume as vestes de comanditado, exercendo a administração da sociedade, é que, se tal fato encontra oposição dos demais credores, não há outra saída que a exclusão de tal sócio, apurando as perdas e danos decorrentes da prática de ato lesivo ao interesse da sociedade. A sanção contra a ingerência indevida por parte do comanditário é disciplinada como garantia em favor da sociedade, porque o fato de ser considerado solidário e ilimitadamente responsável permitirá que, se algum sócio comanditado for demandado e pagar a integralidade do crédito devido, esse sócio poderá acionar o sócio comanditário, agora transubstanciado nas vestes de comanditado para, em caráter solidário, pagar a parte que lhe cabe na dívida. Os credores sociais também poderão demandar o sócio comanditário transubstanciado em comanditado para pagar a totalidade do débito, porque agora tal sócio é garante pessoal, solidária e ilimitadamente responsável das obrigações sociais, cabendo ao sócio arguir na sua defesa pelo beneficium ordinis et excussionis. Contudo, todo e qualquer valor que exceder a sua quota no caso de execução do patrimônio social poderá ser objeto de ação por parte dos demais sócios, requerendo a repetição do valor que excedeu a quota. Ademais, e importantíssimo ressaltar, é que, se o ato praticado pelo sócio comanditário nas vestes de comanditado for expressamente vetado pelo contrato social, tal ato será nulo de pleno direito em relação à sociedade e nenhuma responsabilidade incidirá sobre o seu patrimônio social. Nesta última hipótese, o sócio comanditário atua como terceiro, assumindo as obrigações em nome próprio e por conta própria. A sociedade também não será responsável pelos atos com excesso de mandato praticado pelo comanditário, contra expressa cláusula do contrato de mandato.

Por conseguinte, as circunstâncias seriam essas: a) se o contrato é silente, atos de administração do comanditário nas vestes de comanditado importam responsabilidade solidária e ilimitada se reiterados e contam com o consenso dos demais sócios de maneira tácita ou expressa, cabendo ao magistrado, conforme os documentos nos autos, verificar se efetivamente houve a transubstanciação da qualidade de sócio; b) atos praticados com excesso de mandato não acarretam nenhuma responsabilidade contra a sociedade, porque o sócio atua como terceiro, assumindo obrigações em nome e por conta própria; c) atos de administração do comanditário assumindo as vestes do comanditado, mas colidindo frontalmente com o contrato social, não importam nenhuma responsabilidade contra a sociedade porque o referido ato ou negócio jurídico é absolutamente nulo em relação à sociedade, salvo provando aquiescência tácita ou expressa dos demais sócios como se fosse uma sociedade em nome coletivo; d) o sócio comanditário pode arguir pelo beneficium ordinis et excussionis, mas o valor pago pela sociedade sobre seu patrimônio social que exceder a quota do sócio comanditário que atuou como comanditado poderá ser objeto de ação de repetição movida pelos demais sócios contra o sócio faltoso, que deverá suportar, solidariamente, o valor que excede a sua quota, ao passo que tal medida evita o enriquecimento sem causa do sócio transubstanciado em comanditado (o enriquecimento sem causa se daria por falta de nexo jurídico de causalidade entre o empobrecimento dos demais sócios que teriam suportado as perdas do patrimônio social diante da indevida conduta do referido sócio e o enriquecimento que esse sócio transubstanciado teria na execução colocada a efeito pelos credores sobre o patrimônio social formado pela contribuição dos demais sócios). O sócio comanditário está impedido de participar de todo e qualquer ato de administração social sobre a direção da atividade empresarial. Assim, ele está impedido de praticar qualquer ato que entre no conceito de administração disjuntiva ou conjunta (artigos 1.013-1.015, C.C.). Na sociedade em comandita simples, porém, não tem aplicação o art. 1.013, § 1º, do Código Civil em relação ao sócio comanditário. Esse sócio não pode administrar a sociedade, e, portanto, não tem legitimidade para impugnar operação pretendida por outro sócio (comanditado). O sócio comanditário não tem legitimidade para apresentar oposição contra o ato pretendido pelo sócio comanditado, e nem mesmo tem legitimidade para participar da reunião de sócios na qual se deliberará sobre o interesse social ou não da prática do referido ato negocial. Os sócios comanditários também não votam na deliberação que decidirá sobre a apresentação de pedido de recuperação judicial ou em confessar a falência. Essas são medidas administrativas, com efeitos judiciais. A falência em nada implicará o sócio comanditário, do ponto de vista da responsabilidade pelas dívidas sociais, salvo se praticou atos de administração, com ingerência sobre os negócios sociais, hipótese em que será alcançado pela falência.

O art. 1.047, caput, do Código Civil diz: “Sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado.” A participação se entende como estar presente na deliberação, e em hipótese alguma votar nas matérias da ordem do dia. O seu voto caracterizaria ato de administração, contrariando a lei e determinando responsabilidade solidária e ilimitada. Portanto, a participação significa ter acesso ao local da deliberação e presenciar a votação, sem, de maneira direta ou indireta, influenciar no resultado da votação e da deliberação em si. Se não pode votar sobre as matérias em deliberação, também não poderá apresentar oposição, nos termos do art. 1.013 do Código Civil. Ademais, a apresentação de pedido de recuperação é ato de administração, devidamente aprovado em reunião de sócios, da qual o sócio comanditário poderá somente participar e não votar. O sócio comanditário não tem interesse e legitimidade

nessa votação. O risco fica por conta dos comanditados, na eventual falência, ou, exaurido o patrimônio social, responderão pessoalmente pelas obrigações sociais.

Com efeito, o comanditário não poderá praticar “qualquer ato de gestão”, sob pena de responder solidária e ilimitadamente nos termos do art. 1.047 do Código Civil. Esses atos de gestão são de natureza interna ou externa, de ordinária ou extraordinária administração. O interesse em questão é de ordem pública. Não cabe derrogação contratual, nem mesmo entre os sócios, não tendo valor, perante terceiros, qualquer pacto contrário ao mandamento normativo, na perspectiva de que a limitação de responsabilidade, como prerrogativa jurídica, tem sustentação quando observados todos os comandos previstos pela legislação.

Com efeito, nos termos do parágrafo único do art. 1.047 do Código Civil se estabelece que “pode o comanditário ser constituído procurador da sociedade para negócio determinado e com poderes especiais”. Esse regramento não permite, por exemplo, que o comanditário seja qualificado como procurador “especial” para representar a sociedade em todos os negócios de natureza bancária da sociedade. Tal procuração indicará que o sócio tem poderes gerais de representação, e por isso assumirá responsabilidade solidária e ilimitada por todas as obrigações da sociedade, anteriores ou não ao conferimento da referida procuração. O entendimento da jurisprudência italiana1 é nessa direção, ao passo que em tema de sociedade em comandita simples deve ser excluída da noção de “negócio determinado” uma categoria inteira de operações sociais. Portanto, deve ser qualificada como procuração “geral” – e não para negócio “determinado” –, ainda que formalmente definida como “especial”, a procuração concedida em virtude da qual o sócio comanditário assume o poder de representação social sobre toda a gestão bancária da sociedade.

Por “determinadas operações” se entendem as operações ou categoria de operações individuais com precisão e na sua efetiva limitação. A Corte de Cassazione julgou que pode ser considerada legítima a cláusula do contrato social que estabelece como necessária a manifestação de concordância por parte do sócio comanditário quando da contratação de mútuo oneroso que exceda um determinado valor, previamente fixado pelo contrato social (Cass. civ., sez. I, 3 ottobre 1997, n. 9659). Tal legitimidade advém do fato de que a contratação de mútuo oneroso entra na condição de administração extraordinária, portanto passível de manifestação ou de autorização sobre determinadas operações (art. 2.320, Codice Civile). Essa situação encontra sustentação jurídica dentro da noção da moderna sociedade em comandita simples, porém, não seria equivocado ver nessa concordância do sócio comanditário uma ingerência sobre os negócios sociais que estão a cargo do sócio comanditado, isso em perspectiva de fundamento jurídico clássico em sede de administração de comanditas simples. Em linhas gerais, ainda que a contratação de mútuo oneroso entre na condição de administração extraordinária, parece um tanto quanto estranho ao fundamento da comandita simples condicionar a pactuação do referido contrato de mútuo à manifestação concorde do sócio comanditário. Tal situação condicionaria a escolha administrativa do sócio comanditado, o que a disciplina da sociedade em comandita simples, efetivamente, não aceita. Toda e qualquer limitação aos poderes gerenciais do sócio comanditado, na representação da sociedade em negócios perante terceiros, deve ser interpretada restritivamente e deve ser anulada sempre e quando contrariar os fundamentos desse tipo societário.

293. Da teoria de FRANCESCO GALGANO sobre a ingerência do sócio comanditário na administração da sociedade em comandita simples

A ingerência do sócio é expressamente vetada pelo art. 2.320 do Codice Civile, e o referido sócio não pode praticar atos de administração nem tratar ou concluir negócios em nome da sociedade, sob pena de responder ilimitada e solidariamente pelas obrigações sociais, bem como sua exclusão da sociedade. Então, em ordem de consequências tem-se que: a) responsabilidade solidária e ilimitada; b) exclusão da sociedade por justa causa.

A proibição de ingerência existe na defesa de múltiplos interesses: a) dos sócios, do momento em que esses podem excluir da sociedade o sócio faltoso, que, contrariando a lei e o contrato social, entra na administração da sociedade. Esse interesse leva em consideração que a empresa social seja administrada somente por quem, passando pelo risco da responsabilidade ilimitada, oferte as garantias de uma administração responsável, escorreita e cautelosa.2

1 Cass. civ., sez. I, 17 marzo 1998, n. 2854, cf., BARTOLINI F. e DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 2.012.

2 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 385 e ss.

Na esteira de GALGANO, o outro interesse tutelado pela proibição de administração contra o sócio comanditário tem notícia em favor dos credores, evitando que esses sejam induzidos a confundir o comanditário pelo comanditado, quando munido de uma procuração geral para a prática de atos negociais. Contudo, adverte o referido mestre, que o principal interesse que se leva em consideração na proibição contra o comanditário tem origem pública, nas exigências do sistema econômico.

Com efeito, o fato que comprova essa correlação é que o comanditário que entrou na administração da sociedade responde em relação aos terceiros por todas as obrigações sociais, bem como pelas obrigações anteriores a sua ingerência na administração. Isso faz entender que os interesses em questão e levados em consideração se referem mais às exigências do sistema econômico que no interesse particular dos outros sócios ou dos credores em geral.

Desta feita, ensina que “l’interesse protetto é, dunque, un interesse valutato come pubblico, cioè come proprio dell’intera collettività: è interesse ad um responsabile esercizio del potere economico. La legge mostra qui di preoccuparsi dell’equilibrio del sistema produttivo: essa instaura una necessaria correlazione fra esercizio del potere economico e assunzione di un rischio illimitato; affida a quest’ultima la funzione di agire da contrappeso del potere e, quindi, da garanzia di una responsabile direzione dell’impresa.1

Com isso, a proibição de administração acerta também os atos de administração interna da sociedade ou quando pratique apenas um ato de administração externa, qualquer que seja sua importância econômica ou jurídica. A prática pode ser interna ou externa, esporádica ou não, tudo isso já faz concluir pela prática de ato proibido, com a assunção da responsabilidade solidária e ilimitada, e poderá ser declarado falido, ao lado dos demais sócios. Se os atos são esporádicos, ainda que únicos, a sociedade pode ser ainda considerada em comandita simples, mas com as consequências assima mencionadas, entre elas a decretação da falência do sócio comanditário. Porém, se a ingerência do comanditário sobre a administração é persistente e direta, aparecendo como verdadeiro administrador, a sociedade deverá ser considerada como sociedade coletiva. Se a ingerência do sócio comanditário sobre a administração foi consentida pelos outros sócios, a consequência será que tais sócios não têm mais legitimidade para aprovar sua exclusão da sociedade. Neste caso, o consentimento, expresso ou tácito, caracteriza manifestação de vontade, vinculante para os sócios, que não poderão contradizer o referido consentimento a ponto de excluir o sócio da sociedade.

294. Da responsabilidade dos demais sócios quando o sócio comanditário pagar dívidas sociais assumidas com excesso de mandato

Situação que pode ocorrer na prática é o comanditário honrar pessoalmente as obrigações assumidas por ele mesmo, porém cumprindo fielmente os limites do mandato conferido pelos comanditados. Seria injusto indeferir o pedido do comanditário, não responsabilizando, solidariamente, o comanditado. Com efeito, neste caso, o comanditário pode acionar os comanditados, requerendo a divisão, em termos solidários, entre aqueles que conferiram o mandato. Outra solução ocorre se o comanditário, por excesso de mandato (que não caracterize gestão de negócios) ou por indevida intromissão na gestão da sociedade, requerer aos comanditados o pagamento, em caráter solidário, das dívidas sociais pagas por ele, ou seja, comanditário, sempre que tenha atuado com excesso de poderes ou descumprindo direitos de sócio. Parece que nessas duas hipóteses nada pode o comanditário reclamar, devendo suportar, isoladamente, o seu ato em relação à sociedade.

CARVALHO DE MENDONÇA já afirmara que “se o comanditário pratica atos de gestão ou outros em virtude de mandato conferido pelos seus consócios comanditados, a responsabilidade é de todos, cabe recurso daquele contra estes; se, porém, ele obra fora de mandato, por ato espontâneo, não podendo a operação ser oposta à sociedade em virtude dos princípios da gestão dos negócios, o comanditário não tem recurso. Em todo caso, se a sociedade ou todos os outros sócios ratificam o ato do comanditário (a ratificação equivale ao mandato) ou se lhes traz vantagens, o comanditário tem recursos contra a sociedade, sendo que, nesta última hipótese, até o valor do enriquecimento da mesma sociedade”.2

Tem-se relação de responsabilidade pela ratificação e pelo mandato, o que enseja o dever de solver a obrigação, em termos solidários entre os sócios, agora, de qualquer categoria, e sem distinção, conquanto respondem somente aqueles sócios os quais os nomes figuram no instrumento do mandato ou que ratificaram, posteriormente, o ato de gestão.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 386.

2 Tratado, cit., vol. III, p. 192.

295. Do prazo de duração da sociedade em comandita simples

O contrato social deve mencionar, expressamente, o prazo da sociedade, se determinado ou indeterminado. Se expirado o prazo social firmado no contrato e a sociedade continua de fato, torna-se, então, irregular, e, como consequência jurídica, ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios comanditários,1 igualando-se, aos comanditados, quanto ao critério da responsabilidade pelo passivo social. Em nada importa que nessa sociedade em comandita, agora coletiva de fato, o sócio comanditário não entre na administração externa ou interna da sociedade, mas basta, para fins de responsabilidade solidária, que a sociedade não efetue alteração contratual devida, nos termos dos artigos 997, II, e 999 do Código Civil.

296. Do direito do sócio comanditário em fiscalizar as contas e balanços sociais da sociedade em comandita simples

O art. 2.320 do Codice Civile diz que é direito do sócio comanditário “compiere atti di ispezione e di sorveglianza”. O art. 1.047, caput, do Código Civil diz que “é direito do comanditário participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações”. A interpretação da expressão fiscalizar as operações tem, obviamente, uma conotação contábil, de fiscalizar as operações sociais já realizadas pelos sócios comanditados, na perspectiva de fiscalizar sua regular escrituração contábil e fiscal, bem como o levantamento dos balanços sociais, que, em esfera societária, lhe conferirá, na época oportuna, a informação das entradas, receitas, despesas, perdas, fluxo de caixa, demonstrativo dos resultados acumulados, etc., refletindo a situação patrimonial da sociedade, bem como a perspectiva de rentabilidade do negócio e, finalmente, a possível distribuição de lucros.

As deliberações sociais também entram nessa categoria, inclusive na qualidade de reunião de sócios, apenas sobre aquelas que se referem às questões contábeis da sociedade, como aprovação das contas do respectivo exercício social. Regra geral da sociedade simples, mas que também tem aplicação na sociedade em comandita simples, se encontra nos artigos 1.020 e 1.021 do Código Civil. Assim, os administradores são obrigados a prestar aos sócios contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. Salvo estipulação que determine época própria, diz a lei, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos, e o estado de caixa e da carteira da sociedade (art. 1.021). Com efeito, é um direito essencial do status jurídico de sócio fiscalizar as contas e ter informações sobre os balanços e situação patrimonial da sociedade. Na sociedade em comandita simples, os administradores são os sócios comanditados, que estão, por força de lei (art. 1.020, C.C.), obrigados a prestar aos sócios (comanditários) contas justificadas de sua administração, apresentando-lhes o inventário, bem como o balanço patrimonial e o resultado econômico. É um direito fundamental de sócio comanditário ter a informação sobre o resultado econômico da atividade perseguida pela sociedade porque será sobre esse valor (e fator) que tal sócio participará na distribuição de lucros. Assim, na deliberação que aprova a distribuição de lucros, o sócio comanditário tem que ter perfeita noção da situação patrimonial da sociedade e sobre os resultados econômicos da sociedade para não ficar responsabilizado, no futuro, pelos credores, quando de eventual distribuição fictícia ou ilícita de lucros. Os sócios comanditários podem votar sobre a prestação anual das contas da sociedade. Esse é u m direito fundamental da qualidade de sócio das sociedades de pessoas, ainda que se deva ressaltar que a votação é de natureza estritamente contábil, ou seja, matemática, sem qualquer relação sobre o fundamento administrativo da gestão social. O sócio comanditário pode, inclusive, se fazer acompanhar por especialistas contábeis na verificação e certificação de auditoria sobre o balanço a ser aprovado, mas tudo única e exclusivamente sobre a relação matemática entre entradas e saídas, sem qualquer verificação de fundo sobre o conteúdo administrativo. O balanço é uma equação matemática sobre um patrimônio. É sobre essa equação que os comanditários têm direito de fiscalização e informação. Como seu direito ao lucro advém dessa equação, esses sócios também têm a prerrogativa jurídica de participar da deliberação que aprova ou não a referida equação. Em termos jurídicos, essa equação produz infinitas responsabilidades perante terceiros e contra a própria sociedade.

1 MENDONÇA, Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 180.

No que diz respeito ao sócio comanditário, a sua responsabilização será quando da distribuição fictícia ou ilícita de lucros. A medida societária para se insurgir contra eventuais abusos dos comanditados é a rejeição das contas, eximindo-se da responsabilidade. Se os comanditários aprovam as contas ou simplesmente aceitam a distribuição de lucros, sem qualquer manifestação expressa (não comparecendo à deliberação), são, portanto, coniventes com a distribuição fictícia ou ilícita de lucros, e, por conseguinte, serão responsabilizados perante os credores. É evidente que os comanditários também podem impugnar, processualmente, a prestação de contas apresentadas pela sociedade. Se os comanditados impedem que o comanditário tenha informações sobre a situação contábil da sociedade ou não lhe informam sobre essa situação patrimonial, a solução será a impugnação das contas. Ademais, se o contrato social é silente, ou seja, não diz expressamente que os sócios comanditários podem participar da deliberação que aprova o balanço, e esses são impedidos de votar sobre o balanço, a única solução é a medida processual de impugnação, acompanhada da ação judicial de prestação de contas. Se o contrato social veta aos comanditários o direito de participarem e votarem sobre as contas da sociedade, balanços e demonstrações contábeis, tal regra pode ser considerada como contrária aos direitos fundamentais de sócio. Ainda nessa hipótese, impedidos de votarem sobre as contas, a solução não será mais de natureza estritamente societária, mas passará para a esfera processual, na impugnação e prestação de contas, com liminar impedindo a eventual distribuição de lucros. Se os comanditados não apresentarem o balanço anual da sociedade, os comanditários podem requerer a dissolução da sociedade.

Então, por exemplo, se o balanço anual não for apresentado ou, se apresentado, for feito de maneira irregular, não oferecendo adequadas possibilidades de seguro controle das contas sociais, como devem se comportar os comanditários? Esses sócios, conforme ensina a doutrina clássica, estão autorizados a pedir aos sócios administradores (comanditados) todos os esclarecimentos do caso e a apresentação de documento conclusivo sobre a situação dos livros comerciais, que na doutrina italiana é denominado de rendiconto. Quando e se a contabilidade seja feita de maneira equivocada, ou até não seja nem mesmo realizada, os comanditários poderão regularizá-la, e, conforme o caso, pedirão a exclusão dos sócios administradores, e se todos os comanditados forem administrad ores poderão requerer a dissolução da sociedade por impossibilidade de alcançar seu escopo ou fim social, ou quando efetivamente obtida a exclusão de todos os comanditados poderão requerer, finalmente, a dissolução pelo fundamento que restaram somente sócios comanditários,1 não esperando a condição suspensiva do art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil. O sócio comanditário tem direito de votar na deliberação de aprovação das contas porque ainda que não seja administrador da sociedade está em posição jurídica idêntica ao comanditado que se refere ao fato de que são todos sócios de uma atividade empresarial de natureza pessoal, ou seja, que tem a qualificação de sociedade, com patrimônio próprio, assume direitos e obrigações perante terceiros, etc., bem sabendo que, por fatores societários, apenas uma qualidade de sócio administra a sociedade e, por isso mesmo, tem responsabilidade ilimitada, enquanto os demais sócios, que não administram, têm responsabilidade limitada ao capital investido. Mas ao passo que na administração desse capital, que agora se forma sob a participação em sociedade, o comanditário não é impedido de lhe fiscalizar as contas, bem sabendo que o comanditado não lhe é um mandatário, muito pelo contrário, assume as vestes de verdadeiro sócio.

Por isso, nessa qualidade, ou melhor, nessa relação jurídica que se estabelece entre eles, ou seja, relação jurídica de sócio, é plena o direito de fiscalizar as contas da sociedade, ainda que o comanditário não exerça funções administrativas, é óbvio. Neste passo, a relação societária entre eles se aproxima bastante de uma sociedade em nome coletivo. Do ponto de vista de fiscalizar as contas, ou seja, do controle contábil e de matemática sobre as contas apresentadas, entra em ação o fato que, diante da natureza jurídica dessa sociedade, bem assemelhável à sociedade em nome coletivo, a relação jurídica entre sócio comanditário-sócio comanditado, para fins meramente contábeis, não importa diferença como aquelas existentes na administração, representação perante terceiros e responsabilidade limitada ou ilimitada. De uma forma ou de outra, eles têm a qualidade jurídica de sócios e, portanto, seus direitos e deveres fundamentais não podem ser negligenciados nem rejeitados, sob as consequências da lei. A doutrina pátria sempre entendeu que não importam ato de gestão nem se proíbem aos comanditários os votos necessários à aprovação das contas dos comanditados.

2

O fator determinante é que o comanditário não pode impor ou exigir coisa alguma sobre os negócios sociais, com o fim de restringir os poderes do administrador (comanditado) de tal maneira que buscasse tolher a sua independência na administração da sociedade. A aprovação matemática não tolhe nenhuma independência administrativa contra o comanditado, mas é direito fundamental do comanditário.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 583.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 188.

Esse é o entendimento parcial da doutrina italiana ao se posicionarem pelo direito do sócio em votar sobre o balanço anual da sociedade, entre os quais VENDITTI, GRAZIANI, FERRARA JR. Contra, contudo, já se manifestou GALGANO, argumentando que compete somente aos comanditados aprovar o balanço, o qual se perfecciona somente e em virtude da aprovação pelos próprios comanditados, independentemente do concurso dos comanditários. O balanço deverá, então, ser comunicado aos comanditários, os quais poderão se opor aos seus termos, apresentando as impugnações cabíveis, por falsidade ou descumprimento das regras contábeis ou do contrato social. O referido mestre entende, ainda, que se deve considerar que os comanditários que aprovam o balanço perdem a limitação de responsabilidade, e que ao concorrerem na aprovação do balanço, exprimindo seu voto sobre a formação do balanço, participam, portanto, e em tal modo, da determinação da política econômica da sociedade, e são, por isso, responsáveis ilimitada e solidariamente por todas as obrigações sociais.1 Contudo, esse entendimento não pode ser condividido. A votação sobre o balanço não interfere sobre a política administrativa (econômica) da sociedade, mas tão-somente é um ato de natureza matemática, contábil e fiscal, sem qualquer correlação de fundo, sobre a oportunidade do ato negocial anteriormente praticado pelo comanditado. Em sede de ordenamento jurídico pátrio, o sócio comanditário pode votar sobre a aprovação do balanço, sem que isso lhe acarrete responsabilidade solidária e ilimitada, ou ainda ato característico da administração da sociedade. Administrar uma sociedade é antes que uma prerrogativa, um dever, do que um direito. Porém, ter informação sobre as contas sociais, e sobre elas votar, é um direito, que se não exercido nos termos da lei acarretará responsabilidades. Ninguém vai pegar um sócio comanditário pela sua orelha e levá-lo para votar sobre o balanço da sociedade, mas tal sócio dever arcar com as responsabilidades legais decorrentes da sua ausência da referida votação, notadamente se ocorrer distribuição ilícita ou fictícia de lucros. Ao não se informar, na sua qualidade de direito de sócio, da situação contábil da sociedade, quando da fiscalização do balanço anual no exercício social, tal sócio assumirá as consequências do seu ato, e a boa-fé somente poderá ser invocada se ele realmente se utilizou dos instrumentos adequados para ter conhecimento da situação patrimonial, mas foi, ilicitamente, ludibriado pelo comanditado. A sua desídia, conivência, ignorância proposital, acarreta responsabilidade contra terceiros pela distribuição fictícia de lucros, e não poderá se salvaguardar sob o manto protetor da boa-fé. Se não fosse assim, seria impossível responsabilizar o sócio comanditário pela distribuição fictícia de lucros, porque este sempre argumentaria que estava de “boa -fé”. Ora, que boa-fé seria essa filha da desída e da conivência culposa, em ver fartos e gordos lucros distribuídos em seu proveito, sem se importar em quais condições? Os comanditários e comanditados estão, entre eles, em sociedade ou não? Que tipo de contrato seria esse que se alega boa-fé para se excluir de responsabilidade diante de um direito que não foi efetivado pela conivência ou pela desídia? Quem entrega capitais e forma sociedade e depois não quer lhe acompanhar as contas? O sócio comanditário não tem o direito de ter informação sobre a quantas anda o capital social da sociedade? O sócio comanditário é um perdulário? O comanditário que assim emprega seus capitais deveria passar por interdição judicial ao invés de entrar em sociedades. Até os mais ingênuos estranhariam o fato de distribuição de lucros durante o exercício social e, findo o exercício social, quando do balanço anual, esses lucros se mostram inexistentes, difícil seria argumentar que o comanditário os recebeu em boa-fé, e, por isso, não os deve restituir. O art. 2.321 do Codice Civile estabelece que os sócios comanditários não são obrigados a restituir os lucros recebidos em boa-fé segundo o balanço regularmente aprovado. É óbvio que o referido art. 2.321 inclui, na votação, os comanditários, que lá, em boa-fé, aprovaram as contas dos comanditados, mas que depois se provaram falsas. Na medida em que o comanditário não tem como entrar na administração, ele não pode realmente ter informações precisas sobre valores e condições dos negócios sociais, nem lhe impor condições. Por isso, em termos contábeis, tal sócio pode ser facilmente ludibriado pelo sócio administrador (comanditado), falseando as contas muito antes de elas chegarem ao termo final, que é o balanço anual. Assim, se o comanditário, de boa-fé, aprova as contas, dentro de ato que entra na affectio societatis, recebendo a demonstração dos resultados, o que influencia na sua convicção sobre a regularidade das contas, certamente que tal sujeito, em quadrante nenhum, poderia ser responsabilizado pelo ato culposo ou doloso do comanditado. Ademais, o art. 2.321 do Codice Civile deve ser interpretado sistematicamente com o art. 2.303, no que se refere ao fato da limitação da distribuição de lucros, o que em termos de interpretação ganha interesse na sociedade em comandita simples porque o comanditário é, na imensa maioria das vezes, um capitalista, que confere a maior parte do capital social, o que faz por concluir que o comanditário tem interesse societário em saber a quantas anda o capital social da sociedade, principalmente para evitar a distribuição fictícia ou ilícita de lucros, que se daria lesando o capital social da sociedade e, por conseguinte, os credores.

1 Trattato, cit., vol. XXVIII, pp. 399/402.

Lesando o capital da sociedade, via distribuição fictícia de lucros, o comanditário lesaria os credores que sobre o capital concorrem. Com isso, evitaria a perda da sua quota, experimentando enriquecimento sem causa contra os próprios credores. A distribuição fictícia caracterizaria, então, reembolso ilícito e capital, fazendo nascer o dever de restituir o capital em proveito dos credores. Assim, é direito do comanditário fiscalizar as contas, ter informação sobre o capital social, e se assim não o faz, se não se utiliza desse direito, corre o risco de a distribuição de lucros lesar o capital social e, por conseguinte, deverá restituir os capitais necessários no interesse dos credores. Se ludibriado pelo comanditado, por documentos falsos, evidentemente que o comanditado não será responsabilizado e não terá que restituir capital algum. Caberá ao terceiro, em ação própria, provar o conluio fraudulento entre comanditado e comanditário, em sede civil e penal. Se o comanditário foi vítima da gatunagem do comanditado, mas efetivamente se utilizou de todos os instrumentos regulares para verificação do balanço anual, como a demonstração dos resultados acumulados, a responsabilidade penal será, obviamente, somente do sócio comanditado. A falsidade requer dolo, praticado pelo comanditado. Nessa hipótese, ainda, não cabe responsabilidade penal nem civil contra o sócio comanditário, que aprovou as contas fraudadas. Não cabe, ademais, nem mesmo responsabilidade societária frente aos credores, e não há dever de restituição. Toda essa solução advém, quando da manifestação diligente do comanditário, por expresso mandamento legal (art. 1.011, C.C.) ao determinar que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício das suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Portanto, o comanditário, na qualidade de sócio que exerce o controle sobre as contas, atuando assim com diligência, cuidado e probidade nesse controle contábil, não será responsabilizado, manifestada que está, cabalmente, sua boa-fé perante todos os demais sócios, credores, terceiros e público em geral. A responsabilidade limitada do sócio comanditário, decorrente da sua ausência da administração da sociedade, tem fundamento pela regra de justiça, que não impõe responsabilidade pessoal pelas perdas sociais. Contudo é também justo que sobre o capital social tal sócio não receba lucros fictícios, e que tem então o dever de verificar a licitude desses lucros, para poder embolsá-los regularmente e nos termos legais. Portanto, há um equilíbrio jurídico existente no próprio sistema das sociedade em comandita simples.

297. Da distribuição de lucros fictícios na sociedade em comandita simples e suas consequências sobre os sócios comanditários

Finalidade precípua das sociedades empresariais é a distribuição dos lucros. Na sociedade em comandita simples, sabendo que a responsabilidade limitada do sócio comanditário deriva da própria definição desse tipo societário e do regular arquivamento do seu contrato social, o patrimônio social serve como garantia dos credores, mas, para evitar que o comanditário se sirva da comandita para prejudicar os credores ao distribuir lucros inexistentes, a legislação é rigorosa sobre a distribuição desses lucros, exigindo que sua realização seja feita nos mais claros limites contábeis, seguindo a demonstração do balanço. A lei diz: o sócio comanditário não é obrigado à reposição de lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço; ao passo que, diminuído o capital social por perdas supervenientes, não pode o comanditário receber quaisquer lucros antes de reintegrado aquele (art. 1.049). O balanço tem que ser devidamente aprovado pela sociedade e registrado para que tenha validade contra terceiros. Os livros comerciais, registrados, têm fé pública e provam contra terceiros.

O Código de Comércio (art. 313), estabelecia que “os sócios comanditários não são obrigados além dos fundos com que entram ou se obrigam a entrar na sociedade, nem a repor, salvo nos casos do art. 828, os lucros que houverem recebido”. O referido art. 828 dizia que “todos os atos do falido alienativos de bens de raiz, móveis ou semoventes, e todos os mais atos e obrigações, ainda mesmo que sejam de operações comerciais, podem ser anulados, qualquer que seja a época em que foram contraídos, enquanto não prescreverem, provando-se que neles interveio fraude em dano de credores”. Desde o antigo Código de Comércio, o legislador buscava assegurar aos credores sociais a integridade da garantia que lhes é ofertada pelos comanditários, ou seja, o capital social, determinado àquela época que os comanditários deviam repor os lucros recebidos com fraude (art. 313), vale dizer, dividendos inexistentes, fictícios, que tenham percebido. E, com efeito, se a lei assim não determinasse, o comanditário, via retiradas sob lucros inexistentes, subtrairia a sua quota, desfalcando o fundo da comandita, uma das garantias dos credores sociais. Então, dividendos ou lucros fictícios representam tão-somente a restituição por parcelas de capital.1

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, p. 195.

Se o credor impugnar a distribuição de lucros, terá que provar judicialmente a ma-fé do comanditário. Essa é uma prova contábil, patrimonial, e requer perícia. O art. 1.049 interessa aos sócios comanditários, necessariamente, porque impraticável acionar o comanditado e requerer a restituição de dividendos fictícios por ele recebidos diante da sua responsabilidade solidária e ilimitada. Basta ao credor acionar o referido comanditado e alegar a responsabilidade ilimitada e encontrar quantos bens pessoais bastem para a satisfação do seu crédito, ou, se a medida ainda lhe parecer pouco efetiva, compete ao credor requerer a falência da sociedade, acarretando, ademais, a falência do sócio de responsabilidade ilimitada, em todos os seus efeitos. Os sócios comanditários devem exercer o controle sobre as contas da sociedade, como determina a lei. Sobre esse controle entram a verificação contábil e a aprovação das contas, incluindo balanços mensais, semestrais e balancetes. Será sobre esse balanço, tirado sobre a atividade comercial da comandita, que serão pagos os lucros. Portanto, fácil é a comprovação da fraude e da má-fé se a distribuição dos lucros se faz sobre a quota social e não sobre a utilidade que decorre da quota, ou seja, dos lucros. Distribuição de lucros que contrariem a veracidade das normas contábeis e do patrimônio social implica tipo penal, fraudando os credores, quando existentes, ou o fisco. O que pode ocorrer é o comanditário ser iludido pelo comanditado, incutindo neste que a distribuição de lucros observa fielmente os ganhos da atividade comercial da sociedade, e neste caso não seria devida a restituição. Contudo, essa situação seria de tal ordem gritante que nos casos mais elementares qualquer dúvida se dissiparia facilmente, ou seja, seria quase impossível que um comanditário (sujeito rico e com posses) se deixaria iludir pelo comanditado sobre os ganhos e perdas da sociedade. Ao reverso, o que a prática poderia mostrar é evidentemente o contrário, quando o gatuno comanditário, bem sabendo que a sociedade não alcançou lucro no exercício social, faz a distribuição incidir sobre o próprio patrimônio da sociedade, dilapidando-lhe o dinheiro em caixa e seus investimentos. O balanço tem que ser aprovado conforme as regras contábeis para que se firme a responsabilidade societária, bem como penal, pela distribuição de lucros inexistentes. O comanditário tem o direito de fiscalizar a gestão, ao passo que a lei diz “sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações”, significando aprovar as contas da sociedade (deliberações) e fiscalizar as operações (administração e contas). São, portanto, direitos fundamentais de qualquer sócio. Agora, se o comanditário realmente colocará a efeito esse seu direito, é uma questão de interesse individual dele, arcando, obviamente, com as consequências legais da sua desídia ou negligência. A regra é a seguinte: “A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade” (art. 1.009, C.C.). Os comanditários que receberem os lucros inexistentes são solidários entre eles no que diz respeito à restituição ao credor. A expressão devendo conhecer-lhe a ilegitimidade significa o dever que o sócio tem de participar da fiscalização da sociedade, ou seja, aquilo que seria visto, singelamente, como um direito de caráter facultativo (fiscalização), quando se configura a hipótese da distribuição ilícita de dividendos, se converte em dever. Tal fato, porém, não é suficiente, em hipótese alguma, em inverter o ônus da prova, ou seja, será, ainda, o credor que deverá provar que o comanditário está de má-fé, sabendo que o dividendo é inexistente. O que o art. 1.009 do Código Civil representa é que o comanditário em contestação ao pedido de restituição não poderá alegar que não lhe competia a fiscalização das contas, entregues essa fiscalização ao comanditado ou aos demais comanditários, se existentes. A sua defesa deverá ser unicamente contábil, com perícia sobre o patrimônio social, e exibição parcial ou total dos livros mercantis.

Não se pode esquecer de que em direito a regra geral é que se presume a boa-fé, e aquele que alega má-fé deve prová-la, sob as penas da lei. A prova sobre a distribuição irregular dos dividendos será uma prova material, não meras alegações. Não cabe, por conseguinte, nenhuma alusão em favor de prova testemunhal. A prova é documental. A ação deve ser amparada em amplo contraditório, com realização de audiência, perícias, etc. A expressão devendo conhecer-lhes a ilegitimidade significa que o sócio deve empregar todos os meios societários para conferir certeza jurídica à distribuição dos dividendos, ou seja, cumprindo seu poder-dever de fiscalização, analisando a escrituração, conferindo a licitude dos negócios sociais, etc., e se, ainda depois de tudo isso, em boa-fé, recebeu dividendos que depois foram provados como fictícios, mas não foi provada sua má-fé, em hipótese alguma terá que restituir o valor recebido.

Porém, se o sócio não cumpre seu poder-dever e depois fica comprovada a ilicitude do dividendo, certo será que efetue a restituição, por negligência no desempenho de suas funções, assumindo o risco em não fiscalizar a sociedade da qual faz parte e dos fundos por ele conferidos. Portanto, para que o credor alcance seu objetivo na restituição dos dividendos fictícios é necessário o concurso de duas circunstâncias distintas. A primeira é sempre a má-fé, que deve ser provada cabalmente. A segunda é que o sócio não tenha colocado a efeito sua prerrogativa de fiscalizar as contas da sociedade. Neste caso, o sócio teria recebido dividendos que

não refletem, com exatidão, o balanço, pelo fato de que esse balanço é fruto da simulação, na qual o comanditário, de uma forma ou de outra, concorreu direta ou indiretamente na sua formação ao não verificar a exatidão das contas. Quando a lei expressamente assevera que não serão devolvidos os dividendos recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço, a expressão de acordo com o balanço deve ser interpretada sabendo-se que o balanço vai refletir com exatidão a situação contábil da sociedade.

O art. 1.009 do Código Civil está inserido na parte da sociedade simples, mas como sociedade geral tem aplicação em relação aos outros tipos societários que lhe são complementares. A situação, então, seria da seguinte monta interpretativa: “A distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade” e “o sócio comanditário não é obrigado à reposição de lucros recebidos de boa-fé e de acordo com o balanço”. Então, um sócio comanditário não poderá se esquivar da responsabilidade solidária argumentando que competiria ao outro sócio comanditário a fiscalização das contas. É bem verdade que nas comanditas simples, via de regra, quem confecciona o balanço é o comanditado, porém parece pouco plausível que o contrato social especifique competir a somente um ou vários sócios comanditários a fiscalização da contas, ao passo que esse é um direito fundamental de qualquer sócio, e impossível a sua derrogação por cláusula contratual.

BRUNETTI afirmara que “la buona fede sará sempre presunta e chi vorrá allegare la mala fede dovrà dimostrarlo. La prova dovrà consistere in fatti concreti e non basterà allegare che il socio non si é curato dia ver comunicazione dei bilanci e di controllarne l’esattezza con le scritture della società”.1

Efetivamente, não basta alegar que o sócio não efetivou sua prerrogativa em controlar as contas da sociedade e seus contratos, porém, o que se argumenta é que foi por consequência desta sua não atuação efetiva que houve a distribuição indevida dos dividendos.

Não se pode olvidar que é do interesse do comanditário o aumento do fundo social, porque tudo deriva do seu conferimento. Quando o sócio confere esse capital, o que mais deseja é ver-lhe multiplicar, revertendo o investimento feito em distribuição de lucros, que advém da atuação exitosa do comanditado. Seria extremamente lesivo ao interesse dos credores confabular que o comanditário foi iludido ou induzido a erro pelo comanditado na distribuição dos lucros, deduzindo que este não tenha, efetivamente, noção sobre as possibilidades de ganhos e perdas que determinado negócio importa, ou seja, os riscos, e que a distribuição desses lucros importaria sempre ganhos enormes. Ademais, quando o comanditário busca fraudar credores, a distribuição de lucros indevidos será em montante muito maior àquilo que a prática comum dos negócios mostra como factível. O comissário buscará, com essa distribuição fictícia, converter grande parte do capital social em distribuição de lucros, evitando as ações dos credores. Portanto, um fato que demonstrará, contabilmente, que a distribuição de lucros é indevida, ainda que formalmente perfeita nos balanços, é a sua desproporção sobre o capital investido. Neste caso, difícil seria a defesa da boa-fé, que não suportaria a prova cabal do desfalque sobre o caixa da sociedade e ensejaria a restituição aos credores dos valores indevidamente recebidos pelo comanditário.

A excelsa doutrina de CARVALHO DE MENDONÇA já ensinava que “contra os comanditários há a presunção de fraude se recebem dividendos indevidos, porquanto é seu dever fiscalizar as operações e o estado da sociedade, verificar a exatidão e sinceridade do balanço e assiná-lo. Se recebem o que não têm direito, somente de si se devem queixar. Não seria justo que alegassem, como motivo de escusa, a ignorância do estado econômico por falta de balanço regular”.2

O comanditário deve ter total conhecimento sobre o estado do caixa da sociedade. Se não fosse assim, quão temerário seria esse sujeito. Na verdade, um perdulário. Não se pode, então, se não havia noção do fluxo de caixa da sociedade, seu saldo, haveres e créditos, que, ao final do exercício, quando lhe é distribuído farto dividendo, deixar-se enganar pelas informações do comanditado. Este, ou seja, o comanditado pode até por vingança distribuir dividendos fictícios se estiver com a alma corrompida e desejando prejudicar o comanditário, seja civil ou criminalmente. O comanditário tem que saber desses fatores, principalmente que sócios inescrupulosos e filhos da vilania podem querer prejudicá-lo, para depois o responsabilizarem, restituindo valores, e venderem caro o silêncio. Então, nas comanditas, por conta da diversa categoria de sócios, diversa será a responsabilidade, mas em sede de distribuição de lucros o comanditário tem que exercer ativamente seu poder-dever, fiscalizando as contas, os contratos, etc., e sabendo, com exatidão, o estado do caixa da sociedade, para evitar consequências devastantes no futuro, quando se vir obrigado a restituir, seja na falência ou em ação própria, os valores recebidos indevidamente na condição de lucros. Sobre o valor embolsado indevidamente correm juros legais e correção monetária, contados desde a data em que o capital foi distribuído indevidamente, e não da data da citação na ação cabível. Os juros e correção se contam desde o dia que

1 Trattato, cit., vol. I, p. 590.

2 Tratado, cit., vol. III, p. 195.

foram embolsados porque isso significa desfalque sobre o estado da sociedade, que deveria fazer render esse numerário, aplicando os recursos, valorizando seus ativos, fato esse que não ocorrendo importa evidente prejuízo aos credores desde a data em que o referido valor foi surrupiado do caixa da sociedade. Os juros da mora se contam desde a citação, mas no caso de lucros embolsados indevidamente o comanditário não está em mora, porém pratica enriquecimento sem causa, e por isso incidem juros desde a prática do ato. Após a citação na ação cabível, terão incidência os juros pela mora da restituição. A distribuição de dividendo inexistente na sociedade em comandita simples caracteriza enriquecimento sem causa em favor do comanditário, e, diz a lei, aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários (art. 884, C.C.). Se vários os comanditários, todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida (art. 280). Com efeito, os comanditários devem eles mesmos elaborar ou quando menos participar ativamente da feitura do balanço, como poder-dever da sua qualidade de sócio. O cumprimento dessa função não significa administrar externamente a companhia e, portanto, não serão responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações assumidas. A fiscalização das contas é direito essencial de sócio, irrenunciável, e que seu fiel desempenho somente lhe aproveita e nunca prejudica. A jurisprudência italiana (Cass. civ., sez. I, 17 febbraio 1996, n. 1.240)1 já igualou, em termos jurídicos, nas sociedades em comanditas simples, a aprovação do rendiconto do balanço, para fins de distribuição de lucros, e a exclusão de responsabilidades dos sócios comanditados e comanditários. Ademais, os sócios comanditários têm que aprovar o documento conclusivo das contas presentes nos livros comerciais (rendiconto), o que pode se comparar ao registro dos livros mercantis, pela sua qualidade de sócio.

298. Do art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil

Da administração da sociedade em comandita simples devem participar unicamente sócios, sendo vedada a presença de diretores. Contudo, a esdrúxula redação do art. 1.051, parágrafo único, estabelece que “na falta de sócio comanditado, os comanditários nomearão administrador provisório para praticar, durante o período referido no inciso II e sem assumir a condição de sócio, os atos de administração”. O referido inciso II, art. 1.051, estabelece a possibilidade de a sociedade não entrar em dissolução, salvo quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio. Por mandamento do art. 1.051 do Código Civil, a comandita simples poderia funcionar sem a presença de sócio comanditado, por até cento e oitenta dias, cabendo aos comanditários nomear um administrador, que não terá, obviamente, a qualidade de sócio. O art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil é a transliteração do art. 2.323 do Codice Civile, ao estabelecer que “la società si scioglie, oltre che per le cause previste nell’art. 2308, quando rimangono soltanto soci accomandanti o soci accomandatari, sempreché nel termine di sei mesi non sia stato sostituito il socio che è venuto meno. Se vengono a mancare tutti gli accomandatari, per il periodo indicato dal comma precedente gli accomandanti nominano un amministratore provvisorio per il compimento degli atti di ordinaria amministrazione. L’amministratore provvisoria non assume la qualità di socio accomandatario”. A redação do art. 1.051 do Código Civil é esdrúxula porque diz, apenas, que os comanditários nomearão administrador provisório para praticar, durante o período de cento e oitenta dias, os “atos de administração”, sem dizer que esses devem ser atos de administração ordinária, como bem fez o Codice Civile (art. 2.323, parte final). O prazo de cento e oitenta dias é uma condição suspensa da dissolução e incidirá, portanto, somente se não entrar, para a sociedade, um sócio comanditado. Entenda-se administração ordinária como unicamente atos de administração direcionados à manutenção e conservação do patrimônio social, e não os atos administrativos colocados a efeito para alcançar o objeto social da sociedade. O administrador indicado não tem poderes de disposição sobre bens que compõem o ativo porque tal sujeito não tem responsabilidade ilimitada, no caso de insuficiência dos bens sociais em pagar as dívidas sociais. Sua única função é conservatória de direitos patrimoniais; pode receber pagamentos; dar quitação de obrigações anteriormente assumidas pelo comanditado; representar judicialmente a sociedade; mandar protestar títulos de créditos vencidos; interpelar judicialmente terceiros; praticar todo e qualquer ato necessário à defesa dos interesses patrimoniais da sociedade em comandita simples; etc. Por conseguinte, tal pessoa será um mandatário, mandato esse que tem prazo certo de cento e oitenta dias, e, vencido o referido prazo, a sociedade se dissolve de pleno direito, pela superação da condição suspensiva que evitava a dissolução.

1 BARTOLINI F. e DUBOLINO P. Il Codice Civile, cit., p. 1.989.

Tal administrador não tem nenhum poder de obrigar a sociedade por atos na administração do objeto social.1 Sua função é de mandatário, devendo atuar na defesa do patrimônio da sociedade e nunca praticando atos e negócios jurídicos que são privativos daqueles que têm a qualidade de sócio. Se o administrador praticar atos de administração voltados ao objeto social da sociedade, sua responsabilidade será pessoal e ilimitada, não obrigando a sociedade, salvo posterior ratificação por parte dos sócios comanditários, que assumiriam, também, a responsabilidade ilimitada pela ratificação tendo em consideração que esses atos são privativos de sóciosgerentes, e os comanditários, para fins de responsabilidade perante terceiros, assim seriam comparados. Via de regra, se o administrador indicado praticar atos de administração geral ordinária da sociedade, tem aplicação a seguinte regra do mandato: Os atos praticados por quem não tenha mandato ou o tenha sem poderes suficientes são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar (art. 662, C.C.). O objeto do contrato de mandato é de interpretação restritiva. Com efeito, assevera a doutrina que o mandatário atua em nome do constituinte e dentro dos poderes conferidos pela procuração; porém se exorbita de seus poderes, não vincula o mandante, pois, em vez de agir como procurador, atua como mero gestor de negócio alheio. Se o ato for útil, o representado deve cumprir a obrigação assumida pelo gestor, como também, se o representado ratificar o ato praticado com exorbitância de poderes, esse ato ganhará validade porque a ratificação, transformando a gestão de negócios em mandato, faz com que os efeitos do ato retroajam à data em foi praticado e produzam todos os efeitos do mandato.2 Se o ato do mandatário evitou prejuízos para a sociedade, tal situação integra a noção de gestão de negócio alheio. Note que o administrador não é sócio; por isso a sociedade lhe é coisa alheia, de terceiros, aplicável então a regra da gestão de negócios. A ratificação, neste caso, importa convalidar o ato que impedindo prejuízo contra a sociedade serviu no interesse social da sociedade. Como esse ato não caracteriza administração na busca do objeto social, e, portanto, mera gestão de negócio, semelhante ao mandato, mas que se ocasionou por força da própria gestão, sua ratificação não confere a qualidade de comanditados aos comanditários, e eles não terão a responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. Durante a representação, a sociedade em comandita pode ser processada pelos seus credores e ter bens penhorados, ainda que por dívidas contraídas anteriormente. O credor poderá, ainda, requerer a falência da sociedade, e o mandatário terá que contratar procuradores para a defesa na esfera judicial. Se, por exemplo, no mandato conferido ao administrador, mandato esse conferido pelos comanditários (na falta do comanditado), não constar expressamente a permissão para que o mandatário contrate procuradores legais, mas mesmo assim ele (mandatário) contrata os referidos procuradores, que em defesa elidem brilhantemente o pedido de falência, estará o mandatário agindo como gestor de negócio alheio, e, por beneficiar a sociedade, esse ato deverá ser ratificado pelos sócios comanditários. A ratificação não os transforma em comanditados, nem mesmo para fins de responsabilização pessoal. Se não for suprimida a falta do sócio comanditado nos cento e oitenta dias, a sociedade entra em dissolução de pleno direito, e o mandato se extingue (art. 682, III, C.C.). Com a sociedade em liquidação, deverá ser nomeado liquidante. Se da sociedade saírem todos os comanditários, a sociedade se dissolve de pleno direito, liquidando as respectivas quotas entre os sócios ou seus herdeiros. Não há sentido lógico na continuidade de sociedade em comandita sem comanditários por ser inexequível o seu fim social. Contudo, a regra do art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil é derrogável por vontade das partes, e se o contrato social estipular que, na falta de sócios comanditados, tal fato acarreta a dissolução da sociedade, não tem aplicação a condição suspensiva do art. 1.051, II, do Código Civil, o que ocasionará a dissolução da sociedade.

299. Do contrato social da sociedade em comandita simples que não foi devidamente arquivado no Registro das Empresas

É possível concluir que não existe sociedade em comandita simples sem regular registro, ainda que exista contrato entre os sócios. É da essência dessa sociedade o seu registro, bem como das demais, porém, nas comanditas a diversa qualidade de sócio, do ponto de vista da responsabilidade, é fundamental para a caracterização do tipo societário. Com efeito, já ensinava o mestre dos mestres, a inscrição do contrato desta sociedade no registro comercial, bem como sua publicação respectiva, para que terceiros tenham ciência do tipo societário que confere crédito, é essencial para a conformação jurídica da sociedade. Desta feita, a falta do registro não anulará o contrato, porém torna todos os sócios

1 “Intendonsi qui per atti di ordinaria amministrazione quelli conservativi del patrimonio sociale a differenza da quelli dell’amministrazione vera e propria comprendenti ogni atto inerente all’oggetto sociale”. BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 606.

2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, cit., vol. III, p. 294.

solidariamente responsáveis, e não apenas os comanditados. A sociedade em comandita simples, sem a publicidade legal, apresenta-se a terceiros como se fosse sociedade coletiva, e justo será, portanto, que seus sócios tenham a mesma responsabilidade, ou seja, solidária e ilimitada perante os terceiros, que lhe conferiram o crédito de que precisavam.1 Ademais, se expirado o prazo da sociedade, fixado pelo contrato, a sociedade em comandita simples pode ser considerada sociedade em comum, nos termos comparáveis e como se fosse uma sociedade em comandita simples irregular. Bem se sabe que, de certa forma, seria confusa a conotação de ter na comandita simples, que expirou o prazo de constituição, uma mera comandita simples irregular pelo fato de que os sócios perdem a qualidade de comanditados e comanditários, e se mostram, unicamente, perante terceiros, como sócios de uma sociedade de fato, assumindo, por conseguinte, responsabilidade ilimitada e solidária. A sociedade em comandita simples, com prazo marcado de duração, dissolve-se quando expirado o referido prazo. Poderá, ao contrário, continuar tal sociedade se os sócios acertarem novo contrato social, ressaltando essa hipótese quando findo o prazo de constituição da sociedade. Se os sócios resolverem prorrogar a sociedade, tal deliberação, conforme a lei e o contrato social, poderá ocasionar o recesso do sócio descontente, que terá direito ao reembolso do seu conferimento. A sociedade em comandita simples é de natureza pessoal por excelência. A qualidade de sócio capitalista, assumindo as vestes de sócio comanditário, não diminui a qualidade pessoal da sociedade, mas, antes, reforça esse seu caráter, ou seja, o comanditário somente confiaria os seus efeitos e bens, na qualidade de sócio, para que pessoa de extrema confiança os administrasse em sentido societário (sócio comanditado). Por sua vez, a prorrogação da comandita tem que levar em consideração a votação consensual dos sócios, e assim deve preceituar o contrato social. Não parece que atende aos ditames da prática societária um contrato social que venha estabelecer a possibilidade da prorrogação da sociedade por votação majoritária. Tal cláusula contratual, em sentido estrito, até que poderia ser considerada aceitável em determinadas estruturas organizacionais, regidas pelas sociedades de pessoas, mas a sua interpretação tem que levar em consideração o fim buscado pela sociedade. Quando os sócios entram em comandita, o prazo de duração da sociedade é uma das primeiras questões em debate entre eles. Assim, com prazo de duração certa, parece algo mais remoto supor que, dentro das negociações de abertura da sociedade, os sócios, unidos por interesses bem próximos, aceitem que, por maioria, se altere regra de tamanha importância. Desta feita, a interpretação da regra prevista pelo atual Código Civil tem que observar a confluência dos interesses societários, que se iniciam quando da abertura da sociedade e se manifestam na execução do contrato societário. As sociedades em comanditas simples, para que existam juridicamente, devem necessariamente passar pelo crivo do Registro das Empresas, com sua regular inscrição e publicação. Quando terminar o prazo de sua duração, essas sociedades passam pelas seguintes consequências: a) devem aprovar a prorrogação da sociedade, com as consequências legais; b) devem sumir, porque não existe sociedade em comandita simples “irregular”. Nesta segunda hipótese, quando os sócios não estipulam em novo instrumento a prorrogação da sociedade, que continua funcionando ao arrepio da lei, ter-se-á uma sociedade sem contrato registrado, o que é diferente de existir sociedade sem contrato.

Portanto, na situação de sociedade em comandita simples sem contrato registrado, mas que tem o contrato originário, que expirou, ainda que o antigo sócio comanditário não exerça a administração da sociedade, ele assumirá a condição de sócio solidário e ilimitadamente responsável pelas obrigações sociais, docorrente da situação jurídica de irregularidade da constituição da sociedade, ao passo que qualquer pacto limitativo de responsabilidade perante terceiros não tem efeitos a seu favor.

A falta de registro do contrato de prorrogação da sociedade repercute de maneira idêntica sobre a responsabilidade dos sócios. Assim, se os sócios resolvem prorrogar a sociedade depois do prazo de duração, mas não registram o respectivo instrumento, é como se esse documento não existisse perante terceiros.

O remédio do art. 301 do Código Comercial de 1850 era claro sobre tudo isso, ao determinar que “enquanto o instrumento do contrato não for registrado, não terá validade entre os sócios nem contra terceiros, mas dará ação a estes contra todos os sócios solidariamente”. A solidariedade entre os sócios decorre por força da irregularidade e da ausência do contrato, nos termos expressos da lei. São considerados, perantes terceiros, como sócios coletivos, quanto ao fato da responsabilidade, mas essa responsabilidade é uma sanção contra o sócio que não cumpriu os seus deveres comerciais, entre eleso de manter em pronta condição e inscrição no Registro das Empresas de todos os atos administrativos da sociedade, assim considerados. É imperioso seguir a opinião, acima mencionada, do insigne CARVALHO DE MENDONÇA em não se ter sociedade em comandita simples irregular, mas sociedade de fato, com a sanção da responsabilidade solidária entre os sócios, ainda sob a vigência, agora, do Código Civil de 2002.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, pp. 180/181.

Como se disse, a responsabilidade solidária vai unir os sócios perante terceiros como uma sanção contra determinada prática, qual seja, o arquivamento dos instrumentos competentes. Pouco importa que o comanditário pratique atos de administração, exceda seus poderes de representação específica, etc. Mas, o simples fato da irregularidade no arquivamento do instrumento repercute sobre a responsabilidade, que agora é solidária e será ilimitada por todas as obrigações assumidas, antes ou depois, da expiração do prazo de constituição. A responsabilidade ilimitada advém de expresso mandamento legal, ao passo que é da origem dessa sociedade que, findo o patrimônio social, os sócios respondem ilimitadamente. Isso porque os credores emprestaram crédito sabendo que a sociedade era de responsabilidade ilimitada e que o patrimônio dos sócios comanditados garante as dívidas sociais. Sem a devida inscrição, a prerrogativa jurídica da responsabilidade limitada que existe em favor do sócio comanditário desaparece, e todos os sócios, comanditados ou comanditários, aparecem, perante terceiros, como sócios em comum, na qualidade de coletivos, e assim respondem, portanto, solidária e ilimitadamente por todas as obrigações sociais, quer exerçam administração ou não, tudo nos termos da lei. Com efeito, os comanditários ao confiarem efeitos e bens são os primeiros que podem se insurgir contra a prorrogação da sociedade, notadamente quando essa está fazendo água. Neste passo, findo o prazo de duração, a sociedade é dissolvida de pleno direito e entra em liquidação. Mas, se, pelo contrário, a sociedade não entrar em liquidação, ter-se-á, então, conforme o entendimento de WALDEMAR FERREIRA , uma sociedade de fato, com responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios.1 Ao reverso de outras opiniões, é de considerar que a responsabilidade solidária e ilimitada abarca todas as obrigações sociais, e não apenas aquelas que surgirem após findo o prazo de duração da sociedade. A responsabilidade dos sócios aproveitará a todos os credores. Com essa interpretação se evitam a fraude e o conluio entre sócios, credores e terceiros. Na legislação italiana a solução é outra, e segue os termos do art. 2.317 do Codice Civile.

300. Da dissolução da sociedade em comandita simples

As hipóteses de dissolução da sociedade em comandita estão disciplinadas nos artigos 1.033, 1.034 e 1.051 do Código Civil.

Conforme o art. 1.033, dissolve-se a sociedade quando ocorrer: o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; o consenso unânime dos sócios; a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. Nos termos do art. 1.034, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios, quando anulada a sua constituição, exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas (art. 1.035, C.C.). Nas sociedades de pessoas é ampla a liberdade de contratar, com plena autonomia na manifestação da vontade. Tal fato na sociedade em comandita é praticamente uma condição do contrato, ou seja, que os sócios firmem, em caráter irrevogável, cláusulas nas quais, expressamente, se estabeleça que uma determinada conduta, por qualquer deles, ensejará a dissolução da sociedade, ainda que parcial. A vontade dos sócios, corolário da manifestação soberana do interesse dos sócios quando da constituição da sociedade, é fonte do direito societário e deve valer como lei entre as partes, entrando na esfera da pacta sunt servanda . Na famosa expressão de VINNIO, o postulado societas est contractus quo inter aliquos res aut operae communicantur lucri in communi faciendi gratia, a vontade dos sócios é fonte do direito, e deve ser cumprida em toda e qualquer instância. Somente cláusulas leoninas ou manifestamente contrárias ao ordenamento jurídico é que não podem existir porque defeituosas contra o próprio sistema societário. Na sociedade de pessoas a quebra do vínculo de affectio societatis se manifesta de várias formas, que devem ser contempladas contratualmente, permitindo a dissolução parcial da sociedade com a exclusão do sócio faltoso. A manifestação das partes não se dá somente quando, expressamente, é autorizada pelo ordenamento jurídico societário, como, por exemplo, no art. 1.050 do Código Civil, quando dispõe que, no caso de morte de sócio comanditário, a sociedade, salvo disposição do contrato, continuará com os seus sucessores, que designarão quem os represente.

1 Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 598.

Obviamente que o contrato social poderá conter regra contrária, dizendo que, no caso de morte do sócio comanditário, a sociedade se dissolve, liquidando a sua respectiva quota. Quando o texto normativo diz que o contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas (art. 1.035, C.C.), está se referindo às disposições contratuais que não são nem mesmo amparadas pela expressão salvo disposição em contrário do contrato, ou seja, abarcam uma amplitude de regras que somente o interesse individual pode sufragar, e desde o momento em que foram sufragadas, consensualmente, na constituição da sociedade têm valor jurídico, fazendo lei entre as partes. Em termos de dissolução, aquela prevista no art. 1.035 do Código Civil, quando contestada judicialmente, é uma forma de dissolução assemelhável às hipóteses que se refere o art. 1.030, quando, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigaçõesou, ainda, por incapacidade superveniente. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falidoou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026 . Cabe ao contrato social, nos termos do art. 1.035 do Código Civil, estipular as condições e limites da conduta que infere falta grave no cumprimento de suas obrigações, como causa de dissolução parcial ou total da sociedade. A dissolução parcial é a forma mais acertada nesses casos, evitando o desaparecimento da entidade societária. Contudo, na prática, algumas dissoluções parciais acabam se convertendo em dissoluções totais, diante da sua complexidade, do valor da quota a ser liquidada pelo sócio excluído, da complexidade das questões judiciais, etc., que nem sempre permitem, satisfatoriamente, a realização da dissolução parcial. Na sociedade em comandita simples, então, praticamente impossível a dissolução parcial, possível, juridicamente, somente quando da existência de vários sócios comanditários. Se existir apenas um comanditário, sua exclusão importa dissolução total da sociedade, porque a liquidação da quota, diante da sua importância pecuniária para a sociedade, acabará inviabilizando a continuidade da empresa. Nas sociedades em comanditas, ainda que raríssimas, a quota do comanditário é sempre majoritária, ou seja, sem essa participação via capital, bens, efeitos, a sociedade nem mesmo existiria em termos práticos, e a saída do sócio comanditário, no mais das vezes, acarreta a dissolução total da sociedade. Que sentido teria existir sociedade em comandita simples sem sócio comanditário? Por bem da verdade, o art. 1.051, II, do Código Civil determina que se dissolve de pleno direito a sociedade quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio. Essa regra funciona mais do ponto de vista formal do que material. Se o contrato social dispõe que a sociedade se dissolve de pleno direito no caso de faltar uma das categorias de sócio, ampla é a autonomia da vontade, e a cláusula contratual é supletiva, ocorrendo a dissolução da sociedade.1 O art. 1.051, II, do Código Civil tem vigência somente no caso de o contrato social for silente. Existindo cláusula expressa pela dissolução quando da falta de uma das categorias de sócio, esse fato vai ocasionar a dissolução da sociedade. Não se argumente em contrário pela função social da empresa, colocada a efeito, juridicamente, pelo empresário social, ou seja, a sociedade em comandita simples, neste caso. A dissolução opera no interesse dos sócios, enquanto a liquidação opera no interesse dos credores (cabe ao liquidante ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios; exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; confessar falência, art. 1.103, IV, V e VI; e pago o passivo e partilhado o remanescente, convocará o liquidante assembléia de sócios para a prestação final de contas (art. 1.108, C.C.) Visto desta forma, a dissolução atende ao interesse do sócio, ao passo que uma regra dessa natureza mostra o matiz estritamente pessoal da sociedade em comandita simples, quando os sócios não querem se aventurar numa sociedade, despender dinheiro e envidar esforços, para depois, quando da sua saída da sociedade, a dissolução não se opere, podendo funcionar ainda que somente com um sócio, até que esse sócio consiga encontrar uma nova pessoa para figurar como sócio da sociedade.

Na prática da vida, sabe-se que se uma sociedade em comandita simples, que tem firma social com o nome dos comanditados, está passando por conflitos de ordem societária, certamente que esse fato praticamente pode impedir o bom funcionamento da sociedade, colocando-a em risco e, lá na frente, o interesse dos credores poderá ser prejudicado. Ademais, o sócio, expressamente favorável pela dissolução quando não exisitr outra categoria de sócio, sabe, perfeitamente, que a única sede possível para discutir haveres e direitos entre os sócios e a sociedade é a liquidação.

1 Idêntica regra consta do art. 2.323 do Codice Civile e, no comentário de ANTONIO BRUNETTI,

“è questa, senza dubbio, un’assennata disposizione. Pongasi, ad. es., una società di tre soci, um accomandatario, due accomandanti. Muore l’accomandatario e i suoi eredi chiedono la liquidazione della quota a sensi dell’art. 2284; rimarranno gli altri due a responsabilità limitata; ma la società avrà perduto la sua caratteristica, epperciò se, entro sei mesi dalla morte, il defunto non venga sostituito com un altro accomandatario, la società sarà sciolta di diritto. Meno però si giustifica la disposizione nell’ipotesi inversa di due accomandatari e di un accomandante. Se muore quest’ultimo e gli eredi chiedono la liquidazione della quota rimarranno i due accomandatari, vale a dire i due soci a responsabilità ilimitata. In tal caso logicamente dovrebbe farsi luogo alla conversione del negozio in una società in nome coletivo. Invece, salvo la ricostituzione entro i sei mesi, la società si dovrà ritenere disciolta”. Trattato, cit., vol. I, p. 605.

O legislador, também sabendo desse fato, diz, categoricamente que “ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente” (art. 1.036, caput, C.C.). Ao passo que, “dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial” (art. 1.036, parágrafo único, C.C.).

A liquidação das quotas se faz no interesse dos credores e mediatamente no interesse dos sócios. Por isso, o sócio sabendo dos efeitos que a dissolução provocará sobre o patrimônio da sociedade, que entra em liquidação e pode ser inclusive liquidação judicial, diante da discórdia entre os sócios, tem que ter a perfeita correlação entre o risco que opera tal medida, de tal sorte que a cláusula que determina a dissolução no caso da falta de uma das categorias de sócio serve como medida subjetiva sobre a administração da sociedade, ou seja, é uma cláusula que aconselha ao sócio não olvidar que na administração da sociedade o que importa é cumprir seus deveres em confiança e boa-fé, ao passo que também aconselha ao comanditário que não descumpra sua obrigação de não se imiscuir na administração da sociedade, fato esse que pode ocasionar, a requerimento de sócio, sua exclusão da sociedade, por falta grave no cumprimento dos seus deveres, ocasionando a dissolução, se prevista pelo contrato social, apurando as devidas responsabilidades sociais, incluídas as perdas e danos cabíveis. O legislador, sabendo que a liquidação é feita no interesse dos credores, determina que, encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor contra o liquidante a ação de perdas e danos (art. 1.110, C.C.). Por conseguinte, nos casos de dissolução, é importante que os sócios comanditado e comanditário tenham conhecimento da situação contábil da sociedade, sabendo que sobre o primeiro pesa a responsabilidade solidária e ilimitada, e que, após a aprovação da dissolução e durante a sua liquidação, a sociedade pode entrar em falência, e a decretação da falência da sociedade acarretará a falência do sócio de responsabilidade ilimitada. Se do contrato social consta que, na falta de pluralidade de qualquer categoria de sócio, a sociedade se dissolve de pleno direito, a sociedade entrará em liquidação, apurando os haveres e direitos cabíveis, entre os sócios e a sociedade, mas, principalmente, entre os sócios de responsabilidade e a sociedade perante os terceiros (credores). Assim, se do contrato social constar hipótese de dissolução da sociedade ocasionada por exclusão de sócio, sem que exista outro sócio da mesma categoria, e esta hipótese for contestada judicialmente, com deferimento de liminar impedindo a referida dissolução (e a própria exclusão), importantes efeitos tal ato provocará sobre a responsabilidade dos sócios, nos termos do art. 1.032 do Código Civil, ao determinar que a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. Enquanto não averbada a exclusão porque contra essa medida há decisão judicial, e mantendo o funcionamento a sociedade, as obrigações sociais produzem efeitos sobre os sócios, nos termos da disciplina da sociedade em comandita simples, na responsabilidade ilimitada e solidária (comanditado), bem como até o valor da quota (comanditário), acrescida da situação de cada caso em espécie.

Situação que pode ocorrer na prática é aquela prevista pela a legislação francesa, estabelecendo que: “s’il est stipulé que malgré le décès de l’un des commandités, la société continue avec ses héritiers, ceux-ci deviennent commanditaires lorsqu’ils sont mineurs non émancipés. Si l’associé décédé était le seul commandité et si ses héritiers sont tous mineurs non émancipés, il doit être procédé à son remplacement par un nouvel associé commandité ou à la transformation de la société, dans le délai d’un an à compter du décès. A défaut, la société est dissoute de plein droit à l’expiration de ce délai”. A regra é justa, e se o contrato social estabelecer que no caso de falecimento de um dos sócios comanditados a sociedade continua com seus herdeiros e esses herdeiros ainda são menores, os referidos herdeiros passarão à qualidade de comanditários.

E ainda profundamente justa é a solução, mencionada, que se o sócio falecido era o único comanditado, e seus herdeiros são menores, deverá ter lugar a substituição do sócio falecido por um outro comanditado, ou a transformação da sociedade, no prazo máximo de um ano, contado do falecimento do sócio; e se não for nomeado outro sócio, ou transformada, a sociedade entra, de pleno direito, em dissolução. O caso de mais complexidade é aquele previsto pelo art. 1.051, parágrafo único, do Código Civil: Na falta de sócio comanditado, os comanditários nomearão administrador provisório para praticar, durante o período referido no inciso II e sem assumir a condição de sócio, os atos de administração. Já foi dito, supra, que a redação do referido texto legal é equivocada porque não fala, expressamente, que o administrador provisório somente poderá praticar atos de conservação do patrimônio social e, em hipótese alguma, terá representação de poderes administrativos porque tal administrador provisório não tem a qualidade de sócio comanditado. O administrador provisório é simples mandatário, e todo e qualquer ato ou negócio jurídico que firme com excesso de mandato será responsável pessoalmente pela obrigação e não importará nenhuma responsabilidade contra a sociedade. Se os comanditários, ao conferirem a procuração ao administrador judicial, lhe conferirem também a prerrogativa de administrar a sociedade, assumindo direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade, esses sócios comanditários

entram na condição de administradores, e, portanto, descumprem a regra do art. 1.047, caput, do Código Civil, e terá lugar a imposição da pena na qual não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado. Neste caso, haverá verdadeira sociedade de fato entre os “comanditários” e o “administrador provisório”, que nas vestes de “administrador” será, na verdade, sócio coletivo ao lado dos demais.

Cumpre ressaltar que não existe sociedade em comandita simples de fato ou irregular. A sociedade em comandita simples prova-se, somente, com o contrato social devidamente registrado. Se, na falta de sócio comanditado, os comanditários, utilizando de subterfúgio e da gatunagem, nomeiam “administrador provisório”, ainda que pelo prazo de cento e oitenta dias, mas que no caso em espécie conferem ao referido administrador amplos poderes de administração e gerência, tal sociedade não será mais uma comandita simples, porém, entre o administrador e os comanditários emergirá sociedade de fato, comum ou coletiva, com responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios.

WALDEMAR FERREIRA já afirmara que se “incompreende sociedade comanditária de fato ou irregular. Responsabilidade limitada de sócio, em verdade, não se presume: prova-se. Pelo contrato social ela se comprova, se devidamente arquivada no registro do comércio; e em vigor”.1

Neste caso, a procuração com amplos poderes gerenciais conferida pelos comanditários ao “administrador provisório” servirá como prova da sociedade entre eles, que, via de regra, será sociedade de fato porque se tem como dissolvida, de pleno direito, a sociedade em comandita simples. A sociedade em comandita simples tem-se como dissolvida de pleno direito porque, silente o contrato social, aquela indicação do “administrador provisório” não se perfeccionou corretamente, ou seja, caracteriza negócio simulado ou quando muito não é mais que negócio indireto, passível de repercussão jurídica na esfera societária, na formação da sociedade entre tais pessoas. Os sócios comanditários, ainda que de boa-fé, não podem ser negligentes em tal nível ao conferir amplos poderes ao administrador provisório, e depois, durante a tempestade, se socorrerem e buscarem abrigo na responsabilidade limitada. Ora, tal hipótese seria de iniquidade. Não podem praticar tamanha negligência sobre suas quotas, consentindo no prosseguimento da sociedade depois da saída do sócio comanditado, ainda que por cento e oitenta dias, sob pena de se solidarizarem, ilimitadamente, entre eles, pela sociedade de fato (ou coletiva) que sufragaram e que a procuração com amplos poderes comprova juridicamente aquela situação fática. O correto é a sociedade entrar em dissolução, de pleno direito, e com as consequências legais abrindo a liquidação, pagando os credores, e a distribuição do remanescente entre os sócios. Ao passo que os comanditários indiquem, efetivamente, um administrador provisório para cumprir, nos limites do mandato, atos conservatórios sobre o patrimônio social, com certeza a lei é bondosa e lhe confere a prerrogativa da responsabilidade limitada durante os cento e oitenta dias. Se o mandatário excede de sua representação (sem poderes), não obriga a sociedade e assume, em nome próprio e por conta própria, as referidas obrigações. Ademais, de certa forma, alguns atos desse mandatário, que evidentemente não é sócio, podem entrar na categoria de gestão de negócio alheio, sempre que favorável à conservação do patrimônio social. É importante ressaltar a hipótese do art. 1.051, II, ou seja, a sociedade não entrará em dissolução se no prazo de cento e oitenta dias for restituída a pluralidade de sócios. Tal situação significa que a sociedade não entrou em dissolução e, portanto, quando da indicação de novo sócio, reconstituída a pluralidade de sócios, ter-se-á a continuação da sociedade antiga, e não a constituição de sociedade nova. Conforme BRUNETTI, quando reconstituída a pluralidade de sócios, dentro do prazo legal, ter-se-á a continuação da sociedade, e não deve se falar em sociedade nova. Consequentemente, se a pluralidade de sócios for alcançada após o referido prazo legal, estar-se-á diante de uma nova sociedade, e a antiga sociedade deve ser colocada em liquidação, porque entrou em dissolução. No caso da passividade dos sócios, a sociedade deve ser liquidada, porque alcança, também, interesse de credores e terceiros. Contudo, conforme o caso, nada impediria aos sócios, desde que sem oposição dos credores, visto que seria inútil e custosa a referida liquidação, e de comum acordo, resolvessem dar continuidade à sociedade, ainda que depois do prazo de cento e oitenta dias.2 Com efeito, nesta hipótese, dentro dos cento e oitenta dias, a sociedade não se dissolve. Porém, diante da contrariedade dos credores e findo o prazo legal (art. 1.051, II, C.C.), a sociedade entra, de pleno direito, em dissolução, abrindo a liquidação da quota, pagando os credores, e distribuindo o remanescente entre os sócios.

1 Instituições, cit., vol. I, t. II, p. 597.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 606.

301. Das causas de dissolução da sociedade em comandita simples

Conforme o Código Civil (artigos 1.033-1.035), dissolve-se a sociedade quando ocorrer o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; o consenso unânime dos sócios; a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de qualquer dos sócios quando anulada a sua constituição, exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. No caso da sociedade em comandita simples, existe a regra do art. 1.051, II, do Código Civil, ao determinar a dissolução da sociedade quando por mais de cento e oitenta dias perdurar a falta de uma das categorias de sócio. Conforme já se viu, supra, e sua interpretação vai na seguinte direção, por exemplo, quando uma sociedade com três sócios, um comanditado e dois comanditários, morrendo o comanditado, os seus heredeiros podem requerer a liquidação da quota que cabia ao sócio falecido, ficando os outros sócios com responsabilidade limitada até o prazo máximo de cento e oitenta dias, quando, dentro desse prazo, devem encontrar um sócio comanditado, sob pena de dissolução de pleno direito da sociedade depois do transcurso dos referidos cento e oitenta dias. Ademais, dentro desse prazo, funcionará o administrador provisório com poderes unicamente de conservação do patrimônio social. Na segunda hipótese, há uma sociedade em comandita simples com três sócios, dois comanditados e um comanditário, e, se falece o sócio comanditário, os seus herdeiros podem requerer a liquidação da quota, restando os dois sócios comanditados com responsabilidade ilimitada. Porém, em tal caso, logicamente se deveria ter lugar pela transformação da comandita em sociedade em nome coletivo, mas, ao contrário, preferiu o legislador outorgar o prazo de cento e oitenta dias para que os dois comanditados encontrem um comanditário, e, se assim não o fizerem, após cento e oitenta dias, a sociedade se dissolve de pleno direito. Resta dizer que se o contrato social dispõe diversamente, dizendo que no caso do falecimento de qualquer dos sócios a sociedade se dissolve de pleno direito, tal cláusula contratual tem o poder de derrogar a regra do art. 1.051, II, Código Civil, fazendo lei entre as partes. Em matéria de dissolução de sociedades, notadamente das sociedades de pessoas, há amplo espaço para manifestação de vontade dos sócios, em sistema de liberdade contratual, na defesa dos seus interesses quando da formação da sociedade, ou seja, de sua constituição, e na atividade propriamente dita da empresa. A referida hipótese do art. 1.051, II, do Código Civil, é semelhante ao disposto para as demais sociedades, como regra geral, e por isso se pode dizer que a sociedade simples é uma sociedade geral ao passo que no art. 1.033 do Código Civil se estabeleceu que a sociedade entra em dissolução pela falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. O prazo de cento e oitenta dias é uma condição suspensiva da dissolução, evitando o desaparecimento da entidade societária neste período de tempo permitindo que o sócio remanescente encontre outro sócio para dar continuidade ao novo ente societário.

Portanto, encontrado um novo sócio, a sociedade será a continuidade da antiga sociedade, ou seja, daquela que se evitou a dissolução. Não tem como falar em nova sociedade em termos estritamente jurídicos, mas, pelo contrário, o acertado é dizer sobre a continuidade da sociedade que não entrou em dissolução. Assim, como a sociedade não entrou em dissolução, existindo na esfera jurídica como agente capaz de direitos e obrigações, não há que falar em “nova sociedade”, mas sim da continuação da sociedade.

A sociedade, dentro do prazo de cento e oitenta dias, não entra em dissolução, ficando a espera do perfazimento da condição suspensiva, para, neste momento, se dissolver de pleno direito. Enquanto não se perfaz o prazo de cento e oitenta dias, a sociedade está viva, assumindo direitos e contraindo obrigações, firmando atos e negócios jurídicos de toda natureza, na qualidade de agente capaz e de objeto lícito dessas negociações. O que se realizará é a liquidação da quota do sócio que se despede da sociedade, ou por falecimento ou exclusão, permanecendo a sociedade até que o sócio remanescente encontre, nos cento e oitenta dias, a pluralidade de sócios necessária.

Ademais, os novos sócios serão sucessores do passivo anterior, no caso de a sociedade não entrar em dissolução, e o sócio comanditado, admitidos dentro dos cento e oitenta dias, será responsável solidária e ilimitadamente pelas obrigações derivadas de negócios jurídicos praticados antes de sua entrada na sociedade. A presença do administrador provisório é de tal ordem necessária para o funcionamento da sociedade perante terceiros, na qualidade de mandatário, mas a não-indicação dessa pessoa, por si só, não acarretará a dissolução da sociedade, ainda que do ponto de vista prático sejam de difícil configuração a existência e o funcionamento da sociedade sem esse mandatário. Contudo, a sanção da dissolução de pleno direito incidirá somente após o prazo de cento e oitenta dias, quer tenha sido nomeado administrador provisório, quer não se tenha nomeado tal pessoa.

Se os sócios, nos termos do art. 1.051, parágrafo único, nomearam o administrador provisório, compete aos referidos sócios encontrarem outro sócio, mantendo a pluralidade e a categoria de sócio comanditado. Se não encontrarem outro sócio, após o decurso dos cento e oitenta dias, a sociedade entrará em dissolução, nada importando a presença desse administrador, o qual, evidentemente, não tem a qualidade de sócio comanditado. Se os sócios comanditários, ao reverso, não indicaram administrador provisório, assumindo a gerência da sociedade, ter-se-á sociedade de fato entre eles, como se fosse sociedade coletiva, pesando a responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais. Não existe sociedade em comandita simples irregular porque seus atos devem passar obrigatoriamente por registro, que depois do arquivamento conferirá a qualidade de sócio comanditado e comanditário, ou seja, a qualidade de sócio de responsabilidade limitada aos comanditários, o que somente as sociedades em comanditas simples “regulares” podem ter legalmente. As demais, ou seja, sociedades em comanditas simples que não arquivaram modificações sociais sobre as pessoas dos sócios, se convertem em sociedades coletivas de fato, e qualquer credor pode requerer a falência daquela sociedade em comandita simples sob a qual pesam obrigações e dívidas, aplicando a regra do art. 1.032 do Código Civil, que a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores, e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação. Por isso, no caso que a sociedade fique sem nenhum sócio comanditado e tenha sido feita a nomeação de administrador provisório (representante sem poderes), tal fato exclui a possibilidade de reconhecer na figura dos sócios comanditários a qualidade de representante (com poderes) da sociedade, ainda que exerçam atos de gestão. Da mesma forma, ainda que não tenha sido feita a referida nomeação de administrador provisório, o simples fato de os sócios comanditários assumirem a gestão social não implica ter nesses sócios a qualidade de representantes com poderes da sociedade em comandita simples, mas simplesmente denota que se formou uma sociedade coletiva de fato, na qual todos eles respondem solidária e ilimitadamente.

Na qualidade de credores podem, então, acionar a sociedade judicialmente, e requerer a sua falência, ou seja, da comandita que deveria ter entrado em liquidação, após a dissolução, ou quando, por situação bem orquestrada, os sócios comanditários buscam evitar a dissolução sem indicar outro sócio comanditado. Na verdade, faltando o sócio comanditado, e após o vencimento do prazo de cento e oitenta dias sem a sua substituição, a sociedade deverá entrar em dissolução por impossibilidade de funcionamento. O contrato social assim pode disciplinar, estabelecendo que na falta de sócio comanditado a sociedade se dissolve de pleno direito, derrogando a condição suspensiva referida no art. 1.051, II, do Código Civil. Se os comanditários não excederam suas obrigações, a dissolução da sociedade não lhe acarretará maiores sacrifícios porque na liquidação da sociedade permanece intacta a responsabilidade limitada. No caso de falência da sociedade em comandita simples, a restituição dos valores recebidos como distribuição indevida de lucros se faz mediante a propositura de ação revocatória, com ampla defesa ao sócio que os recebeu.1 Se, por acaso, na liquidação da sociedade os comanditários receberam parcela do patrimônio social (quota) sem solver totalmente o passivo social, os credores sociais que ficaram insatisfeitos podem, até o limite da referida quota, acionar os comanditários para que restituam aos credores aquilo que os comanditários indevidamente receberam do patrimônio social, ressaltando que não é lícito aos credores sociais avançarem além da respectiva quota porque o patrimônio pessoal do sócio comanditário não responde por dívidas sociais.2 Com efeito, encerrada a liquidação, o credor não satisfeito só terá direito a exigir dos sócios, individualmente, o pagamento do seu crédito, até o limite da soma por eles recebida em partilha, e a propor ação por perdas e danos contra o liquidante (art. 1.110, C.C.). Nas comanditas simples, o credor não satisfeito somente poderá exigir, contra o comanditário, o pagamento de seu crédito, até o limite da soma por ele recebida na partilha, propondo contra o liquidante a ação de perdas e danos. Todavia, se o liquidante foi o comanditário, esta ação de perdas e danos não tem lugar, devendo ser julgada improcedente por impossibilidade jurídica do pedido. Nas comanditas, osócio responsável em solver o passivo que ficou a descoberto é o sócio comanditado, seja durante o funcionamento da sociedade, seja na sua liquidação. O credor social que não recebeu na liquidação deve se insurgir contra o patrimônio pessoal do sócio comanditado, que responde ilimitadamente. Contra o sócio comanditário o credor poderá receber somente até o limite da quota que foi lhe entregue, requerendo a sua restituição porque o risco do comanditário é, efetivamente, o de perder a sua quota social, que é garantia dos credores, ao lado do patrimônio pessoal do sócio comanditado.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. III, n. 761, p. 195.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 607.

Capítulo VIII

DA SOCIEDADE LIMITADA

302. Da definição de sociedade limitada

Conforme o art. 1.052 do Código Civil, na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. A principal razão que fundamentou o surgimento da sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi, com efeito, um imperativo econômico: evitar a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios, ou seja, estabelecer um sistema diverso daquele que existe para as sociedades em nome coletivo e comandita simples. Na sociedade comandita simples apenas o comanditário tem responsabilidade limitada. Por conseguinte, foi um imperativo econômico – ou seja, favorecer o aumento do tráfico mercantil, evitando a responsabilidade ilimitada e solidária – que impactou na esfera jurídica, determinando a responsabilidade limitada. A perspectiva histórica do surgimento da sociedade por quotas de responsabilidade limitada – hoje, desde 2002, denominada unicamente por “sociedade limitada” – comprova a assertiva que tem na seara econômica (aumento do tráfico mercantil acrescida da limitação de responsabilidade) a fonte maior do sucesso desse tipo societário. Com efeito, ensina o exímio CUNHA PEIXOTO que a limitação da responsabilidade representa uma evolução do direito no sentido de amenizar a obrigação do devedor – é um imperativo econômico dos tempos modernos.1 Perfeita a ponderação, e a sociedade limitada teve o mérito de inaugurar sistema em que há perfeita divisão de responsabilidades entre o patrimônio social e o patrimônio individual dos sócios, desde que devidamente integralizado o capital social. Diz o saudoso WALDIRIO BULGARELLI que a sociedade por quotas de responsabilidade insere-se entre as sociedades ditas de responsabilidade limitada, quando a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor das suas quotas.2

Sob o regime do Decreto 3.708 de 1919 se dizia: “Sociedade por quotas de responsabilidade limitada” O referido Decreto 3.708 poderia ser considerado perfeito ao conferir ampla liberdade aos sócios na pactuação dos seus interesses societários no contrato social. Ademais, perfeita era a denominação do tipo societário como sociedade por quotas de responsabilidade limitada, quando se denota a existência de um capital dividido em quotas, acrescido da limitação de responsabilidade limitada. Contudo, o Código Civil de 2002, inadvertidamente, resolver alterar as coisas, mudando a denominação desse tipo societário para “sociedade limitada”. Essa expressão é equivocada, quando o seu nome correto deveria continuar sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ou mais resumidamente, nos moldes do Codice Civile de 2002, sociedade de responsabilidade limitada. A expressão sociedade limitada é pouco acertada porque existem outras sociedades limitadas: a sociedade em comandita simples tem sócios com responsabilidade limitada, ou seja, o é uma “sociedade limitada” em relação ao sócio comanditário. Com efeito, o correto seria denominar o tipo societário nos moldes da legislação italiana, como società a responsabilità limitata. Assim, ter-se-á, precisamente, que os sócios reunidos estão atuando com responsabilidade limitada, todos eles. A singela denominação sociedade limitada é confusa até porque a sociedade anônima é uma sociedade “limitada”, no ponto que os acionistas não respondem pelas obrigações sociais. Conquanto tudo isso, por razões metodológicas, neste livro será utilizada a atual expressão normativa, vale dizer, sociedade limitada.

O Código Civil de 2002, observando o Codice Civile de 1942 abriu o capítulo da sociedade limitada seguindo uma noção capitalista dessa sociedade, bem distante das demais sociedades de pessoa. Por conseguinte, interpretando literalmente o texto de 2002, ter-se-á, nos moldes pretendidos pelo legislador, uma sociedade limitada de feição capitalista. Circunstâncias que comprovam essa vertente capitalista da sociedade limitada são as seguintes: disciplina do Conselho Fiscal; deliberação de sócios; administração profissional; resolução da sociedade em relação a sócio minoritário, etc. Portanto, nos termos da lei, a sociedade limitada pode ser considerada uma sociedade capitalista; porém, na realidade dos fatos, são infinitas aquelas sociedades limitadas que ainda mantêm uma feição pessoal, quer seja na administração ou nas suas próprias regras contratuais. Consequentemente, a sociedade limitada tem natureza eclética, por vezes se aproveitando da estrutura capitalista, por vezes se aproximando da vertente pessoal das sociedades. Por bem da verdade, somente o contrato social pode determinar qual será a natureza da sociedade, ou seja, se capitalista ou pessoal. Se o contrato social estabelece Conselho Fiscal, da sociedade participam vários sócios, se o contrato enumera uma séria de hipóteses que na saída, retirada ou exclusão de sócio a sociedade não se dissolve totalmente, ter-se-á sociedade limitada com feição

1 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, Forense, Rio de Janeiro, 1958, vol. I, 2ª ed., p. 40.

2 Sociedades comerciais, cit., p. 115.

capitalista. Porém, se o contrato social é silente sobre o Conselho fiscal, estabelece que em caso de falecimento ou retirada de sócio a sociedade se dissolve totalmente, ter-se-á sociedade limitada com feição pessoal. Situação que comprova essa condição advém do próprio texto normativo, ao dizer: A sociedade limitada rege-se, nas omissões legislativas, pelas normas da sociedade simples. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Cabe ao contrato social, primeiro, direcionar a regência da sociedade anônima, em todas as questões derivantes da interpretação do próprio contrato social, bem como do funcionamento da sociedade. Por conseguinte, a Lei 6.404/76 é supletiva da disciplina jurídica das sociedades limitadas e não unicamente do contrato social. Se o contrato social elencar a Lei 6.404/76 na qualidade de regra supletiva, todas as relações jurídicas da sociedade, dos sócios e dos administradores estarão, em caráter subsidiário, sob o império da lei acionária, e não somente o contrato social. Ao contrário, se o contrato for silente, ao estabelecer que supletivamente se aplica o regramento da sociedade simples, ter-se-á, então, sociedade limitada de matiz pessoal, e o capítulo da sociedade simples servirá como elemento subsidiário sobre todas as relações jurídicas da sociedade e sócios naquilo que for compatível. Por exemplo: a sociedade limitada pode contratar diretores não-sócios para administrar a sociedade, mas essa prática é impossível na sociedade simples. Ainda que nesse contrato social não se estabeleça regramento supletivo da Lei 6.404/76, será válida a contratação de diretores nessa sociedade, porque na limitada se aplicam as regras da sociedade simples somente quando ocorrerem omissões. Neste caso é o contrário: não há omissão, e sim expressa disciplina normativa autorizando a contratação de diretores na sociedade limitada. Esses diretores terão os mesmos deveres e responsabilidades que os sócios, diante da sua semelhança administrativa com a sociedade simples, mas obviamente não são considerados juridicamente como sócios e também não incorrem na responsabilidade ilimitada, desde que o ato administrativo observe os requisitos legais do art. 1.015 do Código Civil.

Com efeito, fica evidente a complexa definição da sociedade limitada. Por vezes, tem-se sociedade limitada como verdadeira sociedade de capital e noutras vezes tem-se sociedade limitada como verdadeira sociedade de pessoas. Nas questões interpretativas sobre a sociedade limitada sigo, totalmente, a doutrina de ANTONIO BRUNETTI, com as adaptações contemporâneas diante da realidade negocial. Do ponto de vista explicativo, é de manifesta importância observar aquilo que o mestre ensinou, afirmando que: nos termos do Código de 1942, o sistema societário se dividiu da seguinte forma: a) grupo das sociedades de pessoas, constituído pelas sociedades: simples; em nome coletivo e em comandita simples; b) grupo das sociedades de capitais, constituído das sociedades: por ações; em comandita por ações; e sociedade de responsabilidade limitada; c) grupo das sociedades cooperativas, constituído das cooperativas de responsabilidade limitada e ilimitada.1 Neste passo, a sociedade limitada entra na categoria de sociedade de capital, que se diversifica das sociedades de pessoas pelas razões já aventadas. A sociedade tem responsabilidade limitada às quotas integralizadas: esse é o imperativo econômico que explicava CUNHA PEIXOTO. A garantia dos credores passou a ser, unicamente, o patrimônio investido na sociedade, e isso em favor de todos os sócios, e não apenas de alguns (comanditário; oculto). Por isso a definição da lei antiga era perfeita, ao dizer: sociedade de responsabilidade limitada, ou seja, sociedade com sócios que respondem somente pelo capital investido, não se perquirindo responsabilidade subsidiária pelos atos negociais em nome e por conta da sociedade. A responsabilidade é limitada às quotas, sem qualquer vínculo de garantia sobre o patrimônio individual dos sócios, e, por conseguinte, essa sociedade se distancia, por completo, do regime de administração das sociedades de pessoas, nas quais a responsabilidade é sempre ilimitada, não tendo que se falar em beneficium ordinis et excussionis.

O Decreto 3.708/19 foi perfeito em sua redação, outorgando amplíssima liberdade aos sócios para regrarem seus interesses societários: essa foi a razão do seu sucesso como texto normativo e da sua imediata aceitação prática. Infinitas foram as sociedades limitadas constituídas sob seu império, e todo o país se desenvolveu economicamente, em grande parte ao sucesso das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, que foi, também, o sucesso do Decreto 3.708/19. Do ponto de vista interpretativo, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada se assemelhavam às sociedades em nome coletivo, ao passo que o referido Decreto 3.708/19 estabelecia no art. 3º que: As sociedades por quotas de responsabilidade limitada adotarão uma firma ou denominação particular. A firma, quando não individualiza todos os sócios, deve conter o nome ou firma de um deles, devendo a denominação, quando possível, dar a conhecer o objetivo da sociedade. A firma ou denominação social deve ser sempre seguida da palavra limitada. Omitida esta declaração, serão havidos como solidária e ilimitadamente responsáveis os sócios-gerentes e os que fizerem uso da firma social. Assim, para fins de responsabilidade, seria considerada sociedade em nome coletivo aquela sociedade por quotas constituída e que não fizesse constar o termo limitada, quando presente a firma social. Sob o império do Decreto 3.708/19, o título constitutivo regular-se-á pelas disposições dos artigos 300 a 302 e seus números do Código Comercial, devendo estipular ser limitada a responsabilidade dos sócios à importância total do capital social.

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, pp. 3/4.

CUNHA PEIXOTO já afirmava que “o contrato social deve ser bem claro, adotando as normas da sociedade em nome coletivo ou a forma anônima. Neste último caso, deve-se estabelecer norma para a constituição e dissolução da sociedade, convocação do Conselho Fiscal, etc.”.1

A lei das sociedades por quotas de responsabildidade limitada inaugurou, em 1919, sistema acertadíssimo do ponto de vista jurídico e que abriu espaço para o enorme crescimento econômico do país nas suas décadas subsequentes. Com isso se quer dizer que não era necessária nenhuma reforma sobre o Decreto 3.708/19, e o Código Civil de 2002 somente fez baralhada sobre esse tipo societário. Na verdade, se isso aqui fosse um país com história decente, estar-se-ia em 2002 não propugnando a revogação do Decreto 3.708/19, mas já se preparando as festanças para a comemoração dos seus cem anos de existência, que não tardariam em chegar de maneira veloz. Mas o que vale nesse país são as leis “novas”, as aberrações jurídicas de toda ordem, as infindáveis reformas legislativas, etc. O Decreto 3.708/19, bem sabendo que o novo tipo societário ganharia enorme sucesso econômico como modelo societário, estabelecia que “serão observadas quanto às sociedades por quotas de responsabilidade limitada, no que não for regulado no estatuto social e na parte aplicável, as disposições da lei das sociedades anônimas”, nos termos do seu revogado art. 18. Com isso se entende que a sociedade limitada – antiga por quotas de responsabildade limitada – teve como sua primordial função a constituição de um sistema jurídico que possibilitasse a confluência dos interesses econômicos e do tráfico mercantil e, na prática, funcionaria como uma adaptação da sociedade anônima. Com o advento do Código Civil de 2002, por mais que sejam expressas as regras da sociedade limitada, ainda assim o contrato social deve ser bem claro, afastando ou mandando aplicar, subsidiariamente, a Lei 6.404/76, em regência supletiva. No seu silêncio, serão aplicadas, subsidiariamente, as regras da sociedade simples. Se expresso o comando, mandando aplicar em regência supletiva a Lei 6.404/76, a sociedade limitada terá matiz capitalista. O art. 2.462 do Codice Civile estabelece que: nella società a responsabilità limitata per le obbligazioni sociali risponde soltanto la società com il suo patrimonio. Assim, se determina a responsabilidade do patrimônio social pelas dívidas sociais, sem se perquirir sobre a responsabilidade individual dos sócios. Essa responsabilidade dos sócios terá lugar somente no caso de não integralização do capital social. Na prática jurídica italiana, a categoria das sociedades organizadas sobre a base capitalista compreende as sociedades por ações; sociedade limitada e a sociedade em comandita por ações. Sociedades por ações e sociedades limitadas têm como elemento comum o sistema da responsabilidade, mas, com a recente reforma societária na Itália (Decreto Legislativo 6 de 17 de janeiro de 2003), a sociedade por ações é direcionada, fundamentalmente, aos investimentos de capital e com a participação de terceiros investidores, com as sociedades abertas ao mercado público de ações, ou seja, com um esquema das corporações, enquanto a sociedade limitada ficou, fundamentalmente, como tipo societário escolhido para os interesses não financiários, mas tipicamente empresariais. A consequência é evidente: aos sócios nas sociedades limitadas são reconhecidos poderes e controles específicos sobre a atividade administrativa da sociedade, a qual dispõe de amplíssima autonomia contratual.2

Com acerto, afirma WALDIRIO BULGARELLI que a criação da sociedade limitada foi necessária para que os empresários dispusessem de um tipo de sociedade intermédia, para a pequena e média empresa, quando, contando a prerrogativa da responsabilidade limitada e da personalidade jurídica, não se impusessem, em contrapartida, as obrigações e ônus característicos das sociedades por ações, até então o único tipo que conferia aos sócios e à sociedade esses dois fatores de enorme importância, quais sejam, a responsabilidade limitada e a personalidade jurídica. A primazia da criação legislativa desse tipo societário coube à Alemanha, com a lei de 20 de abril de 1892, ainda que bastante semelhante com a private company inglesa.3 Com efeito, na minha perspectiva, a sociedade limitada é tipo societário misto e eclético, que tem como natureza a correlação entre as vertentes da sociedade de capital com aquelas da sociedade de pessoas. Por isso, perfeita era a disciplina do Decreto 3.708/19, que estabelecia a confluência entre os interesses dos sócios, na medida da organização da sociedade, por vezes próxima, da sociedade de capital, por vezes próxima, da sociedade de pessoas. Por isso, é equivocado o Código de 2002 estabelecer, como regra geral, a expressão deliberação dos sócios, sobre determinadas matérias (art. 1.071), quando mera reunião de sócios supriria, do ponto de vista jurídico, a matéria, com idênticos efeitos. Parece que o legislador de 2002 bem sabe disso, tanto que “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas” (art. 1.072, § 3º). As reformas pelas quais passou o Codice Civile de 1942, entre elas sobre as sociedades de capitais e a de 2003, acarretaram uma modificação da perspectiva de estudo sobre a sociedade limitada, não vista mais como mero desdobramento da

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 47.

2 FERRI, Manuale, cit., pp. 259/260.

3 Sociedades comerciais, cit., pp. 116/117.

sociedade anônima, mas como tipo societário autônomo, e com interesses específicos, algumas vezes conflitantes com a disciplina prevista para as sociedades por ações.

A melhor doutrina afirma com exatidão que “in questo senso la riforma delle società di capitali supera decisamente l’assetto normativo che risultava nella disciplina originaria del codice del 1942, ove la società a responsabilità limitata corrispondeva in buona parte alla anônima per quote prevista nel codice di commercio del 1882, e segue il modello più diffuso sul piano comparatistico, quello quello che a tale tipo societario assegna una collocazione in certo modo intermédia tra società di persone e società di capitali: la sua disciplina, in quanto disciplina legale, conserva molteplici profili di convergenza con quella delle seconde, ma l’autonomia stattutaria può adottare soluzioni organizzative che nel caso concreto possono coincidere com quelle delle prime”.1

Com efeito, do ponto interpretativo, então, deve-se ter a natureza da sociedade limitada como mista, entre a sociedade de capital e a sociedade de pessoas. Porém, isso não impede as críticas sobre o Código Civil de 2002, e, ao contrário, podem ser reafirmadas: a) o Código Civil de 2002 segue o modelo societário na sociedade limitada do Codice Civile de 1942, o qual na referida reforma consagra a sociedade limitada como tipo societário híbrido, sem ter na limitada uma “pequena” sociedade anônima, com o capital dividido em quotas; b) esse sistema de 1942, seguido pelo legislador pátrio de 1942, não se coaduna com a prática societária brasileira, que na imensa maioria das vezes tem na sociedade limitada um tipo societário muito próximo ao sistema jurídico das sociedades de pessoas, notadamente sobre a administração, sucessão e dissolução; c) o Decreto 3.708/19 era perfeito porque, desde aqueles tempos, já consagrava esse hibridismo da sociedade limitada, levando em consideração sua correlação dos interesses do capital e com os interesses individuais dos sócios, sem que isso acarretasse nenhuma ruptura sobre o conceito de sociedade, e, ao revés, era essa a sua própria natureza jurídica. Desta feita, ainda com o Código de 2002, e bem sabendo da feição capitalista que a sociedade limitada tem nesse texto normativo, a via acertada é ter a sociedade limitada, no que se refere ao seu fundamento, como de natureza mista, e assim devem ser interpretados os temas de administração ordinária e extraordinária; responsabilidade dos sócios e administradores; e dissolução, dentre outros. O sucesso do regramento da sociedade por quotas de 1919 decorre dessa sua própria flexibilidade em se adaptar aos interesses dos sócios, quando da redação do contrato social, o que, espera-se, tenha continuidade com o Código Civil de 2002. Antigamente, ou seja, com o Decreto 3.708/19, a sociedade limitada ora entrava na qualificação de sociedade de pessoas, ora na sociedade de capitais, e ora como tipo autônomo dos demais, tudo isso em decorrência da sua perfeita adaptação aos interesses dos sócios. A falta de casuísmos e seu lado flexível e híbrido foram a chave do seu sucesso.2 Parece que a reforma societária italiana ocorrida recentemente foi na direção daquilo que já estava bem consolidado na prática societária pátria das sociedades limitadas, ou seja, oferecer um tipo societário com natureza flexível, com responsabilidade limitada e personalidade jurídica, sem que desta feita tivesse que ter nesso tipo societário um desdobramento da sociedade anômina.

De uma forma ou de outra, ou seja, com o Decreto 3.708/19 e o Código Civil de 2002, tem-se na sociedade limitada, na perspectiva de interpretação, que se levar em conta que esse tipo societário busca oferecer aos empresários uma excelente escolha dentre aquelas formas de organização empresarial societária, quando a responsabilidade limitada é o fator decisivo, ao lado da liberdade de pactuação entre os sócios, ou seja, da plena e ampla autonomia contratual dos sócios na redação do contrato social, ao passo de serem consideradas todas as cláusulas que não colidam com a ordem pública. Ademais, a sociedade limitada é tipo societário voltado ao sistema produtivo e de prestação de serviços, sob a forma de empresa, com o desempenho de atividade empresarial, bem sabendo que é o tipo perfeito para as pequenas e médias atividades empresariais. Com isso, tem-se a confluência dos interesses em questão: a) liberdade contratual dos sócios em regularem seus interesses; b) responsabilidade limitada e personificação de patrimônio; c) administração social levada a efeito pelos sócios ou diretores. Desta feita, a sociedade limitada pode ser definida como tipo societário misto entre a sociedade por ações e as sociedades de pessoas do ponto de perspectiva da confluência da responsabilidade limitada existente na primeira e a ampla liberdade contratual e administrativa que é característica das segundas, possibilitando o crescimento do tráfico mercantil e empresarial. Nesta esteira, o contrato da sociedade limitada entra na esfera dos contratos plurilaterais de maneira decisiva, na disciplina das múltiplas relações jurídicas existentes entre os sócios e a sociedade; entre a sociedade e terceiros; entre os sócios e eles próprios; de tal maneira que essa regulação de interesses determine a formação da própria vontade social. A pacta sunt servanda e a certeza do direito contratual são as únicas garantias da paz social: desta feita, na interpretação do contrato social das sociedades limitadas devem-se ter em grande monta os interesses dos sócios, sua forma de manifestação e a própria finalidade da atividade empresarial, bem como a aplicação de princípios interpretativos específicos, para que assim se alcance a justiça, e, algumas vezes, também possa corrigir o texto frio e literal da lei.

1 FERRI, Manuale, cit., p. 260.

2 Sociedades comerciais, cit., p. 119.

303. Da origem histórica das sociedades limitadas

No ordenamento jurídico do país a sociedade limitada foi disciplinada, inicialmente, pelo Decreto 3.708/19, que teve como fonte a legislação alemã. Como assevera CUNHA PEIXOTO , a Alemanha foi o primeiro país que legislou, especialmente, sobre as sociedades de responsabilidade limitada, com a lei promulgada em 20 de abril de 1892 pelo Imperador Guilherme II. Em seguida, foi Portugal que fez publicar, em 11 de abril de 1901, lei especial sobre esse tipo de sociedade, com a denominação de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, ao passo que “a lei portuguesa filia-se ao sistema alemão, aliás a única lei, especificadamente sobre a matéria, que existia naquela época”.1

Com efeito, na Inglaterra a private company corresponde, de certa forma, ao tipo continental da sociedade limitada, porém com decisiva natureza capitalista. Para o Companies Act de 30 de junho de 1948, a private company era uma forma particular de sociedade por ações na qual, contrariamente às public Companies, predomina o caráter privado. Desta feita, disciplinada na mesma lei das “sociedades por ações” (Companies Act de 1948), a private company inglesa se diferenciou claramente do modelo previsto na legislação alemã, que teve, na sociedade limitada, tipo societário intermédio entre a sociedade anônima e a sociedade em nome coletivo. Assim, a private limited, diferentemente da partnership (sociedade coletiva), é sempre uma pessoa jurídica (corporation).2 Como afirma WALDEMAR FERREIRA , desde muito se sentiu na Alemanha a necessidade da criação de forma societária em que ficassem limitados os riscos dos sócios à soma dos capitais investidos: desta feita, criou-se na Alemanha, nos moldes do sistema inglês, a sociedade limitada, por força da lei de 29 de agosto de 1892 (Gesellschaft mit Beschranker Haftung –GMBH), e modificada em alguns pontos pela lei de Introdução ao Código de Comércio, de 10 de maio de 1897, teve nova redação em decorrência da lei de 20 de maio de 1898.3 O sistema da legislação alemã foi instituir uma sociedade que ficasse entre a sociedade coletiva e a sociedade anônima, aproveitando desta a limitação de responsabilidade, e da sociedade coletiva, tanto a forma administrativa, mas, principalmente, direcionada aos investimentos da classe econômica emergente, ou seja, famílias endinheiradas e que não queriam, com o despertar da industrialização alemã, correr os riscos da responsabilidade ilimitada, típica da sociedade coletiva.

Com efeito, o despertar da industrialização e do sistema capitalista da Alemanha, agregado ao fato da necessidade de investimentos seguros, fez nascer esse tipo societário, fruto do brilhante trabalho do legislador alemão. Com a sociedade limitada se conseguiu estabelecer o equilíbrio entre a força dos capitais e o interesse dos sócios, com ampla liberdade na contratação da sociedade, com plena autonomia financeira e administrativa, sem a obrigação de cumprir as várias exigências das sociedades anônimas.

Por conseguinte, esse fator é decisivo para ter a sociedade limitada como fenômeno jurídico societário intermédio na confluência das premissas da sociedade anônima (limitação de responsabilidade) e a sociedade em nome coletivo (natureza familiar na administração e de interesses sociais específicos), essa a maior razão do sucesso desse tipo societário. Por certo, foi a conjugação desses aspectos, ou seja, de interesses econômicos da industrialização alemã, com o incremento do sistema capitalista de produção e acumulação de riqueza, que justificou o surgir desse tipo societário. A sociedade limitada é, com efeito, fruto de uma exigência do capitalismo moderno, que fez fortuna e criou as maiores riquezas da história dos povos, ao lado das sociedades anônimas.

Outro aspecto fundamental na sociedade limitada foi a personificação patrimonial. Conhecida dos ingleses por corporation, a limitação da responsabilidade ao capital investido é na verdade a consequência lógica da dissociação entre patrimônios. Com a personificação desse patrimônio, acrescido do fato de que os credores somente podem se pagar sobre as quotas investidas, tem-se que a sociedade limitada é, do ponto de vista patrimonial, instrumento jurídico societário completamente diverso dos seus sócios. Nas sociedades de pessoas, com efeito, a responsabilidade ilimitada é consequência da própria estrutura obrigacional, ao lado da patrimonial. Na sociedade coletiva, a firma social obriga a sociedade e os demais sociais, bem sabendo que a obrigação de pagamento é do sócio: tanto é verdade que esse sócio tem o direito do beneficium ordinis et excussionis. Na sociedade coletiva o sócio é o principal garante da obrigação assumida pela sociedade, fato esse que, obviamente, não se manifesta na sociedade limitada. A fonte do Decreto 3.708/19 foi a lei alemã, como tipo autônomo de sociedade, e não mero desdobramento da sociedade anônima. Essa foi uma das razões do sucesso do antigo Decreto 3.708/19, das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, ou seja, desde o seu surgimento já firmou suas raízes no ordenamento jurídico, o que possibilitou aos interessados ampla liberdade na constituição desse tipo de sociedade. Por seu turno, o Código Civil de 2002 foi na outra direção, em ter na sociedade limitada um desdobramento das regras da sociedade anônima. O mais interessante é que a própria

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., pp. 15/16.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, pp. 17/27.

3 Instituições, cit., vol. I, t., II, p. 569.

legislação italiana, com as reformas respectivas, acentuou o caráter autônomo da sociedade limitada, diferentemente daquilo que ocorria quando e por conta da edição do Codice Civile de 1942. O Decreto 3.708/19 atendeu perfeitamente aos interesses do comércio, servindo como instrumento societário de primeira grandeza na edificação da prática societária brasileira, bem como da aplicação justa e correta na intepretação dos contratos sociais pelos tribunais.

WALDIRIO BULGARELLI já afirmava que “essa lei, que como já frisamos é bastante sucinta, apesar das críticas que mereceu e ainda recebe de muitos autores, serviu como uma luva à pequena e média empresa brasileira, e continua a sua marcha com grande sucesso, embora gere, como é natural, uma série de problemas, os quais, porém, via de regra, vêm sendo resolvidos sem maiores dificuldades pela nossa jurisprudência”.1

Com efeito, nos ensinamentos de MODESTO CARVALHOSA , as sociedades limitadas preencheram uma lacuna até então existente no ordenamento jurídico, decorrente dos particularismos das sociedades de pessoas e de capitais, encontrando, assim, sua posição de tipo societário autônomo: foi justamente a flexibilidade do Decreto 3.708/19, bem como seu laconismo, que acarretaram o sucesso desse tipo de sociedade, imprimindo-lhe agilidade e autonomia nas relações particulares atendendo aos interesses dos sócios.2 Muito se discute na doutrina se o Projeto de Nabuco de Araújo de 1865, feito à semelhança da prática societária inglesa da private company, pode ser considerado como a primeira tentativa societária de total limitação de responsabilidade, ou, se por outro lado, essa primeira tentativa de limitação se deu no Projeto de Código Comercial de Inglês de Souza.

O entendimento doutrinário de WALDIRIO BULGARELLI , MODESTO CARVALHOSA E SYLVIO MARCONDES é que a primazia esteve com o Projeto de Inglês de Souza. Então, não cabe discutir, e cumpre seguir o ensinamento dos mestres. Por sua vez, o Decreto 3.708/19 teve influência primordial da legislação portuguesa, a qual foi inspirada na legislação da Alemanha. Então, até o advento do Código Civil de 2002 a origem histórica da lei de sociedade limitada era essa, ou seja, alemã. Com a chegada do Código de 2002 a principal influência legislativa passou a ser o Codice Civile de 1942. Em suas origens no direito continental, a sociedade limitada surgiu como fonte alternativa às sociedades anônimas, ou seja, para os empreendimentos que não necessitavam de emissão de valores mobiliários, e que também não fazia necessário o cumprimento de todas as formalidades de subscrição típicas das sociedades por ações. As sociedades limitadas eram e ainda são nitidamente familiares, pelo menos na sua imensa maioria, ainda que existam grandes sociedades limitadas de participação. A sociedade limitada é uma sociedade híbrida que em certas condições e características pertence à categoria das sociedades de pessoas e, de outra parte, às sociedades de capitais. Essa natureza híbrida é importantíssima para a interpretação do contrato social da sociedade limitada, bem como de sua disciplina normativa. JEAN VAN RYN alertava que a natureza híbrida da sociedade limitada obriga a recorrer, de vez em vez, aos princípios de uma ou de outra das categorias de sociedade, ou seja, entre a de sociedade de pessoas e a de sociedade de capitais, com a finalidade de interpretar e preencher as lacunas da lei. Essa situação é determinante na interpretação, diante do caso específico, nas hipóteses de cessão das quotas, administração da sociedade, funcionamento dos órgãos sociais, deliberações sociais, dissolução, liquidação, etc., ao passo que: “C’est une société hybride, qui, par certains caractères, appartient au groupe des sociétés de capitaux, mais, par d’autres, se rattache aux sociétés de personnes.”3

Com efeito, ainda que as regras previstas pelo atual Código Civil no capítulo da sociedade limitada sejam amplas e gerais, procurando estabelecer o tipo societário como autônomo, o matiz interpretativo deve levar em consideração o caso específico. Com isso se quer dizer que somente uma atenta análise ao contrato social e ao funcionamento da sociedade é que determina se aquela sociedade limitada tem natureza pessoal ou capitalista. Desta feita, não raro será encontrarem sociedades limitadas que se inserem entre essas duas categorias, ou seja, de natureza híbrida. Para encontrá-las basta verificar o funcionamento dos grupos empresariais familiares, que por ocasião da fundação da sociedade eram eminentemente uma sociedade limitada, mas, com o passar dos anos, a chegada de novos familiares na condução dos negócios sociais, a profissionalização da administração e outras características, bem como a própria formação do grupo societário, acarretam a inclusão da sociedade limitada entre a sociedade coletiva e a sociedade anônima: bem sabendo que é esse seu hibridismo que lhe confere a qualidade de tipo societário autônomo. Portanto, como tipo societário, a sociedade limitada tem que ser interpretada conforme o contexto da realidade do caso em questão: não é possível a elaboração de uma dogmática específica para a sociedade limitada, sem se ter em consideração as ponderações interpretativas das sociedades simples e das sociedades anônimas, que interferem na formação da vontade social, quando da elaboração do contrato social e do próprio funcionamento da sociedade.

1 Sociedades comerciais, cit., p. 121.

2 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 4.

3 Principes de droit commercial, t. II, pp. 4/5.

A dogmática sobre a sociedade simples, melhor dizendo, deve ter em consideração essas duas circunstâncias que: a) ora a sociedade limitada se aproxima das sociedades coletivas; b) ora a sociedade limitada se aproxima das sociedades anônimas – sem que dessa forma ocorra qualquer dubiedade sobre a natureza do instituto, mas que, ao revés, reforce a sua natureza. Se determinada sociedade limitada tem matiz pessoal, essa será a sua natureza, e nas omissões da lei terá aplicação a disciplina da sociedade simples; se, ao reverso, determinada sociedade limitada tem matiz capitalista, essa será a sua natureza, e seria aconselhável que o contrato social estabelecesse a regência supletiva da lei das sociedades anônimas para dirimir conflitos e, principalmente, ao interpretar o contrato social. Com efeito, a origem histórica da sociedade limitada é importante porque é sobre esse aspecto que pode ser elaborada a dogmática que permite a interpretação do contrato social: sabendo que a sociedade limitada é tipo societário híbrido, que tem correlação com as sociedades de pessoas e com as de capitais, poder-se-á ter em consideração que sua natureza determina a sua constituição, funcionamento e interpretação. Neste passo o Decreto 3.708/19 deixou saudades pelo seu aspecto flexível, ao contrário do regramento do Código de 2002. Contudo, as regras interpretativas e a construção jurisprudencial do país continuam, ainda, fundamentais ao bom entendimento da matéria, e devem ser aplicadas, sem que a chegada da lei de 2002 acarrete a ruptura do sistema societário, notadamente nas sociedades limitadas.

O que se quer dizer é que para o Código Civil de 2002 a sociedade limitada seria uma “sociedade anônima modificada” ou uma “sociedade anônima simplificada”. Essa técnica legislativa é bastante discutível e discrepa das origens da sociedade limitada vigente até a chegada do referido código. Antes, com o Decreto 3.708/19 o país se enfileirava, nitidamente, no sistema jurídico de origem alemã, consubstanciado na profunda diferença entre a sociedade anônima (Aktiengesellschaft) e a sociedade limitada (G.m.b.H). O Codice Civile de 1942 seguiu o sistema inglês, e tem na sociedade limitada (private company) um mero desdobramento da sociedade anônima (public company). A legislação italiana de 1942 seguiu essa tendência, distanciando-se do sistema germânico da sociedade limitada. Esta circunstância se comprova nas palavras do eminente ANTONIO BRUNETTI, ao afirmar que “abbiamo già detto che la nostra società fu concepita dal codice de 1942 come sottospecie della società per azioni particolarmente adatta alle imprese di modeste dimensioni senza che per questo sia escluso il suo impiego nelle imprese maggiori”.1 Na Itália, a sociedade limitada é vista como sociedade de capital, distinta das sociedades de pessoas, ao menos até a reforma de 2003. Causa espécie que o legislador pátrio, em 2002, resolveu, de maneira atabalhoada, alterar o sistema das sociedades limitadas: passando de um regramento extremamente aberto e híbrido para um sistema capitalista e “institucional” das sociedades limitadas, bem sabendo que esse sistema previsto na Itália de 1942 já passou por revisão, e a sociedade limitada acabou assumindo sua feição pessoal e de organização empresarial de várias dimensões. O Código Civil de 2002 não conseguirá inverter a ordem das coisas: a sociedade limitada é essencialmente contratual e o regramento dos interesses dos sócios opera de maneira ampla.

Bem posicionado é o entendimento de MARIA HELENA DINIZ, ao explicar que “há certa preponderância do contratualismo sobre o institucionalismo organizativo, uma vez que o contrato social definirá o cunho personalista ou capitalista da sociedade limitada. Os sócios, no contrato social, deliberarão se a sociedade limitada será de pessoas ou de capital”. 2

Com efeito, várias das regras previstas pelo Código Civil, no capítulo da sociedade limitada, podem ser derrogadas por vontade das partes, notadamente sobre a administração da sociedade, cessão das quotas e causas de dissolução total da sociedade: desta feita, a vontade dos sócios prepondera, e lhes compete cuidar dos seus interesses na medida em que não ofendam a ordem pública. Nesse postulado está que societas est contractus quo inter aliquos res aut operae communicantur lucri in communi faciendi gratia, o predomínio da vertente pessoal da sociedade limitida tem lugar em várias circunstâncias administrativas da entidade social, ainda que tenha natureza híbrida. Somente quando o contrato social estabelecer, expressamente, que a Lei 6.404/76 tem vigência supletiva é que se estará na direção de uma sociedade limitada com feição capitalista e, portanto, com perfil organizacional e funcional mais amplo, correlacionado à perspectiva institucional. Não se pode fazer baralhada: a Lei 6.404/76 somente terá regência supletiva sobre a sociedade limitada devidamente constituída se o seu contrato social invocar expressamente essa regência supletiva. Tudo que se disser ao contrário fere, mortalmente, o espírito da reforma de 2002. Na verdade, se o contrato social for silente, em hipótese alguma a Lei 6.404/76 terá regência supletiva sobre a sociedade limitada. A disciplina da sociedade limitada, nas suas omissões, se resolve pelas regras das sociedades simples; mas o principal aspecto é que a sociedade limitada, conforme disciplina o Código de 2002, representa e constitui um tipo societário especial, com regramento exaustivo e completo sobre a matéria, ficando, como se disse, nas suas eventuais omissões, solucionadas pela aplicação das regras das sociedades simples.

1 Trattato, cit., vol. III, p. 36.

2 Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, vol. 8, 2008, p. 309.

Somente os sócios podem invocar a Lei 6.404/76, na qualidade de regência supletiva. Assim é porque o Código de 2002 tem na sociedade limitada um mero desdobramento da sociedade anônima e, por isso, seria, conforme a vontade dos sócios, aplicável a lei acionária, por expressa manifestação de vontade. A sociedade simples é o protótipo das sociedades e dentro desse protótipo cabem, respeitadas as particularidades de cada tipo societário, as sociedades: em nome coletivo, em comandita simples e a sociedade limitada, com a exceção se assim não desejarem os sócios, os quais podem, unicamente no caso da sociedade limitada, elencar como sendo a sua sociedade protótipo da sociedade anônima, respeitadas as particularidades de cada um desses tipos societários. Com efeito, a origem da sociedade limitada, ou seja, o seu matiz híbrido se materializa no art. 1.053 do Código Civil. Assim, a sociedade simples será o protótipo da sociedade limitada, por força do caput do art. 1.053; e a sociedade anônima será o protótipo da sociedade limitada, por força do parágrafo único do art. 1.053. Se o contrato social é silente, entende-se que houve aceitação tácita pela regra geral do caput do art. 1.053 e presume-se a renúncia à aplicação da Lei 6.404/76; neste caso a sociedade limitada será assemelhável às sociedades de pessoas naquilo que for aplicável. Os artigos 1.052-1.086 do Código Civil formam o substrato normativo da sociedade limitada: cabe aos sócios resolverem, quando da constituição da sociedade, se nas omissões desses artigos terão vigência as regras da sociedade simples ou, se ao contrário, a Lei 6.404/76 terá regência supletiva no que for aplicável. Portanto, os artigos 1.052-1.087 formam o estatuto da sociedade limitada, que contém regras que podem ser derrogadas pelos sócios quando da elaboração do contrato social, principalmente nos casos de: cessão das quotas, administração disjuntiva ou conjunta, hipóteses de dissolução total da sociedade. Se esse estatuto for omisso em qualquer aspecto e se manifestarem uma lacuna e antinomias aparentes ou reais, entrará em vigor a regra do art. 1.053 do Código Civil: a) se o contrato for silente, serão aplicadas as regras da sociedade simples com a finalidade de solucionar essas lacunas e antinomias; b) se o contrato social for expresso em estabelecer a aplicação das regras da sociedade simples no caso de lacunas ou antinomias, terá lugar a vigência do regramento da sociedade simples para resolver essas lacunas e antinomias; c) se o contrato expressamente invocar a regência supletiva da Lei 6.404/76, será essa a lei aplicável para resolver os conflitos, lacunas e antinomias do estatuto da sociedade limitada (artigos 1.052-1.087), bem como para resolver os conflitos, lacunas e dissídios entre os sócios, decorrentes do contrato social, ressaltando que a aplicação da Lei 6.404/76 é sempre supletiva e nunca em primazia, o que faz por concluir que, em primeiro lugar, o intérprete tem que buscar no próprio regramento da sociedade limitada a forma de solução do conflito, e, posteriormente, se inexistente aquela, se socorrer da Lei 6.404/76. Com efeito, está comprovado: primeiro, o caráter híbrido da sociedade limitada, assim como previsto no Código Civil; segundo, que a sociedade limitada terá, por conta dessa sua natureza híbrida, formas de solução de conflitos atinentes a cada caso, levando sempre em consideração fatores de ordem empírica, para se verificar, com exatidão, a situação do caso em si; terceiro, que a regência supletiva da Lei 6.404/76 tem que ser invocada expressamente pelos sócios quando da constituição da sociedade, e se não o fizerem terá vigência o regramento da sociedade simples, sempre naquilo que for compatível com a sociedade limitada. Desta feita, têm-se como bem posicionados os interesses que governam a constituição da sociedade: em todos os casos, a sociedade limitada tem evidente conotação contratual, e em decorrência desse matiz contratual é que somente os sócios podem estabelecer e concluir pela aplicação desse ou daquele sistema, vale dizer, do protótipo da sociedade simples ou do protótipo da sociedade anônima. A confluência dos interesses dos sócios, já na formação inicial da vontade social, é fator determinante sobre a natureza da sociedade limitada em si, ou seja, como contrato plurilateral e de finalidade econômica e lucrativa, que, por conseguinte, entra na esfera de direito privado, quando menos na sua formação e estruturação. Com efeito, em sede societária tem lugar, em grande parte, a esfera da pacta sunt servanda, como manifestação de vontade de pessoas capazes, diante de um objeto lícito e com finalidade comum. Contra essa vontade social somente a ordem pública pode imperar. Por conseguinte, a Lei 6.404/76 terá vigência, na qualidade de regência supletiva, somente quando invocada expressamente pelos sócios no contrato social, e, neste passo, se estabelecerá, também, a natureza capitalista dessa sociedade. Ainda que determinada a natureza capitalista da sociedade limitada, tem aplicação, primeiramente, o estatuto da sociedade limitada (artigos 1.052-1.087) como tipo societário autônomo, e, posteriormente, terá vigência supletiva a Lei 6.404/76. Ainda que determinada a natureza pessoal da sociedade limitada, terá aplicação, primeiramente, o estatuto da sociedade limitada (artigos 1.052-1.087), e, posteriormente, somente nas suas omissões é que terá aplicação o regramento da sociedade simples.

304. A sociedade limitada pode ter firma social

O Decreto 3.708/19 estabelecia que as sociedades por quotas de responsabilidade limitada adotarão uma firma ou denominação particular. A firma, quando não individualiza todos os sócios, deve conter o nome ou firma de um deles, devendo a denominação, quando possível, dar a conhecer o objetivo da sociedade. A firma ou denominação social deve ser sempre seguida da palavra limitada. Omitida esta declaração, serão havidos como solidária e ilimitadamente responsáveis os sócios-gerentes e os que fizerem uso da firma social (art. 3º). Nos termos do Código Civil (art. 1.054), o contrato mencionará, no que couber, as indicações do art. 997 e, se for o caso, a firma social.

CARVALHO DE MENDONÇA já afirmava que “se a firma não contém mais de um nome ou se o nome não se acha aditado com a fórmula que denuncia a existência da sociedade, faz acreditar que se trata da firma de comerciante singular, pessoa natural, único responsável pelas obrigações contraídas”.1

Por essa razão que o Decreto 3.708/19 exigia que a firma social viesse seguida da expressão “limitada”, fato que por si só informa ao público em geral a existência de sociedade e que aquela firma não é a de empresário individual. A firma social, devidamente inscrita no Registro das Empresas, derivante do contrato social, tem proteção jurídica, e não pode ser utilizada por terceiros, sob as penas da lei. A inscrição acarreta a presunção iure et de iure da existência da sociedade perante terceiros; confere proteção de uso por parte do seu titular; confere direito exclusivo de uso; não pode ser registrada outra firma social que confunda terceiros diante da semelhança com firma social anterior. A firma social é eminentemente pessoal. Assim, a indicação no contrato social da firma social é uma característica da sociedade limitada de feição pessoal. A firma social não pode ser objeto de alienação: impraticável alienar o nome das pessoas, e nem mesmo as pessoas mais mercenárias tolerariam alienar os seus nomes.

Por conseguinte, na sociedade limitada que tenha firma social, como nas outras, obrigatória é também no caso de denominação social a indicação da expressão limitada, que informa aos terceiros primeiro a existência da sociedade e segundo que, nessa sociedade, os sócios têm responsabilidade limitada ao capital investido. A sociedade é limitada porque os seus sócios não são responsáveis in infinitum pelas obrigações sociais, distanciando-se, assim, das sociedades de pessoas clássicas, notadamente a sociedade coletiva e do sócio comanditado na sociedade em comandita simples. O emprego da firma ou denominação social terá sempre que vir acompanhado da expressão limitada, denotando e existência da sociedade e seu tipo societário. A firma e a denominação social são as formas nas quais as sociedades são conhecidas pelos terceiros, e, portanto, é de extrema valia a indicação do tipo societário. Sem a indicação do termo limitada após a firma social, as obrigações sociais serão assumidas pessoalmente pelos sócios, respondendo integralmente por elas, como se estivessem em sociedade em comum.

Com efeito, considera-se nome empresarial a firma ou a denominação adotada, de conformidade com este capítulo, para o exercício de empresa. Pode a sociedade limitada adotar firma ou denominação, integrada pela palavra final limitada ou a sua abreviatura. A firma será composta com o nome de um ou mais sócios, desde que pessoas físicas, de modo indicativo da relação social. A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios. A omissão da palavra limitada determina a responsabilidade solidária e ilimitada dos administradores que assim empregarem a firma ou a denominação da sociedade (artigos 1.155 e 1.158, C.C.).

Na condição de “nome empresarial” entram duas espécies diferentes: firma social e denominação social. Sendo assim, “a firma é o nome empresarial que se atribui ao empresário individual e às demais sociedades de responsabilidade ilimitada, sendo necessariamente adotada pela sociedade em nome coletivo (art. 1.157) e pela sociedade em comandita simples (art. 1.157, parágrafo único), e de adoção facultativa pela sociedade limitada (art. 1.158) e pela sociedade em comandita simples (art. 1.161)”.2

Com efeito, na indicação da firma social constará o nome de um ou alguns dos sócios, sempre com a expressão limitada, sob pena de responderem solidária e ilimitadamente pelas obrigações assumidas. A sociedade limitada também pode optar por ter denominação social, fenômeno clássico das sociedades por ações. A denominação deve designar o objeto da sociedade, sendo permitido nela figurar o nome de um ou mais sócios. A firma social denota, claramente, que uma determinada sociedade limitada tem matiz pessoal e não capitalista. Por conseguinte, na sociedade limitada que tenha firma social, terá lugar a incidência das seguintes circunstâncias: a) o adquirente de estabelecimento, por ato entre vivos, pode, se o contrato o permitir, usar o nome do alienante, precedido do seu próprio, com a qualificação de sucessor; b) o nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar não pode ser conservado na firma social (arts. 1.164, parágrafo único, e 1.165, C.C.).

1 Tratado, cit., vol. III, p. 123.

2 CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 706.

Nos termos da lei, a inscrição do empresário ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado. O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial. Cabe ao prejudicado, a qualquer tempo, ação para anular a inscrição do nome empresarial feita com violação da lei ou do contrato. A inscrição do nome empresarial será cancelada, a requerimento de qualquer interessado, quando cessar o exercício da atividade para que foi adotado, ou quando ultimar-se a liquidação da sociedade que o inscreveu (artigos 1.166-1.168). A expressão quando ultimar-se a liquidação da sociedade significa a extinção da sociedade.

A denominação social também entra na categoria de “nome empresarial”: desta feita, obviamente, tem as mesmas proteções da firma social, porém é comum nas sociedades de matiz capitalista. A denominação social forma-se por qualquer termo, nome ou expressão, indicando o objeto social da sociedade, sem que esse nome, termo ou expressão sejam feitos nos moldes da firma social. Na denominação social tem-se, na mais das vezes, sociedade limitada de feição capitalista: não há correlação absoluta entre sociedade e sócios porque na denominação consta expressão que não seja o nome de algum dos sócios, o que denota sua natureza capitalista. Na sociedade limitada que tem denominação social não tem vigência a regra: o nome de sócio que vier a falecer, for excluído ou se retirar não pode ser conservado na firma social. Denominação social e firma social não são sinônimos absolutos. Falecendo sócio de sociedade limitada que tem denominação social, esse fato não implicará qualquer consequência na denominação social da sociedade que deve se manter inalterada. Na firma há indicação de nome patronímico, o que significa intensa correlação com a qualidade pessoal do sócio, com verdadeira simbiose entre sociedade e sócios, o que faz dessa sociedade limitada uma sociedade de pessoas. Sob império do Decreto 3.708/19 e conforme WALDIRIO BULGARELLI , “devem assim constar do contrato social o nome e qualificação dos sócios e o nome da sociedade (firma social ou denominação, à vontade dos sócios), a sede, o foro, o objeto social (ramo ou ramos de atividade em que a sociedade irá atuar) que deve ser lícito, e capital social (e sua forma de integralização, se não integralizado no ato), a distribuição de quotas entre os sócios, a quem incumbe a gerência (na falta de disposição expressa, todos os sócios estarão aptos para exercê-la); a forma de partilha dos lucros e prejuízos (proibida a sociedade leonina), a dispensa ou não da caução para os gerentes; se a gerência é delegável, a cláusula da deliberação pela maioria, a cláusula de responsabilidade dos sócios pelo total do capital social”.1

Essa situação não se alterou com a chegada do Código Civil de 2002: o sistema permanece praticamente idêntico, acrescido do fato da observância do seu art. 997. Em sede de contrato social de sociedade limitada não têm aplicação os incisos V e VII do art. 997 do Código Civil. Na sociedade limitada não entram sócios que conferem serviços e não tem lugar a responsabilidade subsidiária e ilimitada, típica das sociedades simples. Considero, ainda com o silêncio do Código Civil, que o contrato social tem que, expressamente, estabelecer a cláusula de responsabilidade limitada dos sócios ao total do capital social, sob as penas da lei.

305. Das quotas na sociedade limitada

Nos termos da lei, o capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio. Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. É vedada contribuição que consista em prestação de serviços (art. 1.055, C.C.). Impraticável a presença de sócios de serviços nas sociedades limitadas: ainda que mensurável o serviço do sócio, tal fato não pode se manifestar na integralização de um capital, representado pelas quotas. Ao contrário, na sociedade simples é possível a participação de sócio de serviço, entrando nessa qualidade como contribuição social. A quota é parcela do capital social que confere direito de voto ao sócio: então, entra na categoria de bens disponíveis, de interesse privado e que confere aos seus titulares direitos de voto nas deliberações e reuniões sociais, acarretando-lhe deveres e responsabilidades próprios do seu status jurídico de sócio. Por conseguinte, a quota tem uma vertente que é a manifestação jurídica sobre uma participação econômica, e outra vertente que deriva dessa manifestação jurídica que é conferir direitos políticos aos sócios, consubstanciando-se no direito de voto. As quotas são protegidas constitucionalmente contra atos de expropriação patrimonial ou suspensão dos direitos de voto. Inconstitucional é toda medida governamental ou normativa que exproprie ou suspenda os direitos de voto dos sócios, salvo nas próprias hipóteses previstas pela Constituição Federal. Entrando na qualidade jurídica de títulos móveis, podem ser objeto de cessão, transferência ou qualquer forma de alienação, gratuita e onerosa, e são transmitidas causa mortis, desde que aceitas expressamente pelos herdeiros e pelo contrato social. Se não forem aceitas, as quotas devem ser liquidadas, apurando seus valores nos termos do art. 1.031 do Código Civil. A quota também confere ao seu titular o direito de crédito, que se consubstancia na percepção e distribuição dos lucros sociais. Portanto, a quota é direito mobiliário2, patrimonial, que confere a titularidade jurídica sobre um capital social e

1 Sociedades comerciais, cit., pp. 125/126.

2 “A cota, no direito brasileiro, é e sempre foi considerada bem móvel”. Peixoto, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 219. 309

institui o estado jurídico de sócio, legitimando o direito político do sócio no voto e lhe acarretando deveres e responsabilidades administrativas. Sobre a quota social, na sua vertente econômica, assevera com acertoo preclaro AMADOR PAES DE ALMEIDA , afirmando que “quota significa parte ou porção fixa e determinada de alguma coisa. Representa, no âmbito mercantil, a parcela de um sócio na sociedade empresária. É, pois, o contingente com o qual o sócio contribui para a formação da sociedade”.1

Por sua vez, ensina WALDIRIO BULGARELLI que “as quotas são parcelas que integram o capital social, representadas pelas contribuições dos sócios”.2 Por mais que a prática tenha consagrado a penhorabilidade das quotas sociais, essa medida é verdadeiramente esdrúxula e contrária ao direito societário, e caracteriza ingerência indevida sobre direito de sócios, o qual tem somente expectiva de direito em receber dividendos. Seria, ainda mais esdrúxula, a exequibilidade dessa penhora, acarretando lesão ao direito político do sócio: por conseguinte, útil é a medida de dissolução parcial da sociedade, liquidando a quota desse sócio, com sua regular exclusão, contudo, isso é apenas um paliativo, que não impede ter na penhora da quota medida abusiva e contrária aos postulados societários. O saudoso WALDIRIO BULGARELLI já advertia sobre toda essa questão, criticando aquilo que então era somente Projeto de Código Civil, hoje transformado em lei, desgraçadamente. O mestre dizia que “nem a pretendida liquidação da cota penhorada no seio da sociedade (como está no direito italiano e se pretende assemelhadamente no Projeto de Código Civil, art. 1.063) seria a boa solução, pois poderia pôr em risco a empresa”.3

Com efeito, é claro que a liquidação da quota coloca em risco a empresa, e o Código Civil de 2002, que tanto propala pela defesa da função social dos contratos, em sede creditória toma partido visível pelos interesses individuais dos credores, permitindo tanto a penhora da quota, como sua liquidação em favor do credor. E ainda existem aqueles que festejam a constitucionalização do direito civil! Que ironia mais descabida! A quota é a expressão jurídica de um direito de participação (Mitgliedschaft) e tem dentro de si mesma a complexidade de direitos, deveres e obrigações que derivam da relação societária. Nos termos do art. 2.472 do Codice Civile, por quota social se entende titularidade de participação social, ou seja, um todo orgânico e unitário. Assim, a quota ao conferir o status jurídico de sócio faz emergir a natureza orgânica da figura do sócio, principalmente sobre o aspecto administrativo da sociedade. Desde que devidamente registrada, a sociedade que teve seu capital totalmente integralizado se manifestará perante terceiros como pessoa jurídica distinta dos seus sócios, ou seja, os sócios assumem a posição de órgão pela própria natureza jurídica da quota social que conferiram em favor da sociedade. Há perfeita identificação entre quota e conferimento de direitos e deveres administrativos na sociedade limitada, bem sabendo que o órgão de administração, composto por sócios, deriva dessa correlação orgânica e estrutural da sociedade. Ainda que a sociedade seja administrada por diretores, a solução será a mesma, porque obrigatória é sua eleição por aqueles que têm essa qualidade jurídica de sócio: se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.051, C.C.). E o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes (art. 1.054 do Código Civil). Por conseguinte, o direito originário de administrar a sociedade limitada é dos sócios, fato esse que decorre da natureza orgânica e unitária da quota, que estrutura não apenas o capital social, mas a própria organização dessa estrutura de capital, que se consubstancia na formação das maiorias necessárias ou nos casos de votação unânime dos sócios. Os diretores contratados para administrarem a sociedade exercem direito derivado de administração social: esse direito de administração deriva e decorre de uma expressa autorização do contrato social e da lei, ao passo que somente aqueles que têm direito originário (quota social) é que podem designar terceiro que não seja sócio para que exerça a administração e possa praticar atos jurídicos válidos obrigando a sociedade. A quota social, portanto, não se reveste unicamente em quantificar a participação de cada um dos sócios no capital social: a quota tem a qualidade de instituir um novo status jurídico, ou seja, a qualidade jurídica de sócio com responsabilidade limitada. Por isso que defendo a tese que o contrato social deve conter cláusula expressa sobre a limitação de responsabilidade dos sócios ao valor das quotas investidas na sociedade. Ademais, nas sociedades limitadas, tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa (art. 1.063, §1º, C.C.). Esse dispositivo denota a vertente administrativa que decorre da natureza da quota social. Não se refere, portanto, ao seu aspecto econômico ou jurídico, mas, ainda assim, expressa a situação na qual o direito de administrar do sócio somente pode ser subtraído pelos seus consócios, ou seja, por aqueles que estão na mesma posição jurídica, devendo se alcançar, no mínimo, dois terços do capital social, se o contrato social não exigir a unanimidade, ao passo que o administrador contratado pode ser demissível ad nutum, e essa destituição tem efeito de cassação plena de poderes, o que não se manifesta, totalmente, na destituição de sócio administrador, que ainda mantém

1 Manual das sociedades comerciais, São Paulo, Saraiva, 2003, 13ª ed., p. 136.

2 Sociedades comerciais, cit., p. 173.

3 Sociedades comerciais, cit., p. 175.

íntegro seu direito de sócio, de votar, de aprovar ou rejeitar as contas, de requerer a exclusão de sócio, de exercer o direito de recesso, etc. Assim sua posição jurídica permanece inalterada, salvo se for excluído da sociedade. A quota social representa direito patrimonial da sociedade, e não exclusivamente dos sócios. Se os sócios aprovarem distribuição ilícita ou fictícia de dividendos, o capital social sofrerá prejuízo, ou seja, a sociedade experimentará lesão, praticada pelos seus próprios sócios. Mas, diante da sua qualidade de órgão administrativo, em decorrência da própria integralização dos capitais necessários, manifestados nas quotas sociais, essa prática lesiva caracteriza infração societária, passível de responsabilização contra os sócios que aprovaram, culposa ou dolosamente, a referida distribuição. Com efeito, os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital (art. 1.059, C.C.). A quota social determina um conjunto de direitos e obrigações aos sócios: portanto, sua natureza orgânica constitui determinada pessoa física ou jurídica em nova qualidade jurídica, ou seja, a de sócio. Por conta da sua participação social, ou seja, de sua quota devidamente integralizada, o sócio pode votar nas deliberações sociais; tem direito aos lucros; participa sobre o acervo patrimonial da sociedade quando de sua liquidação, etc. Sobre esse aspecto as quotas das sociedades limitadas e as ações das sociedades anônimas se equivalem como fonte instituidora de direitos e obrigações sobre uma determinada pessoa. Neste passo, as quotas são mensuráveis e passíveis de alienação. Seu valor leva em consideração infinitas condições práticas como: patrimônio líquido; expectativa de rentabilidade futura; riscos empresariais do negócio; valores dos seus bens imateriais; concorrência; etc. A quota social assume até um sobrevalor, que decorre da atividade empresarial: na sua avaliação tem-se como certa a presença de condições que não sejam única e exclusivamente aquelas restritas ao capital social, mas a quota social consubstancia uma série de valores monetários que muitas vezes ultrapassam seu valor contábil, na imensa maioria das vezes.

Portanto, a quota tem como função: a) estabelecer uma situação jurídica sobre determinadas pessoas; b) essa situação jurídica assume a qualidade de sócio; c) nessa sociedade a qualidade de sócio tem limitação de responsabilidade às quotas investidas sobre o capital social; d) as quotas podem ser livremente alienadas, nos termos da lei e do contrato social; e) a quota, quando da sua alienação, pode ter um sobrevalor contábil, que decorre da atividade empresarial, ou seja, dos efeitos e ganhos da própria sociedade empresária no curso do perseguimento de seu objeto social; f) a quota institui, aos sócios, a figura de órgão social, tanto na administração quanto nos deveres sociais; g) em decorrência dessa qualidade de órgão social é que os sócios assumem responsabilidades perante a sociedade, perante eles próprios e perante a sociedade e terceiros, bem sabendo que essa responsabilidade é societária, e não se resume aos casos de culpa e dolo do direito comum; h) a quota não tem natureza creditória do sócio sobre a sociedade porque impraticável seria a execução desse título, e, ao contrário, o direito de participação dos lucros não é um direito creditório, mas participativo e orgânico, que decorre de uma qualidade jurídica material e societária e não cambiária; i) equivocada é a penhorabilidade das quotas sociais porque essas conferem apenas a titularidade aos sócios, mas, na verdade, elas integram patrimônio de terceiro, ou seja, da sociedade. Com efeito, a quota é transferível não por integrar o patrimônio individual e disponível da pessoa (sócio) que lhe tem como titular, mas por representar participação societária sobre uma outra pessoa (sociedade), que é distinta dos seus sócios e, por conseguinte, é terceira. Na verdade, quando da penhorabilidade de uma quota social, a sociedade deveria se insurgir e apresentar embargos de terceiro, impedindo a penhora, por não responder com seu capital pelas dívidas pessoais dos sócios. Mais esdrúxula seria a penhora das quotas dos sócios por credores sociais: nestes casos os embargos de terceiro impediriam qualquer aberrante penhorabilidade de quotas por dívidas sociais. As quotas não garantem as obrigações sociais, mas sim o seu patrimônio social. A penhorabilidade das quotas constitui uma afronta às garantias constitucionais. Se a sociedade não tem patrimônio para solver suas obrigações, que os credores, então, requeiram a falência da sociedade para agora concorrer não sobre “quotas”, mas sobre o patrimônio social, ou seja, sobre a massa falida. A quota tem a função de instituir o status jurídico de sócio e lhe conferir efetividade administrativa. Sua avaliação monetária decorre da atividade empresarial e do seu patrimônio, fatores que a penhora pode acabar aniquilando, e colocando em risco a empresa, inclusive com a dissolução parcial ou até mesmo a sua falência. A quota tem uma vertente econômica e de natureza imaterial: nessa direção, como bem imaterial, não é passível de penhora, por afrontar a garantia constitucional de sua titularidade e do exercício dos direitos e das responsabilidades que dela decorrem na figura do sócio.

306. A quota é indivisível em relação à sociedade

Nos termos da lei, a quota é indivisível em relação à sociedade, salvo para efeito de transferência. No caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido. Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização (art. 1.056, C.C.).

Com efeito, a quota é indivisível porque representa direitos que não podem ser fragmentados, nem no seu exercício, nem nos seus proveitos. A questão sobre a indivisibilidade das quotas se relaciona com sua natureza jurídica. Ao conferir direitos, deveres e obrigações aos sócios, instituindo o status jurídico de sócio, impraticável seria, em relação à sociedade, a divisão dessas prerrogativas derivantes do estado jurídico de sócio. Nesse passo, pelo fato de a quota ser indivisível, impossível é a divisibilidade dos direitos dela decorrentes, ou a não-incidência das responsabilidades decorrentes do status jurídico de sócio. Em relação à sociedade significa que essa divisibilidade não tem lugar quando da formação do capital social, ainda bem sabendo da existência da pluralidade de quotas. Ademais, o sistema da pluralidade de quotas é consentâneo com a sua indivisibilidade, porquanto se tem, como se disse, pluralidade de quotas e não divisibilidade de quotas. Esse fato se comprova no art. 1.056, § 2º, do Código Civil: sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização. Ao passo que a quota é indivisa em relação à sociedade, todos são responsáveis pela integralização das quotas representativas do capital social: entraria na categoria de traição contra a sociedade que determinado sócio não integralizasse sua quota que em relação à sociedade é indivisa. Por ser indivisa, todos os demais sócios assumem a responsabilidade solidária perante a sociedade, ou seja, perante um descumprimento de uma obrigação e, também, pelo fato de que a sociedade não se constitui regularmante sem a efetiva integralização de seu capital. Dessa circunstância, a responsabilidade é solidária porque a quota é indivisa em relação à sociedade, e não poderia ser fragmentada nos direitos, deveres e obrigações dela derivantes. Conforme CUNHA PEIXOTO , a quota pode constituir-se em dinheiro, efeitos, bens, tendo esse termo na sua acepção mais ampla, ou seja, compreendendo todos os bens corpóreos e incorpóreos, móveis ou imóveis. A quota pode, então, ser representada por qualquer espécie de bens negociais, e que sejam suscetíveis de avaliação e de figurar no balanço da sociedade. Por essa razão, é princípio universal não se admitir quota de indústria na sociedade limitada. O trabalho pessoal, por não ter uma avaliação capaz de figurar em um balanço, não constitui capital, garantia dos credores, nas sociedades limitadas, bem sabendo que na sociedade limitada todos os sócios respondem pela importância de sua quota e solidariamente pela quota não integralizada até o limite do capital social. Por esse fator, o Decreto 3.708/19 (art. 4º) repeliu o sócio de indústria na sociedade limitada.1

Por conseguinte, a quota é indivisa ao representar um capital social. Para que esse capital se configure juridicamente é necessário que seja formado por bens, efeitos ou direitos passíveis de avaliação. O serviço pessoal, para fins de avaliação em balanço mercantil, é impraticável, o que impede sua realização. Desta feita, seria impossível integralizar o capital social e impossível seria a configuração de sociedade limitada. Para evitar essa situação esdrúxula, somente impedindo que da sociedade limitada participem sócios de indústria. Se não fosse assim, todos os demais sócios ficariam sempre com responsabilidade solidária entre eles, porque o sócio de serviço nunca teria condições de integralizar sua quota. Com efeito, a impossibilidade da participação de sócio de indústria é outro fator que denota a indivisibilidade da quota entre os sócios em relação à sociedade, e também denota os direitos, deveres e obrigações dela decorrentes em relação aos próprios sócios. A quota pode ser integralizada em bens ou dinheiro. Na doutrina a integralização em bens recebe a denominação in natura, ou seja, sempre que não efetuada em numerário. Por sua vez, o Codice Civile estabelece que “possono essere conferiti tutti gle elementi dell’attivo suscettibili di valutazione economica. Se neel’atto costitutivo non è stabilito diversamente, il conferimento deve farsi in denaro” (art. 2.464). O valor das contribuições sociais não pode ser, complexivamente, inferior ao montante do valor global do capital social sob pena de responsabilização. Integralizada quota, integralizado estará o capital. Em relação à sociedade a contribuição dos sócios cumpriu sua finalidade: a constituição da sociedade. Por conta desse fenômeno, há simbiose entre quota representativa de uma capital integralizado. Primeiro tem lugar a quota de contribuição: em bens ou dinheiro. Efetivamente realizada, tem lugar a quota representativa: representativa sobre um capital social. A divisibilidade da quota poderá ser feita quando da sua cessão ou sucessão causa mortis, porque agora, devidamente integralizada, a quota é meramente representativa de um capital social. Não é mais quota de contribuição: se não efetivada a contribuição de cada sócio, o capital não se integraliza, não se forma sociedade, e todos respondem solidariamente pela quota não integralizada. Depois de integralizada, aquela quota de contribuição que é única em relação à sociedade efetivamente cumpriu a função instituidora da sociedade, fazendo emergir os direitos, deveres e obrigações dos sócios, e também da sociedade em relação aos terceiros, como sujeito de direito (sociedade), distinta dos seus sócios. Enquanto não devidamente integralizada a quota de contribuição por todos os sócios, a sociedade vive uma expectativa de constituição, que será concluída com a conclusão da contribuição dos sócios ao capital social. Sobre esse fator é que entra a divisibilidade da quota: o que é divisível é quota representativa de um capital social integralizado. Em relação à sociedade, como contrato plurilateral, a quota ainda é indivisível, mesmo que possa ser divisível sobre a participação de seu capital social, já integralizado. A divisibilidade da quota social não altera a situação jurídica da sociedade porque essa já foi regularmente constituída: a quota de contribuição se integralizou e forma a alma da sociedade. Tanto é verdade que a sociedade limitada entrará na categoria de irregular se a cessão da quota não for devidamente arquivada, nos termos e prazos previstos em lei.

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 174.

Neste momento, ou seja, da sua entrada na irregularidade, decorre que a transferência da quota social não observou os patamares legais e formais, o que significa que essa sociedade teve e sofreu uma medida contrária ao seu capital social: é como se a cessão fosse um desfalque sobre aquela quota de contribuição. Não raro, por ocasião da cessão das quotas, fazse a diminuição do capital social. Assim se deve agir para evitar que a sociedade entre na irregularidade. Também é feita, no mais das vezes, a redução de capital quando da exclusão de sócio: esse fato impede a entrada da sociedade na categoria de irregular, porque não se manifesta impacto sobre as quotas já devidamente integralizadas quando do momento da sua constituição. É perfeitamente lícita a cláusula contratual que estabelece a intransferibilidade das quotas sociais por atos entre vivos; bem como será lícita, obviamente, a cláusula contratual que estabelece a intransferibilidade das quotas sociais por sucessão causa mortis. Essas circunstâncias em nada prejudicam os direitos dos sócios, ao contrário. Ter-se-á, nessas hipóteses, sociedade limitada de matiz nitidamente pessoal. Como se pode notar, a divisibilidade das quotas, que se manifesta na sua cessão ou sucessão, é um direito decorrente da perfeita realização da quota de contribuição. Efetivada a quota de contribuição, emerge, para fins jurídicos, a quota de participação. Essa quota de participação denota: a) a participação em uma sociedade; b) a participação sobre um capital social; c) a transferência dessa participação (representada pela quota), a terceiros; d) o direito de excluir a possibilidade de transferência da quota; e) a restrição e a presença de limites intrínsecos ao direito de transferência das quotas, como no caso do art. 1.057 do Código Civil. O direito de ceder a quota é um direito de sócio: os sócios, quando da elaboração do contrato social, podem estabelecer que, devidamente integralizado o capital, as quotas de representação não podem ser transferidas em nenhuma condição ou qualidade jurídica. Os sócios também podem estabelecer que esse seu direito de participação social possa ser transferido, sob determinadas condições: aprovação unânime dos demais sócios, etc. Todas essas situações jurídicas denotam que o objeto da divisibilidade da quota é a participação do sócio sobre um capital: desde que devidamente constituída a sociedade, o sócio adquire uma infinidade de direitos, deveres e obrigações. Dentre esses direitos, está o de transferir a sua quota social de representação: fato que inclui a quota social na qualidade de direito de representação, de natureza mobiliária e incorpórea. Nessa direção, a quota social de representação pode ser definida como direito representativo, de natureza mobiliária (cessão) e imaterial. É direito representativo porque da participação sobre um idêntico capital social; é de natureza mobiliária porque passível de cessão; incorpórea porque não está no mundo das coisas visíveis. Na somatória dessas três características, ao lado da quota social de contribuição, fazem nascer o status jurídico de sócio, na qualidade de órgão social. Com efeito, a quota social de contribuição efetivamente realizada e a quota social representativa constituem, conjuntamente, o status jurídico de sócio na qualidade jurídica de órgão social administrativo, de fiscalização, de direitos, deveres e obrigações sociais. Nada disso muda se a integralização do capital social não for feita imediatamente, ou seja, com a realização da contribuição social em momento posterior: no caso de cessão dessa quota de contribuição, o alienante e o adquirente são devedores solidários, diante da sociedade, pelas contribuições sociais ainda devidas à sociedade. Não há escapatórias para os gatunos: uma sociedade não pode existir sem contribuições sociais. A alienação da sua quota de contribuição não o exime da obrigação assumida com a sociedade, e, perante a sociedade, tal alienante será devedor solidário com o adquirente da quota social, pelas contribuições não versadas. A quota social de contribuição mantém sua natureza indivisível em relação à sociedade ainda no caso de sua alienação. Por conseguinte, tem aplicação o art. 1.058 do Código Civil, ao estabelecer: não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

Com efeito, assevera BRUNETTI: “Nel caso di cessione della quota l’alienante è obbligato in sólido con l’acquirente per i versamenti ancora dovuti alla società. Questa sua responsabilità dura per il periodo di ter anni dal giorno del transferimento. Ma la società non può chiedere il pagamento all’alienante se non dopo che la richiesta al nuovo socio moroso sai rimasta infruttuosa.”1 Com efeito, estabelece o art. 108 da Lei 6.404/76 que “ainda quando negociadas as ações, os alienantes continuarão responsáveis, solidariamente com os adquirentes, pelo pagamento das prestações que faltarem para integralizar as ações transferidas. Tal responsabilidade cessará em relação a cada alienante, no fim de dois anos a contar da data da transferência das ações”. Diante da liberdade dos contratos, é lícita a cláusula que estabelece a cessão da quota social de contribuição antes de sua integralização. O Código Civil permite a subscrição posterior de quotas, nos mesmos moldes da Lei 6.404/76, aplicada como regência supletiva. Com isso, a total integralização do capital social pode não coincidir com a constituição da sociedade. Mas, se isso ocorrer, os sócios assumem responsabilidade solidária pelo capital social ainda não integralizado.

1 Trattato, cit., vol. III, p. 141.

Evidentemente que não existe sociedade limitada sem capital social: no caso da subscrição posterior, o capital social faltante é garantido pessoalmente pelos sócios, em caráter solidário, nas dívidas sociais. Contudo, os credores são os mais interessados sobre esses acontecimentos, ou seja, sobre a integralização posterior do capital social. Com efeito, ensina a excelsa doutrina do exímio CUNHA PEIXOTO que a questão referente à época da integralização das quotas assume, na sociedade limitada, enorme importância se comparada com os demais tipos de sociedade, ou seja, visto como interesse dos terceiros, que têm no limite do capital social integralizado a sua garantia de recebimento. Assim é, que a garantia daqueles que negociam com esse tipo de sociedade residirá unicamente sobre seu capital, e cada um dos sócios, além de assumir a obrigação de realizar completamente suas próprias quotas, é responsável solidariamente pelo valor da quota de todos os outros sócios remissos. Na sociedade limitada a responsabilidade dos sócios vai até o valor total do capital social. Ora, pode ocorrer que, por ocasião da constituição da sociedade, todos os seus participantes estejam em condições para a plena satisfação de suas partes nas promessas de contribuição, mas que, no decorrer do tempo, a situação de um ou vários deles pode se alterar profundamente, de tal maneira a não poderem cumprir com o compromisso de integralização, o que acarretará no caso de falência da sociedade a distribuição desse ônus entre os demais sócios, fazendo desaparecer as vantagens dessa forma de sociedade – a limitação da responsabilidade, ou seja, o conhecimento antecipado de todos os sócios da importância que podem perder nessa sociedade.1

Todos os sócios são devedores solidários pela quota de contribuição social não efetivida porque essa quota, em relação à sociedade, é indivisa. Por ser indivisa, quando a sociedade pactua com terceiros, e ainda não tem seu capital totalmente integralizado, a garantia dos credores se consubstancia na promessa feita pelos sócios de integralizarem o capital social. Se esses sócios, por qualquer motivo, não o integralizam, o credor social não será prejudicado pela mora dos referidos sócios, de um deles ou de todos, e a responsabilidade solidária afugentará os gatunos que buscam lesar as pessoas de boa-fé. Portanto, a responsabilidade solidária dos sócios pelo capital não integralizado tem duas frentes jurídicas: a) a quota é indivisa em relação à sociedade; b) garante os credores sociais contra prejuízos. Com efeito, na esteira de MODESTO CARVALHOSA , “a obrigação do sócio de corretamente integralizar o capital social tem como fundamento a segurança dos demais sócios e a de terceiros que venham a relacionar-se com a sociedade. O capital que foi inicialmente subscrito deve ser efetivamente integralizado. A parcela do capital social não integralizada corresponde a um crédito da sociedade e, da mesma forma que a parcela integralizada, responde pelas obrigações. Assim, o sócio não pode subtrair-se a essa obrigação, tampouco pode a sociedade liberá-lo do encargo. Por esse motivo, sobretudo, é o capital social garantia dos credores”.2

A indivisibilidade da quota é a indivisibilidade de uma responsabilidade que todos os sócios têm para com a sociedade, em efetivar a integralização da promessa que assim fizera, cada um unilateralmente. A obrigação de integralizar é uma promessa irretratável em relação à sociedade: a subscrição do capital social é um dever do sócio em efetivar a integralização com os bens, efeitos ou numerários que prometeu. A consequência pela não integralização será a seguinte, nos termos da lei: os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031 (art. 1.004). Tal solução encontra respaldo nas sociedades limitadas, aplicando subsidiariamente o regramento da sociedade simples, por expresso mandamento normativo do art. 1.058 do Código Civil. Sem prejuízo do art. 1.004, a consequência do não-versamento da quota social de contribuição acarretará a seguinte consequência: Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas (art. 1.058). Essa é uma regra específica das sociedades limitadas, sem alusão à aplicação subsidiária do regramento da sociedade simples e menos ainda no caso de regência supletiva pela Lei 6.404/76. Somente se o contrato social invocar a Lei 6.404/76 é que terão aplicação, na qualidade de regência supletiva, os seus artigos 106 e 107, no que for cabível: aplicação da multa; exclusão do sócio com redução do capital social. A quota é indivisa, em relação à sociedade, ainda na hipótese da qualidade jurídica da contribuição: assim, se um sócio entra na sociedade com um bem imóvel; outro sócio com crédito contra terceiro; e outro sócio entra com dinheiro em espécie, para a sociedade a quota social é indivisa, porque a promessa é unilateral de todos eles conjuntamente, cada um contribuindo com aquilo que será útil para a própria formação do capital social. Com efeito, nada importa para a sociedade a diversa natureza jurídica dos bens conferidos individualmente pelos sócios. Até sua efetiva integralização, são todos devedores solidários, e a situação assume enorme relevância no art. 1.005 do Código Civil.

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 176.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 96.

É regra geral que o sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso responde pela evicção; e pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito. Se a evicção realmente se manifestar em termos de sentença transitada em julgado, a sociedade importará redução de capital social, e passível será a exclusão do sócio. Idêntica solução no caso da decretação de insolvência do devedor do sócio quando da promessa de transferência de crédito. Se ainda não integralizados, os demais sócios respondem solidariamente com o sócio faltoso (evicção e insolvência). A responsabilidade que o art. 1.005 estabelece – “o sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção” – é a responsabilidade societária dele frente aos demais sócios e frente à sociedade. A consequência do art. 1.005, também no caso da insolvência do devedor do sócio, é a do art. 1.004 do Código Civil. Se a decretação da evicção ocorre depois de constituída a sociedade, e até então integralizada a quota social de contribuição com o bem que acabou sendo objeto da evicção, o sócio deverá integralizar novamente o valor que prometera, mas que pelos efeitos da evicção foi considerado inexistente em relação à sociedade. O sócio que sofreu a evicção ao bem conferido como quota social de contribuição tem o direito de novamente integralizar o valor respectivo, impedindo sua exclusão, salvo se o contrato social dispuser em contrário (art. 1.004, caput). Contudo, a evicção do bem conferido pode ser considerada ato grave contrário ao interesse da sociedade, que entraria nas hipóteses de resolução da sociedade em relação ao sócio, ou seja, sua exclusão (art. 1.030, C.C.). Ou seja, se pela evicção do bem ou insolvência do devedor do sócio, a sociedade não reduzir o seu capital social, com os riscos e observando os requisitos legais, entrará na irregularidade. O sócio que perdeu bem objeto de evicção ou que teve declarado insolvente seu devedor tem que ser notificado para no prazo de trinta dias efetuar novo conferimento, sob pena de exclusão e responsabilidades cabíveis. Se a sociedade não excluir esse sócio (com ou sem redução de capital) ou notificá-lo para que integralize novamente o capital, com outros bens, efeitos ou dinheiro, essa sociedade deve ser considerada irregular, nos termos legais, e com consequências jurídicas, dentre elas não poderá apresentar pedido de recuperação judicial, mas, obviamente, poderá incorrer em falência. Ademais, essa é a solução específica para a sociedade limitada. Quando o art. 1.058 diz “não integralizada a quota de sócio remisso”, entende-se aquele sócio que efetivamente não cumpriu sua obrigação, bem como aqueles sócios que, por força de uma sentença de evicção sobre o bem, de insolvência ou falência do devedor do sócio, também serão, agora, considerados remissos. Portanto, aos fins de contribuição social, a expressão sócio remisso abarca o sócio que descumpriu categoricamente sua obrigação unilateral de conferimento (quota social de contribuição) e aquele sócio que, por sentença, tem seu bem conferidoobjeto de evicção, ou decretação de insolvência de seu devedor. Ao passo que para fins de contribuição social são considerados remissos todos esses sócios, as consequências legais serão as mesmas: a) após a notificação para realizar nova contribuição e verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031 do Código Civil; b) não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas; c) nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado; d) o capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota; e) os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital. Os demais sócios, após a evicção e a decretação de insolvência, são responsáveis, solidariamente, com o sócio faltoso pelo valor da quota não integralizada. Para efeitos de quota social de contribuição, o sócio será considerado remisso, e os demais sócios são considerados solidários pelo valor dessa quota objeto da evicção e da insolvência. Se uma sociedade funcionou, mas o bem conferido foi objeto de evicção, para que tal sociedade não entre em irregularidade de constituição terá que, obrigatoriamente, seguir as regras acima elencadas. Se entrar em falência, seus sócios respondem solidariamente pela quota não conferida, ao passo que a evicção do bem e a insolvência do devedor são, para os efeitos de responsabilidade solidária, idênticas ao fato do não-conferimento da quota social de contribuição. Ensina o mestre CARVALHO DE MENDONÇA que a obrigação de entrar com a quota social de contribuição e que tem origem no contrato ou ato de instituição da sociedade é uma obrigação de dar. Disso decorrem duas consequências interessantíssimas: a) o direito de a sociedade exigir a quota do sócio; b) a garantia que o sócio deve prestar da coisa conferida ou entregue. Se o sócio deixar de entregar integralmente a quota ou as prestações que se obrigou unilateramente, no prazo estipulado, a sociedade, na qualidade de credora, tem o direito de exigir do sócio remisso o cumprimento da obrigação. Se a quota consiste em dinheiro, o sócio é obrigado a pagá-la, com os juros legais ou conforme estabelecer o contrato. Se a quota consiste em outros bens, que não seja dinheiro, o sócio responde pelo dano emergente da sua mora e todos os prejuízos causados. A obrigação de indenizar decorre ipso facto da mora. A outra obrigação decorrente do contrato de sociedade, com fundamento na entrega de coisa, objeto da contribuição, é que o sócio garante o seu cumprimento em relação à sociedade. Com efeito, diz o mestre, a sociedade deve ter a posse mansa e pacífica

das coisas que lhe são entregues pelos sócios para a constituição do capital social, e disso decorre a obrigação de o sócio conferente garantir esta posse: é obrigação essencial ao contrato de sociedade, resulta de pleno direito da contribuição. Pela analogia que esse caso tem com a compra e venda, o sócio que conferiu na sociedade coisa corpórea, incorpórea, certa e determinada assume: a) obrigação negativa de não turbar, por fato ou ato pessoal, a sociedade na posse mansa e pacífica dessa coisa; b) a obrigação positiva de defender a sociedade, se demanda por terceiros sobre a coisa móvel ou imóvel conferida e de responder pela evicção; c) a responder se a coisa estiver gravada com ônus maiores daqueles declarados no contrato, como os redibitórios. A sanção será: a) a restituição do valor da quota, com os juros legais; b) indenização por perdas e danos. Também respondem pela insolvência do devedor, no caso de conferir crédito contra terceiro.1

Desta feita, considerado remisso, nos termos da legislação atual, várias serão as consequências contra o sócio que teve seu conferimento objeto da evicção e teve declarado insolvente o devedor, na hipótese de conferimento de crédito. Em todos os casos, a quota, sendo considerada indivisa em relação à sociedade, não pode ficar sem um determinado conferimento prometido unilateralmente pelo sócio, ainda que isso tenha lugar nas hipóteses acima aventadas. A indivisibilidade da quota tem fundamento tanto na constituição da sociedade, quanto no seu funcionamento, esse do ponto de vista de garantia da existência do capital social. Não existe sociedade limitada sem capital social. Se essa vier a perder seu capital social pela evicção, terá que entrar em liquidação, e os sócios respondem solidariamente pela não-integralização de uma parcela do capital ou pela não-integralização da totalidade do capital social. Desaparece a limitação de responsabilidade. Se os gatunos pudessem abrir sociedade, que ficariam, por qualquer motivo aventado, sem capital, teria lugar a fraude, o que, obviamente, não se tolera. Portanto, se a sociedade perde seu capital, desaparece a limitação de responsabilidade, até que sejam refeitas as contribuições devidas, tudo nos termos da lei. Com efeito, os sócios gozam da prerrogativa da limitação de responsabilidade somente no caso da integralização total do capital, ou dentro do prazo para sua efetiva contribuição, mas, nesse caso, respondem perante os credores pela quota não efetuada. Se a sociedade perde o capital social, a responsabilidade limitada não tem lugar, e para que assuma sua consequência limitadora de responsabilidade, terá que ser efetivada nova contribuição, de cada um dos sócios, ou se aplicarem as regras já referidas, entre elas, a exclusão do sócio, com ou sem redução de capital social, ou sua notificação para que apresente as novas entradas, com a reconstituição plena do capital social, e, por conseguinte, da responsabilidade limitada.

Com efeito, no caso de contribuição da quota social em crédito, ocorrendo sua cessão, o cedente responde pela importância atribuída ao crédito, solidariamente com o cessionário, para evitar que alguém seja sócio sem nada conferir. Com acerto afirma CUNHA PEIXOTO que, na conformidade com os princípios societários, o capital deve ser integralmente realizado, como representado em dinheiro, qualquer que seja a forma de contribuição dos sócios: a responsabilidade do sócio, que tem sua quota representada por um crédito contra terceiro, é atual e futura, ou seja, no momento em que transfere o documento para a sociedade, bem como na que se verifica quando por ocasião do vencimento da dívida. 2 Sobre bens, a regra é a seguinte: a responsabilidade civil dos subscritores ou acionistas que contribuírem com bens para a formação do capital social será idêntica à do vendedor (opera a transferência de propriedade). Sobre créditos, a regra é a seguinte: quando a entrada consistir em crédito, o subscritor ou acionista responderá pela solvência do devedor (art. 10, Lei 6.404/76). Responde o cedente pela solvência do cessionário: essa é uma responsabilidade societária pela cessão, que discrepa da cessão clássica de créditos. De maneira idêntica, essas questões são resolvidas quando das sociedades limitadas, quer seja pelo art. 1.005 do Código Civil ou pela regência supletiva, nos termos do contrato social, da Lei 6.404/76. O sócio pode conferir usufruto como contribuição social: neste caso, se o bem conferido sofrer os efeitos da evicção, esse sócio responderá perante a sociedade, e será dela excluído, salvo se efetuar nova contribuição social. O contrato social pode estabelecer, tanto nos casos de contribuição com bens, crédito ou usufruto, que perdendo o bem pela evicção, não integralizado o crédito pelo adquirente insolvente e desaparecendo o usufruto, o respectivo sócio será excluído judicialmente da sociedade, nos termos do art. 1.030, caput, do Código Civil, devendo suportar, ainda, as perdas e danos causados. Ademais, também podem figurar como contribuição de sócio para a formação da sociedade limitada: a) patentes; b) desenhos industriais; c) fundo de comércio, que entra na categoria de efeitos, ou seja, do aviamento. Todos esses bens podem ser avaliados, e entram nas coisas suscetíveis de alienação: por conseguinte, podem ser conferidos como contribuição social na formação da sociedade.

1 Tratado, cit., vol. III, pp. 39/42.

2 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 180.

307. Do condomínio de quotas e da natureza jurídica das quotas sociais

A lei diz (art. 1.056, C.C.) que no caso de condomínio de quota, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido. Sem prejuízo do disposto no art. 1.052, os condôminos de quota indivisa respondem solidariamente pelas prestações necessárias à sua integralização. O legislador no art. 1.056, § 2º, do Código Civil reafirma a indivisibilidade da quota em relação à sociedade, ainda na hipótese da formação de condomínio originário ou derivado. Com efeito, na parte referente ao § 1º do referido art. 1.056, tem-se regra de ordem de representação de interesses, ao passo que os direitos inerentes a elas (quotas) somente podem ser exercidos pelo condômino representante ou pelo inventariante do espólio do sócio falecido. Assim, no caso de formação de condomínio originário, ou seja, aquele que tem lugar quando da formação da sociedade, ou seja, por ocasião da contribuição social, os condôminos têm que encontar um que os represente, em todos os direitos decorrentes da posição de sócio. Não se pode olvidar, em hipótese alguma, que a quota é indivisa para a sociedade. Esse fato tem como consequência que na manifestação social aqueles que são titulares em comum de bem conferido como contribuição social devem ter representante para que esse manifeste a parte correspondente sobre o capital que é consubstanciado naquelas quotas, originariamente integralizadas para a formação da sociedade. A outra opção de condomínio sobre quotas indivisíveis tem lugar na sucessão: não raro, no caso de aceitação das quotas sociais pelo falecimento do sócio e a entrada de seus herdeiros na sociedade, tem que se indicar representante para manifestação dos direitos sociais, que pode ser, obviamente, o inventariante. Porém, nada impede que os herdeiros, desde que maiores e por unanimidade, resolvam indicar outro para representá-los na sociedade que não seja o inventariante. Com efeito, nada mais acertado que uma pessoa afeita ao mundo dos negócios assuma a representação dos demais condôminos nas votações dos sócios, sem que essa pessoa coincida, necessariamente, com o inventariante. A responsabilidade do inventariante é ultimar o processamento do inventário, pagando as dívidas, cumprindo disposições de última vontade, apresentando a formalização da partilha, etc. No caso de tal pessoa não ser o representante dos sócios na sociedade, sua responsabilidade não será em nada prejudicada, pelo fato de que os condôminos respondem pelo seu procurador. Assim, cada um deles:o inventariante e representante dos condôminos na sociedade atuam em esferas jurídicas e procedimentais completamente distintas, sem que isso prejudique a posição jurídica de qualquer deles ou lhes agrave a situação, pela responsabilidade dos atos praticados. A regra do art. 1.056, § 1º, do Código Civil é um indicativo sobre o inventariante, mas os herdeiros, por unanimidade, podem constituir representante específico para o exercício dessa função derivante das prerrogativas de sua nova condição jurídica, que é aquela de sócio, e não única e exclusivamente de herdeiro. Desta feita, a doutrina afirma que “conquanto admitido o condomínio de quotas, estas são, com relação à sociedade, indivisíveis. Na ocorrência, pois, de diversos titulares de uma ou mais quotas, caberá ao representante destes o exercício dos direitos a elas inerentes”.1

Os direitos e poderes de sócios, na sociedade limitada, são determinados em função da participação sobre o capital social. Esta é uma característica e princípio das sociedades de capitais, ou seja, naquelas em que a participação nos lucros e nas perdas envolve a própria participação sobre o capital social. Com efeito, nos direitos inerentes à figura de sócios, entram suas habilidades pessoais (conforme a sociedade), mas, sobre tudo, as atribuições administrativas e a distribuição dos lucros.

Conforme GIUSEPPE FERRI , na sociedade de capital o sócio existe in quanto tale e se caracteriza pelas suas próprias participações sociais sobre o capital, ou seja, tem determinadas prerrogativas jurídicas e titularidade de direitos e qualidade jurídica na medida em que tem participação social: com efeito, disso se depreende o fato que é a relevância que o ordenamento jurídico confere ao capítulo das participações sociais, seus direitos decorrentes, entre eles o de administração e o de participação nos lucros. Com efeito, a subdivisão do capital social em partes pode, de fato, atuar em duas formas diversas, conforme a natureza capitalista da sociedade seja mais ou menos acentuada. As partes do capital social podem ser determinadas em função da pessoa dos sócios ou, ao contrário, em base a uma subdivisão prévia e abstratamente operada no ato constitutivo da sociedade. Diante desse diverso critério de subdivisão, entram na noção de quotas e ações, bem sabendo que “la quota esprime la partecipazione del socio al capital sociale e costituisce un complesso unitario di diritti e di poteri, in quanto unico è il soggetto al quale tali diritti e poteri fanno capo. Si tratta di uma nozione riflessa, che esprime la posizione del socio nella società, avuto riguardo alla parte che gli è riferita. E pertanto la posizione del socio necessariamente si riverbera nella struttura e nella sua disciplina giuridica”.2

Desta feita, a quota exprime a participação do sócio sobre o capital social, constituindo, assim, um complexo unitário de direitos e poderes: é por ser unitário que emerge a natureza indivisível da quota social. Na qualidade de complexo unitário de direitos e poderes, tem-se: participação nos lucros; nas perdas; administrar a sociedade; etc. Com efeito, na clássica escola italiana de 1942, esse é o principal fundamento em ter na sociedade limitada uma sociedade de capital. Com efeito,

1 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das sociedades comerciais, cit., p. 136.

2 Manuale, cit., pp. 291/292.

a divisão de poderes e direitos é feita sobre o capital social, ou seja, por quotas de um capital. Ainda que a figura pessoal do sócio não seja olvidada, naquele primeiro fato estaria o principal matiz dessa sociedade, vale dizer, que os seus direitos e deveres derivam de uma determinada participação sobre um capital social. Se comparada com as sociedades de pessoas clássicas (sociedade em nome coletivo e comandita simples), os poderes e direitos dos sócios derivam mais de sua posição de sócios e do fundo social que sobre uma “participação” sobre um capital social. Nas sociedades em nome coletivo, todos os sócios são gerentes, sem que se tenha a preponderância sobre um capital social. Da mesma forma, na sociedade em comandita simples, ainda que o comanditário seja o sócio “capitalista”, tal figura está impedida de administrar a sociedade, bem sabendo que a sociedade não existiria sem o seu capital, por exemplo. Por conseguinte, na sociedade em comandita simples existe exatamente o contrário, quanto mais rico for o comanditário, e mais capitais investir, menos administrará aqueles capitais, que agora forma o fundo social, e estão sob a administração do sócio comanditado. Ora, a sociedade limitada e a sociedade por ações representam a antítese desse sistema: nelas governam e exercem os poderes derivantes de controle e administração aqueles que têm a participação social correspondente para tal ato. O poder de administração dessas sociedades é medido pela participação sobre o capital social, em sistema completamente contrário ao das sociedades de pessoas. Por esse motivo, grande parte da doutrina italiana – desde o Código de 1942 – sempre teve na sociedade limitada uma sociedade de capital. A própria colocação da sociedade limitada, após a disciplina da sociedade por ações, no Codice Civile de 1942, é suficiente em demonstrar como o referido texto normativo, desde a sua edição, confluía a sociedade limitada ao caminho da sociedade de capital. Dentro do grupo das sociedades de capitais estão as sociedades por ações, as limitadas e as comanditas por ações, já afirmava o grande Brunetti, e de maneira ainda mais específica se asseverava que “la società a resp. limit. nella sua fase di costituzione è regolata dalle norme della società per azioni”.1 O fato mais interessante é que o Decreto 3.708/19 seguia a direção em ter a sociedade limitada como fenômeno característico do cenário empresarial de pequeno ou médio porte, distante da figura acionária clássica, tipicamente capitalista. Essa perspectiva legislativa, bastante flexível e aberta, permitiu o florescimento de infinitas sociedades, que bem souberam interpretar o referido Decreto 3.708/19. Neste passo, foi importante a elaboração doutrinária e jurisprudencial “para cada caso”, sempre no entendimento equânime das questões societárias, não tendo nesse tipo societário uma sociedade de pessoas e também não uma sociedade de capital. Porém, o Código Civil de 2002, na parte da sociedade limitada, seguiu a direção de ter na sociedade limitada uma sociedade de feição capitalista, nos moldes da legislação italiana de 1942, antes da reforma de 2003. Com efeito, é realmente esdrúxulo que o legislador pátrio de 2002 siga perspectiva capitalista, sabendo que a prática da sociedade limitada no país envolve infinitas sociedades, e tê-las como sociedades de capitais é uma visão simplista do fenômeno associativo, feito na forma de sociedade limitada.

Com certeza que a participação societária sobre um capital social é decisiva em estabelecer prerrogativas e direitos aos sócios na sociedade limitada, porém, esse não é o único que serve para formar e consubstanciar todos os elementos dessa sociedade. Não raro se encontram nas sociedades limitadas sócios que não exercem a administração; outros que exercem apenas os poderes de representação; outras sociedades em que falecendo um dos sócios praticamente a sociedade se inviabiliza na sua continuidade ou em razão de uma identificação entre a figura do sócio e a empresa, ou seja, fenômeno tipicamente pessoal na administração social, etc. O Decreto 3.708/19, seguindo a legislação alemã, foi na direção oposta do atual Código de 2002, e nisso teve o seu sucesso. O que se quer dizer é que existem infinitas sociedades limitadas nas quais a figura do sócio não é “fungível”: seu desaparecimento pode acarretar a dissolução da entidade societária. Como ter nessa sociedade uma sociedade de capital? Evidentemente que se tem sociedade híbrida, na qual a participação sobre um capital determinou os direitos e poderes respectivos aos sócios, mas o desaparecimento de um ou alguns pode representar uma solução de continuidade da entidade social.

A natureza jurídica da quota está na qualidade de título de representação sobre um capital. Os direitos, deveres e poderes que derivam dessa representação sobre um capital não são suficientes em ter nessa sociedade um fenômeno estritamente capitalista porque, muitas vezes, a figura do sócio é decisiva para a continuidade da entidade societária. O elemento formador da sociedade não é unicamente a quota, em si mesma, mas os direitos, deveres e poderes dela derivantes, o que, efetivamente, reverberam sua natureza.

Apenas em alguns casos a figura dos sócios será “fungível”, ou seja, o seu desaparecimento ou a cessão das quotas de participação não acarretarão a solução de continuidade da sociedade. Por outro lado, infinitas são as sociedades limitadas que não contam com sócios “fungíveis” até porque infinitas são as sociedades abertas e por serem abertas não entram única e exclusivamente sócios na condição de pessoa jurídica.

1 Trattato, cit., vol. III, pp. 3/51.

A cessão das quotas é o principal fato que determina se se está diante de uma sociedade limitada aberta ou fechada. Devo advertir que prefiro os termos sociedade limitada aberta e fechada que ter na sociedade limitada um fenômeno eminentemente pessoal ou capitalista. Praticamente é impossível determinar se uma sociedade limitada é “pessoal” ou “capitalista” até porque os contratos podem ser vítimas das baralhadas ou a realidade desmente a prática dos negócios, e assim por diante. A sociedade pode ser considerada fechada naquilo que alguns denominam como de pessoas se impossível a cessão das quotas aos terceiros ou se essa transferência somente pode ser autorizada por unanimidade dos sócios. A sociedade será aberta se o contrato social autorizar a transferência das quotas para terceiros, observando a aprovação de um quarto do capital social, ou mais, até, por exemplo, três quartos do capital. Como se verá, infra, a regra do art. 1.057, caput, do Código Civil é verdadeiramente esdrúxula. A natureza da quota, como se disse, é a de valor representativo de direitos e poderes: a principal finalidade em ter essa natureza jurídica é permitir que a quota seja passível de transferência a terceiros, sócios ou não. A quota representa direitos e poderes, e sua transferência tem essa qualidade. Esse valor de representação sobre um capital não pode ter a natureza de título de circulação, como as ações e debêntures, cada uma nas suas próprias funções e naturezas intrínsecas. A quota de um sócio, necessariamente, é única e indivisível em relação à sociedade. Ensina a melhor doutrina italiana: a quota é a medida da participação de um único sócio considerado, e com a finalidade de determinar sua participação na sociedade. Todas essas características, somadas e vistas em conjunto, têm na circulação da quota a sua principal razão de ser. A circulação da quota encontra o seu pressuposto em uma transmissão de posição de sócio e representa uma consequência de tal transmissão. Por isso, a quota não pode ser representada por um título de circulação como as ações.1 Com efeito, a impossibilidade de emisão de quotas visa, objetivamente, a diferenciação desse tipo das sociedades por ações, quando esses títulos de representação do capital podem ser livremente negociados – porém, na sociedade limitada, ainda que as quotas sejam representativas do capital social, impossibilitada está a emissão desses valores e transformação em títulos meramente negociáveis porque o fator pessoal é muito significativo na sociedade limitada. O art. 2.468 do Codice Civile estabelece: as participações dos sócios não podem ser representadas por ações nem constituir objeto de investimento. Essa regra é fundamental em diferenciar os dois tipos de sociedade: a) sociedade limitada; b) sociedade por ações). Ou seja, o matiz capitalista na sociedade limitada é restrito, de tal forma que se manifesta na impossibilidade de emissão de quotas para livre circulação. Se assim fosse autorizada, haveria confusão entre a sociedade limitada e a sociedade por ações, evidentemente não aconselhável.

Por isso, desde o seu surgimento, o matiz capitalista da sociedade limitada é muito discutível: somente seria capitalista se os títulos representativos desse capital social pudessem ser livremente cedidos aos terceiros, assim como são nas sociedades por ações. Até mesmo as sociedades por ações passam por restrições sobre a circulabilidade de suas ações, notadamente nas sociedades anônimas fechadas. Essas são restrições voluntárias, ou seja, que entram na própria formação do estatuto social e representam o interesse social da sociedade manifestada em sociedades que não integram os mercados abertos de negociações de ações, ou seja, as bolsas de valores. Por conseguinte, a natureza jurídica das quotas, ainda que se assemelhe com as ações, na perspectiva de: a) representar uma soma sobre um determinado capital; b) conferir direitos, poderes e obrigações aos sócios; c) instituir o estado jurídico de sócios; etc., cumpre ressaltar que as quotas na sociedade limitada também se consubstanciam sobre a administração social, que, em determinados casos, está correlacionada com a própria pessoa do sócio, e tal pessoa não é “fungíviel” como o capital que tem representado em seu bolso.

O art. 2.468 do Codice Civile estatui: “I diritti sociali spettano ai soci in misura proporzionale alla partecipazione da ciascuno posseduta”, ficando aberta a possibilidade, pelo contrato social, de estabelecer outras atribuições aos sócios, principalmente no que se refere aos poderes administrativos e na distribuição dos lucros. Com efeito, na esteira de MODESTO CARVALHOSA , os sócios da sociedade limitada possuem, no momento constitutivo da sociedade, ampla liberdade de escolha, podendo optar pela estrutura mais fechada, aproximada das sociedades de pessoas, ou de caráter institucional, aproximando-se das sociedades de capital.2 Desta forma, é exatamente a escolha que acarreta o estudo da natureza da quota social, que tem natureza híbrida, ao representar uma parcela de capital, mas, também, tem atinência com a figura dos sócios e com a administração da sociedade. Sua natureza jurídica, ao mesmo tempo em que é representativa de direitos e poderes, passível de circulação, não pode ser nominativa, com a finalidade de oferta em mercados ou investimentos. Tem, portanto, correlação com sua finalidade, que é a administração social, e participação nos lucros e nas perdas. Conquanto possível de cessão aos terceiros, sócios ou não, diferencia-se bastante das ações, facilmente negociáveis nos mercados acionários e derivados. As quotas são, portanto, instrumentos da própria sociedade; por isso, em relação à

1 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 292.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 79.

sociedade, elas são consideradas indivisíveis e materializam não apenas um crédito contra a própria sociedade, na perspectiva do sócio, mas constituem direitos e obrigações, e fazem emergir a categoria de sócio na confluência de órgão social. A quota possibilita a responsabilidade limitada do sócio ao capital investido, e, no mesmo momento, institui a sua figura jurídica, como órgão social de administração e representação.

308. Da cessão das quotas sociais

Nos termos do art. 1.057 do Código Civil, na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. Com efeito, a cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio (art. 1.003, C.C.). O modo de transferência da quota se diferencia daquele previsto para as ações, considerada na sua vertente creditória diante da sociedade. A cessão, considerada em sentido amplo, responde perfeitamente como instrumento para a circulação da quota, em correspondência ao valor intrínseco que representa sobre a sociedade. Do ponto de vista da sociedade, as quotas representam somente o feixe da relação contratual que une o sócio à sociedade. Essa relação contratual pode ser alienada, e a forma será sempre a da cessão de quotas, onerosa ou gratuita. Na esfera crítica, o art. 1.057, caput, do Código Civil é verdadeiramente uma inovação: na parte da cessão, diz que, na omissão do contrato, o sócio poder ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente da audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Na realidade, o contrato social das sociedades limitadas estabelece que a cessão das quotas pode ser feita somente se contar com aprovação de quorum significativo, muitas vezes de três quartos sobre o capital, ou do consenso de todos os demais sócios.

Não se pode olvidar que muitas sociedades limitadas têm perfil pessoal na administração e na sua constituição: são sociedades formadas por enraizados vínculos familiares e societários, que confluem na impossibilidade de cessão das quotas a terceiros, quanto mais pela não-oposição de apenas um quarto sobre o capital social. Com efeito, se uma sociedade tem, por exemplo, que para a cessão das quotas basta contar com a aprovação de metade mais um dos votos representativos do capital social, desse fato podem surgir ameaças de alienação da quota a terceiro, como represália contra uma outra situação dentro da sociedade. Ou seja, um sócio pode, frequentemente, ameaçar a alienação das suas quotas a terceiro com o objetivo de influenciar decisões societárias, impedir a realização de negócios sociais, etc., contribuindo para a quebra da affectio societatis. Não é “facilitando” a transferência das quotas, via quorum baixo para sua aprovação, que se terá um incremento na administração das sociedades ou sua profissionalização. Muitas vezes essa regra pode se mostrar nefasta aos interesses sociais. Por sua vez, pode ser ainda mais nefasta a regra que permite, nos termos do art. 1.057, caput, do Código Civil a cessão das quotas entre os sócios, sem se perquirir sobre a oposição dos outros sócios. Toda essa situação decorre do fato de que o legislador de 2002 entendeu por bem que o regime geral das sociedades limitadas seria o de sociedade de capital, e caberia ao contrato social dispor ao contrário, mantendo, ao caso em espécie, a natureza pessoal da sociedade. Essa perspectiva é discutível: primeiro, porque a sociedade limitada tem feição híbrida; segundo, no país a imensa maioria das sociedades limitadas são sociedades de pessoas; terceiro, porque o modelo italiano seguido pelo Código Civil de 2002 já passou por reformas, e a sociedade limitada acabou perdendo, pelo menos em grande parte, essa eventual primazia capitalista nas relações dos sócios e a sociedade. Bons tempos eram aqueles do Decreto 3.708/19 e do Código Comercial de 1850 (art. 334). Com efeito, a revogada lei das sociedades por quotas de responsabilidade limitada era silente sobre eventual quorum para aprovação da cessão das quotas sociais. O art. 334 do Código Comercial dizia na parte primeira que: “A nenhum sócio é lícito ceder a um terceiro, que não seja sócio, a parte que tiver na sociedade, nem fazer-se substituir no exercício das funções que nela exercer sem expresso consentimento de todos os outros sócios; pena de nulidade do contrato.” Evidentemente que o contrato social da sociedade limitada é fonte de direito na esteira que a manifestação de vontade dos sócios, na sua elaboração, faz lei entre as partes. Ocorre que nesses tempos contemporâneos, de tantas perlengas de toda ordem, a “palavra” vale muito pouco, infelizmente, e não faltam aqueles que postulam pelo revisionismo das coisas já pactuadas. Melhores tempos, ainda, eram aqueles da pacta sunt servanda , quando as pessoas deveriam manter aquilo que prometiam e convencionavam.

Se os sócios, na redação do contrato social, convencionam que em nenhuma hipótese a sua quota social poderá ser cedida a terceiros, sócios ou não, essa regra, na sociedade limitada, é perfeitamente válida, e entra na liberdade de contratar. Impraticável qualquer alegação de direito público contra a disposição voluntária dos sócios, muito menos aquela que ninguém será compelido a associar-se ou a permanecer associado (art. 5º, XX, Constituição Federal). Ora, não seria e melhor posição, data maxima venia, defender que a regra da impossibilidade da cessão das quotas a terceiro estranho ou sócio seria uma afronta ao art. 5º, XX, da Constituição: basta que o sócio apresente o seu pedido de exclusão da sociedade (art. 1.029, C.C.), ou requeira a dissolução da sociedade (art. 1.033, C.C.) ou apresente o pedido de falência da sociedade (art. 97, III, Lei 11.101/05), conforme cada caso e seus fundamentos jurídicos. O capítulo da cessão das quotas reflete, com perfeição, se a sociedade limitada entra na esfera pessoal ou capitalista. Quanto mais rígido for o contrato social, impedindo, limitando ou restringindo a referida cessão, mais próxima será essa sociedade do conceito de sociedade limitada de feição pessoal.

Quanto mais “aberta” for a sociedade, permitindo ampla circulação das quotas, nos termos do art. 1.057, caput, do Código Civil, mais capitalista será essa sociedade, bastando para isso observar a regra, já mencionada, que para a cessão basta a nãooposição de titulares que representem mais de um quarto do capital social. Neste caso, tem-se sociedade limitada capitalista, extremamente “aberta” e flexível na sua constituição societária, de tal sorte que a entrada e saída dos sócios é feita facilmente.

Imperioso notar que da realidade prática pouquíssimas sociedades limitadas entram na segunda hipótese, ou seja, aquela da regra geral do art. 1.057, caput, do Código Civil, e, ao reverso, inúmeras são aquelas sociedades limitadas que têm feição pessoal, e, por conseguinte, devem se afastar do regramento do referido art. 1.057. Com isso, está provado que o legislador se equivocou ao instituir como regra geral uma figura normativa aplicada somente em casos especiais, quando, na verdade, deveria, ao menos, ter estabelecido quorum mais alto para a aprovação da cessão das quotas. O termo aprovação pode causar estranheza ao menos avisado: contudo, ainda após a edição do Código Civil de 2002, para que a cessão das quotas tenha efetividade jurídica, tal ato negocial deverá ser aprovado pelos demais sócios. Essa aprovação tem lugar porque em relação à sociedade a quota social é única e indivisível: por conseguinte, para que a cessão produza efeitos jurídicos é necessária a aprovação dos demais sócios, seguindo o que diz o art. 1.057, ou seja, a aprovação, no caso de cessão a terceiros estranhos, se faz somente se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Não se pode olvidar também que o art. 1.057 diz, expressamente, que tudo isso se aplica somente na omissão do contrato, ou seja, os sócios têm, na elaboração do contrato social, ampla autonomia em dispor completamente ao contrário do que dispõe o art. 1.057, caput, do Código Civil porque essa regra é meramente indicativa, e nunca supletiva da vontade dos sócios. Seria descabida ingerência estatal impor como regramento único, sobre a vontade dos sócios, a indicação do art. 1.057 do Código Civil. Portanto, cabe ressaltar que é lícito, e entra no capítulo da autonomia da manifestação de vontade individual, e com efeito : a) o contrato social da sociedade limitada pode estabelecer que, no caso de cessão das quotas sociais, a sócios ou terceiros estranhos, é obrigatória a aprovação da unanimidade dos demais sócios, sob pena de nulidade da alienação; b) o contrato social da sociedade limitada pode estabelecer que no caso da cessão das quotas a sócios ou terceiros estranhos é obrigatória a aprovação, por exemplo, de dois terços do capital social, evitando a regra da unanimidade; c) o contrato social da sociedade limitada pode estabelecer que as quotas sociais são intransferíveis a sócios ou terceiros estranhos. Na perspectiva societária, ou melhor, da sociedade, a quota é aquele vínculo contratual que une o sócio e a sociedade: esse vínculo, obviamente, que não é eterno e pode ser dissolvido com: a) cessão das quotas; b) a exclusão do sócio; c) o exercício do direito de recesso; d) a dissolução parcial ou total da sociedade; e) a falência da sociedade. Salvo casos raros, no mais das vezes os fatores que unem os sócios nas sociedades limitadas são aqueles atinentes aos vínculos familiares, de profunda amizade, de interesses em comum, ou seja, vínculos nos quais os sócios nutrem respeito comum, identificação de objetivos semelhantes, fatos que podem ser construídos durante anos e anos de esforço comum na sociedade. Seria realmente esdrúxulo supor, como faz o art. 1.057, caput, do Código Civil, que de uma hora para outra entrem nessa sociedade novos sócios desconhecidos (cessão das quotas a terceiros estranhos) ou com objetivos diversos, que somente tumultuarão o bom andamento dos negócios sociais, podendo acarretar até o desaparecimento da affectio societatis ou inviabilizado a empresa comum. Não é apenas uma questão de intuitu personae, mas a sociedade limitada, na sua feição pessoal, mantém enorme correlação sistêmica com a sociedade em nome coletivo, bem sabendo que o diferencial entre esses dois tipos societários é, precisamente, a limitação de responsabilidade às quotas investidas no negócio. Ora, poucas são aquelas sociedades limitadas em que a importância do capital suplanta em muito a importância da pessoa dos sócios ou os laços societários construídos durante muitos anos de exercício comum da atividade empresarial societária. Sociedade é contrato plurilateral: nessa direção, a manifestação de vontade dos sócios é fator de constituição objetiva e subjetiva do vínculo societário, de tal modo que essa vontade é sempre lícita, desde que não venha contrariar a ordem pública. Visível que as cláusulas contratuais que impedem, limitam ou restringem a circulabilidade das quotas sociais são cláusulas de juridicidade perfeita e não podem ser atacadas por infundadas proposituras.

Ora, nem mesmo sob o império do Decreto 3.708/19 poderia se argumentar contrariamente: na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, se o contrato social fosse silente sobre a restrição de cessão das quotas, teria aplicação imediata a regra do art. 334 do Código Comercial, já acima aventado, ou seja, da necessidade de aprovação unânime dos demais sócios. Ademais, o Decreto 3.708/19 era silente sobre o “direito de recesso” do sócio que desejava sair da sociedade, no caso de impossibilidade de cessão das quotas, porque, neste caso, bastava a esse sócio requerer a dissolução da sociedade, nos termos do art. 335, 5, do Código Comercial, quando as sociedades entravam em dissolução “por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo indeterminado”. Então, mesmo naqueles memoráveis anos, já se sabia que ninguém seria obrigado a permanecer em sociedade infinitamente, bastando, ao contrário, se socorrer do revogado art. 335, 5, do Código Comercial e promover a dissolução da sociedade.

Nada disso deve ser alterado após a chegada do Código Civil de 2002: se o contrato social impede a cessão das quotas ou o sócio não alcança a necessária aprovação dos demais, basta que exercite o seu direito de recesso, nos termos do art. 1.029 do Código Civil. Se a sociedade é por prazo indeterminado, o sócio pode retirar-se a qualquer tempo, apenas notificando os demais, com antecedência mínima de sessenta dias; se a sociedade é por prazo determinado, pode ser, provando a justa causa. Com isso encontra-se perfeita harmonia entre o art. 1.057 do Código Civil e o direito de recesso do sócio. Desta feita, o Registro das Empresas somente poderá arquivar cessão de quotas e respectiva alteração contratual se acompanhada da aprovação dos demais sócios (por unanimidade ou maioria), no caso de expressa cláusula contratual que assim determine. Exercido o direito de recesso, terá aplicação o art. 1.031 do Código Civil: nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Bem sabendo que a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime ou a seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação (art. 1.032, C.C.). Somente no caso de omissão do contrato social é que tem aplicação o caput do art. 1.057 do Código Civil. Assim, se o contrato for omisso, a cessão das quotas entre os sócios poderá ser feita sem a necessidade de consulta ou aprovação dos demais sócios, naquilo que o legislador denomina de “independentemente de audiência dos outros”. E, ainda somente no caso de omissão do contrato social, na hipótese de cessão das quotas a terceiro estranho, é que tem aplicação a regra: se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. Com efeito, data venia, não sigo a opinião do preclaro MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar: “As restrições à cessão das quotas, previstas legal ou contratualmente, devem, assim, ser bem compreendidas. Não podem tais restrições impedir a cessão, a ponto de o cedente ficar impossibilitado de alienar suas quotas, o que resultaria em clara afronta ao direito constitucional de propriedade. Prevalece o princípio de que não pode o sujeito privado dispor de direito de outro sujeito, aí, obviamente, incluído o de propriedade. Somente o Poder Público pode dispor da propriedade privada mediante justa indenização do valor expropriado (art. 5º, XXIV, da Constituição Federal).”1

Não há correlação entre as matérias aventadas, data maxima venia. Com efeito, os sócios, na elaboração do contrato social, têm plena autonomia na manifestação da vontade, e ninguém estaria dispondo de direito de outro sujeito, até porque na formação do contrato social o consenso entre os sócios é a regra geral, bem como na entrada de outros sócios. Ademais, não tem nenhum fundamento argumentar que a impossibilidade da cessão das quotas, contratualmente pactuada, seria medida de total desobediência ao princípio constitucional previsto no art. 5º, XX, da Constituição Federal. Já se disse acima, mas é de bom alvitre recordar que os sócios, nas sociedades por prazo indeterminado, podem se retirar da sociedade quando bem entender, apenas devendo notificar a sociedade desse tal propósito, nos termos do art. 1.029 do Código Civil. Então, fica evidente que nenhum sócio está obrigado a permanecer associado ou impedido de se retirar da sociedade, muito pelo contrário. A cláusula contratual que impede a cessão das quotas, a sócios ou terceiros estranhos, é juridicamente perfeita e representa que a sociedade limitada é eminentemente pessoal, ou seja, que os sócios não desejam a entrada de nenhum outro sócio na sociedade, e que, também, não desejam, sem o consentimento expresso de todos, uma alteração no quadro societário referente ao capital social de cada um: nada mais jurídico que isso, e toda doutrina em sentido contrário deve ser repelida por emprestar ao texto normativo um sentido diverso daquilo que realmente o legislador quis disciplinar, emprestando ao texto da lei uma interpretação contrária aos princípios e regramentos societários. A quota, em relação à sociedade, é indivisível: esse é um dos fatores que fundamentavam o entendimento da doutrina clássica no caso de cessão das quotas, ao passo que, pelo fato de ser única e indivisível, sua cessão teria que ser acompanhada da aprovação unânime dos demais sócios para que alcançasse os efeitos cabíveis.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 83.

Ocorre que para a sociedade a quota é verdadeiramente indivisível, mas, na esfera de contrato plurilateral, ela representa o feixe do contrato vinculando sócio e sociedade, representando na contribuição social. Depois de devidamente integralizados os capitais, essa quota se mostra como representativa de um valor mensurável, sem perder sua natureza de feixe contratual entre sócios e sociedade. Contudo, devidamente integralizada, essa quota social entra na qualidade jurídica dos bens passíveis de negociação, porque mensuráveis, e podem ser consideradas individualmente, entrando na titularidade patrimonial do sócio. Diante do fato de que essa quota entrou na sua esfera de titularidade patrimonial, mensurável em valores, pode ser negociada, ainda que em relação à sociedade a quota tenha a condição jurídica de conferir direitos políticos aos sócios, vale dizer, o direito de administrar a sociedade, votar nas deliberações sociais, fiscalizar a sociedade, etc. Por conseguinte, é no regramento da parte política dos direitos derivantes da quota social que entra a plena autonomia contratual dos sócios, de tal sorte que os sócio podem impedir sua cessão aos terceiros, sem que isso caracterize, em hipótese alguma, disposição sobre direito de outro sujeito, porque, e por bem da verdade, quem dispõe sobre bens e direitos de outrem não seria mais que um estelionatário. Desta feita, as restrições à cessão das quotas são plenamente válidas e não ferem, em nada, os preceitos constitucionais do direito da propriedade ou de permanecer associado. Com efeito, as restrições, limitações e impedimentos da cessão das quotas não se resumem ao fato de estabelecer “preferência” na ordem para aquisição das quotas. Então, os sócios das sociedades limitadas têm ampla liberdade para convencionar, em sistema de pacta sunt servanda e autonomia da vontade, formas restritivas da circulação das quotas, bem sabendo que nesse caso a sua manifestação será e terá coincidência com a própria vontade social. A restrição na cessão das quotas é plenamente admitida, e o art. 1.057, caput, do Código Civil tem aplicação somente no caso de omissão do contrato social. Com efeito, a partir do momento em que o sócio encontra oposição de mais de um quarto sobre o capital social, opondo-se à cessão das quotas a terceiros, esses sócios que se opuseram àquela pretensão não ficarão, em hipótese alguma, obrigados a adquirir a quota do sócio vencido. O que o sócio vencido deve fazer é muito simples e consta de expresso texto normativo: além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa (art. 1.029, C.C.). Desta forma, os outros sócios não estão constrangendo o outro sócio a permanecer na sociedade, e nenhum sócio é obrigado a adquirir quota social de outro sócio: basta que o sócio vencido na deliberação apresente a notificação cabível, comunicando que pretende retirar-se da sociedade, e terá direito ao recebimento dos valores, nos termos do art. 1.031 do Código Civil. Os demais sócios, diante da apresentação do pedido de retirada da sociedade, podem, simplesmente, aprovar a dissolução total da sociedade, por expresso mandamento do art. 1.029, parágrafo único, quando determina: nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. Com isso, o legislador afastou qualquer dúvida sobre o procedimento a ser utilizado no caso em questão. Há, portanto, correlação entre o direito que o sócio tem de efetuar a cessão das suas quotas com a perspectiva de que a sociedade pode impedir tal negócio jurídico, sempre nos limites do contrato social, que faz lei entre as partes contratantes. Sobre esse reflexo, a transferência seja por atos entre vivos e mortis causa pode ser impedida, limitada ou condicionada pelo contrato social. Em resumo, a transferência da quota social ocorre: por atos entre vivos, que pode ser limitado, condicionado ou proibido pelo contrato social, e essas restrições podem incidir em relação à pessoa do cedente, e dos cessionários, ou com preferência aos atuais sócios; a transferência pode ser autorizada aos terceiros indicados no contrato social; pode ser negada aos terceiros estranhos à sociedade; que a transferência seja aprovada por unanimidade; que a transferência, por mortis causa, seja livre, proibida ou condicionada. No caso de transferência mortis causa, a condição se opera nas seguintes hipóteses: a) deliberação dos sócios, que pode ser por unanimidade; b) expressa aceitação dos herdeiros em assumirem a condição de sócio. Os sócios que participaram do esforço comum na construção da sociedade, durante anos e anos e formaram vínculos societários de elevada consideração não podem ter, de uma hora para outra, um novo sócio na sociedade, desconhecido ou mesmo um perdulário, por conta da mera cessão das quotas de um dos sócios, de tal sorte que é perfeitamente lícito que o contrato social estabeleça limites, restrições ou impedimento à cessão das quotas, tudo na conformidade da lei e na manifestação soberana da vontade social. Outra questão importante é que nas sociedades empresárias não há sucessão imediata nas quotas sociais em razão do falecimento dos sócios: o contrato social pode estabelecer que falecendo qualquer dos sócios a sociedade se dissolve de pleno direito; que falecendo qualquer dos sócios, a quota do sócio falecido será liquidada nos termos do 1.031 do Código Civil; se o contrato social for silente, nem mesmo assim os herdeiros assumem, automaticamente, a condição de sócio, porque sua admissão na qualidade de sócio ficará condicionada à aprovação dos demais sócios sobreviventes, bem como a entrada de novos sócios na sociedade requerer a expressa concordância do próprio herdeiro. Se o herdeiro não aceita a qualidade de sócio, a quota será liquidada nos termos do art. 1.031, bem como na hipótese da sua não entrada na sociedade por deliberação dos sócios. Com efeito, não há transmissão automática da qualidade de sócio ao herdeiro do sócio falecido: somente o contrato social poderá estabelecer, expressamente, que, falecendo qualquer dos sócios, seus herdeiros entram na qualidade de sócios. Com efeito, não se deveria seguir o entendimento do preclaro MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar que: “Reitere-se que o direito subjetivo do sócio de alienar suas quotas não pode ser suprimido pela vontade dos demais sócios ou por disposição

contratual (art. 122 do Código Civil de 2002). Em caso de omissão contratual, os sócios representando mais de um quarto do capital social que se opuserem à cessão de quotas a terceiros, conforme previsto no art. 1.057, ficarão obrigados a adquirir essas quotas pelo preço e condições pré-acordados entre o sócio cedente e o terceiro pretendente.”1

Ora, essa solução não tem amparo normativo: a) o art. 122 do Código Civil não tem aplicação no caso em espécie porque nenhum sócio está sujeito ao puro arbítrio de uma das partes, ou seja, dos outros sócios, bem sabendo que foi na formação da sociedade, por expressa manifestação de vontade e de aceitação, que o sócio pactuou pela impossibilidade da alienação das quotas a terceiros estranhos; b) a figura jurídica da impossibilidade de alienação das quotas é perfeitamente lícita e entra na liberdade dos contratos, aceita nas legislações de todos os quadrantes, inclusive do art. 1.331 do Codice Civile; c) é manifestamente impossível obrigar o sócio a adquirir as quotas pelo preço pré-acordado entre o sócio cedente e o terceiro pretendente, porque esses sim poderiam praticar ato em puro arbítrio, impondo condições de negocição lesivas aos demais sócios, com o único objetivo de impedir a aquisição das referidas quotas, diante de valores abusivos, acarretando, inclusive, a dissolução da sociedade; d) não há dispositivo normativo algum que determine aos demais sócios a obrigação de adquirirem as quotas do sócio cedente; e) ao contrário, há expresso comando normativo, dizendo “na omissão do contrato” (art. 1.057, caput, C.C.), o que permite interpretar, nos termos da melhor doutrina, que o legislador autorizou os sócios a limitarem, condicionarem ou limitarem a cessão das quotas a terceiros, tudo nos termos do contrato social, que faz lei entre os sócios; f) o sócio impedido de alienar sua quota a terceiro estranho deve exercer o direito de retirada, nos termos do art. 1.029 do Código Civil. O sábio legislador do Codice Civile de 1942 estabelece a hipótese de direito de retirada do sócio a qualquer momento, nos termos do art. 2.473, determinado que: no caso de sociedade por prazo indeterminado, o direito de recesso compete ao sócio em qualquer momento e pode ser exercido com uma notificação de ao menos cento e oitenta dias de antecedência, ressalvando que o contrato social pode estabelecer prazo maior, desde que não superior a um ano. Neste passo fico na companhia do exímio ANTONIO BRUNETTI, ao afirmar que a proibição ou a limitação da cessão das quotas sociais representa uma sólida barreira contra a entrada na sociedade de estranhos, os quais são, muitas vezes, elementos de discórdia e desagregação entre os sócios, o que o contrato social deve evitar.2 Assim ficam apaziguadas todas as celeumas: o sócio, na sociedade por prazo indeterminado, pode retirar-se da sociedade a qualquer momento, desde que notifique a sociedade, e tem direito ao reembolso das próprias participações sociais, nos termos do art. 1.031 do Código Civil. Desta forma, a restrição, limitação ou impedimento à cessão das quotas é perfeitamente lícita, e o sócio pode exercer o seu direito de retirada nos termos do art. 1.029 do Código Civil, na plenitude dos seus direitos de sócios, que não ficam, em nada, tolhidos pelo contrato social. Ao contrário, o exercício do direito de recesso é verdadeira manifestação unilateral de direito de sócio, qual seja, o de retirar-se, unilateralmente, da sociedade nos termos cabíveis.

A interpretação aqui apresentada observa, acertadamente, os postulados da preservação da sociedade e o direito individual dos sócios: com efeito, exercendo o seu direito de retirada na sociedade por prazo indeterminado, tal fato evita a dissolução total ou parcial da sociedade, como se fazia no sistema antigo. Sem que a sociedade entre em dissolução, mas apenas ocorra a retirada de um dos seus sócios, no prazo da notificação fixado pela lei, a sociedade é preservada, atendendo sua função econômica e social, como elemento institucional e de incomensuráveis valores empresariais.

309. Da fattispeciena cessão de quotas

Seguindo a doutrina de ANTONIO BRUNETTI, tem-se que perquirir a fattispecie no caso de cessão de quotas, nos seus inúmeros desdobramentos. Nesta direção, entre os pactos estatutários de limitação da transferência das quotas é frequente aquele que obriga o sócio atual, antes de negociar a quota social, a oferecer a quota para eventual aquisição dos demais sócios. Esta regra é clássica, e informa que a natureza do contrato social de uma determinada sociedade limitada tem matiz pessoal, reservando, em caráter prioritário, aquela quota aos atuais sócios. A oferta aos consócios corresponde à faculdade deles de adquirirem com preferência a respectiva quota, preferência sobre qualquer terceiro estranho. O sócio que intende alienar a quota permanece vinculado inderrogavelmente ao compromisso assumido no contrato social.3 Somente os demais sócios podem liberá-lo dessa obrigação: a) não adquirindo a quota; b) por deliberação deles, em unanimidade, na qualidade de alteração do contrato social. Com efeito, essa regra se manifesta no art. 1.331 do Codice Civile, ao passo que: quando as partes contratam que uma delas permaneça vinculada pela própria declaração e uma outra tenha a faculdade de aceitá-la, aquela declaração é considerada como proposta irrevogável.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 87.

2 Trattato, cit., vol. III, p. 136.

3 Trattato, cit., vol. III, p. 139.

A cláusula contratual ao estabelecer que o sócio deve, antes de negociar a quota com terceiros estranhos, oferecer a referida quota aos atuais sócios, caracteriza promessa e proposta irrevogável, e somente os demais sócios podem liberá-lo da obrigação, nos termos aventados. Tal cláusula contratual é uma fattispecie na cessão de quotas dentre as várias já mencionadas. Com a limitação ao direito de transferência da quota é uma fattispecie no art. 1.331 do Codice Civile. Por sua vez, essa fundamentação também tem lugar interpretativo em sede de sociedade limitada. O art. 1.331 do Codice Civile é uma pacto de opção, que tem natureza de negócio jurídico bilateral e que dá lugar a uma proposta irrevogável correlacionada à faculdade de os demais contratantes aceitarem ou não, configurando um dos elementos de uma fattispecie para a conformação sucessiva, constituída inicialmente pelo acordo entre os contratantes da sua irrevogabilidade, e, sucessivamente, pela aceitação definitiva do promissário (sócio) que, aceitando a proposta, perfecciona o contrato (Cass., civ., sez. I, 10 ottobre 2003. n. 15142). Em sociedade limitada, os sócios são ao mesmo tempo promitentes e promissários, e no momento que o sócio intende negociar sua quota deve cumprir, diante dos demais sócios, sua promessa de lhes oferecer, antecipadamente, a aquisição da quota, antes de negociá-la com terceiro estranho. Neste momento, o sócio que intende negociar a respectiva quota assume a condição de promitente, e os demais de promissários, todos perante a sociedade, em contrato plurilateral. Os demais sócios podem liberar o sócio não adquirindo a quota, e neste caso a promessa desaparece, e o referido sócio poderá negociar a quota com terceiro estranho ao quadro social: se o sócio contrariar a regra do contrato social e negociar a quota com o terceiro estranho antes de oferecê-la aos atuais sócios, o negócio será nulo em relação à sociedade e aos demais sócios, não importando efeitos contra a sociedade. Os sócios podem, inclusive, apresentar contraproposta ao sócio que intende a alienação da quota, em consonância com a livre manifestação de vontade. Se o sócio não aceitar essa contraproposta, poderá, então, alienar a quota social, desde que assim permita o contrato social, e que o valor apurado demonstre, efetivamente, sua correlação com o patrimônio social, se o contrato social não exigir outras formas de avaliação das quotas sociais dos sócios. Na opção o sócio proponente permanece vinculado à própria declaração, enquanto a outra parte é livre de aceitá-la ou não, pura e simplesmente, como também de apresentar uma contraproposta. Há somente duas formas de os demais sócios liberarem o sócio que intende negociar sua quota: a) não adquirirem a referida quota; b) alterarem o contrato social, possibilitando, agora, com cláusula expressa, que os sócios – todos – podem negociar suas quotas sociais com terceiros estranhos ao quadro social, sem que, antes, tenham que oferecê-las aos atuais sócios, para que o negócio jurídico produza efeitos contra a sociedade e eles próprios. A cessão das quotas, com a cláusula do contrato social que obriga oferecer, primeiramente, aos atuais sócios, caracteriza fattispecie societária da regra geral dos contratos comuns prevista pelo art. 1.331 do Codice Civile. Por conseguinte, somente o contrato social pode alterar a cláusula específica sobre a cessão das quotas, liberando o sócio para negociar com terceiro estranho.

Com efeito, “nel patto di opzione è negozio giuridico bilateral che obbliga entrambe le parti, sicché qualsiasi modifica concernente il contenuto del medesimo – come il termine entro il quale l’oblato può accetare la proposta, elemento costitutivo essenziale del patto di opzione – deve rivestire la medesima forma prescritta per detto negozio e provenire dalla volontà comune delle parti di esso”. (Cass. civ., sez III, 12 dicembre 2002, n. 17737). A regra geral deve ser seguida no contrato societário: assim, para alterar a cláusula do contrato social que impõe a obrigação de oferecer a quota aos sócios, antes dos terceiros estranhos, somente pode ser objeto de manifestação de vontade dos próprios sócios, em unanimidade, efetuando a respectiva modificação no contrato da sociedade. A promessa é irrevogável por parte de todos os sócios quando da formação da sociedade porque naquele momento inicial todos eles são promitentes, e, sucessivamente, alguns deles serão os promissários. Como no momento da formação da sociedade não podem ser identificados os sócios promitentes ao passo de diferenciá-los dos promissários, somente a sociedade pode, em última esfera, liberá-los, e essa manifestação tem lugar por alteração do contrato social, por unanimidade. Não vale a regra por maioria para evitar abusos contra os sócios minoritários, que, fatalmente, poderiam ser facilmente vencidos nessa deliberação. A regra contratual que estabelece prioridade na aquisição das quotas pelos sócios atuais não pode ser alterada por maioria porque tal cláusula é formadora do próprio contrato social, e denota o matiz pessoal dessa sociedade, bem sabendo que tal cláusula, com certeza, foi um dos fatores decisivos para a formação da sociedade e sua pactuação contratual. Por conseguinte, somente os sócios, todos reunidos em deliberação unânime, é que podem modificar o contrato social, alterando a natureza da sociedade, que agora poderá ter novos sócios, na condição de adquirentes de quotas sociais daqueles que, por qualquer motivo, intendem alienar sua participação social, o que denotará o matiz capitalista dessa sociedade limitada.

A cláusula que obriga o sócio oferecer aos demais consócios a sua quota social no caso de alienação não entra na qualidade dos negócios sob condição suspensiva. Por isso, o sócio que intende alienar a quota deverá informar aos demais sócios esse seu intento, e esperar, no tempo ajustado, a resposta dos demais sócios: se várias são as ofertas de aquisição das quotas, naturalmente o sócio aceitará aquela que lhe seja mais vantajosa.1

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 140.

Outra circunstância ocorre no caso de transferência mortis causa: nesta hipótese, respeitados os direitos de herança, os herdeiros têm direito ao quinhão cabível e se permite a divisão das quotas para efeitos, mas essa divisão não existe perante a sociedade. Assim, perante a sociedade a divisão entre os herdeiros não tem relevância do ponto de vista de sua constituição como contrato plurilateral, que continua funcionando com os demais sócios, e, ademais, esse contrato pode sobreviver com um único sócio por mais cento e oitenta dias, antes de entrar em liquidação. A única razão da “divisão” da quota no caso de sucessão mortis causa é a de efetuar a sua transmissão aos herdeiros, nas partes cabíveis: contudo, cada uma daquelas frações, agora, representará uma quota “nova”, com as respectivas consequências e de qualidade jurídica dos “novos” sócios, quando esses forem aceitos pelos sócios supérstites. Com efeito, essa transferência das partes sociais pode se operar nos termos do art. 1.056, § 1º, do Código Civil, ou seja, na formação de condomínio de quota, quando os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante ou pelo inventariante do espólio do sócio falecido. Com efeito, o regime de comunhão pro indiviso contemplado pela lei entra nas formas de aquisição a título derivado. Os titulares da quota indivisa são solidariamente responsáveis pelas obrigações inerentes à quota social, entre eles, da contribuição social do sócio faltoso. No caso de sucessão mortis causa é necessário fazer diferenciação entre os efeitos sucessórios dos societários para fins de sucessão nas quotas. A sucessão a título universal é aberta no momento do falecimento, mas a herança é adquirida com a aceitação, com efeitos que operam desde o momento do falecimento. Na sucessão a título particular, o legado da quota se adquire sem a necessidade de aceitação, salvo a possibilidade de renúncia. Assim, os herdeiros legítimos e legatários devem comprovar, perante a sociedade, a aceitação da herença; o legatário da quota deverá, por sua vez, comprovar essa sua condição jurídica, e fica implícita a aceitação. O contrato social pode estabelecer que o falecimento do sócio não acarreta, automaticamente, a sucessão dos herdeiros na qualidade de sócios, e que esse, em deliberação unânime ou por maioria, deve aprovar a entrada dos novos sócios. Se houver a recusa da entrada dos herdeiros na condição jurídica de sócios, a quota do sócio falecido será liquidada nos termos do contrato social, em sede de inventário. Caberá a cada um dos herdeiros um valor divisível sobre a participação do sócio falecido na sociedade. Neste passo não se falará mais em quota com significado de direitos sociais, mas na liquidação de uma participação social sobre um patrimônio, que se configura unicamente como quota de participação social, diferindo de quota de contribuição social. Com efeito, os herdeiros terão direito ao recebimento dos valores respectivos sobre o patrimônio social, que são medidos nos limites da participação que o sócio falecido possuía sobre o capital da sociedade.

Bem acertado é o entendimento de MARIA HELENA DINIZ, ao afirmar que “nada impede que o contrato social estipule a possibilidade de cessão causa mortis da quota de sócio falecido a seu herdeiro, que, então, passará a ter o status de sócio (RT, 562; 206). Se o contrato social nada dispuser a respeito, o herdeiro do sócio falecido não será o novo sócio, a não ser que os sócios sobreviventes assim o deliberem (CC, art. 1.028 c/c art. 1.053)”.1

Em todos os casos de cessão onerosa e gratuita, tem aplicação o art. 1.057, parágrafo único, do Código Civil, ao determinar que a cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes.

310. Da não-integralização da quota social

Desta feita, não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas (art. 1.058, C.C.). Neste passo, tem aplicação, por livre escolha dos sócios, a regra prevista pelo art. 1.004 do Código Civil, quando estabelece que: os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1o do art. 1.031 do Código Civil.

Nos termos do referido art. 1.031, nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário.

1 Curso de direito civil, cit., vol. 8, p. 341.

Com efeito, tem aplicação conjunta do regramento da sociedade simples e da sociedade limitada no caso da nãointegralização da quota, podendo o contrato social determinar as consequências cabíveis contra o sócio remisso. A primeira obrigação do sócio, na constituição da sociedade, é cumprir sua obrigação e integralizar o capital social na parte que lhe compete. Contra o sócio que não cumpre esse dever fundamental a forma mais acertada de resolver esse impasse é com a sua exclusão, podendo apurar, inclusive, perdas e danos cabíveis, conforme dispuser o contrato social. A exclusão do sócio é verdadeira expulsão de elemento desagregador no seio da sociedade, bem sabendo que uma pessoa que não cumpre obrigação primordial como a integralização do capital social deve ser expulsa da sociedade por quebra de affectio societatis e descumprimento de obrigação societária. Como se disse, o contrato social pode fixar responsabilidade contra os sócios que não integralizarem suas quotas sobre o capital, apurando essas perdas e danos no juízo competente. Tal medida é moralizadora e busca evitar a entrada de sócios relapsos nas sociedades, impedindo que problemas futuros se manifestem. O instituto da exclusão de sócios existe e tem sua razão de ser na defesa do interesse da sociedade, e não apenas no interesse dos sócios remanescentes: a sociedade empresária deve existir em caráter permanente, de tal sorte que se deve afastar tudo que, de uma forma ou de outra, possa lhe tolher o bom funcionamento. O sócio, devidamente constituído em mora, deverá integralizar o capital que prometeu, sob pena de exclusão da sociedade, bem como sobre a quota social tê-la para si ou transferi-la a terceiros. A questão da “constituição em mora” para fins de integralização de capital não necessita de deliberação da sociedade com essa finalidade: o simples fato de o sócio não cumprir, no prazo prometido, a integralização do capital já o constitui em mora, ficando sujeito aos efeitos dos artigos 1.004, 1.031 e 1.058 do Código Civil. A notificação prevista pelo art. 1.004 do Código Civil não tem a condição de constituir o sócio em mora pelo fato de que o simples descumprimento da obrigação de integralizar o capital já caracteriza mora, para fins societários. Neste caso o interesse que a lei deve cuidar é o da sociedade e não apenas o dos sócios. Os credores, por sua vez, já estão garantidos, por força do art. 1.052, quando: na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de sua quota, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Com efeito, CUNHA PEIXOTO afirma com exatidão que, “quando o contrato não estatui condições e tempo para a realização efetiva do capital, a presunção é no sentido de ser totalmente liberado por ocasião da constituição da sociedade. Desta forma, tão logo seja registrado o contrato na Junta Comercial, pode a direção da sociedade, nos termos do art. 287 do Código Comercial, exigir a importância devida, acrescida da indenização decorrente dos prejuízos acarretados à sociedade. O sócio remisso fica, desde logo, constituído em mora, independentemente de qualquer interpelação judicial”.1

Nos tempos de hoje a solução é idêntica ao que prelecionava o exímio CUNHA PEIXOTO , e a notificação é ato meramente de interesse entre os sócios, porque o sócio que não integraliza o capital que se obrigou entra e se constitui em mora diante da sociedade e não unicamente diante dos demais sócios. A mora do sócio remisso é com a sociedade, descumprindo promessa que havia feito para a sociedade. Então, a sua mora é inegociável por parte dos demais sócios, e os sócios que administram e representam a sociedade devem agir nessa condição, com lealdade perante a sociedade, exigindo o que for de direito.

A integralização do capital tem que ser feita em determinado prazo, ajustado no contrato social. Impraticável a existência de sociedade limitada sem capital ou com obrigação de integralização sem fixação de termo. Com efeito, essas duas condições acarretam consequências próprias, que podem ser denominadas de mora societária, que difere da mora nos contratos e obrigações de direito comum. No contrato de sociedade, a obrigação de integralizar o capital social sobre a quota de participação é uma promessa unilateral do sócio: uma verdadeira obrigação de dar, com prazo ajustado. Se o contrato é silente quanto aos prazos de integralização, a presunção é absoluta de que a integralização deve ser feita tão logo o contrato social seja arquivado no Registro das Empresas. Com o arquivamento do contrato social os sócios estão obrigados ao conferimento de bens, numerário e efeitos ao capital social, ou seja, sua efetiva integralização. Se um determinado sócio não integraliza o capital que havia prometido, está, imediatamente, constituído em mora e pode ser excluído da sociedade depois de notificado. A referida notificação do art. 1.004 tem efeitos apenas entre os sócios, para que o sócio que ainda não integralizou seu capital cumpra sua obrigação no prazo de trinta dias. Se não o fizer, será excluído da sociedade com a responsabilidade cabível. Com efeito, diz a lei: o inadimplemento de obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor (art. 397, caput, do Código Civil); não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial (art. 397, parágrafo único, C.C.). Nos contratos de sociedade, a integralização do capital sempre terá um termo: a) se o contrato for silente, presume-se de maneira absoluta que a integralização tem que ser feita imediatamente após o arquivamento do contrato social no Registro das Empresas; b) se o contrato social fixar termo para a integralização do capital social, já não tem aplicação o art. 397, parágrafo único, do Código Civil, aplicando somente o referido caput do art. 397 do Código Civil, ou seja, o inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 135.

Desta feita, todos os contratos societários têm, na integralização do capital social, um termo para que se efetive essa integralização, o que importa é somente a aplicação do art. 397, caput, do Código Civil aos contratos societários, e não se aplica ao contrato de sociedades o parágrafo único do art. 397 do Código Civil. Por esse motivo não há necessidade de interpelação judicial ou extrajudicial para constituição em mora do sócio remisso, mas apenas a notificação para que cumpra a obrigação, na qual já incorre em mora, pelo seu descumprimento, nos termos do art. 397, caput, do Código Civil. Não há, também, necessidade de deliberação ou reunião da sociedade para que decidam sobre a notificação: qualquer sócio com poderes de administração ou representação pode, em nome da sociedade, enviar a respectiva notificação, nos termos cabíveis. Se o sócio não integralizar o capital da obrigação que já está em mora diante da sociedade, poderá ser excluído, respondendo pelos prejuízos causados contra a sociedade. Para fins de integralização do capital, a obrigação do sócio é sempre positiva e líquida, ainda que se faça sobre efeitos, porque esses bens, direitos, efeitos, patentes, usufruto devem, sempre, refletir um valor líquido, consubstanciado nas quotas sociais do capital social. Com isso, não entram capitais fictícios para a formação do capital social. Ademais, os sócios respondem pela estimativa na avaliação dos valores dos bens conferidos ao capitão social. Com isso, ficam assegurados os direitos dos credores no caso da não-integralização, ou seja, todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052, C.C.), bem como ficam assegurados os direitos da sociedade e dos sócios na exclusão do sócio remisso e na sua responsabilidade pelos prejuízos causados contra a sociedade decorrentes da não-integralização do capital social. Todos os interesses que envolvem o contrato social, a sociedade, os sócios e os credores têm perfeita confluência de regramento, evitando que a sociedade funcione sem capital e que no caso de existir capital por integralizar que todos os sócios respondem solidariamente pela sua integralização. Desta feita, o contrato social na parte do capital social e das quotas de contribuição e participação encontra simbiose típica da sua natureza plurilateral, nas perspectivas poliédricas de que o contrato societário é titular ao consubstanciar os direitos e obrigações inerentes dessa sua própria natureza jurídica. Ademais, a alienação da quota social antes do arquivamento do contrato social no Registro das Empresas é nula de pleno direito: sem a observação da formalidade do arquivamento a pessoa jurídica não existe, de tal modo que a alienação seria nula por falta de objeto e causa. Seguindo a doutrina de ANTONIO BRUNETTI, em termos gerais esse deve ser o procedimento contra o sócio moroso, sempre observando as disposições contratuais: a) não efetuada a contribuição no prazo prescrito, os administradores notificam o sócio moroso para que efetive esse pagamento no prazo de trinta dias; b) decorridos inutilmente tal prazo de trinta dias, os administradores da sociedade estão autorizados a vender, a título particular, a quota do sócio moroso; essa venda é, porém, subordinada por dúplice condição: i) que se alcance um valor não inferior ao valor resultante do último balanço aprovado; ii) que aos outros sócios seja reservado o direito de preferência na aquisição em igualdade de condições, vale dizer, que a quota, antes de ser ofertada aos terceiros estranhos, seja ofertada aos sócios; c) na falta de ofertas para aquisição por tratativas particulares entre os sócios, a quota pode ser ofertada aos terceiros em geral; d) se não existem terceiros interessados nas quotas, observado o valor resultante do último balanço, os administradores, ou o administrador único, podem aprovar a exclusão do sócio, reservada toda ação de ressarcimento de danos; e) extinta em tal modo a quota, será deliberada a redução do capital social na medida correspondente ao seu valor nominal.1 Com efeito, esse procedimento deve ser seguido, no sistema jurídico nacional, após a edição do Código Civil de 2002. Se e quando, por expressa disposição contratual, a quota não possa ser transferida aos herdeiros do sócio, a sociedade deve liquidar essa quota, nos termos já aventados, com a consequente redução no capital social. Tal efeito também terá lugar quando o contrato for silente e os demais sócios sobreviventes deliberarem contrariamente à entrada na sociedade dos herdeiros do sócio falecido.

311. Dos desfalques sobre o capital social

A sociedade deve ter instrumentos de defesa contra sócios que desfalcam seu capital. Contra a prática, infelizmente, corriqueira, a lei aponta sistema para evitar a prática de atos lesivos ao capital social, na fattispecie da distribuição de lucros com prejuízo do capital social. Com efeito, a lei diz (art. 1.059, C.C.), que os sócios serão obrigados à reposição dos lucros e das quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizados pelo contrato, quando tais lucros ou quantia se distribuírem com prejuízo do capital. Não raro, sócios gatunos se servem da distribuição de lucros fictícios ou indevidos com prejuízo sobre o capital social, fraudando a própria sociedade e os credores. A sociedade, diante dessa situação, muitas vezes, fica indefesa contra os sócios, todos eles mancomunados em tirar proveito indevido sobre o capital. Contudo, no caso da apuração da responsabilidade societária cabível, entrará em ação o art. 1.059 do Código Civil, acrescido da ação de responsabilização contra os sócios que, de uma forma ou de outra, se locupletaram ilicitamente contra o capital social.

1 Trattato, cit., vol. III, p. 158.

Com acerto determinava o Decreto 3.708/19, art. 9º, que: assim, também, serão obrigados os sócios a repor os dividendos e valores recebidos, as quantias retiradas, a qualquer título, ainda que autorizadas pelo contrato, uma vez verificado que tais lucros, valores ou quantias foram distribuídos com prejuízo do capital realizado.

O referido texto normativo andava bem ao precisar sobre o “capital realizado”, explicando que a distribuição dos dividendos em prejuízo desse capital importava afronta contábil ao capital efetivamente integralizado e investido no negócio. O sócio, dentre vários dos seus deveres sociais, tem que administrar a sociedade e defender a integridade do patrimônio social. Neste passo entra em ação o dever de lealdade, que é um dever patrimonial diante da sociedade, entre os quais o de não se valer do capital social para enriquecer indevidamente, distribuindo lucros em prejuízo desse próprio capital. Desta feita, entram como distribuição de dividendos com prejuízo de capital, nos seguintes casos: a) distribuição indevida de lucros; b) distribuição fictícia e ilícita. Os interesses acautelados pelo art. 1.059 do Código Civil são, fundamentalmente, estes: a) da sociedade; b) dos credores. De maneira mediata , o art. 1.059 do Código Civil acautela o interesse dos demais sócios. A consequência da ação de responsabilização será, como diz a lei, a obrigação de reposição dos lucros e quantias retiradas. Essa reposição tem como finalidade recompor, contabilmente, o capital social, impedindo a ocorrência de redução forçada do capital. Com isso, a sociedade mantém intacta sua alma capitalista, que não pode ser atacada por sócios desalmados, gatunos que assaltam suas próprias sociedades, lesando interesses vários. Não raro esses desfalques são acompanhados de fraudes contábeis e societárias, bem orquestradas, que visam prejudicar os credores, ou mesmo por conflitos entre os sócios, quando os sócios que governam a sociedade já anteveem uma eventual falência da sociedade ou sua dissolução total. O art. 1.059 do Código Civil tem interpretação sistemática com o art. 1.009, na perspectiva de responsabilização, bem como nas formas de caracterização do dever de repor, em favor da sociedade, os dividendos recebidos em prejuízo do capital. Desta feita, a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade (art. 1.009, C.C.). É dever dos sócios, em qualquer sociedade, se informarem sobre os resultados econômicos da sociedade. Ainda que o sócio não exerça a administração ou representação da sociedade, tal sócio tem o dever, irrenunciável, de fiscalizar as contas sociais e acompanhar os resultados econômicos da sociedade. Esse dever é irrenunciável e indelegável, para fins de evitar responsabilidade social, no caso de recebimento de dividendos fictícios ou ilícitos. Por conseguinte, quando o sócio está se deliciando, gastando na sua vida particular os milhares de reais que recebeu a título de distribuição de lucros da sociedade, tal sócio tem que bem saber a licitude, sobre o capital, desse numerário. Não importa alegar “desconhecimento”, “que não exerce a administração da sociedade”, “que não integra o Conselho Fiscal” ou “que é sócio minoritário” para fins de evitar a responsabilidade. Todo sócio tem o dever de se informar sobre os resultados econômicos da sociedade, de ter informações sobre o andamento desses negócios, utilizar-se dos instrumentos societários para ter acesso aos documentos contábeis, etc. Se esse sócio não cumpre o seu dever, furtando-se de fiscalizar os negócios sociais e recebe dividendos fictícios ou ilícitos, terá que repor à sociedade a parte que embolsou. O sócio que não exerce a administração ou que seja minoritário somente poderá se esquivar, para fins de responsabilidade, se provar em juízo que praticou todos os atos necessários, úteis e de maneira diligente para se informar sobre os resultados econômicos da sociedade, mas ainda assim acabou sendo vítima dos sócios administradores e majoritários, recebendo dividendos que depois se provaram fictícios ou ilícitos. Essa hipótese pode parecer rara, mas nas sociedades familiares, quando dela integram sócios que têm vínculo familiar muito próximo, não raro sócios majoritários podem arrastar os sócios minoritários (que não exercem a administração social) para o recebimento de dividendos ilícitos ou fictícios, isso porque tais sócios majoritários acabando efetuando grandes saques contra a sociedade e informam erroneamente os minoritários, fraudando contas, com o fim de incutir nesses minoritários que a sociedade passa por momento econômico excelente. Ademais, casos não faltam em que a extrema confiança que existe entre os sócios nas sociedades familiares acaba impedindo que os minoritários exerçam, seguindo o texto frio da lei, o controle efetivo sobre os resultados econômicos da sociedade. Não seria justo contra os sócios minoritários, nesses dois casos mencionados, que o magistrado julgasse procedente a ação de responsabilização, mandando que efetuassem a reposição dos dividendos recebidos: nessas hipóteses, a condenação deveria se resumir aos sócios majoritários e que exercem a administração, salvo se provado que os minoritários serviram, na verdade, de instrumento para distribuição de lucros indevidos. O sócio que não cumpre seu dever de fiscalizar a gestão social, nos termos da lei, acaba por se responsabilizar por sua omissão: portanto, sócios minoritários que não exercem a administração social e que não representam a sociedade serão responsabilizados no caso de receberem dividendos que depois se mostraram indevidos pela omissão no cumprimento do dever de fiscalizar a sociedade. As únicas excludentes dessa responsabilização são: a) votar contra a prestação de contas, e não recebendo os dividendos para não pactuarem com a sua distribuição; b) se os sócios minoritários, e aqueles que não exercem a administração, foram vítimas de fraude contábil e societária, perpetrada pelos sócios majoritários e administradores, desde que aqueles sócios minoritários e não administradores tenham, de maneira diligente e útil, buscado

alcançar as informações cabíveis sobre as contas da sociedade, mas acabaram sendo arrastados, contra sua própria vontade, ao recebimento dos dividendos que depois se mostraram indevidos. Portanto, o sócio minoritário ou que não exerce a administração pode ser obrigado à reposição dos lucros indevidamente recebidos ainda que não os tenha embolsado por má-fé. Com efeito, a má-fé não é critério para excluir a responsabilização do sócio: os únicos critérios que excluem a responsabilidade contra os minoritários e sócios não administradores são aqueles acima aventados. Assim, um determinado sócio minoritário pode ter recebido os dividendos de boa-fé, mas depois esses dividendos se mostram indevidos: tal sócio será obrigado à reposição desses lucros, ainda que recebidos de boa-fé, se não provar que empregou toda diligência possível e útil em fiscalizar as contas da sociedade, exercendo o seu dever irrenunciável de fiscalizar a gestão da sociedade e de ter, efetivamente, informação dos negócios ultimados. Não se pode olvidar que são dos negócios efetivamente ultimados que, na imensa maioria das vezes, a sociedade esperimenta seus lucros: desta feita, é extremamente fácil ao sócio minoritário ter, nas sociedades limitadas, informação de quais negócios foram celebrados, bem como em saber a quantas andam as vendas e os serviços que constituem o objeto social da sociedade. Essas informações nas sociedades limitadas de matiz pessoal são corriqueiras, e os sócios minoritários têm o dever de tê-las bem conhecidas: se optarem pela desídia e pela omissão e receberem lucros indevidos, serão obrigados a repor esses mesmos lucros aos cofres da sociedade. A lei diz: as obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (art. 1.001, C.C.). As obrigações dos sócios são várias, e dentre elas acompanharem o andamento dos negócios sociais. Essa obrigação tem lugar até na pessoa dos sócios comanditários, inclusive para fins de responsabilidade social, bem sabendo que esse sócio está impedido de exercer a administração sob pena de ser responsável por todas as obrigações sociais ao lado do sócio comanditado. Desta feita, até o sócio comanditário, que não exerce a administração, tem o dever de fiscalizar as contas sociais, ao passo que: sem prejuízo da faculdade de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado (art. 1.047, C.C.). É bem verdade que o sócio comanditário é um sócio capitalista e tem o maior interesse em saber em qual finalidade o sócio comanditado está empregando seus capitais; porém, ainda assim deverá ter as informações contábeis cabíveis. Sobre os minoritários nas sociedades limitadas e na condição de sócios de uma sociedade em que todos os sócios respondem limitadamente ao valor das quotas investidas na atividade negocial, é justo que todos esses sócios, os quais gozam da responsabilidade limitada, sejam obrigados à reposição dos lucros indevidamente recebidos, desde que sejam omissos na fiscalização das contas sociais, bem como sobre o andamento dos negócios sociais. O art. 1.009 do Código Civil vai nessa direção de interpretação, ao passo que a distribuição de lucros ilícitos ou fictícios acarreta responsabilidade solidária dos administradores que a realizarem e dos sócios que os receberem, conhecendo ou devendo conhecer-lhes a ilegitimidade. Portanto, essa não é apenas a responsabilidade de direito comum, ou seja, por culpa ou dolo, mas entra na qualidade de típica responsabilidade societária, por descumprimento dos deveres de sócios, entre os quais o de diligência, defesa da integridade do capital social e de fiscalizar o andamento dos negócios sociais. Os sócios majoritários, assim como os sócios administradores, serão sempre responsabilizados e obrigados à reposição dos lucros indevidamente recebidos, nos termos do art. 1.059 do Código Civil. A responsabilidade deles é ampla e decorre da aprovação das contas e do próprio dever de administração e representação. Ademais, a responsabilidade dos administradores, como regra geral, é solidária e somente em casos raríssimos não seria dessa natureza, possibilitando a exclusão de responsabilidade, em favor de algum dos sócios administradores, se, efetivamente, tal sócio demonstrar que a distribuição de lucros indevidos foi feita de modo a impedir que tal sócio pudesse descobrir a fraude. Com efeito, cabe ao sócio comprovar esse fato para fins de exclusão de responsabilidade, o que, judicialmente, é uma prova bastante difícil de ser produzida.

Fundamental é a ponderação de CUNHA PEIXOTO , ao afirmar que “a segunda parte do art. 9º do Decreto 3.708 manda ao cotista repor os valores recebidos a qualquer título, mesmo autorizados pelo contrato, uma vez verificado que tais lucros foram distribuídos em prejuízo do capital. Redigido de maneira ampla, este dispositivo abrange, sem nenhuma dúvida, o pagamento de juros, independentemente de haver a sociedade produzido lucros, visto como eles só poderiam sair do capital”.1

Com efeito, proibida é a especulação sobre o capital na qualidade de pagamento de juros sobre o próprio capital, independentemente de haver a sociedade produzido lucros: esses juros, como ensina o referido mestre, somente poderiam ter saído do capital social originário, e a sociedade não tem essa finalidade, sem falar que os juros podem, também, representar lucros sobre o capital, distribuídos na condição de lucros indevidos e fictícios. Os balanços sociais são os instrumentos pelos quais se comprovam se os lucros são devidos ou indevidos. Nesse último caso, ou seja, dos lucros indevidos, todos aqueles que aprovaram as contas, balanços e demonstrações de resultados econômicos, são responsáveis por essa aprovação, e serão obrigados à reposição dos lucros indevidos, na forma da lei.

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, pp. 264/265.

Ainda sobre as quotas, vale ressaltar que as quotas constituem capital social e este pertence à sociedade e não aos sócios, de tal modo que seria injurídico que aquele pagasse a terceiro de um capital que já lhe pertence, e o pagamento de juros, na hipótese de a sociedade não dar lucro, representa um reembolso do capital, passível, então, de ser devolvido pelo sócio que o recebeu ou por qualquer outro, no caso de falência da sociedade.1 Ademais, todos os sócios têm o direito de fiscalizar a administração. Essa regra é fundamental nas sociedades limitadas, que muitas vezes são constituídas por poucos sócios, e alguns não exercem a administração social. O art. 2.261 do Codice Civile estabelece que os sócios que não participam da administração têm o direito de receber informações da parte dos administradores sobre o andamento dos negócios sociais, de consultar os documentos contábeis da sociedade e de receber os demonstrativos econômicos da sociedade (rendiconto). O rendiconto pode ser definido como o documento conclusivo sobre a situação dos livros comerciais. Esse documento representa o balanço consolidado da sociedade para os devidos fins.

Nas sociedades limitadas, que tenham sócios não administradores, esse direito pode ser exercido por qualquer sócio, e o controle das contas da sociedade é ainda mais efetivo, devendo observar os artigos 2.476-2.478 do Codice Civile. Com efeito, estabelece o referido art. 2.476 que os sócios que não participam da administração têm o direito de receber informações da parte dos administradores sobre o andamento e desenvolvimento dos negócios sociais, e têm, também, o direito de consultar, com os profissionais que contratarem, os livros sociais e os documentos relativos à administração da sociedade. Os sócios não administradores e minoritários somente podem ser excluídos se comprovarem que não foram omissos em ter informações sobre o andamento dos negócios e que fiscalizaram, na medida do possível e dentro do dever de diligência, a administração e os documentos sociais. Somente nesses casos entra em ação o art. 2.478 do Codice Civile ao estabelecer que os lucros indevidamente distribuídos não serão repostos se os sócios receberam esses dividendos em boa-fé e com fundamento em balanço regularmente aprovado que demonstrava a licitude da distribuição desses lucros. Ademais, na Itália, a sociedade limitada, na legislação de 1942, era vista como mero desdobramento da sociedade anônima, de tal maneira que entrava na condição de sociedade de capital. Somente com a recentíssima reforma é que a sociedade limitada assumiu função diversa daquela que entrava na qualidade de sociedade de capitais, passando, agora, como instrumento da pequena e média empresa, de feição pessoal e intuito personae. Desta feita, já em 1942 a sociedade limitada podia ser constituída de tal sorte que funcionasse Conselho Fiscal como órgão de controle sobre as contas da sociedade, dificultando, ao menos em tese, a distribuição de lucros indevidos com prejuízo sobre o capital social. A estrutura do Conselho Fiscal (collegio sindacale) é, ainda, decisiva nas sociedades limitadas e representa importante função no controle das contas, nos termos do art. 2.477 do Codice Civile. Por semelhança, o Código Civil de 2002 (artigos 1.066-1.070) também disciplina o controle das contas via Conselho Fiscal, sem prejuízo do dever de o sócio não administrador utilizar-se dos instrumentos societários para ter informação e conhecimento sobre o andamento e desenvolvimento dos negócios sociais, inclusive para fins de votar contra o balanço social e a distribuição de lucros indevidos. Desta feita, não raro há correlação da distribuição ilícita ou fictícia de lucros com a prática de fraude, o que acarreta sanções penais contra os sócios e membros do Conselho Fiscal da sociedade, bem como daqueles que, sabendo da fraude, aprovaram o referido balanço, ainda que não tenham concorrido na sua elaboração fraudulenta. As sanções penais podem alcançar os sócios, membros do Conselho Fiscal, diretores e liquidantes. Sobre os sócios administradores, sua obrigação é aquela de defesa da integridade do capital social para adequá-lo à consistência do patrimônio social. Este dever é direcionado na tutela do interesse dos credores, tanto na formação do capital, quanto em decorrência do próprio exercício da empresa. Entre esses deveres está aquele de pagar os dividendos somente no caso de lucros realmente alcançados e que resultem de balanço regularmente aprovado.2 Na esteira de CUNHA PEIXOTO , com a finalidade de evitar abusos, o sócio que não exerce a administração da sociedade tem o direito de fiscalizar a ação dos administradores. Essa vigilância deve limitar-se ao direito de conhecer os atos da administração, mas nunca intrometer na gerência. O direito de fiscalização não pode ser suprimido nem mesmo por vontade de todos os sócios, e seria nula a cláusula contratual que eliminasse essa prerrogativa do sócio.3 Com efeito, se o sócio não administrador for omisso no desempenho desse seu poder-dever e receber lucros indevidos, aprovando balanços equivocados, poderá ser responsabilizado à reposição desses valores em favor da sociedade. No conceito de distribuição de lucros indevidos, fictícios e ilícitos, estão abarcados, também, os pagamentos a título de pro labore. Neste caso, provado que o pagamento de pro labore se fez com prejuízo sobre o capital social, a reposição é obrigatória. Na verdade, e na prática das sociedades limitadas, muitos desfalques são feitos, infelizmente, na forma de pagamento pro labore, principalmente nas sociedades com poucos sócios. Essa situação reflete a maneira equivocada que

1 PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 263.

2 Trattato, cit., vol. III, p. 222.

3 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, pp. 265/266.

muitos sócios têm sobre as sociedades das quais participam, ou seja, como instrumento de enriquecimento imediato, o que, muitas vezes, pode até acarretar a falência ou dissolução dessas sociedades. A integridade do capital social é ponto fundamental nas sociedades: toda e qualquer afronta contra a integridade desse capital social é uma afronta contra a própria sociedade, na confluência dos interesses que decorrem do fato de ser uma sociedade empresária, que congrega atividade econômica, de interesse público, na geração de emprego, arrecadação tributária, desenvolvimento tecnológico, etc. Os gatunos que desfalcam as sociedades de que participam, a título de fartas distribuições de pro labore com prejuízo sobre o capital social, estão na verdade: a) prejudicando o interesse dos credores; b) enriquecendo ilicitamente; c) fraudando patrimonialmente a sociedade; d) lesando a atividade econômica; e) desfalcando o patrimônio social. Portanto, esses gatunos que ficam se endinheirando indevidamente com fartas distribuições de lucros fictícios, ilícitos ou indevidos sobre o capital social devem ser obrigados à reposição desses valores à sociedade, arcando com as responsabilidades cabíveis, inclusive penal, conforme cada caso. Os lucros somente podem ser distribuídos se efetivamente existentes: essa conta é feita sobre o capital social investido, que deve ser corrigido anualmente pelos sócios. No caso de perdas consideráveis, os sócios devem aprovar a redução do capital social, para, após essa redução, ficarem autorizados a deliberar a distribuição dos lucros, que nesse caso não serão indevidos ou fictícios, muito pelo contrário. O que ocorre é que no país o capital social, ao menos na imensa maioria das vezes, fica relegado para o segundo plano e não é atualizado pelos sócios. Essa prática, bastante corriqueira, é lesiva aos interesses do crédito e das sociedades consideradas nelas mesmas, de tal sorte que a distribuição de lucros – diante do baixíssimo nível do capital social – tende a ser “quase sempre lícita”. Assim, os gatunos aproveitam em não atualizar o capital social, bem sabendo que, se o capital social da sociedade fosse refletir a situação patrimonial e contábil da sociedade, certamente impossível seria a distribuição dos dividendos.

Contra essa situação somente o desenvolvimento prático das instituições econômicas e jurídicas é que promoverá o amadurecimento do capitalismo no país, ainda muito atrasado, fruto da sua atrasada estruturação. O capital social é a alma capitalista da sociedade, e essa alma não pode ser uma farsa, porque abusivos serão os dividendos pagos, muitas vezes. O capital social nas sociedades oscila por definição, e por isso deve ser corrigido anualmente. Quanto mais próximo da realidade for o capital social em demonstrar a situação patrimonial e contábil da sociedade, mais se terá a defesa da noção de sociedade empresária, e mais evoluído será o conceito de empresa no país, ou seja, empresa aqui vista como fenômeno poliédrico, de múltiplos interesses, e não só naquele lucrativo e de interesse imediato dos titulares do poder administrativo nas sociedades, mas, também, no interesse dos credores, da função social da empresa, e na empresa como instituição socioeconômica. É nessa esteira que o capital social tem que refletir a realidade societária, econômica e patrimonial da sociedade empresária.

312. Das quotas preferenciais na sociedade limitada

Desde que o contrato social estabeleça que a Lei 6.404/76 tem regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, nada impede que a sociedade tenha quotas preferenciais. Desta forma, amplíssima é a liberdade contratual para estabelecer sistema sobre quotas preferenciais, desde que não caracterize pacto leonino. Somente no contrato social ou sucessivamente nas suas modificações, como na hipótese de aumento de capital, é que se poderá instituir o sistema das quotas preferenciais. De uma maneira geral, a preferência pode consistir em: a) uma determinada preferência na distribuição dos lucros; b) que as quotas preferenciais tenham um percentual de recebimento superior às quotas ordinárias; c) que esse percentual superior seja exercido por um determinado número de exercícios sociais; d) no recebimento preferencial no caso de liquidação da sociedade; e) na preferência consentida aos titulares de determinadas quotas na subscrição de novas quotas, no caso de aumento de capital de tal modo que nada impede que a opção seja reservada a determinados sócios ou determinada categoria de sócios.1 O contrato social também pode estabelecer quotas preferenciais com voto restrito, em semelhança ao sistema da lei acionária. Porém, não é aceita a emissão de quotas sem nenhum direito de voto: as quotas preferenciais são quotas privilegiadas diante das demais, porém a toda quota social decorre o direito de voto. Esse direito de voto pode ser restrito para determinadas matérias, mas não pode ser, na sua totalidade, excluído. Por exemplo, será irrenunciável o direito de voto no caso de modificação do contrato social, quando: da alteração da denominação social; do objeto social; da sede; aumento ou redução de capital; do prazo da sociedade. Com efeito, é irrenunciável o direito de se retirar da sociedade a qualquer momento, no caso da sociedade por prazo indeterminado: não pode ser pactuado privilégio ou preferência em quota social sob condição de renúncia ao direito de se retirar da sociedade. Contudo, é renunciável o direito de voto nas

1 Trattato, cit., vol. III, pp. 131/132.

deliberações de administração extraordinária, quando: a) do endividamento lastreado em garantia real; b) na incorporação, fusão e dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; c) nomeação e destituição dos liquidantes; d) apresentação do pedido de recuperação judicial. Também é renunciável o direito de voto nos casos: a) da destituição dos administradores; b) o modo de remuneração dos administradores. No caso de alienação das quotas que constituem o grupo majoritário de sócios com direito absoluto de voto (ordinários), ainda que decorrentes de processos de incorporação ou fusão, o contato social deverá incluir os sócios preferenciais no sistema do art. 17, III, e 254-A da lei acionária, resguardando o direito de recebimento dos valores referentes a sua quota. Com efeito, no capítulo da sociedade limitada, o Código Civil de 2002 seguiu seu primo mais velho, vale dizer, o Codice Civile de 1942, conferindo matiz capitalista à sociedade limitada, ainda que disso possam advir controvérsias, principalmente pelo fato que o texto frio da lei não se coaduna perfeitamente à prática societária nacional, diante das infinitas sociedades limitadas constituídas intuitu personae. Contudo, pelo primeiro fator, ou seja, da feição capitalista da sociedade limitada, nos termos do Código Civil de 2002, nada impede que a sociedade limitada tenha quotas preferenciais, e inconstitucional seria qualquer medida normativa que impedisse o arquivamento de contrato social no Registro das Empresas pelo simples fato de que nesse contrato constem sócios titulares de quotas preferenciais, com voto restrito.

O Registro das Empresas não é “tribunal”, e muito menos tem competência para indeferir arquivamento de contratos sociais dessa natureza, e contra ato denegatório de arquivamento, com esse fundamento, deve ser impetrado mandado de segurança.

Desta feita, o Registro das Empresas também não tem a competência normativa para fazer publicar “Manual de atos de registro de sociedades limitadas”, ainda que editado pelo DNRC. Esse “manual” não é obrigatório, não é vinculante, e, no mais das vezes, não serve para nada. Esse “manual” é a consagração da burocracia brasileira em nível máximo, e não pode tolher a liberdade nos contratos, sempre que tenha objeto lícito e agente capaz. Portanto, deve ser impetrado mandado de segurança se o Registro das Empresas indeferir o arquivamento de contrato social que estabeleça quota preferencial, e o magistrado, na sua excelsa sapienza, deverá mandar arquivar esse contrato, produzindo os efeitos cabíveis. As quotas preferenciais entram na categoria das pactuações que não ofendem a ordem pública. Ao contrário, é perfeitamente lícita a existência de quotas preferenciais, seguindo a legislação acionária, e tal ato entra na categoria das pactuações lícitas: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, C.C.). Na sociedade limitada o direito de voto não é absoluto, assim como na sociedade anônima. Essa situação decorre do matiz híbrido da sociedade limitada, que tanto pode ser pessoal, capitalista, ou intermédio desses dois matizes. Desta feita, perfeitamente lícita é a estipulação da quota preferencial, com restrição ao direito de voto, ou sem direito de voto.1 Terse-á, então, quotista preferencialista, nos mesmos termos do acionista preferencialista. Com efeito, “o número de ações preferenciais sem direito de voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar cinquenta por cento do total das ações emitidas” (art. 15, § 2º, Lei 6.404/76). Da mesma forma, “o número de quotas preferenciais sem direito de voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar cinquenta por cento do total das quotas emitidas”. Afirma a melhor doutrina que, nos termos do art. 1.053 do Código Civil, o contrato social poderá estabelecer a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima, fato esse que facultará à sociedade limitada adotar, no seu respectivo contrato social, quotas ordinárias e quotas preferenciais, prática, aliás, que já é seguida desde longa data.2 Em direito comparado sempre se admitiu a existência da quota preferencial: já desde a antiga disciplina alemã sobre as quotas preferenciais (Vorzugsgeschäftsanteile) se admitia a sua pactuação nas sociedades limitadas, e são reconhecidas pelo ordenamento jurídico, bem sabendo que é regra geral a igualdade de tratamento dos membros das sociedades, desde que o contrato social não conceda a esses próprios membros alguns direitos particulares ou obrigações particulares.3 Podem, ademais, existir quotas ordinárias privilegiadas e quotas ordinárias simples, e parece que parte da doutrina tem feito baralhada sobre esse assunto: desta feita, o entendimento acertado é aquele que afirma que os sócios têm ampla liberdade para pactuar que determinada quota com direito absoluto de voto tenha preferência de recebimento sobre as demais quando da distribuição do dividendo, ou que, no caso da liquidação da sociedade, esse sócio receba preferencialmente em relação aos outros sócios. Sobre esse passo é que têm lugar quotas ordinárias privilegiadas. Essas quotas têm uma “preferência” de recebimento na distribuição dos lucros ou no recebimento sobre o acervo da sociedade no caso de sua liquidação. Essa cláusula é jurídica, e nada pode ser afirmado em contrário. Portanto, o contrato social, de qualquer sociedade limitada, pode estabelecer que determinadas quotas não têm direito de voto ou que esse direito seja exercido de maneira restrita ou limitada, nos termos do próprio contrato. De certa forma, também poderiam existir sócios sem nenhum direito de voto, e esses seriam, então, verdadeiros sócios preferencialistas (sem nenhum direito de voto). Neste caso, teriam direito ao recebimento do dividendo antes dos sócios

1 Esse também é o entendimento do mestre, Prof. MARCOS PAULO DE ALMEIDA SALLES.

2 ALMEIDA, Amador Paes de. Manual, cit., p. 137.

3 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 131.

ordinários (com direito de voto) e também receberiam com preferência no caso de liquidação da sociedade. Seriam sócios eminentemente capitalistas, mas que renunciariam ao direito de administrar a sociedade: essa renúncia, com certeza, teria que receber uma compensação econômica, seguindo os termos da lei acionária. Portanto, o contrato social, de qualquer sociedade limitada, pode estabelecer que determinadas quotas não têm direito de voto ou que esse direito seja exercido de maneira restrita ou limitada, nos termos do próprio contrato. Contudo, as quotas são indivisas em relação à sociedade: isso permite concluir que, no caso de alienação das quotas que perfazem a maioria do capital social, as quotas preferenciais também devem ser negociadas, caso esses sócios aceitem a proposta dos adquirentes. Caso não a aceitem, continuarão sócios preferencialistas, nos termos do contrato social, assegurado o dividendo pelo menos igual das ações ordinárias. No caso de fusão, incorporação e cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades, os quotistas preferencialistas têm direito ao reembolso das quotas investidas, reembolsadas pelo valor estipulado no contrato social, que em todo caso não pode ser inferior ao mínimo de oitenta por cento do valor pago pelas quotas dos sócios ordinários. Tal hipótese teria lugar quando os sócios preferencialistas, nessa condição, renunciassem a toda e qualquer possibilidade de voto na sociedade: seria a renúncia absoluta ao voto e à administração da sociedade, restando irrenunciáveis os direitos de participação nos lucros, de fiscalização e de se retirar da sociedade. Por sua vez, o número de quotas preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício do direito de voto, não pode ultrapassar cinquenta por cento do total das quotas representativas do capital social, quando da constituição da sociedade. Se a sociedade já está em funcionamento, o número máximo das novas quotas preferenciais negociadas será o de cinquenta por cento sobre o capital social, mas incluído nesse montante o valor das antigas quotas preferenciais ao lado das atuais quotas ordinárias. O contrato social também pode assegurar a uma ou mais classes de quotas preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Essa medida é extremamente útil para a administração da sociedade e denota administração profissional e transparente da sociedade. A consequência será a valorização dessas quotas preferenciais. Seria desnecessário ressaltar que se está falando de sociedades limitadas fortemente capitalizadas, ou seja, de matiz capitalista. O contrato social pode subordinar as alterações contratuais que especificar à aprovação, em assembléia especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais: seria, realmente, aconselhável que a imensa maioria das sociedades limitadas seguisse essa regra, abrindo espaço para aprovação em assembléia especial da parte dos quotistas preferencialistas, sobre determinadas matérias, notadamente aquelas de alteração do próprio contrato social. Essa seria a melhor forma para que os interesses societários entrassem em equilíbrio na administração da sociedade limitada. Então, ter-se-ia a clássica figura da quota preferencial com direito de voto em matéria de extrema importância para a sociedade. O contrato social da sociedade limitada que tenha quotas preferenciais declarará as vantagens ou preferências atribuídas a cada classe dessas quotas e as respectivas restrições a que ficarão sujeitas, e poderá estabelecer o resgate ou a amortização, a conversão de quotas preferenciais de uma classe em outra, e em quotas ordinárias simples ou privilegiadas, fixando as respectivas condições. Como se disse, o direito de voto não é um direito absoluto nas sociedades por ações e também na sociedade limitada: os sócios podem, conforme o caso e não caracterizando pacto leonino, restringir ou limitar o direito de voto entre eles, conferindo vantagens ou preferências. Desde que a lei acionária seja eleita para aplicação supletiva na sociedade limitada, o direito de voto pode ser renunciado pelo sócio quando da formação do contrato social e nas modificações posteriores, presentes os requisitos formais. Assim, o contrato social não poderá privar os sócios dos direitos de: a) participar dos lucros sociais; b) participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; c) fiscalizar, na forma prevista em lei, a gestão dos negócios sociais; d) preferência para subscrever novas quotas; e) retirar-se da sociedade nos casos previstos em lei. O contrato social poderá deixar de conferir às ações preferenciais algum ou alguns dos direitos reconhecidos às quotas ordinárias, inclusive o de voto, ou conferi-lo com restrições, observado o disposto no art. 109 da lei acionária. As quotas preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a sociedade, pelo prazo previsto no contrato social, não superior a três exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso. Na mesma hipótese e sob a mesma condição, as quotas preferenciais com voto restrito terão suspensas as limitações ao exercício desse direito. Desde que não pagos os dividendos, na forma acima mencionada, os quotistas preferencialistas terão direito ao voto:

porém, esse direito de voto não significa assumir o controle administrativo da sociedade, ainda quando as suas

participações sejam suficientes para controlar majoritariamente a sociedade. Assim que assumirem o direito de voto na sociedade, pelo não-pagamento do dividendo, os quotistas preferencialistas devem convocar assembléia e deliberar imediatamente pela distribuição do respectivo dividendo: se a sociedade não tiver dividendos para distribuir, podem eles deliberar e aprovar sua dissolução total, exercendo o seu direito de preferência no reembolso do acervo patrimonial quando da liquidação da sociedade, nos termos de interpretação sistemática dos artigos 109, 111, 203, 206, I, c, da lei acionária.

O quotista preferencialista que renunciasse totalmente ao direito de voto seria um credor do dividendo, e a natureza da quota ainda seria aquela de conferir direitos políticos e de crédito, mas o direito de natureza política se limitaria: a) ao direito de fiscalizar a gestão social; b) na hipótese do não-pagamento dos dividendos obrigatórios, teria o direito de votar aprovando a dissolução da sociedade para fins de reembolso na liquidação da sua quota de capital investido. O contrato social pode estabelecer que as quotas preferenciais, após um determinado período, se convertem automaticamente em quotas ordinárias: neste caso, deve ser feita atualização do contrato social no Registro das Empresas. O quotista preferencialista pode negociar sua quota livremente, nos termos do contrato social. Se o contrato social proibir a cessão das quotas preferenciais, esse quotista pode se retirar da sociedade, exercendo seu direito de retirada, nos termos do art. 1.029 do Código Civil. Se a sociedade é por prazo indeterminado, o quotista pode, a qualquer tempo, exercer o seu direito de retirada. Se a sociedade é por prazo determinado, esse quotista poderá se retirar da sociedade somente se comprovada justa causa. Entre as hipóteses de justa causa estão: a) a não-integralização das quotas dos demais sócios ordinários; b) administração temerária; c) gestão fraudulenta; d) descumprimento dos deveres administrativos; e) o não-pagamento do dividendo, desde que essa hipótese seja prevista pelo contrato social. Se o contrato social for silente quanto ao não-pagamento do dividendo, tem aplicação, de maneira supletiva, a regra do art. 111, §§ 1º e 2º, da lei acionária, ou seja, por prazo não superior a três exercícios sociais consecutivos, o quotista preferencialista poderá votar, convocando assembléia e aprovando a distribuição dos dividendos ou a dissolução da sociedade. O contrato social poderá estabelecer outras causas que possibilitam ao quotista preferencialista se retirar da sociedade. No caso de exercício do direito de retirada, levado a efeito nos termos do art. 1.029 do Código Civil, o quotista preferencialista tem direito ao reembolso do seu capital investido. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário (art. 1.031, C.C.). A quota social confere ao sócio as seguintes qualidades: a) o direito de participar sobre o lucro social, que advém do exercício social, na medida deliberada pelos sócios, nos termos do contrato social, seguido da aprovação do balanço social; b) o direito de participar do acervo patrimonial da sociedade no caso de liquidação; c) o direito de votar nas assembléias e reuniões de sócios, bem sabendo que esse é um direito administrativo, que pode ser renunciado, desde que não caracterize pacto leonino, atribuindo a condição jurídica de quotas preferenciais ou privilegiadas. O direito de participar nos lucros e do acervo da sociedade é irrenunciável, sob qualquer condição de preferência, vantagem política ou privilégio que sejam ofertadas em compensação pela eventual renúncia: assim, tal cláusula seria nula de pleno direito, e os sócios concorreriam nas perdas e nos lucros na medida da sua participação sobre o capital social (art. 1.007, C.C.). Porém, o direito de votar e o de administrar são plenamente renunciáveis nas sociedades limitadas: ademais, na sociedade em comandita simples, o sócio comanditário (sócio de responsabilidade limitada) está impedido de administrar sob pena de responder solidária e ilimitadamente por todas as obrigações sociais. Nas duas formas societárias clássicas de limitação de responsabilidade ao capital investido, vale dizer: sociedade limitada e sociedade anônima, perfeitamente lícita é a existência, em ambas, de sócios que assumem o direito de votar, e outros que votam em determinadas matérias ou não votam em nenhuma matéria.

Por conseguinte, desde que o contrato social estabeleça que a Lei 6.404/76 tem aplicação supletiva nas normas da sociedade limitada, perfeita e jurídica será a cláusula contratual que estabelece a quota preferencial ou com privilégio. A quota confere direitos patrimoniais e políticos: alguns dos direitos políticos são irrenunciáveis, e basta consultar o art. 109 da lei acionária para ter ciência desses direitos: porém, o direito de voto, na concepção de autonomia da vontade e liberdade dos contratos, pode ser renunciado pelo sócio, recebendo, em contrapartida, uma preferência ou privilégio, respeitados os seus direitos. Portanto, tal quotista mantém íntegra a sua natureza de sócio da sociedade porque seus principais direitos fundamentais são observados. Desta feita, mantém direitos políticos, denominados de direitos essenciais (art. 109 da lei acionária), bem como mantém seu direito patrimonial, ou seja, ao dividendo. Ilimitados são seus direitos de ter informação sobre o andamento e desenvolvimento dos negócios sociais, bem como em ter ciência e fiscalizar as contas da sociedade, fato que comprova a possibilidade de quotistas preferencialistas estarem na composição do Conselho Fiscal. Diz a lei (art. 1.006, C.C.) que: sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros, e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no país, eleitos na assembléia anual prevista no art. 1.078 do Código Civil. Ora, evidentemente que, se o conselho fiscal tem três membros, seus indicados são: a) dois membros, eleitos pelos sócios majoritários; b) um membro, eleito pelos sócios minoritários. Contudo, se o conselho fiscal tem cinco membros, evidentemente que: a) três membros serão escolhidos pelos sócios majoritários; b) um membro escolhido pelos minoritários; c) um membro escolhido pelos sócios preferencialistas.

Portanto, amplíssima é a liberdade contratual nas sociedades limitadas, e a cláusula que estabelece quotas preferenciais ou privilegiadas entra nessa liberdade dos contratos, corolário da garantia constitucional e da autonomia das partes nos pactos em geral, nos termos do art. 104 do Código Civil. Contra decisão do Registro das Empresas que indefere arquivamento de contrato social de sociedade limitada estabelecendo quotistas preferencialistas, deve ser impetrado mandado de segurança, nos termos do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal. A cláusula que estabelece a quota preferencial ou privilegiada tem a mesma natureza daquela que limita, restringe ou impede a cessão das quotas sociais: entra na livre pactuação e no interesse dos sócios, não ofende a ordem pública, é manifestada por agente capaz e representa objeto lícito. Por conseguinte, qualquer medida dos órgãos públicos que impeça essa manifestação de vontade é eivada de nulidade e arbitrariedade, e deve sucumbir diante da lei e da melhor interpretação jurisdicional.

313. Da administração na sociedade limitada

Nos termos do art. 1.060 do Código Civil, a sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. A administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquirem essa qualidade. Se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.061, C.C.). A sociedade limitada pode ser administrada tanto por sócios quanto por diretores contratados. Já era assim no sistema do Decreto 3.708/19. Cabe ao contrato social indicar quais sócios exercem a administração e quais renunciaram ao direito de administrar a sociedade. Da mesma forma, o contrato social indicará os diretores com poderes de administração social, fixando-lhes as responsabilidades do cargo. A indicação de administrador também poderá ser feita por ato em separado, devidamente arquivado no Registro das Empresas. Somente pessoas físicas podem exercer a administração e representação da sociedade. Impraticável o exercício da administração por parte de pessoas jurídicas: deve ser expulso da doutrina pátria qualquer pronunciamento que defenda a administração das sociedades limitadas por pessoas jurídicas.

Com efeito, a lei é explícita sobre esse tema ao determinar: “A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas”, bem sabendo que a “administração é atribuída no contrato a todos os sócios”, e ao passo que, “se o contrato permitir administradores não sócios”, está se referindo, claramente, às pessoas físicas. Ademais, o art. 997, VI, do Código Civil determina que o contrato social mencionará: as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições. Ademais, “poderão ser eleitos para membros dos órgãos de administração pessoas naturais”, art. 146 da lei acionária. Com efeito, ensina a melhor doutrina que “pessoa jurídica que é, dessa capacidade decorre a vontade própria que possui a sociedade, mas, no entanto, somente pode externá-la servindo-se de pessoas físicas – no caso – os encarregados de sua gerência”.1

Portanto, ainda mais nas sociedades limitadas e na tradição do direito societário no país, impraticável é a administração da sociedade limitada por pessoa jurídica, e deve ser afastada toda baralhada provocada por interpretações equivocadas do art. 1.060 do Código Civil. A administração é verdadeiro órgão social, com deveres, responsabilidades, direitos e competências próprias, indelegáveis aos demais órgãos da sociedade. Em sede de administração e representação da sociedade limitada entendo perfeitamente aplicável a doutrina de ANTONIO BRUNETTI, doutrina a qual sigo, totalmente, na interpretação do órgão social de administração, nos termos do Código Civil de 2002.

Desta feita, o escopo do legislador de 2002 foi introduzir três formas de administração da sociedade limitada: a) pelos sócios; b) por sócios e diretores; c) por diretores. Não se pode olvidar que essa situação decorre do fato de que existem sociedades limitadas com matiz pessoal, híbrido e capitalista, cada qual na sua manifestação prática. Assim, nas sociedades limitadas de feição pessoal, com certeza a administração da sociedade, bem como sua representação, deve coincidir entre os sócios, não participando da administração pessoa estranha, vale dizer, diretor que não seja sócio. Nas sociedades limitadas de feição híbrida, ter-se-ão, na imensa maioria das vezes, sócios e diretores contratados exercendo a administração, ainda que esses diretores exerçam sua função em algum ramo administrativo muito específico, como, por exemplo, um diretor de compras ou de publicidade. Nas sociedades limitadas de feição capitalista, na imensa maioria das vezes, a administração será entregue, quase que exclusivamente, aos diretores contratados, com a renúncia dos sócios ao exercício da administração e representação. Deve-se ter em conta que administração e representação são termos que não são, absolutamente, sinônimos.

1 PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 292.

Como se vê, os artigos 1.060 e 1.061 do Código Civil conferem, em primeiro lugar, a prerrogativa da administração aos sócios, e, como exceção, aos diretores. Esse fato é importante do ponto de vista interpretativo e explica uma situação curiosa: ainda que o legislador de 2002 tenha seguido a esteira de ter na sociedade limitada um organismo societário semelhante, em grande parte, à sociedade anônima, no principal tema referente às questões societárias, que é a administração social, o legislador reforçou o matiz pessoa da sociedade limitada. Neste passo, a regra geral é a administração exercida pelos sócios, ou seja, aquela sociedade limitada de matiz familiar. A administração por diretores, plenamente aceita, seria, contudo, a exceção da regra geral. Com efeito, salvo diversa disposição do contrato social, a administração da sociedade fica a cargo de um ou mais sócios (art. 2.475, Codice Civile). Bem sabendo que: “l’amministrazione della società può essere affidata anche a non soci” (art. 2.380, bis), o que demonstra a natureza acessória da medida, conservando nas sociedades limitadas sua característica familiar.

Todavia, as características principais são outras. Já desde o império do Decreto 3.708/19 a doutrina se concentrava em estabelecer os aspectos fundamentais do exercício da administração, no passo da sua caracterização como órgão social, abandonando a figura do mandato como fenômeno jurídico que explicasse o funcionamento administrativo da sociedade perante terceiros.

Assim, “quando a sociedade age por intermédio de seus administradores, é ela mesma quem pratica o ato jurídico; os gerentes, frente a terceiros, são a própria sociedade. Ora, se os administradores constituem parte da sociedade – ou ela própria –, evidentemente não se pode falar na figura da representação, visto como não há duas pessoas, mas apenas uma”.1

Com efeito, a administração é órgão permanente da sociedade: sem administração a sociedade deve entrar em liquidação por inexequibilidade de seu fim social. As assembléias sociais e as renuões de sócios são fenômenos organizacionais obrigatórios, conforme cada caso, mas não são permanentes. Somente a administração social tem a qualidade de ser permanente, sob pena de acarretar a dissolução da sociedade. Portanto, administração social e seu exercício assumem a condição de órgão social com as consequências cabíveis.

Ensina ANTONIO BRUNETTI que “le caractteristiche dell’organo amministrativo sono, quanto alla struttura, quelle della permanenza e della necessità, quanto alla funzione, quelle della manifestazione della volontà dell’ente”.2 São palavras essas que fizeram história e entram na explicação lógica e funcional do exercício dos poderes administrativos, que assumiram a condição de poder-dever administrativo. Por conseguinte, a natureza do órgão de administração, no que se refere à sua estrutura, é de ser um fenômeno permanente; por ser permanente e necessário, assume a forma de manifestação de vontade da entidade societária, condição de sua própria existência. Sem essa manifestação permanente da vontade societária a sociedade não se exterioriza, não assume direitos e obrigações, perde seu escopo, não alcança seu fim social, ou seja, deve ser dissolvida. A manifestação da vontade social é condição de existência da entidade societária. Essa manifestação da vontade social se denomina administração e representação, e pode ser exercida por sócios ou diretores. Neste passo entram em vigência as regras da administração conjunta e disjuntiva: a) a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios; b) se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria dos votos; c) nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave. A administração social é órgão necessário como forma de manifestação da vontade da entidade societária, e por isso, sem esse órgão, o sujeito de direito não existe. A obrigação dos administradores é aquela de administrar um patrimônio empresarial, ou seja, de alcançar o escopo da sociedade. Desta forma, seu dever é completamente diverso daquele da administração das coisas do direito civil comum: colher os frutos e de conservação estática do patrimônio. Administrar a sociedade é alcançar finalidades: a principal finalidade é questão referente ao lucro da sociedade. Na busca do lucro o administrador cumpre os atos que entram no objeto social da sociedade. Atos que são estranhos ao objeto social são os atos ultra vires, e a sociedade por eles não responde perante terceiros. De maneira idêntica os atos com excesso de mandato não prejudicam a sociedade.3 O órgão de administração é aquele sobre o qual os deveres de realização do objetivo da sociedade são mais efetivos, e alcança todos os meios necessários para alcançar o objeto social. Para o cumprimento desses atos os administradores têm competência própria, fixada pela lei e pelo contrato social. O arquivamento do contrato social faz lei entre as partes e

1 PEIXOTO, Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 293.

2 Trattato, cit., vol. I, p. 187.

3 Cunha Peixoto já asseverava que “as leis brasileiras normativas da espécie mostram que adotaram estes princípios. O art. 302 do Código de Comércio, aplicável às limitadas ex vi do art. 2º do Decreto 3.708, estipula, como elemento essencial do contrato social, a nomeação daqueles que vão gerir a sociedade. E, para mostrar que não é possível a existência do contrato social sem administração expressa, supre a omissão contratual, tornando gerentes, nesta hipótese, todos os sócios”. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 294.

vincula as obrigações assumidas pela sociedade perante os terceiros. Esses terceiros não podem alegar desconhecimento do contrato social devidamente registrado para fins de responsabilização contra a sociedade por atos praticados em ultra vires.

Com efeito, o excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: a) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provandose que era conhecida do terceiro; c) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (art. 1.015, C.C.). Portanto, atos praticados com excesso de mandato, contrariando o contrato social devidamente registrado, não produzem efeitos contra a sociedade: neste caso, o administrador responde pessoalmente pela obrigação assumida. O administrador tem competência para obrigar e representar a sociedade somente nos atos previstos pelo contrato social e nos limites da lei: toda e qualquer obrigação assumida que entre na categoria de atos ultra vires, com excesso de mandato ou abuso de poder, não prejudica a sociedade, que desse ato não tem nenhuma responsabilidade. Por isso, no órgão da sociedade são cumulativos os poderes de manifestação da vontade social e da capacidade jurídica da entidade societária. Tem-se verdadeira simbiose entre essa manifestação da vontade social com a qualidade jurídica, consubstanciada na correlação entre poder-dever administrativo e a competência fixada pela lei e pelo contrato social. Sempre que existir uma ruptura entre essa manifestação de vontade social e a competência normativa e contratual, a sociedade não se responsabilizará pelo ato praticado porque aquela ruptura impede ter no administrador a qualidade de agente societário em assumir direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade. O administrador que atua ultra vires societatis, com excesso de mandato ou abuso de poder, está contrariando os deveres de lealdade e probidade na administração social, fator que, no que diz respeito à representação da sociedade, fulmina seu ato de tal modo que não responsabiliza a sociedade. Evidentemente que a responsabilidade por esse ato será pessoal do administrador. Descumprindo seus deveres e competências administrativas, o ato do administrador é uma traição contra a sociedade, e por isso, ao lado dos mandamentos legais, não tem a condição jurídica de obrigar a sociedade. Com efeito, o ato em ultra vires societatis é manifestação da ruptura entre a vontade social e a competência fixada pela lei e pelo contrato social, e o ordenamento jurídico não reconhece esse ato como válido perante a sociedade, ainda que tenha a condição de obrigar o administrador pessoalmente. Quando o administrador pratica ato em ultra vires societatis, ele renuncia ao poder-dever administrativo, e pode ser excluído da sociedade, ter o mandato revogado ou ser despedido da sociedade, no caso de administrador contratado, acrescido de eventuais perdas e danos ocasionadas contra a sociedade. O Código Civil de 2002 estabeleceu, nas sociedades limitadas, sistema administrativo constituído por três órgãos sociais: a) administradores em sentido estrito; b) assembléia de sócios; c) reunião de sócios. Os administradores em sentido estrito são aqueles que buscam o fim social: exercem seu poder-dever na consecução da finalidade lucrativa da sociedade, dentro do objeto social. A administração em sentido estrito forma aquele órgão necessário, sem o qual o sujeito de direito (sociedade) não manifesta sua vontade social, e, por conseguinte, não existe por impossibilidade de exteriorizar essa sua própria vontade. Com efeito, a administração social, em sentido estrito, é órgão necessário, obrigatório, formado para alcançar o fim social, dentro do objeto social da sociedade. Se esse órgão social fica impedido de administrar a sociedade, ter-se-á inexequibilidade do fim social, causa de dissolução societária. Evidentemente que os demais órgãos – a) assembléia de sócios; b) reunião de sócios – também são necessários, porém não envolvem diretamente a administração da sociedade, ainda que tenham competência própria na aprovação das matérias administrativas.

Tanto é assim que o legislador fez constar que a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas (art. 1.072, § 3º, C.C.). Neste caso, há perfeita coincidência entre a figura do administrador em sentido estrito e o órgão de deliberação: de tal sorte que a assembléia ou a reunião de sócios fica dispensada pelo fato de que essa coincidência na manifestação de vontade implica a própria competência fixada pela lei e pelo contrato social, nas matérias cabíveis.

O legislador de 2002 aderiu, em grande parte, ao sistema da sociedade limitada como “pequena” sociedade capitalista: assim, elencou como regra geral a figura dos órgãos de administração, manifestados na assembléia e reunião de sócios. Ademais, o referido legislador fala: “As deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocada pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato.” O primeiro fato que reclama atenção é o termo deliberação, típica das sociedades anônimas, com vários acionistas. Nas sociedades limitadas, não raro seus sócios são apenas dois ou três, e falar em deliberação de duas pessoas realmente é algo um tanto quanto esdrúxulo. Porém, o legislador fez constar expressamente que a assembléia de sócios terá lugar, obrigatoriamente, se o número dos sócios for superior a dez (art. 1.072, § 1º, C.C.). Nas outras hipóteses, com número de sócios inferior a dez, ter-se-á reunião de sócios, o que é mais apropriado, até em termos linguísticos. O segundo fato que reclama atenção do intérprete é que o legislador atribuiu, acertadamente, ao administrador o dever de convocar a assembléia e a reunião de sócios: neste passo, a administração em sentido estrito fica realmente alçada à primeira instância governativa da sociedade, e sua natureza obrigatória e necessária se faz presente. Tanto é assim que até a

assembléia e a reunião de sócios derivam da convocação dos administradores; conquanto não se pode olvidar que a reunião ou a assembléia de sócios podem ser convocadas por sócios: a) quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; b) pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069 (art. 1.073, C.C.). A competência originária para convocação da assembléia ou reunião de sócios é do administrador em sentido estrito, ou seja, daqueles que têm poderes administrativos e de representação, vale dizer, consubstanciam a manifestação da vontade social e a competência fixada pela lei e pelo contrato social. Essa consubstanciação entre manifestação de vontade social e competência normativa e contratual tem lugar interna e externamente. Dentre os poderes-deveres internos dos administradores está o de convocar a assembléia ou reunião de sócios, dentre tantos outros. Dentre os poderes-deveres externos dos administradores está a representação social, assumindo direito e obrigações, na consecução do fim social e dentro do objeto social. Como se disse, a competência de convocação da assembléia ou reunião de sócios é do administrador e somente se tal órgão não cumprir seu poder-dever é que os demais sócios, na forma do art. 1.073, I, do Código Civil, assumirão a condição de efetuar aquela convocação. O conselho fiscal, órgão praticamente inexistente na imensa maioria das sociedades limitadas, também deverá cumprir esse dever e “convocar a assembléia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes”. Com isso, o Conselho Fiscal tem competência para convocar assembléia e reunião, porém somente no caso de os administradores não realizarem a convocação anual (para aprovação ou rejeição das contas) ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes (correlacionados aos aspectos contábeis da sociedade). Por sua vez, é interessante notar que o legislador fez constar que o Conselho Fiscal deve convocar a assembléia de sócios se a diretoria não cumprir sua obrigação de convocação. Com isso, o legislador de 2002 denota a sua visão capitalista sobre a sociedade limitada, como se essa sociedade fosse uma “pequena sociedade anônima”, com maior simplicidade de constituição e funcionamento. A situação é que, nos termos já aventados, infinitas são aquelas sociedades limitadas que não possuem conselho fiscal e que não o instalará em termos contratuais.

Quando o Código Civil de 2002 estabelece que “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”, está renunciando ao matiz capitalista que pretendeu conferir à sociedade limitada e aceitando os fatos da realidade que mostram, inequivocamente, que a imensa maioria das sociedades limitadas não passará por nenhuma assembléia de sócios (por número de sócios inferior a dez – caso de reunião de sócios), o matiz pessoal da administração acaba por coincidir administração em sentido estrito com órgão deliberativo. Com efeito, conquanto a assembléia ou reunião de sócios é meio para a formação da vontade social, esses dois órgãos não são, no mais das vezes, meios de declaração dessa vontade social perante terceiros, função essa que é exercida, com exclusividade, pelos administradores em sentido estrito. Porém, neste momento compete perquirir somente sobre a natureza jurídica dos administradores em sentido estrito, ou seja, aqueles que administram e representam a sociedade perante terceiros. Com efeito, administração e representação são funções organizacionais bem diversas, e que podem ser cumulativas ou não nas mesmas pessoas: assim, alguns sócios podem manter seus poderes de administração interna da sociedade, renunciando ao poder de representação externa. Da mesma forma, alguns sócios podem manter seus poderes de administração e representação, enquanto outros renunciem ao direito de administrar e representar a sociedade perante terceiros. A liberdade contratual e o interesse dos sócios nas suas pactuações devem ter ampla aceitação, e seus únicos limites são: i) a ordem pública; b) a proibição dos pactos leoninos. Os atos ultra vires não obrigam ou prejudicam a sociedade porque, na verdade, não foram por ela assumidos em razão da ruptura entre a noção de manifestação da vontade social e a competência normativa e contratual, único fator que confere legitimidade e validade ao ato jurídico societário. Sempre que a correlação desses dois fatores não se identificar plenamente, o ato jurídico não prejudica a sociedade. Assim, os administradores são os representantes orgânicos da sociedade, e essa representação é compreendida como elemento formador e qualificativo da noção de órgão social, de tal sorte que não são os administradores que agem pela sociedade, mas a sociedade que age pelos seus administradores, e a esses somente compete desenvolver, interna e externamente, a atividade necessária no interesse social. 1 Com efeito, é no interesse social e nos limites do objeto social, observada a competência normativa e contratual, que os administradores cumprem seu poder-dever, assumindo direitos e obrigações em nome e por conta da sociedade, e podem ser responsabilizados pelos atos lesivos ao patrimônio social ou contrários ao interesse da sociedade.

1 Nas palavras do inigualável ANTONIO BRUNETTI, os administradores “sono perciò i rappresentanti organici della società, ma intesa la rappresentanza come qualità dell’organo, non essendo gli amministratori che agiscono per la società ma la società che agisce per loro mezzo, e ad essi soltanto spettando di svolgere, all’interno e all’esterno, l’attività necessaria nell’interesse sociale”. Trattato, cit., vol. III, p. 189.

314. Dos fundamentos da administração nas sociedades limitadas

Como já se aventou, a administração da sociedade limitada pode ser exercida por sócios ou por diretores. Essa sistemática já era conhecida desde os tempos do Decreto 3.708/19, por interpretação do seu art. 13, que determinava: “O uso da firma cabe aos sócios-gerentes; se, porém, for omisso o contrato, todos os sócios dela poderão usar. É lícito aos gerentes delegar o uso da firma somente quando o contrato não contiver cláusula que se oponha a essa delegação. Tal delegação, contra disposição do contrato, dá ao sócio que a fizer pessoalmente a responsabilidade das obrigações contraídas pelo substituto, sem que possa reclamar da sociedade mais do que a sua parte das vantagens auferidas do negócio.” Desta feita, já era lícito aos sócios-gerentes (administradores) delegarem o uso da firma social a terceiros estranhos, desde que o contrato social não contivesse cláusula contratual se opondo contra essa delegação. Se existesse a cláusula proibitiva e o sócio-gerente, contraindo o mandamento contratual, ainda assim delegasse o uso da firma social, a consequência seria que: dava ao sócio que a fizer pessoalmente a responsabilidade das obrigações contraídas pelo substituto, sem que possa reclamar da sociedade mais do que a sua parte das vantagens auferidas do negócio. Na interpretação do Decreto 3.708/19, bem como sua aplicação prática, sempre se conferiu grande relevância à liberdade contratual e autonomia da vontade dos sócios na redação do contato social, na busca do interesse social. A nomeação dos diretores para administrarem a sociedade era, já ao tempo do Decreto 3.708/19, manifestação do interesse dos sócios, e jurídica sempre foi a cláusula indicando estranhos ao uso da firma social. Ademais, a administração levada a efeito por diretores contatrados e autorizados ao uso da firma social é um fato que denota o matiz profissional da administração societária. Várias são as sociedades limitadas que contam com diretores profissionais, atuando ao lado dos sócios administradores, ou até isoladamente, bem sabendo que essa última hipótese é bem mais rara. Todavia, lícita e jurídica é a cláusula que confere aos diretores o uso da firma social, ainda no caso de todos os sócios renunciarem ao poder de administração e representação: nesta hipótese, ter-se-ia administração profissional, sem perder a responsabilidade cabível, contra os diretores. A aprovação dos diretores, pelos sócios, é suficiente em garantir juridicidade aos atos praticados pelos administradores, e firma as suas responsabilidades. Ademais, entra em questão a responsabilidade dos sócios majoritários e daqueles que aprovaram a contratação. Por conseguinte, os majoritários serão responsabilizados pelos atos lesivos praticados pelo diretor contra a sociedade, por culpa na eleição desse administrador. Nesta direção, a lei determina que: se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.061, C.C.). A sistemática não se alterou em nada se comparada com o revogado Decreto 3.708/19: nesse diploma normativo diziase: “É lícito aos gerentes delegar o uso da firma somente quando o contrato não contiver cláusula que se oponha a essa delegação”, e atualmente, nos termos do Código Civil, se diz: “Se o contrato permitir administradores não sócios.” Assim, em todos os casos, somente poderão entrar na sociedade, na qualidade de administradores estranhos ao quadro de sócios, pessoas físicas autorizadas pelo contrato social, bem como essa autorização é condição primeira para a referida contratação. Se o contrato social é silente, entende-se que, claramente, não fica autorizada a contratação de diretores para o exercício da firma social. Com efeito, o contrato social deve ser expresso em admitir a possibilidade de contratação dos diretores. O silêncio do contrato, neste passo, deve ser interpretado como negativo, principalmente pelo fato de que a designação desses administradores dependeria da aprovação unânime dos sócios, antes da integralização total do capital social, e de dois terços, no mínimo, após a integralização. Portanto, a admissão de administradores estranhos ao quadro social somente será aceita se prescindir de expressa autorização do contrato social: se o contrato social for silente, entende-se que há recusa implícita na formação do contrato contra a hipótese de admissão dos diretores. Os sócios que entram em sociedade devem, na fase vestibular da formação da vontade social, pactuar as questões mais relevantes ao funcionamento da sociedade. Quando eles designam, no contrato social, quais são os sócios que têm os poderes de administração e representação, sem qualquer referência à hipótese de contratação de diretores, e silenciam sobre esse aspecto na formação do contrato social, é de entender que aceitaram explicitamente que somente eles, sócios, podem administrar e representar a sociedade, renunciando à possibilidade de contratação dos diretores. Se o contrato social for silente, somente alteração no contrato social pode ensejar a contratação de administradores estranhos ao quadro social para o uso da firma social. Tal interpretação decorre do art. 997, VI, do Código Civil, que estabelece: o contrato social deverá mencionar as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições. Se o contrato social proíbe a contratação dos diretores ou é silente (que equivale à proibição), somente a alteração do contrato social poderá ensejar a contratação dos diretores. Por bem da verdade, serão duas as alterações: a) permitindo administradores não sócios; b) a indicação dos administradores. A designação de administrador em ato separado somente poderá ser feita se expressamente permitida pelo contrato social nos mesmos termos da hipótese anterior. Assim, se o contrato permitir administradores não sócios, poder-se-á, em ato separado, ser indicado administrador nessa qualidade.

Com efeito, o administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termo de posse no livro de atas da administração. Se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se tornará sem efeito. Nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando o seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo de gestão (art. 1.062, C.C.). A administração da sociedade poderá ser levada a efeito por administrador único: nada impede que a sociedade limitada tenha apenas um administrador, sócio ou não, exercendo os poderes de administração e representação. A figura do administrador único é já bem conhecida da prática societária italiana e admitida pelo Codice Civile. Com efeito, na prática italiana é frequentíssima a ocorrência de administrador único nas sociedades limitadas, e naturalmente poderá ser administrador único um não-sócio. Assim, tanto pode ser administrador único o sócio quanto o diretor estranho ao quadro social. A falta de colegialidade na administração não exclui, em nada, toda a disciplina da administração social. Se o administrado único apresenta sua renúncia, deve ele próprio convocar reunião ou assembléia de sócios, para aprovação e nomeação de seu substituto, devendo continuar no cargo até a efetiva substituição. Se o administrador único falece, deve ser convocada reunião ou assembléia de sócios, urgentemente, para aprovação e nomeação do substituto: nesse período, todo e qualquer sócio pode exercer os atos de administração ordinária. Desta feita, as reuniões ou as assembléias de sócios podem também ser convocadas: a) por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; b) pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069, vale dizer, sempre que ocorram motivos graves e urgentes (art. 1.073, C.C.). De uma forma geral, não existindo conselho fiscal, competirá aos sócios convocarem reunião ou deliberação de sócios para aprovação e nomeação de novo administrador, desde que esses sócios sejam titulares de mais de um quinto do capital social.1 Se a sociedade não indicar novo administrador, único ou não, essa sociedade padecerá de doença insanável, e que atinge a sua administração necessária em sentido estrito: a via será, então, a dissolução da sociedade, por inexequibilidade do fim social. De certa forma, os sócios podem, diante do impasse provocado, se socorrer ao magistrado, requerendo a nomeação de administrador provisório, desde que esse requerimento seja firmado por sócios que sejam titulares, no mínimo, de um quinto do capital social. Contudo, essa instância judicial não impede a caracterização de conflito societário insanável, passível de acarretar a dissolução judicial da sociedade, nos termos do art. 1.034, II, do Código Civil. É regra em todas as nações civilizadas que a sociedade empresária não pode existir sem os seus administradores porque não teria esse organismo societário condição de sobrevivência sem o órgão que lhe administra e representa perante terceiros. Seria um ente jurídico acéfalo, passível de dissolução judicial. Tem-se argumentado que o Código Civil de 2002 teria uma consequência sobre a estrutura das sociedades limitadas: diminuta flexibilidade na elaboração do contrato social. Contudo, data venia, tal perspectiva não deve ser seguida. A sociedade limitada, nos termos previstos pelo legislador de 2002, assumiu vestes de “pequena sociedade de capital”, mas isso não significa dizer – e concluir – que tal fato acarretou limitação à liberdade de contratar ou que impede a flexibilidade nas pactuações, como se tem desde os tempos da edição do Decreto 3.708/19. Com efeito, é evidente que não há nada mais fora de lugar que a disciplina de sociedades empresárias num Código Civil, bem sabendo que a edição desse texto normativo se deu em 2002. Não há dúvida, também, de que o Código Civil de 2002 é um desserviço em matéria societária: porém, nem mesmo um legislador dessa estirpe conseguiria limitar a liberdade das partes nas pactuações contratuais envolvendo a sociedade limitada. Desta feita, o sistema “capitalista” da sociedade limitada, nos termos do Código Civil, pode ser mitigado pelas partes: para isso basta não instalar o conselho fiscal; vetar a contratação de diretores estranhos ao quadro social; estabelecer sistema simplificado de escrituração contábil e arrecadação tributária bem sabendo que a reunião ou assembléia de sócios tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas, etc. A sociedade limitada continua sendo contrato social de interesse dos sócios, coisa que é profundamente da função social da empresa. Neste sistema contratual amplíssima é a liberdade dos sócios em pactuarem seus interesses, desde que não contrariem a ordem pública e a lei. Nesse país de tantos ditadores e populistas parece que há contaminação dessas práticas horrendas sobre o direito, infelizmente. O liberalismo é a única forma jurídica aceitável para o bom desenvolvimento de uma sociedade democrática. Não raro, todavia, tem-se ingerência estatal sobre as sociedades empresárias, travestidas das mais diversas formas, que impedem o crescimento econômico do país e fundamentam seu atraso histórico diante de nações mais avançadas. O administrador, no exercício do seu poder-dever, terá que usar a firma social no interesse social, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Nos dias de hoje, nesse capitalismo atrasado e desumano que se tem no país, muito se tem falado sobre governança corporativa ou patéticos institutos de solidariedade empresarial, quando, na verdade, tem-se sistema de imensa lesão aos direitos do consumidor, da concorrência, etc. Por sua vez, a ingerência estatal

1 Essa a solução já esposada pelo exímio ANTONIO BRUNETTI, Trattato, cit., vol. III, p. 192.

e a ignorante burocracia brasileira em nada conseguiram evitar essas práticas, e, ao contrário, parece que eternizam essas condutas, sempre lesivas aos princípios liberais. Nos dias de hoje esse é o principal tema que acerta o direito societário: a sociedade é contrato, no interesse dos sócios, na manifestação da vontade social, mas exploração de uma atividade empresarial acerta vários interesses que não são aqueles nitidamente societários e afetam a coletividade no seu todo. Porém, quando o legislador de 2002 disciplinou o sistema jurídico “Do direito da empresa” e “Das sociedades”, olvidou completamente da empresa como fenômeno poliédrico, repleto de interesses vários, dos consumidores, da empresa como instituição, do interesse da empresa em si, etc. O Código Civil de 2002 é esdrúxulo por não contar, expressamente, com disciplina ampla sobre os limites extrínsecos ao poder de administrar a sociedade, e tem na empresa apenas os seus perfis: objetivo, subjetivo e patrimonial. Ora, essa noção de empresa, nos termos apresentados pelo Código de 2002, está defasada desde os anos de 1970, e o intérprete pode imaginar, facilmente, como essa noção de empresa encontra-se totalmente defasada nos dias contemporâneos.

Contudo, para alguns, o Código Civil de 2002 representou uma “novidade” institucional, quando, na verdade, esse Código, no capítulo do direito da empresa, já nasceu desatualizado, esdrúxulo e refletindo transliteração equivocada do famoso Codice Civile de 1942.

Por esses motivos, e tantos outros, o intérprete deve defender a liberdade clássica na formação do vínculo societário, notadamente nas sociedades limitadas, forma mais complexa da estrutura econômica do país, com infinitas sociedades constituídas em todo o país e que representam a imensa parte da força produtora do país. Não é por outra razão que a recente reforma societária na Itália passou a ter na sociedade limitada uma sociedade eminentemente familiar, mitigando sua feição capitalista, entregue definitivamente à sociedade anônima.

O exímio TULLIO ASCARELLI já asseverava: “Interpretando e aplicando a lei, contribui o jurista, também, para sua adaptação e desenvolvimento, guardadas a continuidade deste e a harmonização das novas soluções com o sistema preestabelecido. A técnica da interpretação visa justamente garantir esta continuidade e esta harmonização, possibilitando a aplicação e adaptação dos sistemas, mas simultaneamente garantindo a rigorosa observância daquela continuidade e legalidade em que assenta a certeza jurídica e que tão estritamente se relaciona com a liberdade individual.”1

Por sua vez, certeza jurídica e liberdade nos contratos são as duas maiores fontes das riquezas dos povos civilizados, e que nas sociedades empresariais encontram profunda correlação. Quanto menos burocracias e mais liberdade nos contratos, mais evoluído será o ordenamento jurídico. O controle e a regulação devem existir de tal sorte que defendam a concorrência e não sirvam, ao contrário, para manutenção dos sistemas atrasados de exploração capitalista. Não é por outra razão que o país continua atrasado e burocrático, tanto que não consegue se desenvolver de maneira satisfatória. Em comparação, basta olhar o desenvolvimento dos países civilizados, como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Noruega, que se terá coincidência entre certeza jurídica e manifestação da vontade das pessoas, o que leva o nome de democracia. A tarefa inovadora, em direito empresarial, compete aos próprios empresários, sociedades, contratantes, nas pactuações, na liberdade de contratar, etc. O regramento burocrático não tem a condição de impedir ou mesmo de acarretar a involução da prática societária. Em direito empresarial, notadamente no direito cambiário, societário e dos contratos, a fonte é sempre a vontade das partes, regulada, posteriormente, pelo legislador, a fim de assegurar validade aos pactos e que esses pactos não ofendam a ordem pública, a lei geral, e direitos consagrados. Os “atos” empresariais possuem uma ética, e quanto mais evoluída uma sociedade democrática, mais evoluída será a ética empresarial dessa sociedade. Não é por outro motivo que um país atrasado e corrupto como o Brasil terá, fatalmente, uma noção burocrática dessa ética dos “atos” empresariais, e a regulação será sempre feita nos moldes para favorecer a concentração empresarial, a ganância e a iniquidade. Com efeito, a evolução jurídica é acompanhada, sempre, de uma evolução cultural e histórica, que entra na raiz institucional dessa sociedade. Espera-se que a interpretação do Código Civil de 2002, no capítulo do direito da empresa, seja feita nessa direção, e a sociedade limitada continue como tipo societário aberto à plena liberdade de pactuar dos sócios, e que a sua estrutura organizacional seja a forma mais eficiente dessa continuidade. Portanto, ainda que o Código Civil, na parte da sociedade limitada, não seja dos melhores, ele não conseguiu mitigar décadas de evolução liberal e flexibilidade na constituição das sociedades limitadas, que estavam sob a égide do Decreto 3.708/19. Com efeito, quanto se refere às sociedades limitadas, a reduzida autonomia da função administrativa em relação aos poderes dos sócios explica por que esses, na elaboração do contrato social, podem organizá-la em termos claramente mais flexíveis que nas sociedades anônimas. Não há dúvida de que na sociedade limitada, não estabelecendo a lei nenhum limite de duração do encargo dos administradores, esses podem ser nomeados, pelo contrato social, pelo prazo de duração total da sociedade. Ademais, é também natural que nas sociedades limitadas, com vários administradores, seja adotada a forma colegiada para aprovação das matérias, bem como sua organização, podendo, ao contrário, também adotar um sistema extremamente livre entre administração disjuntiva e conjunta entre os administradores.2 Esses são alguns dos fatores que

1 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., p. 72.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 342.

comprovam o fato de que a sociedade limitada não perde flexibilidade nas pactuações referentes ao seu funcionamento, previstas no contrato social e nas modificações posteriores. Com efeito, a administração social se manifesta interna e externamente, essa última corresponde aos poderes de representação. Na parte interna da administração societária, tem-se regra geral que: responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto. Ademais, nas sociedades limitadas que não elegerem a aplicação supletiva da Lei 6.404/76 terá vigência o sistema jurídico da sociedade simples na resolução dos conflitos quando da omissão das regras específicas da própria sociedade limitada, entre elas os artigos 1.010 e seguintes do Código Civil, com exceção do art. 1.018, que se refere unicamente às sociedades simples porque nessas sociedades somente sócios podem ser administradores. Também não tem aplicação o art. 1.019 do Código Civil, ao passo que há solução específica para as sociedades limitadas: o exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução: tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência. A renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação à sociedade, desde o momento em que esta toma conhecimento da comunicação escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e publicação. Sendo assim, o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios. Não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. O administrador, nomeado por instrumento em separado, deve averbá-lo à margem da inscrição da sociedade, e, pelos atos que praticar, antes de requerer a averbação, responde pessoal e solidariamente com a sociedade. A administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos. Responde por perdas e danos perante a sociedade o administrador que realizar operações, sabendo ou devendo saber que estava agindo em desacordo com a maioria. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: a) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provando-se que era conhecida do terceiro; c) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções. O administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá – esse dispositivo tem aplicação somente nas sociedades limitadas de feição pessoal. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. Os administradores são obrigados a prestar aos sócios as contas justificadas de sua administração e apresentar-lhes o inventário anualmente, bem como o balanço patrimonial e o de resultado econômico. Salvo estipulação que determine época própria, o sócio pode, a qualquer tempo, examinar os livros e documentos e o estado da caixa e da carteira da sociedade.

Por sua vez, as sociedades limitadas que estabelecem contratualmente a Lei 6.404/76 como regramento supletivo do próprio contrato societário, então, nesse caso, terão uma infinidade de mandamentos normativos aplicáveis, naquilo que for cabível. Entre algumas das características dessas sociedades limitadas de feição capitalista estão: a sociedade limitada poderá ter um conselho de administração (artigos 138 e seguintes); diretoria, nos termos da lei acionária, com requisitos, impedimentos, deveres, etc., inclusive garantia de gestão (artigos 143 e seguintes); deveres e responsabilidades, artigos 153 e seguintes; balanço patrimonial (artigos 178 e seguintes); reservas (artigos 193 e seguintes); etc. A sociedade limitada, seguindo o regramento da sociedade anônima, poderá ter administração dualista: diretoria e conselho de administração. Se não seguir esse modelo, sua administração será unitária, somente com a diretoria. Mas, em qualquer desses sistemas a administração da sociedade entra na qualidade jurídica de órgão social. Nada pode impedir essa qualificação. Os administradores têm direitos, deveres e atribuições específicas da condição de órgão

administrativo. Os administradores não são, em nenhuma hipótese, meros mandatários da sociedade. Essa teoria já foi vencida pelos tempos. O art. 1.011, § 2º, do Código Civil é totalmente esdrúxulo, e não tem aplicação. Ademais, o referido art. 1.011, § 2º, é a transliteração do art. 2.260 do Codice Civile, já criticado ao seu tempo por ANTONIO BRUNETTI.

Com efeito, afirma o mestre que a doutrina italiana da “organicidade” teve profunda influência dos autores alemães (GIERKE; KIPP; OERTMANN). Um dos principais teóricos da teoria do órgão no direito privado e societário foi o exímio MAJORCA. Em linhas gerais, na doutrina italiana, a figura organizacional tem as seguintes características: a) o órgão exprime sempre e somente um conceito jurídico: todo elemento estranho e extrajurídico deve ser excluído da sua função; b) a relação jurídica orgânica é um conceito jurídico, sem nenhuma consequência intersubjetiva: quando se diz que entre dois ou mais sujeitos de direito existe um vínculo orgânico, indica-se uma “substância”, não uma mera relação — órgão é a forma relativa do vínculo orgânico e sua noção é, portanto, objetiva e formal; c) por órgão se deve entender uma pessoa, mas com significado todo característico: esse é, como a própria pessoa, ponto de referência normativa, mas a pessoa é ponto de referência das normas sobre capacidade, ao passo que o órgão é ponto de referência das normas de competência – e a diferença e recíproca posição que no sistema jurídico existe entre as normas de capacidade e de competência também existe, como consequência, entre as pessoas e os órgãos; d) é clara a diferença entre “órgão” e “deveres” e “competências” porque órgão é sempre uma pessoa; deveres e competências se referem, ao contrário, à função que o órgão deve exercer: no campo do direito privado, uma pessoa jurídica não tem competência de função, mas capacidade de direito, e os órgãos da pessoa têm capacidade de exercício dos direitos da pessoa (toda a teoria da pessoa jurídica é fundamentada nessa assertiva); e) a capacidade dos órgãos é assumida como poder: neste sentido se fala, por exemplo, dos poderes da assembléia; dos poderes dos administradores; dos poderes dos diretores. Porém, o poder do órgão, nesses casos, constitui uma especial autonomia do órgão considerado em si mesmo, determinada pelos expressos mandamentos legais que lhe fixam a competência; f) existem órgãos necessários e facultativos: o órgão é necessário quando a entidade jurídica não pode existir sem o seu funcionamento e instalação – uma pessoa jurídica não pode existir sem o órgão de administração; órgão facultativo é aquele que a lei permite aos contratantes estipularem ou não sua instalação, como o conselho fiscal nas sociedades limitadas de feição pessoal; g) nas relações externas a sociedade é uma verdadeira organização, juridicamente considerada: não se poderia distinguir uma parte da outra. Quem age é a sociedade (como organização), e quando o administrador opera nos limites dos seus poderes (limite que deve coincidir com o objeto social) é a própria sociedade que opera perante terceiros, assumindo as responsabilidades pertinentes; h) consequência da identidade nas relações externas entre os administradores e a sociedade é que não é concebível nenhuma ação de responsabilidade contra os administradores pelos atos praticados no exercício regular da sua função.1 Na concepção administrativa da sociedade limitada, tanto a sociedade (organização), quanto os administradores (órgão social) constituem um sistema jurídico para alcançar finalidades econômicas: a organização, via órgãos sociais, é a manifestação jurídica e organizacional dentro de um contrato – plurilateral – de escopo comum e com finalidade lucrativa. Neste passo, a personalidade jurídica é uma técnica organizacional: incorporação do patrimônio social. Em sede de direito privado, a pessoa jurídica é a técnica funcional para alcançar a finalidade lucrativa, via formas societárias típicas. Neste passo, compete ao contrato social, na estruturação da sociedade, estabelecer se o modelo de administração será dualista ou unitário. MODESTO CARVALHOSA afirma com acerto que “em qualquer dessas hipóteses – optando a sociedade limitada por uma estrutura unitária de administração ou por uma estrutura dualista –, deverá se contar com administradores com funções equivalentes às dos diretores da sociedade anônima, encarregados da administração ordinária dos negócios sociais e da representação da sociedade. Essas funções deverão ser estabelecidas no contrato social e cumpridas, com total responsabilidade pessoal do administrador pelos atos praticados no seu exercício (artigos 1.012, § 2º, 1.013, 1.016, 1.017 e parágrafo único, para as limitadas regidas supletivamente pelas regras da sociedade simples, e art. 158 da Lei 6.404/76, para as limitadas regidas supletivamente pelas regras da sociedade anônima).2 Pode-se, ademais, acrescentar que: a) nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas regras da sociedade simples, também é aplicável o art. 1.016 do Código Civil, e a sociedade não responde pelos atos praticados ultra vires; b) nas sociedades limitadas regidas supletivamente pela lei acionária, entram em ação, igualmente, os artigos 153, 154, 155 e 156, naquilo que for compatível. Com efeito, ampla é a responsabilidade dos administradores, conforme o sistema acionário (Lei 6.404/76). Em vários casos, a questão se explica pelo interesse que o legislador busca acautelar: o interesse da sociedade, na sua perspectiva patrimonial. Tal fato se dessume do art. 156 da lei acionária: é vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse. Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros. O negócio contratado com infração do disposto no § 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido.

1 BRUNETTI, Antonio Trattato, cit., vol. II, pp. 287/288.

2 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 108.

No caso específico do regramento da sociedade limitada na legislação italiana, art. 2.475, ter., “i contratti conclusi dagli amministratori che hanno la rappresentanza della società in conflito di interessi, per conto proprio o di terzi, con la medesima possono essere annullati su domanda della società, se il conflito era conosciuto o riconoscibile dal terzo. Le decisioni adottate dal consiglio di amministrazione con il voto determinante di un amministratore in conflito di interessi com la società, qualora le cagionino un danno patrimoniale, possono essere impugnate entro novanta giorni dagli amministratori e, ove esistenti, dai soggetti previsti dall’articolo 2477. In ogni caso sono salvi i diritti acquistati in buona fede dai terzi in base ad atti compiuti in esecuzione della decisione”. Não há dúvida de que o tema do conflito de interesses dos administradores continua a ter um lugar decisivo nas legislações, e o tema tem enorme importância nas sociedades anônimas (art. 2.391) e limitadas (art. 2.475, ter.), ainda que em termos que demonstram uma diversidade de perspectiva no modo pelo qual é regulado pela lei. Deve-se observar, com efeito, que a proibição do voto do administrador com interesse conflitante com o da sociedade assume um diferente significado jurídico: a) de um lado, nas sociedades por ações, o conflito de interesses insere-se na disciplina geral dos deveres e obrigações de comportamento dos administradores quando tenham um interesse, próprio ou de terceiro, em determinada operação da sociedade; b) de outro lado, na sociedade limitada, a disciplina do conflito de interesse deriva de uma consideração que se correlaciona com a matéria da representação social, e o ato pode ser anulado, em determinadas condições. Desta feita, “ne deriva che nella società per azioni sorgono per gli amministratori obblighi di comportamento in ogni caso in cui abbiano un interesse in un’operazione della società, non importa se concorrente o confligente com quello della medesima; mentre nella società a responsabilità limitata il legislatore individua il problema soltanto in quello di evitare che l’amministratore, al fine di avvantaggiarsi personalmente, operia suo danno”.1

Com efeito, na sociedade anônima derivam aos administradores obrigações de comportamento em todo caso que tenham um interesse conflitante com o da sociedade, ainda que esse interesse seja conflitante ou concorrente. Nas sociedades limitadas, ao contrário, não se vai perquirir, dentro da noção de obrigação de comportamento, o problema do conflito, mas sua disciplina entra na questão específica da representação da sociedade, que não autoriza, obviamente, a prática de atos vantajosos ao administrador, em prejuízo da sociedade. Na sociedade anônima o administrador tem o dever de neutralidade nas relações com a própria sociedade, como obrigação de comportamento direcionado para não configurar conflito de interesses. Por isso tem o administrador o dever de dar notícia aos demais do seu conflito de interesses – vale dizer –, executar com transparência o seu dever administrativo diante da sociedade, dos acionistas e dos demais administradores. Outro fator importante é que o conflito de interesses, como se disse, tem uma conotação eminentemente patrimonial na sociedade limitada; enquanto na sociedade anônima entra no dever de neutralidade do administrador em não produzir o efeito vetado pela própria lei. Disso, entende-se que, na disciplina da sociedade limitada, a anulação da deliberação, na qual votou o administrador em conflito de interesses, pressupõe um dano patrimonial contra a sociedade; ao reverso, na sociedade anônima, para fins de anulação, é suficiente que a deliberação possa acarretar dano contra a sociedade. Na sociedade anônima, a administração é essencialmente profissional, e não se tolera que o desempenho dessa função incorra em conflito de interesses: com efeito, conflito de interesses é a antítese de administração profissional, neutra, leal, com correção e diligente – ou seja, conflito de interesses é a manifestação de uma vontade que impacta, negativamente, contra a própria sociedade, fato esse impraticável de ser minimamente tolerável na administração das sociedades anônimas.2 Obviamente que esse fator terá correlação com as sociedades limitadas que invocaram a aplicação supletiva da Lei 6.404/76, nos termos do art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil. Em certa medida, com o desenvolvimento da teoria do órgão na administração das sociedades limitadas, ainda que de matiz pessoal e familiar, a matéria administrativa tem evoluído muito. Conquanto o contrato social da sociedade limitada estabelece que a disciplina da sociedade simples lhe será supletiva, essa circunstância tem grande reflexo na matéria em questão, notadamente quando o voto daquele que está em conflito de interesses da sociedade é determinante para a aprovação da medida societária. Nestes termos, responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto (art. 1.010, § 3º, C.C.). Assim, fica evidenciado, claramente, que nas sociedades de pessoas, incluídas as sociedades limitadas com matiz familiar e pessoal, a figura do conflito de interesses tem uma correlação interna que se fundamenta: a) no dano patrimonial contra a sociedade; b) na reparação desse dano. Contudo, não raro é sócio majoritário que está em conflito de interesses com a sociedade. Esse fato, na ordem prática, dificulta sobremaneira eventuais responsabilidades, diante da dificuldade da produção de provas. Ainda que nas sociedades limitadas o conflito se resuma, pelo menos em parte, na esfera patrimonial, a sociedade limitada passa por profundas alterações, dentre elas a entrada determinante na categoria das organizações – vista como fenômeno jurídico. Desta perspectiva, a teoria do órgão, e a administração é órgão essencial para a existência da sociedade, acabará produzindo efeitos sobre a noção de “conflito de interesses” nessas sociedades limitadas, e a interpretação da lei acionária, no final das contas, alcançará aquele tipo societário, em todos os seus efeitos. Isso se conclui pelo fato de que até mesmo nas sociedades limitadas de natureza eminentemente familiar a administração tem assumido matiz profissional de grande monta, e o dever

1 FERRI, Giuseppe Manuale, cit., p. 351.

2 Como regral geral: É anulável o negócio concluído pelo representante em conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo (art. 119, C.C.).

de neutralidade dos administradores chega, a passos velozes, na administração dessas sociedades. Contudo, numa infinidade delas, o “conflito de interesses” é, ainda, visto sob o prisma do dano patrimonial efetivamente manifestado, e não como dever de neutralidade, fato clássico nas sociedades anônimas. Essa interpretação é muito importante diante do sistema já consagrado pelo Código Civil de 2002, ou seja, da regência supletiva da sociedade limitada pela Lei 6.404/76. Se o contrato social estabelece que a lei acionária é aplicada supletivamente, estará, então, invocando toda a disciplina do conflito de interesses prevista pela Lei 6.404/76. A consequência será aquela prevista pelo art. 156 da lei acionária, como obrigação de comportamento, e não mera característica dos seus poderes de representação. Na sociedade limitada que não tem aplicação supletiva da Lei 6.404/76, o regramento é aquele previsto pelo artigos 1.016 e 1.017 do Código Civil, notadamente: o administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. Fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. Com efeito, é notável a diferença de solução prevista pela lei acionária (obrigação de comportamento do administrador) e do Código Civil (manifestação de poder administrativo e de representação). Se o ato praticado visa prejudicar a sociedade, na hipótese de conflito de interesses, terá aplicação o art. 1.080 do Código Civil: as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. Da mesma forma, serão ilimitadamente responsáveis os administradores que praticarem atos ultra vires (artigos 1.015, 1.016 e 1.017, C.C.).

315. Da nomeação dos administradores da sociedade

De maneira geral, a indicação dos administradores é feita diretamente no contrato social. Poderá, contudo, também ser nomeado por ato em separado, nos termos do art. 1.071, II, do Código Civil. Com efeito, depende da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato, a designação dos administradores quando feita em ato separado. Para que essa nomeação por ato em separado seja considerada juridicamente válida é necessário que o contrato social permita, expressamente, a contratação de diretores. Por conseguinte, a assembléia não pode nomear administrador estranho, salvo por unanimidade, se o contrato social impedir esse ato. Neste caso, a deliberação terá que aprovar a alteração do contrato social, que a partir desse momento passará a permitir a indicação de administradores estranhos ao quadro social. Com acerto afirma o preclaro MODESTO CARVALHOSA , ao comentar que o administrador da sociedade será sempre escolhido pelos sócios, e o Código Civil de 2002 criou duas categorias de administradores: a) os nomeados no contrato social; b) os nomeados por instrumento em separado. Assim, a designação dos administradores será feita no contrato social ou por instrumento em separado, caso em que do contrato social deverá constar a menção a essa forma de designação dos administradores.

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A nomeação é um ato regular da vida social da sociedade, necessário ao funcionamento do organismo societário, de tal modo que a sociedade possa exercer plenamente sua capacidade negocial, seja interna como externamente. Como expressão da vontade social, a nomeação do administrador é um negócio jurídico unilateral, não um contrato entre a sociedade e os administradores, e, portanto, também não entra na qualidade de mandato, ainda que a lei faça referência (art. 1.011, § 2º, C.C.) à figura do mandato. Na sequência da nomeação e da aceitação, o administrador será o único instrumento de manifestação da vontade social perante terceiros, e, dessa feita, o agir do órgão é também o agir da sociedade: o interesse e a vontade do representando coincidem com o interesse e a vontade do representante. A nomeação, portanto, não confere nenhuma figura concernente ao mandato, porque sem o órgão de administração a sociedade não existe, de tal sorte que o agir do órgão responde a uma concepção monista, enquanto do mandatário-representante corresponde uma concepção dualista. 2 Como já se disse, supra, somente pessoas físicas podem exercer a administração da sociedade: toda doutrina que afirma o contrário deve ser expulsa porque empresta ao texto normativo significado inexistente na ordem jurídica societária. Fato importantíssimo é que a nomeação do administrador, pela assembléia ou reunião de sócios, é negócio jurídico unilateral, e para seu funcionamento não se requer aceitação em sentido amplo. A sociedade, deliberando a nomeação, providencia, pura e simplesmente, designar o administrador chamado para o exercício de um encargo, e desse ponto de vista a deliberação colegiada de nomeação exaure-se em si mesma tudo quanto possa ocorrer em termos jurídicos

1 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 110.

2 BRUNETTI, Antonio Trattato, cit., vol. III, p. 193.

para sua existência e validade: a sociedade não faz uma oferta, uma proposta, porém realiza a atribuição de uma titularidade de direitos à pessoa do administrador chamado ao exercício do cargo. Tanto é assim que o art. 1.062 do Código Civil não fala em renúncia ou aceitação ao cargo de administrador da sociedade: a) a administração atribuída no contrato (art. 1.060, parágrafo único, C.C.); b) o administrador designado em ato separado investir-se-á no cargo mediante termos de posse no livro de atas da administração; se o termo não for assinado nos trinta dias seguintes à designação, esta se torna sem efeito; nos dez dias seguintes ao da investidura, deve o administrador requerer seja averbada sua nomeação no registro competente, mencionando seu nome, nacionalidade, estado civil, residência, com exibição de documento de identidade, o ato e a data da nomeação e o prazo da gestão (art. 1.062, §§ 1º e 2º, C.C.). Portanto, a designação é negócio unilateral, com a indicação de uma determinada pessoa física ao encargo de administrador da sociedade, assumindo os direitos e obrigações concernentes à sua função. Ademais, o requisito da indicação do “estado civil” já serve para afastar qualquer posicionamento favorável à indicação de pessoa jurídica ao exercício do cargo de administrador.

O art. 2.383 do Codice Civile diz: a nomeação dos administradores compete à assembléia, feita exceção para os primeiros administradores, que são nomeados pelo contrato social, salvo o disposto nos artigos 2.351, 2.449 e 2.450. Em até trinta dias da comunicação (notícia) da sua nomeação, os administradores devem requerer a inscrição no Registro das Empresas, indicando cada um deles o seu nome, lugar e data de nascimento, domicílio, cidadania, bem como àqueles administradores que também exercem a representação da sociedade, se a exercerão disjuntiva ou conjuntamente. Sempre na esteira da interpretação histórica de ANTONIO BRUNETTI, o art. 2.383 não fala em aceitação ou renúncia ao cargo de administrador, determinando somente ao eleito o dever de publicar a nomeação no Registro das Empresas, enquanto de um lado o referido art. 2.383 atribui eficácia de aceitação pela publicação da investidura e implica renúncia pela não-execução desse arquivamento no prazo legal, mas, de outro lado, induz a considerar que a nomeação será tida como definitiva não por efeito de uma aceitação expressa, mas pela verificação dos pressupostos que condicionam sua eficácia, não caracterizando nenhum contrato. Assim, a aceitação do encargo de administrador decorre: a) da declaração expressa do nomeado, dentro do prazo legal; b) do requerimento de arquivamento da investidura perante o Registro das Empresas; c) tacitamente – per facta concludentia – quando, antes de findo o prazo legal de dez dias, o administrador praticar atos positivos e caracterizadores da administração da sociedade.1 Com efeito, o ato de nomeação do administrador, ou seja, o ato com a designação feita pelo órgão social, assim como o ato de destituição dos poderes administrativos, enquanto se referem à organização interna da sociedade, são atos unilaterais e não atos de natureza contratual: a aceitação da nomeação é somente uma condição de eficácia da própria nomeação. 2 Assim, também em sede de designação de administrador, para fins dos artigos 1.060-1.062 do Código Civil, esse ato entra na categoria de ato unilateral, manifestação interna do órgão social, e o cumprimento das condições do art. 1.062, §§ 1º e 2º, do Código Civil dessume a aceitação, que se faz pela própria observância dos deveres impostos pela lei. Nem mesmo o fato de ser uma atividade remunerada tem a condição de caracterizar o ato de designação numa figura contratual, bem como o cumprimento dos deveres de diligência, boa-fé e lealdade não descaracteriza a unilateralidade do ato em questão. Desta feita, a designação do administrador, pela assembléia ou reunião de sócios, é ato unilateral e no interesse da sociedade, e entra na sua esfera interna como manifestação de seu órgão deliberativo. A existência do administrador é condição de existência da sociedade, ou seja, de sua regular constituição.

316. Da administração como órgão social

Como já se disse, a administração é órgão necessário ao funcionamento da sociedade e para sua própria existência. A administração é um órgão corporativo, com o sentido que sua manifestação coincide com a vontade social. Há duas formas de administração: dualista (conselho de administração e diretoria); unitária (diretoria). Na imensa maioria dos casos, as sociedades limitadas se revestem de administração unitária. Seria, muitas vezes, impraticável supor que uma sociedade com poucos sócios constituísse um órgão dispendioso – como o conselho de administração – para elaborar diretrizes gerais para a exploração da empresa. Ora, esse encargo tem lugar somente nas grandes companhias, abertas ou fechadas, onde o capital é fator decisivo nas decisões societárias, e a informação tem relevância decisiva sobre as próprias decisões sociais. O Código Civil considera os administradores como órgão, que em princípio administra conjuntamente a sociedade, e por isso as repetidas referências ao critério da votação colegiada entre os administradores, bem como do quorum necessário para determinadas matérias (art. 1.010, C.C.). Nas sociedades limitadas, o órgão soberano será, conforme o sistema observado pelo contrato social, da seguinte forma: a) assembléia de sócios; b) reunião de sócios. A figura da assembléia de sócios também, no mais das vezes, não terá lugar na imensa maioria das sociedades limitadas em funcionamento. Seria esdrúxulo supor que dois ou três sócios se reunissem,

1 BRUNETTI, Antonio Trattato, cit., vol. III, pp. 194/195.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 346.

fixassem datas, enviassem notificações, etc., para que, reunidos, deliberassem sobre as matérias sociais. Contudo, a reunião de sócios é, pelo menos em tese, obrigatória. Na verdade, o conselho de administração é órgão facultativo. A assembléia de sócios terá lugar somente na hipótese legal (art. 1.072, § 1º, C.C.), salvo pacto contratual em contrário. Até mesmo a reunião de sócios é facultativa, nos termos do art. 1.072, § 3º, do Código Civil. Assim, na sociedade limitada o único órgão verdadeiramente indispensável é a administração, ou seja, a designação dos administradores, que é feita diretamente no contrato social ou por ato em separado. Com efeito, é jurídico concluir que os administradores da sociedade limitada são aquilo que pode se denominar de diretoria. O contrato social fixará os poderes de administração e de representação de cada um dos administradores. Nesse momento entra em ação a disciplina da administração disjuntiva e conjunta, nos termos do regramento da sociedade simples. Como regra geral, a administração da sociedade, nada dispondo o contrato social, compete separadamente a cada um dos sócios. Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios, por maioria de votos (art. 1.013, C.C.). Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (art. 1.014, C.C.). De uma forma geral, a reunião ou a assembléia de sócios é órgão de manifestação imediata da vontade social, nos mesmos moldes previstos pelo art. 1.010 do Código Civil: contudo, nas sociedades limitadas, na forma prescrita pelo Código, o quorum é diverso, bem como as exigências legais são outras, ou seja, específicas das sociedades limitadas, nos termos dos artigos 1.071 e seguintes do Código Civil. Entram na classe de órgãos sociais: a) assembléia e reunião de sócios; b) administradores; c) Conselho Fiscal. Como já se disse, a assembléia e a reunião de sócios têm o poder de manifestar imediatamente a vontade social, e esse poder não é derivado dos outros órgãos, ao passo que o poder dos administradores deriva da própria assembléia ou reunião: isso não significa concluir que os administradores teriam vínculo de subordinação, mandato ou representação em relação aos sócios majoritários, haja vista que os administradores têm competência, deveres, obrigações e responsabilidades próprias que a lei e contrato social lhes conferem, entrando, portanto, também eles na classe de órgãos sociais. Contudo, o poder dos administradores é derivado de uma manifestação imediata da vontade social: e a primazia dessa manifestação compete aos sócios majoritários. Com efeito, a competência deliberativa da assembléia dos sócios já demonstra, por si só, o fato em questão: o poder imediato de manifestar a vontade social e competindo ao administrador a execução dos atos necessários para alcançar aquela vontade social, na observância da lei e do contrato social. A assembléia e reunião de sócios não constituem órgãos permanentes: os sócios devem se reunir para deliberar nos casos e modos determinados pela lei e pelo contrato social: sua convocação tem, portanto, correlação com os atos ordinários e extraordinários da administração. Sua autonomia é fixada pela lei e pelo contrato social, e existem dois tipos de deliberações: a) aquela que modifica o contrato social; b) aquela que não modifica o contrato social. A metodologia para alcançar a vontade social é aquela da maioria dos votos: nas sociedades organizadas, o princípio majoritário é uma condição de sua própria existência e funcionamento, porque seria impraticável se alcançar a unanimidade em todos os casos. Nas sociedades organizadas, de matiz pessoal, a unanimidade é, muitas vezes, a regra estabelecida pelo próprio contrato social. Porém, nessas sociedades, ou seja, nas sociedades familiares, há coincidência entre a figura do sócio com a figura do administrador, e, por isso, falar em maiorias, no mais das vezes, seria inócuo. Nas sociedades organizadas – corporações – a maioria é, realmente, a única forma de se atender ao pleno funcionamento da sociedade. Assim, o princípio majoritário é condição de existência da sociedade, bem sabendo que nessas sociedades não há, no mais das vezes, coincidência absoluta entre a figura do sócio com a figura do administrador. Portanto, é nesse caso que se pode concluir que a assembléia ou a reunião de sócios desempenham função de manifestação imediata da vontade social, competindo ao administrador executar os atos necessários para alcançar a vontade social, mas principalmente o fim social. O contrato de sociedade é um contrato de finalidade lucrativa: nesse contrato, a figura jurídica encarregada de fazer a sociedade realizar lucros é o administrador. Como contrato plurilateral, o administrador, no feixe contratual firmado (seu nome consta do contrato social ou sua designação é feita por ato em separado), tem a obrigação de fazer a entidade alcançar seu escopo econômico, ou seja, realizar lucros. Neste passo, a figura do administrador, como órgão social, entra na classe de órgão executivo, com atuação voltada ao resultado econômico da sociedade: desempenha, portanto, uma atuação de resultado, finalística. Se a sociedade não produz resultados lucrativos visíveis, logo se questionará qual tem sido a atuação dos administradores, primeiros responsáveis, pelo menos em tese, pelo fracasso social. Com efeito, é óbvio que o fracasso econômico da sociedade pode advir de uma infinidade de outros fatores, porém, a parte gerencial do contrato de sociedade será aquela sobre a qual mais resultados são exigidos, exatamente porque sua função é de resultado perante os sócios, ávidos pela distribuição dos lucros. Os administradores estão na frente de batalha econômica e societária: a) buscam sua sobrevivência na função de administrador e a sobrevivência econômica da sociedade; b) alcançar lucros. Por esse fator, desejam também eles gordas remunerações, o que tem causado desequilíbrio entre os poderes sociais. Não raro se tem notícia de que, na realidade das sociedades empresariais, os administradores assumiram tamanha importância na administração das sociedades que aquele poder imediato de manifestação da vontade social (de titularidade da assembléia e reunião de sócios) passou e está nas mãos dos diretores, bem recompensados pelas fartas remunerações e participações nos lucros. Assim, ter-se-ia alteração

prática provocada pela realidade sobre a teoria das organizações societárias. Na letra da lei (art. 1.071 e seguintes, C.C.), o poder de manifestação imediata da lei compete à assembléia de sócios ou à reunião de sócios: contudo, como se disse, na prática dos negócios, principalmente nas sociedades com administração profissional, o que se notou e tem notícia é que os administradores (diretoria), os quais não detêm a maioria do capital social, assumiram o controle daquela vontade social. Esse fenômeno societário se denomina de controle gerencial. No controle gerencial, os diretores, diante da sua enorme influência para os ganhos da sociedade, desempenham papel fundamental naquela “manifestação imediata da vontade social”, assumindo, como se disse, o “controle” administrativo e da vontade social. Obviamente, a lei é silente sobre a hipótese do fenômeno prático que é o controle gerencial: assumir sua existência seria refundar os postulados societários, o que não é bem aceito pelo próprio sistema capitalista. O silêncio da lei tem um preço: a altíssima remuneração aos diretores, notadamente nas grandes sociedades empresariais, sem falar nas instituições financeiras. O descalabro financeiro global, com a crise nas bolsas de valores nos meses de setembro e outubro de 2008, é, em grande parte, devido ao poder ditatorial dos diretores de grandes instituições financeiras, que produziram, durante um período, fartos e gordos lucros aos seus acionistas, recebendo eles, os diretores, remunerações altíssimas, remunerações que justificam o seu silêncio pelo controle gerencial e pela manutenção do status quo societário e capitalista. Tanto é verdade que nada ocorreu, em termos objetivos, contra esses diretores, que administravam seus fundos na maior busca possível de distribuição de dividendos aos seus acionistas e quotistas. A assembléia ou reunião de sócios não são permanentes: sua convocação decorre de atos de administração ordinária ou extraordiária, e sua convocação tem sempre uma finalidade, ou seja, a aprovação ou rejeição de uma medida societária. Com efeito, é essa medida societária que caracteriza a manifestação imediata da vontade social, pelo menos em sentido estritamente societário. A natureza finalística da assembléia de sócios se dessume, também, do fato de que na sua convocação deverão constar sempre “ordem do dia” e “matérias a serem debatidas e votadas”. Portanto, impraticável é a convocação de assembléia de sócios sem a indicação precisa da matéria a ser discutida, evitando, com isso, que a assembléia seja convocada sem fundamentação objetiva. É claro que em tal modo que na manifestação da vontade social deve desaparecer qualquer interesse egoístico contrário ao da sociedade: a deliberação deve atender aos interesses, fins e necessidades da entidade jurídico-societária. Por isso que na votação não deve preponderar o interesse pessoal (individual) do sócio, mas o interesse social (sociedade). O sócio deve exercitar o seu voto na busca do interesse social da sociedade, e atua com desvio de finalidade aquele que vota buscando alcançar seu interesse pessoal nas relações societárias. Se o sócio majoritário exerce seu direito de voto na busca do seu interesse social, estará agindo com excesso de poder, sancionável pelo sistema jurídico. A Lei 6.404/76 (art. 115) já definiu o abuso no direito de voto. Com efeito, o direito de voto deve ser exercido no interesse social (sociedade) e nunca no interesse pessoal. Assim, o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas (art. 115). Essa regra tem aplicação nas sociedades limitadas com regência supletiva pela lei acionária, naquilo que for cabível. Desta feita, o direito de voto deve ser exercido na busca de uma finalidade: o interesse social. Esse fato impede o enriquecimento sem causa do sócio contra a sociedade e fornece aos minoritários os instrumentos para responsabilizar o grupo majoritário pelo exercício abusivo do direito de voto. Com efeito, “o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido” (§ 3º, art. 115, lei acionária). A consequência do abuso no direito de voto é que “a deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido” (§ 4º, art. 115, lei acionária).

Do ponto de vista da ética na administração das sociedades, entra em ação o art. 154 da lei acionária, inclusive com sanções impostas contra o administrador que não cumprir determinadas medidas na administração das sociedades anônimas. Nestes termos, “administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa” (art. 154, lei acionária). Obviamente que num país eminentemente capitalista e corrupto como o Brasil, o referido art. 154 da Lei 6.404/76 tem pouco ou nenhuma efetividade. Os administradores, na economia global, assumiram posição primordial na multiplicação da riqueza, e essa posição acabou por impactar na administração das sociedades. Como já se disse, a administração financeira e de investimentos, bem como aquela produtiva, não leva em consideração, na imensa maioria das vezes, os postulados previstos pelo art. 154 da lei acionária. Há conclave entre os acionistas controladores e os administradores que se manifesta nos processos de fusão, incorporação e práticas contrárias à concorrência, que fulminam o art. 154 já referido. Falta democracia econômica ao país, que ainda vive na idade da pedra lascada quando o assunto é ética empresarial. Esse fato se agrava quando há fenômenos de crise econômica, bem como quando há grande crescimento econômico. Nos momentos de crise econômica, vigora a lei da selva, com a sobrevivência dos mais aptos (por exemplo, Brasil, no final dos anos de 1980). Naqueles momentos de forte expansão capitalista, a poluição, a destruição do meio ambiente, acumulação enorme de riqueza, exploração do consumidor, etc., favorecem o aumento das desigualdades econômicas (por exemplo, Rússia; China; Brasil). Na Alemanha já houve identificação e coincidência do interesse da sociedade com o interesse da empresa, no § 70 do Aktiengesetz de 1937.

De uma forma ou de outra, seja a assembléia ou reunião de sócios e os administradores, todas essas figuras jurídicas entram na classe de órgãos sociais. Como órgãos da sociedade, cada um deles tem finalidades a cumprir diante do organismo social, ou seja, diante da sociedade. Sempre que se manifeste um interesse pessoal conflitante com o interesse social, deve preponderar o interesse social. Isso não significa, por si só, estabelecer dogmas de função social da empresa. Ocorre que nas sociedades – e isso é uma condição natural do contrato social – os sócios renunciaram às suas prerrogativas individuais daquilo que poderiam desenvolver individualmente, sem a existência da sociedade. A partir do momento que uma sociedade é devidamente formada e constituída, entram em ação interesses outros que aqueles dos sócios, os quais devem levar em consideração – quando do exercício do voto ou na administração direta da sociedade – que a sociedade é o organismo que compreende a prerrogativa jurídica para a exploração de uma atividade econômica. Na busca dessa atividade econômica, passando pela finalidade lucrativa (interesse dos sócios), há que se ter em consideração que a sociedade não está lá, única e exclusivamente, para produzir lucros, mas que esses lucros precisam advir de uma administração que, antes de mais nada, não seja prejudicial ao próprio interesse da sociedade (conflito de interesse e abuso de voto), bem como que na administração direta da sociedade a empresa seja vista na sua qualidade de fenômeno socioeconômico.

A realidade mostra, inequivocamente, que a administração das sociedades não é democrática: o sistema jurídico das sociedades, nos moldes das competências, deveres, funções e responsabilidades entra na condição de regulação de conflitos, potenciais ou já manifestos. Não é democrática na assembléia ou reunião de sócios, e não é democrática na administração das sociedades. O princípio majoritário nas votações, por si só, não pode ser classificado como fenômeno de democracia representativa, porque nas sociedades um pequeno grupo de acionistas pode possuir a maioria do capital votante. Na administração das sociedades, a questão de o art. 154 da lei acionária não ter efetividade se deve ao fato de que o país é muito atrasado na sua formação capitalista, econômica, empresarial e cultural. Para demonstrar esse atraso, basta comparar o Brasil com aqueles países mais civilizados, Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca, Japão, França, que se verá como nesses quadrantes a evolução do conceito “capitalista” foi acompanhada de uma evolução cultural, econômica, empresarial, de tal sorte que a empresa tem conotação ampla, não revestida única e exclusivamente no lucro de seus sócios, mas como garantia de emprego, desenvolvimento de tecnologias, arrecadação tributária, direitos trabalhistas assegurados, associações de consumidores, etc. Quando o Código Civil de 2002 assumiu as vestes de sistema jurídico societário disciplinando o funcionamento das sociedades limitadas na qualidade de seus órgãos sociais, de maneira voluntária ou não, esse Código invocou todo um novo sistema administrativo das sociedades, ainda que a sociedade limitada tenha matiz pessoal, com regência supletiva pela disciplina da sociedade simples. O contrato de sociedade é um contrato de finalidade: seus órgãos sociais de administração estão vinculados por deveres e atribuições, e o não cumprimento desses deveres acarreta a responsabilização. O contrato de sociedade da sociedade limitada tem uma função jurídica: regular o funcionamento da entidade societária com a prerrogativa de administrar um fenômeno econômico e social. Esse fenômeno econômico e social se denomina de empresa. Neste passo, como empresa, está previsto no Código Civil: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços” (art. 966, C.C.). Assim, as sociedades empresárias têm a prerrogativa jurídica de administrar essa atividade econômica organizada. Com efeito, empresa é a atividade econômica organizada. Compete ao empresário, individual ou social (sociedades) organizar essa atividade econômica organizada. Desta feita, quando a empresa entrou na categoria de atividade econômica, por expresso mandamento legal, a empresa foi alçada à categoria de fenômeno institucional, regulado, inclusive, pela esfera constitucional.

A partir do momento que a natureza jurídica da empresa é a de atividade econômica, ela assumiu vários interesses mediatos e imediatos decorrentes do seu funcionamento perante a coletividade, e os órgãos sociais, que administram esse fenômeno empresarial (atividade econômica), não podem, em qualquer tipo societário, desconsiderar que a empresa entra na categoria de interesse público, bem sabendo que a sociedade entra na categoria de interesse lucrativo. Com isso, sociedade e empresa são, muitas vezes, conceitos que na prática estão em conflito: por exemplo, no conflito de interesses; no abuso de direito de voto; desvio de finalidade; excesso de poder; desvio de poder; finalidades das atribuições aos administradores (art. 154, lei acionária). Ademais, existem outros interesses em conflito, ou seja, aquele da sociedade em conflito com o dos consumidores, dos empregados, etc. O contrato social das sociedades é de natureza dialética: o matiz plurilateral denota a dialética de interesses compreendidos no mesmo instrumento, e o que a legislação busca é evitar que esses conflitos destruam a sociedade, impedindo o seu funcionamento. Por conta dessa finalidade da lei, ou seja, evitar que a sociedade entre em solução de continuidade, a principal forma para manter o funcionamento da sociedade é o princípio majoritário nas decisões assembleares, nos termos do contrato social.

Quando a sociedade empresária assume, no texto legislativo de 2002, a condição de sujeito de direito capaz e a prerrogativa de administrar o fenômeno empresarial, dá-se a coincidência entre a finalidade da sociedade e seus deveres administrativos. Com certeza o Código Civil de 2002 é pouco explícito na fixação de responsabilidades diretas à entidade societária (sociedades de pessoas), em comparação com a lei acionária. Para reverter essa situação, existe a regra da aplicação supletiva

da Lei 6.404/76 às sociedades limitadas, o que invoca, definitivamente, a sociedade limitada como entidade jurídica que administra um fenômeno econômico e social, que tem o nome de empresa. É importante ressaltar que, no capítulo das sociedades, o Código Civil de 2002 já nasceu desatualizado, e, na verdade, nem deveria ter se transformado em lei, ao menos no capítulo da empresa. Porém, seu único mérito foi estabelecer, ainda que singelamente, o regramento “Do direito da empresa”, ou seja, a empresa passou, nos seus vários perfis, a ser elemento jurídico institucional de uma determinada coletividade.

Ao passo que a “empresa” passou a ser verdadeira instituição social, econômica e jurídica, seus administradores têm deveres sociais, econômicos e jurídicos na administração daquela entidade que tem a prerrogativa de organizar a atividade econômica organizada. Por esse motivo, a empresa é um organismo social, econômico e jurídico, e a sociedade que administra esse fenômeno deve exercer essa função – poder-dever – levando em consideração os interesses que gravitam em volta do fenômeno empresarial. Já se disse, supra, que a empresa, nas suas várias perspectivas, é um fenômeno social e econômico, antes de ser um fenômeno estritamente jurídico. Tanto é assim que o Código Civil se esquivou e não definiu o que seja empresa. Para saber o que é empresa basta consultar o magnífico livro do saudoso e querido Prof. WALDIRIO BULGARELLI , na Teoria jurídica da empresa. A empresa, depois do Código Civil de 2002, foi alçada à categoria de instituição social: com isso não significa concluir que a empresa é algo que entra, única e exclusivamente, nas fileiras do interesse público. Porém, quando a empresa é considerada instituição social, entende-se que a empresa é um fenômeno social decisivo para a manutenção, continuidade e preservação de uma determinada coletividade, sem a qual essa coletividade entraria em solução de continuidade, desaparecendo. Portanto, a empresa é uma instituição assim como a religião, a educação, o Estado, a família. Impraticável é a existência dos tempos modernos sem o sistema de produção e exploração via forma de empresa. A coletividade entraria em conflito destruidor se as empresas desaparecessem: por conseguinte, o fato de o legislador de 2002 estabelecer o “direito da empresa” invoca a empresa como fenômeno jurídico, característico de uma manifestação sociológica e econômica, que tem determinada finalidade. Essa finalidade é diversa quando se está diante: a) da sociedade; b) da empresa. A finalidade da sociedade, observados a lei e o contrato social, é aquela lucrativa. As finalidades da empresa, observados a lei e o contrato social, são públicas, de ordem concorrencial; do consumidor; do meio ambiente; do emprego; dos tributos; etc. Com efeito, evidentes são os conflitos decorrentes do antagonismo dessas finalidades, tão diversas, entre lucro (sociedade) e atividade econômica organizada (empresa). É na regulação dessa entidade jurídica (sociedade empresária) que o ordenamento jurídico busca evitar que os conflitos empresa versus sociedades alcancem determinado patamar e condições que sejam lesivas ao sistema capitalista e empresarial. Neste passo, a regulamentação no país é bastante razoável, mas a prática da realidade é péssima. Essa dicotomia decorre do abuso de poder econômico e da não efetividade do art. 154 da lei acionária. É evidente que o art.154 da Lei 6.404/76 está se referindo à empresa como fenômeno institucional, e o administrador tem deveres a serem cumpridos na busca da sua finalidade lucrativa. É óbvio que a finalidade prevista pelo art. 154 da Lei 6.404/76 tem a aplicação nas demais sociedades empresárias, com fundamento na empresa como instituição, e que a sociedade empresária é aquela entidade jurídica que tem a prerrogativa de administrar esse fenômeno institucional. Assim sendo, qualquer sociedade empresária tem deveres, atribuições e responsabilidades perante o bem público e a função social da empresa, e os administradores devem, lealmente, respeitar esses direitos e interesses na condução administrativa e na busca do lucro. Se isso não ocorre, ter-se-á conduta administrativa praticada com desvio de finalidade e desvio de poder, sancionável pelo ordenamento jurídico, nos termos da lei e da Constituição Federal. Com efeito, os órgãos sociais de administração devem cumprir fielmente suas atribuições porque administram uma entidade que é jurídica, social e econômica, e organizam uma atividade econômica organizada, que tem o nome de empresa, levando em consideração seus vários perfis (patrimonial, empresário, funcional, institucional), e suas finalidades organizacionais.

317. Dos poderes de representação na sociedade limitada

Como regra geral a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador (art. 1.022, C.C.). Em termos específicos da sociedade limitada: a sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado (art. 1.060, C.C.). Por sua vez, a lei diz: “O uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes” (art. 1.064, C.C.). A sociedade pode ter um único administrador ou vários. Se da sociedade constar apenas um único administrador, haverá coincidência completa em poderes administrativos e aqueles de representação. Quando da sociedade participam vários administradores, esses, todos, um ou alguns podem exercer também os poderes de representação, nos precisos termos previstos no contrato social.

Com efeito, em termos teóricos, o fato de ser “administrador” da sociedade não acarreta, automaticamente, que tal pessoa seja representante da sociedade. Pode ocorrer que uma determinada pessoa exerça poderes administrativos internamente dentro da sociedade: neste caso, ter-se-á administrador interno da sociedade. Ademais, nada impede que o contrato social estabeleça que uma determinada pessoa exercerá somente os poderes de representação e que não haverá poderes de administração interna da sociedade. Diante da especificidade nas atribuições organizacionais dentro das sociedades, muitas vezes será útil aos negócios que um dos sócios, por exemplo, exerça a administração interna da sociedade e outro exerça os atos de representação perante terceiros. O contrato social, devidamente registrado, é lei entre as partes e de público conhecimento dos terceiros e do público em geral. Não há, portanto, qualquer restrição contra as cláusulas contratuais que assim regulamentem o exercício da empresa comum. No caso de administrador único, ao poder de administração necessariamente corresponde o poder de representação da sociedade. Quando, ao contrário, existe um conselho de administração, o poder de representação é atribuído aos administradores designados no contrato social ou por ato em separado: esses administradores (representantes) exercem os seus poderes de maneira disjuntiva ou conjuntivamente, nos termos do contrato social e da lei. Evidentemente que a imensa maioria das sociedades limitadas não dispõe de conselho de administração, porém, sua existência é perfeitamente factível dentro dos grupos empresariais familiares, e a aplicação supletiva da Lei 6.404/76 possibilita que as limitadas sejam compostas por conselho de administração. É importante ressaltar que os administradores com poderes de representação (diretoria) têm o poder de declarar a vontade social, e não aquele poder de determiná-la: a formação da vontade social compete à assembléia ou reunião de sócios, bem como ao conselho de administração, quando existente. Com efeito, a formação da vontade social decorre dos instrumentos societários de manifestação – voto – do sócio na assembléia ou reunião de sócios. Ademais, é também instrumento de formação da vontade social a figura decisional do art. 1.072, § 3º, do Código Civil: reunião ou assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. Compete aos administradores com os respectivos poderes de representação executar essa vontade social, nos termos da lei, e observados os seus deveres contratuais. Com efeito, é nesse passo que existe a diferenciação entre formação da vontade social e cumprimento da vontade social. Aos administradores – e voto é exercício do direito de administração – competirá, em assembléia ou reunião de sócios, a aprovação das medidas e decisões administrativas que se referem à sociedade (formação da vontade social). Passada essa etapa, compete aos administradores (representantes) a execução daquela vontade social (cumprimento da vontade social). Por conseguinte, quando os administradores com poderes de representação executam suas obrigações, manifestam, obviamente, a vontade social, e presume-se que essa manifestação de vontade social seja coincidente com a própria formação da vontade social. Então, existem duas manifestações de vontade social, mas elas têm o mesmo objeto, e o que pode variar são os agentes capazes para o exercício dessa manifestação. Nas sociedades limitadas das quais há administrador único, o poder de administração corresponde, necessariamente, ao poder de representação. Existe, portanto, um poder de formação da vontade social, que é um poder deliberativo; e existe um poder de representação, que é um poder de execução. Nas sociedades de pessoas, no mais das vezes todos os administradores são também representantes da sociedade. Nas sociedades de capitais, há evidente dissociação entre poderes de administração e de execução, bem sabendo que, em muitos casos, o presidente do conselho de administração mantém, obviamente, tanto o poder de administração quanto o poder de representação. Na sociedade limitada, diante da sua natureza híbrida, somente o contrato social pode determinar quais são as hipóteses de coincidência entre administração e representação: porém, no mais das vezes, essa é a regra geral, ou seja, os sócios exercem concomitantemente os poderes de administração e aqueles de representação, nos termos do contrato social. O contrato social pode, então, estabelecer representantes pessoas que não são sócias da sociedade: ter-se-á sociedade com administração profissional, quando os sócios entregam a representação da sociedade aos diretores técnicos, contratados para esse fim. O poder de representação não é mais amplo que o de gestão, muito pelo contrário: com efeito, a representação tem que ser feita nos estritos limites do contrato social e daquilo que foi deliberado pela assembléia ou reunião de sócios. A formação de vontade da sociedade é um poder originário, enquanto a execução da vontade da sociedade é um poder derivado. Ampla é a natureza da decisão administrativa que envolve as deliberações e reuniões sociais, cabendo aos representantes buscarem o fim social dentro do objeto social. As deliberações sociais são de tal ordem amplas que podem modificar o contrato social, extingui-lo, etc., enquanto aqueles que têm poderes de representação apenas podem executar sua missão nos termos da lei e do contrato social. A representação realizada contrariamente ao que estabelece o contrato social caracteriza ato inexistente em relação à sociedade por ser ato praticado em ultra vires. A deliberação é mais ampla porque pode, nos termos da lei, até modificar o objeto social da sociedade, observado o direito de recesso. A representação e a administração em sentido amplo são órgãos sociais. Desse fato, como já se disse, decorre a responsabilidade contra os representantes por desvio de finalidade, nos termos da lei acionária. O que ocorre é que, diante da padecente noção de empresa prevista no Código Civil de 2002, a figura do desvio de finalidade, nas sociedades limitadas, não recebeu a disciplina que era esperada. Deveria existir, para as sociedades limitadas, regramento semelhante ao do art. 154 da lei acionária, que se refere, notadamente, aos administradores e representantes da sociedade.

Com efeito, poder deliberativo e poder de execução estão reunidos na hipótese de administrador único da sociedade: nesta hipótese, a execução e a manifestação da vontade social estão reunidas na mesma pessoa, mas, nos outros casos, o poder assim chamado de representação social é distinto do poder de deliberação, o que se refere à manifestação colegiada da sociedade, nos termos da assembléia ou da reunião de sócios. Na lição de ANTONIO BRUNETTI, a representação deve ser entendida como o poder atribuído pela lei ao órgão administrativo para manifestar a vontade social: como representantes da sociedade – e na condição de órgão social – eles podem impugnar decisão assemblear contrária ao contrato social e à lei; e, também, eles podem ser responsabilizados, individualmente, por seus atos lesivos ao patrimônio social.1 Nos termos do art. 2.377, do Codice Civile, as deliberações sociais que não observem as formalidades legais ou do contrato social podem ser impugnadas pelos sócios presentes, dissidentes, ausentes, administradores e Conselho Fiscal, nos termos e limites legais.

Ademais, o saudoso WALDIRIO BULGARELLI ensinou com perfeição que “a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, no modelo brasileiro, tem ampla liberdade contratual de fixação de estrutura administrativa; e, sob tal aspecto, vê-se bem a sua alegada natureza híbrida ou mista ou personalíssima, pois poderá estruturar-se meramente como as sociedades de pessoas, com apenas um ou mais gerentes, ou então adotar a sistemática das sociedades anônimas, criando uma administração mais complexa e sofisticada, com diretoria, conselhos de administração e fiscal, assembléia de quotistas etc.”2

No sistema vigente sob o império do Decreto 3.708/19, a denominação era aquela tradicional de “gerente”; hoje, com o Código Civil de 2002 tem-se administrador. Não se pode olvidar que o significado “administrador” possui vários significantes na linguagem jurídica. Assim, são administradores aqueles que representam a sociedade e aqueles que exercem a administração interna da sociedade, bem como aqueles que integram os conselhos de administração e fiscal da sociedade. Ademais, são considerados administradores aqueles que exercem o controle da sociedade, com participação majoritária da sociedade, votando na assembléia ou reunião de sócios. Podem ser administradores (representantes) da sociedade os sócios como também aqueles que não são sócios. O contrato social deve precisar se a representação será exercida unicamente por sócios, ou se, ao contrário, é permitida a contratação de diretores. De uma forma ou de outra, a função de representante da sociedade é indelegável a terceiros, sócios ou membros dos demais órgãos sociais. O poder de representação tem duas características fundamentais: a) ilimitado; b) universalidade. As limitações aos poderes de representação devem resultar do arquivamento do contrato social. Enquanto não arquivado, os representantes são titulares de poderes ilimitados, que somente o contrato social pode restringir ou limitar. Se o contrato é silente, entendese que os poderes de representação são ilimitados e universais, ou seja, entram na administração ordinária e extraordinária da sociedade. O contrato social deve indicar quais são os administradores com poderes de representação: com isso, a função administrativa é considerada distinta daquela representativa, possibilitando que essa última possa ser confiada somente a alguns administradores. Por isso, é importante distinguir representação funcional e representação negocial. A representação negocial é aquela que se refere ao uso da firma social: é a representação em sentido técnico. Os administradores são, organicamente, os representantes da sociedade, mas o contrato social pode habilitar somente alguns deles ao exercício da função de representação (artigos. 2.475, n. 7; 2.328, n. 9).3 Idêntica interpretação tem lugar diante do Código Civil: com a expressão uso da firma social, o legislador afastou qualquer correlação dessa função com aquela de mandatário, e, em termos societários, usar a firma social significa ter os poderes orgânicos para tal fim, que decorrem da essência do contrato social. Por conseguinte, exercício da representação funcional é uma característica da natureza orgânica da administração: é um poder intrínseco e, por isso, indelegável. Somente aquele habilitado pelo contrato social é que poderá exercer, plenamente, esse poder que é intrínseco à sua qualidade jurídica. Somente aqueles que são titulares da representação funcional estão habilitados ao exercício da representação negocial. Com efeito, somente o contrato social, ou por ato em separado, é que uma determinada pessoa, devidamente designada, por ato unilateral, entrará nas vestes de representante, assumindo os direitos e obrigações decorrentes da sua função. Então, nessa direção, administrar a sociedade será, para tal pessoa, um poder-dever, indelegável, devendo ser cumprido com lealdade, diligência, probidade, correção, defesa da integridade do patrimônio social, respeitando os patamares éticos da administração, bem sabendo que sua função entra, também na sociedade limitada, na condição de atividade econômica. Por ser uma função particular (societária), que tem desdobramentos públicos (função social da empresa), o exercício funcional da representação negocial tem que levar em consideração, inclusive, postulados constitucionais (da ordem econômica), de concorrência, etc.

1 Trattato, cit., vol. III, p. 207.

2 Sociedades comerciais, cit., p. 207.

3 BRUNETTI, Antonio. .Trattato, cit., vol. III, p. 208.

Dizia o art. 13 do Decreto 3.708/19 que: “O uso da firma cabe aos sócios gerentes; se, porém, for omisso o contrato, todos os sócios poderão usar.” Assim, poderão ser notadas as características de representação ilimitada e universal. Compete ao contrato social estabelecer limites intrínsecos ao exercício do poder de representação, bem sabendo que essa limitação decorre de uma anterior manifestação de vontade social, ou seja, quando da formação da vontade social, na elaboração do contrato social (poder originário). Esse poder originário (contrato social) poderá limitar o poder derivado, de tal sorte que a representação nada mais é que a execução da vontade social. Conquanto todos esses fatores na prática societária, no mais das vezes, há restrição ao âmbito dos poderes de representação, em sentido unicamente técnico. Assim, não raro os administradores com poderes de representação não são autorizados para, em administração disjuntiva, transigir, renunciar, inscrever hipotecas contra a sociedade, alienar bens, exceto aqueles que estão incluídos nas operações que fazem parte do objeto social, dar aval de favor, garantir empréstimos, obter financiamentos perante instituições financeiras. Porém, na realidade o contrato social, para fins de validade, não tem que observar essas limitações: como regra geral, os atos de representação são ilimitados e universais, cabendo ao contrato social dispor ao contrário. Se o contrato for silente, amplíssimos são os poderes de representação, não sofrendo qualquer limitação, salvo que os atos entrem no objeto social. Os atos praticados sem poder de representação ou que não entram no objeto social não obrigam a sociedade: contudo, a sociedade, se assim bem entender, poderá ratificar esses atos, assumindo as responsabilidades como se fossem por ela praticados. O principal aspecto interpretativo é aquele que decorre do art. 1.015 do Código Civil: no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. Então, ainda com a reforma de 2002, permanece inabalável a expressão “gestão social”. Então, “gestão da sociedade” é o ato de representação negocial. Se o contrato social for silente, esses atos de gestão social são ilimitados e universais, dentro do objeto social. Entende-se que a sociedade, na sua concepção orgânica, não distinguiu entre atos de administração ordinária e extraordinária. Ou seja, nesta hipótese os poderes dos administradores são amplíssimos na representação negocial da sociedade. Em termos gerais, os representantes não são responsáveis pelos atos regulares de gestão, respondendo somente quando praticarem atos: a) com excesso de mandato; b) atos com violação da lei ou do contrato social. Com o Código Civil de 2002 foi aceita a teoria ultra vires e deve ser afastado todo posicionamento em contrário.

O art. 2.475, bis, do Codice Civile fala em “representação geral da sociedade”, o que é absolutamente certo. Somente o contrato pode estabelecer os limites aos poderes de representação. Os representantes podem praticar todos os atos de gestão suficientes para alcançar o fim social: a finalidade lucrativa da sociedade, como contrato de escopo comum, fundamenta a administração desses representantes, que devem agir na busca dessa finalidade maior que é a de lucro. Porém, a atividade desempenhada pelos administradores com poderes de representação é uma atividade de resultado em sentido técnico: se o administrador empregar todos os meios necessários ao bom desempenho de suas funções, agindo com lealdade, diligência e probidade, mas, se ainda assim a sociedade esperimentar prejuízo ou ir à falência, esse fato não lhe acarreta, por si só, responsabilidade. Os fatores que denotam e acarretam responsabilidade contra o administrador são já bem conhecidos da melhor doutrina societária: não cabe baralhada sobre esse tema, e a interpretação é sempre restritiva. Contudo, na prática, tem-se notado a vulgarização da responsabilidade contra os administradores das sociedades, com medidas processuais e de desconsideração da personalidade jurídica. Com efeito, o instrumento de desconsideração da personalidade jurídica deverá ter lugar somente nos casos de abuso, principalmente diante dos consumidores. No restante, ou seja, em passivos trabalhistas e tributários o que se tem visto, infelizmente, é a voracidade do credor tributário em alcançar patrimônio dos sócios, administradores e representantes, via desconsideração da personalidade jurídica, ou os considerando pessoalmente responsáveis. Essas medidas, descabidas, apenas servem para demonstrar o matiz confiscatório em favor do erário público em detrimento dos direitos dos contribuintes e das pessoas em geral. Nas dívidas trabalhistas a situação não é muito diferente, em que pesem os reclamos da melhor doutrina.

Desta feita, recapitulando a regra geral nas sociedades limitadas, no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade. Não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir (art. 1.015, C.C.). O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; provando-se que era conhecida do terceiro; tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (art. 1.015, I-III, C.C.). Essa regra espanca qualquer dúvida: a) o art. 1.015, I, do Código Civil diz claramente que os atos praticados com excesso de mandato não obrigam a sociedade; b) o art. 1.015, II, do Código Civil diz claramente que o terceiro que tenha conhecimento da restrição aos poderes, e mesmo assim pactuou com a sociedade, nada poderá reclamar contra a sociedade; c) o art. 1.015, III, do Código Civil diz claramente que os atos ultra vires não obrigam a sociedade. Portanto, poderão ser opostos perante terceiros – com a finalidade de evitar a responsabilidade da sociedade – todos os atos que versem sobre operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade (art. 1.015, III, C.C.). Esse regramento consagra, plenamente, acolhendo a melhor doutrina, a teoria dos atos ultra vires societatis, os quais, pelo fato de não entrarem no objeto social, não podem responsabilizar a sociedade.

Não pode se fazer baralhada: o art. 1.015, I, do Código Civil refere-se ao fato dos atos praticados com excesso de poder: o ato pode entrar no objeto social da sociedade, mas foi pactuado sem observar os limites impostos pelo contrato social. Nesse caso, o ato não obriga a sociedade porque a representação orgânica, conferida originariamente pelo contrato social, não foi cumprida corretamente pelo órgão com poder derivado. Assim, se a sociedade for executada, deverá se defender alegando que não tem responsabilidade pelo ato praticado pelo seu representante, o qual responderá pessoalmente pela obrigação assumida. Por exemplo: se o objeto social de uma sociedade é a produção e a industrialização de equipamentos de informática, e o contrato social estabelece, expressamente, administração conjunta para a assinatura de contratos que ultrapassem o valor de duzentos mil reais, o eventual contrato assinado única e exclusivamente por apenas um dos representantes não tem o poder de vincular a sociedade ao referido contrato: o poder originário, fixado pelo contrato social, deve entrar, no cumprimento dos deveres e obrigações da qualidade de órgão de representação social, na conformidade e nos limites já aventados. Assim, perante a sociedade, esse contrato foi firmado por representante sem poder (art. 1.015, I, C.C.), e não obriga a sociedade. Nesse caso, o ato foi praticado dentro do objeto social, mas com excesso ou falta de poderes, o que, para fins de responsabilidade social, não pode obrigar o patrimônio social. Esse fenômeno não é teoria ultra vires, mas mero ato praticado com excesso ou falta de poderes de representação, contrariando o contrato social. Por conseguinte, a responsabilidade é pessoal do administrador, e não contra a sociedade. O ato ultra vires é aquele que não entra, sequer, no objeto social da sociedade: desta feita, não lhe prejudica, não acarretando efeitos lesivos ao seu patrimônio. Ademais, o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes (art. 1.064, C.C). A melhor doutrina está com o eminente MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar que, naqueles atos de administração extraordinária, presume-se que o terceiro que contrata com a sociedade limitada terá a diligência e a cautela necessárias, verificando e certificando a existência dos poderes contratuais de representação do administrador. Assim, presume-se a cautela do terceiro quando este, em razão da sua profissão ou organização empresarial, deva ter conhecimento dos limites dos poderes de representação, e, neste último caso, ainda que se trate de administração ordinária, o terceiro profissional ou empresa dedicada à prática de atos negociais não poderá arguir boa-fé subjetiva para impor a eficácia do ato à sociedade – e resulta, nesses casos, que a sociedade não responde pelos atos praticados com excesso ou desvio de poder. 1 Posicionamento que não deve ser esposado é o apresentado pela preclara MARIA HELENA DINIZ, ao afirmar que: “Se o administrador vier a ultrapassar aqueles limites, haverá abuso de firma social ou uso indevido da firma social, que acarretarlhe-á o dever de indenizar as perdas e danos sofridos pela sociedade (RTJ, 2:296), uma vez que esta responderá perante terceiros pelas obrigações contraídas com a prática de atos exorbitantes, pois o direito brasileiro, como ensina Matiello, não acatou a doutrina ultra vires, segundo a qual o uso abusivo de firma acarretaria a nulidade dos atos praticados, que não seriam oponíveis à sociedade. Logo, os negócios efetivados com o uso indevido de firma social terão validade, obrigando a sociedade, que, contudo, poderá exercer o direito de regresso contra os administradores culpados, obtendo a reparação dos prejuízos que teve.”2

O referido posicionamento não tem fundamento no Código Civil: o art. 1.015 do Código Civil de 2002 é claro em afastar responsabilidade societária pelos atos praticados com excesso de poder, sem poder ou ultra vires. Compete ao terceiro acionar, pessoalmente, o administrador para alcançar a responsabilidade cabível e não a sociedade. Com efeito, a idêntica solução para a sociedade por ações pode ser aplicada na matéria referente às sociedades limitadas, ao passo que deve se propugnar pelo reconhecimento da invalidade das decisões e sua execução quando fora do objeto social, com o que se protegeriam a sociedade e os acionistas e se faria com que os terceiros se assegurassem das necessárias cautelas ao contratar com as sociedades personificadas, salvo ratificação unânime da assembléia.3 Portanto, nos termos do Código Civil de 2002, nenhuma sociedade limitada será responsabilizada por atos: a) praticados com excesso de poderes representativos; b) sem poderes representativos; c) em ultra vires. O art. 1.015 do Código Civil é, com certeza, um acerto do legislador de 2002, e a jurisprudência diligente mostrará o seu justo fundamento jurídico. Sociedade é contrato, e entre os mercadores tem valor jurídico a palavra que está escrita, nos termos e limites autorizados pelo próprio contrato social, em consonância com a lei. A representação social é poder derivado do poder originário, que é o contrato social, e sua representação orgânica é a execução da manifestação da vontade social, a qual, obviamente, somente pode ser validamente exercida nos limites do poder originário. O ato com excesso ou sem poder de representação, bem como o ato ultra vires, não tem fundamento no contrato social, os representantes não têm a qualidade para obrigar a sociedade por atos que não são contemplados no contrato social, e isso é a lei entre os mercadores, que deve ser respeitada em todas as instâncias. Contra a validade dos atos praticados com excesso de poder ou sem poder de representação, já se manifestava WALDEMAR FERREIRA , ao comentar que nas sociedades de pessoas “cumpre a quem contrata com a sociedade apurar e verificar se o sócio-gerente (administrador com poderes de representação) tem os poderes necessários e suficientes para o referido ato.”

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 142.

2 Curso, cit., vol. 8, p. 361.

3 BULGARELLI, Waldirio. . Questões de direito societário, cit., p. 16.

Para conhecimento do terceiro é que o contrato social é arquivado e publicado. Idêntica solução se opera quando dos atos ultra vires societatis, pelo fato de que empregando a firma em negócios estranhos ao objeto social, devidamente declarado no contrato social, o sócio-gerente (administrador) não obriga a sociedade, salvo unânime ratificação posterior. A vontade dos sócios, manifestada em forma legal, é a lei societária.1 Com efeito, igual propositura tem lugar nas sociedades limitadas e nas sociedades de pessoas, incluídas as sociedades simples (art. 1.015, C.C.). Imperiosa é a assertiva de TULLIO ASCARELLI , ao afirmar: “A característica do direito – seja se trate de norma legal ou consuetudinária, seja se trate de norma posta pelo intérprete qual premissa para a solução de um caso ou de um princípio doutrinário – está na circunstância de constituir ele norma e constante, idêntica para todos os casos da mesma espécie; por isso, é exatamente na capacidade para coordenar cada caso a uma regra desse tipo que se revela a mentalidade do jurista. Esse seu dever assenta, afinal, na idéia de igualdade que é base permanente do direito e, desse modo, se liga à própria idéia de justiça. A força e a capacidade do jurista estão na segurança com que individualiza, em cada caso, os elementos típicos que o submeterão a determinada norma geral, e na sabedoria, quanto à identificação desta.”2 Nessa esteira, fundamental a interpretação que leva em consideração as condições tradicionais e históricas do direito, na sua esfera lógica e, por sua vez, não mitigando o matiz evolucionista do direito, na sua infindável progressão pela certeza jurídica, na igualdade e na liberdade dos contratos.

318. Da destituição dos administradores

Nos termos do art. 1.063 do Código Civil, o exercício do cargo de administrador cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução. Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averbada no registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao da ocorrência. A matéria de destituição de administradores é de extrema complexidade. Já advertia o exímio WALDEMAR FERREIRA que destituir administradores é assunto de muita controvérsia. Nomeados pelo contrato, somente com a sua alteração é que ocorre a destituição de administradores, bem sabendo que a destituição judicial é sempre possível, ao lado daquela societária. Não há sociedade capaz de prosperar em atmosfera de suspeitas, conflitos e dissimulações na atividade dos administradores. Também podem ser destituídos os administradores ineptos ou que primem pela desídia ou até mesmo por terem interesses contrários ao da sociedade. Não raro é que desse conflito societário, decorrente da destituição do administrador, tal fato acarrete, futuramente, a própria dissolução da sociedade.3 Portanto, deve ser feita distinção entre a figura jurídica do sócio e aquela do administrador. Primeiro, a destituição da condição jurídica de administrador da sociedade não acarreta, por si só, qualquer alteração sobre o status jurídico de sócio. A administração é órgão social de representação, assim chamada de representação orgânica. O administrador pode, portanto, ser sócio e ser destituído da sua função de representante da sociedade, sem que isso acarrete qualquer consequência, imediata, ao seu direito, qual seja, aquele decorrente da qualidade jurídica de sócios. Por bem da verdade, é evidente que a destituição da função de administrador tem que ser motivada: somente a maioria, nos termos da lei, pode destituir o administrador de suas funções. Entre alguns desses motivos que ensejam a destituição estão: a) administrador inepto, corrupto, desidioso; b) interesse conflitante com o da sociedade; c) interdição civil do administrador; d) os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação; e) gestão temerária, fraudulenta; f) falência em outra sociedade; g) decretação de sua insolvência civil; h) não-cumprimento dos seus deveres sociais, entre os quais o de diligência, probidade e defesa da integridade do patrimônio social, bem como daqueles decorrentes da quebra dos seus deveres fiduciários; e impossibilidade de cumprir com seus deveres administrativos, por negligência, imprudência ou imperícia para o exercício do cargo de administrador. O contrato social não poderá estabelecer cláusula de resultado para fins de destituição por justa causa. O contrato social é lei entre as partes, e pode, portanto, fixar outras hipóteses de destituição do cargo de administrador. O contrato pode estabelecer, inclusive, limite máximo de idade para o exercício da função administrativa: se o administrador não se retirar da sociedade, poderá, então, ser destituído.

1 Instituições de direito comercial, cit., vol. I, t. II, pp. 556/557.

2 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., p. 73.

3 Instituições de direito comercial, cit., pp. 558/559.

Como se disse, não raro é que desse conflito, ainda que exista a maioria prevista em lei ou pelo contrato social, a simples destituição do administrador pode – mas não necessariamente – ocasionar a dissolução parcial ou total da sociedade. Somente o caso prático poderá responder quando uma destituição da função de administrador acarretará ou não uma futura dissolução. Com efeito, basta conjecturar hipóteses de conflitos invencíveis entre os sócios administradores, denúncias criminais, enriquecimento sem causa, etc., que mitigam a força da sociedade perante terceiros, sem falar que esse conflito e a discórdia invencível são hipóteses que ensejam dissolução judicial da sociedade, nos termos do art. 1.034, II, do Código Civil, pela inexequibilidade do fim social. Por outro lado, se o administrador é técnico contratado para essa função e possui participação mínima sobre o capital, não há que falar, no mais das vezes, que a sua destituição acarretará, conforme o caso, a dissolução total ou parcial da sociedade. Assim, somente o caso prático poderá responder se a destituição do administrador provocou tal abalo sobre a administração social de tal sorte que poderá ensejar ou não a dissolução da sociedade. A destituição de administrador é medida que ocasiona a alteração do contrato social: tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato social, sua destituição somente terá lugar quando da aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa (art. 1.063, § 1º, C.C.). Portanto, o mínimo é de dois terços do capital social, mas o contrato social poderá, por exemplo, exigir quorum maior, como a unanimidade dos demais sócios, inclusive daqueles que não exercem a administração. O contrato social pode estabelecer quotas preferenciais, com voto restrito ou sem direito de voto: essa cláusula é lícita, e deve ser afastado todo posicionamento em contrário. Assim, o contrato social poderá estabelecer que o quotista preferencialista, com voto restrito, tem direito de voto na destituição do administrador: nesse caso, tem que se levar em conta sempre o total do capital social para aferição daqueles dois terços, ou seja, incluído o capital desse quotista preferencialista. Se da sociedade participam quotistas preferencialistas, sem direito de voto, as suas participações sobre o capital não são computadas para a formação daqueles dois terços, ou seja, entram, para aferição desses dois terços, somente os quotistas que efetivamente têm direito de voto ou com voto restrito (destituição de administradores). A designação do administrador, pelo contrato social, é ato unilateral, que tem a condição jurídica de instituir o órgão de representação social: portanto, somente com uma medida de idêntica proporção e natureza jurídica é que poderá ser revogada aquela designação, ou seja, com uma verdadeira alteração contratual. Com efeito, o sócio que foi designado administrador da sociedade pelo contrato social somente pode ser destituído por justa causa. Se o sócio que foi destituído da sua função de administrador não aceitar a medida societária de destituição (art. 1.063, § 1º, C.C.) deverá requerer, judicialmente, a sua manutenção no cargo de administrador e a declaração de invalidade da deliberação que aprovou sua destituição (art. 1.071, III, C.C.). O administrador que for destituído, sem justa causa, da sua função deverá ser indenizado pelo dano que lhe foi provocado pela sociedade. Assim, somente com justa causa poderá ser destituído administrador: se a assembléia ou a reunião de sócios aprovar a destituição de administrador, sem motivo justo, terá que suportar indenização em favor do administrador destituído indevidamente de suas funções. Quando o sócio exerce a administração com poderes de representação, certamente somente poderá ser destituído por justa causa. Impraticável a demissão sem justa causa (art. 1.019, C.C.). Essa situação decorre da natureza híbrida da sociedade limitada: a) se o contrato social eleger a regência supletiva pelas regras da sociedade simples, o administrador investido de poderes de representação, pelo próprio contrato, somente poderá ser destituído por justa causa; b) se o contrato social eleger a regência supletiva pelas regras da lei acionária, é possível a destituição ad nutum do administrador contratado, que não seja sócio. Na primeira hipótese, a assembléia ou reunião de sócios, devidamente convocada, terá que deliberar sobre a destituição, deliberação essa com fundamento na justa causa. Outra situação é aquela que decorre do fato da contratação de administradores (terceiros estranhos ao quadro social) com poderes de representação: esses podem, obviamente, ser destituídos, sem justa causa, a qualquer tempo. Também são revogáveis, pela sociedade (assembléia ou reunião de sócios), os poderes conferidos, por atos em separado, aos administradores, sem necessidade de comprovação da justa causa. Assim, a demonstração da justa causa se faz necessária na hipótese de sócio administrador com poderes de representação, e quando esse sócio tenha assumido essa condição por expressa cláusula do contrato social. Em todo caso de destituição sem justa causa, o administrador terá que ser indenizado, nos termos previstos pelo contrato social. Com efeito, em linhas gerais: a) a destituição somente pode ser feita por justa causa; b) o administrador destituído, sem justa causa, deve ser indenizado pela sociedade; c) a justa causa serve para não acarretar, contra a sociedade, a responsabilidade pela referida indenização.

Essa interpretação decorre do art. 2.383, 3º, do Codice Civile, que estabelece: “Gli amministratori sono rieleggibili, salvo diversa disposizione dello statuto, e sono revocabili dall’assemblea in qualunque tempo, anche se nominati nell’atto costitutivo, salvo il diritto dell’amministratore al risarcimento dei danni, se la revoca avviene senza giusta causa.” Com efeito, os administradores podem ser reeleitos, salvo diversa disposição do contrato social, e podem ser destituídos pela assembléia (ou reunião de sócios) em qualquer tempo, ainda que se nomeados pelo contrato social, mas fica ressalvado o direito do administrador em receber indenização se a destituição ocorreu sem justa causa.

Portanto, a determinação da justa causa tem uma razão óbvia: despir a sociedade de qualquer indenização em favor do administrador. Não se conjectura que um administrador, exercendo sua função corretamente, com diligência, probidade, lealdade, empregando toda a cautela na administração da sociedade, venha ser destituído de sua função sem que não tenha direito ao recebimento de uma indenização. Ademais, é evidente que esse ato de destituição, aprovado pela sociedade, não caracteriza, por si só, uma medida contrária ao interesse social, porém é bastante duvidoso conjecturar o porquê da demissão de um administrador qualificado e cumpridor dos seus deveres. A justa causa existe, efetivamente, para que a sociedade não seja responsabilizada contra o administrador. Não caracterizada a justa causa, o ato de destituição entra na busca presumida da vontade social e do interesse social, ainda que esse fato possa ser indício de conduta lesiva contra a sociedade: basta figurar o exemplo quando, depois da contratação de diretor financeiro com poderes de representação, tal pessoa, agindo com diligência e lealdade, descobre fraudes contábeis, praticadas pelos sócios majoritários e, por isso, tal diretor financeiro é destituído das suas funções. Tal hipótese pode ser mais frequente do que possa parecer. Com certeza que esse administrador deve ser indenizado pela sua destituição pela assembléia ou reunião de sócios: de outra parte, compete à sociedade provar a justa causa para fundamentar a destituição, evitando a responsabilização já referida. Por isso, descabida é a jurisprudência que entende possível a destituição imotivada de administrador com amplos poderes de representação. O exímio ANTONIO BRUNETTI já asseverava, nos termos do art. 2.383, 3º, Codice Civile, que a destituição (revogação) dos poderes de representação do sócio deve ser, sempre, motivada, sob pena de a sociedade ter que indenizar o administrador despedido de suas funções.1 O valor dessa indenização é livremente fixado pelo contrato social. Se o contrato social for silente, o valor do dano sofrido pelo administrador, que foi destituído sem justa causa, pode ser calculado pelo montante presumivelmente recebido se o administrador tivesse cumprido o prazo de sua investidura no cargo, descontado e proporcionalmente ao que já recebera da sociedade pelo tempo transcorrido, ou seja, pelo tempo que efetivamente exerceu sua função na sociedade.

Se a sociedade aprovar deliberação destituindo, sem justa causa, o administrador, poderá requerer imediatamente sua manutenção no cargo com medida cautelar. Se a sociedade aprovar a destituição, com justa causa, ainda assim o administrador poderá argumentar em juízo pela não-caracterização da justa causa, hipótese em que o processo terá o procedimento ordinário: a ausência de justa causa, comprovada nos autos, dá ensejo à condenação em favor do administrador contra a sociedade. Se, por outro lado, for comprovada a justa causa, a sociedade não arcará com nenhuma indenização em favor do administrador e, ao contrário, esse pode ser condenado, na ação própria de responsabilização, ao ressarcimento dos danos e prejuízos causados contra a sociedade. Os atos que servem de fundamento para a caracterização da justa causa são, entre outros, aqueles já aventados, vale dizer: a) administrador inepto, corrupto, desidioso; b) interesse conflitante com o da sociedade; c) interdição civil do administrador; d) os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação; e) gestão temerária, fraudulenta; f) falência em outra sociedade; g) decretação de sua insolvência civil; h) não-cumprimento dos seus deveres sociais, entre os quais o de diligência, probidade e defesa da integridade do patrimônio social, bem como daqueles decorrentes da quebra dos seus deveres fiduciários; e impossibilidade de cumprir com seus deveres administrativos, por negligência, imprudência ou imperícia para o exercício da função de administrador. O contrato social não poderá estabelecer cláusula de resultado para fins de destituição por justa causa. A regra para aprovação da deliberação de destituição de administrador é a prevista pelo art. 1.063, § 1º, do Código Civil, se o administrador for sócio: tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa.

O contrato social nunca poderá estabelecer quorum deliberativo inferior aos dois terços sobre o capital social: o legislador, bem disse que esse é o quorum mínimo, e o contrato social somente poderá aumentar esse limite e não reduzi-lo. Se o administrador não for sócio, entra em ação a regra do art. 1.076, II, do Código Civil: Somente poderá ser destituído pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social. Fico na companhia de MODESTO CARVALHOSA , quando afirma que “os administradores sócios têm dois status: 1) administradores nomeados no contrato e não destituíveis a não ser por justa causa e 2) administradores sócios eleitos pela reunião ou assembléia de sócios, demissíveis ad nutum”.2 Conquanto, entendo que até os administradores sócios, eleitos pela assembléia ou reunião de sócios, somente podem ser destituídos por justa causa: se não comprovada a justa causa, tal administrador terá direito ao recebimento de indenização, assim como o administrador sócio nomeado pelo contrato social.

1 Trattato, cit., vol. III, pp. 201/202.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 174.

Por conseguinte, impraticável é a destituição imotivada de sócio administrador com poderes de representação, seja esse administrador designado: a) pelo contrato social; b) pela assembléia ou reunião de sócios. Esses dois institutos, ou seja, assembléia e reunião de sócios, entram na qualidade de manifestação da vontade social: essa manifestação é de tal ordem vinculante, que é, em termos práticos, comparada à própria formação da vontade social originária. Por esse fator, difere, substancialmente, da execução ou do cumprimento da vontade social, que é exercida pelos administradores (representantes). Assim sendo, ainda que a designação de administrador com amplos poderes de representação seja feita pela assembléia ou pela reunião de sócios, ocasionando a alteração do contrato social, essa manifestação de vontade é a manifestação da própria sociedade, em sentido originário. Na medida em que essa é uma manifestação formadora da vontade social, ainda que nesse caso, reformadora do contrato social originário, tal manifestação é sinônimo de interesse social, e os administradores designados posteriormente assumem essa condição expressamente pela vontade da sociedade, em ato unilateral, nos mesmos moldes da formação originária do contrato social. Diante disso, não há por que, em sede de sociedade limitada, dividir para efeitos de destituição de administrador, o fato de sua nomeação ter sido feita na manifestação formadora do contrato social ou na manifestação reformadora do contrato social (assembléia ou reunião de sócios), bem sabendo que, nas duas manifestações, a representação orgânica decorre e se forma como órgão social interno da sociedade, com poderes, deveres, responsabilidades, obrigações e funções próprias, que são distintas dos demais órgãos da sociedade. A sociedade não pode, sem motivação, aprovar a destituição de administrador e não ser responsabilizada por esse ato. A única forma de evitar a responsabilização é provando a justa causa. É bastante acertada, e verdadeira obrigação para validade da deliberação ou da reunião, que os sócios que aprovarem a destituição indiquem a justa causa que fundamenta a sua decisão, isso na deliberação da medida de destituição. Esse ato é necessário para a validade da deliberação. Sem essa indicação da justa causa, a deliberação pode ser anulada, e o administrador destituído pode requerer, judicialmente, sua manutenção no exercício do cargo de administrador. É direito constitucional requerer em juízo as medidas que assegurem seus direitos. A destituição é ato unilateral da sociedade, fato esse que somente produz efeitos se indicada a justa causa. Ademais, pelo fato de que a destituição é ato unilateral da sociedade, é que o administrador pode requerer judicialmente sua manutenção no cargo. Se a sociedade não conseguir comprovar, judicialmente, a justa causa, então, terá que arcar com as indenizações cabíveis por danos morais, bem como da remuneração devida ao administrador pelo período que exerceria a sua função na sociedade. Neste caso, a sociedade agiu com negligência ao destituir o administrador, e, por isso, deve indenizá-lo, no valor da sua remuneração, mais danos morais que o caso suportar. Por sua vez, em hipótese alguma o sistema jurídico deve consagrar regra que autorize a destituição judicial de administrador a pedido de qualquer sócio. Essa medida seria inoportuna para a administração da sociedade e não encontra respaldo na melhor doutrina. Somente a sociedade, por deliberação social, é que poderá destituir o sócio que foi, por ela própria, nomeado no contrato social ou pela assembléia ou reunião de sócios. Por conseguinte, deve ser rejeitada toda consideração que postule pela destituição judicial de administrador, a requerimento de qualquer sócio. Deve ser movida, com efeito, a ação de responsabilização contra o administrador, para apurar, em sede própria, as suas eventuais responsabilidades.

O mestre dos mestres já afirmava, nas sociedades anônimas, que “a revogação ou a destituição dos administradores cabe somente à assembléia-geral. O Poder Judiciário não pode intrometer-se nesse ato”.1 Essa também a opinião do exímio CUNHA PEIXOTO , ao asseverar que “a destituição do gerente constitui matéria de alteração contratual e, portanto, é uma providência que só pode ser tomada pela sociedade, representada pela maioria. No direito comum, impõe-se, para as modificações contratuais, só a vontade unânime dos convencionais e, com referência à sociedade por cotas, a deliberação da maioria”, e, desta forma, continua o referido jurista que “o sócio não fica, todavia, ao arbítrio do gerente, quando este tem mais capital, visto como lhe é licito requerer a dissolução da sociedade. Em geral, todos os casos que poderiam justificar a destituição do gerente são também motivos para a dissolução social, principalmente na atualidade, em que a jurisprudência se tem orientado no sentido de reconhecer que a divergência entre os sócios justifica esta medida, pela impossibilidade de execução dos fins sociais”.2

Esta é a solução a ser seguida, obrigatoriamente. Impossível é o pedido de destituição judicial de administrador por qualquer sócio: com efeito, essa é uma medida absolutamente de interesse interno da sociedade. Se o conflito entre os sócios for de tal ordem, basta requerer a dissolução parcial da sociedade, ou no caso de inexequibilidade do fim social poderá ser declarada judicialmente a dissolução total da sociedade. Ademais, a destituição do cargo de administrador deve ser feita nos limites dos seus próprios poderes: portanto, é impraticável a revogação de parte dos poderes conferidos pela sociedade ao administrador e mantendo outros de seus poderes. Com efeito, os poderes de representação orgânica são amplos e envolvem atos de administração ordinária e extraordinária, que podem ser restringidos somente pelo contrato social. Assim, poder de representação é geral, e sua destituição deve ter idêntica natureza. Desta feita, o poder de representação é geral (art. 2.384, Codice Civile), e a destituição também será geral e ampla, sem possibilidade de manutenção de parte desses poderes, que, com certeza, seria prejudicial aos interesses dos terceiros contratantes com a sociedade.

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. IV, p. 52, n. 1.187.

2 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 334.

Nesta esteira, amplos são os poderes e ampla será a destituição: já se afirmou, com acerto, que não raro a destituição de administradores sócios pode ocasionar a dissolução da sociedade, o que mostra, de maneira evidente, como o tema da destituição é complexo. Diante desse fenômeno, a destituição de administrador sócio deve ser revestida de todas as formalidades e justificativas cabíveis, assegurando a condição jurídica da sociedade e evitando prejuízos. Quanto aos administradores não sócios, excluída a hipótese de dissolução, a sociedade também deve se revestir de todas as cautelas cabíveis para caracterizar a justa causa e excluir a sua responsabilidade perante esse administrador, no caso da comprovação judicial da referida justa causa. Ademais, afirma o preclaro MODESTO CARVALHOSA que os administradores nomeados no contrato social terão regramento jurídico diverso se forem ou não sócios: na hipótese de serem sócios, sua destituição somente pode ter lugar se comprovada a justa causa e mediante a aprovação de, no mínimo, dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa. Quando o administrador não é sócio, mas foi nomeado pelo contrato social, a sua destituição pode ser efetivada ad nutum, sem justificativa da causa. O quorum para essa destituição sem justificativa do administrador que não é sócio será o da maioria absoluta do capital social. Compete, então, ao administrador sócio que foi destituído arguir a anulação do ato destitutório, por falta de justa causa.1 Outra hipótese de destituição das funções de administrador é o decurso do prazo marcado para o exercício do cargo. O contrato social é o instrumento que estabelece o prazo de duração para o exercício do cargo de administrador: findo esse prazo, findo estará o poder de representação social. Nos termos do Código Civil, o administrador nomeado pode ser reeleito infinitas vezes, não havendo, com efeito, qualquer limitação de tempo quanto ao número de reconduções ao cargo. Seguindo a letra da lei, pode-se afirmar que, nos termos do art. 1.063, caput, do Código Civil, o contrato social sempre terá que fixar um prazo para o exercício dos poderes de representação social, principalmente para o administrador não sócio. Com efeito, a finalidade da lei, nos termos da disciplina societária no Código Civil de 2002, é que a administração com poderes de representação entre na categoria de profissionalidade, ainda que exercida unicamente por sócios. O art. 1.063 do Código Civil diz: o exercício do cargo de administração cessa pela destituição, em qualquer tempo, do titular, “ou pelo término do prazo se, fixado no contrato ou em ato separado, não houver recondução”. Da redação do referido dispositivo legal é possível concluir que toda designação de administrador com poderes de representação deve ser feita por prazo determinado, e seria inviável a designação por “prazo indeterminado”. Contudo, a prática entende que é possível a designação de administrador por prazo indeterminado, diante da ausência do regramento específico estabelecendo prazo certo para o exercício da representação. Com efeito, e ademais, a sociedade limitada, ainda que sob a regência supletiva da Lei 6.404/76, não teria que fixar prazo máximo de três anos para o exercício do cargo de diretor (administrador com poderes de representação). Nos termos do art. 143, III, da lei acionária, o prazo de gestão não poderá ser superior a três anos, permitida a reeleição. O mais acertado é que o contrato social estabeleça, efetivamente, um prazo determinado para o exercício da função de representação, ainda que os administradores sejam sócios. No caso de administradores não sócios, entendo que seria obrigatória a designação de prazo determinado no contrato social, e essa parece ser a finalidade da lei ao conferir o caráter organizacional à sociedade limitada, aproximando sua disciplina daquela prevista pela lei acionária. Por sua vez, não parece aceitável entendimento que propugna pela designação de diretor por prazo indeterminado, principalmente na hipótese de diretor não sócio. Na minha perspectiva, o administrador não sócio da sociedade limitada deverá sempre ser designado por prazo determinado: o prazo-limite seria aquele previsto pelo art. 143, III, da Lei 6.404/76, ou seja, de no máximo três anos, permitida a reeleição. Isso denota o caráter profissional da administração e sua natureza orgânica. Conquanto esses fatores, deve-se ressaltar que o art. 143, III, da Lei 6.404/76 não tem aplicação supletiva ao regramento da sociedade limitada, mas nada impede que o contrato social estabeleça a aplicação subsidiária da Lei 6.404/76, ou seja, determinando que o prazo máximo para o exercício do cargo de diretor não sócio será o de três anos, permitida a reeleição. Por conseguinte, no entender de ANTONIO BRUNETTI, a sociedade limitada não está vinculada ao prazo de três anos (três exercícios sociais), mas esse termo pode constar do contrato social ou de uma posterior deliberação da assembléia ou da reunião de sócios, fixando o referido prazo, com a respectiva alteração contratual. O prazo de duração do cargo de administrador é uma determinação da relação societária, e não do ato unilateral de designação, ainda que o administrador seja sócio: portanto, a assembléia ou a reunião de sócios terá sempre o poder de revogação, até na hipótese de nomeação ter sido feita por prazo idêntico ao de duração da sociedade.

2 Desta feita, cumpre ressaltar que, se a nomeação do administrador coincidir com o prazo total de duração da sociedade, isso não significa nomeação por prazo indeterminado, necessariamente. Assim, uma sociedade constituída para funcionar por dez anos poderá nomear administrador com exercício de sua função por dez anos, mas isso, claramente, não significa prazo indeterminado. Nos tempos já mais antigos, as sociedades eram constituídas para funcionar por noventa e nove anos, e, de certa forma, um administrador poderia ser indicado para exercício de suas funções por igual período, ainda que na realidade das coisas o administrador pudesse falecer antes do término da sociedade. Porém, hoje a situação é diversa: com as sociedades por prazo indeterminado conclui-se que os administradores com poderes de representação também podem ser nomeados para o exercício dessa função por prazo indeterminado.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 175.

2 BRUNETTI, Antonio Trattato, cit., vol. III, p. 200.

Interpretando o Código Civil, bem sabendo que a sua finalidade foi disciplinar a sociedade limitada como “pequena sociedade de capitais”, a interpretação que adviria do seu texto normativo é que nas sociedades limitadas também existiria prazo máximo para o exercício da função de administrador, ou seja, três anos (exercícios sociais), permitidas infinitas reeleições. Mas é evidente que a imensa maioria das sociedades limitadas constituídas no país não são “pequenas sociedades de capitais”, mas, pelo contrário, verdadeiras sociedades de pessoas, nas quais o poder de representação coincide com a figura do sócio. Diante da realidade prática que contraria o frio texto normativo, o intérprete deve buscar solução equânime ao caso. A teoria da interpretação já mostrou como o sistema das codificações não conseguiu “resumir” o direito àquilo que está disciplinado pelos códigos. Na esteira de TULLIO ASCARELLI , no intenso processo de codificação, nos séculos XVIII e XIX, o código não era apenas uma lei ou coletânea ou consolidação de leis, mas um corpus em si mesmo completo e definitivo, com o objetivo de garantir certeza jurídica, e pela “previsibilidade” da solução jurídica a ser pronunciada pela sentença judicial. De outro lado, o código relacionava-se ao fato de identificar o “direito” com a “lei”, buscando, via dedução formal e lógica, um regulamento completo e definitivo de todo o direito privado, o que não se deu no sistema jurídico inglês. Diante desses fatores, principalmente dos “formalismos” e das “soluções deduzidas logicamente”, afirma o referido mestre que “a solução de cada caso deve harmonizar-se com uma norma geral já estabelecida, de modo que a declaratoriedade do intérprete se coordena com os próprios princípios fundamentais do que KANT chamava “república” e ARISTÓTELES , “constituição”. Do ponto de vista histórico fácil é, entretanto, advertir que, de fato, o intérprete exerce função criadora. Coopera ele, realmente, para a evolução do direito; uma interpretação nunca é, em rigor, apenas declaratória, mas implica uma reconstrução da norma interpretada, o desenvolvimento e a adaptação dela; o princípio aplicado em um caso concreto é, ele também, um princípio “típico”, pois que cada caso não pode juridicamente ser considerado, a não ser esquemática e abstratamente como caso típico”.1

Assim, diante de um Código que contraria a realidade das coisas, fundamental é a intervenção do intérprete para a evolução e reconstrução da norma interpretada. Os ditadores e legalistas são sempre contrários ao fenômeno interpretativo. JUSTINIANO, ao seu tempo, reservava ao imperador – ele próprio – o direito de interpretar as leis. Assim também são os burocratas ignorantes, os déspotas de toda ordem, os legalistas, os lógicos dedutivistas. Ademais, precária é a lógica formal para a resolução dos conflitos contemporâneos, mas não raro se tem notícia de teses que ainda defendem a lógica formal como sendo a única forma ou método acertado para a aplicação da regra jurídica. Com efeito, diante de tantos fatores, o contrato social tem ampla liberdade para fixar prazo certo para duração das funções de administrador com poderes de representação; se o administrador não é sócio, esse prazo máximo deve ser o de três exercícios sociais, permitidas infinitas reeleições; o contrato social pode estabelecer aplicação subsidiária da Lei 6.404/76 (art. 143, III), para fundamentar o prazo de três exercícios sociais; o mais acertado, em sentido abstrato, é que até nas sociedades limitadas de matiz pessoal o contrato social estabeleça prazo certo de duração para o exercício do cargo de diretor, ainda que esse diretor seja sócio; competirá à assembléia ou reunião de sócios aprovarem a reeleição desse diretor, e essa reeleição ocorreria por ocasião da aprovação das contas sociais (art. 1.078, II e III, C.C.); a designação de administrador sócio, por prazo indeterminado, é aceitável diante da realidade negocial, societária e prática do país, buscando simetria com a finalidade do texto normativo, que é a profissionalidade da administração e sua natureza orgânica; nas sociedades limitadas de matiz capitalista, com regência supletiva da Lei 6.404/76, não é automática a aplicação do art. 143, III, da lei acionária, competindo ao contrato social estabelecer, expressamente, aplicação subsidiária desse referido mandamento normativo (art. 143, III, da Lei 6.404/76), fixando o prazo máximo de três anos ao exercício do cargo de diretor (sócio ou não sócio), permitidas infinitas reeleições; no silêncio do contrato social se presume que o prazo de representação é indeterminado, em razão da prática societária que também é fonte do direito, e da liberdade de contratação, pelo fato de que o contrato social é lei entre as partes. O término do exercício das funções de administrador também se efetiva pela renúncia ao cargo. A renúncia do administrador é um ato unilateral, que, para sua eficácia perante a sociedade, requer ato formal de comunicação. Pode ser uma notificação extrajudicial ou judicial. Contudo, a renúncia poderá acarretar ao administrador o dever de indenizar a sociedade, por perdas e danos, ou pelo pagamento de cláusula penal. O contrato social que designar administrador por prazo determinado pode declarar que a renúncia acarreta o pagamento de cláusula penal. Esse fato não retira o matiz unilateral da designação do administrador, mas é uma assunção que o administrador assumirá pela sua obrigação de fazer. Administrar a sociedade é uma obrigação de fazer: se o administrador renunciar ao seu cargo, poderá, conforme o caso, ser condenado às perdas e danos cabíveis, e ao pagamento da cláusula penal, que nesse caso será antecipatória das perdas e danos, pelo menos em parte. A indenização também será devida se a designação é por prazo determinado, bem como pode ser pactuada cláusula penal no caso de renúncia quando a nomeação é feita por prazo determinado. O administrador estará isento da cláusula penal e da indenização se a sua renúncia for fundamentada em justa causa, comprovada judicialmente. Não raro sociedades empresariais são constituídas por cediços e fraudadores de toda ordem, que pressionam os administradores para praticarem ato vedado pela lei, contrário ao contrato social e ao interesse social. Ademais, não raro é o assédio moral contra diretores, notadamente não sócios, o que, por certo, pode acarretar o pedido de renúncia ao cargo de administrador.

1 Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., pp. 54-56 e 66.

Nos termos previstos pela lei, a representação é órgão social, com deveres, responsabilidades, obrigações, direitos e deveres próprios: uma determinada pessoa que assumiu essa condição jurídica deve exercer suas funções primando pela profissionalidade. Se a sociedade limitada, de matiz capitalista, foi e contratou diretor, com alta remuneração, designandoo ao exercício de importantíssimas funções administrativas, não é acertado que diante da sociedade tal pessoa apresente a renúncia sem arcar com as responsabilidades por esse seu ato. Com efeito, é óbvio que é absoluto o direito de renunciar, e, em tese, não é necessária a demonstração de justa causa: porém, se a renúncia não tem uma causa que a justifique, e bem sabendo que a representação social entra na qualidade jurídica de obrigação de fazer, o renunciante pode se ver compelido a indenizar a sociedade ou arcar com cláusula penal, anteriormente ajustada. A natureza profissional do exercício da representação orgânica é que determina essa situação: da mesma forma que o administrador pode requerer em juízo indenização por destituição imotivada, aqui entra a outra parte do seu dever, que é indenizar a sociedade pela sua renúncia ao cargo. Por isso que, reciprocamente, e de maneira equânime, pode ser entendido que a destituição sem justa causa acarreta indenização em favor do administrador. Se provada a justa causa na destituição, é a sociedade que pode e deve acionar, via ação de responsabilidade, o administrador faltoso. Ao reverso, se o administrador, contrariando a designação da sociedade, renuncia imotivadamente ao cargo que lhe competia, deve indenizar o dano provocado, se efetivamente existente, ao pagar a cláusula penal.

Na administração das empresas essa regra é moralizadora e impede que diretores “mudem” frequentemente de empresas, levando consigo segredos industriais, empresariais, etc. Com efeito, a renúncia é ato unilateral e livre do administrador, mas isso não impede que tal pessoa seja compelida ao pagamento de indenização ou cláusula penal se a renúncia se deu sem justa causa. Essa medida entra, também, na liberdade dos contratos, e nos limites da lei. É óbvio que a indenização tem lugar somente no caso de efetivo dano contra sociedade.

Não raro as sociedades contratam diretores, e sobre a atuação desses técnicos contratam investimentos, compram áreas industriais, reformam usinas, adquirem novos equipamentos, projetam novos investimentos, e a renúncia de tal diretor acarretará, no mais das vezes, dano contra a sociedade, que poderá ter que rever seus investimentos, alterar planos industriais, porque aquela pessoa que implementaria esses projetos apresentou sua renúncia. Como obrigação de fazer, a administração com poderes de representação pode entrar na categoria de personalíssima: basta conjecturar as sociedades empresárias com objeto social no ramo da moda, da publicidade, dos computadores, etc. Muitas vezes, a presença daquele diretor contratado é fundamental para a sorte dos negócios, e sua renúncia, nesses casos, certamente acarretará dano contra a sociedade. Por isso, perfeitamente jurídica é a ação de indenização contra o administrador que renunciou ao seu cargo, sem justa causa. E, ademais, é juridicamente perfeita a cláusula contratual que estabelece o pagamento de cláusula penal no caso de renúncia ao cargo de administrador, renúncia essa sem justa causa. Se, por outro lado, a sociedade é composta por sócios cediços, que fraudam o erário, que se locupletam de maneira ilícita, que praticam infrações contra a ordem econômica, que assediam moralmente seus diretores (ainda que sócios), que praticam crimes tributários e incitam seus colegas diretores ao crime contra a ordem tributária, estará plenamente justificada a renúncia do diretor, e nenhuma indenização ou cláusula penal poderá lhe ser exigida. Por sua vez, as causas de destituição, renúncia e dissolução de sociedades são muito próximas. Se um determinado administrador é também sócio da sociedade, e está diante de colegas sócios corruptos, cediços, fraudadores, poderá, ao invés de apresentar sua renúncia ao cargo de administrador, requerer, imediatamente, a dissolução da sociedade. Ademais, para se esquivar da responsabilidade penal, civil, tributária e das relações de consumo, esse administrador poderá apresentar, via notificação extrajudicial ou judicial, sua renúncia e, em seguida, como sócio, requerer judicialmente a dissolução da sociedade. O fundamento dessa dissolução é o art. 1.034, II, do Código Civil, quando o conflito invencível entre os sócios acarreta a paralisação ou a impossibilidade de continuação da administração social, ou, também, pelo fato de que uma sociedade administrada por corruptos, cediços e fraudadores obviamente é uma sociedade não jurídica, e deve ser encerrada judicialmente para apuração das devidas responsabilidades. Já afirmava CUNHA PEIXOTO que as obrigações dos gerentes (administradores com poderes de representação) constituem obrigação de fazer, e o seu descumprimento rende ensejo a perdas e danos. Assim, é comum que as sociedades empresariais se formem em volta das habilidades de uma determinada pessoa, de um técnico, isto é, que sua organização esteja condicionada à direção de certo sócio. Seu afastamento poderia acarretar sérios prejuízos à entidade ou mesmo levá-la à dissolução.1 Portanto, a renúncia ao cargo de administrador com poderes de representação pode acarretar, conforme o caso, a dissolução da sociedade. Por isso, se o sócio pretende renunciar à direção da sociedade, muitas vezes, é mais acertado que apresente o pedido de dissolução. Nas sociedades limitadas de matiz familiar e pessoal, há o fenômeno de sucessão empresarial, quando os familiares mais próximos assumem a direção da sociedade, substituindo o sócio fundador. Com efeito, nesse caso, não há renúncia direta ao cargo de administrador, que é, certamente, a hipótese do art. 1.063, § 3º, do Código Civil.

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 339.

A finalidade do referido art. 1.063, § 3º, do Código Civil é regular aquelas hipóteses nas quais o conflito entre os administradores é de tal ordem que somente tem lugar a sua renúncia: tanto é assim, que o legislador fala que a renúncia será efetiva em relação à sociedade desde o momento que esta tenha conhecimento via comunicação escrita do renunciante. Assim, o simples fato da entrega, via notificação extrajudicial ou judicial, com o respectivo aviso de recebimento já é suficiente para eximir o administrador das suas responsabilidades diante da sociedade, mas não é suficiente para eximir o administrador de suas responsabilidades diante dos terceiros. Em relação aos terceiros, a renúncia tem lugar, para produzir efeitos, somente após a sua regular averbação e publicação. Portanto, nos conflitos societários, a comunicação escrita da renúncia visa assegurar direitos do administrador que renuncia, e, muitas vezes, servirá futuramente para demonstrar seu antagonismo contra a prática fraudulenta, corrupta ou criminosa praticada pelos demais sócios ou administradores. Com efeito, é nesse passo que a renúncia é medida unilateral e de extrema liberdade por parte do administrador, firmando sua renúncia ao cargo, e que produz efeitos, em relação à sociedade, a partir do momento que essa recebe a comunicação com o respectivo aviso de recebimento. Assim sendo e por isso que, em se tratando de diretoria, é bastante aconselhável que o contrato social estabeleça prazo determinado para o exercício do cargo. Findo o prazo, se a sociedade aprovar a reeleição do diretor, basta que esse não aceite a referida designação, que é ato unilateral. Como a sociedade não pode ficar um segundo sem administrador com poderes de representação, e se isso ocorrer, ou seja, ausência de diretor, a sociedade deverá obrigatoriamente entrar em liquidação. O órgão de representação orgânica é condição de existência da sociedade: se esse faltar, a sociedade está impossibilitada de assumir direitos e obrigações, e deverá ser dissolvida, apurando o acervo na liquidação, com posterior extinção. Se o administrador assume o cargo na condição de prazo indeterminado, correrá o enorme risco de ter que indenizar a sociedade quando da sua renúncia. Por isso, ainda uma vez, pode se afirmar que, em qualquer sociedade limitada, os administradores não sócios somente podem ser contratados por prazo determinado, competindo à assembléia ou reunião de sócios aprovarem sua reeleição, e ficando na condição que esse administrador assuma o encargo, nos termos da lei. Se o administrador não tiver interesse em continuar no cargo, findo o prazo determinado, ainda que reeleito, basta que não assuma a condição de administrador. Se a assembléia ou reunião de sócios aprovarem a reeleição antes de findo o prazo determinado, basta que o administrador não sócio informe à sociedade que cumprirá sua função nos exatos termos de sua designação, ou seja, pelo prazo determinado no contrato ou por ato em separado, e que não assumirá qualquer responsabilidade organizacional findo o referido prazo. Nas outras hipóteses, principalmente naquelas de administradores não sócios, contratados por prazo determinado ou indeterminado, que renunciarem ao cargo, é jurídica a indenização, bem como a pactuação pelas perdas e danos, pelo descumprimento de obrigação de fazer. Esse fato comprova a natureza unilateral tanto da designação do administrador pelo contrato social ou por ato em separado, bem como a natureza unilateral da renúncia, que não impede, em nenhum desses dois casos, o dever de indenização por destituição imotivada ou por renúncia imotivada. O Código Civil tem na representação figura orgânica, com direitos, deveres, responsabilidades, atribuições e requisitos próprios, e, por conseguinte, operam e têm consequências diversas, entre elas o matiz profissional do órgão, correlacionado ao próprio conceito de atividade empresarial, organizada profissionalmente, e com as suas devidas responsabilidades perante a sociedade, ou seja, como entidade jurídica que organiza a atividade econômica organizada, ou seja, a empresa.

319. Dos poderes administrativos e da responsabilidade do administrador no exercício de suas funções

Conforme o art. 1.064 do Código Civil, o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes. Portanto, a sociedade somente pode ser responsabilizada pelos atos praticados por seus administradores que sejam titulares dos poderes de administração, nos termos do contrato social. Por sua vez, nada dispondo o contrato social, a administração da sociedade compete separadamente a cada um dos sócios. Se a administração competir separadamente a vários administradores, cada um pode impugnar operação pretendida por outro, cabendo a decisão aos sócios por maioria dos votos. Nos atos de competência conjunta de vários administradores, torna-se necessário o concurso de todos, salvo nos casos urgentes, em que a omissão ou retardo das providências possa ocasionar dano irreparável ou grave (artigos 1.013 e 1.014, C.C.). O referido art. 1.064 do Código Civil regulamenta o funcionamento orgânico da administração, ou seja, o uso da firma ou denominação social significa dizer o exercício do cargo de administrador obrigando a sociedade. As obrigações assumidas pelos administradores, então, somente produzem efeitos sobre a sociedade se efetivadas por administradores com os necessários poderes. Esses poderes estão determinados no contrato social, que é lei entre os sócios. A publicidade decorrente do arquivamento e registro do contrato social e suas eventuais alterações, confere ao terceiro as informações devidas sobre esses “necessários poderes administrativos”. A informalidade, precariedade e a improvisação são manifestações de economias não consolidadas juridicamente e que impactam sobre a segurança jurídica dos negócios. Na realidade negocial, fator que deve ter primazia é a certeza jurídica,

o que permite o crescimento econômico e a correta aplicação da lei ao caso em questão. Desta feita, é claro que o arquivamento dos contratos sociais desempenha papel fundamental na segurança jurídica, e nas negociações de grande vulto, nos financiamentos, o terceiro tem a obrigação de buscar as informações cabíveis sobre os necessários poderes administrativos daqueles diante dos quais está em vias de negociação. Na imensa maioria das vezes, esse terceiro é outro empresário ou instituição financeira, ou seja, figuras jurídicas nas quais os elementos profissionalidade e boa-fé constituem a validade dos seus próprios atos: por conseguinte, desde que efetivamente arquivado e registrado o contrato social, o terceiro não poderá alegar desconhecimento dos necessários poderes administrativos com a finalidade de responsabilizar a sociedade por atos praticados com excesso de poder, sem poder ou por atos ultra vires. Não cabem críticas ao art. 1.015 do Código Civil: sua finalidade, ou melhor, sua perspectiva é aquela da segurança jurídica nas negociações, presumindo que os profissionais (empresários, instituições financeiras) cumpram efetivamente seus deveres decorrentes da profissionalidade que lhe é característica e requisito funcional. Já se disse que somente pessoas naturais podem exercer o cargo de administração nas sociedades limitadas. Compete ao contrato social ou, posteriormente, à assembléia ou reunião de sócios determinar quais são as pessoas encarregadas do exercício dessa função de representação social. Assim, no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou venda de bens móveis depende do que a maioria dos sócios decidir. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: a) se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; b) provando-se que era conhecida do terceiro; c) tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade (art. 1.015, C.C.). De outra parte, se o contrato for silente em estabelecer os poderes de administração, a solução será aquela dos artigos 1.013 e 1.022 do Código Civil, bem sabendo que a sociedade adquire direitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador. Então, no silêncio do contrato há presunção absoluta de administração disjuntiva, ou seja, separada, quando todos os administradores são titulares de amplos, gerais e irrestritos poderes, e todos os atos que entrem no objeto social são considerados válidos perante a sociedade e obrigam a sociedade perante terceiros. Somente o contrato social pode estabelecer limitações aos poderes administrativos: a) essas restrições decorrem do poder originário na constituição da sociedade; b) do poder derivado, manifestado pela assembléia ou reunião de sócios. Em qualquer dessas duas hipóteses, a restrição de poderes é manifestação da vontade social, soberana, ou seja, de natureza declaratória da vontade social, cumprindo ao órgão administrativo executar aquela vontade social soberana. Com efeito, o administrador tem representação orgânica executiva exatamente por cumprir e executar a manifestação soberana da vontade social. Se o contrato social eleger a regência supletiva da lei acionária, terá aplicação o seu art. 144, na medida em que: no silêncio do estatuto (contrato social) e inexistindo deliberação do Conselho de administração, competirão a qualquer diretor a representação da companhia e a prática dos atos necessários ao seu funcionamento regular. Nos limites de suas atribuições e poderes, é lícito aos diretores constituir mandatários da companhia, devendo ser especificados no instrumento os atos ou operações que poderão praticar e a duração do mandato, que, no caso de mandato judicial, poderá ser por prazo indeterminado.

O mandato que pode ser conferido é aquele do direito comum (artigos 653 e seguintes, C.C.), e deve ser feito para operação ou ato específico, notadamente com prazo determinado. Esse mandato não confere, ao mandatário, poderes de administração societária. O mandato judicial, para defesa da sociedade, pode ser, com certeza, por prazo indeterminado ou enquanto durar o processo. A função de representante orgânico não é delegável via mandato clássico do direito comum: nas sociedades limitadas, pode ser constituído mandatário para a prática de determinados atos, mas, em hipótese alguma, esse mandato entra nos chamados “poderes gerais de administração social”. Como bem afirma a melhor doutrina, os administradores, nos termos do art. 1.064 do Código Civil, expressam a vontade social, nos limites da sua competência funcional, estabelecida pelo contrato social. Desta forma, o administrador não pode delegar esses poderes (funções) a outro administrador, terceiro ou sócio. Nem mesmo quando há ausência ou impedimento pode haver delegação de poderes funcionais. Nessa hipótese, o administrador ausente ou impedido deverá ser substituído por mandatário devidamente constituído pela sociedade, com poderes especificamente designados no instrumento de procuração, ou então ser substituído na estrita forma do contrato social. 1 O fundamento da impossibilidade de delegação das funções decorre dos artigos 1.018, 1.060, 1.061 e 1.064 do Código Civil. Portanto, nos termos da lei, ao administrador é vedado fazer-se substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir mandatários da sociedade, especificados no instrumento os atos e operações que poderão praticar; a sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado; a administração atribuída no contrato a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade; se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá

1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 132.

de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização; o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores que tenham os necessários poderes. Ademais, na regência supletiva pela lei acionária, tem aplicação o art. 139, determinando que as atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto. Somente o contrato social ou a assembléia ou reunião de sócios podem conferir poderes administrativos. Sendo assim, o uso da firma ou denominação social é privativo dos administradores (designados no contrato social, pela assembléia ou reunião de sócios), nos limites dos seus necessários poderes.

O “funcionamento regular” da sociedade é a prática de atos que entram no objeto social da sociedade, bem sabendo que a sociedade não pode ficar nem mesmo um dia sem administrador com poderes de representação. Ademais, a sociedade limitada pode ser administrada por administrador único, enquanto na sociedade anônima o mínimo é de dois diretores (art. 143, Lei 6.404/76). Assim, no caso de destituição, falecimento ou renúncia de administrador único, a sociedade deve providenciar, imediatamente, a designação de outro administrador, sob pena de não cumprir exigência formal e jurídica de sua constituição. Em termos de necessários poderes administrativos, o contrato social tem ampla liberdade para estabelecer administração disjuntiva e ou conjunta. Pode, por sua vez, determinar que para alguns atos específicos seja necessária a administração conjunta dos sócios, e para outros, os administradores têm competência disjuntiva para o exercício de suas funções. No exercício desses necessários poderes, os administradores devem: a) defender a integridade do capital social; b) de praticar os atos com diligência, probidade e boa-fé; c) de convocar a assembléia ou reunião de sócios; d) não praticarem atos em conflito de interesse com o da sociedade; e) confessarem a falência, quando autorizados pelo contrato social; f) apresentarem pedido de recuperação judicial, quando autorizados pelo contrato social; g) obrigação de efetivamente administrar a sociedade; h) no caso de liquidação da sociedade, os administradores estão impedidos de desenvolver novas operações sociais, devendo, ao contrário, ultimar as operações pendentes; i) exercer sua função na qualidade de deveres fiduciários, com a respectiva responsabilidade. Seguindo a lição de ANTONIO BRUNETTI, as obrigações sociais que derivam do elemento fiduciário no exercício do cargo de administrador buscam prevenir e evitar toda situação de conflito de interesse entre o interesse privado do administrador com o interesse da sociedade, porque do contrário seria ilusório aquela orgânica relação de confiança depositada na própria figura do administrador. Ademais, o caráter fiduciário da administração social permite aos sócios o controle do exercício das funções de administração e sua consequente responsabilização contra o administrador faltoso em relação aos deveres fiduciários. Nisso reside a clássica obrigação do administrador não se servir pessoalmente ou informar terceiro, em proveito próprio ou de outrem, sem justificado motivo, das noticiais recebidas pelo exercício da própria função.1 O administrador não pode, sob responsabilidade pessoal, alcançar vantagem indevida, pelas informações negociais que teve por conta do exercício regular da sua função. Estaria, evidentemente, praticando enriquecimento sem causa à custa da sociedade. Na qualidade de órgão social, os administradores cumprem deveres fiduciários. Na quebra dos deveres fiduciários, o administrador assume responsabilidade pessoal, perante a sociedade ou perante terceiros. Compete ao administrador exercer seus deveres com diligência, observando o art. 1.011 do Código Civil. Essa é a regra fundamental em termos de administração societária. Se o administrador praticar atos com excesso de poder ou sem poder, terá aplicação o art. 1.015 do Código Civil, e a sociedade não se obriga perante terceiros. Se administrar a sociedade de maneira negligente, com imperícia ou imprudência, sua responsabilidade é fixada pelo art. 1.016 do Código Civil. Nas sociedades limitadas com regência supletiva da lei acionária, entram em vigência os artigos 153-159, na configuração do dever de diligência, probidade, finalidade das atribuições e desvio de poder, dever de lealdade e regramento sobre o conflito de interesses.

Com efeito, o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa (regra essa, art. 154 da lei acionária, aplicável em toda e qualquer sociedade limitada, pelo caráter orgânico da administração social, como elemento integrativo da organização econômica decorrente da atividade de empresa). Se a sociedade limitada dispuser de quotistas preferencialistas, com voto restrito ou sem direito de voto, terá aplicação o art. 154, § 1º, da lei acionária, ao determinar que o administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.

Por sua vez, é vedado ao administrador: a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia; b) sem prévia autorização da assembléia-geral ou do conselho de administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito; c) receber de

1 Trattato, cit., vol. III, p. 225.

terceiros, sem autorização estatutária ou da assembléia-geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão do exercício de seu cargo (art. 154, § 2º, lei acionária). O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais. Para a sociedade limitada com regência supletiva da sociedade simples, tem aplicação o art. 1.017, caput, do Código Civil, ao determinar que o administrador que, sem consentimento escrito dos sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros, terá de restituí-los à sociedade ou pagar o equivalente, com todos os lucros resultantes, e, se houver prejuízo, por ele também responderá. A sanção contra o conflito de interesse do administrador com o interesse da sociedade é prevista pelo 1.017, parágrafo único, do Código Civil, estabelecendo que fica sujeito às sanções o administrador que, tendo em qualquer operação interesse contrário ao da sociedade, tome parte na correspondente deliberação. Portanto, o administrador que aprovar deliberação em conflito de interesses terá de restituir à sociedade o ganho que alcançou com a aprovação, pagando o equivalente, devendo, ademais, indenizar à sociedade se ocorreu prejuízo. Outra circunstância ocorre no conflito de interesses com regência supletiva pela lei acionária (art. 156). Se o contrato social invoca a referida Lei 6.404/76, em matéria de conflito de interesses, a solução do caso terá que observar a seguinte regra: É vedado ao administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores, cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, em ata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza e extensão do seu interesse. Ainda que observado o disposto neste artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros. O negócio contratado com infração do disposto no § 1º é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido. A regra geral de responsabilidade, complementar aos referidos artigos 153-156, é a prevista pelo art. 158, I-II, da Lei 6.404/76, determinando que o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder: a) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; b) com violação da lei ou do estatuto. Nos termos da Lei 6.404/76 e do Código Civil de 2002, os atos praticados em ultra vires societatis e os atos praticados com violação dos poderes definidos no contrato social não obrigam a sociedade perante terceiros. O administrador, como órgão social, somente pode obrigar a sociedade por atos considerados válidos pelo próprio contrato social e dentro dos limites do objeto social pelo qual a sociedade foi devidamente constituída e teve seu contrato arquivado e registrado. Por conseguinte, desde que o contrato social foi devidamente arquivado no Registro das Empresas, e pela publicidade desse ato, há presunção absoluta de seu conhecimento da parte do terceiro contratante. Esse não é um primado unicamente societário, mas é um primado da segurança jurídica nas contratações. De que valeria o Registro das Empresas, se os atos lá devidamente arquivados não produzissem os efeitos legais pertinentes, entre eles o da publicidade do documento registrado? Claramente, que a verdade e a juridicidade das coisas estão do lado daqueles que entendem que a Lei 6.404/76 e o Código Civil de 2002 firmaram posição, expressa, pela não-responsabilidade da sociedade pelos atos praticados em ultra vires societatis e por excesso de poder. Assim, a sociedade limitada não responde por atos praticados por excesso de poder, sem poder, por atos ultra vires, nos termos dos artigos 1.015, 1.018, 1.022, 1.060, 1.061, 1.062 e 1.064 do Código Civil, e do art. 158, II, da Lei 6.404/76. O terceiro, incauto, tem ação apenas contra o administrador, não contra a sociedade: os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções (art. 1.016, C.C.). Com efeito, os referidos fundamentos que impedem a responsabilidade da sociedade por atos com excesso de poder, sem poder ou atos ultra vires (artigos 1.015, 1.018, 1.022, 1.060, 1.061, 1.062 e 1.064 do Código Civil, e nos termos do art. 158, II, da Lei 6.404/76), têm aplicação em qualquer sociedade limitada, seja de matiz pessoal ou capitalista, ou seja, com regência supletiva pelo regramento da sociedade simples ou pela lei acionária. Do outro lado, os administradores são responsáveis em relação à sociedade pela prática de atos culposos ou dolosos. No caso da culpa, ter-se-á: culpa in committendo e in omittendo, vale dizer, no primeiro caso, por não ter agido com diligência no cumprimento de seus deveres, impostos pela lei ou pelo contrato social; no segundo caso, pela omissão, quando sabendo da existência de atos prejudiciais contra a sociedade se omitiu diante dessa situação, não efetuando os atos necessários que podiam impedir a ocorrência da situação danosa contra a sociedade, não cumprindo seu dever de defesa da integridade do patrimônio social.1 No caso da ação de responsabilização contra o administrador, o ônus da prova é do autor da ação. Aquele que promove a ação de responsabilização deverá comprovar suas alegações, ou seja, comprovar que o administrador não cumpriu seus deveres legais e estatutários ou que agiu com culpa ou dolo nesse exercício, bem sabendo que a culpa é in committendo e

1 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 226.

in omittendo. Deve, portanto, existir, para fins de comprovação da responsabilidade do administrador, vínculo entre a causa petendi e a inobservância do administrador aos seus deveres legais e estatutários. Ou seja, o dano deve decorrer da inobservância dos deveres, e, então, a responsabilidade é subjetiva, nos termos da lei processual. Não há presunção contra o administrador: se não comprovado o vínculo existente entre a causa petendi (dano em sentido amplo) e a inobservância dos deveres legais e estatutários, não há que se ter condenação contra o administrador. Por sua vez, é absolutamente nula a cláusula contratual que exonere, diante da sociedade, o administrador da sua responsabilidade societária. A designação, como ato unilateral, não aceita a possibilidade de pactuação dessa natureza, e seria lesiva ao próprio interesse social da sociedade. Então, com a nomeação do administrador, pelo contrato social ou pela assembléia ou reunião de sócios, não há lugar para pactuação contratual de exclusão de responsabilidade perante a sociedade em razão do exercício do cargo de administrador: essa cláusula, portanto, seria absolutamente nula. Com efeito, a legislação estabelece que: o estatuto pode estabelecer que o exercício do cargo de administrador deva ser assegurado, pelo titular ou por terceiro, mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia. A garantia só será levantada após aprovação das últimas contas apresentadas pelo administrador que houver deixado o cargo (art. 148, Lei 6.404/76). Da mesma forma, o contrato social da sociedade limitada poderá estabelecer a figura jurídica da “garantia de gestão” para o exercício do cargo de administrador, aplicando supletiva ou subsidiariamente a lei acionária. No caso da ação de responsabilidade contra o administrador, essa garantia servirá de indenização em favor da sociedade, se comprovado o vínculo entre a causa petendi e a inobservância dos deveres legais e estatutários por parte do administrador. Se a garantia não bastar para cobrir o dano provocado pelo administrador, seu patrimônio pessoal ainda responde, para complementar o ressarcimento do referido dano contra a sociedade. No caso de a garantia ser apresentada por terceiro, esse terá direito de regresso contra o administrador faltoso pela execução da garantia em favor da sociedade.

Se a administração é colegiada, fruto da “reunião de diretoria” ou de administração conjunta, a responsabilidade entre os administradores é solidária. Portanto, basta que a sociedade comprove que o dano foi produzido pelo órgão social administrativo para que todos os seus membros respondam perante a sociedade, excluída a responsabilidade daquele que votou contra a medida societária ou empregou todas as formas para impedir que o dano fosse provocado, e, ademais, registrou sua dissonância em relação aos demais diretores. A responsabilidade também será solidária no caso de administração disjuntiva, excluída a responsabilidade: a) do administrador que provar que agiu no interesse da sociedade; b) que não concorreu diretamente para a prática que ocasionou dano contra a sociedade (culpa in committendo e in omittendo e dolo), que forma o vínculo com a causa petendi, para fins de responsabilização. Nestes termos, diz o art. 1.016 do Código Civil que: Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. Ademais, tem aplicação subsidiária, em qualquer sociedade limitada, a regra prevista pelo art. 159 da Lei 6.404/76, a qual exige prévia deliberação da assembléia ou reunião de sócios para a respectiva propositura da ação de responsabilização contra o administrador. A legitimidade para essa ação é da sociedade ou de sócios que representem pelo menos cinco por cento do capital social. Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas (quotistas) que representem cinco por cento, pelo menos, do capital social. Em interpretação extensiva, para aquelas sociedades limitadas que invocarem a Lei 6.404/76 em regência supletiva, ter-se-á que qualquer quotista poderá promover a ação de responsabilização, se essa ação não for proposta pela sociedade no prazo de três meses da deliberação da assembléia ou reunião de sócios (art. 159, § 3º, lei acionária). Na hipótese já aventada, se a assembléia ou reunião de sócios deliberarem pela não-propositura dessa ação de responsabilização, a referida ação poderá ser proposta por quotistas que representem cinco por cento, pelo menos, do capital social (art. 159, § 4º, lei acionária). Com isso, fica definitivamente afastada a hipótese de que qualquer quotista possa requerer, judicialmente, a destituição de administrador. Somente a assembléia ou reunião de sócio tem legitimidade para aprovar a destituição de administrador, nos casos e nos termos legais. A regra geral é que os administradores respondem solidariamente por atos culposos ou danosos quando das decisões apreciadas em reunião de diretoria. Contudo, não haverá responsabilidade solidária quando a própria responsabilização derive de uma decisão colegiada na qual o administrador tenha declarado a sua oposição. Nos termos da lei (art. 158, § 1º, Lei 6.404/76), o administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia-geral. Com efeito, os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles (art. 158, § 2º, Lei 6.404/76). Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto (art. 158, § 5º, Lei 6.404/76). Na interpretação do Codice Civile (art. 2.392), os administradores devem cumprir seus deveres impostos pela lei e pelo contrato com diligência: os administradores são solidariamente responsáveis em relação à sociedade pelos danos derivados

da inobservância dos seus deveres, bem como são responsáveis pela omissão no cumprimento dos seus deveres, enquanto havendo conhecimento de fatos prejudiciais contra a sociedade não realizaram aquilo que deveriam ou que podiam fazer para impedir a efetivação, eliminar ou atenuar o dano causado contra a sociedade. A responsabilidade pelos atos ou omissões dos administradores não se estende aos demais se, isento de culpa, tenha feito constar sua oposição, notificando os órgãos sociais. A solidariedade entre os administradores, então, é a regra, seja a decisão colegiada ou não: esse sistema visa acautelar os administradores de maneira recíproca para que administrem – todos eles – a sociedade com diligência, correção, não enveredem pelos lados da gestão temerária, que defendam o patrimônio social, cumpram seus deveres, etc. Contudo, é bem verdade que a responsabilidade solidária vai colocar diversos gatos no mesmo balaio, o que pode acarretar responsabilidades gravosas contra o administrador in bonis. Mas, ao contrário, se a responsabilidade não fosse solidária, ter-se-ia mais possibilidade de fraude contra terceiros e por atos prejudiciais contra a própria sociedade. Ao passo que estão todos administradores no mesmo balaio, aqueles que efetivamente cumprem seus deveres podem controlar com mais efetividade os atos praticados por um eventual administrador gatuno: a reunião de diretoria será o instrumento acertado para aprovar matéria de maior complexidade administrativa da sociedade, e cabe ao dissidente fazer constar sua oposição, em ata, comunicando aos órgãos sociais essa sua oposição, para que não seja responsabilizado pelos atos da gatunagem. Por isso, a responsabilidade contra o administrador alcança atos comissivos e omissivos, a fim de que o administrador faça, realmente, constar em reunião de diretoria sua oposição, esquivando-se das responsabilidades cabíveis. Se o administrador não estiver presente na reunião de diretoria, esse fato não acarreta, por si só, a responsabilidade contra o administrador ausente: a responsabilidade incide por atos praticados com dolo e culpa in committendo e in vigilando, e se o administrador não estava presente na reunião de diretoria, em tal caso, cumpre ao referido diretor fazer constar, posteriormente, na ata da reunião, a sua oposição, comunicando os órgãos sociais a sua oposição: sua oposição, obviamente, deve ser comunicada antes da produção efetiva do dano contra a sociedade ou contra a prática do ato que prejudicou ou possa prejudicar a sociedade. Com efeito, para as sociedades limitadas com regência supletiva da sociedade limitada, o regramento aplicável é o art. 1.016 do Código Civil: os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados por culpa no desempenho de suas funções. Essa culpa é in committendo, in vigilando e in omittendo, acrescida das condutas dolosas, obviamente. A responsabilidade é solidária diante do fato de que a administração nas sociedades de pessoas é de responsabilidade dos sócios, de certa forma correlacionada com a administração da sociedade em nome coletivo, quando todos os sócios têm competência para administrar a sociedade e respondem solidariamente. Com efeito, é óbvio que para fins de sociedade limitada, com a personificação do patrimônio social, a configuração das quotas sociais, os poderes administrativos bem delimitados, a responsabilidade será limitada ao valor do capital investido, mas, em toda sociedade, remanesce certa particularidade do vínculo administrativo entre seus administradores, de tal sorte que a responsabilidade solidária é uma consequência natural das suas atribuições como órgão social. Cumpre ressaltar que a responsabilidade opera por culpa in committendo, in vigilando e in omittendo, e pelos atos danosos. O administrador vigilante deve fazer constar sua oposição ao ato, informando os órgãos sociais, esquivando-se, assim, da responsabilidade solidária. Com efeito, para as sociedades limitadas com regência supletiva na Lei 6.404/76, o regramento aplicável será o previsto pelo art. 158, §§ 1º, 2º e 5º, da referida lei acionária, conforme já se disse, supra. Em qualquer tipo de sociedade limitada, ou seja, se com regência supletiva da sociedade simples, ou pela sociedade anônima, terá aplicação, no que for cabível, o art. 159 da Lei 6.404/76, para propositura da ação de responsabilidade contra os administradores. Não há responsabilidade objetiva: deve ser comprovado judicialmente o vínculo existente entre a causa petendi e o dano provocado pela conduta culposa (in committendo, in vigilando e in omittendo) ou dolosa do administrador. Ou seja, deve ser provado o nexo causal da culpa ou dolo em acarretar o prejuízo suportado pela sociedade em decorrência dessa conduta. Ampla será a defesa do administrador, e, se o autor da ação não conseguir comprovar esse nexo de causalidade, a ação deverá ser julgada improcedente. Ademais, se verificado que o dano seria provocado ainda que o administrador empregasse toda sua diligência necessária, esse administrador não deverá, então, ser considerado responsável pelo dano suportado pela sociedade: essa impossibilidade de caracterização da responsabilidade solidária é fundamental nas sociedades em que há especificação de competências, quando impraticável aos outros administradores conseguirem evitar a prática de ato realizado por administrador com poderes especiais e de competência específica. Nesses casos, não deve haver presunção de responsabilidade entre os administradores, salvo prova em contrário. Assim, “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boafé e visando o interesse da companhia” (art. 159, § 6º, Lei 6.404/76). Com efeito, em termos de sociedade limitada, o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e no interesse da sociedade.

Em termos de ação de responsabilidade na sociedade limitada, cabe ressaltar que a ação compete exclusivamente à sociedade, e somente pode ser aprovada nos termos da lei; a deliberação terá que ser aprovada por votos correspondentes a mais da metade do capital social; aprovada a propositura da ação, esse fato acarretará, automaticamente, a destituição do administrador não sócio, contra o qual será proposta a respectiva ação; no caso de administrador sócio, a aprovação da

propositura da ação deve alcançar, no mínimo, três quartos do capital social, acarretando a sua destituição; qualquer quotista poderá propor a ação de responsabilização, se a ação não for proposta pela sociedade no prazo de três meses, contados a partir da deliberação da assembléia ou reunião de sócio; se a assembléia ou reunião de sócios deliberarem pela não-propositura da ação, tal ação poderá ser proposta por quotistas que representem cinco por cento, pelo menos, do capital social: bem sabendo que a propositura da ação de responsabilização, movida por qualquer quotista ou por

aqueles que representem, pelo menos, cinco por cento do capital social, não acarretará a destituição do

administrador .

Os resultados da ação promovida por acionista (quotista) deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados (art. 159, § 5º, Lei 6.404/76). Portanto, se o quotista vencer a ação de responsabilização, o valor apurado como indenização reverte, totalmente, em favor da sociedade, mas a sociedade deverá indenizá-lo, até o limite desses resultados, nas despesas em que tiver incorrido, corrigidas monetariamente e pelos juros legais, em decorrência dos dispêndios realizados. Assim, a sociedade indenizará o quotista pelos gastos que a sociedade teria suportado se tivesse movido, diretamente, a ação de responsabilização. Se a ação for julgada improcedente, o referido quotista poderá ser demandado em perdas e danos. Se a sociedade votou contra a propositura da ação, mas ainda assim o quotista (que represente no mínimo cinco por cento do capital social) propôs a referida ação, a sociedade pode intervir no processo, por ter interesse de agir. Se a sociedade está no processo como interveniente interessada, e a ação é julgada improcedente, bem sabendo a sociedade que já havia votado contrariamente à propositura da ação, aquele quotista poderá ser demandado em perdas e danos também em relação à sociedade. Tal interpretação evita que os quotistas incautos e temerários apresentem demanda de responsabilização com o intento de: prejudicarem a sociedade; abalarem o “nome” da sociedade no mercado; interferirem, indevidamente, na gestão social; macularem a designação do administrador pela sociedade, na qualidade de órgão de representação da vontade social. Ou seja, é evidente que julgada improcedente a ação de responsabilização emergirá contra o autor dessa ação o dever de indenizar aquela pessoa contra a qual apresentou considerações de tal ordem que podem caracterizar injúria, difamação, calúnia ou mesmo dano moral. Se o administrador é diligente, cumpre suas obrigações e lhe é demandada ação de responsabilização, e ao final é julgada improcedente essa ação, é evidente que os motivos e as causas apresentadas não foram comprovados, ou foram refutados, o que, em termos de danos moral e processual, requer a indenização cabível. A ação de responsabilização societária tem por objeto reintegrar o capital social da sociedade, capital e patrimônio pedidos pelos abusos cometidos pelos administradores. O objeto da ação é, então, de conteúdo patrimonial, corrigindo os desfalques ocasionados pela gestão indevida, colocada a efeito pelos administradores. Conforme ANTONIO BRUNETTI, a ação de responsabilização social busca reintegrar o patrimônio social, que foi diminuído pela gestão culposa dos administradores.1

Com efeito, outra circunstância, para fins de efetiva garantia dos direitos dos credores e dos terceiros em geral, é que “a ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador”. Essa seria aquilo que se pode denominar de uma “ação individual” levada a efeito pelo sócio ou por terceiro, ou seja, quando o dano provocado pelo administrador contra terceiros e sócios não coincide com o dano provocado contra a sociedade, o que legitimaria a propositura da ação de responsabilização, prevista no art. 159, caput, da Lei 6.404/76. Então, quando a conduta do administrador provocar danos contra o patrimônio social, a ação será aquela prevista pelo caput do art. 159 da lei acionária.

Quando a conduta do administrador provocar danos única e exclusivamente contra terceiros ou sócio, a ação será aquela prevista pelo art. 159, § 7º, da lei acionária, acrescida da medida judicial que couber, nos termos da legislação processual civil, do direito comum e na esfera penal. Portanto, nesse caso, o legislador está se referindo, por exemplo, a toda e qualquer ação de ressarcimento, indenizações, etc., ou seja, medidas de direito adjetivo e de direito material, acrescida das eventuais responsabilidades penais, por crimes como injúria, difamação e calúnia. Com efeito, o art. 159, § 7º, da lei acionária requer interpretação extensiva, abarcando toda e qualquer medida judicial na defesa dos direitos dos terceiros, credores e sócios. Por exemplo, a ação a ser movida contra o administrador, pelo credor, em atos ultra vires societatis, é aquela que o art. 159, § 7º, da lei acionária está se referindo. Pode-se até conjecturar que seria supérflua a regra do art. 159, § 7º, da lei acionária, porém o legislador, acertadamente, reafirmou os direitos dos credores, terceiros e sócios, abrindo espaço para que esses apresentem as medidas judiciais que assegurem seus direitos diante do administrador faltoso, conferindo, com isso, segurança jurídica e clareza ao texto normativo. Com efeito, há aqueles que fazem baralhada entre as hipóteses de responsabilização, infelizmente. É preciso esclarecer, de uma vez por todas, que a responsabilidade do administrador perante a sociedade é subjetiva (artigo 159, caput, lei acionária). As medidas responsabilizatórias que entram na espécie jurídica prevista pelo art. 159, § 7º, da lei acionária são aquelas previstas pelo direito civil comum; pelos atos praticados em ultra vires; com excesso de poder; sem poder de representação; dívidas tributárias no caso de sonegação, falsificação de balanços contábeis, apropriação indébita; crimes falimentares; crimes

1 Trattato, cit., vol. III, p. 233.

contra a ordem econômica e da concorrência; direitos do consumidor, etc., ou seja, quando há expressa previsão legal determinando responsabilidade objetiva, por exemplo, ou outras formas de responsabilização, na esfera da responsabilidade subjetiva, e assim por diante. O que não pode existir é confusão entre a responsabilidade prevista pelo caput do art. 159 da Lei 6.404/76, com as infindáveis hipóteses de responsabilização contra administradores anunciada pelo § 7º do art. 159, da Lei 6.404/76. Metodologicamente, é equivocada a apresentação dessas duas formas extremamente distintas de responsabilidades, como se fossem apenas desdobramentos de condutas societárias sem se levar em consideração quais são os direitos prejudicados, as instâncias prejudicadas, os interesses prejudicados e, principalmente, qual lei foi descumprida, ocasionando a responsabilização. Ademais, é extremamente equivocado, em sentido societário, propugnar, após a edição do Código Civil de 2002, que a teoria da aparência é suficiente em responsabilizar a sociedade por atos ultra vires praticados pelos seus administradores.

O art. 2.393, bis, do Codice Civile, estabelece que o resultado da ação de responsabilidade entrará em favor da sociedade: e a finalidade desse parágrafo do referido artigo é reintegrar o patrimônio social, que havia sido desfalcado pela atuação do administrador faltoso.

Os administradores respondem, na legislação italiana, em relação aos credores sociais pela inobservância dos deveres inerentes a sua função, notadamente àquele dever de conservação da integridade do patrimônio social (art. 2.394). Se a gestão é temerária, de tal ordem que acarretou prejuízos patrimoniais evidentes, os credores podem mover a ação de responsabilidade contra os administradores, desde que provem o nexo de causalidade entre a gestão temerária e os prejuízos suportados pelo patrimônio da sociedade. Falindo a sociedade, o direito de promover essa ação será do administrador judicial e dos credores. Nestes termos também tem sido a direção do sistema jurídico falimentar pátrio, na Lei 11.101/05, em seu art. 82, ao determinar que a responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. Prescreverá em dois anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização. Com efeito, o art. 82 da Lei 11.101 de 2005 não consagrou a teoria objetiva para fins de responsabilização: com efeito, foi consagrada a teoria da culpa presumida para fins de declaração de indisponibilidade dos bens; se a culpa, no transcorrer do processo, não for comprovada cabalmente, a ação será julgada improcedente, com o respectivo levantamento da indisponibilidade dos bens. Portanto, ampla é a responsabilidade do administrador na condução dos negócios sociais, de tal sorte que a finalidade do legislador de 2002 foi ter nessa figura a representação orgânica em sentido amplo, com a profundidade que o termo requer, ou seja, como ponto de partida para o exercício do cargo de administrador está a profissionalidade. Assim, em termos de natureza profissional, orgânica, há presunção de que as sociedades serão administradas de maneira condizente, que os deveres sociais serão respeitados e que os atos administrativos serão praticados de boa-fé e no interesse da sociedade. Com efeito, essa é a finalidade da lei, prevista expressamente, para evitar a responsabilidade do administrador, ao determinar que “o juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando o interesse da companhia” (art. 159, § 6º, Lei 6.404/76). O Código Civil de 2002, na figura do administrador, reconhece que os atos praticados com excesso de poder, sem poder de representação, atos ultra vires, não importam responsabilidade contra a sociedade, mas somente contra o administrador, devidamente comprovada sua culpa ou dolo, contrariando a lei ou o contrato social. Essa é a interpretação justa que deriva do regramento jurídico e da finalidade da própria lei, tendo na administração órgão de representação da vontade social, vontade essa que é executiva, se correlacionada à manifestação original ou derivada, que consta do contrato social ou das deliberações sociais, realizadas em assembléia ou reunião de sócios, também na qualidade de órgão social.

320. O conselho fiscal como órgão social de controle contábil e financeiro

Nos termos da lei (art. 1.066, C.C.), sem prejuízo dos poderes da assembléia dos sócios, pode o contrato instituir conselho fiscal composto de três ou mais membros e respectivos suplentes, sócios ou não, residentes no país, eleitos na assembléia anual prevista no art. 1.078. Não podem fazer parte do conselho fiscal, além dos inelegíveis enumerados no § 1o do art. 1.011, os membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau. É assegurado aos sócios minoritários, que representarem pelo menos um quinto do capital social, o direito de eleger, separadamente, um dos membros do Conselho Fiscal e o respectivo suplente.

Se da sociedade limitada participam quotistas sem direito de voto ou com voto restrito, a composição do Conselho Fiscal será de cinco membros: a) três indicados pelos sócios majoritários; b) um pelos quotistas minoritários; c) um pelos quotistas preferenciais (com voto restrito ou sem direito de voto). O Conselho Fiscal é um órgão social encarregado do controle contábil e financeiro da sociedade. Com efeito, é um elemento do organismo societário. Portanto, a função do Conselho Fiscal é de controle. Esse órgão, ao lado dos demais, ou seja, da assembléia ou reunião de sócios e da administração, é complementar. Cada um deles cumprindo sua função, e nos termos de sua competência organizacional, alcança a finalidade específica para a qual foi instituído, como elemento de um organismo social. Os conselheiros fiscais não são mandatários da sociedade: sua natureza é de órgão social. Assim, os conselheiros, individualmente, e o próprio Conselho Fiscal, como órgão colegiado, têm deveres próprios e indelegáveis, na medida em que o membro do Conselho Fiscal possui amplíssima autonomia funcional, sempre no interesse da sociedade. O conselheiro fiscal, portanto, tem os mesmos deveres dos demais administradores, agora direcionados para cumprir e fazer cumprir o controle contábil e financeiro da sociedade, de tal modo que sua diligência, probidade e profissionalidade acarretem efetivo controle sobre os balanços sociais e demonstrações de resultado. Contudo, na imensa maioria das sociedades limitadas o Conselho Fiscal não será instalado: esse órgão é facultativo, e somente o contrato social e a assembléia ou reunião de sócios podem disciplinar sua instalação definitiva ou para funcionamento em determinado período de tempo. O Conselho Fiscal é obrigatório nas companhias abertas. Não podem exercer as funções de conselheiro fiscal: não podem ser administradores, além das pessoas impedidas por lei especial, os condenados a pena que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos; ou por crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato; ou contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a propriedade, enquanto perdurarem os efeitos da condenação. Com efeito, diz a lei acionária que: as normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração, deveres e responsabilidade dos administradores aplicam-se a conselheiros e diretores (art. 145). A imparcialidade e a independência dos conselheiros fiscais constituem sua principal fonte e dever no exercício das suas atribuições. Por conseguinte, aqueles que têm vínculo de subordinação não podem ser designados como conselheiros fiscais: por exemplo, empregados da sociedade. Ademais, outra característica desse órgão é a profissionalidade de seus membros: uma indicação de conselheiro pode ser impugnada se o indicado é manifestamente inapto ao exercício das atribuições fixadas pela lei. O Conselho Fiscal é órgão colegiado, porém seus integrantes possuem total independência funcional e podem

exercitar, individualmente, todosos deveres de competência do órgão.

A lei diz (art. 1.069, C.C.) que, além de outras atribuições determinadas na lei ou no contrato social, aos membros do conselho fiscal incumbem, individual ou conjuntamente, os deveres seguintes: examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; lavrar no livro de atas e pareceres do Conselho Fiscal o resultado dos exames referidos no inciso I deste artigo; exarar no mesmo livro e apresentar à assembléia anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o de resultado econômico; denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; convocar a assembléia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes; praticar, durante o período da liquidação da sociedade, os atos a que se refere este artigo, tendo em vista as disposições especiais reguladoras da liquidação. Nos termos da lei acionária, ela em nenhum momento estabelece expressamente que os conselheiros devem deliberar por maioria de votos e, ao contrário, preocupou-se em colocar relevo em seus pareceres com ampla atuação individual, a qual inflete na responsabilização.1 Com efeito, como já se disse, as funções, atribuições e deveres dos membros do Conselho Fiscal são indelegáveis: as atribuições e poderes conferidos pela lei ao Conselho Fiscal não podem ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a responsabilidade de seus membros obedece à regra que define a dos administradores. O Conselho Fiscal poderá escolher para assisti-lo no exame dos livros, dos balanços e das contas contabilista legalmente habilitado, mediante remuneração aprovada pela assembléia dos sócios. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções. A culpa pode ser: in committendo, in omittendo e in vigilando: pelo critério da profissionalidade, a responsabilidade contra os membros do Conselho Fiscal são aquelas do administrador, nos mesmos termos do art. 1.016 do Código Civil. Assim, a culpa decorre do exercício das atribuições sem a observância dos deveres de diligência, probidade, boa-fé, defesa da integridade do patrimônio social, dolo, conflito de interesses, atos praticados com abuso, contrariando a lei ou o contrato social.

1 BULGARELLI,Waldirio. O conselho fiscal nas companhias brasileiras, São Paulo, RT, 1988, p. 70.

O conselheiro fiscal tem que possuir competência (profissionalidade) técnica sobre a matéria contábil, sob pena de ser responsável pelos equívocos que da sua conduta culposa decorrer para a sociedade. Desta feita, a responsabilidade prevista pela lei é aquela do expert, e o conselheiro fiscal poderá ser demandado, em ação de responsabilidade societária, pelo nãocumprimento dos seus deveres como era esperado por um expert da área contábil. O Conselho Fiscal é órgão eminente técnico nas suas competências (art. 1.069, C.C.), e dessa técnica organizacional decorre a própria responsabilidade do conselheiro. Os conselheiros fiscais são responsáveis pela veracidade de suas declarações, ou seja, pelo conteúdo das deliberações colegiadas; pela violação do dever de sigilo sobre os fatos e documentos dos quais tenha conhecimento em razão do seu ofício; pela fraudulenta declaração nos balanços ou em outras comunicações sociais de fatos que não correspondam à verdade contábil ou sobre a condição econômica da sociedade; pela omissão em denunciar aos órgãos sociais as fraudes descobertas. A regra será a responsabilidade solidária dos conselheiros fiscais,

porém, para se eximir da responsabilidade, o conselheiro fiscal deverá constar em ato sua manifestação dissentindo sobre a aprovação das contas ou sobre determinada deliberação que, na sua opinião, não seja conforme a lei.

Neste caso, exercendo individualmente sua função, bem como manifestando sua contrariedade ao conteúdo da decisão aprovada pelos demais membros do Conselho Fiscal, o conselheiro dissidente não será responsabilizado pela conduta lesiva e fraudulenta praticada pelos seus colegas de conselho. Ademais, o dever do conselheiro fiscal dissidente é fazer constar sua discordância em ato e comunicar, imediatamente, aos órgãos sociais essa sua discordância, para que a sociedade tenha ciência da sua posição contrária àquela dos demais conselheiros. Assim sendo, esse conselheiro não terá qualquer responsabilidade social contra a sociedade ou contra credores: ao contrário, os conselheiros que votaram contas fraudadas, lesivas à sociedade, falsificaram balanços e demonstrações de resultados serão responsabilizados em termos societários, civis, administrativos e penais pela sua conduta. O conselheiro fiscal tem o direito, nos termos da lei e de contrato social, de exercer o direito de inspeção contábil: isso significa que o conselheiro poderá consultar os livros contábeis, fiscais e comerciais, verificar o andamento contábil da sociedade, receber demonstrações detalhadas sobre a situação patrimonial da sociedade, etc., para o bom e fiel cumprimento de seus deveres. Se o órgão social se recusar e não disponibilizar os referidos documentos ao membro do Conselho Fiscal, tal conselheiro deverá informar aos demais quotistas essa recusa por parte da sociedade: assim, os quotistas terão legitimidade para apresentar a requisição judicial da exibição parcial ou total dos livros comerciais, para que o conselheiro fiscal possa cumprir sua função, de maneira ampla e irrestrita, mantendo, obviamente, sigilo das informações contábeis a que tiver acesso no cumprimento de sua função. A responsabilidade contra o conselheiro advém do não-cumprimento das suas obrigações funcionais: como órgão social, tem autonomia e independência no exercício do cargo, e seus conselheiros têm total autonomia funcional: o exercício individual das atribuições do Conselho Fiscal é uma prerrogativa do conselheiro. Exercendo com diligência, probidade e profissionalidade, esse conselheiro está isento de responsabilidade perante a sociedade e terceiros, no caso de o Conselho Fiscal não cumprir, acertadamente, suas funções institucionais, nos termos da lei e do contrato social.

321. Da responsabilidade societária do conselheiro fiscal

Os conselheiros possuem os mesmos deveres dos administradores e serão responsabilizados pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de suas funções, bem como dos atos praticados com culpa ou dolo e com violação da lei ou do contrato social.

O saudoso Professor WALDIRIO BULGARELLI afirma com absoluta precisão que a forma de manifestação do Conselho Fiscal (orgânica-individual) repercute sobre a realização das suas funções. Dessa forma, o esquema normativo apresenta dois aspectos de responsabilidade dos conselheiros: a) omissivo; b) comissivo. Admitindo-se que a competência orgânica exclusiva absorve, salvo em alguns casos específicos, a atuação individual, a responsabilidade pessoal do conselheiro fica minimizada, podendo também esquivar-se da solidária, emitindo parecer com a sua manifestação de divergência.1 A conduta lesiva também se caracteriza pela aprovação de contas da administração que contrariem a lei e o estatuto ou falsidade sobre atos administrativos.

Com efeito, o entendimento doutrinário na Itália é pacífico em considerar o collegio sindacale como órgão que se manifesta por deliberações majoritárias, mas ressalta, também, a manifesta importância da atuação individual do conselheiro. Na França, o sistema interno de fiscalização das companhias é constituído pelos commissaires aux comptes, que são pessoas que exercem suas funções tanto individualmente como por sociedades registradas. Não há dúvida, nos termos da lei, de que os conselheiros fiscais devem atuar individualmente como dever-função, não apenas nos casos expressos em lei, mas, também, em decorrência do exercício de seu cargo, e devem exercitar as funções cometidas ao órgão para não serem responsabilizados. Compete ao conselheiro requerer judicialmente medidas necessárias

1 O Conselho Fiscal, cit., p. 221.

para a perfeita realização de suas atribuições, as quais podem ser: convocação da assembléia; promover ação responsabilizatória ou, ainda, seguindo a lição de CUNHA PEIXOTO, ingressar em juízo requerendo a exibição dos livros. O Conselho Fiscal não é simples órgão de auditoria, que somente pode ser exercida por profissionais determinados, mas de fiscalização dos administradores e de informação da assembléia ou reunião de sócios, devendo desempenhar função das mais importantes na defesa da companhia e dos acionistas, verificando a ação dos administradores, e submetendo-a à apreciação crítica para emitir seu parecer sobre o cumprimento dos deveres legais e daqueles previstos no contrato social. A atuação do conselheiro fiscal interessa a todos os quotistas, e, na verdade, o Conselho Fiscal terá lugar somente nas sociedades limitadas de feição capitalista, com vários sócios, e daqueles que integram grupos empresariais devidamente constituídos.

Nas demais, ou seja, nas sociedades limitadas com matiz pessoal, familiares, pouca ou nenhuma utilidade terá o Conselho Fiscal, e por isso é órgão facultativo, seguindo o sistema das sociedades anônimas fechadas. Com efeito, a correta atuação dos conselheiros é importantíssima para o funcionamento da sociedade, do ponto de vista da defesa da sua integridade patrimonial. Assim, a atuação do Conselho Fiscal repercute sobre a administração das sociedades, colocando restrições objetivas sobre possíveis manipulações nos balanços, fraudes, falseamento de situação econômica da empresa e tantas outras medidas que podem prejudicar a sociedade, a atividade empresarial e os credores. A fiscalização permite também detectar possível endividamento da sociedade, nível do passivo e patrimônio comprometido, permitindo que sejam colocadas a efeito as medidas preventivas para evitar a crise econômica da sociedade. Assim, desde que o conselheiro atue com independência, autonomia e individualmente, exercendo seus poderes, e na observância da lei e do contrato social cumpre sua obrigação perante a sociedade, não será responsabilizado pelos atos lesivos colocados a efeito pelos demais conselheiros, ou pela aprovação, colegiada, dentro do próprio órgão fiscalizador: para evitar sua responsabilidade diante da sociedade, basta que o conselheiro emita parecer contrário, fazendo constar sua divergência em relação às matérias aprovadas pelo Conselho Fiscal do qual faz parte. Desta feita, exime-se de qualquer responsabilidade, pelo simples fato de cumprir, com exatidão, seus deveres, decorrentes da sua qualidade de administrador, mas direcionado ao controle contábil da sociedade. Com efeito, o conselheiro fiscal é administrador, e tem os mesmos direitos, deveres e prerrogativas que os membros da diretoria, e sua administração é levada a efeito para garantir a integridade patrimonial da sociedade. O exercício individual das funções de conselheiro, em oposição à manifestação majoritária do órgão de fiscalização (Conselho Fiscal), é um dever do conselheiro, e dessa sua acertada manifestação individual emerge a impossibilidade da responsabilização por atos culposos e dolosos praticados pelo órgão e pelos demais membros. Assim, tal conselheiro não será responsável solidário ao lado daqueles que lesaram o patrimônio da sociedade ou que foram coniventes com essa situação. A manifestação individual do conselheiro é a garantia para sua não-responsabilização, e o seu fundamentado parecer é o instrumento societário que impede essa responsabilização societária, que seria solidária. MODESTO CARVALHOSA explica, acertadamente, que o controle da legalidade e da legitimidade das contas e da gestão dos administradores da sociedade é mais relevante atribuição do conselho fiscal e de seus membros. Com efeito, por controle de legalidade e de legitimidade, ensina o mestre, deve-se entender o poder de que é legalmente revestido o Conselho Fiscal para o exame dos atos de gestão e representação praticados pelos administradores, sob o prisma do estrito atendimento ao disposto na lei e no contrato social.1 Os membros do Conselho Fiscal devem, ademais, inspecionar as contas da sociedade, conferir a exatidão dos documentos contábeis e realizar o controle da administração, impedindo a prática de atos lesivos ao patrimônio social. Sua função é de interesse público e não apenas da sociedade ou dos sócios. A função do Conselho Fiscal é pública na medida em que o cumprimento dos deveres repercute sobre o interesse e os direitos dos credores. Assim, cumprindo fielmente seus deveres, conselheiros fiscais e Conselho Fiscal desempenham uma função de interesse societário e público, ao passo que é do interesse dos credores a presença de órgão social interno que defenda a integridade do patrimônio social. Os administradores da sociedade devem informar, mediante requerimento, a situação patrimonial da sociedade. Basta que o conselheiro fiscal requeira, ainda que individualmente, as providências cabíveis, e o administrador, nos termos da lei e do contrato social, deverá informar ao referido conselheiro, prestando as informações pertinentes, entre elas as provas documentais, fiscais e comerciais, da prática de determinado negócio social. Com efeito, é importante ressaltar que o membro do Conselho Fiscal possui ampla liberdade de atuação individual nas suas funções: assim, pode, nos termos da lei e do contrato social, requerer as medidas que entender pertinentes ao exercício de sua função, entre elas medidas de exibição de livros, quando ocorrerem graves acontecimentos lesivos ao patrimônio social.

Assim, o conselheiro tem legitimidade e competência para exercer todas as competências cometidas ao órgão Conselho Fiscal. Com efeito, a competência orgânica do Conselho Fiscal é, também, a competência individual do conselheiro fiscal, como membro do órgão de fiscalização contábil e negocial da sociedade.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 160.

É perfeitamente compatível o caso de a sociedade ter contratado auditoria externa e a instalação do Conselho Fiscal: ademais, esse é o sistema acertado para as grandes sociedades, notadamente naquelas que integram grupos empresariais e financeiros.

Ademais, o próprio conselheiro fiscal pode contar com assessores e peritos técnicos para que possa cumprir com correção seus deveres legais. Por sua vez, o conselheiro fiscal tem direito à remuneração. Por conseguinte, a atividade de conselheiro fiscal é remunerada, bem sabendo dos riscos atinentes ao cumprimento dessa função na sociedade. Essa remuneração deve ser feita mensalmente, durante a existência do órgão social de fiscalização. A referida remuneração, em hipótese alguma, pode ser medida sob participação nos lucros ou sobre outros ganhos da sociedade. Portanto, a finalidade da lei é que o órgão de fiscalização, ou seja, o Conselho Fiscal possa cumprir função determinante, na defesa da integridade do patrimônio social, realizando uma função que é de interesse societário e público, ao passo que interesse a todos os sócios e aos credores da sociedade.

322. Das deliberações sociais

Com efeito, a deliberação tem como finalidade a aprovação ou rejeição de uma medida societária: assim, a deliberação existe para a manifestação do direito de voto. Os sócios deliberam e votam, livremente, no interesse social da sociedade. A manifestação do voto do sócio entra na qualidade de manifestação da vontade social. Essa manifestação de vontade é originária, quando da constituição da sociedade. Nas alterações do contrato social, essa manifestação social é derivada. Desta feita, é derivada de uma constituição anterior, qual seja, o contrato social, que faz lei entre as partes. Com efeito, existem deliberações ordinárias e extraordinárias. Nos termos da lei, as deliberações ordinárias são aquelas que não alteram, decisivamente, a estrutura do contrato social. Por sua vez, as deliberações extraordinárias acarretam mudanças significativas na estrutura do contrato social. Se fosse possível fazer uma comparação com a Lei 6.404/76 (art. 132), entender-se-ia que a competência das deliberações ordinárias é aquela realizada para tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras; deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição dos dividendos; eleger os administradores e os membros do Conselho Fiscal; aprovar a correção monetária do capital social. Essa deliberação (assembléia geral ordinária) tem que ocorrer anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social. Por conseguinte, é uma assembléia ordinária porque envolve atos de ordinária administração, quais sejam, aprovação das contas, eleição dos administradores, distribuição do dividendo e aprovação da correção monetária do capital social. São atos que entram, classicamente, naquilo que pode se ter como medidas necessárias para o funcionamento da sociedade (administradores) e na persecução da finalidade da sociedade (distribuição do dividendo). Toda e qualquer outra situação extraordinária terá que ser resolvida em assembléia convocada com essa finalidade, ou seja, deliberar sobre fatos, situações, circunstâncias extraordinárias da vida social e que podem ocorrer a qualquer momento na administração da sociedade. Com efeito, em termos de lei acionária, a assembléia geral extraordinária terá lugar sempre que seja necessário deliberar sobre as seguintes matérias: criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; redução do dividendo obrigatório; fusão da companhia ou sua incorporação em outra; participação em grupo de sociedades; mudança do objeto da companhia; cessação do estado de liquidação da companhia; cisão da companhia; dissolução da companhia (art. 136, Lei 6.404/76), resguardado o direito de recesso, nos termos do art. 137 da referida lei acionária.

Nas sociedades limitadas que estabelecem no contrato social a regência supletiva da Lei 6.404/76 naquilo que for cabível, a divisão das matérias em ordinárias e extraordinárias é importante do ponto de vista organizacional da sociedade e dos direitos dos sócios minoritários, principalmente pelo exercício do direito de recesso. Basta figurar a hipótese de sociedade limitada que será objeto de incorporação por grupo de sociedades, que se têm, com precisão, os vários efeitos derivados dessa medida, bem como da reestruturação societária. Em termos do Código Civil de 2002, seu art. 1.071 estabelece que dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: a aprovação das contas da administração; a designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração (dos administradores), quando não estabelecido no contrato; a modificação do contrato social; a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas. Ademais, é de competência da assembléia ou reunião de sócios a deliberação sobre a apresentação do pedido de recuperação judicial.

Com efeito, entraram naquilo que podem ser denominadas matérias de “assembléia ou reunião de sócios ordinária” a deliberação sobre a aprovação das contas da administração, a designação dos administradores, quando feita em ato

separado, a destituição dos administradores e o modo de sua remuneração (dos administradores), quando não estabelecido no contrato.

Por sua vez, “a assembléia ou reunião de sócios extraordinária” será aquela que tiver como competência deliberar sobre a modificação do contrato social; a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas. A sociedade que está em liquidação já se encontra em situação extraordinária por definição, ou seja, seu estado jurídico é antítese pela qual foi constituída, tanto que os seus administradores devem ultimar os atos de administração (encerrar a atividade empresarial) e proceder, imediatamente, à liquidação do patrimônio e pagamento dos credores. Ademais, a liquidação é uma fase ou, melhor dizendo, um estado jurídico transitório que antecede a extinção da sociedade. Com efeito, a falência deve ser confessada durante a liquidação, o que denota, cabalmente, seu matiz transitório, de encerramento das atividades e na satisfação dos interesses creditórios. O aspecto decisivo sobre as deliberações sociais é aquele do quorum necessário para aprovação das medidas que constam da ordem do dia da assembléia ou reunião de sócios.

O quorum necessário para aprovação é diverso porque diversas são as situações, circunstâncias e fundamentos da deliberação social. Em primeiro lugar: se o contrato permitir administradores não sócios, a designação deles dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de dois terços, no mínimo, após a integralização (art. 1.061, C.C.). Em segundo lugar: tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes, no mínimo, a dois terços do capital social, salvo disposição contratual diversa (art. 1.063, § 1º, C.C.). Em terceiro lugar: quando o objeto da deliberação for a modificação do contrato social — incorporação, fusão e dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação —, o quorum necessário para aprovação dessas deliberações será aquele dos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social (art. 1.076, I, C.C.). Em quarto lugar: quando o objeto da deliberação for a designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; o pedido de recuperação judicial, o quorum necessário para aprovação dessas deliberações será aquele dos votos correspondentes a mais de metade do capital social. Em quinto lugar: pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.

Essa é a metodologia das decisões sociais disciplinada pelo Código Civil de 2002. E, como regra geral, tem lugar o art. 1.010 do Código Civil, ao estabelecer que: quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um. Para formação da maioria absoluta são necessários votos correspondentes a mais de metade do capital. Prevalece a decisão sufragada pelo maior número de sócios no caso de empate, e, se este persistir, decidirá o juiz. Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto. Como já se disse, as deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembléia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocada pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato (art. 1.072, caput, C.C.).

Nos termos da lei, o Código Civil institui duas “instâncias” deliberativas: a) assembléia de sócios; b) reunião de sócios. O critério é bastante simples, e fixado pelo art. 1.072 do Código Civil: a deliberação em assembléia será obrigatória se o número dos sócios for superior a dez.

Com número inferior de sócios, terá lugar a “reunião de sócios”. De qualquer forma, essa distinção, feita pelo Código Civil, é despida, realmente, de qualquer significado linguístico mais aprimorado. Com efeito, em todos os casos os sócios devem “deliberar”, seja a sociedade composta por dois, dez ou mais sócios. Contudo, é bastante esdrúxulo falar em “deliberação” dos sócios, quando a sociedade limitada tem apenas dois sócios, e um deles detém a imensa maioria do capital social. Ademais, é de considerar que o contrato social não poderá estabelecer o sistema da assembléia de sócios quando o número de sócios for inferior a dez. Neste caso, a referência do contrato social é que esse instrumento estabeleça a reunião de sócios como instância cabível para deliberar e votar as matérias que constam da ordem do dia. Conquanto tudo isso, não há qualquer diferença, em sentido jurídico, entre “assembléia de sócios” e “reunião de sócios”, isso porque a competência funcional do órgão é idêntica. O sistema orgânico da sociedade limitada é composto por: a) administração social; assembléia ou reunião de sócios; Conselho Fiscal. Desses três órgãos, apenas o conselho fiscal é facultativo. Todos os demais, ou seja, a administração e a assembléia ou reunião de sócios, são obrigatórios, e o contrato social deve estabelecer o seu funcionamento, por expresso mandamento legal, nos termos dos artigos 1.060 e 1.072 do Código Civil.

Nessa direção, o Código Civil tem na sociedade limitada uma visão funcional e orgânica, com poderes, competências, funções, deveres e atribuições indelegáveis entre os órgãos sociais ou terceiros, ao passo que a sociedade empresária é aquela que tem a prerrogativa de administrar a empresa, organizando a atividade econômica organizada.

Contudo, falar em “assembléia” de sócios e “reunião” de sócios é uma inovação que só faz baralhada, quando na verdade são institutos jurídicos idênticos e de natureza jurídica idêntica, ou seja, como órgão social de administração interna da sociedade. Parece, não se sabe, que o legislador, impulsionado pela disciplina da “assembléia geral” na Lei 6.404/76, buscou instituir sistema semelhante para as sociedades limitadas, mas teve que aceitar a natureza híbrida da própria sociedade limitada: primeiro, por estabelecer que nos casos em que o número de sócios for inferior a dez terá lugar a reunião de sócios; segundo, porque deve dispensar, tanto a assembléia e a reunião de sócios, quando todos os sócios decidiram, por escrito, sobre a matéria que delas seria objeto; terceiro; dispensam-se as formalidades de convocação previstas no § 3o do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia; quarto, por estabelecer um regramento no qual cabe ao contrato social determinar a vinculação da sociedade ao sistema da reunião de sócios ou aquela para a assembléia de sócios; quinto, aplica-se às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o disposto sobre a assembléia de sócios. No caso de apresentação de pedido de recuperação judicial, nos termos da Lei 11.101/05, os administradores, se houver urgência e com autorização de titulares de metade do capital social, podem requerer o referido pedido de recuperação judicial da sociedade (art. 1.072, § 4º, C.C.). Com efeito, essa hipótese, ou seja, esse quorum do qual consta autorização de titulares de metade do capital social, somente terá lugar se houver urgência na apresentação do pedido de recuperação. Assim, a “urgência” à que a lei se refere é um provável pedido de falência, feito pelo credor da sociedade, e, ademais, quando da apresentação do pedido de recuperação judicial feito no prazo de contestação ao pedido de falência (art. 96, VII, Lei 11.101/05). Se não houver urgência, o quorum para aprovação do pedido de recuperação judicial será aquele previsto pelo art. 1.076, II, do Código Civil, ou seja, pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social. Em todos os casos as deliberações tomadas de conformidade com a lei e o contrato vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes (art. 1.072, § 5º, C.C.). Essa regra é fundamental e garante funcionabilidade ao órgão decisional, não permitindo que a ausência dos sócios possa impedir o bom andamento das deliberações e, por conseguinte, dos negócios sociais. O voto do sócio deve ser exercido sempre no interesse social: impraticável supor que o sócio, votando, exerça uma prerrogativa de interesse pessoal seu, como se o interesse social fosse a somatória individual de cada voto dos sócios separadamente. Assim, o interesse social é aquele, por óbvio, como manifestação da vontade social, na busca da sua atividade lucrativa, como fenômeno caracterizador da pessoa jurídica, na personificação de um patrimônio social distinto dos sócios.

Com efeito, a deliberação social é a fonte jurídica da organização social, denominada empresa. Assim sendo, como fenômeno societário, o interesse social determina a vontade social, manifestada pelos sócios como órgão da sociedade, o que, já de início, impede qualquer manifestação de interesse pessoal, individual, contrário ao interesse social. Não de outra forma, o art. 1.010, § 3º, do Código Civil determina que responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto. Essa regra (art. 1.010, § 3º, C.C.) denota, cabalmente, a impossibilidade do exercício de voto contrário ao interesse social da sociedade, ao passo que se entende como “contrário ao da sociedade” todo e qualquer interesse individual do sócio que não se identifique com a finalidade do contrato social, e esse interesse individual pode, inclusive, servir ao interesse de terceiro. Ainda assim, há caracterização de manifestação abusiva no voto, e tal sócio responderá pelo prejuízo causado contra a sociedade, ainda que nos termos “graças a seu voto”. De certa forma, essa expressa “graças a seu voto” terá incidência sobre inúmeras sociedades limitadas, nas quais há participação majoritária de um sócio, quando, votando contra o interesse da sociedade, aprova contas equivocadas, lesa o patrimônio social, etc., não cumprindo seus deveres administrativos, entre os quais, os deveres de diligência, probidade e boa-fé em relação à sociedade. Ademais, as deliberações sociais são majoritárias, evitando o critério da unanimidade, salvo pactuação em contrário no contrato social. O contrato social pode estabelecer quorum diverso ao daqueles mínimos exigidos pela lei, e, em determinadas matérias poderá ser prevista a unanimidade para aprovação de qualquer matéria. É evidente que uma sociedade limitada que tenha cláusula pela unanimidade em algumas matérias de votação em reunião de sócios será uma sociedade limitada de natureza pessoal. Contudo, a metodologia da unanimidade pode impedir o bom funcionamento da sociedade, e, nesse caso, se o embate entre os sócios é de tal ordem que impossível é a obtenção da unanimidade, essa sociedade deverá entrar em dissolução, por inexequibilidade do seu fim social. Com efeito, a regra majoritária existe para evitar essa solução de continuidade do órgão decisional da sociedade: pela maioria, sempre será alcançada a aprovação ou rejeição de uma matéria de natureza societária, produzindo, então, os seus consequentes efeitos. Por exemplo, a regra da maioria tem como consequência o direito de recesso ao sócio dissidente. Com isso, a maioria pode decidir, no interesse social, determinada matéria que acarreta a incidência do direito de recesso por parte do sócio minoritário, o qual poderá, nos termos da lei, se retirar da sociedade. Nessa esteira, quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito

de retirar-se da sociedade nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031. Portanto, o voto do sócio é manifestação orgânica da sociedade: quando exerce seu direito de voto, que decorre da participação social, o sócio está praticando um ato que, na realidade, é a declaração da vontade social, como órgão de manifestação dessa vontade social. É por isso que o voto deve ser sempre exercido no interesse da sociedade, porque na verdade o voto forma uma simbiose com a própria sociedade, de tal sorte que aquele que tem interesse contrário ao interesse da sociedade não poderá participar da votação, e se, ainda assim vota, responderá pelas perdas e danos, e seu voto será nulo. Ademais, “nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente (art. 1.074, § 2º, C.C.). Com isso, o sócio está impedido de votar quando tenha interesse conflitante com o da sociedade. A regra é jurídica e moral, e impede a prática de atos lesivos ao interesse social, bem sabendo que esse não é seu único fundamento. Em termos objetivos, o sócio está impedido de votar porque ao votar (administração orgânica) não poderá exercer esse direito prejudicando o organismo societário do qual integra. A presunção é que o impedimento decorre do próprio fato de que ninguém (sociedade) votaria contra si própria (sociedade), na medida em que o sócio é apenas um instrumento organizacional para a manifestação jurídica da vontade social da sociedade. Para que essa manifestação seja considerada juridicamente válida, ela deve entrar na qualidade de interesse social, e presume-se que a hipótese de “matéria que lhe diga respeito diretamente” estará diante de um conflito existencial entre o órgão de manifestação da vontade social (assembléia ou reunião de sócios) e a sociedade considerada em si própria como entidade jurídica. Para evitar que esse conflito existencial entre órgão social e sociedade assuma a condição de conflito de interesses, é que o sócio, nessa situação (matéria que lhe diga respeito diretamente), está impedido de votar, e a sociedade poderá, então, ter firmada sua posição jurídica, na qualidade de entidade distinta dos seus sócios, com direitos, deveres e interesses próprios, que lhe conferem o status jurídico de pessoa jurídica, com incorporação de bens, portanto, personificação patrimonial, como prerrogativa para ser considerada sociedade empresária, ou seja, organizar a atividade econômica organizada. Nessa direção, a manifestação social, em sede de assembléia ou reunião de sócios, é um ato unilateral: é a declaração de uma vontade social única, ou seja, da sociedade considerada nela própria. No conclave social, as várias manifestações individuais dos sócios buscam o interesse social e único da sociedade, fator esse primeiro da formação do vínculo societário. Essas manifestações individuais dos sócios não são “contrárias entre elas mesmas”, porém ficam paralelas, formando uma manifestação conjunta, decidida, em termos metodológicos, pela maioria ou pela unanimidade. Não há “somatória” de vontades “diversas”, mas a unificação dessas vontades individuais na formação de uma vontade unívoca, que seja aquela da sociedade.

É do “conclave” entre os sócios que a sociedade encontra sua vontade social: presume-se que o voto do sócio, contado em termos decisionais, pela sua participação na sociedade, seja a declaração da própria sociedade, e o fator decisional majoritário é apenas a confluência de uma metodologia decisional, permitindo que o organismo societário tenha pleno funcionamento. Nesse passo, a minoria que votou, também votou no interesse social, mas, na formação da decisão participativa, o voto majoritário, se estiver nos termos da lei e do contrato social, serve para a efetivação decisória da vontade social.

Por conseguinte, maioria e minoria dissidente no voto representam manifestações volitivas do interesse social, na perspectiva da busca do interesse social, e essas manifestações são paralelas umas das outras, ainda que dissidentes por seguirem direções diversas. A diversidade não é condição para, unicamente, estabelecer o conflito do interesse social. O que vai ocorrer, na outra hipótese completamente distinta, é o conflito de interesses quando o voto é contrário ao interesse social, quando lesivo ao patrimônio social, etc., ou seja, quando o sócio está impedido de voto em matéria que lhe diga respeito diretamente.

Nesse último caso, ou seja, “em matéria que lhe diga respeito diretamente” (art. 1.074, § 2º, C.C.) “tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade”, efetivamente se estará falando de conflito de interesses contra a sociedade. O legislador disse “interesse contrário” ao da sociedade, ou seja, conflitante, em contradição, vale dizer, todo aquele interesse que não seja social, mas, ao contrário, de interesse pessoal do sócio, que nesse caso não será uma manifestação paralela, mas uma verdadeira manifestação contrária, na direção oposta, ao interesse da sociedade. Por conseguinte, o sócio que vota nessas condições terá que responder por perdas e danos, na primeira hipótese e, na segunda, seu voto será nulo de pleno direito, porque não coincide com o interesse social. A deliberação (conclave) é a instância organizacional de manifestação da vontade social: para fins decisionais, essa manifestação será medida em termos da participação social de cada sócio, contados segundo o valor das quotas de cada um dos sócios. Ainda dessa forma, a votação, tudo somando, é a manifestação da sociedade considerada como entidade jurídica distinta dos seus sócios. As formalidades para a instalação do conclave são desnecessárias se estiverem presentes os titulares de quotas representativas da totalidade do capital social. Assim o art. 1.072, § 2º, do Código Civil, ao determinar que se dispensam as formalidades de convocação previstas no § 3o do art. 1.152, quando todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia.

Sobre o referido art. 1.072, § 2º, do Código Civil, o preclaro MODESTO CARVALHOSA afirma com razão que, nesse caso, o conclave somente poderá deliberar validamente se todos os sócios presentes estiverem de acordo com a ordem do dia apresentada pela administração ou pelos demais sócios porque, caso contrário, ainda que instalada na forma legal, as suas deliberações poderão ser anuladas. Se há discordância sobre a ordem do dia, será necessária a convocação regular, para que os sócios tenham, com antecedência, ciência da ordem do dia e possam, então, preparar-se para a discussão e deliberação das matérias que integram a ordem do dia.1 Uma cláusula importante, que deve constar dos contratos sociais, é a prevista pelo art. 1.072, § 6º, do Código Civil, ao passo que se “aplica às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o disposto na parte da assembléia de sócios”. Muito se tem falado, mas entendo que, em termos jurídicos, não existe qualquer distinção razoável entre “assembléia de sócios” e “reunião de sócios”: são institutos jurídicos idênticos em suas funções e finalidades, bem sabendo que nas sociedades limitadas com número de sócio superior a dez a figura jurídica da assembléia de sócios é a instância competente para deliberar sobre as matérias pertinentes. Ademais, diz o art. 1.079 do Código Civil que se “aplica às reuniões dos sócios, nos casos omissos no contrato, o estabelecido nesta seção sobre a assembléia, obedecido o disposto no § 1o do art. 1.072”. Em termos de convocação, tanto a assembléia de sócios, quanto a reunião de sócios observam a mesma regulação, salvo expressa disposição em contrário do contrato social. Assim, o anúncio de convocação da assembléia de sócios será publicado por três vezes, ao menos, devendo mediar, entre a data da primeira inserção e a da realização da assembléia, o prazo mínimo de oito dias para a primeira convocação e de cinco dias para as posteriores (art. 1.152, § 3º, C.C.). Com efeito, cabe ao órgão incumbido do registro verificar a regularidade das publicações determinadas em lei, de acordo com o disposto nos parágrafos deste artigo. Salvo exceção expressa, as publicações ordenadas neste Livro serão feitas no órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade e em jornal de grande circulação. A referida exigência, nos termos do art. 1.152, § 3º, do Código Civil para as sociedades limitadas é, verdadeiramente, descabida: a imensa maioria das sociedades limitadas é composta por poucos sócios, de natureza familiar, e com affectio societatis, e, assim, exigir que sejam publicadas convocações para reunião de sócios é, com efeito, acarretar custos desnecessários às sociedades, mas, principalmente, medida inócua. Por isso, o contrato social deve fixar outra forma de convocação para a reunião de sócios, ou seja, como eventual notificação por cartório. Ademais, o contrato social que estabelece a reunião de sócio, afastando a figura da assembléia de sócios, pode – e deve – dispensar expressamente a medida de convocação pela publicação de editais e jornais. Assim, estará afastada a exigência da publicação prevista no art. 1.152 do Código Civil. Se o contrato, por outro lado, for silente, ainda que estabeleça a reunião de sócios, mas seja silente em nada disciplinar sobre o sistema de convocação, terá, então, aplicação o art. 1.152 do Código Civil. Desta feita, é importante que o contrato social estabeleça: a) o sistema da reunião de sócios; b) que afaste expressamente a convocação por publicação por editais e jornais de grande circulação; c) que determine outra forma de convocação, como, por exemplo, o envio de telegrama, com aviso de recebimento; notificação por cartório, ou, se o caso assim exigir, por notificação judicial.2

Com essas medidas, não haverá nenhuma necessidade de publicação de editais e avisos em jornal de “grande circulação”, mantendo, por isso mesmo, o matiz pessoal da administração dessas sociedades, de feição familiar, distante dos “olhos” do público, que, em verdade, não são prejudicados pelos atos aprovados pela reunião ou assembléia de sócios, quando infringentes do contrato ou da lei. Na verdade, o legislador estabelece, acertadamente, que as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram, nos termos do art. 1.080 do Código Civil.

Portanto, ainda que o sistema de convocação seja “privado” ao contrário do “público” (editais e jornal de grande circulação), tal fato em nada prejudica o terceiro (credores, etc.), diante do referido art. 1.080 do Código Civil. Quando a administração da sociedade é nitidamente de natureza familiar, pessoal entre os sócios, não há razão prática que obrigue a publicação de aviso e convocação da reunião dos sócios, bastando que os sócios sejam devidamente informados da reunião, com sua ordem do dia, data e local. Para essa informação podem ser utilizados meios “privados” de comunicação, como telegrama com aviso de recebimento ou notificação por cartório. A medida prevista pelo art. 1.152, § 3º, do Código Civil terá lugar somente quando o contrato social não afastar, expressamente, sua exigência, notadamente pela escolha da figura jurídica da reunião de sócios. Nesse caso, será necessária a publicação, nos termos já aventados. Ademais, será necessária a publicação do referido art. 1.152, § 3º, do Código Civil sempre que o contrato social estabeleça a figura jurídica da assembléia de sócios, ou seja, quando o número de sócio for superior a dez. Nessa hipótese, inescapável é a publicação, nos termos da lei.

1 Comentários, cit., vol. 13, pp. 198/199.

2 BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. III, p. 170.

De uma forma ou de outra, o que o sistema da publicação oficial demonstra é que o legislador de 2002 tem na sociedade limitada uma “pequena sociedade anônima”, e isso, agora, por conta das publicações convocatórias, fica cabalmente demonstrado. Todavia, essa situação demonstra, também, quão distante da realidade encontra-se o legislador de 2002, bem sabendo que infinitas são as sociedades limitadas de natureza familiar, administração pessoal e dentro da esfera da affectio societatis. Essas sociedades limitadas não precisam de rígido sistema de convocação, bastando avisos e comunicações de natureza particular para que aceitem ou não o “convite” de comparecer ao conclave da deliberação.

Se existirem conflitos entre os sócios, tal sistema da publicação oficial pouco resolve, tanto que podem ser impugnadas convocações, instalação das assembléias, etc., e, na verdade, essas convocações públicas são, na imensa maioria das vezes, despidas de valor prático, salvo para aumentar os custos das sociedades. Sob o império do Decreto 3.708/19, as sociedades já haviam bem acertado o sistema de convocação para as deliberações, sem que isso tivesse provocado crise no funcionamento dessas sociedades, muito pelo contrário. Agora, com o Código Civil de 2002, tem-se que os contratos sociais primeiro afastem, expressamente, a figura da convocação por publicação oficial em jornal de grande circulação; segundo, que estabeleçam o sistema da reunião de sócios, e, nos termos da lei, afastem a figura da assembléia de sócios; terceiro, que estabeleçam outras formas de convocação, nos termos cabíveis e legais, para que os sócios tenham ciência da ordem do dia, data, local e hora da reunião dos sócios, e, se assim bem quiserem, que compareçam ou não, exercendo seu direito de comparecimento, votando favorável ou contrariamente às matérias da ordem do dia.

Desta feita, tem-se perfeito equilíbrio no funcionamento das sociedades limitadas quando por ocasião das suas deliberações, para que os sócios possam, então, declarar seus votos, no interesse social da sociedade, como entidade jurídica organizada, agente capaz e sujeito de direitos.

323. Do art. 1.073 do Código Civil

O dever de convocação da assembléia ou reunião de sócios é do administrador: caso essa não cumpra com esse seu dever, terá aplicação o referido art. 1.073 do Código Civil. Assim, diz a lei, a reunião ou a assembléia podem também ser convocadas: a) por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; b) pelo Conselho Fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069. Compete ao Conselho Fiscal convocar a assembléia dos sócios se a diretoria retardar por mais de trinta dias a sua convocação anual ou sempre que ocorram motivos graves e urgentes. Afirma com precisão MODESTO CARVALHOSA que a convocação é a notificação dos sócios para se reunirem com a finalidade de deliberar sobre os assuntos de interesse social. Nessa direção, a convocação deve ser entendida como um “convite”, na medida em que o comparecimento do sócio ao conclave é um direito e não um dever. Não obstante, sob o ponto de vista objetivo, a referida notificação é o instrumento pelo qual se dá ciência aos sócios da reunião a ser realizada, para que, dessa forma, não possam alegar futuramente que dela não tiveram notícia.1 Da reunião ou assembléia dos sócios devem comparecer, obrigatoriamente, os administradores e os sócios administradores, passível a sua representação, nos termos da lei.

O art. 1.073 do Código Civil autoriza qualquer sócio, nos casos previstos em lei, a requerer a convocação da assembléia ou reunião dos sócios. Esse é um direito de sócios, seja qual for a sua participação na sociedade. Assim, qualquer sócio poderá requerer a convocação. Ademais, o membro do Conselho Fiscal também tem legitimidade para esse requerimento.

Quando a lei diz pelo “Conselho Fiscal” está incluído, nessa referência, qualquer membro desse conselho: o conselheiro fiscal tem plena autonomia no exercício das suas funções, e a sua independência decorre da própria independência do órgão social de fiscalização. Assim, toda competência atribuída ao Conselho Fiscal como órgão também deve ser entendida como de competência individual do membro do conselho. A convocação, nos termos do art. 1.073 do Código Civil, é a seguinte: a) o sócio, individualmente, poderá requerer a instalação da assembléia prevista no art. 1.078; b) essa requisição ocorrerá quando os administradores retardarem a convocação por mais de sessenta dias, contados do término dos quatro meses seguintes ao fim do exercício social; c) por sócios titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas (qualquer matéria); d) pelo conselho fiscal, ou seu conselheiro individualmente, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069 do Código Civil. O sócio com participação de no mínimo um quinto do capital social tem o direito absoluto de requerer a convocação e instalação da assembléia ou reunião de sócios: basta que o seu requerimento tenha um fundamento jurídico, indicando

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 203.

uma matéria societária pertinente para a composição da ordem do dia. Assim, seu requerimento poderá se fundamentar em qualquer medida societária, de interesse social e na qualidade de sócio. Esse direito é irrenunciável pelos sócios, seja mesmo no contrato social. Uma cláusula do contrato social que revogue esse direito não é jurídica e portanto não produz efeitos contra os sócios. Nesse caso, a lei é imperativa, e tal direito decorre do próprio status jurídico de sócio. Se a sociedade adotou, no contrato social, o sistema da reunião de sócios, o sócio (individualmente ou que represente um quinto do capital social) deverá observar a mesma forma para requerer aos órgãos sociais a convocação da reunião de sócios. Como já se disse, o contrato social, adotando o sistema da reunião de sócios, pode derrogar o art. 1.152, § 3º, do Código Civil, estabelecendo que a convocação será feita por telegrama com aviso de recebimento ou notificação por cartório. Nesses casos, competirá ao sócio, nas mesmas condições, convocar a reunião, notificando os órgãos sociais sob essas referidas condições. Com isso, há simetria entre as convocações. Se a sociedade adota o sistema da assembléia dos sócios, então, terá que ser observada a regra do art. 1.152, nos seus termos, por conta da interpretação do art. 1.072, § 1º, do Código Civil. Contudo, nas sociedades com reunião de sócios, amplíssima é a liberdade dos sócios ao estipularem a forma de notificação, desde que juridicamente válida, estabelecendo as próprias regras sobre a convocação para a referida reunião e derrogando o art. 1.152, § 3º, do Código Civil. Mas, se o contrato social for silente, ainda que adote a forma da reunião de sócios, e silenciar sobre a forma de convocação, terá aplicação o art. 1.152, § 3º, do Código Civil, por força dos artigos 1.072, § 6º, e 1.079 do Código Civil. Portanto, o contrato social tem autonomia para, na reunião de sócios, estabelecer outra forma de convocação, desde que efetivamente alcance sua finalidade para dar ciência aos sócios sobre o local, data, hora e ordem do dia da reunião. Assim sendo, será perfeitamente jurídica a cláusula contratual que estabeleça o envio de telegrama com aviso de recebimento como forma de convocação da reunião dos sócios.

324. Da instalação e do funcionamento da assembléia dos sócios e da representação dos sócios

Com efeito, a assembléia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com qualquer número (art. 1.074, caput, C.C.). O Código Civil estabeleceu sistema bastante acertado para o quorum de instalação da assembléia dos sócios, partindo, inicialmente, do quorum qualificado de três quartos do capital social para a chamada primeira. Assim, o Código Civil ressalta, por via reflexa, a natureza contratual das sociedades limitadas, exigindo quorum significativo, o que confere legitimidade às deliberações sociais. Porém, para não impedir o bom funcionamento da sociedade, o Código Civil estabelece que, em segunda chamada, pela ausência dos sócios majoritários (três quartos do capital social), a assembléia poderá ser instalada com qualquer quorum, para fins de deliberação. Com efeito, isso obviamente não significa concluir que o quorum das votações seja alterado. Assim, a assembléia dos sócios poderá ser formalmente instalada para a deliberação do conclave entre os sócios. Desta forma, a finalidade da lei é garantir o funcionamento do órgão social, permitindo que o órgão social se instale, e os demais sócios que não são majoritários possam deliberar, formalmente, sobre temas sociais, requerer documentos da sociedade, etc., sempre no interesse social. Para que a assembléia dos sócios possa ser instalada, é preciso, obrigatoriamente, que tal assembléia tenha sido validamente convocada pela sociedade. Por isso, como já aventado, a sociedade limitada com número de sócios não superior a dez deve adotar o sistema da reunião de sócios, e não aquele previsto da assembléia de sócios. Desta feita, essa sociedade não terá que fazer publicar avisos de convocação nos jornais, para fins de convocação de reunião dos sócios: basta a comunicação, escolhida pelo contrato social, para que a reunião social seja efetivamente convocada, afastando qualquer nulidade formal na convocação.

Com efeito, será aconselhável e jurídico que a sociedade tenha um “livro” para atestar a presença dos sócios na assembléia ou reunião dos sócios ao lado da lista de presença. Com isso, ficará arquivado na sociedade o respectivo livro, do qual poderá ser tirado extrato para atestar a presença dos sócios. A lista de presença será o instrumento, na ausência do livro, que atestará o comparecimento dos sócios, para os devidos fins. Com efeito, acredito ser jurídico o entendimento da obrigatoriedade do “livro” de presenças porque nesse instrumento deverá ser anexada a “ata da assembléia ou reunião de sócios”, para os devidos fins. Assim, ao final da “ata”, os sócios assinam o documento para os devidos fins. Porém, pode ocorrer que, diante dos conflitos sociais nas assembléias ou reunião de sócios, algum sócio pode se recusar a firmar a referida ata, alegando que o Secretário não fez constar determinadas questões debatidas na assembléia ou mesmo quando da votação. Diante dessa situação, nada mais aconselhável e jurídico que a sociedade mantenha “livro” de presenças a ser arquivado com as atas das assembléias ou reunião de sócios, a fim de conferir legalidade à assembléia e suas decisões. Ademais, é dever daquele que preside a assembléia ou reunião dos sócios exigir, durante a própria deliberação e, principalmente, quando por ocasião da votação, a verificação de quorum, para que a decisão não seja posteriormente infirmada pela nulidade. O sócio que exerce a administração deve estar presente, e, por conseguinte, é um verdadeiro dever do administrar esse o de comparecimento à assembléia geral ou reunião de sócios. Sua falta, não justificada, acarreta grave descumprimento de obrigação imposta pela lei e pelo contrato social. Ademais, deve comparecer o administrador que não é sócio, nas mesmas condições.

O Código Civil andou bem ao diferenciar o quorum de instalação da assembléia dos sócios do quorum de deliberação na assembléia dos sócios: são momentos jurídicos completamente distintos e que requerem disciplina distinta. O legislador de 2002 foi muito liberal – o que é bom – ao permitir a instalação da assembléia dos sócios, em segunda chamada, por qualquer número dos presentes. Isso significa que a assembléia poderá ser efetivamente instalada, mas não significa concluir que foi alcançado o quorum necessário para as deliberações e votações. Porém, é fundamental, em sentido jurídico, que a assembléia seja instalada, ainda que não se alcance o quorum necessário das votações: devidamente instalada, os sócios presentes podem requerer documentos sociais, examinar as contas, exigir explicações dos diretores (que devem comparecer, obrigatoriamente, à assembléia geral), etc. Ademais, a ausência dos diretores terá implicação jurídica de enorme relevância, como na propositura da ação de responsabilização. Assim, o descumprimento do dever de comparecer à assembléia de sócios, evitando o debate com os demais sócios, pode ser indício de graves condutas lesivas praticadas contra o interesse da sociedade e dos outros sócios. Com efeito, o administrador pode ser, inclusive, citado na ação cabível quando por ocasião da instalação da assembléia dos sócios. Não raro, administradores buscam esquivar-se das citações judiciais, e a assembléia de sócios pode ser o local acertado para que se efetive a referida citação, nos termos da lei.

Portanto, é fundamental que a assembléia ou reunião de sócios se instale com qualquer número, em segunda convocação, nos termos do art. 1.074, para infirmar responsabilidades sociais, e, ademais, para permitir que os sócios interessados na administração social possam exercer determinados medidas assecuratórias de seus direitos. Com efeito, não é acertado considerar que a assembléia de sócios somente poderia ser instalada e funcionar se estiverem presentes sócios que representem mais da metade do capital social. Ora, a lei é clara, ao determinar: a assembléia dos sócios instala-se com a presença, em primeira convocação, de titulares de no mínimo três quartos do capital social, e, em segunda, com qualquer número (art. 1.074, caput, C.C.).

Assim, em segunda chamada, será possível a instalação e funcionamento da assembléia de sócios com “qualquer número”, permitindo que o órgão social se instale. O referido art. 1.074, caput, do Código Civil é cogente, inderrogável pela vontade das partes. Assim, não tem razão supor que, se o quorum de deliberação for previsto pelo contrato em três quartos do capital, isso não faz concluir que a assembléia somente poderá ser instalada se estiverem presentes sócios que representem os referidos três quartos do capital social. Ora, não pode haver confusão entre quorum de instalação e quorum de deliberação: essas são circunstâncias jurídicas e societárias completamente distintas. A instalação diz respeito ao fato da abertura dos trabalhos em sede de assembléia ou reunião de sócios. A deliberação é o conclave, que se resolverá pela manifestação do direito de voto em assembléia ou reunião de sócios. Para que a instalação e a votação sejam consideradas juridicamente válidas, é necessário que a convocação observe os requisitos legais e contratuais. Depois que devidamente convocada e instalada, a deliberação terá início: a finalidade intrínseca da deliberação é votar. Assim, é exatamente nesse momento que é necessário o quorum de aprovação das matérias societárias, conforme a sua natureza. Nesse passo, entram em ação os artigos 1.010 e 1.076 do Código Civil. O que o Código Civil fez, acertadamente, foi diversificar o quorum de instalação do quorum de deliberação. Com efeito, respeita-se, a regra do art. 1.074, caput, do Código Civil é totalmente acertada, e, pela primeira vez no sistema jurídico das sociedades limitadas, tem-se a expressa previsão sobre quorum de instalação e quorum de deliberação. Esse regramento coloca por terra muitas das perlengas existentes na vigência do Decreto 3.707/19, quando a maioria do capital social impedia a instalação e funcionamento do conclave entre os sócios, pela sua ausência nas reuniões. Com isso, justiça seja feita ao Código Civil, o regramento do referido art. 1.074, caput, do Código Civil é acertado na medida em que permite a instalação da assembléia ou reunião de sócios com qualquer número, permitindo que aqueles que estão interessados nos negócios sociais tenham acento no referido órgão social, requerendo e apresentando o que lhe seja de direito. A regra, então, é acertadíssima porque acarreta aos administradores o dever, irrenunciável, de comparecimento à assembléia ou reunião de sócios. Ademais, os sócios majoritários, que antes poderiam se esquivar do comparecimento, hoje certamente ficaram “motivados” a comparecer às assembléias ou reunião de sócios, na medida em que exerçam, então, seus direitos. Com efeito, os sócios majoritários, bem como os demais sócios minoritários, devem comparecer à assembléia ou reunião de sócios na medida em que isso é um direito, porém, o contumaz não comparecimento é conduta contrária ao interesse social e pode ocasionar a ruptura do vínculo societário, partindo para a dissolução da sociedade. Como já se disse, a assembléia dos sócios prevista no art. 1.078 do Código Civil é obrigatória, assim como será obrigatória a reunião de sócios prevista pelo contrato social. Desta feita, a assembléia dos sócios deverealizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social, com o objetivo de: tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; designar administradores, quando for o caso; tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia. Portanto, nessa assembléia é obrigatória a presença do sócio majoritário ou quem de direito lhe represente. Porém, o sócio em pessoa, ou representado, deverá votar: nesse passo, ao votar assume as responsabilidades da sua administração e de seu próprio voto. Por esse motivo, ainda que o contrato social estabeleça o sistema da reunião de sócios, será obrigatória a realização da referida reunião, no prazo ajustado pelo referido art. 1.078 do Código Civil, ou seja, a reunião deverá se realizar ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes ao término do exercício social. Como no mais das vezes

o exercício social coincide com o ano civil, a assembléia ou reunião de sócios deverá ser realizada nos quatro primeiros meses do ano civil.

O Código Civil acertou em estabelecer: a) quorum de três quartos para a instalação da assembléia, em primeira chamada; b) qualquer número, em segunda chamada. Assim, fica em grande parte mantido o princípio majoritário das deliberações (artigos 1.010 e 1.076, II e III, C.C.), resguardado a referência dos três quartos sobre o capital somente na hipótese do art. 1.076, I, do Código Civil, quando o contrato social não exigir quorum superior ou unânime. Assim, se não alcançado o termo dos titulares de no mínimo três quartos do capital social, a assembléia ou reunião de sócios será instalada, em segunda convocação, com qualquer número. Se esse “qualquer número” alcançar mais da metade do capital social, poderão ser aprovadas as seguintes matérias: a designação dos administradores, quando feita em ato separado; a destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; o pedido de recuperação judicial.

Ademais, alcançado esse “qualquer número”, terá aplicação o art. 1.076, III, do Código Civil, quando pela maioria de votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada. Assim, a legislador assegurou de maneira eficaz e ampla o princípio majoritário. A maioria qualificada dos votos correspondentes, no mínimo, a três quartos do capital social será exigida, nos termos da lei, somente nos casos de: a) a modificação do contrato social; b) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação. O contrato social poderá, inclusive, exigir unanimidade para aprovação dessas matérias ou qualquer outra. A unanimidade é vista, por alguns, como elemento provocador de discórdia dentro das sociedades: contudo, não raro em sociedades limitadas familiares, de índole estritamente pessoal, é perfeitamente aceitável a estipulação pela cláusula da unanimidade em determinadas matérias. Nesse caso, a sociedade é obviamente constituída pela forma limitada, mas sua formação interna, na relação entre os sócios, se assemelha à sociedade em nome coletivo. Por sua vez, não existe correlação absoluta, como querem alguns, em ter na unanimidade sinônimo de discórdia insolúvel entre os sócios, muito pelo contrário. O que ocorre é que, com a profissionalização da administração das sociedades, o princípio majoritário favorece os investimentos econômicos. Na verdade, o poder de controle nas sociedades anônimas e a maioria do capital social nas sociedades limitadas representam e são instrumentos jurídicos de dominação capitalista dos meios de produção, muito mais que técnica jurídica em sentido estrito. Com efeito, o princípio majoritário (poder de controle e maioria do capital social) é forma de comando, de controle dos órgãos sociais, de implementação administrativa sobre a empresa, e, por isso mesmo, é instrumento muito mais econômico do que jurídico, tanto na sua forma, quanto em seu conteúdo. É profundamente equivocado ter como idênticos tanto o quorum de instalação quanto o quorum de deliberação. Essa é uma interpretação arcaica que o Código Civil de 2002 espancou. Portanto, é obvio que será nula, de pleno direito, a deliberação social que aprove matéria sem observar o quorum deliberativo mínimo exigido pela lei. Não cabe perquirir se houve ou não prejuízo para a sociedade porque essa não é a função do intérprete. Com efeito, será também nula a deliberação aprovada quando a assembléia ou reunião de sócios for instalada, em primeira convocação, sem o mínimo de três quartos. Nesse caso, deverá ser feita segunda chamada para que a assembléia possa ser validamente instalada com “qualquer número”, nos termos do art. 1.074, caput, do Código Civil.

Então, perfeita a lição de MODESTO CARVALHOSA , quando assevera que “a versão do Código quanto ao quorum de instalação é bastante diversa se comparada à da Lei Societária. Enquanto esta determina o quorum mínimo de instalação em primeira convocação, de um quarto do capital social, o Código, por força do presente artigo, determina um “quorum” qualificado de três quartos do capital social para a primeira chamada. Ao determinar diferentemente o “quorum” de instalação, o Código leva em conta a natureza contratual das limitadas, que faz presumir a presença de um colégio qualificado de quotistas para revestir de legitimidade as deliberações que deverão ser tomadas no conclave. Com efeito, a questão da legitimidade é fundamental para a imposição da vontade majoritária da comunhão de interesses a todos os sócios. Na sociedade anônima o quorum mínimo de instalação de um quarto do capital social outorga essa legitimidade, diante do pressuposto da dispersão das ações entre os acionistas, que dificilmente se aglutinariam com quorum superior a esse em primeira convocação. Já na limitada, em que todos os sócios são vinculados pelo princípio da affectio societatis, a presente norma considera legítima a instalação do conclave quando não apenas a maioria absoluta, mas a maioria qualificada se reune para deliberar. Já em segunda convocação, não havendo comparecimento majoritário dos sócios, a norma pressupõe que há desinteresse dos sócios pela realização da assembléia. Se tal ocorrer (menos do que a maioria qualificada), basta a constatação de qualquer quorum para dar legitimidade às deliberações do conclave”.1

A referida lição do mestre é perfeita e toda outra que lhe seja contrária deve ser repelida. O Código Civil, na acertada regra do art. 1.074, caput, buscou realmente “envolver” os sócios na deliberação da sociedade, determinando que seu comparecimento é fundamental para a verificação da vontade social. Por conseguinte, o Código Civil tem na deliberação e votação dois momentos decisivos para a sociedade, quando se tem a conformação do interesse social, a responsabilidade

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 213.

pelos atos administrativos, e a presença do quorum qualificado de três quartos é o instrumento que possibilita a efetivação tanto da manifestação do interesse social, quanto em fixar possíveis responsabilidades sociais contra sócios administradores e diretores. Se, por outro lado, os sócios são desinteressados, o quorum qualificado de três quartos não poderá impedir o funcionamento da administração ordinária da sociedade, e a presença de “qualquer número” permitirá a instalação da assembléia ou reunião de sócios. Devidamente instalada, terão lugar a deliberação social e, posteriormente, as votações, observado o quorum mínimo exigido pela lei. Assim, presente mais da metade do capital social, a sociedade poderá aprovar todos os atos de administração ordinária, ficando o quorum qualificado de três quartos apenas para as medidas extraordinárias (modificação do contrato social, a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do estado de liquidação), se o contrato social não exigir a unanimidade para as matérias que julgar necessário. Com isso há perfeita sintonia entre a finalidade pretendida pelo legislador de 2002 (comprometimento dos sócios nas deliberações e votações) e a realidade dos negócios sociais, permitindo a instalação com “qualquer número”, em segunda convocação, independentemente da percentagem das suas quotas sobre o capital social. Esse critério, previsto pelo art. 1.074, é fundamental e permite o funcionamento regular dos negócios sociais, sancionando a ausência dos demais sócios e permitindo que os sócios efetivamente interessados conduzam a sociedade e as deliberações sociais. Como assevera ANTONIO BRUNETTI, “assemblea significa riunione dei soci in un dato momento, in un dato luogo, allo scopo di prendere in comune una deliberazione: implica adunque un agire collegiale dei membri che devono trovarsi l’uno a fronte degli altri e deliberare constestualmente”.1

Nessa direção, assembléia é a reunião dos sócios em um dado momento, em um dado lugar, com a finalidade de deliberarem conjuntamente: implica, portanto, um agir colegialmente dos membros que devem se encontrar pessoalmente e deliberar sobre o contexto em questão. Os sócios decidem sobre as matérias de sua competência. Em todo caso, a competência da assembléia ou da reunião dos sócios é a seguinte: aprovação das contas e distribuição dos lucros; nomeação dos administradores, por ato em separado; modificação do contrato social. A sede orgânica da sociedade para essas deliberações é a assembléia ou reunião dos sócios. Todo sócio, com direito de voto ou com voto restrito, tem direito de participar da deliberação. Nos termos da lei, cabe ao contrato social determinar a forma de convocação da assembléia ou reunião dos sócios. As decisões sociais que não foram realizadas de acordo com a lei ou do contrato social são nulas. São também passíveis de impugnação as decisões formalmente válidas, mas realizadas em conflito de interesse com a sociedade (art. 2.479, ter., Codice Civile). Com efeito, no direito a forma é também conteúdo, notadamente nas medidas assecuratórias de direito. Assim, se alguma deliberação foi realizada, sem que tenha sido obtida o quorum de instalação da primeira convocação (três quartos do capital social), essa votação é nula, diante da ausência do critério formal, que é um direito do sócio ausente. Somente será válida a decisão realizada, sem a observância do mínimo dos três quartos do capital social, se convocada segunda assembléia. O princípio majoritário, inferior aos três quartos, tem valor jurídico somente em segunda convocação. Então, são nulas as deliberações realizadas sem que tenha sido alcançado o quorum de instalação previsto no contrato social e pela lei (art. 1.074, caput, C.C.). Deve ser afastada interpretação contrária, porque a presença do sócio é um direito irrenunciável por vontade própria, e a segunda convocação visa permitir o funcionamento da sociedade pela maioria do capital social. O art. 1.074, caput, do Código Civil é uma regra de utilidade, garantidora de direitos, e deve ser observada formalmente em todas as suas instâncias. Compete, então, proceder à segunda chamada, se a primeira não logrou alcançar os três quartos do capital social. Assim, a segunda chamada em “qualquer número” visa dar funcionalidade ao órgão social. Somente com a segunda chamada pode se interpretar que o sócio ausente assumiu essa condição, assumindo também os riscos e as consequências desse seu ato perante a sociedade, terceiros e demais sócios. Ainda mais uma vez deve ser seguida a lição de MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar que a assembléia de sócios instalada sem o quorum exigido no art. 1.074 será formalmente nula, ao passo que essa nulidade é diversa daquela prevista pelo art. 1.080, que fulmina as deliberações contrárias à lei e ao contrato social. Quando a instalação da assembléia é irregular, a própria assembléia dos sócios deve ser considerada nula de pleno direito, ainda quanto ao conteúdo as deliberações pudessem estar em conformidade com a lei e com o contrato social – essas deliberações, então, não têm qualquer validade e eficácia, e devem ser consideradas inexistentes em relação à sociedade.

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Portanto, sempre que não alcançada a maioria dos três quartos, deverá ser convocada segunda chamada, para que em “qualquer número” possa ser instalada a assembléia dos sócios; as deliberações realizadas em assembléia irregularmente instalada são nulas de pleno direito e não existem em relação à sociedade; os sócios que assim agirem podem ser acionados, judicialmente, se a sua decisão acarretar prejuízo contra a sociedade, devendo arcar com as perdas e danos cabíveis; somente são válidas e jurídicas as decisões assembleares que estiverem validamente instaladas e que aprovarem as matérias previstas na ordem do dia, desde que observadas as formas de convocação, quorum de instalação e quorum de deliberação. Diante

1 Trattato, cit., vol. III, p. 170.

2 Comentários, cit., vol. 13, pp. 214/215.

desses fatores, o art. 1.074, caput, do Código Civil é bastante acertado, e reflete a melhor doutrina sobre a matéria de convocação e instalação da assembléia de sócios, bem como das suas deliberações sociais. Por sua vez, o contrato social que segue o sistema da reunião de sócios pode estabelecer, com plena autonomia, que a reunião ou a assembléia são dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas (art. 1.072, § 3º, C.C.). Essa cláusula não afasta a instalação da reunião de sócios, mas é de ordem instrumental e pode evitar dispêndio de tempo até a convocação da referida reunião. Com efeito, sociedade limitada de matiz pessoal não tem razão de adotar o sistema da assembléia de sócios, mas deve obrigatoriamente adotar o sistema da reunião de sócios. Depois de escolhido o sistema da reunião de sócios, o contrato social ainda pode estabelecer que “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”. Desde que prevista expressamente essa cláusula, a reunião de sócios somente terá lugar se não for alcançada a referida manifestação, por escrito, de todos os sócios. Essa cláusula é jurídica e não tolhe direitos dos sócios, muito pelo contrário. Se não alcançado o consenso de todos os sócios, a reunião dos sócios será obrigatória, nos termos da lei e do contrato social: terá que ser validamente convocada. Ademais, se não for alcançada manifestação escrita de todos os sócios, a reunião de sócios poderá ser convocada por qualquer sócio. Desta forma, a cláusula que estabeleça que a reunião de sócios não será formalmente instituída se alcançado o consenso por escrito de todos os sócios deve ser considerada plenamente jurídica. Com efeito, para tanto, basta interpretar nessa direção o art. 1.073 do Código Civil, ao estabelecer que a reunião ou a assembléia podem também ser convocadas: a) por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; b) pelo conselho fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069. Portanto, se todos os sócios não decidirem (consensualmente ou não), por escrito, a reunião de sócios terá que, forçosamente, ocorrer. A interpretação da expressão “quando todos os sócios decidirem” significa: a) manifestação válida de vontade; b) todos podem decidir consensualmente sobre a matéria; c) não é necessário o consenso, mas que todos os sócios, por escrito, manifestem validamente seu voto, que será por escrito. Assim, a finalidade da lei é que todos os sócios manifestem seu voto, o que não significa dizer que o voto de todos deve ser na mesma direção, alcançando o consenso. Assim, cada sócio votará, e, se alcançadas as maiorias previstas em lei e no contrato social, a matéria objeto da votação será aprovada; se não alcançadas as maiorias previstas em lei e no contrato social, a matéria objeto da votação será rejeitada. Então, repita-se, a finalidade do legislador é evitar a instalação da reunião ou assembléia de sócios, qualquer que seja a direção do voto dos sócios. A finalidade do legislador não é evitar a instalação da reunião ou assembléia de sócios somente quando todos os sócios, por unanimidade, aprovem ou rejeitem uma matéria que seria objeto delas.

Quando o legislador diz “quando todos os sócios decidirem”, está dizendo “manifestação válida do direito de voto”, que deve ser exercido no interesse social: o direito de voto é prerrogativa do status jurídico de sócio, e sua manifestação orgânica entra na qualidade jurídica de manifestação da vontade social. Por conseguinte, o termo decidirem quer dizer votarem sobre determinada matéria, e o voto do sócio tem que buscar o interesse da sociedade. Desde que validamente efetivado esse voto – e a sua forma de validação é a forma escrita –, o voto é válido, vincula o sócio ao referido voto, produz efeitos diante da sociedade, e, ademais, presume-se que foi exarado no interesse social. O outro requisito da validade dessa manifestação é que todos os sócios decidam (votem) sobre determinada matéria. Então, para que o art. 1.072, § 3º, do Código Civil tenha efetividade é necessário: a) que todos os sócios decidam (votem); b) que o voto seja feito por escrito; c) não há necessidade de consenso e unanimidade para aprovação das matérias, salvo se o contrato estabelecer essa cláusula; d) se o contrato é silente, entram em ação as maiorias previstas por lei, tanto para aprovação, quanto para rejeição das matérias; e) o voto válido vincula o sócio, nos direitos e responsabilidades dele decorrentes.

Presentes os requisitos de “todos os sócios decidirem (votarem)” e que o voto seja por escrito, estarão dispensadas assembléia e reunião de sócios por falta de objeto. O art. 1.072, § 3º, do Código Civil é de extrema relevância prática, e por isso mesmo importantíssimo. Esse regramento permite, acertadamente, o funcionamento ágil da sociedade limitada, notadamente aquela de matiz pessoal. Porém, o Código Civil bem acertou ao estabelecer que também estará dispensada a assembléia de sócios. Ou seja, ainda nas sociedades limitadas com número superior a dez, a assembléia de sócios será dispensada se todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. Desta feita, de uma só vez, o Código Civil permite a dispensa da assembléia ou da reunião dos sócios, garantindo agilidade ao funcionamento da sociedade limitada, evitando gastos e perlengas necessárias para a convocação e instalação do órgão de deliberação (art. 1.152, C.C.). Assim, não há razão minimamente factível de se impor a realização de assembléia ou reunião de sócios quando todos os sócios decidirem, por escrito, a matéria que seria objeto delas. A decisão dos sócios deve ser arquivada na sociedade. Quando essa decisão envolver alteração do contrato social, deverá, obviamente, ser arquivada no Registro das Empresas, nos termos legais.

O art. 1.072, § 3º, do Código Civil de 2002 é parente próximo do art. 2.479 do Codice Civile, quando estabelece que “l’atto costitutivo può prevedere che le decisioni dei soci siano adottate mediante consultazione scritta o sulla base del consenso espresso per iscritto”. Todavia, o referido art. 2479, Codice civile, tem uma ressalva, ao estabelecer que “qualora nell’atto costitutivo non via sia la previsione di cui al terzo comma e comunque com riferimento alle materie indicate nei numeri 4) e 5) del secondo comma del presente articolo 2482 bis oppure quando lo richiedono uno o più amministratori o um numero di soci che rappresentano almeno um terzo del capitale sociale, le decisioni dei soci debbono essere adottate mediante deliberazione assembleare ai sensi dell’articolo 2479 bis”. Isso significa que, na sociedade limitada, o método assemblear é necessariamente requisitado somente para as decisões que se referem às modificações do ato constitutivo (contrato social), entre as quais a redução obrigatória do capital social pelas perdas, e por aquelas referentes à realização de operações que comportam uma substancial modificação do objeto social da sociedade, bem como das modificações dos direitos dos sócios: no que diz respeito às outras matérias, o contrato social pode estabelecer uma diversa técnica decisória, ou seja, que as decisões sejam adotadas mediante consulta escrita ou sobre a base do consenso manifestado por escrito, com a ressalva do direito reconhecido ao administrador e aos sócios que representam pelo menos um terço do capital social, de requererem que a decisão seja, ao contrário, adotada em sede de assembléia dos sócios. A decisão do sócio é a expressão do seu próprio voto. 1

Por conta disso, a legislação italiana faz diferenciação entre “decisão” e “deliberação”, com a finalidade de diferenciar as situações jurídicas em que cada uma delas ocorrer: a) decisão, objeto da consulta escrita ou por manifestação consensual por escrito; b) deliberação, objeto da assembléia dos sócios. Contudo, o Código Civil de 2002, obviamente, é o parente mais pobre em relação ao Codice Civile, e, por isso, é silente sobre essa diferenciação, estabelecendo, singelamente, que “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”. O Código Civil de 2002 é enfático ao “dispensar” a realização da assembléia ou reunião de sócios. Ademais, não disciplina quais matérias seriam “dispensadas” de votação em assembléia dos sócios. Pelo contrário, de uma só vez, derroga, por completo, a realização da assembléia ou reunião de sócios, sempre e quando “todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”. Portanto, tem-se que em qualquer matéria objeto de assembléia ou reunião dos sócios é possível a dispensa desse órgão social se todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. Desta feita, as matérias de deliberação são, entre outras, as seguintes: a aprovação das contas da administração; a designação dos administradores, quando feita em ato separado; destituição dos administradores; o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; modificação do contrato social; a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas; o pedido de recuperação judicial (art. 1.071, C.C.). Então, todas essas matérias podem, na letra da lei, ser objeto de decisão por escrito, dispensando a realização da assembléia ou reunião dos sócios, se todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. Até mesmo a assembléia obrigatória prevista pelo art. 1.078 do Código Civil poderia ser dispensada se todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto dela. Nos termos do referido art. 1.078 do Código Civil, tem-se que a assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à do término do exercício social, com o objetivo de tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico; designar administradores, quando for o caso; tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

Desta feita, a referida assembléia será dispensável se todos os sócios, por escrito, decidirem sobre a matéria que é objeto dela. Os votos de cada um dos sócios objeto da “consulta” serão arquivados na sociedade. Se a sociedade não realizar a assembléia obrigatória (art. 1.078, C.C.) ou se não for efetivada a consulta, por escrito, na qual todos os sócios se manifestem, qualquer sócio poderá convocar a referida assembléia. Nesse caso, terá aplicação o art. 1.073 do Código Civil, de tal sorte que a reunião ou a assembléia podem também ser convocadas: por sócio, quando os administradores retardarem a convocação, por mais de sessenta dias, nos casos previstos em lei ou no contrato, ou por titulares de mais de um quinto do capital, quando não atendido, no prazo de oito dias, pedido de convocação fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; pelo Conselho Fiscal, se houver, nos casos a que se refere o inciso V do art. 1.069 do Código Civil.

O sócio, individualmente, e qualquer que seja a sua participação social, pode convocar a reunião ou assembléia dos sócios, no caso da não-convocação regular, de competência dos administradores. Portanto, o sócio, individualmente, poder convocar a assembléia prevista pelo art. 1.078 do Código Civil, se não convocada pelo administrador; e tal sócio, poderá, ainda, convocar a referida assembléia se não for feita a consulta, por escrito, para manifestação escrita sobre a matéria que seria objeto dela.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale (a cura de C. ANGELICI e G. B. FERRI), cit., p. 314.

Assim, os administradores não têm escapatória: ou convocam a assembléia, ou qualquer sócio tem legitimidade para assim fazer, nos termos no art. 1.073 do Código Civil. Por isso, é perfeitamente jurídica a cláusula do contrato social que estabelece, seguindo os termos da lei, que “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas”. Essa cláusula não prejudica ou limita os direitos dos sócios porque, em qualquer caso, poderão requerer a realização da assembléia prevista pelo art. 1.078 do Código Civil. Em relação às matérias extraordinárias (art. 1.071, III e seguintes), não há, também, qualquer prejuízo ou limite ao exercício do direito de sócio porque as decisões serão feitas obrigatoriamente: a) em sede de assembléia ou reunião de sócio; b) ou por manifestação escrita de todos os sócios. Nas sociedades limitadas com poucos sócios é perfeitamente dispensável reunião dos sócios. Não há, salvo casos raros, necessidade para que dois sócios se reúnam para “deliberarem” sobre matérias societárias, quando um desses sócios é o titular da imensa maioria do capital social. Não raro, a imensa maioria das sociedades limitadas é de natureza pessoal e familiar, composta por dois sócios, quando um já é o que exerce efetivamente a administração. Por conseguinte, salvo hipóteses mais raras, não há razão para que esses dois sócios “deliberem” sobre questões societárias, já praticamente acertadas e resolvidas.

Basta que os referidos sócios, ou seja, no exemplo, os dois sócios manifestem sua decisão, por escrito, que a reunião de sócios será dispensada. Nesse passo o Código Civil teve que se curvar diante da realidade dos fatos, reconhecendo o matiz pessoal da maior parte das sociedades limitadas, o que demonstra que a disciplina da assembléia de sócios tem aplicação somente para a minoria das sociedades limitadas.

Ao contrário, a imensa maioria das sociedades limitadas pode facilmente dispensar o sistema de convocação, instalação e deliberação da assembléia ou reunião de sócios, bastando, para isso, que todos os sócios decidam, por escrito, sobre matéria que seria objeto delas. O art. 1.072, § 3º, do Código Civil, em termos interpretativos, é um corretivo ao exagero que é a disciplina da assembléia dos sócios. Com efeito, tal disciplina é um exagero diante da realidade prática do funcionamento das sociedades limitadas no país, como já se disse, na sua maior parte são sociedades com perfil familiar, pessoal e de affectio societatis. Por isso, o art. 1.072, § 3º, do Código Civil corrige a verdadeira distorção que é ter um regramento geral e único para todas as sociedades limitadas, bem sabendo que esse regramento adota o perfil orgânico das sociedades, tendo na sociedade limitada uma “pequena sociedade anônima”. Por óbvio que na prática as sociedades limitadas não são “pequenas sociedades anônimas”, contrariando a vontade do legislador. Nesse passo, a vontade do legislador deve ceder espaço para a realidade das coisas, e cumpre perquirir a vontade da lei, em consonância com o mundo empírico, o culturalismo jurídico e a fenomenologia. Diante desses três fundamentos – empirismo, culturalismo e fenomenologia –, tem-se que a disciplina “institucional”, “fechada” e de regramento “geral e único” dispensado às sociedades limitadas pelo Código Civil de 2002 merece correção interpretativa, para que assim a lei possa ser aplicada com justiça – fiat iustitia et pereat mundus. Sem partir para radicalismos interpretativos, é muito significativo que o próprio legislador estabeleça (art. 1.072, § 3º, C.C.), um instrumento que “dispensa” a figura da assembléia e da reunião dos sócios. Com isso, parece que a justiça está na busca da realidade das coisas, não olvidando os princípios societários. Já desde o Decreto 3.708/19 e com o passar dos anos que nas sociedades limitadas a forma decisória tem sido reunir os sócios e até informalmente firmarem as atas para registro. Do outro lado, conjecturar que sejam necessárias convocação (art. 1.152, C.C.), instalação e “deliberação” para a maior parte das sociedades limitadas do país é realmente desconhecer a realidade das coisas. Esse empirismo é fundamental, e a notícia geral é aquela que o sistema antigo funcionava muito bem, ficando ao critério das partes interessadas, no contrato social, elas estabelecerem sistema complementar, como a reunião de sócios, etc., seguindo, em parte, o modelo da lei acionária. O Brasil é um país de burocracias inócuas e carimbos infundáveis, que somente fazem aumentar os custos em geral, sem que isso represente segurança jurídica nas contratações e muito menos certeza jurídica. Assim sendo, o referido art. 1.072, § 3º, do Código Civil é o instrumento societário acertado para diminuir as burocracias irrelevantes, mantendo a tradição da natureza pessoal na administração de parte significativa das sociedades limitadas devidamente constituídas no país. Por sua vez, o sistema da convocação, instalação e deliberação assemblear dos sócios fica resguardado e direcionado somente às sociedades limitadas com vários sócios, e, principalmente, se uma parte significativa deles não se interesse por comparecer aos conclaves societários. Nessa hipótese, o sistema previsto pelo Código tem plena vigência, bem sabendo que são poucas as sociedades limitadas nessas condições, se vistas em relação com as demais. Com efeito, é imperioso ressaltar que a forma estabelecida pelo art. 1.072, § 3º, do Código Civil tem aplicação em toda e qualquer sociedade, independentemente do seu número de sócios. Assim, é totalmente equivocado entender que tal regra somente seria aplicável às sociedades limitadas se o seu número de sócios for inferior a dez. O instrumento previsto pelo art. 1.072, § 3º, do Código Civil tem, portanto, efetividade seja a sociedade constituída com dois, cinco, dez ou mais sócios. O que o art. 1.072, § 1º, do Código Civil estabelece é que a forma prevista pelo sistema da assembléia dos sócios terá lugar nas sociedades com número de sócios superior a dez, mas isso não impede que essa sociedade com mais de dois

sócios, nos termos do art. 1.072, § 3º, do Código Civil dispense a sua realização (da assembléia) quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas (assembléia ou reunião de sócios).

Por isso, a melhor doutrina está com o preclaro ARNOLDO WALD , ao entender admissível a decisão escrita de todos os sócios nos casos em que a sociedade conta com mais de dez sócios, desde que todos, por escrito, decidam sobre a matéria que seria objeto dela.1 Não há na manifestação escrita do voto de todos os sócios qualquer lesão ao direito de sócios, e deve ser repelida qualquer formulação que defina o contrário. Os sócios têm total autonomia e liberdade no exercício do voto, e sua forma escrita não tem total identificação com a vontade social, assim como nas deliberações cabíveis em sede de assembléia ou reunião de sócios. Com efeito, tanto nas sociedades com poucos sócios, quanto naquelas com mais de dez sócios, é perfeitamente válida e jurídica a manifestação escrita de todos os sócios sobre determinada matéria, ficando, portanto, dispensada a realização da assembléia ou reunião de sócios. O legislador é claro ao dizer “a reunião ou a assembléia tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas” e não faz qualquer referência ao fato de nessa assembléia ou sociedade participarem sócios em número inferior a dez. Por isso, deve ser afastada a posição em contrário, e sendo considerada lícita e jurídica toda e qualquer manifestação que entre nas condições previstas pelo art. 1.072, § 3º, do Código Civil, ou seja, manifestação de todos os sócios, e que essa manifestação seja feita por escrito. Assim, o exercício do direito de voto será válido, irrenunciável, e o instrumento jurídico com a assinatura dos sócios faz lei entre os sócios e a sociedade, nos termos legais.

325. Ainda sobre a representação do sócio na assembleia

Com efeito, o sócio pode ser representado na assembléia por outro sócio ou por advogado, mediante outorga de mandato com especificação dos atos autorizados, devendo o instrumento ser levado a registro, juntamente com a ata (art. 1.074, § 1º, C.C.). Com efeito, na assembléia ou na reunião dos sócios, o sócio poderá ser representando para fins de manifestação do seu voto. A procuração tem que ser específica sobre a matéria que envolve a ordem do dia. Não é permitida procuração “geral” para participar da assembléia ou reunião. O mandatário representará o mandante apenas naquilo e nos termos que a procuração autorizar. O sócio poderá ser representado: a) por outro sócio; b) por advogado. No caso de ser representado por outro sócio, terá aplicação o art. 1.074, § 2º, do Código Civil, ao passo que nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente. A representação deve ser conferida por escrito, deve ser arquivada na sociedade e levada a registro juntamente com a ata da assembléia ou reunião de sócios.

Existem, todavia, pessoas que, por óbvias razões, não são idôneas para o exercício da representação, entre elas: a) os administradores não sócios; b) empregados da sociedade. O administrador não sócio não pode votar em matérias que lhe dizem respeito, ademais, pode existir evidente conflito de interesse entre o administrador e a sociedade. Se não fosse isso, em outra hipótese, o administrador não sócio, ao representar sócio, aprovaria suas próprias contas. Situação esdrúxula que o Código Civil não permite que seja efetivada. Compete ao administrador não sócio convocar a assembléia nos termos da lei. Depois de devidamente instalada, compete aos sócios, pessoalmente ou por seus representantes, votarem as contas dos diretores não sócios.

Então, o administrador não está proibido de votar, por representação, qualquer medida societária prevista na ordem do dia da assembléia ou reunião dos sócios. Impraticável é esse voto, e nula será o voto nessas condições. Da mesma forma, nenhum empregado da sociedade poderá representar sócio na assembléia ou reunião dos sócios. Assim, nulo será seu voto perante a sociedade. O voto, enquanto manifestação da vontade dos sócios, pode ser, naturalmente, exercitado pela via da representação. O problema está, apenas, do ponto de vista geral, em determinar os requisitos fundamentais para que esse voto em representação seja exercido de maneira eficaz dentro do órgão deliberativo. Atualmente o pêndulo interpretativo, no Codice Civile, é aquele que vai na direção da proibição da representação: a) dos componentes dos órgãos de administração e de controle; b) dos empregados da sociedade (art. 2.372, 5º comma, Codice Civile). A razão dessa proibição reside, evidentemente, na exigência de evitar que os componentes dos órgãos administrativos e de controle, e outros sujeitos com vínculo de subordinação, participem de uma deliberação na qual seu objetivo é, realmente, aquele de aprovar a sua designação e avaliar seu desempenho na administração da sociedade.2 Então, não podem exercer a representação do sócio: a) administradores não sócios; b) conselheiros fiscais; c) empregados da sociedade.

1 Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro, Forense, vol. XIV, 2005, p. 491.

2 FERRI, Giuseppe. Manuale (a cura de C. ANGELICI e G. B. FERRI), cit., p. 324.

De outra forma, podem exercer a representação do sócio: a) sócios; b) advogado. No caso do advogado, esse não poderá ser diretor da sociedade. Com efeito, terá que ser constituído advogado externo ao vínculo societário de diretoria. O Código seguiu modelo restrito de representação ao excluir a possibilidade de qualquer estranho exercer a manifestação do direito de voto do sócio.

O instrumento de mandato, previsto no art. 1.074, § 1º, do Código Civil é aquele previsto pelos artigos 653 e seguintes do Código Civil, com o fator determinante que deve ser outorgado com cláusula específica ao exercício do direito de voto do sócio, em assembléia ou reunião de sócios, com local, hora e sede determinadas, e das matérias que constam da ordem do dia. Por isso, o poder deve ser conferido com a cláusula “especial” e não com as cláusulas “gerais et extra”. O representante poderá votar e intervir somente nos limites da procuração. Nas outras matérias que não constarem do instrumento da procuração não poderá exercer o direito de voto ou apresentar suas intervenções. Assim, estará impedido de votar nas matérias que o instrumento for silente. Nesse caso, entende-se que o silêncio na procuração tem, para efeitos de quorum, o mesmo fator que a ausência do sócio ao conclave. Considera-se, então, que não há representação, o que poderá até causar a impossibilidade da votação nas outras matérias. É obrigação daquele que preside os trabalhos na assembléia ou reunião de sócios exigir verificação de quorum nas votações. Se ausente o sócio ou não representando, poderá não ser alcançado determinado quorum para as respectivas votações. Assim, o quorum para votação será mensurado, também, se o representante for titular dos respectivos poderes de representação em todas as matérias que constam da ordem do dia.

A procuração para representação na assembléia ou reunião de sócios pode ser revogada a qualquer momento: a) basta que o sócio compareça ao conclave, exercendo seu direito de voto; b) que a procuração seja expressamente revogada, nos termos do art. 686 e seguintes do Código Civil; c) que seja conferida outra procuração em data posterior àquela primeira procuração. Portanto, tem-se que a representação somente pode ser conferida aos sócios ou advogado; que os poderes sejam expressos e específicos, envolvendo as matérias que o representante poderá votar, local, sede e horário; que os diretores não sócios estão impossibilitados de exercer a representação; que empregados da sociedade também não podem exercer a representação; não é aceita procuração “geral” para votar em assembléia ou reunião de sócios, sem que especifique os poderes especiais. Com isso, o legislador quer resguardar os interesses sociais daqueles que se interessam, por dever ou pela representação, aos negócios sócios, ou seja: a) aos sócios; b) ao profissional constituído para o exercício do direito de voto.

326. Do conflito de interesses

Nos termos do art. 1.074, § 2º, do Código Civil: nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente.

Com efeito, essa é a disciplina referente ao “conflito de interesses” na administração deliberativa da sociedade limitada. Na letra da lei, o sócio está impedido de votar em toda e qualquer deliberação que tenha interesse conflitante com o da sociedade.

Assim, ensina MODESTO CARVALHOSA , que “é o conflito de interesses, no entanto, que gera o impedimento. O direito não presume a existência de impedimento voluntário, que de forma alguma se confunde com a renúncia ao exercício de direito. Portanto, quando o art. 1.074 fala em impedimento quer-se referir ao proibitivo de intervir em negócios em que tenha posição conflitante com a sociedade. Funda-se, com efeito, a figura do impedimento no princípio da moralidade dos negócios, no caso, entre a sociedade e o sócio, que não pode, assim, integrar a vontade daquela quando tem interesse pessoal na transação”.1

Desta feita, o exercício do direito de voto é uma manifestação orgânica da sociedade, que tem no sócio o instrumento dessa própria manifestação: entra em conflito de interesses aquele sócio que manifesta um voto no qual lhe diga respeito diretamente (interesse pessoal), conflitando com o interesse social. Portanto, é claro que a manifestação do direito de voto tem que ser realizada no interesse social da sociedade e não na busca da satisfação de um interesse pessoal. Por conseguinte, o voto é a manifestação do sócio como órgão de deliberação e votação da sociedade, ou seja, é a sociedade que está manifestando sua própria vontade, porém na figura jurídica dos seus próprios sócios. Não se pode tolerar que a sociedade manifestaria uma vontade que lhe é contrária ao seu próprio interesse; não se pode tolerar que a sociedade manifestaria uma vontade que interessa apenas individualmente aos seus sócios, o qual estaria usando a sociedade para enriquecimento e empobrecendo a sociedade. Essas são modalidades que bem explicam o conflito de interesses. Assim, o conflito de interesses se forma na pretensa manifestação de um voto que contrasta com o interesse da sociedade: a pretensa manifestação desse voto busca interesse pessoal dos sócios, contrariando a figura jurídica orgânica que é a assembléia ou reunião de sócios, que detêm o poder de manifestar a vontade social da sociedade. A assembléia ou reunião de sócios representam o palco da manifestação da vontade da sociedade, e não o palco da manifestação de interesse pessoal do sócio. Com efeito, o sócio que atua em conflito de interesses está se locupletando sobre a sociedade; está

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 220.

lesando seu patrimônio; tal sócio acaba praticando ato deplorável diante da sociedade; prejudica os credores; é uma conduta contrária à moral; é um ato repugnante por lesar a boa-fé na administração, a moralidade, a probidade e os deveres administrativos; o ato em conflito de interesses é contrário à ratio jurídica em termos societários; o conflito de interesses é traição contra a sociedade. Portanto, o sócio está impedido de votar nas deliberações em que tenha interesse conflitante com o da sociedade. Já asseverava ANTONIO BRUNETTI que ao sócio é proibido o exercício do voto quando estiver em conflito de interesses com a sociedade, ao passo que o art. 2.373 do Codice Civile, pela primeira vez, regulou a matéria segundo o princípio de que o direito de voto deve ser exercitado exclusivamente no interesse social da sociedade, e que o voto proferido em sentido diverso é ineficaz em relação à sociedade – de tal sorte que o sócio, nessa situação de conflito de interesse, tem que agir segundo o seguinte dever: não tomar parte na deliberação.1 O sócio não pode participar das deliberações sociais quando tiver interesse conflitante com o interesse da sociedade. Esse interesse pode ser pessoal do sócio, ou por via reflexa, por conta de um terceiro: em todos os casos, o sócio não pode votar na deliberação em que tem conflito de interesses com a sociedade. Se, descontrariando a lei, o sócio participar da deliberação e votar, essa deliberação poderá ser anulada, desde que a aprovação da matéria tenha ocorrido graças ao seu voto. Esse sócio que votou em conflito de interesses deverá, então, ser acionado: responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto (art. 1.010, § 3º, C.C.). A legitimidade para a propositura dessa ação de responsabilidade será: a) da sociedade, prévia deliberação da assembléia ou reunião dos sócios; b) de sócios que representem, pelo menos, cinco por cento do capital social. Contudo, as quotas do sócio que não pode exercer o direito de voto são computadas para o fim da regular instalação e constituição da assembléia ou reunião de sócios.

Não é jurídica qualquer propositura de “negociação social” sobre conflito de interesse: assim, o sócio está impedido de votar quando estiver em situação jurídica ou econômica de interesse conflitante com o da sociedade; o sócio não poderá votar, ainda que revele previamente seu interesse pessoal e essa situação seja “aceita” (negociação impraticável em sede societária) pelos demais sócios; se o sócio não informar os demais sócios da sua situação de conflito de interesses pessoal com o interesse social, e ainda assim votar, essa deliberação não será válida, se provocar dano contra a sociedade. Toda assertiva em contrário não deve ser seguida: basta, em sede de direito comparado, seguir os artigos 2.373 e 2.377 do Codice Civile para interpretar, com acerto, a figura do conflito de interesses prevista pelo Código Civil de 2002. Mais esdrúxulo, ainda, é ter na hipótese de majoração da remuneração dos administradores, como se fosse uma das figuras de conflito de interesses, sancionável pelo art. 1.074, § 2º, do Código Civil. Ora, se os sócios não podem fixar e majorar suas remunerações, quem teria essa competência? Certamente não seria o bispo! Então, não entra na figura do conflito de interesses, sancionável pelo art. 1.074, § 2º, do Código Civil, a hipótese de majoração da remuneração dos administradores.

A melhor doutrina está com o preclaro MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar que “não se considera benefício particular que configure conflito de interesses, inibidor do voto do sócio, a determinação do montante da sua remuneração, quando tiver sido eleito para cargo na administração da sociedade. Nesse caso é perfeitamente lícito que os sócios administradores indicados votem suas próprias remunerações. Não há interesses conflitantes, já que a função de administrador, necessariamente remunerada, é exercida em benefício da sociedade”.2

Portanto, deve ser afastada toda e qualquer opinião, por ser absolutamente infundada, na qual a majoração dos vencimentos remuneratórios dos administradores caracterizaria conflito de interesses. O mestre, acima referido, disse com acerto que a atividade de administrador (sócio ou não) é exercida em benefício da sociedade, afastando qualquer conflito de interesses. Assim, por óbvio que esse exercício em benefício da sociedade será remunerado e, poderá, ainda, ser majorado pela votação em assembléia ou reunião dos sócios, nas quais todos os sócios podem exercer, livremente, seu direito de voto.

Por conseguinte, a matéria do conflito de interesse deve ser resolvida da seguinte forma: a) o sócio está impedido de votar nos casos que tenha conflito de interesses; b) se votar, a deliberação poderá ser anulada, se houve dano contra a sociedade; c) se votar, a deliberação também poderá ser anulada, se há possibilidade de a deliberação provocar dano contra a sociedade; d) o sócio que votou em conflito de interesses deverá ser acionado judicialmente, porque responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto; e) se o sócio em conflito de interesses votou, mas seu voto não foi suficiente para a aprovação da matéria ou não causou dano contra a sociedade, a deliberação não será anulável, e tal sócio não responderá por perdas e danos; f) contudo, esse sócio poderá ser excluído da sociedade, por quebra da affectio societatis, descumprimento de seus deveres sociais ou por expressa previsão contratual nos termos da lei.

1 Trattato, cit., vol. III, pp. 178/179.

2 Comentários, cit., vol. 13, pp. 182/183.

Nos termos da doutrina clássica a redação do art. 2.373 do Codice Civile “si limita invece a disporre che la deliberazione (o la decisione) assunta con il voto (o con la partecipazione) determinante del socio che ha, per conto proprio o di terzi, un interesse in conflitto con quello della società è invalida qualora possa recare danno alla società”.1 Assim, a deliberação será anulável quando possa ocasionar dano contra a sociedade: desta feita, o fato de a deliberação (em conflito de interesse) ter a possibilidade da causar dano contra a sociedade já acarretará sua anulação. O impedimento de intervir na administração e nos negócios sociais, quando por fundamento no conflito de interesses, abarca uma grande variedade de hipóteses: além de não participar da deliberação, o sócio não poderá, ademais, sugerir ou de qualquer forma influenciar a deliberação da assembléia dos sócios. Esse impedimento, sobretudo, se manifesta quando da aprovação das contas da administração, quando o sócio for administrador, por ocasião da assembléia prevista pelo art. 1.078 do Código Civil. Esse é um caso de impedimento de aprovação das contas da sua própria gestão, e o art. 1.074 proíbe a utilização, pelo sócio, de procurações outorgadas a outros sócios não administradores ou para advogado, para alcançar a aprovação das contas. Em consequência, não pode o sócio ao mesmo tempo administrar e pessoalmente ou por meio de representantes aprovar as suas próprias contas, em que participa como administrador. Essas deliberações serão nulas, porém a ineficácia de seus votos, contudo, não é nula. Ainda conforme MODESTO CARVALHOSA somente serão nulas as decisões quando os votos dos sócio impedidos forem indispensáveis para alcançar a maioria necessária à aprovação anual dos documentos referentes à administração de que participa ou participou na sociedade.2

Andou bem o Código Civil de 2002 ao estipular, nos termos do art. 1.010, § 3º, que: “Responde por perdas e danos o sócio que, tendo em alguma operação interesse contrário ao da sociedade, participar da deliberação que a aprove graças a seu voto”, e art. 1.074, § 2º, que: “Nenhum sócio, por si ou na condição de mandatário, pode votar matéria que lhe diga respeito diretamente”, disciplina essa que, se bem aplicada pela Jurisprudência, vai coibir a prática lesiva ao interesse social da sociedade.

Com efeito, nos termos do art. 2.373 do Codice Civile, “la deliberazione approvata con il voto determinante do soci che abbiano, per conto proprio o di terzi, un interesse in conflito com quello della società è impugnabile a norma dell’articolo 2377 qualora possa recarle danno”. Assim, as deliberações que não são realizadas em conformidade com a lei ou do contrato social podem ser impugnadas pelos sócios e pela sociedade, e “as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram” (art. 1.080, C.C.). O sócio que votou em conflito de interesses responderá pessoalmente pelos danos causados contra a sociedade, e a assembléia será anulável quando desse conflito de interesses possa ocasionar dano contra a sociedade. Contudo, os direitos do terceiro de boa-fé são preservados diante dos atos praticados com base em deliberação aprovada em conflito de interesses. Somente a prova da ma-fé arrastará esse terceiro aos efeitos da anulação da deliberação. Do contrário, terá seus direitos resguardados, pelo inabalável princípio jurídico da proteção ao terceiro de boa-fé. Os diretores não sócios que cumprirem e executarem a deliberação aprovada em conflito de interesses também respondem solidária e ilimitadamente perante a sociedade e terceiros. Em matéria de oposição das assembléias, já prelecionava o mestre CARVALHO DE MENDONÇA, ao dizer que sobre os administradores “eles são solidariamente responsáveis a terceiros pela violação da lei e dos estatutos. Executar o ato ou a deliberação manifestamente ilegal ou contrária visivelmente aos estatutos é ser cúmplice, é assumir a responsabilidade. Nesse conflito que surge entre os administradores e a assembléia geral, ou aqueles resignam o cargo, ou esta os destitui”.3

Se o administrador tem conhecimento de que a matéria foi aprovada em conflito de interesses , estará contrariando a lei e o contrato social: nesse passo, assume a responsabilidade pelo seu ato, manifestamente contrário ao interesse social da sociedade. Nos termos da lei, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente pelos prejuízos que causar quando proceder: a) dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; b) com violação da lei ou do estatuto (art. 158, Lei 6.404/76). Portanto, haverá cumplicidade entre o sócio que vota em conflito de interesses e o administrador que executa o referido ato em conflito com o interesse da sociedade: a única forma de não ser pessoalmente responsável é não cumprir o ato e comunicá-lo aos órgãos sociais. Se isso não bastar, competirá ao administrador renunciar ao cargo, apresentando sua justa causa à sociedade, e, desta feita, evita qualquer responsabilidade, inclusive perdas e danos, ou até cláusula penal, se prevista pelo contrato social. O conflito de interesses é algo que decorre da própria figura do contrato plurilateral: o contrato social, constituindo a sociedade, institui uma série de relações jurídicas entre os sócios e a sociedade; a sociedade e os terceiros; entre os sócios e eles mesmos; entre grupos de sócios e a sociedade; entre os sócios e os órgãos de fiscalização, etc.

1 FERRI, Giuseppe. Manuale (a cura de C. ANGELICI e G. B. FERRI), cit. p. 321.

2 Comentários, cit., vol. 13, p. 221.

3 Tratado, cit., vol. IV, n. 1.164, p. 38.

Com efeito, o conflito de interesses surgirá, exatamente, naquela parte do vínculo contratual que une o sócio e a sociedade: esse vínculo, que assume a condição para o exercício do direito de voto, é um dos mais complexos de todo o sistema jurídico societário. Assim, ao mesmo tempo que o sócio é titular de direitos, deveres e atribuições, no desempenho dessas suas funções o sócio exercerá um direito essencial da sua qualidade jurídica, ou seja, o exercício do direito de voto. Quando o sócio vota, para a sociedade aquele voto tem que ser a manifestação do interesse social: a sociedade não pode supor que um sócio votaria contra o próprio interesse dela, sociedade, porque o voto deve ser sempre exercido no interesse da sociedade. Desta feita, entra na qualidade de verdadeira traição o sócio que vota contrariamente ao interesse social, buscando interesse pessoal conflitante com aquele interesse da sociedade. No exercício desse direito de voto, o sócio tem deveres fiduciários em relação à sociedade: deve agir e votar com lealdade, diligência, boa-fé, probidade e moralidade. O sócio está, portanto, impedido de exercer o seu direito de voto quando conflitante com o interesse da sociedade: por isso, tal sócio não pode participar da deliberação; não pode influenciar os demais sócios sobre a referida votação; não pode influenciar os administradores, etc. Todas essas suas condutas são contrárias ao interesse da sociedade. Nos termos da Lei 6.404/76 (art. 115), tem-se que o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável. O acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. Essa disciplina sobre o abuso de direito de voto e o conflito de interesses é bastante acertada, e deve ser seguida, no que for cabível, para a interpretação do conflito de interesses nas sociedades limitadas, notadamente naqueles que expressamente estabelecem a regência supletiva pela Lei 6.404/76. Naquele vínculo do contrato social que une sócio e a sociedade, e que se manifesta no voto, é que poderá ser encontrado o exercício de voto abusivo ou em conflito de interesses. Sempre conforme CARVALHO DE MENDONÇA, as sociedades comerciais entram, também, nas relações com seus próprios sócios, surgindo muitas vezes conflitos entre elas e os seus membros, como nas hipóteses nas quais o sócio é credor da sociedade; compra bens sociais; vende à sociedade bens próprios, etc.1 Em todos esses casos o conflito de interesses é visível, e o sócio está impedido de votar: se votar, em conflito de interesses, a deliberação poderá ser anulada; ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé; o sócio que votou em conflito de interesses responde pelas perdas e danos; o administrador que deu cumprimento ao ato é cúmplice, e, por isso, responde pessoalmente perante a sociedade e terceiros. O sócio que votou em conflito de interesses pode ser excluído da sociedade, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, nos termos do art. 1.030 do Código Civil.

A deliberação é a formação da vontade de “um” sujeito de direitos (sociedade) e, então, a deliberação constitui a vontade de uma parte, sendo, por isso, um ato unilateral: essa vontade decorre, porém, das manifestações de vontade de outras pessoas, mas estas se fundem naquela que vale como manifestação única da parte.2 Por conseguinte, na categoria de manifestação unilateral do interesse social, não é possível aceitar que essa manifestação seja eivada de conflito entre o sócio (no exercício do direito de voto) e a sociedade (titular do interesse social). Assim, a manifestação para entrar na categoria jurídica de válida deve ser feita buscando o interesse social da sociedade, e não o interesse pessoal dos sócios. A repercussão desse sistema é, visivelmente, a defesa da integridade patrimonial da sociedade, diante de condutas lesivas praticadas pelos sócios traidores. Desta feita, como ato unilateral, a forma metodológica aceita é a maioria, porém presume-se, de maneira absoluta, que, afastado o interesse pessoal, todos os sócios exerçam seu direito de voto única e exclusivamente no interesse da sociedade, cumprindo, fielmente, seus deveres legais e contratuais. Assim, o ato será válido, jurídico e inatacável, produzindo os regulares efeitos perante a sociedade e terceiros. O regramento previsto pelo Código Civil, bem como pela Lei 6.404/76, é suficiente para a aplicação justa e correta do sistema que impede o voto em conflito de interesses, fazendo, então, preponderar o interesse da sociedade e a defesa da sua integridade patrimonial, o que também interessa aos credores da sociedade. Portanto, nos termos da lei, o interesse social, em seu significado patrimonial, pode ser preservado com eficiência, evitando que a sociedade padeça diante da atuação lesiva de seus sócios: a sociedade, devidamente constituída, tem direitos, e os sócios têm deveres perante a entidade jurídica, e os sócios devem administrar a sociedade com lealdade, diligência, probidade e moralidade. Portanto, a disciplina do conflito de interesses é, também, uma disciplina de ordem moral e ética, que envolve a moralidade na administração das sociedades empresárias. Sendo assim, o nível ético e moral de uma coletividade pode ser medido, em termos econômicos e societários, pelo nível de conflitos de interesses dentro das

1 Tratado, cit., vol. III, n. 606, p. 85.

2 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado, cit., pp. 370/371.

sociedades. Somente o desenvolvimento ético de uma determinada coletividade pode reduzir e coibir as práticas lesivas, manifestadas em conflito de interesses. Contra aqueles que se enriquecem contra o empobrecimento das sociedades, cumpre a correta e justa aplicação da lei, evitando a prática de votação e condutas lesivas ao interesse da sociedade. Assim, o interesse da sociedade deve, sempre, preponderar na dogmática societária, como um interesse próprio e fundamental ao mundo econômico para o seu próprio desenvolvimento. A sociedade é contrato, na medida de contrato de finalidade lucrativa: assim, nessa esteira, os sócios devem exercer o voto na busca do interesse social, como interesse preponderante e de manifesta relevância institucional da própria entidade jurídica, ou seja, da sociedade.

327. Da presidência da assembléia e alguns de seus requisitos formais

A lei estabelece (art. 1.075, C.C.) que a assembléia será presidida e secretariada por sócios escolhidos entre os presentes. Dos trabalhos e deliberações será lavrada, no livro de atas da assembléia, ata assinada pelos membros da mesa e por sócios participantes da reunião, quantos bastem à validade das deliberações, mas sem prejuízo dos que queiram assiná-la. Por conseguinte, a cópia da ata autenticada pelos administradores ou pela mesa será, nos vinte dias subsequentes à reunião, apresentada ao Registro Público de empresas mercantis para arquivamento e averbação. Ao sócio que a solicitar será entregue cópia autenticada da ata. Todo e qualquer sócio pode ser eleito para integrar a mesa que organizará os trabalhos em sede de assembléia ou reunião de sócios. Deverão, por conseguinte, ser eleitos um presidente e um secretário. Competirá ao presidente dar andamento aos trabalhos da assembléia, seguindo, fielmente, a ordem do dia. Assim, em cada uma das matérias dará abertura ao processo de deliberação e votação, verificando o quorum durante as votações. Cabe ao secretário redigir a ata dos trabalhos, anotando os votos de cada sócio, o quorum em cada votação. Dessa ata, devidamente assinada pelo presidente, pelo secretário e demais sócios, qualquer outro sócio poderá requisitar cópia. A ata original deverá ser arquivada na sociedade, e sua cópia autenticada será levada ao arquivo do Registro das Empresas. O quorum para eleição da mesa diretora dos trabalhos é o previsto pelo art. 1.076, III, do Código Civil: pela maioria de votos dos presentes. Com efeito, o instrumento da ata é fundamental para os direitos dos sócios, presentes ou ausentes. Por isso, a ata deve reproduzir, fielmente, os fatos e debates que tiveram lugar no conclave, bem como as matérias votadas, e seu quorum, inclusive com a identificação de cada sócio votante para fins de formação desse quoram necessário para aprovação ou rejeição das matérias. Se a ata é redigida de maneira tal que “altere” a realidade dos fatos, seu subscritor (secretário e presidente) poderá ser responsabilizado criminalmente pela referida conduta, na condição de falsificação de documento particular. Ademais, a ata é documento particular que em hipótese alguma prejudica terceiros. Assim, sua finalidade é informativa aos sócios, presentes e ausentes. Todos os termos da ata podem ser, portanto, discutidos judicialmente, seja na sua parte formal, quanto na sua parte material. O arquivamento da ata no Registro das Empresas é medida administrativa que não confere “validade material” aos termos que constam da própria ata. Assim, o arquivamento do ato é um mero ato declaratório de direitos particulares da sociedade e do sócio, passíveis de impugnação judicial. Os termos da ata podem servir de prova em favor daqueles que a subscrevem, mas sempre constituem prova contra esses que a subscreveram, se provada a ma-fé ou prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Por conseguinte, a ata deve ser redigida de maneira resumida, constando as matérias debatidas e votadas, bem como o quorum de votação e os sócios que votaram, aprovando ou rejeitando a matéria que constava da ordem do dia.

328. Das deliberações sociais e do exercício do direito de voto

O Código Civil inaugurou sistema acertado sobre o quorum necessário para aprovação das matérias sociais. Assim, fez distinção entre alguns temas dos outros, notadamente daqueles que entram na classe de ordinária administração, e os outros, nos temas de extraordinária administração. Essa medida, prevista pelo Código, é bastante acertada e perfeitamente aplicável quando silentes os contratos sociais. Não raro se tem notícia de contrato social vago, sem especificar o quorum das votações, ou seja, contratos “comprados nas papelarias”, o que demonstra, cabalmente, o matiz precário na constituição de muitas sociedades limitadas. Contra esse sistema de insegurança jurídica, o Código Civil instituiu sistema bastante razoável para aprovação das matérias, conforme a natureza jurídica de cada uma delas. Com efeito, nos termos do Código Civil, o principio majoritário foi reforçado, e, bem sabendo da natureza contratual das sociedades, o referido Código autoriza, claramente, que a sociedade pode adotar quorum mais elevado nas matérias que julgar necessárias, desde que previstas, expressamente, no contrato social quando da sua constituição.

Assim, vigora, amplamente, o sistema da autonomia contratual, devendo apenas ser observado o quorum mínimo necessário fixado pelo Código, nas matérias específicas. Desta feita, o princípio majoritário vigora com plenitude e foi, ademais, reforçado, entregando ao contrato social a possibilidade, inclusive, de instituir a unanimidade para aprovação de determinadas matérias.

Se o sócio não comparece, pode ser causa de dissolução da sociedade, por impossibilidade de alcançar o fim social. A assembléia e a reunião dos sócios é órgão social obrigatório, e sua não-realização, nos termos legais, poderá acarretar a irregularidade da sociedade. Como sociedade irregular, seus sócios têm responsabilidade solidária e ilimitada. Por essa razão, inclusive, qualquer sócio poderá requerer a dissolução judicial da sociedade que não realizar, nos termos da lei, assembléia ou reunião de sócios, votando as matérias lá previstas. Com efeito, é obrigatória a assembléia ou reunião de sócios prevista no art. 1.078 do Código Civil, salvo quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas. A deliberação assemblear poderá ser impugnada por vários motivos: a) convocação; b) voto nulo; c) deliberação contrária à lei e ao contrato social; d) deliberação nula por impossibilidade e pela ilicitude de seu objeto. A impossibilidade do objeto pode ser física e jurídica. Será física quando a assembléia deliberar pela construção de uma hidroelétrica no meio do deserto do Saara. A impossibilidade será jurídica quando deliberar a aquisição de imóvel inexistente ou um terreno de domínio público, ou, ainda, quando deliberar pela construção de uma obra de enorme risco e custos, que a sociedade não estivesse em condições normais de realizar, diante de seu patrimônio. A legitimidade para apresentar impugnação contra as deliberações assembleares ilícitas, nulas e impossíveis compete aos sócios; administradores. Há grande distinção entre deliberação inexistente e nula. Uma deliberação realizada por pessoas que não constituem órgão da sociedade é uma deliberação absolutamente nula. A deliberação inexistente é aquela que tem apenas uma aparência de efetividade jurídica, produzindo uma impressão superficial de sua juridicidade, mas, por outro lado, é privada desse significado, devendo ser considerada inexistente. Em relação aos sócios, a anulação da assembléia ou da deliberação produz efeitos ex nunc; porém, são resguardados os direitos dos terceiros de boa-fé. Em termos dos fundamentos jurídicos das votações em assembléia dos sócios, devem ser excluídos do cômputo os votos “em branco” e os votos nulos. A melhor doutrina explica: “Assim, excluem-se do “quorum” deliberativo não só os votos em branco propriamente ditos como também os votos nulos.”1

Com efeito, os votos “em branco” e nulos devem ser excluídos do cômputo geral da votação porque o interesse social da sociedade não pode ser alcançado com esses dois tipos de voto. Assim, os votos “em branco” e nulos são contrários ao interesse da sociedade. O exercício do direito de voto deve ser manifestado na busca do interesse social. Por conseguinte, o voto “em branco” e nulo é a antítese desse sistema, e estabelece contradição insuperável entre o conceito do direito de voto e sua efetivação. O contrato de sociedade é um contrato de finalidade: a manifestação do sócio é a forma jurídica de alcançar essa finalidade, que é denominada de interesse social. Portanto, impraticável supor que fosse aceitável o voto “em branco” e nulo como forma de manifestação de interesse social da sociedade.

Ademais, o contumaz voto “em branco” e nulo, impedindo o andamento dos negócios sociais, caracteriza descumprimento dos deveres de sócios, e pode acarretar a exclusão desse sócio, que pratica essa conduta contrária ao interesse social da sociedade. Seria, assim, verdadeiro abuso de direito praticado pelo sócio, sancionável com sua exclusão da sociedade, por descumprimento da finalidade do contrato societário. O sócio que é titular do direito de voto deve exercer essa sua prerrogativa jurídica, votando, buscando o interesse da sociedade. Se vota “em branco”, nulo ou não comparece às deliberações (sem enviar mandatários com poderes especiais), essa conduta, desde que contumaz, é contrária ao interesse da sociedade, e pode ser sancionada com a exclusão desses sócios. Se essa prática contumaz é colocada a efeito por sócio ou sócios com participação majoritária sobre o capital votante, impedindo a realização das deliberações sociais, impedindo a aprovação das contas sociais e impedindo toda e qualquer outra forma de administração da sociedade, qualquer sócio poderá requerer a dissolução judicial dessa sociedade com fundamento no art. 1.034, II, do Código Civil.

Portanto, a prática reiterada do voto “em branco”, nulo ou o não-comparecimento às deliberações sociais, fato esse perpetrado pela maioria, acarretará a dissolução judicial da sociedade, por verificada a inexequibilidade do seu fim social. Se essa conduta abusiva é praticada por minoritários, poderão ser excluídos, judicialmente, da sociedade, por descumprimento de seus deveres sociais. Notadamente o fundamento dessa exclusão judicial será “por falta grave no cumprimento de suas obrigações”, nos termos do art. 1.030 do Código Civil. O desinteresse pela sociedade, o abuso no voto “em branco”, nulo e o não-comparecimento às deliberações sociais acarreta conduta antissocial do sócio, sancionável pela sua exclusão da sociedade.

1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 239.

329. Do empate nas deliberações sociais

Pode ocorrer que o resultado final da votação seja o empate. O art. 486 do Código Comercial diz que “nas parcerias ou sociedades de navios, o parecer da maioria no valor dos interesses prevalece contra o da minoria nos mesmos interesses, ainda que esta seja representada pelo maior número de sócios e aquela por um só. Os votos computam-se na proporção dos quinhões; o menor quinhão será contado por um voto; no caso de empate decidirá a sorte, se os sócios não preferirem cometer a decisão a um terceiro”. Esta regra era invocada pelo art. 331 do referido Código Comercial.

Na Lei 6.404/76 (art. 129, § 2º), tem-se que “no caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembléia será convocada, com intervalo mínimo de dois meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir no interesse da companhia”. Essa questão de enviar ao Judiciário o poder de decidir a perlenga deliberativa é coisa esdrúxula: no mais das vezes, as deliberações sociais são de interesse privado da sociedade e dos sócios, e os sócios devem exercitar o voto no interesse da sociedade. Cometer a um terceiro, ou seja, ao Poder Judiciário o poder decisional no “interesse social” é medida que deve ser vista com muita ressalva.

Ademais, o art. 1.010, § 2º, do Código Civil estabelece que, no caso de empate, prevalece a decisão sufragada por maior número de sócios, e, se este persistir, decidirá o juiz. Esse sistema não funciona nas sociedades limitadas com apenas dois sócios, ou sempre que também houver empate no número de sócios. De outra parte, pode haver desvirtuamentos se for computado o número de sócios: ou seja, esse é um critério pouco confiável para determinar a vontade social. Outro fator é que o art. 1.076 do Código Civil não faz referência ao art. 1.010, § 2º, do Código, que seria, então, aplicável somente na sociedades simples. O art. 1.072, caput, do Código Civil faz referência somente ao art. 1.010, caput, do Código, ao passo que “as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”. Assim, somente essa parte do art. 1.010 do Código é aplicada às sociedades limitadas e não necessariamente o art. 1.010, § 2º, do Código.

A interpretação correta está com o MODESTO CARVALHOSA , ao afirmar que “portanto, havendo empate na votação, não há deliberação a respeito, o que importa recusa da sua aprovação, por não atender ao regime requerido por este art. 1.076”.1 Desta feita, acontecendo o empate na deliberação, ter-se-á que houve recusa na sua aprovação: contudo, se o empate é persistente e insuperável, a consequência será a possível dissolução total da sociedade. Por conseguinte, se o empate impede: a) aprovação das contas; b) a designação dos administradores, essa sociedade poderá ser dissolvida judicialmente. No primeiro caso, por irregularidade na sua constituição: a não-aprovação das contas tem efeito de rejeição às contas, e, portanto, a sociedade poderá ser considerada uma sociedade irregular, para todos os efeitos. Um desses efeitos é a responsabilidade solidária e ilimitada de todos os seus sócios perante terceiros: para evitar a participação em uma sociedade irregular, o sócio pode requerer sua dissolução judicial com fundamento no art. 1.034, I, do Código Civil. Se o empate impede a designação dos administradores, a sociedade entrará em dissolução judicial, com fundamento no art. 1.034, II, do Código Civil, por ser verificada a inexequibilidade do fim social. A sociedade não pode existir nem mesmo um segundo sem o órgão de administração e representação orgânica: sem a designação dos administradores essa sociedade não consta com o instrumento jurídico necessário para assumir direito e obrigações perante terceiros. Dessa forma, impossibilitada estará de cumprir o seu fim social, sendo verificada sua inexequibilidade. Qualquer sócio poderá requerer a dissolução judicial nos casos de insuperável e contumaz empate nas deliberações sociais, quando esse insuperável empate acarretar a paralisação do órgão de representação social e quando não permitir a aprovação das contas sociais. Com efeito, afirma o preclaro ANTONIO BRUNETTI que se a impossibilidade na formação da maioria incidir sobre a busca do fim social ter-se-á, então, hipótese de impossibilidade de execução do objeto social, ou seja, fenômeno que pode acarretar a dissolução da sociedade.2 Com efeito, havendo empate, considera-se que não houve aprovação da medida. Porém, quando esse empate é insuperável e envolve questão correlacionada ao dever de administração e representação orgânica, bem como da aprovação das contas sociais, essa paralisação da atividade social poderá ensejar a dissolução da sociedade. Compete, então, aos sócios convocarem deliberação para aprovar ou não a dissolução. Se ainda assim persistir o empate, caracteriza-se a insuperável paralisação do órgão social deliberativo, impedindo a administração social, e qualquer sócio poderá requerer a dissolução judicial da sociedade nos termos do art. 1.034 do Código Civil.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 243.

2 Trattato, cit., vol. III, p. 179.

330. Direito de recesso do sócio

O Código Civil (art. 1.077) garante o direito de recesso ao sócio quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031 do Código Civil.

Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. O contrato social pode estabelecer que o valor da liquidação será aquele do efetivo valor de mercado. Do contrário, o sócio pode experimentar prejuízos enormes, e se terá grande disputa judicial para a fixação desse valor efetivo. A expressão mudança no contrato social engloba as seguintes situações jurídicas: entrada ou saída de sócios, conforme previsto pelo contrato social; alteração da denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; alteração na participação de cada sócio nos lucros; criação de quotas preferenciais ou aumento de classe de quotas preferenciais já existentes, sem guardar proporção com as demais classes de quotas preferenciais, salvo se já previstas ou autorizadas pelo contrato social, alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de quotas preferenciais ou a criação de nova classe mais favorecida. Nos termos da lei e do contrato social é perfeitamente lícita e jurídica a criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas. Se autorizadas pelo contrato social, ter-se-á, então, aplicação supletiva da lei acionária, no que for cabível em seu art. 137.

O direito de recesso decorre da quebra do vínculo que une o sócio e a sociedade: uma das partes do contrato plurilateral é quebrada, o que acarreta o direito de o sócio retirar-se da sociedade, recebendo seus haveres, nos termos da lei e do contrato social. O recesso advém, portanto, de uma deliberação dissidente dentro da sociedade: contudo, essa dissidência tem que ser de grande monta, de tal sorte que proporcionará ao sócio retirar-se da sociedade. Tem-se uma situação jurídica e econômica do direito de recesso na lei acionária (art. 137) e outra, bem diferente, para as sociedades limitadas que não são regidas, supletivamente, por esse texto normativo. Infinitas são as sociedades limitadas de matiz pessoal, familiar e de affectio societatis. Nessas sociedades limitadas de matiz pessoal, muitas vezes, a dissidência que acarreta o direito de recesso poderá, na verdade, acarretar a dissolução da sociedade. A simples saída do sócio já provoca um grande impacto econômico e patrimonial sobre a sociedade, a qual deverá pagar ao sócio seus haveres sociais. Esse fato pode, muitas vezes, inviabilizar a continuação da sociedade. Então, os sócios devem ter ciência de que a dissidência manifestada em deliberação assemblear está, nos casos previstos pela lei, albergada pelo recesso – mas essa pode ser uma medida inócua que pouco ou nada servirá para a sociedade, que acabará ficando descapitalizada com a saída do sócio dissidente. Portanto, em termos administrativos, a aprovação das modificações contratuais de grande monta somente será oportuna se a sociedade estiver bem capitalizada ou quando for objeto de incorporação ou fusão, hipóteses nas quais os protocolos de aquisição e fusão patrimonial estarão bem acertados, e os custos do direito de recesso já terão sido calculados pela sua própria viabilidade negocial. O direito de recesso é um direito individual do sócio: desde que se configure a dissonância, decorrente da aprovação de matéria societária que enseja o recesso, competirá ao sócio exercer ou não esse direito, dentro do prazo legal, e sob as condições jurídicas acertadas pelo contrato social e previstas pela lei. O recesso, com efeito, é uma consequência lógica que deriva do princípio majoritário como método de decisão societária. Evidentemente que sempre existará aquele sócio que poderá votar em contrário, e, nos casos previstos em lei, esse voto terá o respaldo do recesso. Na verdade, o direito de recesso funciona, muitas vezes, como limite ao poder majoritário. Assim, para que ocorra modificação de grande monta no contrato social seria necessário o concurso de todos os sócios, mas, por razões pragmáticas (princípio majoritário), tem-se que a deliberação deve encontrar um resultado administrativo eficiente. Nessa direção, o recesso funciona como limite ao poder majoritário, que somente “pagará” por aquela decisão contrária se evidentes e manifestos forem os ganhos para a própria sociedade e para aqueles que permanecem na sociedade. A finalidade do direito de recesso é meramente patrimonial: pagar os haveres do sócio na sociedade. Competirá ao grupo majoritário, em sentido administrativo e econômico, ter a precisa noção se a aprovação da matéria que enseja recesso será, efetivamente, de interesse social. Com efeito, na prática dos negócios, o direito de recesso é visto como “custo operacional de fusões e aquisições”, já bem calculados pelas sociedades. Contudo, nas sociedades limitadas de natureza familiar, somente em casos mais raros o recesso terá incidência prática: é mais aconselhável aprovar a dissolução parcial da sociedade e a consequente apuração dos haveres, notadamente nas sociedades limitadas com vínculos de affectio societatis, na hipótese de “modificação do contrato social”, prevista pelo art. 1.077 do Código Civil. Nas demais, ou seja, fusão, incorporação e cisão, evidente que o recesso é direito fundamental e irrenunciável.

Em termos gerais, o recesso terá lugar quando o sócio dissentir: da alteração do objeto social; do tipo de sociedade; da fusão; cisão e incorporação; revogação do estado de liquidação; transferência da sede da sociedade; modificação de grande monta no contrato social; aumento do capital; modificação dos critérios da distribuição dos lucros; demais causas previstas no contrato social; e nos termos aventados supra, inclusive quando dos comentários sobre a estrutura contratual de sociedade simples.

331. Da responsabilidade pela aprovação das contas sociais

Nos termos da lei (art. 1.078, § 3º, C.C.), tem-se que a aprovação, sem reserva, do balanço patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro, dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os membros da administração e, se houver, os do conselho fiscal.

Contudo, se houve distribuição ilícita ou fictícia de dividendos, aqueles que receberam esses dividendos causaram grave prejuízo contra a sociedade e terceiros: não se pode olvidar que é dever do sócio fiscalizar as contas sociais, e não somente “aprovar sem reservas o balanço patrimonial e o resultado econômico”, desde que sem erro, dolo ou simulação. Por certo que é óbvio o fato de que o erro, dolo ou simulação acarretam responsabilidade pessoal contra os administradores da sociedade. Porém, é dever do sócio, que exerce ou não administração social, fiscalizar e verificar se as contas estão corretas. O Código Civil tem na administração interna e na representação orgânica da sociedade instâncias organizacionais nas quais a característica da profissionalidade é elemento funcional ao próprio exercício do direito de voto.

Desta feita, é obvio que um sócio desidioso, que não cumpriu sua função fiscalizatória e aprovou “sem reservas” as contas sociais, poderá ser responsabilizado pelos desfalques ocorridos tanto na administração quanto, e, principalmente, pela aceitação na distribuição de dividendos fictícios ou ilícitos. Portanto, o sócio que aprovou as contas sociais somente não será responsabilizado se comprovar que empregou todos os meios regulares e normais de fiscalização, mais ainda assim, cumprindo o dever de diligência, não conseguiu descobrir os desfalques financeiros na sociedade. Do contrário, não provando que cumpriu com diligência seus deveres profissionais que o status jurídico de sócio acarreta, poderá sim ser responsabilizado pela conduta lesiva aos interesses dos credores e da sociedade, devendo restituir aos cofres da sociedade o numerário que embolsou, indevidamente, na condição de distribuição de lucros, os quais depois se mostraram, cabalmente, como lucros fictícios ou ilícitos. Qual sócio aprovaria contas sem ter a mais completa noção possível sobre a quantas andam os negócios sociais? A quantas andam as entradas e saídas em numerário da sociedade? A quantas andam os recolhimentos tributários? Por óbvio, que se o sócio aprova as contas “sem reservas”, sem verificar o andamento dos negócios sociais, está assumindo o risco de ser considerado cúmplice dos administradores gatunos, que distribuem lucros fictícios ou ilícitos: sendo assim considerado cúmplice pela sua omissão no cumprimento do dever de diligência, o sócio poderá ser parte na ação de responsabilização movida pela sociedade, devendo restituir aos cofres da sociedade os valores indevidamente recebidos. Também terá legitimidade para a propositura dessa ação o sócio que seja titular de no mínimo um quinto do capital social da sociedade. Os credores podem requerer a responsabilização dos sócios na falência (art. 82 da Lei 11.101 de 2005). Portanto, ampla é a responsabilidade dos sócios decorrente da aprovação das contas: o processo de aprovação das contas sociais é a parte derradeira de um momento antecessor, ou seja, aquele de fiscalização dos negócios sociais. É dever do sócio fiscalizar os negócios sociais: se assim não cumpre esse dever, pagará pela cumplicidade com os demais administradores, quando dos desfalques financeiros decorrentes da distribuição de lucros indevidos, fictícios ou ilícitos, com perda do capital social. Neste passo, tem plena aplicação na sociedade limitada tudo aquilo que já se disse supra, em sede de responsabilização contra sócios pela distribuição de dividendos fictícios, indevidos e ilícitos, nas sociedades simples. Ademais, essas deliberações de aprovação de contas que depois se mostram irregulares terão a consequência prevista pelo art. 1.080 do Código Civil: as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. Infringe a lei – art. 1.011 do Código Civil – o sócio que não cumprir o dever de diligência na administração (fiscalização) dos negócios sociais: essa administração é interna (deliberações assembleares e reunião dos sócios) e externa (representação orgânica da sociedade perante terceiros). Portanto, será uma deliberação infringente do contrato e da lei aquela que aprovar “sem reservas” contas que depois se mostraram, cabalmente, falsas, simuladas e lesivas ao interesse social e dos credores. A consequência, então, será que os sócios que aprovaram essas contas por elas respondem solidária e ilimitadamente perante a sociedade e credores.

332. Do aumento e da redução do capital social

Nos termos do art. 1.081 do Código Civil: ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado com a correspondente modificação do contrato. Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das quotas de que sejam titulares. À cessão do direito de preferência aplica-se o disposto no caput do art. 1.057 do Código Civil. Por conseguinte, na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá reunião ou assembléia dos sócios para que seja aprovada a modificação do contrato. Aspecto decisivo na constituição das sociedades é aquele referente ao seu capital social, como já se viu supra, quando dos comentários da sociedade simples. Como efeito, qualquer coisa que pode ser objeto de obrigação pode servir como contribuição para a formação do capital social. Basta que a coisa, bem, etc., seja apreciável em dinheiro; suscetível de avaliação; sirva de instrumento de lucro. Pode ser, então, em dinheiro; coisas ou bens móveis, imóveis, corpóreos, incorpóreos, clientela; segredo industrial; direito de crédito contra terceiro ou contra a própria sociedade, se o sócio é admitido, neste caso, após a constituição da sociedade; patentes; ativo de uma sociedade dissolvida; concessões administrativas, etc.1 O conferimento não pode ser efetuado em coisas fictícias: o que não tem qualquer valor é a promessa de conferir uma quimera, impossível de constituir quota ou ação. Nesse caso o conferimento poderia até caracterizar a má-fé do sócios ou sua incapacidade. Nesse caso sua manifestação seria nula, e, se essencial para o cumprimento do objetivo comum, o contrato seria, em tese, nulo de pleno direito. Se, por seu turno, for indução a erro, cabe a medida do ressarcimento das perdas e danos em favor dos demais sócios que foram induzidos ao erro.

Conforme clássica definição “o capital social é o fundo originário e essencial da sociedade, fixado pela vontade dos sócios; é o monte constituído para a base das operações. Os sócios podem, modificando ou alterando a cláusula contratual que o determina, aumentá-lo ou diminuí-lo livremente, desde que não ofendam direitos de terceiros”.2

Com efeito, o capital social não é uma fictio juris, muito pelo contrário. O capital social tem caráter informativo sobre a “força” econômica da sociedade, que se materializa no capital investido no negócio. Assim, a primeira função do capital social é determinar o montante dos bens conferidos pelos sócios à sociedade, quando da sua constituição. A segunda função do capital social, não menos importante, é informativa aos credores da força econômica daquela sociedade, notadamente quando a sociedade busca crédito. Desta forma, o capital social poderá sofrer oscilações naturais no desenrolar da atividade empresarial da sociedade, o que obviamente não se confunde com as oscilações patrimoniais da sociedade, inclusive a sua insolvência. Quando as perdas sobre o capital são muito significativas, é necessário que a sociedade realize a sua respectiva redução, para não incutir nos terceiros a informação equivocada que aquela sociedade ainda mantém sua força econômica anterior. Do outro lado, quando a atividade empresarial exigir, ou por vontade dos sócios, pode ser feito novo aporte de capital, efetivando o aumento do capital, mostrando que aquela sociedade tem força econômica significativa, de tal sorte que seus sócios (atuais ou novos) entraram com novos bens e contingentes, aumentando a força econômica da sociedade. O capital social não tem relação direta com o patrimônio da sociedade, mas é forma para mensurar a situação econômica da sociedade. A lei diz, com efeito, que na sociedade limitada a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social (art. 1.052, C.C.). A regra é extremamente correta e firma questão que até esse ponto a sociedade ainda está em formação, e que o status jurídico de sócio ainda não é pleno, e será pleno somente no momento em que todo o capital social for devidamente integralizado. Com a integralização do capital social, a sociedade se constitui como elemento juridicamente capaz em administrar e organizar a empresa comum na busca do objetivo social. Ademais, nas limitadas, e nos termos do art. 1.055, § 1º, a lei diz: Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade. Acertada a nova regra, busca-se evitar a fraude sobre a avaliação dos bens conferidos com capital social. O aumento de capital é medida facultativa, o que ensejará o direito de recesso do sócio dissidente. A medida de aumento do capital deverá ser aprovada, em assembléia ou reunião dos sócios, por sócios que representem, pelo menos, três quartos do capital social (art. 1.076, I, C.C.). O aumento do capital social pode ser realizado com a emissão de novas quotas (obrigatório quando da entrada de novos sócios) ou por aumento do valor escritural das quotas já integralizadas. Em todos os casos, deve haver efetivo e certo aumento do capital, e não simples ato declaratório de aumento do capital, sem o respectivo

1 MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit., vol. III, n. 544, pp. 33/34.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit., vol. III, n. 536, p. 29.

lastro econômico e capitalístico. Essa medida seria extremamente lesiva ao interesse dos credores, acrescida dos efeitos penais. No caso de decisão de aumento de capital social mediante novas contribuições, cabe aos sócios o direito de subscrição na proporção das suas atuais participações: se o aumento de capital social for realizado por novos sócios, qualquer sócio dissidente poderá exercer o direito de recesso (artigos 2.473 e 2.481, bis, Codice Civile). O direito de preferência, nos termos do art. 1.081, §§ 1º – 3º, do Código Civil, é um direito essencial do sócio quando do aumento de capital. O contrato social não pode revogar esse direito: seria nula a cláusula que revogasse o direito de preferência dos sócios. O direito de preferência no aumento de capital, previsto pela sociedade limitada, é semelhante, no que for cabível, ao sistema previsto pelo art. 171 da Lei 6.404/76. Assim, o referido art. 171 da lei acionária é aplicável, no que for cabível, às sociedades limitadas que elegeram contratualmente a Lei 6.404/76 como regência supletiva. A sociedade poderá efetuar o aumento de capital com as reservas acumuladas: esse aumento será feito com a alteração do valor nominal da quota; ou com o aumento do número de quotas. Essas reservas são as facultativas e contratuais, e não aquelas para contingências ou obrigatórias. Nada mais jurídico que a sociedade aumente seu capital com as reservas facultativas, advindas dos lucros sociais: na verdade, essa é a finalidade do contrato societário, como contrato de finalidade e de instituição. Quanto mais capitalizada, mais robusta será a economia dessa sociedade, e menos riscos correrá na sua atividade social. Por conseguinte, jurídico, lícito e justo será o aumento de capital realizado com as reservas facultativas. Como afirma MODESTO CARVALHOSA , o exercício do direito de preferência é oneroso, facultativo, renunciável e cedível: a cada aumento de capital social surge o direito de preferência, direito que somente poderá ser exercido ou não em cada caso, ou seja, posteriormente à deliberação da assembléia ou reunião de sócios que aprovou o referido aumento de capital. Desta forma, não tem validade jurídica a renúncia antecipada desse direito. Será anulável a deliberação que não observar o direito de preferência do sócio, acrescida de ação de responsabilidade pessoal contra os sócios e administradores, por descumprimento de expresso dever legal. Essa ação pode ser proposta por qualquer sócio, independentemente da sua participação no capital da sociedade.1

São necessárias duas assembléias ou reuniões dos sócios: a) a primeira, aprovando o aumento de capital; b) a segunda, homologando a primeira deliberação, após o término do prazo para exercício do direito de preferência. Nas duas assembléias ou reunião dos sócios terão que ser alcançados os três quartos, pelo menos, do capital social para aprovação e homologação do aumento de capital. O direito de recesso do sócio dissidente deverá ser exercido, nos termos do art. 1.077 do Código Civil, somente após o arquivamento da deliberação que homologou a modificação do contrato social em decorrência do aumento de capital. Portanto, o direito de recesso deve ser exercido após a segunda assembléia ou reunião dos sócios, e exercido nos termos dos artigos 1.031 e 1.077 do Código Civil. A outra hipótese é aquela da redução do capital social: pode a sociedade reduzir o capital, mediante a correspondente modificação do contrato: depois de integralizado, se houver perdas irreparáveis; se excessivo em relação ao objeto da sociedade. No caso das “perdas irreparáveis”, a redução do capital será realizada com a diminuição proporcional do valor nominal das quotas, tornando-se efetiva a partir da averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata da assembléia que a tenha aprovado. No caso de o capital ser considerado “excessivo em relação ao objeto da sociedade”, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas. Em todo e qualquer caso de redução do capital social: no prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado. A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo antecedente, não for impugnada ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivo valor (art. 1.084, C.C.). O Código Civil presume, nos termos legais, que a publicação da ata da assembléia que aprovar a redução do capital social seja de conhecimento de todos os interessados: decorrência clássica dos documentos arquivados no Registro das Empresas, acrescida da publicação em jornais. Porém, como o capital social é matéria de ordem pública (conferimento de bens que devem informar aos credores a situação econômica – e não patrimonial da sociedade) entende-se que todos os credores quirografários deveriam ser informados, por carta com aviso de recebimento, da aprovação da medida societária de redução do capital social. Assim, poderiam eles apresentar a impugnação que de direito lhe parecer aplicável ao caso ou requerer a falência da sociedade.

Deve se ter bem posicionado que o capital social não é uma mera questão “formal”, ou ficção jurídica, muito pelo contrário. Assim, “o fim da lei é evitar a aguagem do capital, por outra, capital fictício, capital que não representa real e efetivamente dinheiro ou outros bens”.2

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 288.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit., vol. III, n. 1.031, p. 397.

O exímio ANTONIO BRUNETTI já afirmava que a lei não tolera que a relação entre o capital social e o patrimônio da sociedade seja alterado de tal forma que o primeiro seja reduzido a uma mera expressão numérica, permanecendo inalterado nos balanços, com prejuízo aos credores, contra os quais desaparece a garantia pelas dívidas. A diferença entre o valor inicialmente atribuído à atividade social e aquele posterior que se manifesta no desenrolar da atividade empresarial constitui perda de capital: o balanço deve tender a manter constante a correlação entre capital social e patrimônio. Basta, assim, aprovar a redução nominal do valor das quotas sociais.1 O capital social não é uma avaliação de ilusória aparência. O que ocorre é que, na realidade negocial do país, o capital social fica relegado ao segundo plano das sociedades, mas são essas próprias sociedades que buscam crédito. Ora, que antítese: não têm capital social elevado, mas alcançam ou buscam alcançar crédito. Depois, nas falências, nas execuções, quantas correrias processuais descabidas e perlengas de toda ordem, para os credores receberem míseras migalhas das sobras patrimoniais. O acertado seria que a sociedade alcançasse crédito na medida do seu capital social, ao menos como se esse funcionasse como instrumento de informação do capital “econômico” da sociedade. Essa medida seria importante para os credores quirografários, notadamente. Não é por outra razão que são os credores quirografários aqueles que podem impugnar a deliberação de redução do capital social: com suas dívidas já vencidas, compete aos referidos credores requererem a falência da sociedade e impedirem que tal sociedade lhes prejudique ainda mais, bem sabendo que a responsabilidade dos sócios se mede nos limites do capital efetivamente integralizado. Por sua vez, na falência, serão apuradas as responsabilidades dos sócios sobre o desastre econômico (art. 82 da Lei 11.101/05), de tal medida que os bens pessoais do sócios podem ser declarados, de ofício, indisponíveis. Assim, diante da culpa presumida, seus bens ficam indisponíveis até que o processo ordinário comprove ou não que esses sócios concorreram para a desgraça econômica da sociedade. Se provada a culpa, dolo ou a responsabilidade societária, o patrimônio pessoal dos sócios, que estava indisponível, será finalmente arrecadado na falência, e o valor apurado na realização do ativo vai para o pagamento dos credores. O art. 2.445 do Codice Civile estabelece que a deliberação que aprovou a redução do capital social pode ser cumprida, em termos societários, somente depois de noventa dias da sua respectiva inscrição (arquivamento) no Registro das Empresas, se essa deliberação não foi, dentro dos noventa dias, objeto de nenhuma impugnação da parte dos credores sociais. Esse prazo foi seguido pelo Código Civil (art. 1.084, § 1º), ao estabelecer que no prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata de assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado. Com efeito, a referência ao título “líquido” visa informar, necessariamente, aqueles credores que já estão em condições de requerer a falência da sociedade, e podem, assim, impugnar a deliberação que aprovou a redução do capital social, em evidente prejuízo aos referidos credores. Portanto, a abrupta redução do capital, por perdas irreparáveis ou por ser excessivo ao seu objeto, pode representar medida societária caracterizadora do estado jurídico falimentar, quando o capital social significará, somente, expressão numérica, sem correlação com o ínfimo patr imônio social. Neste caso, o credor por dívida líquida e certa poderá requerer a falência da sociedade, e a redução do capital serve como elemento comprobatório da sua própria impossibilidade de recebimento pela via da execução individual. Por conseguinte, deve ser instaurada a execução coletiva para o exercício de todos os direitos creditórios diante do devedor comum, impedindo a manobra societária e a lesão contra os atuais credores. Seguindo a lição de CARVALHO DE MENDONÇA, na redução do capital social há ordinariamente graves abusos. Não é possível admitir ou justificar a redução do capital com ofensa dos dois princípios fundamentais: a igualdade entre os sócios e os direitos adquiridos de terceiros. A redução do capital não isentaria os acionistas de preencher as suas ações emitidas anteriormente, no caso da falência da sociedade. A sociedade pode reduzir o capital, porém, não tem direito de espoliar terceiros, dissipando um dos mais valiosos elementos do seu patrimônio, qual a “dívida” dos acionistas pelo valor integral da ação subscrita ou adquirida. Dessa forma, os credores anteriores, qualquer que seja a forma pela qual se opera a redução do capital social, podem impugnar a deliberação de redução, desde que esta, direta ou indiretamente, enfraqueça ou possa enfraquecer as garantias que contavam. O ativo atual e futuro da sociedade (na primeira linha desse ativo está o capital social) serve de garantia a terceiros: integrado, não pode ser diminuído, restituindo-se aos acionistas, desde que existam credores não pagos; não integrado, não pode ser perdoado, havendo credores. Se fosse lícito aos acionistas ou à sociedade aprovarem a redução do capital social para fugir das respectivas obrigações, a redução assumiria o caráter fraudulento. Tanto os credores, como liquidatários, e no caso da falência da sociedade, podem e têm o direito de exigir dos acionistas o complemento das entradas prometidas para a formação do capital originário e comunicado ao público, sem se atender à sua redução anterior.2 Todas essas magistrais palavras são válidas, também, e nos termos de hoje, para a redução de capital nas sociedades limitadas, com regência supletiva pelas regras das sociedades simples ou pela lei acionária. A legislação

1 Trattato, cit., vol. II, p. 541.

2 Tratado, cit., vol. III, n. 1044, pp. 397 e 406/407.

alemã já determinava que, no caso de impugnação, a redução do capital social somente poderia se efetivar se a sociedade ofertasse novas garantias aos credores impugnantes. A prática negocial, infelizmente, não se atenta à importância que é o capital social. Contudo, em termos jurídicos, o capital social é a força econômica da sociedade; está na perspectiva primeira da noção jurídica e econômica do ativo social; e, por conseguinte, alcança interesses sociais, de terceiros e dos credores. Qualquer redução desse ativo fundamental somente se perfaz se não contar com a oposição dos credores. Feita oposição, a sociedade não poderá realizar a redução do capital, salvo se prestar outras garantias. Ora, se a situação é de redução do capital, dificilmente a sociedade terá condições de ofertar outras garantias aos credores. Diante dessa situação, a medida acertada aos credores é o requerimento de falência, se o título é líquido, certo e exigível no momento da aprovação da redução do capital social. Os credores conferem crédito na medida da garantia que lhe é oferecida. A primeira garantia é o próprio capital social, já devidamente integralizado. Sua redução, portanto, não pode ser efetivada se esses credores impugnarem a pretensão da sociedade. Sob o império do Decreto 3.708/19, o preclaro CUNHA PEIXOTO admitia a possibilidade da redução do capital social, mas, diante da questão de manter intacto o capital social da sociedade durante a vigência da sociedade, afirmava que “desta maneira, nada impede que, por deliberação da maioria dos sócios, o capital da sociedade seja reduzido, mas esta modificação não afeta os credores anteriores a esse fato, isto é, para eles é como se não tivesse havido a alteração. Eles continuam a ter, para garantia de suas dívidas, o capital primitivo”.1 Essa posição doutrinária é justíssima diante dos interesses dos credores, principalmente no caso de abuso e fraude, praticado pela redução do capital social. Contudo, nos termos do Código Civil de 2002, os credores devem apresentar a impugnação no prazo de noventa dias, contado na forma prevista pelo art. 1.084, § 1º, do referido Código. Se assim não o fizerem, a redução do capital social será considerada válida e jurídica perante todos os credores. A simples oposição impede a redução do capital, por ser questão de ordem pública (capital informado ao público em geral, quando da constituição da sociedade). Assim, ainda que a sociedade oferte novas garantias, os credores podem dissentir sobre essas garantias, e, desta feita, será impraticável o arquivamento da redução do capital. A sociedade poderá reduzir o capital social, quando ocorrer impugnação, somente se pagar, efetivamente, aos credores anteriores que tenham suas dívidas vencidas. Os credores com vencimento futuro que impugnaram a redução não são obrigados a aceitar as novas garantias, e, por conseguinte, a redução não terá lugar, e a deliberação não poderá ser arquivada. Os credores com dívidas vencidas, já referidos, podem requerer a falência da sociedade. Aos credores nas dívidas com vencimento futuro, compete apresentar a impugnação e impedir a redução do capital social, sua primeira garantia quando do vencimento da obrigação. Por sua vez, se não houve impugnação da parte dos credores quirografários e se foram satisfeitas as demais condições legais, proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução para que produza os seus regulares efeitos.

333. Da resolução da sociedade em relação ao sócio minoritário

Segundo o art. 1.085 do Código Civil, ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Com efeito, a referência ao art. 1.030 do Código Civil significa que ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Aprovada a exclusão dos sócios, em sede de assembléia ou reunião dos sócios, terá aplicação a seguinte regra: Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. Contudo, a retirada, exclusão ou morte do sócio não o exime ou a seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação (artigos 1.031 e 1.032, C.C.). Ademais e contudo, a situação de exclusão assemblear por justa causa de sócio tem vários aspectos que devem ser levados em consideração: i) a conduta do sócio pode ter sido de tal sorte lesiva aos interesses sociais que acarretou perda sobre o capital social, e, nesse caso, a sociedade tem direito de reter os haveres, para compensação nos prejuízos devidamente

1 A sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cit., vol. I, p. 168.

apurados – desta feita existe direito de reter haveres, por parte da sociedade, e a quota será liquidada com desconto sobre os referidos valores; ii) a conduta, que acarretou a justa causa, pode ter sido de tal sorte lesiva aos interesses da sociedade que terá lugar ação por perdas e danos movida pela sociedade contra o sócio excluído; iii) se os atos de “inegável gravidade” não produzirem efeitos lesivos ao patrimônio social (em sentido amplo), a quota deverá ser liquidada nos termos previstos pelos artigos 1.031 e 1.032 do Código Civil. Fator importante é que o contrato social deve estabelecer, expressamente, a regra da exclusão assemblear por justa causa: se não existir essa cláusula, a exclusão somente poderá ser feita pela via judicial. Será justa causa para exclusão de sócio a quebra da affectio societatis: é fundamental que o contrato social estabeleça, expressamente, a possibilidade da exclusão assemblear dos sócios. Se o contrato social for silente sobre essa matéria, entender-se-á que os sócios renunciaram ao direito de excluir, societariamente, os sócios, restando, portanto, somente a via judicial para colocar a efeito a referida exclusão. O contrato social é lei entre as partes, e o silêncio nessa matéria tem os mesmos efeitos da renúncia: ficará, por certo, aberta a via judicial para a exclusão do sócio faltoso. Com efeito, a deliberação social que aprova a exclusão é ato declaratório, unilateral e orgânico da sociedade: não são os “sócios” que excluem outros sócios, mas é a sociedade, na defesa do seu interesse social, que verificando a conduta antissocial de algum de seus sócios delibera, organicamente, excluindo o sócio faltoso. Nesse passo, tem aplicação aquilo que já se disse sobre exclusão judicial de sócio, supra, em matéria de sociedade simples. As principais causas de exclusão estão: por grave descumprimento das obrigações legais e contratuais; interdição; condenações penais; incapacidade superveniente; quebra da affectio societatis; conduta antissocial nas deliberações, como na hipótese de contumaz voto nulo; ausência dos sócios administradores às deliberações sociais (assembléia ou reunião); demais hipóteses previstas pelo contrato social. O contrato social pode estabelecer a prerrogativa para que os sócios, em maioria absoluta, aprovem a exclusão de sócio na defesa do interesse. Todavia, essa cláusula será nula se tiver o objetivo de criar causas de exclusão que não entram na categoria “do não-cumprimento dos deveres sociais ou incapacidade superveniente”, e essa cláusula padecente de nulidade teria, única e exclusivamente, a finalidade de estabelecer sistema de ditadura em favor da maioria do capital contra sócio minoritário, com a ameaça da exclusão da sociedade por questões de “interesse social”. As hipóteses de exclusão seriam as seguintes: a) lesão ao patrimônio social; b) descumprimento dos deveres sociais e corrupção; c) falência do sócio em outra sociedade; d) liquidação da quota pelo credor particular; e) abrir concorrência contra a sociedade, entre outras que o contrato, expressamente, estabelecer. Dentre aqueles de natureza subjetiva, está: a) quebra do vínculo de affectio societatis; b) falta de lealdade diante dos demais sócios. A exclusão é medida extrema que se insurge contra a condição de sócio. A exclusão sempre deverá ser fundamentada e justificada. Será nula, de pleno direito, a deliberação que aprove exclusão de sócio quando não se verifiquem as condições previstas em lei ou pelo contrato, ou quando a matéria não constar da ordem do dia. Da mesma forma, será nula a deliberação de exclusão que não fizer constar, na respectiva ata, o motivo da exclusão. É direito fundamental do sócio permanecer na sociedade: o contrato social somente pode ser resolvido por consenso entre os sócios ou com fundamento em causas específicas. O direito do sócio de permanecer na sociedade somente pode ser revogado pelas causas expressas que ensejam a exclusão. Essas causas podem ser motivadas pelo inadimplemento de obrigação (artigos 1.004, 1.005 e 1.006) ou pela liquidação da quota pelo credor particular (art. 1.026), pela falência (1.030), por falta grave (descumprimento dos deveres de sócio, art. 1.011, entre outros), e incapacidade superveniente (art. 1.030). O contrato social pode estabelecer outras causas de dissolução, no interesse dos sócios, desde que essas causas não sejam contrárias à ordem pública. Por falta grave se entende uma conduta certa em prejudicar os interesses e efeitos da sociedade: portanto, não é qualquer situação que entra na categoria de “falta grave” ou “ato de inegável gravidade”. Se a conduta foi faltosa, mas não foi grave, não ensejará a exclusão: quando a conduta acarretou pouca importância sobre os interesses sociais, não há que se falar em exclusão de sócio. As “faltas” e os “equívocos” ocorrem, mas de pouca relevância não acarretam a exclusão. O que a lei quer dizer por “inegável gravidade” é conduta omissiva ou comissiva praticada pelo sócio suficiente em lesar o patrimônio social ou a prática de atos manifestamente contrários ao interesse social da sociedade. Por conseguinte, é uma conduta antissocial. Os requisitos da exclusão se manifestam como condutas lesivas ao patrimônio da sociedade e contrárias ao interesse social. A desídia comporta exclusão da sociedade: é uma conduta antissocial. Os sócios devem unir esforços em comum: se algum deles se envereda pela desídia, deve ser excluído da sociedade com fundamento no descumprimento de seus deveres, entre eles o de realizar esforços comuns pela sociedade. A desídia é o contrário do dever de colaboração entre os sócios. Os sócios conferem bens ou serviços para o exercício em comum de uma atividade econômica. O exercício dessa atividade é, evidentemente, em comum, na perspectiva de que o contrato de sociedade é um contrato de colaboração e finalidades. A partilha dos resultados tem como substrato a atividade comum desempenhada pelos sócios na consecução do fim social. O sócio que falta ao dever de colaboração ao exercício em comum dessa atividade deve ser excluído da sociedade. A falta pode ser pela omissão ou por atos diretos em prejudicar a formação do vínculo de colaboração e, ainda, em fomentar intrigas entre os sócios com o fim de prejudicar a administração.

Também deve ser excluído o sócio que vota sempre contra o interesse social, bem sabendo que seu voto tem como finalidade apenas contrariar e conturbar o bom andamento dos negócios sociais. Nestes casos, evidentemente que o voto contrário que se está falando é aquele que vota, com manifesto propósito lesivo, contra as contas da sociedade.

Em todos os casos, a “inegável gravidade” ou o “descumprimento dos deveres de sócio” devem ser comprovados judicialmente, se contestados pelo sócio excluído. É nula a cláusula contratual que estabelece juízo arbitral para essas questões: a única via é a jurisdicional, e não tem efeito cláusula de juízo arbitral com a finalidade de apurar “inegável gravidade” para fins de exclusão de sócio. Esse é o regramento do art. 1.030 do Código Civil: ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. O contrato social pode estabelecer, como se disse, situações que ensejam a exclusão do sócio, porém essas condições não podem ser arbitrárias ou conferirem poderes absolutos em favor da maioria: essas regras também devem ser consideradas sem efeitos contra os sócios minoritários.

Por bem da verdade, deve-se ter muita cautela em relação ao art. 1.085 do Código Civil, quando estabelece: ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluílos da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. Essa defesa não é meramente em sede societária: o sócio pode se insurgir, judicialmente, contra a deliberação que aprovou sua exclusão. Não tem efeito a cláusula que estabelece juízo arbitral para apurar essa justa causa de exclusão. A matéria é de ordem pública, e, ainda que possa entrar subjetivamente nas questões de arbitragem, envolve a possível lesão de direito, bem como de responsabilidades civis e penais.

O risco sobre a “continuidade da empresa” envolve atos administrativos de gestão temerária, fraudulenta ou lesiva ao patrimônio social. Entram nessa esfera conflitos societários suficientes em colocar em risco a continuidade da sociedade, porém em hipótese alguma o poder conferido pelo art. 1.085 do Código Civil poderia se manifestar como abuso ou excessiva arbitrariedade contra os minoritários, que têm o direito de permanecer na sociedade. O direito de permanecer na sociedade entra na qualidade de fundamental: o sócio que integra a sociedade faz parte do contrato plurilateral e tem direitos e deveres específicos. Sua participação social – no exercício comum de uma atividade econômica – é manifestação jurídica da própria livre iniciativa, que nenhum grupo de controle majoritário pode, ao arrepio da lei, desconsiderar. Com efeito, a exclusão não acarreta a dissolução total da sociedade nem mesmo quando da sociedade participem dois sócios: neste caso, o sócio in bonis pode se valer da regra do art. 1.033, IV, do Código Civil. Assim terá cento e oitenta dias para restabelecer a pluralidade de sócios. O sócio pode ser excluído ainda quando a sociedade está em processo de liquidação de seus ativos, ou seja, após a dissolução. A sociedade somente desaparece após a sua extinção. Enquanto isso, a sociedade existe juridicamente, ainda que após a aprovação da dissolução a sociedade possa somente praticar atos que visem facilitar a liquidação. Se o sócio não cumpre seus deveres, em sede de liquidação, pode ser excluído da sociedade. O fundamento da deliberação de exclusão de sócio deve ser certo e determinado: não terá amparo na lei a deliberação de exclusão com fundamentos em circunstâncias subjetivas ou abstratas. A deliberação tem que se fundamentar, objetivamente, em provas de tal sorte que sirvam de lastro para a exclusão. Assim, a deliberação é uma manifestação societária fundamentada em provas: a) contábeis; b) documentais de toda ordem; c) alcançadas judicialmente. Por conseguinte, a deliberação é feita sobre um fato existencial, material e comprovado. Não servem provas testemunhais, quando o fato tem-se como necessário à prova documental. Na deliberação o sócio arguirá as matérias pertinentes e terá espaço para apresentar suas provas em contrário. Contudo, judicialmente, compete à sociedade comprovar o ato de inegável gravidade, se contestado judicialmente. Na ação de anulamento da deliberação social será a sociedade a parte com o ônus da prova, ou seja, comprovar judicialmente o fundamento daquilo que se decidiu e se aprovou societariamente. Nessa respectiva ação o sócio pode requerer liminar, suspendendo os efeitos da deliberação, e mantendo as prerrogativas de sócio, exercendo a administração da sociedade e sua representação, conforme o contrato social. Todo sócio que, de uma maneira ou de outra, atentar contra a integridade do patrimônio social deve ser excluído da sociedade: é dever dos demais sócios a defesa da preservação do patrimônio da sociedade, e a exclusão serve como medida assecuratória dos interesses sociais e dos credores.

A interdição sobre a pessoa do sócio acarreta a sua exclusão nas sociedades de pessoas pelo fato de que sua participação na administração da sociedade é impossível, salvo se a sentença de interdição for reformada. Mas, desde que exista uma sentença de interdição, o sócio poderá ser excluído, e não se faz necessária a coisa julgada na ação de interdição para que tenha lugar a exclusão do sócio.

O sócio que tem declarada sua interdição não pode administrar seu patrimônio, e muito menos administrar patrimônio alheio: esse fato é determinante na fundamentação da exclusão do sócio incapaz. Como na sociedade de pessoa, a própria pessoa do sócio é decisiva na administração e representação da sociedade, ao passo que é impraticável a delegação da administração aos terceiros que não sejam sócios, o sócio incapaz está praticamente impedido de exercer toda e qualquer atividade administrativa ou de representação. O sócio comanditado tem que ser excluído da sociedade, não sendo permitida a nomeação de procuradores para representação desse sócio. Tal situação coloca em risco o crédito da sociedade perante terceiros: impraticável a indicação de representante para fins de administração de patrimônio social nessas condições. No caso da exclusão por falência, o fundamento é diverso: a falência, por si só, não é causa de resolução das relações contratuais, porém, no caso do contrato societário, na sua perspectiva de contrato de finalidades e de administração, impossível seria a permanência de um sócio falindo em outra sociedade. Esse fato seria negativo para a sociedade in bonis, que poderia ter seu crédito abalado pela presença de um sócio falido no seu quadro social. Ademais, a exclusão do sócio importa a liquidação da sua quota: no caso da exclusão por falência, a quota do sócio será paga em favor da massa de credores. Com efeito, na sua falência, o sócio perde a posse e a administração dos seus bens, o que acarreta a sua exclusão. Não podendo administrar seu patrimônio que será arrecadado na sua falência, não há possibilidade de continuar participando de outras sociedades. Na falência é preponderante o interesse dos credores: se o sócio participa de outras sociedades, sua quota será arrecadada e liquidada em favor da massa falida para pagamento dos credores. Esse é o fundamento da sua exclusão. Não significa, com a exclusão por falência, que o sócio descumpriu seus deveres de sócio ou praticou atos contrários ao interesse social: nada disso, sua exclusão existe no interesse dos credores (arrecadação das quotas e sua liquidação em proveito da massa falida subjetiva) e também no interesse dos demais sócios e da sociedade in bonis, que podem excluir o sócio nessa condição sem que importe prejuízo ou abalo ao seu crédito perante terceiros. No caso da exclusão quando da liquidação da quota pelo credor particular do sócio tem-se medida assecuratória do interesse social: impraticável a permanência de sócio que teve sua quota arrecadada pelo credor particular, ao passo que deve ser feita a redução do capital social, salvo se os demais sócios integralizarem a parte referente ao sócio excluído. O credor não pode requerer a dissolução da sociedade. O direito do credor vai nessa direção, esposada pela lei: se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do art. 1.031, será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. A questão terminológica se interpreta no significante processual que decorrer de uma eventual medida processual assecuratória do direito creditório. Assim, o credor direciona a execução, como garantia, sobre as quotas que o sócio tem na sociedade, e são essas quotas que garantem o juízo. Feito isso, abre-se o regular processo de liquidação da quota social e não se discute a dissolução da sociedade, obviamente. A resolução é feita somente na quebra do feixe da relação contratual do sócio a ser excluído com os demais sócios, permanecendo intacta a sociedade. Essa resolução alcança somente a relação jurídica entre os sócios e tem como finalidade garantir a execução do credor particular. Garantido o juízo, a liquidação será feita na forma do art. 1.031 do Código Civil, com a ressalva do parágrafo único do art. 1.026. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O valor da quota será depositado em dinheiro, no juízo da execução, até noventa dias após aquela liquidação. Do ponto de vista prático, o principal aspecto, muitas vezes, é conseguir converter a quota em dinheiro, pelo fato de que não há interessados na respectiva quota. O que pode acontecer, conforme o caso, é o sócio in bonis adquirir a quota do sócio excluído, se o contrato social assim permitir. O numerário será, então, direcionado ao juízo da execução, com a alteração da participação societária. Os sócios têm a prerrogativa dessa aquisição. Não raro é a liquidação da quota por parte do credor particular acarretar a dissolução total da sociedade. Se depois de pago o credor, restar saldo, esse valor será entregue ao sócio: o remanescente cabe ao sócio pela sua contribuição ao capital social. Seria, por bem da verdade, nos mesmos termos da liquidação da sociedade e decorrente do direito do sócio em participar sobre o acervo da sociedade. Nesta hipótese não se fala em acervo social, mas direito ao recebimento – pelo saldo – da sua contribuição ao capital social. O sócio é responsável pelas obrigações sociais até o devido arquivamento da sua exclusão social: portanto, enquanto não ultimada a exclusão, o sócio responde pelas obrigações sociais pelo fato de que sua posição jurídica ainda é aquela de sócio. O legislador espera que esse processo de liquidação se perfaça em até noventa dias após a liquidação da quota (art. 1.026, parágrafo único, C.C.) com o pagamento do credor e a definitiva exclusão do sócio. Os sócios podem aprovar a dissolução da sociedade, inclusive com o voto do sócio que teve a quota arrecadada, mas ainda não liquidada. Enquanto não liquidada a quota, o sócio mantém seus direitos de sócio em sua plenitude, entre eles os de administração interna da sociedade, vale dizer, votar na deliberação sobre a dissolução total da sociedade. Se da sociedade participam somente dois sócios, a exclusão do sócio deve ser sempre pela via judicial. Porém, se a justa causa não for comprovada, a magistrado pode determinar a dissolução total da sociedade, com a abertura da liquidação e a nomeação do liquidante. O liquidante será, salvo diversa disposição contratual, o próprio sócio que requereu a exclusão de seu consócio. O magistrado poderá nomear um estranho como liquidante da sociedade, se o conflito entre os sócios for de tal ordem que inviabilize a indicação de sócio ao exercício dessa função.

Em todos os casos a deliberação sobre a exclusão tem efeitos imediatos, cabendo ao sócio apresentar a oposição cabível e discutir judicialmente o mérito da exclusão, bem sabendo que o sócio excluído pode obter, conforme o caso, liminar na sua oposição, suspendendo os efeitos da deliberação societária. Com efeito, assim o sócio permanecerá na plenitude e na integralidade dos seus direitos de sócio – administrativos e de representação social – nos termos do contrato social. Se o conflito impedir a administração social, os demais sócios podem aprovar a dissolução total com fundamento no art. 1.034, II, do Código Civil, pela inexequibilidade do fim social. As regras sobre a revogação dos poderes de representação são expressas: a) são irrevogáveis os poderes do sócio investido na administração por cláusula expressa no contrato social, salvo justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido de qualquer dos sócios; b) são revogáveis, a qualquer tempo, os poderes conferidos a sócio por ato em separado. Com efeito, ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações ou, ainda, por incapacidade superveniente. Dentre as causas de exclusão estão: descumprimento das obrigações de sócio; prática de atos lesivos ao patrimônio social; incapacidade superveniente; falência; não-cumprimento da obrigação de contribuir ao capital social; culpa ou dolo; e outras que o contrato social estabelecer como causa de exclusão da sociedade.

Essas causas que o Código denomina de “justa causa” são no mais das vezes hipóteses para revogação dos poderes de representação da sociedade. A lei andou bem em determinar “a pedido de qualquer dos sócios”, o que, conforme o caso, poderá ainda ensejar a dissolução da sociedade se aquele for o único sócio com legítimos poderes de representação. O sócio que integra a representação da sociedade em razão da expressa cláusula do contrato social somente pode ser cassado dos seus deveres por manifestação social de idêntica qualidade, alterando o contrato social, desde que exista “justa causa”, comprovada judicialmente. Ao contrário, aqueles que têm poderes de representação por instrumento separado podem ser cassados ad nutum de suas funções, na simetria jurídica que fundamentou sua nomeação. Para evitar a dissolução da sociedade, a própria sociedade pode aprovar a exclusão do sócio, pela sua conduta antissocial, entendida aqui, na qualidade de “ato de inegável gravidade”, como culpa, dolo, lesão ao patrimônio social, desídia na administração social, fraudes, corrupção, sócio que abre concorrência contra a sociedade e demais hipóteses previstas pelo contrato social.

O sócio excluído tem o prazo de três anos para requerer a anulação da deliberação de exclusão, contados da data da referida aprovação e não do arquivamento do ato no Registro das Empresas. O sócio pode, então, imediatamente após a deliberação, apresentar sua impugnação, com fundamento na ata da deliberação. Contudo, o prazo decadencial, de três anos, começa a correr desde o dia seguinte ao do encerramento da assembléia ou reunião dos sócios que aprovou a exclusão do sócio faltoso.

Para que o ato de exclusão tenha validade jurídica é necessário: a) convocação do sócio a ser excluído; b) da ordem do dia deve constar, obrigatoriamente, a matéria da exclusão; c) a deliberação tem que ser realizada em assembléia ou reunião dos sócios; d) na ata da deliberação deve constar, obrigatoriamente, o motivo, ou seja, o “ato de inegável gravidade”, que acarretou a exclusão do sócio; e) aprovação dos votos correspondentes a mais de metade do capital social, nos termos do art. 1.076, II, do Código Civil. Sem esses requisitos a deliberação é nula e não produz efeitos contra o sócio. Se o conflito é generalizado entre os sócios, impedindo a administração social, não deverá se falar em exclusão de sócios, mas de dissolução da sociedade, pela verificação da inexequibilidade do fim social, nos termos do art. 1.034, II, do Código Civil. Qualquer sócio pode requerer essa dissolução judicial, com vistas a eximir-se de responsabilidades, e, com efeito, infirmar também condutas lesivas e antissociais, praticadas pelos demais sócios, notadamente aqueles que integram a maioria do capital social.

334. Da dissolução, liquidação e extinção das sociedades limitadas

Nos termos já aventados, supra, em sede de sociedade simples, a sociedade limitada deve observar idêntico regramento nessa matéria. Tanto é assim que na interpretação do art. 1.087 do Código Civil se chega ao art. 1.033 do Código Civil, ao estabelecer que a sociedade dissolve-se quando ocorrer: o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado; o consenso unânime dos sócios; a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias; a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar; pela falência. Ademais, a sociedade limitada pode ser dissolvida, a requerimento de qualquer dos seus sócios, quando: a) anulada a sua constituição; b) exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade. O contrato social pode, livremente, estabelecer outras causas de dissolução da sociedade: se contestadas, essas causas deverão ser comprovadas judicialmente, para que a dissolução produza os seus regulares efeitos.

Assim, nos termos do art. 1.036 do Código Civil, ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar imediatamente a investidura do liquidante e restringir a gestão própria aos negócios inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e ilimitadamente. Dissolvida de pleno direito a sociedade, pode o sócio requerer, desde logo, a liquidação judicial. Se não estiver designado no contrato social, o liquidante será eleito por deliberação dos sócios, podendo a escolha recair em pessoa estranha à sociedade. O liquidante pode ser destituído, a todo tempo: a) se eleito pela forma prevista neste artigo, mediante deliberação dos sócios; b) em qualquer caso, por via judicial, a requerimento de um ou mais sócios, ocorrendo justa causa. Por finalidade exclusivamente metodológica, cumpre resumir os principais aspectos sobre a dissolução, ressalvando que esses temas já foram objeto de estudo, supra, quando do capítulo da sociedade simples. Contudo, ainda é necessário reafirmar alguns dos seus principais temas aqui aventados, nos seguintes termos para as sociedades limitadas: A) se por prazo determinado, a sociedade se dissolve quando expirar o seu prazo de duração, salvo se vencido este, e sem oposição de sócio, a sociedade não entrar em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo indeterminado. A prorrogação do prazo de duração da sociedade pode ser expressa ou tácita. No caso da espécie de prorrogação expressa, deve ter lugar antes de vencido o prazo de duração, efetuando a respectiva alteração no contrato social. Ao contrário, na prorrogação tácita, basta que o sócio não apresente oposição contra a continuação da sociedade, para que a sociedade não entrará em liquidação. Com efeito, a prorrogação tácita da sociedade impede que essa sociedade seja considerada irregular, como se entendia nos sistemas mais antigos. Desta feita, não é necessária alteração do contrato social, porque a prorrogação da sociedade tem amparo legislativo, considera-se prorrogada por força de lei (art. 1.033, I, C.C.). A sociedade que teve sua prorrogação tácita não entra na irregularidade da sua constituição; em nada altera a disciplina da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais; os credores não podem invocar má-fé dos sócios para contra eles mandar aplicar perseguição solidária e ilimitada pelas obrigações sociais; todos os atos são válidos e operam efeitos em nome e por conta da sociedade, etc. O fator determinante que comprova a prorrogação tácita é a continuidade da administração social, cumprindo as operações sociais, ou seja, mantendo a organização da atividade social, perseguindo o seu fim social. A prorrogação é tácita porque manifestos são os atos dos sócios em determinar a continuação da sociedade. A sociedade continua e existe na medida em que os sócios praticam atos de administração, assumindo direitos e obrigações. Os atos são válidos, e não podem os credores se insurgir contra a prorrogação porque desse fato nada lhes acarreta prejuízo, antes, a prorrogação da sociedade pode até facilitar o pagamento das obrigações devidas. O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem e não for necessária a declaração de vontade expressa (art. 111, C.C.). Neste caso, não é necessária manifestação expressa do sócio em dar continuidade ao ente societário. A manifestação expressa terá que ser feita no sentido inverso, ou seja, em dar início ao processo de liquidação da sociedade. O vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação: se a sociedade continuar a praticar atos de administração, cumpre ao sócio apresentar sua oposição, e neste caso o desfecho será, realmente, a dissolução da sociedade. Contudo, se nenhum sócio apresentar, expressamente, a oposição contra a continuidade da sociedade, essa se prorroga tacitamente, e seu contrato continua plenamente válido. Não há, por consequência, nenhuma necessidade de se alterar o contrato social. Aquele contrato originalmente arquivado, que estabelecia sociedade com prazo determinado, agora se prorrogou tácita e automaticamente e não prejudica os sócios. A sociedade não deverá, em hipótese alguma, ser considerada irregular pelo fato de não se alterar o contrato social. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 107, C.C.). Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113, C.C.). Na interpretação literal o contrato social assume função fundamental, ao passo que a consideração do comportamento das partes posterior ao contrato não constitui uma figura subsidiária, porém, ao contrário, é um parâmetro necessário e fundamental ao próprio contrato, que o integra em todos os sentidos. O comportamento complessivo posterior à conclusão do contrato é, também, um elemento interpretativo, e esse comportamento deve ser convergente, de tal sorte que pode ser um comportamento unilateral que seja aceito pela outra parte, ainda que tacitamente. A consideração sobre o comportamento na qualidade de elemento interpretativo entra na perspectiva de intenções comuns entre as partes. Esse comportamento dos sócios, na continuação da sociedade, se manifesta posteriormente ao término do contrato, porém deve estar presente já desde antes de findo o prazo marcado no contrato social, de tal sorte que a unanimidade dos sócios tenha ciência dessa condição e que a aprovação tácita não será, no futuro, a continuação da atual sociedade. Não pode haver nenhuma solução de continuidade após o término do prazo previsto no contrato. A prorrogação tácita entra na formação subjetiva da declaração de vontade, ao passo que é elemento constituidor da liberdade contratual, e, por isso, o direito lhe sustenta diante de situação extremamente complexa. O elemento subjetivo é característico dessa manifestação de vontade, que se exterioriza no comportamento complessivo (sequência ininterrupta de atos), ou seja, na manutenção da atividade, a qual não se suspende, não entrando em solução de continuidade. Esse comportamento complessivo é também global, no feixe de situações que lhe complementam e demonstram a permanência de uma situação jurídica ampla, na qual

a manutenção da atividade envolve – e engloba – uma série de outras condições, notadamente a não-oposição de nenhum sócio, bem como que todos tenham conhecimento dessa vontade em dar continuidade ao ente social. A dissolução de pleno direito é aquela que se opera pela mera ocorrência de alguma das causas previstas em lei, e, neste caso, se tiver que se recorrer ao Poder Judiciário para constatar a efetiva ocorrência da causa de dissolução, lhe caberá apenas declarar a dissolução e não decretá-la, porque a decretação somente ocorre nos casos de dissolução judicial da sociedade. 1 Somente na esfera judicial se poderá comprovar e decidir sobre a controvérsia, que pode até versar sobre o falecimento de um dos sócios. 2 Ou seja, ainda pode pesar dúvida se realmente a condição de dissolução imediata da sociedade se operou por completo, o que somente a verificação atenta nos autos poderá elucidar: o término do prazo de duração é, obviamente, condição de dissolução, mas, pela prorrogação tácita, a sociedade não entrará em dissolução, e continuará funcionando, perfeitamente, com o contrato social que lhe originou. Ao passo que seja necessária a constatação da efetiva ocorrência da causa de dissolução, isso significa que há dúvida sobre se a sociedade realmente não está em funcionamento ou, se ao revés, continua funcionando sem a oposição de todos os sócios. Por exemplo, não há que falar em prorrogação por comportamento complessivo quando os sócios deliberam sobre a prorrogação, e um ou mais dos sócios se opõem, votando contra. Esse voto em contrário exterioriza a oposição, que tem por consequência, imediata e inexorável, acarretar a dissolução da sociedade. Nada importa qual seja a participação do sócio que se opôs à continuidade da sociedade. Ademais, o simples fato de “deliberar” sobre a continuação da sociedade, após o prazo marcado para sua duração, já caracteriza solução de continuidade e acarreta, de maneira inexorável, a sua dissolução, ainda que todos os sócios aprovem a sua continuação. A continuidade seria a consequência lógica desse comportamento: a deliberação sobre a continuidade representa solução de continuidade porque não há sentido em se requerer a manifestação expressa daquilo que o silêncio dos sócios já concretizou.

O simples fato de deliberar sobre a possível dissolução da sociedade por prazo determinado já acarreta a sua dissolução e pressupõe a oposição. Essa pressuposição não é absoluta, mas, do ponto de vista societário, o art. 1.033, I, do Código Civil fala em “vencido este e sem oposição de sócio”, denota que o simples conjecturar sobre a dissolução já acarreta, inexoravelmente, a sua dissolução. A dúvida em se dissolver ou não acarreta a dissolução. O comportamento exigido pelo art. 1.033, I, do Código Civil é aquele da manifestação tácita: do silêncio. Cumpre ao sócio dissidente se opor, comunicando aos demais que não tem interesse na continuação da sociedade. Se o sócio se silencia, assume as consequências, desde que tenha consigo que a continuidade será levada a efeito. Desta feita, o art. 1.033, I, do Código Civil tem aplicação nas sociedades empresariais e na sociedade simples, indistintamente. Em linhas gerais, o fato da não-oposição de qualquer um dos sócios é a síntese da manifestação complessiva e global de todos os sócios pela continuidade da entidade societária. Os sócios são soberanos, e essa prorrogação tácita não requer forma solene, o que seria a antítese de manifestação tácita. Por ser tácita e não requerer, obviamente, forma solene, desnecessária seria a alteração do contrato social, fazendo constar que agora a sociedade seguirá por prazo indeterminado. Essa solução, por bem da verdade, não encontra respaldo no texto legislativo, tanto que é da manifestação tácita que a sociedade se prorroga por prazo indeterminado. Não é da manifestação expressa que a sociedade se prorroga por prazo indeterminado: se os sócios, findo o prazo marcado no contrato social, expressamente deliberam sobre a continuação da sociedade, terá que ser feita a alteração do contrato social, porque aquele contrato não se prorrogou tácita e silenciosamente. Ademais, a “deliberação” de continuação de sociedade, findo seu prazo de duração, é algo impossível de acontecer juridicamente porque a sociedade já se dissolveu, e os atos futuros não podem provocar efeitos no passado. A verificação da dissolução da sociedade com prazo determinado requer uma analise subjetiva sobre a manifestação complessiva dos sócios: no caso de findo o prazo de duração, sem oposição de qualquer dos sócios, a sociedade considerase prorrogada. A oposição do sócio pela dissolução da sociedade se mostra muito claramente: basta que exista, entre os sócios, dissídio sobre a continuação. O mero fato de os sócios não estarem de acordo, entre eles, a respeito da continuação já impede a continuação da sociedade. Não tem razão de ser, após uma análise minuciosa dos termos, asseverar, categoricamente, dizendo que existe dissolução de pleno direito e dissolução convencional. Essas classificações têm razão somente do ponto de vista explicativo, mas que, na prática das sociedades, desaparecem como fantasmas nas noites escuras. Até as sociedades limitadas, com prazo certo de duração, se prorrogadas tacitamente, seus sócios não assumem responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações sociais como se fossem sócios de uma sociedade irregular: essa interpretação tem que ceder espaço diante da realidade e da aparência. Uma sociedade limitada que continua a funcionar após seu prazo de duração bem que poder-se-á entender da sua prorrogação por prazo indeterminado, sem que isso, por conseguinte, a coloque dentro da péssima reputação de “sociedade irregular”, operando a responsabilidade ilimitada dos sócios. Em casos semelhantes, bem sabendo dos rigores

1 BULGARELLI, Waldirio. Sociedades comerciais, cit., p. 223.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de Tratado, cit, vol. III, n. 780, p. 205.

formais e das burocracias incidentais vigentes no país, poderia ser considerada sociedade limitada regular aquela sociedade com prazo determinado que, tacitamente, se prorrogou sem a oposição de nenhum dos seus sócios. Seria uma interpretação justa e de equidade ao tráfico mercantil.1 Somente quando se vai perquirir, efetivamente, sobre a vontade dos sócios é que se pode concluir, com maior certeza, que dentre eles havia dissídio sobre a continuação da sociedade ou, ao contrário, se estavam todos tacitamente resolvidos pela continuidade da sociedade. Com efeito, simples memorandos internos podem demonstrar, de maneira cabal, tanto que os sócios estão em dissídio, como se estão resolvidos pela continuação. Cumpre ressaltar, ainda uma vez, que qualquer forma de oposição do sócio é válida em demonstrar sua contrariedade, ou seja, que é favorável ao cumprimento da cláusula que estabelece prazo determinado para o fim da sociedade. Por isso, não é praticamente aceitável ver, em todos os casos, a hipótese de findo o prazo marcado no contrato social como hipótese cabal de dissolução de pleno direito da sociedade. Nos tempos de hoje, seguindo os eruditos, é correto afirmar o conteúdo relativo do art. 1.033, I, do Código Civil, ao passo que: o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa (art. 111, C.C.). Na qualidade de contrato, a sociedade pode ser prorrogada pelo silêncio dos sócios, bem sabendo que esse silêncio exterioriza um comportamento complessivo e global que encerra um feixe de atividades, negócios sociais, manutenção das operações sociais, etc., de tal sorte que é visível a intenção das partes em não pôr fim ao vínculo societário e, portanto, em dar continuidade à sociedade, que não entra em dissolução e muito menos em liquidação. Ademais, esse comportamento complessivo e global assume as vestes de manifestação tácita, e a lei não requer forma especial, o que seria a antítese de manifestação tácita: seria, verdadeiramente, manifestação expressa. Com efeito, se os sócios desejarem, antes de findo o prazo marcado pelo contrato social, prorrogar a sociedade, terão que observar os mandamentos legais, entre eles: a forma expressa; rigor solene; unanimidade em deliberação social. Se não for alcançada a unanimidade, a sociedade fatalmente se dissolverá quando do prazo marcado no contrato social. Não há que se falar em direito de recesso porque a votação se faz pelo critério da unanimidade e não por maiorias. Neste caso têm aplicação os artigos 997, II, e 999 do Código Civil. As causas de dissolução, enquanto se verificam nos casos práticos, determinam feitos idênticos: não há, portanto, lugar para distinguir entre causas de dissolução que operam de pleno direito e causas de dissolução convencionais. Para alguns a verificação do decurso de prazo, a prorrogação tácita ou a vontade dos sócios é imediata, mas, para outros, essa verificação fica condicionada às considerações subjetivas sobre determinadas situações, o que dá abertura para questionamentos judiciais para aferir sua real exteriorização, entre elas, as hipóteses de exaurimento ou cumprimento do fim social. B) A sociedade dissolve-se por consenso de todos os sócios (art. 1.033, II, C.C.). É a hipótese do mútuo consenso, na perspectiva de que a sociedade é contrato que pode se resolver por vontade das partes. A doutrina ensina que “o consenso forma o contrato; o consenso o dissolve. É princípio comum aos contratos. A sociedade dissolve-se, também, mutuo consensu”, e o mestre dos mestres já falava sobre a cláusula contratual que permitia à maioria deliberar, discricionariamente ou em casos determinados, sobre a dissolução antecipada.2 O consenso de todos os sócios na resolução do contato social é regra contratual clássica nas sociedades. Na sociedade por prazo determinado o requisito é a unanimidade dos sócios. O art. 999 do Código Civil impede pactuação em contrário, ao dispor que: as modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime. A regra da unanimidade é necessária porque a dissolução do contrato acarreta alteração sobre o prazo de duração da sociedade: se a sociedade é por prazo determinado, e os sócios decidem colocar termo ao contrato social antes de findo o prazo social, essa alteração repercute sobre o art. 997, II, do Código Civil. Por ocasionar essa repercussão sobre o contrato social, tem incidência o regramento do art. 999, que impede alteração contratual nas hipóteses do art. 997 do Código Civil. Com efeito, as alterações por maioria absoluta, previstas pelo art. 999, refogem, obviamente, ao art. 997 e se requer a unanimidade. Essa dissolução do que fala o art. 1.033, II, é aquela da dissolução total, dissolução essa que determina a abertura da liquidação e sua posterior extinção. Os sócios quando abrem sociedade devem ter conhecimento daquilo que pretendem engendrar sobre a atividade econômica. Por conseguinte, legislação acertada é aquela que entrega aos contratantes ampla liberdade para se associarem

1 Com efeito, “la distinzione fra cause di scioglimento che agiscono ipso jure, per volontà dei soci o per pronuncia giudiziale, ha perduto molto del suo interesse dopo che è stato riconosciuto che lo scioglimento non opera automaticamente ma crea particolari obblighi di condotta degli amministratori in relazione al nuovo stato che viene a formarsi”. BRUNETTI, Antonio. Trattato, cit., vol. I, p. 423.

2 MENDONÇA. J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 805, p. 223.

da maneira que entendem, sem a tutela estatal, que se consubstancia, entre outras, nos arts. 999 e 1.033, II, do Código Civil.

O Codice Civile espancou, já faz tempo, o posicionamento intervencionista sobre a manifestação de vontade dos sócios quando da abertura da sociedade, permitindo as modificações sociais pela regra da maioria, nos termos de seu art. 2.252. Sobre a dissolução andou bem o Código de 2002 estabelecendo a possibilidade de aprovação dessa matéria por maioria absoluta, no caso de sociedade por prazo indeterminado, e bem seguiu aquilo que seu congênere italiano lhe ensinou, o que, verdadeiramente, representa a melhor doutrina. Com efeito, é correto entregar aos sócios a possibilidade de pactuarem que as modificações sociais se operam por maiorias, assim como se fez para as sociedades limitadas (artigos 1.061, 1.063, 1.076 e 1.077), Na sociedade limitada por prazo indeterminado, a aprovação da dissolução se faz por maioria absoluta. Por óbvio que a dissolução da sociedade limitada não entra na categoria de “modificação do contrato social”, quando do artigo 1.071 do Código. Em matéria de dissolução, se a sociedade foi constituída por prazo determinado, impera a unanimidade, inderrogável por vontade das partes; se a sociedade é por prazo indeterminado, impera a regra da maioria absoluta, em qualquer tipo societário. Na legislação italiana, para a aprovação da dissolução da sociedade será suficiente a vontade da maioria dos sócios quando esses tenham, nos termos do art. 2.252 do Codice Civile, pactuado pelo princípio majoritário nas modificações contratuais.1 Não tem validade a cláusula na qual o sócio renuncia ao direito de deliberar sobre a aprovação da dissolução da sociedade. Essa cláusula não tem correlação com o próprio contrato de sociedade, que é contrato de continuação diferida no tempo. Com efeito, qualquer cláusula na qual conste renúncia ao poder de votar na deliberação sobre a dissolução deve ser considerada nula.

Na aprovação por maioria, ao contrário, não há qualquer renúncia ao poder de voto: os sócios simplesmente estabelecem que a votação terá lugar majoritariamente. O sócio vota, mas, se alcançada a maioria necessária e aprovada a dissolução, a sociedade deveria entrar em liquidação. Se diz deveria, é porque não há possibilidade, diante dos arts. 999 e 1.033, II, do Código Civil, de aprovação majoritária sobre a dissolução total da sociedade. Contudo, no futuro próximo poder-se-ia ser elaborada reforma nessa direção, possibilitando a aprovação da dissolução por maioria absoluta. O consenso tem que ser expresso: os sócios, na sociedade por prazo determinado, precisam estabelecer data específica para aprovação da medida, convocando reunião de sócios para aprovação unânime dos sócios. Como se verá, infra, o art. 1.033, III, do Código Civil diz que se dissolve a sociedade quando ocorrer a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado Conforme CARVALHO DE MENDONÇA, as sociedades com prazo determinado também podem dissolver-se pela aprovação majoritária de seus sócios, e essa prerrogativa não deveria se circunscrever às sociedades com prazo indeterminado: se o contrato estipulasse, na sociedade com prazo certo de duração, que a maioria absoluta pode aprovar sua dissolução, tal regra poderia ser aceita, por não contrariar a natureza contratual dessas sociedades. Afirmou o mestre que, “se é certo que a sociedade se dissolve de pleno direito pela expiração do prazo designado para a sua existência, os sócios, em virtude da liberdade dos contratos, podem adiantar o vencimento desse prazo mediante acordo unânime, a menos que cláusula contratual permita à maioria deliberar a dissolução antecipada discricionariamente ou em casos determinados”.2

Do ponto de vista estritamente jurídico, não há razão – salvo formalismo – em estabelecer a regra da aprovação unânime somente para as sociedades de prazo determinado. Toda e qualquer sociedade simples ou empresária que seja constituída por prazo determinado deveria poder se dissolver, totalmente, por aprovação da maioria absoluta, e tal assertiva tem respaldo na liberdade de contratar e no interesse dos sócios em manifestarem a sua vontade no contrato social. A razão de ser, estritamente jurídica, do fato de que na sociedade por prazo indeterminado a dissolução pode ser feita por maioria, com isso quer se estabelecer, ainda que em termos mínimos, o entendimento de que não existem contratos eternos, ou seja, vínculos obrigacionais eternos. Ao passo que na sociedade por prazo determinado bastaria ocorrer a expiração do prazo para que o vínculo se dissolvesse prontamente, ou seja, sem a necessidade de motivação. Ademais, quantos aos sócios pessoas físicas, por certo ocorre o evento do seu falecimento, o que já acarreta a resolução do contrato sobre sua participação; ou a entrada dos herdeiros pela sucessão; ou, conforme previsto no contrato, poderá ensejar até a dissolução total da sociedade. Desta feita, ter no contrato social de prazo indeterminado uma obrigação de caráter infinito, no caso das pessoas físicas, não tem perfeita fundamentação, notadamente para as sociedades de pessoas. Nas sociedades com sócios pessoas jurídicas a situação é, verdadeiramente, mais complexa: contudo, de uma maneira ou de outra, elas também podem desaparecer pela falência ou pela dissolução. Na seguinte hipótese (manifestação unilateral de vontade do sócio), essa manifestação tem que encontrar justo motivo, sem o qual a dissolução da sociedade não poderia prosperar. Entre esses justos motivos estariam: a) quebra da affectio societatis; b) atos de corrupção; c) abuso de poderes e excesso de mandato; d) o não-cumprimento dos deveres de sócios.

1 GALGANO, Francesco. Trattato, cit., vol. XXVIII, p. 289.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit, vol. III, n. 805, p. 223.

De qualquer forma, nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo ou estipulação contratual em contrário. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação (artigos 1.031 e 1.032, C.C.). A dissolução total da sociedade é uma verdadeira e própria manifestação do sócio, desde que essa manifestação seja fundamentada em atos e condutas que caracterizem quebra da affectio societatis, corrupção, abuso de poder, fraudes contábeis, etc. Essa interpretação decorre do próprio texto normativo (art. 1.035, C.C.), ao dispor: O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Dentre as outras causas de dissolução pode ser incluída a manifestação unilateral do sócio diante da conduta social praticada por outro sócio, de tal natureza que a única solução cabível seja a dissolução total da sociedade, não se configurando a hipótese de exclusão de sócio por conta das dificuldades operacionais e judiciais de se alcançar essa exclusão. O dissídio somente assume vestes de dissolução total quando acarretar a inexequibilidade do fim social da sociedade, hipótese em que tem lugar a dissolução judicial. Se o conflito decorre das circunstâncias do não-cumprimento de alguns dos deveres de sócios, práticas culposas ou dolosas, mas essas circunstâncias não são suficientes para ocasionar a inexequibilidade do fim social, a solução a ser aplicada é aquela da exclusão do sócio e não tem lugar a dissolução judicial. Em termos de manifestação unilateral do sócio para fins de dissolução total, o contrato social tem que deixar expresso que o conflito entre os sócios pode ocasionar a referida dissolução sempre que impedir o cumprimento do fim social: nesta hipótese, sócio minoritário pode colocar a efeito essa prerrogativa, o que poderá ser apurado na esfera judicial, nos idênticos termos da dissolução judicial por inexequibilidade do fim social. O que se quer dizer é que, na sociedade por prazo determinado, pode não se alcançar a unanimidade para em consenso se dissolver totalmente a sociedade: neste caso, é bastante útil a cláusula que estabelece a possibilidade de dissolução total sempre que do conflito societário ocasionar a impossibilidade de alcançar o fim social da sociedade. Com essa cláusula, fica expressa a vontade dos sócios, e aquele que se insurge contra uma determinada prática terá que comprová-la judicialmente para alcançar a dissolução da sociedade, arcando obviamente com o ônus da prova. Se perder a demanda, não provando a culpa ou dolo do outro sócio, arcará com a sucumbência e poderão lhe ser demandados as perdas e danos. Sem essa cláusula, e nos termos do Código Civil, na sociedade com prazo determinado somente a unanimidade tem força para colocar termo ao contrato social, antes de vencido o seu prazo. Como já disse, essa situação não tem lugar de ser na moderna teoria societária. Em qualquer sociedade o legislador deve entregar aos sócios ampla liberdade de pactuar. Em tempos de hoje, se na sociedade por prazo indeterminado os sócios podem, por maioria absoluta, resolver o contrato social, de maneira idêntica poderiam fazer nas sociedades com prazo determinado. Comprovada impossibilidade de alcançar o fim social, decorrente de um conflito entre os sócios, emerge das irregularidades contábeis dentro das sociedades, pelo fato de que o dissídio entre os sócios, que teve origem na fiscalização sobre as contas da sociedade, acaba por impedir o regular funcionamento da sociedade, acrescido das ações, perquirindo, judicialmente, a anulação das deliberações societárias que aprovaram as contas corrompidas, fato esse que pode colocar a sociedade na condição de irregular diante dos órgãos públicos de controle. Tal interpretação decorre do art. 1.035 do Código Civil, ao determinar que o contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas judicialmente quando contestadas. Amplíssima é a liberdade dos sócios em pactuarem outras causas de dissolução, dentro do sistema pacta sunt servanda e da autonomia contratual. Nas sociedades de pessoas essas causas refletem o interesse dos sócios em regulamentar as condutas futuras deles próprios, como se fosse um sistema de controle comum sobre a atuação de cada um deles: o contrato social pode, ainda, fixar responsabilidade pelas práticas de quebra de affectio societatis e o não-cumprimento dos deveres sociais e fazer registrar esses pactos. Do outro lado, o sócio majoritário (maioria absoluta) também poderá aprovar, de maneira unilateral, a medida de dissolução total da sociedade, arcando com as responsabilidades desse ato, ou seja, assim como o minoritário poderia apresentar a manifestação unilateral de dissolução da sociedade, devidamente fundamentada, da mesma forma poderá fazer o sócio majoritário na sociedade com prazo determinado, arcando, porém, com as responsabilidades processuais, se o seu ato unilateral fosse contestado pelo minoritário, bem como arcar com as possíveis perdas e danos, se vencido na ação, não comprovando, portanto, as condutas do sócio minoritário. C) A sociedade dissolve-se quando ocorrer a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo indeterminado (art. 1.033, III, C.C.). Tal regra não é limitativa ao direito de o sócio se retirar da sociedade: a) o sócio pode exercer o direito de recesso; b) resta aberta a via da dissolução parcial. Portanto, em nada contraria a ordem pública os sócios pactuarem, no contrato social, que a sociedade se dissolve, totalmente, apenas pela deliberação unânime dos sócios.

Contudo, se o contrato for silente, a maioria absoluta pode, perfeitamente, aprovar a dissolução total da sociedade, sem que isso possa caracterizar abuso de direito ou dever de indenização em favor do sócio minoritário. Na dissolução, ao revés, o legislador andou bem, estabelecendo que a maioria absoluta poderá aprovar a dissolução total da sociedade: desta feita, a coincidência entre o princípio majoritário e a vontade social, não é passível de oposição do sócio minoritário. Este é um reflexo da visão capitalista sobre a administração das sociedades, ainda que sobre a sociedade de pessoas, bem sabendo que a aprovação da dissolução é ato de deliberação social, ou seja, entra na categoria de administração interna das sociedades. A deliberação por maioria absoluta terá lugar somente nas sociedades com prazo indeterminado. Considera-se sociedade por prazo indeterminado a sociedade que estabelece sua duração até o falecimento de algum dos sócios. Se do contrato social não constar expressamente o prazo de duração, mas contiver cláusula pela qual a sociedade se dissolve pelo falecimento de qualquer dos sócios, a regra tem validade e não há conflitos. Porém, pode ocorrer a hipótese em que uma sociedade estabelece que sua duração se dá enquanto o sócio estiver com vida. Essa sociedade deve ser considerada por prazo indeterminado: o evento falecimento, como condição da existência da sociedade, para fins jurídicos, é incerto, e, por conseguinte, seu prazo é indeterminado. Nessas circunstâncias, os sócios, por maioria absoluta, podem aprovar a dissolução total da sociedade. A coincidência entre vontade social e princípio majoritário não é, em todos os casos, absoluta, e a responsabilização contra sócios e controladores é a comprovação que “interesse social” e maioria de sócios não são sinônimos absolutos, bem sabendo do conflito de interesses.

Não cabe oposição do sócio dissidente contra a deliberação social que aprova a dissolução, desde que respeitados os critérios formais. A dissolução acarreta os mesmos efeitos a todos os sócios, e já por conta da deliberação sobre a dissolução deverá ser nomeado o liquidante. A deliberação de dissolução da sociedade pode ser invalidada diante do abuso da regra majoritária somente quando sua aprovação busca perseguir interesses pessoais em contrariedade ao interesse social, deliberação fruto da arbitrariedade e filha da fraude societária, como, por exemplo, lastreada em documentos contábeis falsos. Compete ao sócio minoritário comprovar sua alegação. Porém, se não comprovada a fraude ou se impraticável a hipótese da deliberação arbitrária e fraudulenta, em nenhuma condição o magistrado poderá perquirir sobre as “razões” que fundamentaram a aprovação da dissolução: tal competência é exclusiva da sociedade e não pode ser invalidada: o poder de voto do sócio, neste caso, é absoluto, e fica preclusa qualquer possibilidade de controle em sede judiciária sobre os motivos que fundamentaram o voto da maioria deliberando sobre a dissolução antecipada da sociedade (Cass. civ., sez. I, 12 dicembre 2005, n. 27387). A sentença é acertada, e não há possibilidade de controle externo sobre a deliberação que aprova a dissolução da sociedade. A única consequência assemelhável tem lugar na disciplina da lei acionária (art. 117, § 1º, b) em sede de responsabilidade contra o acionista controlador que promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia. Esse ato entra na qualidade de exercício abusivo de poder de controle, o que acarretará responsabilização contra o controlador (art. 116, Lei 6.404/76). Contudo, para que se manifeste a conduta abusiva é necessário que a aprovação da liquidação de companhia próspera seja motivada por vantagem indevida, o que caracteriza, então, a arbitrariedade da liquidação da sociedade, devendo arcar com os prejuízos e danos em relação aos demais acionistas, trabalhadores, credores, etc.

No caso de uma sociedade de pessoas, se a maioria absoluta busca “vantagem indevida” como condição para a aprovação da dissolução, certamente o minoritário terá direito a indenização, desde que comprove a existência da referida vantagem indevida. Em última instância, a deliberação poderia ser invalidada pelo judiciário, se comprovadas a arbitrariedade e a vantagem indevida: contudo, seria aceitável, do ponto de vista interpretativo, que o controle jurisdicional não se fizesse pela invalidade, mas que fosse julgada procedente a ação de responsabilização contra a maioria que aprovou a dissolução, por exercício abusivo de poder de voto, indenizando o minoritário. São duas as interpretações: a) pela invalidação da deliberação de dissolução; b) pela validação da deliberação, mas com a consequente condenação da maioria pela indenização aos minoritários. Na primeira interpretação tem-se em consideração não somente o interesse dos sócios minoritários, mas, também, o da sociedade no seu perfil institucional, ou seja, na sua preservação como entidade jurídica e econômica com verdadeira função social. Na segunda, confere validade ao voto da maioria, dissolve-se a sociedade, preserva-se a regra capitalista, mas impõe a condenação pelas perdas e danos em favor dos minoritários.

D) Nos termos do art. 1.033, IV, do Código Civil, a sociedade dissolve-se quando ocorrer a falta de pluralidade de sócios, se não reconstituída no prazo de cento e oitenta dias. O art. 2.272, 4, do Codice civile estabelece que a sociedade dissolve-se quando “viene a mancar ela pluralità dei soci, se nel termine di sei mesi questa non è ricostituita”. A sociedade poderá continuar com um sócio, até o prazo de cento e oitenta dias, contados do recesso, exclusão ou falecimento do outro sócio. A finalidade da lei é a preservação da entidade societária, evitando o seu desaparecimento pelo

fato de faltar um sócio, quando essa sociedade for constituída por apenas dois sócios. No direito comparado essa regra é já bem antiga (Codice Civile, 1942), e somente agora é disciplinada no ordenamento jurídico pátrio. Se dentro de cento e oitenta dias é reconstituída a pluralidade de sócios, a sociedade não entrará em liquidação: ter-se-á continuação da sociedade já existente, com a inclusão do novo sócio. Esse sócio responde, nos termos da lei, pelas obrigações sociais pretéritas e as que a sociedade assumir. O novo sócio deve fazer a sua contribuição ao capital social, integralizando os valores necessários. Se for sócio de serviço, deve cumprir sua obrigação. Se dentro do prazo de cento e oitenta dias não for reconstituída a pluralidade de sócios, a sociedade entrará em dissolução exatamente no último dos cento e oitenta dias, e opera efeitos ex nunc. A sociedade, dentro desse prazo, não entrou em dissolução: não é uma condição suspensiva da dissolução, porém, permanência da sociedade com apenas um sócio. Assim, não entrando em dissolução, tal fato ocorrerá somente se não for reconstituída, após o último dia dos cento e oitenta dias, a pluralidade de sócios. No caso de falecimento de sócio, sua quota será liquidada entre os herdeiros, na forma do art. 1.031 do Código. Em hipótese alguma os herdeiros podem requerer, judicialmente, a dissolução da sociedade porque não adquiriram a qualidade de sócios: são estranhos em relação à sociedade, cabendo-lhes, somente, o direito de concorrer, na sucessão, pelo valor da quota do sócio falecido. Se a sociedade fica com apenas um sócio, em razão do falecimento, retirada ou exclusão do outro sócio, os herdeiros e o próprio sócio que se retirou da sociedade não podem requerer a dissolução da sociedade: o sócio que permanece na sociedade tem cento e oitenta dias para encontrar um novo sócio, e com isso evitar que a sociedade entre em dissolução.

1 A falta da pluralidade de sócios, dentro do prazo de cento e oitenta dias, não entra na categoria de solução de continuidade, e, por isso, não tem que falar em dissolução da sociedade. A sociedade persiste, regularmente, assume direitos e obrigações, postula judicialmente, etc. A reconstituição da pluralidade de sócios, como disse o mestre, é condicio facti, o que não importa a dissolução da sociedade, desde que efetivamente exercida pelo sócio. Com efeito, a presença de apenas um sócio não é situação imediata e operativa para acarretar a dissolução do contrato, salvo se prevista no contrato social ou se não reconstituída a referida pluralidade de sócios em até cento e oitenta dias. A sociedade entrará em dissolução somente após o primeiro dia dos cento e oitenta dias: antes desse prazo é uma sociedade regular, na qual participa somente um sócio, por expressa previsão legislativa, que busca, exatamente, evitar seu desaparecimento via dissolução e posterior liquidação. Desta feita, o herdeiro do sócio falecid o não poderá em hipótese alguma requerer a dissolução da sociedade: seu direito é única e exclusivamente monetário, ou seja, na qualidade de herdeiro receber o valor referente à quota social sobre a qual concorre no inventário. Não há confusão entre sucessão patrimonial pelo valor da quota e de direitos sucessórios: silente o contrato, o herdeiro receberá apenas o valor da quota, que será liquidada nos termos do contrato social e da lei. Ademais, o contrato social pode estabelecer que para o herdeiro entrar na sociedade seja necessária a aceitação do sócio remanescente (art. 1.028, III). Neste caso, se o sócio remanescente não aceitar a entrada do herdeiro na qualidade de sócio, a sociedade também não entrará em dissolução, e o referido sócio sobrevivente tem o prazo de cento e oitenta dias para encontrar novo sócio, evitando, então, a dissolução total da sociedade. O herdeiro não pode se insurgir contra a não-aceitação do sócio sobrevivente ao recusar sua entrada na sociedade. Seu direito será o de receber, na liquidação da quota, o valor correspondente à participação social. Neste passo, tem preponderância a manifestação de vontade do sócio sobrevivente, que tem ampla autonomia em estabelecer a entrada dos novos sócios, aceitando uns, recusando outros, sem que isso importe, por si só, a dissolução da sociedade. O herdeiro, bem como o sócio que se retirou da sociedade, recebem um valor que corresponde à participação social, e não têm a prerrogativa, com já se disse, de requerer a dissolução da sociedade para participarem e receberem sobre a liquidação do patrimônio social. A sociedade com dois sócios não se dissolve no momento da morte, retirada ou exclusão do sócio, mas somente após transcorridos os cento e oitenta dias: assim, a dissolução opera efeitos ex nunc, ou seja, a partir desse momento, vale dizer, do primeiro dia seguinte aos cento e oitenta dias. A finalidade do legislador, com os artigos 1.028 e 1.033, IV, do Código Civil é evitar a dissolução da sociedade: tem ênfase a preservação da sociedade. Portanto, a sua dissolução terá lugar somente transcorridos integralmente os cento e oitenta dias. Com efeito, o falecimento, retirada ou exclusão do sócio não acarretam, por si só, a dissolução da sociedade, e, por conseguinte, a disssolução terá incidência somente quando do término do prazo de cento e oitenta dias. Antes de findo esse prazo a sociedade é regular, e tem plena autonomia para assumir direitos e obrigações, ou seja, a antítese da sua dissolução ou liquidação.

1 ”La ricostituzione della pluralità dei soci nel sistema della norma funziona come condicio facti, e non come condicio iuris e, come condicio facti, opera retroattivamente, con la conseguenza che deve considerarsi avvenuta o non avvenuta nel momento stesso in cui la partecipazione è venuta meno. Non vi è quindi soluzione di continuità trai l venir meno della partecipazione e l’ingresso del nuovo socio ed è appunto per la mancanza di ogni soluzione di continuità che la società non si scioglie”. FERRI, Giuseppe. Manuale, cit., p. 251.

E) A lei determina que: “Dissolve-se a sociedade quando ocorrer a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar” (art. 1.033, V, C.C.). Essa dissolução é feita por decisão governamental, e nos termos da lei. A sociedade incorre na cassação da autorização de funcionamento por medida governamental, fundada em critérios objetivos, dentre eles, contrários ao interesse nacional, à ordem pública ou ao público em geral. A cassação governamental não pode impedir a liberdade de contratar ou muito menos caracterizar arbitrariedade por parte da entidade governamental: se assim o for, a sociedade deve se insurgir contra o ato governamental que decretou sua extinção, impetrando mandado de segurança contra o referido ato. Uma sociedade que atua na prestação de serviços de saúde pode ter sua autorização de funcionamento cassada, desde que não cumpra os requisitos legais para o exercício regular dessa atividade: por exemplo, se não emprega os meios técnicos e de última geração para a utilização de equipamentos médicos que emitam radiação. Os órgãos estatais de controle e fiscalização podem suspender ou cassar o funcionamento dessa sociedade, que estaria colocando em risco o público em geral pelo vazamento de ondas radioativas, contaminando a população. O processo de suspensão ou cassação da autorização de funcionamento da sociedade, ainda que seja na esfera administrativa, deve ser amparado pelo contraditório e pela ampla defesa, nos termos da Constituição Federal. Vencida a parte na esfera da administração pública, a sociedade deve se insurgir, judicialmente, contra o ato governamental de extinção da autorização de funcionamento, seja na parte formal, quanto sobre o mérito do ato de extinção. Como qualquer contato, a sociedade pode ser anulada judicialmente com fundamento no art. 171 do Código Civil. Por conseguinte, enseja anulação da sociedade a incapacidade relativa do agente, bem como a incidência de: erro; dolo; coação; estado de perigo; lesão ou fraude conta credores. Da mesma forma, a sociedade poderá ser anulada se não constituído em observância do art. 997 do Código Civil. Os requisitos do referido art. 997 são obrigatórios, e na sua falta, ainda que a sociedade tenha sido registrada, podem acarretar a sua anulação. Conforme o caso, pode haver convalidação da sociedade, desde que sanada plenamente a causa de anulação. Por exemplo, é impossível de convalidação o contrato social objeto de fraude contra credores ou dolo. As hipóteses de convalidação se referem, unicamente, às hipóteses do art. 997 do Código Civil, e isso no que for possível. Por exemplo, será passível de convalidação o contrato social que não indicar a denominação social ou a sede da sociedade. Somente sócios podem propor a ação de dissolução: o prazo é de três anos, contados do arquivamento do contrato de sociedade.

A interpretação da matéria de anulação de sociedade é diversa dos contratos em geral. A anulação da sociedade fica para casos de exceção, quando afetam a integralidade das relações sociais e o feixe das relações jurídicas dos sócios. Por exemplo, não será objeto de anulação o contrato de sociedade que estabelece cláusula atribuindo todos os lucros em favor de um dos sócios: neste caso, somente a referida cláusula será nula, e a distribuição dos dividendos pode ser feita nos termos do art. 1.007 do Código Civil. A sociedade também deve ser dissolvida quando: a) da consecução do fim social; b) exaurido o fim social; c) verificada a inexequibilidade do fim social. Essas são hipóteses que não são idênticas umas das outras. A consecução do fim social é o cumprimento efetivo do seu fim social; por exemplo, se a sociedade foi constituída com um propósito específico de construir uma ponte. Finda a construção da ponte, a sociedade cumpriu efetivamente sua finalidade social (consecução do fim social), e deve entrar em dissolução, obrigatoriamente. Neste caso é possível a prorrogação tácita da sociedade, ou seja, sem a oposição de qualquer dos sócios, desde que seu fim social continue idêntico, ou seja, que essa sociedade continue construindo pontes: a prorrogação tácita da sociedade convalida qualquer defeito de constituição, e essa sociedade deve ser considerada regular, agora com prazo indeterminado. O Codice Civile, art. 2.272, 2, estabelece como causa de dissolução per il conseguimento dell’oggetto sociale o per la sopravvenuta impossibilita di conseguirlo. A hipótese “exaurido o fim social” não se identifica totalmente com a consecução do fim social. A situação ocorreria se exaurido o fim social antes da sua consecução. Por sua vez, a inexequibilidade do fim social opera nas seguintes circunstâncias: pode ser determinada por eventos externos e internos da sociedade, mas são eventos definitivos e não transitórios, impedindo o desenvolvimento da atividade econômica. A inexequibilidade do fim social decorre de efeitos naturais e jurídicos, como a revogação da autorização de funcionar. Dentre os eventos internos da sociedade, que deixam inexequível o fim social, estão: a) falecimento, retirada ou exclusão de sócio quando a sua participação na sociedade é essencial; b) perecimento do estabelecimento comercial; d) insanável discórdia entre os sócios, de tal ordem que impedem o desenvolvimento da administração social ou a aprovação das contas da sociedade. A decretação de interdição de um sócio pode ser motivo de dissolução judicial se o sócio desempenha função essencial e decisiva sobre a representação social: deve ficar provado que sem a presença daquele sócio o fim social se mostrou inexequível, diante da impossibilidade da prestação dos serviços, por exemplo, ou diante da função essencial que o referido sócio interditado representava para a administração da sociedade. Ademais, se da interdição sobrevier conflito generalizado entre os demais sócios, impossibilitando a administração social e o exercício da atividade, a sociedade pode ser dissolvida judicialmente. O critério para determinar a inexequibilidade do fim social, por motivo interno da sociedade, é a inação administrativa da sociedade: essa inação pode derivar do conflito entre os sócios; da desídia do administrador e representante social; da inação decorrente da perda do fundo social. Neste aspecto, o fundo social é critério que integra o conceito do amplo

estabelecimento comercial. Assim como a sociedade pode ser dissolvida judicialmente pelo perecimento material de seu estabelecimento comercial, a sociedade poderá ser dissolvida pelo desaparecimento do fundo social, o que acarretará a inação econômica da sociedade, que é fruto da sua inação comercial. A inexequibilidade do fim social tem que ocorrer após o funcionamento da sociedade porque, de outro modo, a impossibilidade originária de consecução do objeto social seria causa de nulidade do contrato, e não da dissolução da sociedade. Sociedade com objeto social impossível é sociedade inexistente, e o contrato é nulo de pleno direito. Porém, se o objeto social era lícito, mas por uma causa posterior (interna ou externa) a sociedade está impossibilitada de cumprir seu objeto social, ter-se-á dissolução por inexequibilidade do fim social, e qualquer sócio pode – e deve – requerer sua dissolução, abrindo a liquidação de seus ativos para pagamento aos credores, e o remanescente distribuído entre os sócios, se houver.

Dentre algumas dessas “outras causas” de dissolução, estão: a) falecimento de um ou mais sócios, determinando o contrato social que, ocorrendo o evento do falecimento de qualquer dos sócios, a sociedade se dissolve totalmente e não parcialmente; b) que o descumprimento das obrigações e deveres sociais, bem como a interdição e a inabilitação de qualquer dos sócios acarretam a dissolução total da sociedade; c) que a falência de qualquer dos sócios acarreta a dissolução total; d) que o exercício do direito de um ou mais sócios também acarretaria a dissolução total da sociedade, nas sociedades por prazo indeterminado; e) que, se o capital social da sociedade estiver em determinado valor, a sociedade entrará em dissolução total. As causas contratuais de dissolução obrigatória da sociedade operam imediatamente, ou seja, de pleno direito, sem a necessidade de deliberação social sobre a dissolução. A dissolução tem lugar imediatamente, de pleno direito, como manifestação da vontade social, inicialmente pactuada pelos sócios quando da constituição da sociedade. Como não há deliberação sobre essa dissolução, não há que falar em “oposição” do sócio dissidente contra a deliberação. Tal sócio deve, em ação própria, questionar a ocorrência da situação fática ou jurídica que acarretou a dissolução e obter uma sentença que comprove os seus fundamentos. Nessa ação o sócio dissidente deve obter liminar para suspender a liquidação dos ativos da sociedade. Com a suspensão da liquidação, terá lugar a comprovação ou não da situação que causou a dissolução. Se vencer a ação, terá direito a indenização contra os demais sócios, ainda que ultimada a liquidação dos ativos. Na liquidação, compete ao liquidante averbar e publicar a ata, sentença ou instrumento de dissolução da sociedade; arrecadar os bens, livros e documentos da sociedade, onde quer que estejam; proceder nos quinze dias seguintes ao da sua investidura e com a assistência, sempre que possível, dos administradores, à elaboração do inventário e do balanço geral do ativo e do passivo; ultimar os negócios da sociedade, realizar o ativo, pagar o passivo e partilhar o remanescente entre os sócios ou acionistas; exigir dos quotistas, quando insuficiente o ativo à solução do passivo, a integralização de suas quotas e, se for o caso, as quantias necessárias, nos limites da responsabilidade de cada um e proporcionalmente à respectiva participação nas perdas, repartindo-se, entre os sócios solventes e na mesma proporção, o devido pelo insolvente; convocar assembléia dos quotistas, cada seis meses, para apresentar relatório e balanço do estado da liquidação, prestando conta dos atos praticados durante o semestre, ou sempre que necessário; confessar a falência da sociedade e pedir concordata, de acordo com as formalidades prescritas para o tipo de sociedade liquidanda; finda a liquidação, apresentar aos sócios o relatório da liquidação e as suas contas finais; averbar a ata da reunião ou da assembléia, ou o instrumento firmado pelos sócios, que considerar encerrada a liquidação. Com o pagamento do passivo e partilhado o remanescente, o liquidante convocará assembléia ou reunião dos sócios para prestação final das contas. Aprovadas as contas, a liquidação considera-se encerrada, e deve ser apresentado o requerimento de extinção da sociedade ao Registro das Empresas, bem como a respectiva ata que deliberou pela aprovação das contas. Após encerrada a liquidação, o credor não pago somente terá direito de exigir dos sócios, individualmente, o pagamento de seu crédito, até o limite da soma por eles recebida na partilha, e a propor contra o liquidante a ação de perdas e danos (artigos 1.108-1.110, C.C.). Com efeito, a liquidação deve ser feita levando em consideração o interesse dos credores, por ser ato societário com reflexo na ordem pública. Pago o passivo, partilhado o remanescente, a sociedade poderá ser extinta, nos termos da lei.

Capítulo IX

DO REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS MERCANTIS

335. Do registro da sociedade empresária

Fundamental para a formação da sociedade é o seu registro, que lhe confere publicidade. Diz o grande JEAN VAN RYN: “La publicitè des entreprises est essentiellement assurrée par le registre du comerce.”1

Qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá consultar os assentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões, mediante pagamento do preço devido (art. 29, Lei 8.934/94). O pedido de certidão, assinado pelo interessado e acompanhado do comprovante de pagamento do preço devido, indicará uma das seguintes modalidades: I – simplificada; II – específica, consoante quesitos formulados no pedido; III – inteiro teor, mediante reprografia. Sempre que houver qualquer alteração posterior ao ato cuja certidão for requerida, deverá ela, obrigatoriamente, ser mencionada, não obstante as especificações do pedido. A certidão deverá ser entregue no prazo de até quatro dias úteis contados da data do protocolo do pedido na sede da Junta Comercial e, no prazo de até oito dias úteis, se em protocolo descentralizado. Em caso de recusa ou demora na expedição da certidão, o requerente poderá reclamar à autoridade competente, que deverá providenciar, com presteza, sua expedição (artigos 81-83 do Decreto 1.800/96). Com efeito, a principal finalidade do registro é conferir publicidade ao negócio jurídico, bem como efetivar-lhe segurança jurídica. Do ponto de vista público, o registro é um dever do Estado como entidade no controle da atividade econômica, neste passo entendida como atividade empresarial.

336. Do regramento normativo sobre o Registro das Empresas

A sociedade deve ser registrada, como já se viu, para que o contrato social produza os efeitos necessários entre os sócios e terceiros. A disciplina do Registro Público de Empresas Mercantis está disciplinada pela Lei 8.934, de 18 de novembro de 1994; Decreto 1.800, de 1996; Lei 11.598, de 3 de dezembro de 2007, bem como pelo Código Civil de 2002.

Na esfera constitucional (art. 22), compete privativamente à União legislar sobre: “XXV – registros públicos”. Disciplina o art. 24 da Constituição Federal: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: III – juntas comerciais; § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; § 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades; § 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.” A referida Lei 11.598, de 2007, estabeleceu as diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, ao criar a Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, e que alterou, em parte, algumas regras da Lei 8.934/94, revogando dispositivos do Decreto-Lei 1.715, de 1979, e das Leis 7.711/88, 8.036/90, 8.212/91 e 8.906/94. A Lei 8.934/94 foi alterada pela Lei 9.829, de 29 de setembro de 1999, inciso III do art. 12, e, após, alterada pela Lei 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, arts. 10, 11, inciso II do art. 12 e inciso II do art. 32. O Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996, regulamentou a Lei 8.934/94 e foi alterado pelo Decreto 3.395, de 29 de março de 2000, art. 9º, inciso IV do art. 10, incisos III e IV do art. 11, inciso I do art. 12, inciso II e alínea “a” do inciso V do art. 34; inciso III do art. 64 e § 3º do art. 69; bem como pelo Decreto 3.344, de 26 de janeiro de 2000. Dispõe sobre a utilização de siglas em nomes comerciais, alterando o inciso VI do art. 53 do Decreto 1.800, de 30 de janeiro de 1996, art. 53, inciso VI, ao remeter para o DNRC a competência de “baixar” as Instruções Normativas.

1 “La publicitè de ce répertoire est assurrée par divers moyens: a) toute personne peut consulter le registre et s’en faire délivrer à ses frais des extraits sans devoir justifier d’un intérêt.” Principes de droit commercial, cit., t. I, pp. 117/118.

337. Da finalidade do Registro das Empresas

O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins será exercido em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com as seguintes finalidades: I – dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma da lei; II – cadastrar as empresas mercantis nacionais e estrangeiras em funcionamento no país e manter atualizadas as informações pertinentes; III – proceder à matrícula dos agentes auxiliares do comércio, bem como ao seu cancelamento (art. 1º, Decreto 1.800/96).

Conforme MODESTO CARVALHOSA , o registro público pode ser definido “como o instituto jurídico que visa dar publicidade aos atos e negócios jurídicos, estado e capacidade das pessoas, autenticando, proporcionando segurança e eficácia às obrigações contraídas e à aquisição, transferência ou extinção de direitos.”1

Os atos e negócios jurídicos registrados têm presunção de validade até prova em contrário, caracterizando presunção relativa da sua veracidade e regularidade. Se, após a sua inscrição ou registro, em que pesem nulidades ou anulabilidades, o ato será invalidado com seus regulares efeitos jurídicos.

338. Da publicidade do contrato social

Realizado o registro do contrato social, tudo conforme os ditames normativos, a publicidade do contrato social é imediata, e todos os interessados, credores, terceiros, etc., podem ter dele notícia, bastando para isso apresentar os devidos requerimentos. A publicidade é a regra, não cabem exceções, de hipótese alguma sobre os efeitos registrais do contrato social. Situação bem distinta se dá na sociedade em conta de participação, quando, ao revés, seu contrato não deve ser levado ao Registro das Empresas, por ser uma sociedade oculta. Ademais, o contrato social da sociedade em nome coletivo não deve ser registrado em nenhuma esfera pública, nem mesmo no Cartório de Registros de Pessoas Jurídicas e Títulos e Documentos. Com efeito, caso o referido contrato social da sociedade em conta de participação seja registrado em qualquer cartório, isso, em hipótese alguma, de per si, descaracterizaria a sua natureza oculta ou lhe conferiria personalidade jurídica. A sociedade em conta de participação continua oculta enquanto os terceiros e credores desconhecem a sua existência, e tal fato, por si só, é o fato determinante em lhe conferir a sua natureza jurídica, decorrendo, sobre essa forma, os efeitos jurídicos na sua formação, constituição e funcionamento. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito (art. 992, C.C.). O contrato social produz efeitos somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade (art. 993, caput, C.C.). Todos os demais contratos são públicos por definição e conferem os respectivos direitos aos sócios, à sociedade, etc., e convergem na validade dos seus atos e negócios jurídicos e sociais. Se a sociedade não tiver nenhum contrato, registrado ou não, tal sociedade será considerada uma sociedade de fato, denominada sociedade em comum, conforme o art. 986 do Código Civil; ao passo que, se após sua inscrição aparecerem irregularidades específicas, será uma sociedade irregular, com as consequências cabíveis, entre elas: a responsabilidade ilimitada e solidária dos sócios; impossibilidade de requerer recuperação judicial. Fundamental é o registro das sociedades empresárias, quer do ponto de vista da sua constituição, quer dos atos posteriores, como transformação do tipo societário, entrada ou saída de novos sócios, aumento de seu capital; contratação ou dispensa de diretores, averbação da sua extinção, etc. Cabe, também, ressaltar que o contrato social da sociedade simples é arquivado, bem como suas alterações, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, observando a Lei 6.015 de 1973.2 O Registro das Empresas anota as diferentes fases da atividade empresarial das sociedades e dos empresários, desde o dia em que começa até aquele em que cessa o exercício da sua atividade empresarial – a boa fé e o crédito exigem, diz CARVALHO DE MENDONÇA, para a firmeza e o desenvolvimento do comércio a regra da publicidade dos atos principais

1 Comentários ao Código Civil, cit., vol. 13, p. 665.

2 “O presente art. 1.150 prevê que a sociedade simples revestida de algum dos tipos de sociedade empresária deverá, mesmo assim, continuar submetendo seus atos e negócios jurídicos ao registro civil, como já se fazia antes do advento do Código Civil de 2002”. CARVALHOSA, Modesto. Comentários, cit., vol. 13, p. 669.

do empresário e das sociedades com a finalidade de salvaguardarem e garantirem, de maneira eficaz, os interesse de terceiros.1

A publicidade é a guardiã da moralidade na atividade empresarial. Cumpre, nesse capítulo, analisar os temas de registro de sociedades, decorrentes dos efeitos da constituição das sociedades e seu funcionamento, nos termos mencionados, supra, neste tratado.

339. Da história do Registro Público do Comércio no país

Conforme explica TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE , o Registro Público do Comércio foi instituído pelo art. 11 do Título Único do Código Comercial e foi regulado pelo Decreto 738, de 25 de novembro de 1850, dizendo que onde houvesse tribunal de comércio funcionaria o registro na respectiva secretaria; e nas províncias, onde houvesse relações, as atribuições do tribunal de comércio seriam exercidas por uma seção das mesmas relações, que se denominavam Junta de Comércio, em cuja secretaria funcionava o registro público. Na falta de relações, o Registro Público do Comércio ficava a cargo dos oficiais do registro geral das hipotecas. No registro deviam ser inscritos os atos constitutivos das companhias e sociedades comerciais e arquivados os documentos que o Código Comercial determinasse. Foi em 30 de novembro de 1876, com o Decreto 6.384, que se organizaram as Juntas Comerciais, e com esta ficou o Registro Público do Comércio.2 Contudo, na realidade das coisas, a situação foi bem outra, com ingerências dos Estados na edição de leis e regulamentos sobre o funcionamento das Juntas Comerciais, o que foi prontamente descoberto pelo mestre dos mestres, que assim resumiu aquilo que ocorreu naqueles tempos: “Das deliberações das Juntas Comerciais deram os Estados recursos para o seu governo, e eis como se corrompem muitas vezes as leis federais. As decisões proferidas pelos governos estaduais são eivadas de parcialismo. O critério político e a vontade de ser útil a quem deseja violar a lei é o que predomina.” 3

Com a extinção dos tribunais de comércio, a competência julgadora sobre direito comercial passou para os juízes; e a parte correspondente aos serviços de mero expediente, de natureza administrativa, ou seja, feito na sua secretaria, continuou com as Juntas Comerciais, que desde o famoso julgado do Supremo Tribunal Federal, no acórdão de 23 de julho de 1917, se assentou, claramente, que as Juntas Comerciais são institutos meramente administrativos.4 A Constituição de 1891 atribuiu à União a competência exclusiva em legislar sobre direito civil, comercial e criminal da República, e, com efeito, somente ela, ou seja, a União podia regular os registros públicos dos atos da atividade civil e comercial.

Posteriormente, com a edição da Constituição Federal, de 1934, determinou-se, conforme o art. 5º, XIX, a competência privativa da União em legislar sobre os registros públicos e juntas comerciais.5 Por sua vez, a Constituição Federal de 1946, expressamente, manteve a sistemática, estabelecendo que a competência da União em legislar sobre os registros públicos e as Juntas de Comércio. Na Constituição Federal de 1988, como já se disse, supra, o art. 22 estabelece que compete privativamente à União legislar sobre registros públicos.

Disciplina o art. 24 da Constituição Federal: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: III – juntas comerciais; § 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; § 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; § 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena para atender a suas peculiaridades; § 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrário”.

1 Tratado, cit., vol. I, n. 205, pp. 324-326.

2 “Proclamada a República, o Governo Provisório baixou o Decreto 596, de 19 de julho de 1890, cujo artigo único declarava que, enquanto o Congresso, na capital da República, e as legislaturas, nos Estados, não organizassem definitivamente, em conformidade com a Constituição Federal, o serviço a cargo das Juntas e

Inspetorias Comerciais, seriam elas mantidas, com as alterações e na forma baixada com o mesmo decreto”. Sociedades por ações, cit., vol. I, pp. 309/310.

3 Tratado, cit., vol. I, n. 209, p. 330.

4 Tratado, cit., vol. I, n. 230, pp. 353/354.

5 “Pelo Decreto 24.635, de 10 de julho de 1934, poucos dias antes de publicada a Constituição de 1934, foi extinta a Junta Comercial do Distrito Federal, passando as suas atribuições para o Departamento Nacional de Indústria e Comércio. Pelo Decreto 93, de 20 de março de 1935, foi regulado o registro do comércio, cujos serviços estão a cargo de uma seção do mesmo Departamento”. VALVERDE, Trajano de Miranda, Sociedades por ações, cit., vol. I, p. 311.

340. Da finalidade do Registro Público das Empresas

O art. 1º da Lei 8.934/94 diz, claramente, que: Art. 1º. O Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, subordinado às normas gerais prescritas nesta lei, será exercido em todo o território nacional, de forma sistêmica, por órgãos federais e estaduais, com as seguintes finalidades; I – dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetidos a registro na forma desta lei; II – cadastrar as empresas nacionais e estrangeiras em funcionamento no país e manter atualizadas as informações pertinentes; III – proceder à matrícula dos agentes auxiliares do comércio, bem como ao seu cancelamento. A finalidade do registro tem, no terceiro de boa-fé, o seu fundamento objetivo. O registro existe na sua utilidade às empresas. Entre as suas vantagens o registro estabelece a distinção entre atividades empresárias e de ordem civil, oferece garantia à identidade do empresário, informando sua firma ou razão social, a sucessão, liquidação, extinção, etc. Com efeito, diz CARVALHO DE MENDONÇA que o registro público cria uma presunção relativa de autenticidade dos atos que lhe são submetidos, que consiste na fé pública de que se revestem os mesmos, salvo prova em contrário, e a presunção é relativa porque o registro pode ser objeto de pedido de anulação, retificável, sendo o oficial público encarregado mero receptor de declarações de terceiros, por ele examinadas por critérios predominantemente formais.1 Essa é a finalidade do registro, ao passo que sua função, no interesse dos terceiros de boa-fé, está em dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, precipuamente.

341. Da composição do sistema de controle e regramento do Registro das Empresas

Nos termos da Lei 8.934/94 (art. 3º) amplas são as funções do Departamento Nacional de Registro do Comércio e das Juntas Comerciais. Em linha de resumo, esses são os dois órgãos: Departamento Nacional de Registro do Comércio e as Juntas Comerciais. Assim, o sistema do registro público das empresas é composto pelos seguintes órgãos: I – o Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão central do SINREM, com funções supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, no plano técnico; e supletiva, no plano administrativo; II – as Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro.

342. Da natureza jurídica dos atos de registro e arquivamento

Entendo que o ato que defere o registro, para os seus devidos fins, é de natureza meramente declaratória e não constitutiva. Tal ato declaratório não é diferente de um ato de jurisdição voluntária praticado em juízo, quando apenas os aspectos formais devem ser verificados amplamente. A posterior anulação judicial do contrato social provoca efeitos ex tunc em proveito dos terceiros. É mister não confundir anulação do contrato social com a declaração de invalidade de uma das suas cláusulas. Esta, ou seja, a simples declaração de invalidade, uma cláusula contratual não importa considerar a sociedade irregular; ao passo que a anulação judicial do contrato social, por defeito incorrigível, importa, com efeito, a fulminação daquela sociedade, com efeitos ex tunc. Por conseguinte, o registro é mera formalidade, como ato-condição para aquisição de direitos específicos, direitos esses que estão todos previstos em leis específicas e gerais, e que não mantêm correlação de decisão com a lei dos registros. O que se quer dizer é que as regras societárias existem de per si, não se servem da lei dos registros, e ocorre apenas a situação que todo o substrato jurídico societário emerge, em sua aplicação, com a validade do seu registro, mas isso não significa uma correlação absoluta entre os diversos e autônomos sistemas jurídicos societários e cartoriais das Juntas Comerciais.

1 Comentários, cit., vol. 13, p. 665.

Tal fato se prova claramente quando o requerente sai vencedor em demanda judicial — por exemplo, mandado de segurança contra decisão proferida em sede de Junta Comercial, indeferindo registro, alterações societárias, etc. Ora, a decisão judicial vai, por exemplo, no caso em questão, determinar o arquivamento, e essa decisão tem efeitos societários, que são muito maiores que os efeitos registrais. O magistrado julgou o mérito do pedido da ação, que neste caso seria a manifesta ilegalidade por parte do serviço de registro. Ademais, a sociedade nasce única e exclusivamente por manifestação de vontade dos seus sócios, e essa manifestação ocorre antes do arquivamento. Sobre essa questão, sigo, como sempre, a opinião de TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE. O arquivamento não é ato de mérito, e sim formal, de controladoria simples, sem verificação sobre o conteúdo.

Sobre as Juntas Comerciais, doutrinou o nosso CARVALHO DE MENDONÇA que “sempre se reconheceu o direito, senão a obrigação de verificarem essas corporações administrativas a legalidade dos atos apresentados a registro, sem que aliás pudessem apreciar a natureza íntima deles. Assim, foi assentado, ainda quando o Registro estava a cargo dos Tribunais do Comércio, que sob essa matéria exerciam funções meramente administrativas”.1

A natureza declaratória se comprova da própria redação da Lei 8.934/94 (art. 32) ao estabelecer que o registro compreende o arquivamento: “a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;b) dos atos relativos a consórcio e grupo de sociedade de que trata a Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976;c) dos atos concernentes a empresas mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil;d) das declarações de microempresa;e) de atos ou documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário e às empresas mercantis. Por seu turno, o art. 35 da referida lei estabelece os critérios formais para indeferimento dos arquivos, não podendo julgar as matérias lá relacionadas.

343. Da natureza jurídica das Juntas Comerciais e das suas decisões

As Juntas Comerciais têm a natureza jurídica de órgão, com os efeitos regulares dessa prerrogativa. Com isso, devem desempenhar suas funções com absoluta legalidade, autonomia e competência própria, fixadas pela própria legislação. A subordinação administrativa, a que faz referência o art. 6º da Lei 8.934/94, tem conotação instrumental, nunca técnica ou sobre o conteúdo das decisões das Juntas Comerciais em espécie. O repertório das decisões das Juntas Comerciais é verdadeira fonte de direito. A revisão das suas decisões, via recursos administrativos ou judiciais, não afronta, obviamente, sua natureza jurídica de órgão que tem competências e deveres próprios; antes, tal fato denota sua relevância na condução da regularidade dos atos e negócios sociais que são passíveis de registro. Evidentemente que a Junta Comercial desempenha função formal no ato de registro do contrato social. Em hipótese alguma, a Junta Comercial fica autorizada a perquirir sobre o mérito das questões de fundo das sociedades empresárias, sob pena de nulidade da sua decisão. Outra coisa é sua autonomia organizacional, prevista pela lei. Não há dúvida de que as leis que regem o arquivamento do contrato social são todas leges minus quam perfectae . Por esse fato, podem ser arquivados, indevidamente, contratos sociais simulados, mas, até se apurar tal simulação, fraude ou defeito formal e material, a sociedade é absolutamente regular. A sociedade será considerada irregular somente após decisão que fulmine o ato arquivado. O registro é ato meramente declaratório, de expediente, como se fosse o do registro de garantia real, que não confere validade ao negócio jurídico, mas apenas a autêntica de maneira solene o instrumento do contrato, e tem como finalidade a publicidade do ato ou negócio jurídico, e, com efeito, não é aceitável controle via decisão de mérito ou de sua extemporaneidade. A única finalidade do registro é dar publicidade, no interesse dos terceiros, nunca controle de fundo sobre o ato ou negócio jurídico. Tal prerrogativa, ou seja, de julgar a validade do negócio jurídica é exclusiva do Poder Judiciário.

1 Tratado, cit., vol. I, n. 208, p. 330.

Qualquer que seja o direito intrínseco ao contrato social, não pode o órgão da Junta Comercial recusar-lhe registro, privando, arbitrariamente, as partes de uma prerrogativa que é sua, como pessoa física ou jurídica, sem qualquer distinção, porque o registro é público, e um direito das partes é alcançar a sua publicidade. A prerrogativa de função da Junta Comercial em negar arquivamento tem seu fundamento no art. 53 do Decreto 1.800/96. Os atos que não estiverem de acordo com o referido texto normativo não podem ser arquivados. Contudo, isso, pelo contrário, não diz respeito ao controle sobre o mérito, mas, ao revés, seria ilegal o arquivamento do ato naquelas condições, com responsabilização civil contra o órgão de controle por evidente descumprimento de suas funções. A Junta Comercial cumpre função unicamente administrativa. A Junta Comercial não tem nenhum poder de julgar o mérito. Cumpre, somente, decidir sobre a Lei 8.934/94 e o Decreto 1.800/96. Qualquer decisão que ultrapassar esses dois textos legais é manifestamente inconstitucional e ilegal. A Junta Comercial não tem nenhuma legitimidade funcional para interpretar o Código Civil de 2002 ou a Lei 6.404/76 ou qualquer outra lei.

Assim, não é que seria feita uma verificação sobre o mérito do contrato, mas, ao contrário, o contrato ou o ato que colidirem com o art. 53 do Decreto 1.800/96 é que não pode ser registrado porque assim contrariaria o que diz a lei, não o oficial do registro. A sentença final é de CARVALHO DE MENDONÇA: “Não nos devemos esquecer que a legislação comercial é federal e unitária; o nosso empenho deve ser a manutenção dessa unidade, e nunca o esfacelo do direito privado comercial, entregando a sua guarda e vigilância a repartições organizadas a bel-prazer dos Estados.” O que o mestre disse é uma verdadeira sentença fulminante contra a burocracia ignorante. O empenho eterno é ver triunfar tanto a riqueza da liberdade de contratar como o esplendor do direito societário.

344. Do órgão de controle e revisão sobre o Registro das Empresas

Conforme o art. 4º da Lei 8.934/94, o Departamento Nacional de Registro do Comércio, órgão integrante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, tem por finalidades: supervisionar e coordenar, no plano técnico, os órgãos incumbidos da execução dos serviços de Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; estabelecer e consolidar, com exclusividade, as normas e diretrizes gerais do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; solucionar dúvidas ocorrentes na interpretação das leis, regulamentos e demais normas relacionadas com o registro de empresas mercantis, baixando instruções para esse fim; prestar orientações às Juntas Comerciais, com vistas à solução de consultas e à observância das normas legais e regulamentares do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; exercer ampla fiscalização jurídica sobre os órgãos incumbidos do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, representando para os devidos fins às autoridades administrativas contra abusos e infrações das respectivas normas, e requerendo tudo o que se afigurar necessário ao cumprimento dessas normas; estabelecer normas procedimentais de arquivamento de atos de firmas mercantis individuais e sociedades mercantis de qualquer natureza; promover ou providenciar, supletivamente, as medidas tendentes a suprir ou corrigir as ausências, falhas ou deficiências dos serviços de Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; prestar colaboração técnica e financeira às Juntas Comerciais para a melhoria dos serviços pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; organizar e manter atualizado o cadastro nacional das empresas mercantis em funcionamento no país, com a cooperação das Juntas Comerciais; instruir, examinar e encaminhar os processos e recursos a serem decididos pelo Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo, inclusive os pedidos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou estabelecimento no país, por sociedade estrangeira, sem prejuízo da competência de outros órgãos federais; promover e efetuar estudos, reuniões e publicações sobre assuntos pertinentes ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

345. Da lição de Trajano de Miranda Valverde

Conforme a lição do mestre, “a inscrição ou o arquivamento não entram, no nosso direito, como elemento integrante da constituição da sociedade, e, sim, como requisito necessário ao seu regular funcionamento. A sociedade como pessoa jurídica já existe, mas, para atuar com plena eficácia na conformidade do fim para que foi criada, preciso é que se cumpra a formalidade da inscrição ou do arquivamento do instrumento probatório da sua existência no registro público competente.”1

1 Sociedades por ações, cit., vol. I, p. 302.

Perfeita a consideração de TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE , e, desta feita, a natureza jurídica do ato é meramente declaratória, e não integra, decisivamente, o elemento da própria constituição da sociedade. Conforme seu entendimento, inscrição ou registro são termos que se equivalem, mas diferem de arquivamento, ao passo que a inscrição consiste nas anotações que o funcionário do ofício competente efetua, em livro especial, do documento que lhe é exibido, devolvendo-o após ao interessado. O arquivamento consiste, então, no depósito no registro público competente do documento ou instrumento probatório de um ato jurídico. Tanto é assim que a inscrição ao registro das empresas não confere a qualidade de empresário, mas tal inscrição supõe, ao contrário, como condição anterior a existência da qualidade de empresário. Também é assim no caso de arquivamento de extinção de sociedade empresária ou de firma individual, quando, após o referido arquivamento, a sociedade continua exercendo a atividade empresária ou o empresário continua exercendo a firma individual. O arquivamento da inscrição não é constitutivo, mas apenas declaratório.

346. O registro existe em favor da proteção ao terceiro de boa-fé

A principal função institucional da Junta Comercial é que o arquivamento confere publicidade ao negócio jurídico, efeito de publicidade este que existe, unicamente, na proteção ao terceiro de boa-fé. A utilidade principal do registro é colocar, oficialmente, à disposição do público as indicações precisas sobre todas as sociedades empresárias e empresários individuais, ou seja, a finalidade intrínseca é a proteção ao terceiro de boa-fé.1 O registro tem a função de colocar ordem, mantendo a segurança jurídica sobre os negócios sociais.

Com efeito, “o instituto do registro do comércio representa o mais poderoso órgão dessa publicidade, sob o ponto de vista jurídico; é uma garantia para terceiros, visando amparar a honestidade das transações e auxiliar o comércio, duas poderosas forças comerciais.”2

Certamente, o registro é órgão essencial para o bom andamento das questões empresariais, e sua função é primordial na segurança jurídica das relações obrigacionais.

347. Da segurança jurídica decorrente do arquivamento

A segurança jurídica nas transações obrigações tem, em grande parte, vigência pelo fato da publicidade dos atos e negócios jurídicos arquivados nas Juntas Comerciais. Se esse precioso órgão seria a balbúrdia ampla. Contra essa desordem, existe o sistema das Juntas Comerciais, que devem zelar pelo bom andamento dos seus registros, na proteção do nome empresarial, da inscrição das sociedades, da regularidade dos contratos sociais, etc. Portanto, a segurança no contratar e a publicidade dos atos e negócios jurídicos têm correlação intrínseca na prática empresarial.

348. Dos atos que, por força de lei, não devem ser registrados

Nos termos do art. 35 da Lei 8.934, de 1994, esses são os atos que não podem ser arquivados: os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou regulamentares ou que contiverem matéria contrária aos bons costumes ou à ordem pública, bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não modificado anteriormente; os documentos de constituição ou alteração de empresas mercantis de qualquer espécie ou modalidade em que figure como titular ou administrador pessoa que esteja condenada pela prática de crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil; os atos constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas exigidas em lei, não designarem o respectivo capital, bem como a declaração precisa de seu objeto, cuja indicação no nome empresarial é facultativa; a prorrogação do contrato social, depois de findo o prazo nele fixado; os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já existente; a alteração contratual, por deliberação majoritária do capital social, quando houver cláusula restritiva; os contratos sociais ou suas alterações em que haja incorporação de imóveis à sociedade, por instrumento particular, quando

1 RYN, Jean Van. Principes de droit commercial, cit., t. I, p. 118.

2 Tratado, cit., vol. I, n. 205, p. 326.

do instrumento não constar: a) a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da matrícula no Registro Imobiliário, b) a outorga uxória ou marital, quando necessária; os contratos ou estatutos de sociedades mercantis, ainda não aprovados pelo Governo, nos casos em que for necessária essa aprovação, bem como as posteriores alterações, antes de igualmente aprovadas. Com efeito, a Junta Comercial não dará andamento a qualquer documento de alteração de firmas individuais ou sociedades, sem que dos respectivos requerimentos e instrumentos conste o Número de Identificação de Registro de Empresas (NIRE). O Decreto 1.800/96, que regulamentou a Lei 8.934/94, repetiu e acabou por incluir alguns novos requisitos para registro de determinados atos, estabelecendo que não podem ser registrados os documentos que não obedecerem às prescrições legais ou regulamentares ou que contiverem matéria contrária à lei, à ordem pública ou aos bons costumes, bem como os que colidirem com o respectivo estatuto ou contrato não modificado anteriormente; os documentos de constituição ou alteração de empresas mercantis em que figure como titular ou administrador pessoa que esteja condenada pela prática de crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil; os atos constitutivos e os de transformação de sociedades mercantis, se deles não constarem os seguintes requisitos, além de outros exigidos em lei: a) o tipo de sociedade mercantil adotado; b) a declaração precisa e detalhada do objeto social; c) o capital da sociedade mercantil, a forma e o prazo de sua integralização, o quinhão de cada sócio, bem como a responsabilidade dos sócios; d) o nome por extenso e qualificação dos sócios, procuradores, representantes e administradores, compreendendo para a pessoa física a nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência, documento de identidade, seu número e órgão expedidor e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), dispensada a indicação desse último no caso de brasileiro ou estrangeiro domiciliado no exterior, e para a pessoa jurídica, o nome empresarial, endereço completo e, se sediada no país, o Número de Identificação do Registro de Empresas (NIRE) ou do cartório competente e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC); e) o nome empresarial, o município da sede, com endereço completo, e foro, bem como os endereços completos das filiais declaradas; f) o prazo de duração da sociedade mercantil e a data de encerramento de seu exercício social, quando não coincidente com o ano civil; os documentos de constituição de firmas mercantis individuais e os de constituição ou alteração de sociedades mercantis, para ingresso de administrador, se deles não constar, ou não for juntada a declaração, sob as penas da lei, datada e assinada pelo titular, administrador, exceto de sociedade anônima, ou por procurador de qualquer desses, com poderes específicos, de que não está condenado por nenhum crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil; a prorrogação do contrato social, depois de findo o prazo nele fixado; os atos de empresas mercantis com nome idêntico ou semelhante a outro já existente ou que inclua ou reproduza em sua composição siglas ou denominações de órgãos públicos, da Administração direta ou indireta, bem como de organismos internacionais e aquelas consagradas em lei e atos regulamentares emanados do Poder Público (redação conferida pelo Decreto 3.344, de 26.1.2000); a alteração contratual produzida e assinada por sócios titulares de maioria do capital social, quando houver, em ato anterior, cláusula restritiva; o contrato social, ou sua alteração, em que haja, por instrumento particular, incorporação de imóveis à sociedade, quando dele não constar: a) a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação e seu número de matrícula no Registro Imobiliário; b) a outorga uxória ou marital, quando necessária; os instrumentos, ainda não aprovados pelo Governo, nos casos em que for necessária essa prévia aprovação; o distrato social sem a declaração da importância repartida entre os sócios, a referência à pessoa ou às pessoas que assumirem o ativo e passivo da sociedade mercantil, supervenientes ou não à liquidação, a guarda dos livros e os motivos da dissolução, se não for por mútuo consenso. A Junta Comercial não dará andamento a qualquer documento de alteração ou de extinção de firma individual ou sociedade mercantil sem que dos respectivos requerimentos e instrumentos conste o Número de Identificação do Registro de Empresas (NIRE). Entende-se como preciso e detalhadamente declarado o objeto da empresa mercantil quando indicados o seu gênero e espécie. A natureza das funções da Junta Comercial é meramente formal e administrativa. Isto quer dizer que basta confrontar o contrato social com o requerimento que se descobre, facilmente, a impossibilidade de se efetuar o registro. Nos termos do art. 35 da referida lei, a Junta Comercial não tem competência para julgar absolutamente nada, e faz somente uma simples e corriqueira verificação sobre a legalidade do requerimento de registro, e se tal requerimento colidiria ou não com aquilo que está, expressamente, previsto pelo contrato social ou, em casos mais específicos, com a lei imperativa.

349. Do art. 1.153 do Código Civil

O art. 1.153 do Código Civil não alterou em nada a sistemática do funcionamento das Juntas Comerciais. Continuam essas Juntas funcionando como órgão de natureza administrativa, de arquivo dos atos e negócios praticados pelos empresários e sociedades empresárias, e nunca podem querer afrontar o mérito da questão.

Quando o referido Código diz “cumpre à autoridade competente, antes de efetivar o registro, verificar a autenticidade e a legitimidade do signatário do requerimento, bem como fiscalizar a observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados”, está se referindo unicamente ao controle formal, previsto pela Lei 8.934/94 e seu decreto de regulamentação.

Assim, entenda-se como “prescrições legais” unicamente o que está disciplinado nos artigos 35 da Lei 8.934/94 e 53 do Decreto 1.800/96, e dispositivos complementares, como os artigos 37, 40 e 63 da Lei 8.934/94. Como já se viu, as decisões da Junta Comercial ou do Departamento Nacional do Registro do Comércio não têm natureza de jurisdição administrativa. Em nenhuma hipótese foi conferida tal prerrogativa de função em favor desse órgão. Em sede de ordenamento jurídico pátrio, somente o Poder Judiciário tem a prerrogativa, com o significado de competência, de prestar a jurisdição, ou seja, dizer aquilo que é o direito. Em hipótese alguma o referido Departamento Nacional teria semelhança institucional, bem como as Juntas Comerciais, aos órgãos de efetivo controle; por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Portanto, a Junta Comercial deve, por mandamento legal, como órgão funcional da administração pública, cumprir fielmente os seus deveres. Todo e qualquer ato que indeferir arquivamento de contrato social, alteração societária, etc., decidido com fundamento em questões não atinentes aos requisitos formais previstos nos artigos 35, 37, 40 e 63 da Lei 8.934/94 e art. 53 do Decreto 1.800/96, pode ser objeto de revisão judicial, em sede de mandado de segurança, se a referida decisão for mantida pelo órgão máximo do controle administrativo.

350. Das Juntas Comerciais

Estabelece a lei que em cada Estado da Federação haverá uma Junta Comercial, com sede na capital e jurisdição na área da circunscrição territorial respectiva (art. 5º da Lei 8.934/94). A Junta não tem qualquer jurisdição, mas dispõe apenas de competência específica atribuída pela própria Lei 8.934/94 e Decreto 1.800/96, como órgão, no arquivamento dos atos e negócios jurídicos de sua atribuição legal, conforme mencionados, supra. O termo circunscrição é correto e envolve, verdadeiramente, essa competência pelo território, ou seja, do Estado da Federação. Somente o Poder Judiciário tem a prerrogativa de função, na composição do Estado Democrático de Direito, de fornecer prestação jurisdicional. Por isso, equivocadas estão as redações do art. 5º da Lei 8.934/94 e art. 5º do Decreto 1.800/96. A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV, Constituição Federal). Ademais, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 5º, LXIX, Constituição Federal). Contra decisões da Junta Comercial, na via judicial, o remédio aconselhado é o mandado de segurança para fulminar a decisão ilegal.

351. Da estrutura funcional das Juntas Comerciais

As Juntas Comerciais subordinam-se administrativamente ao governo da unidade federativa de sua jurisdição e, tecnicamente, ao DNRC, nos termos desta lei (art. 6º da Lei 8.934/94). Isso significa que do ponto de vista da estrutura administrativa, as Juntas Comerciais estão adstritas aos Governos Estaduais; porém, do ponto de vista técnico, ou seja, na observância das Instruções Normativas, as Juntas Comerciais devem, obrigatoriamente, seguir o passo do Departamento Nacional de Registro do Comércio. A prática mostrou o ocaso desse sistema diversificado, quando de decisões contraditórias se comparadas entre as várias Juntas Comerciais dos Estados da Federação. Por conseguinte, deveria desaparecer a subordinação administrativa, passando toda a competência ao referido Departamento Nacional, com a finalidade de uniformizar e controlar, efetivamente, as decisões. Com isso, a segurança jurídica seria muito maior. E são válidas as críticas de CARVALHO DE MENDONÇA, já mencionadas, que não se pode olvidar que a legislação comercial é federal e unitária, e o empenho deve ser aquele da manutenção dessa unidade, e nunca desequilibrar o direito privado comercial, entregando sua guarda e vigilância a repartições organizadas a bel-prazer dos Estados.1 O problema maior é que a fiscalização sobre a Junta Comercial fica a cargo dos Estados, ou seja, dos Governos que as controlam. O conflito fica evidente pela regra do art. 6º, parágrafo único, da Lei 8.934/94, ao estabelecer que a Junta Comercial do Distrito Federal é subordinada administrativa e tecnicamente ao Departamento Nacional de Registro do Comércio. Essa regra tem razão prática. A Junta Comercial do Distrito Federal foi criada pela Lei 4.726, de 13 de julho de 1965, e,

1 Sobre esse tema, consultar a riquíssima explanação de CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado, cit., vol. I, pp. 349/355.

posteriormente, regulamentada pelo Decreto 62.037, de 29 de dezembro de 1967. E Junta Comercial do Distrito Federal é vinculada ao Departamento Nacional de Registro do Comércio e faz parte da estrutura do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no âmbito da Secretaria do Desenvolvimento da Produção.

352. Das funções das Juntas Comerciais nos Estados da Federação

As Juntas têm a incumbência de: I – executar os serviços previstos no art. 32 desta lei; II – elaborar a tabela de preços de seus serviços, observadas as normas legais pertinentes; III – processar a habilitação e a nomeação dos tradutores públicos e intérpretes comerciais; IV – elaborar os respectivos Regimentos Internos e suas alterações, bem como as resoluções de caráter administrativo necessárias ao fiel cumprimento das normas legais, regulamentares e regimentais; V – expedir carteiras de exercício profissional de pessoas legalmente inscritas no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; VI – o assentamento dos usos e práticas mercantis. São deveres-funções, como órgão da administração executiva, dos serviços levados ao registro e arquivamentos cabíveis. As referidas carteiras são as de empresários, leiloeiros, tradutores públicos e intérpretes comerciais e administradores de armazéns-gerais.

353. Da estrutura organizacional das Juntas Comerciais

A estrutura das Juntas Comerciais será integrada pelos seguintes órgãos: I – Presidência, como órgão diretivo e representativo; II – Plenário, como órgão deliberativo superior; III – Turmas, como órgãos deliberativos inferiores; IV –Secretaria-Geral, como órgão administrativo; V – Procuradoria, como órgão de fiscalização e de consulta jurídica. As Juntas Comerciais poderão ter uma Assessoria Técnica, com a competência de examinar e relatar os processos de registro público de empresas mercantis e atividades afins a serem submetidos à sua deliberação, cujos membros deverão ser bacharéis em Direito, Economistas, Contadores ou Administradores. As Juntas Comerciais, por seu Plenário, nos termos da legislação estadual respectiva, poderão resolver pela criação de Delegacias, órgãos subordinados, para exercerem, nas zonas de suas respectivas jurisdições, as atribuições de autenticar instrumentos de escrituração das empresas mercantis e dos agentes auxiliares do comércio e de decidir sobre os atos submetidos ao regime de decisão singular, proferida por servidor que possua comprovados conhecimentos de Direito Comercial e dos serviços de registro público de empresas mercantis e atividades afins. Com efeito, ficam preservadas as competências das atuais Delegacias” (art. 8º do Decreto 1.800/96).

Questão a qual requer atenção é o caso da delegação das funções, proferida por servidor que possua comprovados conhecimentos de direito comercial e dos serviços de registro público de empresas mercantis e atividades afins. Com efeito, a segurança das relações jurídicas impõe a observância da lei de utilidade, na qual o registro é mera função declaratória, para evitar o surgimento de decisões conflitantes, prejudicial aos interesses do crédito e das empresas, fato esse que o direito comercial não autoriza, categoricamente.

354. Das condições de investidura nos respectivos cargos e funções

Conforme o art. 11 da Lei 8.934/94, os vogais e respectivos suplentes serão nomeados, no Distrito Federal, pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e nos Estados, salvo disposição em contrário, pelos governos dessas circunscrições, dentre brasileiros que satisfaçam as seguintes condições: I – estejam em pleno gozo dos direitos civis e políticos; II – não estejam condenados por crime cuja pena vede o acesso a cargo, emprego e funções públicas, ou por crime de prevaricação, falência fraudulenta, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a propriedade, a fé pública e a economia popular; III – sejam, ou tenham sido, por mais de cinco anos, titulares de firma mercantil individual, sócios ou administradores de sociedade mercantil, valendo como prova, para esse fim, certidão expedida pela Junta Comercial;. IV – estejam quites com o serviço militar e o serviço eleitoral. Qualquer pessoa poderá representar fundadamente a autoridade competente contra a nomeação de vogal ou suplente, contrária aos preceitos desta lei, no prazo de quinze dias, contados da data da posse. Por sua vez, o art. 10 do Decreto 1.800/96 estabelece que os vogais e respectivos suplentes serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam as seguintes condições: I – estejam em pleno gozo dos direitos civis e políticos; II – não estejam condenados por crime cuja pena vede o acesso a cargo, emprego e funções públicas, ou por crime de prevaricação, falência fraudulenta, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a propriedade, a fé pública e a economia popular; III – sejam, ou tenham sido, por mais de cinco anos, titulares de firma mercantil individual, sócios ou administradores de sociedade mercantil, valendo como prova, para esse fim, certidão expedida pela Junta Comercial, dispensados dessa condição os

representantes da União e os das classes dos advogados, dos economistas e dos contadores; IV – tenham mais de cinco anos de efetivo exercício da profissão, quando se tratar de representantes das classes dos advogados, dos economistas, dos contadores ou dos administradores (redação conforme o Decreto 3.395, de 29.3.2000).

355. Da nomeação dos vogais

Conforme o referido Decreto 1.800/96 (art. 12), serão nomeados: a) pelo Governador do Estado, salvo disposição em contrário, os vogais e respectivos suplentes referidos nos incisos I e III do artigo anterior, e os de sua livre escolha referidos no inciso IV do art. 11; b) pelo Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, os vogais e respectivos suplentes referidos no inciso II do artigo anterior, assim como, no Distrito Federal, os mencionados nos incisos I, III e IV do art. 11. E qualquer pessoa poderá representar fundamentadamente a autoridade competente contra a nomeação de vogal ou de suplente contrária aos preceitos deste regulamento, no prazo de quinze dias, contados da data da posse. Se a representação for julgada procedente, fundamentada na falta de preenchimento de condições ou na incompatibilidade de vogal ou suplente para a participação no Colégio de Vogais, ocorrerá a vaga da função respectiva, ou fundamentada em ato contrário à forma de escolha da representatividade do Colégio de Vogais será efetuada nova nomeação de vogal e suplente. São incompatíveis para a participação no Colégio de Vogais da mesma Junta Comercial os parentes consanguíneos ou afins na linha ascendente ou descendente, e na colateral, até o segundo grau, bem como os sócios da mesma sociedade mercantil. Em caso de incompatibilidade, serão seguidos, para a escolha dos membros, sucessivamente, os critérios da precedência na nomeação, da precedência na posse, ou do mais idoso (art. 16, Decreto 1.800/96). O mandato dos vogais e respectivos suplentes será de quatro anos, permitida somente uma recondução ao cargo.

356. Da destituição das funções de vogal nas Juntas Comerciais

Conforme o art. 18 do Decreto 1.800/96, o vogal ou seu suplente perderá o exercício do mandato na forma deste artigo e do Regimento Interno da Junta Comercial, nos seguintes casos: a) mais de três faltas consecutivas às sessões do Plenário ou das Turmas ou doze alternadas no mesmo ano, sem justo motivo; b) por conduta incompatível com a dignidade do cargo. Cumpre ressaltar que a justificativa de falta deverá ser entregue à Junta Comercial até a primeira sessão plenária seguinte à sua ocorrência.

Na hipótese do inciso I do art. 18, à vista de representação fundamentada ou de ofício pelo Presidente, o Plenário, se julgar insatisfatórias, por decisão tomada pelo primeiro número inteiro superior à metade dos membros presentes, as justificativas ou se estas não tiverem sido apresentadas, assegurados o contraditório e a ampla defesa, comunicará às autoridades ou entidades competentes a perda do mandato. Com efeito, na hipótese do inciso II, do art. 18, à vista de representação fundamentada ou de ofício pelo Presidente, o Plenário, assegurados o contraditório e a ampla defesa, se julgá-la procedente, por decisão tomada pelo primeiro número inteiro superior à metade dos membros do Colégio de Vogais, comunicará às autoridades ou entidades competentes a perda do mandato. Por sua vez, a deliberação pela perda do mandato afasta o vogal ou suplente do exercício de suas funções, de imediato, com perda da remuneração correspondente, tornando-se definitiva a perda do mandato, após a publicação da declaração de vacância no Diário Oficial do Estado ou da União, conforme o caso. As novas indicações dos vogais podem acontecer a qualquer momento. Desta feita, estabelece o art. 19 do Decreto 1.800/96, que vogal ou suplente no exercício do mandato poderá, a qualquer tempo, ser substituído mediante nomeação de novo titular para a respectiva função. No caso de entidade ou órgão corporativo, a decisão de nova indicação de nomes em lista tríplice deverá ser fundamentada por seu dirigente ou colegiado, conforme dispuser o respectivo estatuto.

357. Da competência do Plenário da Junta Comercial

Nos termos do art. 21 do Decreto 1.800/96, compete ao Plenário: I – julgar os recursos interpostos das decisões definitivas, singulares ou colegiadas; II – deliberar sobre a tabela de preços dos serviços da Junta Comercial, submetendo-a, quando for o caso, à autoridade superior; III – deliberar sobre o assentamento dos usos e práticas mercantis; IV – aprovar o Regimento Interno e suas alterações, submetendo-o, quando for o caso, à autoridade superior; V – decidir sobre matérias de relevância, conforme previsto no Regimento Interno; VI – deliberar, por proposta do Presidente, sobre a criação de Delegacias; VII – deliberar sobre as proposições de perda de mandato de vogal ou suplente; VIII – manifestar-se sobre

proposta de alteração do número de vogais e respectivos suplentes; IX – exercer as demais atribuições e praticar os atos que estiverem implícitos em sua competência ou que vierem a ser atribuídos em leis ou em outras normas federais ou estaduais.

Com efeito, dispõe o art. 23 do Decreto 1.800/96 competir às Turmas: I – julgar, originariamente, os pedidos de arquivamento dos atos sujeitos ao regime de decisão colegiada; II – julgar os pedidos de reconsideração de seus despachos; III – exercer as demais atribuições que forem fixadas pelo Regimento Interno da Junta Comercial.

358. Da competência da Presidência da Junta Comercial

Por seu turno, amplíssima é a competência do presidente da Junta Comercial. O Presidente e o Vice-Presidente serão nomeados, em comissão, no Distrito Federal, pelo Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo e, nos Estados, pelos governadores dessas circunscrições, dentre os membros do Colégio de Vogais. Dentre os seus vários deveres-funções, estão: I – dirigir e representar extrajudicialmente a Junta Comercial e, judicialmente, quando for o caso; II – dar posse aos vogais e suplentes, convocando-os nas hipóteses previstas neste Regulamento e no Regimento Interno; III – convocar e presidir as sessões plenárias; IV – encaminhar à deliberação do Plenário os casos de que trata o art. 18; V – superintender os serviços da Junta Comercial; VI – julgar, originariamente, os atos de registro público de empresas mercantis e atividades afins, sujeitos ao regime de decisão singular; VII – determinar o arquivamento de atos, mediante provocação dos interessados, nos pedidos não decididos nos prazos previstos; VIII – assinar deliberações e resoluções aprovadas pelo Plenário; IX – designar vogal ou servidor habilitado para proferir decisões singulares; X – velar pelo fiel cumprimento das normas legais e executivas; XI – cumprir e fazer cumprir as deliberações do Plenário; XII – orientar e coordenar os serviços da Junta Comercial através da Secretaria-Geral; XIII – abrir vista à parte interessada e à Procuradoria e designar vogal Relator nos processos de recurso ao Plenário; XIV – propor ao Plenário a criação de Delegacias; XV – submeter a tabela de preços dos serviços da Junta Comercial à deliberação do Plenário; XVI – encaminhar à Procuradoria os processos e matérias que tiverem de ser submetidos ao seu exame e parecer; XVII – baixar Portarias e exarar despachos, observada a legislação aplicável; XVIII – apresentar, anualmente, à autoridade superior, relatório do exercício anterior, enviando cópia ao Departamento Nacional de Registro do Comércio; XIX – despachar os recursos, indeferindo-os liminarmente nos casos previstos no Decreto 1.800/96; XX – submeter o Regimento Interno e suas alterações à deliberação do Plenário; XXI – submeter o assentamento de usos e práticas mercantis à deliberação do Plenário; XXII – assinar carteiras de exercício profissional; XXIII – exercer as demais atribuições e praticar os atos que estiverem implícitos em sua competência ou que vierem a ser atribuídos em leis ou em outras normas federais ou estaduais, tudo conforme o art. 25 do Decreto 1.800/96. Por seu turno, ao Vice-Presidente da Junta Comercial incumbe: I – auxiliar e substituir o Presidente em suas faltas ou impedimentos; II – efetuar correição permanente dos serviços da Junta Comercial; III – exercer as demais atribuições que forem fixadas pelo Regimento Interno.

359. Dos deveres-funções do Secretário-Geral da Junta Comercial

O Decreto 1.800/96 (artigos 27 e seguintes), descreve quais são os deveres do Secretário-Geral das Juntas Comerciais, estabelecendo a sua incumbência organizativa. Dentre as principais, estão: I – supervisionar, coordenar e fiscalizar a execução dos serviços de registro e de administração da Junta Comercial; II – exercer o controle sobre os prazos recursais e fazer incluir na pauta das sessões os processos de recursos a serem apreciados pelo Plenário, solicitando ao Presidente a convocação de sessão extraordinária, quando necessário: III – despachar com o Presidente e participar das sessões do Plenário; IV – baixar ordens de serviço, instruções e recomendações, bem como exarar despachos para execução e funcionamento dos serviços a cargo da Secretaria-Geral; V – assinar as certidões expedidas ou designar servidor para esse fim; VI – elaborar estudos de viabilidade de criação de Delegacias; VII – elaborar estudos sobre a tabela de preços dos serviços da Junta Comercial; VIII – visar e controlar os atos e documentos enviados para publicação no órgão de divulgação determinado em portaria do Presidente; IX –colaborar na elaboração de trabalhos técnicos promovidos pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio; X –exercer as demais atribuições e praticar os atos que estiverem implícitos em sua competência ou que vierem a ser atribuídos em leis ou em outras normas federais ou estaduais. Cumpre ressaltar que o Secretário-Geral será nomeado, em comissão, no Distrito Federal, pelo Ministro de Estado da Indústria, do Comércio e do Turismo e, nos Estados, pelos respectivos Governadores, dentre brasileiros de notória idoneidade moral e especializados em Direito Comercial, nos termos do art. 27 do Decreto 1.800/96.

360. Dos atos que devem ser registrados

Na esteira do que se disse, supra, o registro compreende: a matrículae seu cancelamento, de: leiloeiros oficiais; tradutores públicos e intérpretes comerciais; administradores de armazéns-gerais; e trapicheiros. Por seu turno, o registro efetiva o arquivamento: dos atos constitutivos, alterações e extinções de firmas mercantis individuais; das declarações de microempresas e de empresas de pequeno porte; dos atos constitutivos e das atas das sociedades anônimas, bem como os de sua dissolução e extinção; dos atos constitutivos e respectivas alterações das demais pessoas jurídicas organizadas sob a forma empresarial mercantil, bem como de sua dissolução e extinção; dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de cooperativas; dos atos relativos a consórcios e grupos de sociedades; dos atos relativos à incorporação, cisão, fusão e transformação de sociedades mercantis; de comunicação da paralisação temporária das atividades e de empresa mercantil que deseja manter-se em funcionamento, no caso de, nessa última hipótese, não ter procedido a qualquer arquivamento na Junta Comercial no período de dez anos consecutivos; dos atos relativos a sociedades mercantis estrangeiras autorizadas a funcionar no país; das decisões judiciais referentes a empresas mercantis registradas; dos atos de nomeação de trapicheiros, administradores e fiéis de armazéns-gerais; dos demais documentos que, por determinação legal, sejam atribuídos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins ou daqueles que possam interessar ao empresário ou à empresa mercantil; a autenticação dos instrumentos de escrituração das empresas mercantis registradas e dos agentes auxiliares do comércio, na forma da lei própria, nos termos do art. 32 do Decreto 1.800/96. Por exemplo, ao contrato social devidamente arquivado diz-se registrado, e não cabe à Junta Comercial ou ao Departamento Nacional verificar se o contrato se acha revestido das formalidades legais e se o objeto social e o fim da sociedade são lícitos. A função do Registro do Comércio, diz WALDEMAR FERREIRA , é a de emprestar segurança jurídica, autenticidade e validade aos atos jurídicos, e muito mais acertado é, portanto, efetuar o arquivamento dos contratos sociais do que denegá-los por motivos fúteis ou por interpretações infundadas. A recusa de arquivamento, em tais condições, abre espaço para a medida judicial cabível, a fim de compelir a Junta Comercial ao arquivamento denegado.1 Com certeza a Junta Comercial deve se limitar somente a verificar as solenidades legais extrínsecas e intrínsecas, não lhes sendo lícito apreciar a natureza das cláusulas que regem os interesses dos sócios porque esta atribuição compete, exclusivamente, ao Poder Judiciário, no pleno exercício das suas prerrogativas e funções constitucionais. As Juntas Comerciais não são reminiscências históricas dos antigos tribunais de comércio, do ponto de vista que essas Juntas, quando presentes nos antigos tribunais, tinham apenas a função administrativa, e nunca julgavam os atos que lhe eram apresentados. Por conseguinte, ainda mais nos dias de hoje, com amplíssima garantia constitucional, em hipótese alguma a Junta Comercial poderia interpretar as avenças e licitude das cláusulas dos contratos e estatutos sociais, sob pena de agir com excesso ou abuso de poder, com a respectiva responsabilização civil daquele que assim ação atuar, responsabilizando com sua conduta, inclusive e,solidariamente, a própria Junta, no dever, agora, de indenizar a parte prejudicada, pelas perdas e danos cabíveis, acrescidas das sanções administrativas.

361. Da matrícula dos administradores de armazéns gerais e trapicheiros

As pessoas naturais ou jurídicas, aptas para o exercício do comércio, que pretenderem estabelecer empresas de armazéns gerais, tendo por fim a guarda e conservação de mercadorias e a emissão de títulos especiais, que as representem, deverão declarar à Junta Comercial do respectivo distrito: a) sua firma, ou se tratar de sociedade anônima, a designação que lhe for própria, o capital da empresa e o domicílio; b) a denominação, a situação, o número, a capacidade, a comodidade e a segurança dos armazéns; c) a natureza das mercadorias que recebem em depósito; as operações e serviços que se propõem; d) o regulamento interno dos armazéns e da sala de vendas públicas; e) a tarifa remuneratória do depósito e outros serviços; f) a certidão do contrato social ou estatutos, devidamente registrados, quando se for pessoa jurídica (art. 1º, Decreto 1.102 de 21 de novembro de 1903). Presentes os requisitos legais, a Junta Comercial efetuará a respectiva matrícula no Registro do Comércio, e dentro de um mês, contado do dia desta matrícula, publicará, por edital, as declarações, o regulamento e a tarifa. As empresas ou companhias de docas que recebem em seus armazéns mercadorias de importação e exportação (Decreto Legislativo 1.746, de 13 de outubro de 1869, art. 1º) e os concessionários de entrepostos e trapiches alfandegados poderão solicitar do Governo Federal autorização para emitirem sobre mercadorias em depósitos os títulos de que trata o Capítulo II, declarando as garantias que oferecem à Fazenda Nacional e apresentando o regulamento interno dos armazéns e a tarifa remuneratória do depósito e de outro serviço a que se proponham. Serão, nestes regulamentos, estabelecidas as relações das companhias das docas e concessionários de entrepostos e trapiches alfandegários com os empregados aduaneiros, e a autorização para emissão dos títulos e a aprovação do regulamento e tarifa serão dadas por decreto expedido pelo Ministério da Fazenda. Conforme o art. 15, os armazéns

1 Instituições, cit., vol. I, p. 429.

gerais emitirão, quando lhes for pedido pelo depositante, dois títulos unidos, mas separáveis à vontade, denominados “conhecimento de depósito” e “warrant”, e cada um destes títulos deve ser à ordem e conter, além de sua designação particular; a denominação da empresa do armazém geral e sua sede; o nome, profissão e domicílio do depositante ou de terceiro por este indicado; o lugar e o prazo do depósito, facultado aos interessados acordarem, entre si, na transferência posterior das mesmas mercadorias de um para outro armazém da emitente ainda que se encontrem em localidade diversa da em que foi feito o depósito inicial. Em tais casos, far-se-ão, nos conhecimentos warrants respectivos, as seguintes anotações: a) local para onde se transferirá a mercadoria em depósito; b) para os fins do art. 26, 2º, do referido Decreto 1.102 de 1903, as despesas decorrentes da transferência, inclusive as de seguro por todos os riscos.

O título também deverá indicar: a natureza e quantidade das mercadorias em depósito, designadas pelos nomes mais usados no comércio, seu peso, o estado dos envoltórios e todas as marcas e indicações próprias para estabelecerem a sua identidade, ressalvadas as peculiaridades das mercadorias depositadas a granel; a qualidade da mercadoria tratando-se daquelas a que se refere o art. 12 do referido Decreto; indicação do segurador da mercadoria e o valor do seguro; declaração dos impostos e direitos fiscais, dos encargos e despesas a que a mercadoria está sujeita, e do dia em que começaram a correr as armazenagens; a data da emissão dos títulos e assinatura do empresário ou pessoa devidamente habilitada por este; tudo nos termos dos artigos 4º, 15 e seguintes do Decreto 1.102 de 1903. Os armazéns gerais ficam sob a direta fiscalização das Juntas Comerciais dos respectivos Estados. Cumpre ressaltar que alfândegas, docas, entrepostos particulares e trapiches alfandegados ficam sob a exclusiva fiscalização do Ministério da Fazenda. Essa é uma regra bem antiga, que existe desde os tempos do Código Comercial (artigos 89 e 90) e posteriormente no art. 12, § 7º, do Decreto 596 de 1890 e art. 13 da Lei 1.102 de 1903. Conforme a lição de CARVALHO DE MENDONÇA, as Juntas Comerciais têm a seu cargo, entre outras funções, a fiscalização dos trapiches e armazéns de depósito e das empresas de armazéns gerais que não sejam companhias docas. 1 A fiscalização dos “trapiches alfandegados” é de competência do Ministério da Fazenda conquanto desempenham atividades nos setores de importação e exportação.

362. Da matrícula dos leiloeiros

Os leiloeiros desempenham função primordial para a atividade empresarial. Foram, durante muito tempo, designados como “auxiliares do comércio”, mas são efetivamente agentes de primeira grandeza no desenlace das atividades mercantins de toda ordem. O regramento normativo dessa importante função é feito pelo Decreto 21.981, de 19 de outubro de 1932, ainda em vigor. Assim, os leiloeiros oficiais ou matriculados são os únicos que têm competência para colocar a efeito a venda de bens, que as leis e regulamentos comerciais mandam fazer judicialmente ou em hasta pública, bem como os leilões ordenados por autoridade pública,2 e também aqueles leilões efetuados no interesse dos credores, como nas massas falidas e liquidações judiciais de toda ordem. Por exemplo: a) nas vendas de bens moveis ou imóveis pertencentes à União e aos Estados e municípios, os leiloeiros funcionarão por distribuição rigorosa de escala de antiguidade, a começar pelo mais antigo; b) nas vendas judiciais, de bens de massas falidas e de propriedades particulares, os leiloeiros serão da exclusiva escolha e confiança dos interessados, síndicos, liquidatários ou comitentes, aos quais prestarão contas de acordo com as disposições legais. A profissão de leiloeiro será exercida mediante matrícula concedida pelas Juntas Comerciais, e para ser leiloeiro é necessário provar: a) ser cidadão brasileiro e estar no gozo dos direitos civís e políticos; b) ser maior de vinte e cinco anos; c) ser domiciliado no lugar em que pretenda exercer a profissão, há mais de cinco anos; d) ter idoneidade, comprovada com apresentação de caderneta de identidade e de certidões negativas dos distribuidores, no Distrito Federal, da Justiça Federal e das Varas Criminais da Justiça local, ou de folhas corridas, passadas pelos cartórios dessas mesmas Justiças em que o candidato tiver o seu domicílio. E apresentará, também, o candidato certidão negativa de ações ou execuções movidas contra ele no foro civil federal e local, correspondente ao seu domicílio e relativo ao último quinquênio (artigos 1º e 2º, Decreto 21.981/32). Contudo, reza o referido decreto que não podem ser leiloeiros os que não podem ser comerciantes; os que tiverem sido destituídos anteriormente dessa profissão, salvo se o houverem sido a pedido; os falidos não reabilitados. Presentes as condições respectivas, os leiloeiros serão nomeados pelas Juntas Comerciais, efetuando a matrícula. Para o exercício da função de leiloeiro, é obrigatória a prestação de fiança. Essa fiança pode ser em títulos da dívida federal, estadual (obrigatoriamente do Estado respectivo da Junta Comercial em que o leiloeiro tem sede), fiança bancária; seguro garantia ou, conforme o caso, ofertar hipoteca em garantia. No caso de hipoteca, a Junta Comercial deve conferir, com precisão, a situação do bem, acrescido das respectivas certidões de quitação tributária, em esfera federal, estadual e municipal. Dentre as suas principais funções: compete ao leiloeiro, pessoal e privativamente, a venda em hasta pública ou público pregão, dentro de suas próprias casas ou fará delas de tudo que, por autorização de seus donos por alvará judicial, forem

1 Tratado, cit., vol. I, n. 232, pp. 356/357.

2 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado, cit., vol. II, n. 385, p. 379.

encarregados, tais como imóveis, móveis, mercadorias, utensílios, semoventes e mais efeitos, e a de bens móveis e imóveis pertencentes às massas falidas, liquidações judiciais, penhores de qualquer natureza, inclusive de jóias e warrants de armazéns gerais, e o mais que a lei mande com fé de oficiais públicos. Excetuam-se destas disposições as vendas de bens imóveis nas arrematações por execução de sentenças, as dos mesmos bens pertencentes a menores sob tutela e interditos, após a partilha, dos que estejam gravados por disposições testamentárias, dos títulos da dívida pública federal, municipal ou estadual e dos que estiverem excluídos por disposição legal (art. 19, Decreto 21.981/32). Cumpre ressaltar, como poder fiscalizatório, competir às Juntas Comerciais aplicarem sanções administrativas, ou seja, conforme o seu dever-função regulamentado pela lei, entre elas, suspender, destituir ou multar os leiloeiros, por irregularidades no desempenho das suas funções, que são públicas por definição (artigos 16 e seguintes, Decreto 21.981/32). A falta cometida pelo leiloeiro pode derivar, muitas vezes, do infiel cumprimento dos seus deveres, prescritos pelo art. 22 do Decreto 21.981/32. Por conseguinte, o leiloeiro poderá ser objeto de sanções, que compreendem multa, suspensão e destituição das funções, de a não cumprir fielmente o que diz a lei, notadamente o referido art. 22, ou seja, quando se descuidar dos seus deveres. A prerrogativa de leiloeiro, como função pública, lhe confere a qualidade jurídica de mandatário, devendo, então, atuar com zelo e diligência, sob pena de responsabilização. E cabe ressaltar, também, que por requerimento do interessado, em ação própria de responsabilização, poderá ser objeto de pedido judicial a sua destituição, por mandamento normativo expresso, nos termos do art. 16, b, do Decreto 21.981/32. Com efeito, diz o referido decreto que são competentes para suspender, destituir e multar os leiloeiros, nos casos em que estas penas são aplicáveis, as justiças ordinárias, nos casos de mora e falta de pagamento, nas ações intentadas contra os leiloeiros segundo as disposições deste regulamento. Assim, a competência de impor penalidades e sanções, obviamente, não é exclusiva da Junta Comercial. Basta ao leiloeiro não cumprir fielmente os seguintes deveres, que emerge a sua responsabilidade civil, e conforme o caso, criminal, ou seja, se tal pessoa prejudicar interesses e direitos de terceiros, proprietários ou não dos bens em leilão, será, com certeza, responsabilizador. Esta interpretação decorre, expressamente, do texto normativo (art. 22, Decreto 21.981/32) ao determinar que: os leiloeiros, quando exercem o seu ofício dentro de suas casas e fora delas, não se achando presentes os donos dos efeitos que tiverem de ser vendidos, serão reputados verdadeiros consignatários ou mandatários, competindo-lhes nesta qualidade: a) cumprir fielmente as instruções que receberem dos comitentes; b) zelar pela boa guarda e conservação dos efeitos consignados e de que são responsáveis, salvo caso fortuito ou de força maior, ou de provir a deterioração de vício inerente à natureza da causa; c) avisar as comitentes, com a possível brevidade, de qualquer dano que sofrerem os efeitos em seu poder, e verificar, em forma legal, a verdadeira origem do dano, devendo praticar iguais diligências todas as vezes que, ao receber os efeitos, notarem avaria, diminuição ou estado diverso daquele que constar das guias de remessa, sob pena de responderem, para com as comitentes, pelos mesmos efeitos nos termos designados nessas guias, sem que se lhes admita outra defesa que não seja a prova de terem praticado tais diligências; d) declarar, ao aviso e conta que remeterem ao comitente nos casos de vendas a pagamento, o nome e domicílio dos compradores e os prazos estipuladores; presumindose a venda efetuada a dinheiro de contado, sem admissão de prova em contrário, quando não fizerem tais declarações; e) responder, perante os respectivos donos, seus comitentes pela perda ou extravio de fundos em dinheiro, metais ou pedras preciosas, existentes em seu poder, ainda mesmo que o dano provenha de caso fortuito ou de força maior, salvo a prova de que na sua guarda empregaram a diligência que em casos semelhantes empregam os comerciantes acautelados, e bem assim pelos riscos sobrevenientes na devolução de fundos em seu poder para as mãos dos comitentes, se desviarem das ordens e instruções recebidas por escrito, ou, na ausência delas, dos meios usados no lugar da remessa; f) exigir dos comitentes uma comissão pelo seu trabalho, de conformidade com o que dispõe este regulamento, e a indenização da importância despendida no desempenho de suas funções, acrescida dos grupos legais, pelo tempo que demorar o seu reembolso, e, quando os efeitos a ser vendidos ficarem em depósito litigioso, por determinação judicial, as comissões devidas e o aluguel da parte do armazém que os mesmos ocuparem, calculado na proporção da área geral e do preço de aluguel pago por esse armazém. Se, por conduta omissiva ou comissiva, o leiloeiro não cumprir fielmente seus deveres, será objeto de responsabilização, a qual, observando o requisito da proporcionalidade, será objeto de multa, suspensão ou, se gravíssima, a destituição das suas funções. O leiloeiro deverá cumprir fielmente as instruções que o comitente lhe transferir, exercendo sua função com exação, sob as penas da lei. Com efeito, é proibido ao leiloeiro, sob pena de destituição exercer o comércio direta ou indiretamente no seu ou alheio nome; constituir sociedade de qualquer espécie ou denominação; encarregar-se de cobranças ou pagamentos comerciais (art. 36, Decreto 21.981/32). E a profissionalidade da função de leiloeiro impede que tal pessoa exerça qualquer outra função, quer seja como empresário, participação em sociedades de qualquer natureza, ou efeitos. A remuneração do leiloeiro, devidamente registrado na Junta Comercial, advém da sua própria natureza de mandatário, por força do art. 40 do Decreto 21.981/32, ao dizer que o contrato que se estabelece entre o leiloeiro e a pessoa, ou autoridade judicial, que autorizar a sua intervenção ou efetuar a sua nomeação para realizar leilões, é de mandato ou comissão e dá ao leiloeiro o direito de cobrar judicialmente a sua comissão e as quantias que tiver desembolsado com anúncios, guarda e conservação do que lhe for entregue para vender, instruindo a ação com os documentos comprobatórios dos pagamentos que houver efetuado, por conta dos comitentes e podendo reter em seu poder algum objeto que pertença ao devedor até o seu efetivo embolso. Por seu turno, cabe ao leiloeiro observar fielmente as ordens do comitente e prestar contas após o término das suas obrigações, sob pena de pagar juros pelo valor não entregue ao comitente, conforme o prazo e condições ajustados.

363. Da matrícula e do arquivamento

A matrícula envolve sempre o desempenho de uma função profissional. Por conseguinte, na esfera empresarial, o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins compreende a matrícula e seu cancelamento de: leiloeiros oficiais; tradutores públicos e intérpretes comerciais; administradores de armazéns-gerais. Ao passo que o arquivamento é também um registro, nas hipóteses do art. 32, II, do Decreto 1.800/96. São arquivados os atos, com fins registrais, para que tenham publicidade e eficácia perante terceiros. Essa é a principal função do registro, feito no interesse dos terceiros, e, obviamente, também no interesse daquele que requer o arquivamento do ato ou negócio jurídico, cuja atribuição é, por força da lei, de competência administrativa da Junta Comercial. Portanto, solicitado e deferido o arquivamento, tem-se o seu registro, para os devidos fins legais, e consequências cabíveis, em sede societária, obrigacional, etc., com validade e eficácia jurídica. Após o registro, pode, por certo, ser questionada a legalidade do ato ou da alteração societária, e a sede para tal questionamento é o Poder Judiciário, que, conforme o caso, poderá anular o ato, bem como, por consequência, o seu registro, com efeitos retroativos a sua data, ou seja, do efetivo registro.

364. Da apresentação dos atos que devem ser arquivados

Os requerimentos dos respectivos arquivamentos, e consoante estabelece o art. 34 do Decreto 1.800/96, devem ser instruídos com: instrumento original, particular, certidão ou publicação de autorização legal, de constituição, alteração, dissolução ou extinção de firma mercantil individual, de sociedade mercantil, de cooperativa, de ato de consórcio e de grupo de sociedades, bem como de declaração de microempresa e de empresa de pequeno porte, datado e assinado, quando for o caso, pelo titular, sócios, administradores, consorciados ou seus procuradores e testemunhas; declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal; ficha do Cadastro Nacional de Empresas Mercantis; comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes; prova de identidade do titular da firma mercantil individual e do administrador de sociedade mercantil e de cooperativa. E poderão servir como prova de identidade, mesmo por cópia regularmente autenticada, a cédula de identidade, o certificado de reservista, a carteira de identidade profissional, a carteira de identidade de estrangeiro e a carteira nacional de habilitação; para o estrangeiro residente no país, titular de firma mercantil individual ou administrador de sociedade mercantil ou cooperativa, a identidade deverá conter a prova de visto permanente. Nenhum outro documento, além dos referidos neste regulamento, será exigido das firmas mercantis individuais e sociedades mercantis, salvo expressa determinação legal, reputando-se como verdadeiras, até prova em contrário, as declarações feitas perante os órgãos do Registro Público de Empresas. Importante fato é que o pedido de arquivamento deverá ser feito dentro de trinta dias contados de sua assinatura do ato ou negócio jurídico, e os efeitos retroagirão à data do efetivo arquivamento (art. 33, Decreto 1.800/96). Reza o referido decreto (art. 36) que o ato constitutivo de sociedade mercantil e de cooperativa somente poderá ser arquivado se visado por advogado, com a indicação do nome e número de inscrição na respectiva Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

365. Das decisões da Junta Comercial

O texto do Decreto 1.800/96, art. 49, diz equivocadamente que os atos submetidos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins estão sujeitos a dois regimes de julgamento. Como já se disse, não envolve, tecnicamente, julgamento, mas somente verificação administrativa dos requisitos de validade do ato ou negócio jurídico para fins de arquivamento. As decisões, colegiadas ou singulares, da Junta Comercial não operam coisa julgada, e podem, a qualquer momento, ensejar a propositura de medida judicial em sede de mandado de segurança. Diz o Decreto 1.800/96, art. 50, que se subordinam ao regime de decisão colegiada: I – do Plenário, o julgamento dos recursos interpostos das decisões definitivas, singulares ou de Turmas; II – das Turmas, o arquivamento dos atos de: a) constituição de sociedades anônimas, bem como das atas de assembléias gerais e demais atos relativos a essas sociedades, sujeitos ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins; b) transformação, incorporação, fusão e cisão de sociedades mercantis; c) constituição e alterações de consórcio e de grupo de sociedades, conforme previsto na lei de sociedades por ações. A decisão não é sinônimo de julgamento. A verificação dos requisitos formais e procedimentais é um dever-função do órgão de administração, neste caso, da Junta Comercial. Como já se disse, permanece inatacável o ensinamento de CARVALHO DE MENDONÇA, ao dizer que no arquivamento dos contratos de constituição, prorrogação, alteração ou dissolução das sociedades, as Juntas Comerciais devem se restringir a verificar as solenidades formais do contrato, quais sejam: os nomes, identificação e domicílio dos sócios; a designação do objeto social; a firma social; regras gerais de funcionamento da sociedade;

não lhes sendo autorizado apreciar a natureza das cláusulas reguladoras dos interesses dos sócios, porque esta função é de prerrogativa do Poder Judiciário,1 quando assim for chamado à questão para dirimir eventual conflito societário.

366. Da formalidade dos atos apresentados

A Junta Comercial tem por competência legal arquivar os atos e os instrumentos negociais que observem determinas prescrições normativas. Se, a Junta Comercial, fundada em específico dispositivo normativo, entender que deve ser cumprida alguma exigência formal, acrescida ao requerimento já apresentado, deverá abrir prazo de manifestação do interessado. E se este não se conformar com a exigência, diante da sua ilegalidade ou burocracia infundada, deve, já neste momento, recorrer contra a exigência. Neste passo, o recurso é ainda de natureza administrativa. Ao passo que, se o interessado tiver decisão contrária aos seus interesses, cabe, então, a medida judicial, que, se vencedora, mandará arquivar o ato, com efeitos retroativos.

367. Da proteção ao nome empresarial

Um dos principais efeitos do registro é a proteção ao nome empresarial. Feito o registro, emerge a referida proteção, automaticamente. Diz o Decreto 1.800/96 que a proteção ao nome empresarial, a cargo das Juntas Comerciais, decorre, automaticamente, do arquivamento da declaração de firma mercantil individual, do ato constitutivo de sociedade mercantil ou de alterações desses atos que impliquem mudança de nome, conforme art. 61. O nome empresarial atenderá aos princípios da veracidade e da novidade e identificará, quando assim o exigir a lei, o tipo jurídico da sociedade. Havendo indicação de atividades econômicas no nome empresarial, essas deverão estar contidas no objeto da firma mercantil individual ou sociedade mercantil. Não poderá haver colidência por identidade ou semelhança do nome empresarial com outro já protegido (art. 82).

368. Do procedimento de revisão das decisões

Contra as decisões cabe pedido de reconsideração, conforme procedimento revisional específico. Esse seria o primeiro “recurso” em sede administrativa. O pedido de reconsideração terá por objeto obter a revisão de “despachos” singulares ou de Turmas que formulem exigências para o deferimento do arquivamento. O pedido de reconsideração será apreciado pela mesma autoridade que prolatou o despacho, no prazo de cinco dias úteis. A referência aos “despachos” é bem significativa, e tal é a sua natureza jurídica, ou seja, como ato meramente administrativo, que não faz coisa julgada, podendo ser revisto a qualquer tempo, e, por óbvio, não caracterizando julgamento sobre a matéria, até porque tal função é de competência exclusiva do Poder Judiciário. Ademais, ainda nas decisões colegiadas, não há referência ao julgamento de coisa material, muito pelo contrário. Envolve, apenas, verificação de aspectos formais, todos previstos pela legislação específica, qual seja, Lei 8.934/94 e Decreto 1.800/96. A Junta Comercial não existe para interpretar as leis societárias, mas apenas dar-lhe cumprimento, nos termos precisos que lhe conferem legitimidade administrativa, ou seja, conforme os referidos textos normativos da Lei 8.934/94 e do Decreto 1.800/96. Contra as decisões dos vogais ou do Presidente, são ofertados outros recursos e pedidos de reconsideração, conforme os Regimentos das Juntas Comerciais, e como destinatário o Departamento Nacional de Registro do Comércio, inclusive. Em razão do grande número de questões e da sua complexidade, ademais, em favor da sua celeridade, é preferível, muitas vezes, a via judicial, com o deferimento da liminar, mandando arquivar o ato, nos seus devidos efeitos e termos. Com isso, será respeitada a liberdade contratual, fruto exuberante dos pactos contratuais e da manifestação de vontade, quando o contrato social tem que ser visto como lei entre as partes, e no interesse dos sócios, respeitadas a boa-fé e a ordem pública.

Capítulo X

DAS SOCIEDADES POR AÇÕES EM PERSPECTIVA HISTÓRICA E JURÍDICA-ECONÔMICA

Nessa parte do livro estudo a formação econômica dos povos, as estruturas de produção (sejam comunistas e as liberais). O tema da Sociedade por Ações requer fundamentação mais econômica e institucional do que jurídica. O capital muitas vezes conflita com as leis jurídicas anacrônicas. É nesse embate dialético-complementar que o jurista precisa aclarar seus

1 Tratado, cit., vol. I, n. 213, p. 334.

conceitos, bem sabendo que as leis jurídicas não podem resolver todos os problemas e consequências empíricas das leis econômicas.

A minha leitura do fenômeno societário das grandes empresas é uma leitura institucional. Portanto, e com efeito, essa parte do livro leva em consideração a disciplina jurídica e econômica da grande empresa, e sua inserção como fenômeno institucional e de dominação global. Em termos metodológicos e na delimitação do tema em pesquisa resolvi analisar a perspectiva jurídica da grande empresa, ficando para uma outra oportunidade, as questões da prática burocrática da administração das Sociedades por Ações (seja no mercado de capitais, processos contábeis, registros de atos assembleares). O que se verá nos tópicos seguintes é um estudo institucional e histórico dos processos econômicos (via grandes grupos econômicos) configurados nos poderes decisórios em sede das holdigns. São as holdingns que governam a economia mundial, portanto, o meu estrudo macro-econômico das Sociedades por Ações é eminentemente um estudo do poder de controle acionário das holdings e das grandes sociedades de participação. A revolução sobre os meios de produção ocorre com o fenômeno da industrialização, a produção mecanizada voltada para um novo tipo de sociedade. Aumenta-se a produção e a concorrência por mercados consumidores. A economia de escala e a de produção em massa são as maiores características dessa nova era que exalta o individualismo, restringe a vontade estatal e torna o ser humano em objeto de consumo – ilimitado, dizem os economistas – que deve ser satisfeito. O processo de industrialização que tem seu começo na Inglaterra, precisamente nos anos de 1780-1800, logo alcança os Estados Unidos da América e parte da Europa, surgindo novas máquinas que dinamizaram a produção e seu volume. A Revolução Industrial coloca fim ao sistema medieval de produção com a sua conseqüente mecanização, o que levou à concentração dos operários em grandes fábricas, sob drásticas condições de trabalho (BIRNIE, Arthur. Historia económica de Europa 1760-1933 (Trad. Daniel C. Villegas) Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1940. p. 11). A propriedade imobiliária perde importância à medida que na Europa e nos Estados Unidos da América consolida-se o capitalismo, engrandecendo as sociedades comerciais, principalmente as sociedades anônimas, mobilizadoras de vultosas quantias de capitais (GOMES, Orlando. Direito econômico. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 84). Nesse ambiente, a sociedade por ações começa a representar o melhor instrumento para a reunião dos investidores, tanto que Ripert a chamava como a perfeita máquina de coletar capitais (Aspects juridiques du capitalisme moderne. Paris: LGDJ, 1946. p. 106) Esta máquina, na atualidade, corresponde à técnica organizacional que envolve as companhias. Modernamente, essa situação se alterou bastante, principalmente pelas críticas que foram dirigidas ao capitalismo e ao liberalismo, com a revisão do modelo jurídico das próprias companhias. Coube à Revolução Francesa trazer nova forma de perspectiva econômica, calcada no liberalismo, com a alteração da elite econômica, no surgimento de novos institutos jurídicos e da própria planificação estatal. Supunha-se que a Revolução Francesa, ao abolir os privilégios da monarquia, estabeleceria novo regime condicionado pela liberdade e igualdade, mas manteve, ao mesmo tempo, o direito de propriedade e de sua transmissão hereditária. As desigualdades flagrantes que resultaram suscitaram críticas e alimentaram a oposição contra os meios de produção (PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 117). Quando a Declaração de 1789 considera a propriedade como um direito inviolável e sagrado, a propriedade se torna alvo de críticas, caracterizando a Revolução Francesa como revolução burguesa. A inclusão da propriedade entre os direitos naturais remonta ao direito romano clássico, no qual a autonomia da propriedade era desfrutada pelo direito privado em relação ao direito público e pelos modos de aquisição da propriedade que permaneciam alheios à esfera pública. Locke, em tempos mais atuais, afirmava que a propriedade derivava do trabalho individual, ou seja, de uma atividade realizada fora do Estado (BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 94). É bem verdade que o discurso liberal, pretendendo caracterizar a propriedade como algo inviolável, encontra exemplos em todos quadrantes e nas mais variadas épocas. O discurso do liberalismo, colocando a propriedade em termos de condição absoluta, tem sua maior justificação e fundamento na limitação da vontade do soberano que se intitulava senhor de tudo que existisse. Numa revolução burguesa, dizer que a propriedade é inviolável e sagrada (com o significado de absoluta) é a mesma coisa que dizer que o soberano não é mais dono das terras do seu Estado e que alguém as reivindicou para si. Com efeito, também deixa claro que esse mesmo soberano não poderá impor limites à utilização dessa mesma propriedade, o que não se mantém por muito tempo. O liberalismo possuía um valor revolucionário. Tratava de destruir uma ordem antiga que não era mais compreendida e, portanto, não sabia manter seu valor na sociedade. Mas essa destruição deixou aberta a liberdade somente àqueles que deviam se desenvolver sem limites: os detentores do poderio do dinheiro. Uma moral absoluta e intransigente somente teria impedido este poder de triunfar, porém tal fato não existe mais (RIPERT, Georges. Aspects juridiques. Cit. p. 329330). A Declaração de 1789 estabeleceu que sobre a propriedade não seriam colocadas limitações, salvo por utilidade pública. Fica claro o ideal, justo é verdade, da alteração da elite dominante. Com o desenrolar dos acontecimentos a forma de

utilização da propriedade é alterada. O conceito jurídico de usar, dispor e gozar dos bens (nos moldes do direito romano) não se coaduna mais com a função e a responsabilização que começam a ser direcionadas à empresa, requerendo atuação volvida para a consecução de fins e com verdadeiros deveres administrativos. É precioso o comentário de Norberto BOBBIO, quando afirma: “Se se elimina uma concepção individualista da sociedade, não se pode mais justificar a de-mocracia do que aquela segundo a qual, na democracia, os indivíduos, todos os indivíduos, detêm uma parte da soberania. E como foi possível firmar de modo irreversível esse conceito senão através da inversão da relação entre poder e liberdade, fazendo-se com que a liberdade precedesse o poder?” (A Era dos Direitos. Cit. p. 101).

Cada qual em seu momento, uma revolução possibilitou à outra a realização dos objetivos pretendidos pela elite então emergente, que põe fim à nobreza e sua conseqüente exploração econômica; a propriedade imóvel começa a perder sua função econômica (no sentido de poder) e surgem as grandes empresas, verdadeiras detentoras do poder econômico até hoje vigente. O capitalismo industrial toma foros de dominação, e o elemento produtivo vai para o centro do poder na organização interna das sociedades por ações. Com a diminuição da influência do postulado do laisser-faire laisser passer e com o início da planificação estatal a empresa assume o papel decisivo para a construção da sociedade capitalista, sendo também responsável pelos caminhos a serem trilhados pela nova ordem. É inegável que o individualismo sofreu um revés dogmático com o surgimento da sociedade de massa e na Revolução de 1917, tanto que a teoria organicista do fenômeno econômico-empresarial é completada logo após a Segunda Guerra Mundial.

Nos dias de hoje as companhias se distanciaram muito da sua origem colonial, impulsionadora do capitalismo liberal e do período inicial da industrialização (RIOUX, Jean-Pierre. A Revolução Industrial 1780-1880, trad. Waldírio BULGARELLI, São Paulo: Pioneira, 1975). Consolidados que já estavam tanto o discurso capitalista como sua forma de exteriorização, é fácil verificar uma profunda alteração no comando político. Esse comando, quer estivesse sob a forma política do capitalismo de consumo, ou sob a égide do marxismo-leninismo, encontra na atividade empresarial organizada a principal fonte de produção e também sua própria justificativa como ente público. O que ocorre é que, no capitalismo, a mais-valia é levada às últimas conseqüências, ao passo que, no período marxista, a atividade de produção procurava propiciar trabalho para as massas populacionais, com imensa produção para o consumo básico da sociedade, evitando que houvesse apropriação sobre o valor do trabalho realizado, ou mesmo na venda dos produtos à população. É evidente a fenomenologia da empresa como a propulsora da sistematização estatal em que a disputa por mercados consumidores irrompe qualquer significado ideológico, principalmente quando essa luta ultrapassa os limites territoriais de cada Estado, indo atingir populações e governos de outros Estados. A empresa, nesse contexto, representa mesmo o novo poder soberano contra o qual resta, se não impossível, pelo menos extremamente difícil, impor-lhe barreiras e restringir sua atuação. O conglomerado econômico é o fenômeno característico da consolidação do capitalismo, tanto que o grande problema da macroempresa não é mais de produção, porém de marketing e de dominação de massa (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 7). Essa característica repercute na administração empresarial quando todos os setores e mercados foram divididos pelos grandes conglomerados, pactuando custos e condições de vendas, surgindo o “preço mundial” dos produtos. Tal preço significa que um produto pode ser desenvolvido e comercializado em várias partes do mundo, sob as mesmas condições de competitividade, mesmo que variem as empresas produtoras. É exatamente nesse momento que toda a disciplinação da concorrência empresarial fica prejudicada, e o monopólio é a regra. O Estado uniu-se a essa atuação transnacional da macroempresa, contra a qual e sua produção em escala ele próprio se revela em uma postura de subserviência, dispondo de todos os meios para atraí-las, esquecendo mesmo sua preocupação com a coletividade (JESSUP, Philip C. Direito transnacional. São Paulo, 1975, 98p). Não resta dúvida de que a empresa consagra o surgimento de um novo ente, que pode ser traduzido na sua perpetuação institucional, no aumento da produtividade e na redução de custos. Os administradores das sociedades por ações atuam sob o comando dos controladores, quase sempre despreocupados com o todo social. Mesmo que as legislações de países como França, Alemanha e dos EUA estabeleçam meios para o exercício do controle sobre a conduta dos administradores, a principal forma de controle deve ser realizada sobre o todo da atuação empresarial, impondo revisão do fenômeno administrativo e da própria empresa. É de adiantar que esse controle é uma resultante clássica do próprio sistema e possui no elemento ético sua maior transcendência valorativa, constituindo nova perspectiva para o trato das questões societárias da empresa, quer sejam internas quer externas. Quem sabe a tarefa mais premente da doutrina seja elaborar um rol de conceitos para a valoração normativa dos problemas colocados pela produção industrial em massa e a sua estrutura econômica, tarefa que afeta todos os ramos do Direito, inclusive os mais tradicionais. (ASCARELLI, Tullio. Teoria della concorrenza e dei beni immateriali. Milano: Giuffré, 1957. p. 17).

A era da tecnologia e da robótica é a conseqüência do desenvolvimento que inúmeros setores empresarias promoveram em sua área de atuação, com a utilização de novos equipamentos e a substituição do serviço humano. Isso permite que fábricas produzam enormes quantidades de produtos com a participação de poucos empregados, o que repercute no custo de produção, mas, também, sobre as condições sociais e de trabalho. Um dos setores que atualmente mais investem nesse tipo de equipamento são os bancos, com a dispensa de grande parcela dos seus empregados. As montadoras, desde a década de 70, reformularam suas formas produtivas. Tal situação fica intimamente relacionada ao controle sobre a conduta do administrador na situação dos empregados, que deve constituir elemento decisivo na condução da atividade empresarial, representando mesmo um dos vários interesses que envolvem a empresa, e na função social das companhias. A automação da produção está fundamentada na competitividade do setor porque há produtos que não concorrem, em condições de igualdade, com o similar importado ou mesmo nacional, reduzindo as oportunidades de emprego. Nesse conflito de poderes a tecnologia ganhou destaque sobre a produção e, no Brasil, a situação de abertura econômica envolve ainda o fator monetário, evitando que ocorra uma explosão inflacionária. Diante dessa situação prática a co-gestão é um dos lados da perspectiva ética da empresa. A geração de emprego não está mais nas grandes empresas e nas fábricas que passaram pela automação, a situação tecnológica e a de informática têm colocado novos desafios sobre a condução dos negócios, o que, de certa forma, possui ligação muito evidente na realização do monetarismo do mercado acionário e financeiro. Se no sistema das companhias a atividade empresarial tem deveres e funções, os interesses que a integram precisam, necessariamente, participar do sistema de controle, assim como determinar o interesse da empresa e o interesse político que existem dentro das companhias, e, nessa sistemática, é só seguir o moderníssimo direito alemão da co-gestão. A sociedade contemporânea passa pela revolução tecnológica de informática. Essa é certamente a mais importante das reoluções da história dos povos em todos os tempos. Esse processo tecnológico provocou uma ruptura normativa muito grande, principalmente nos direitos autorais. Grandes empresas da indústria desapareceram, há muitos tipos empregos tradicionais, mas que em poucos anos também desaparecerão do mercado de trabalho. A revolução tecnológica dos dias de hoje também provocou grande impacto no mercado de capitais e em todos o sistema financeiro. Em síntese, as grandes empresas hoje podem produzir praticamente sem a presença de pessoas trabalhando em escritórios. As sedes administrativas das grandes empresas não têm nacionalidade, podem ser transferidas de países em questão de horas. Todas as grandes empresas são administradas por sistemas de informática totalmente autônomos, e os algorítimos resolvem grande parte da administração das empresas. Diante desses fatores, “o interesse da empresa em si” chegou ao seu ápice, e os mercados hoje em dia já contam com empresas valorizadas em trilhões de dólares. Essas empresas têm função direta não-somente na economia, mas, muito pelo contrário, essas grandes empresas controlam os governos locais, nacionais e internacionais. As grandes empresas de comunicação e internet elegem os seus políticos, e na realidade, as grandes empresas e bancos são aqueles que decidem sobre vários comportamentos dos povos. Há uma grande guerra nas empresas de comunicação e de internet, todas atuando para dominar os mercados, fraudar informações políticas e econômicas, eleger políticos corruptos no mundo inteiro. O sistema comunista-socialista se mostrou como um terrível instrumento de dominação e destruição em massa dos povos. E quem sabe serão os algorítimos e a física quântica que poderão equilibrar os interesses econômicos no sistema capitalista e das finanças. Essa é a grande questão da ordem do dia no mundo empresarial, tecnológico e financeiro.

369. O controle do poder de controle nas companhias

O controle sobre a administração da empresa é uma das grandes preocupações da moderna legislação societária. Seguindo a lição do Professor Fábio Konder Comparato, o controle seria o poder de dispor de bens alheios, interferindo nos órgãos de administração. Controle é o poder que determinada pessoa ou grupo de pessoas possui sobre a atuação dos órgãos sociais da companhia. Sendo assim, o controlador assume todo o poder político sobre a empresa, e a Assembléia Geral é apenas formal.

“Tout homme qui dispose du pouvoir est porté à en abuser” (Michel Despax. L'Entreprise et le Droit). Muitos entendem que deveria ser realizada reforma mais profunda nas legislações que disciplinam a atividade das grandes sociedades por ações, e a principal consistiria em retirar da Assembléia Geral um poder que jamais exerceu realmente (CONTIN, R. Le contrôle de la gestion des sociétés anonymes. Paris: Techniques. 1975. p. 502). A dissociação entre controle e propriedade acaba refletindo diretamente no comando administrativo quando assume uma diretriz única, voltada para a obtenção dos ditames do controlador. O conceito de personalidade jurídica impôs completa reformulação das premissas fundamentais, em razão de que, através dela, surge um novo ente: a empresa. A técnica organizacional é o próprio controlador, seja interno, externo ou gerencial. O ente jurídico que explora a atividade empresarial possui existência autônoma, com sistematização de funções que repercute em vários segmentos sociais, sejam trabalhadores, estado, consumidores e coletividade.

Em tempos modernos, a personalidade jurídica cede lugar ao controle, que ascende ao ápice da problemática societária, comandando as soluções específicas incompatíveis com a separação patrimonial (COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na S.A. São Paulo: RT, 1975. p. 257). Isso ocasiona a reformulação das posturas tradicionais e também do conceito de propriedade dos meios de produção (controle e grupo de fato). Controle é o poder de dispor dos bens alheios como um proprietário. O controle da empresa significa poder dispor dos bens que lhe são destinados de tal maneira que o controlador é o senhor da sua atividade (COMPARATO, O poder de controle. cit. p. 8). Tal controle possui limites restritos pelo ordenamento jurídico. É fundamental notar que a natureza do poder de controle não pode ser explicada conforme a teoria do trust do direito inglês, mas é evidente que essa teoria influenciou decisivamente a distribuição de poder dentro das companhias, quando mais no seu surgimento histórico. Nos Estados Unidos, os dirigentes das sociedades se beneficiam da confiança dos acionistas devendo observar os seus deveres fiduciários. Esses deveres lhes impõem integridade absoluta. Em caso de conflito entre sua função e seus interesses particulares prevalecem as obrigações sociais. A ameaça de uma ação de responsabilização, exercida pelo acionista, é um fator de moralização das condutas dos administradores (TUNC, André. Le Droit Américan de Sociétés Anonymes. Paris: Economica, 1985. 332 p). E, inclusive, anteriormente aos Gladstones's Acts de 1844 e 1845, as companhias inglesas não personificadas atuavam graças ao mecanismo do trust. Os fundos recebidos dos sócios eram entregues aos trustees que exerciam a propriedade em proveito dos sócios. Atualmente, os tribunais continuam aceitando o entendimento de que, nas relações entre administradores e acionistas, aqueles são verdadeiros trustees de um poder próprio sobre os bens sociais alheios aos acionistas, mas devem agir em seu proveito. Isso se denomina fiduciary relationship (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 74-75). A teoria do órgão concebe um sistema no qual a expressão da vontade da sociedade e a atividade exercida pelos organismos sociais são a expressão da própria pessoa jurídica, completamente distinta dos sócios (BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. São Paulo: Atlas, 1996. p. 160). O controle tem sua origem direta no exercício do poder, no poder econômico dos organismos, poder que se irradia em torno de si. Dentro dessa esfera movimentam-se e agem um certo número de empresas menores que gravitam economicamente em volta das sociedades maiores, e encontram nessa a sua própria razão de existência (PASTERIS, Carlos. Il controllo nella società collegate e le partecipazioni reciproche. Milano: Giuffrè, 1957. p. 4). Entende-se por acionista controlador a pessoa natural ou jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por acordo de votos, ou sob controle comum, que seja titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de maneira permanente, a maioria dos votos nas deliberações sociais, e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade. A prática demonstrou o controle gerencial nas grandes companhias. Berle e Means afirmavam que no processo econômico o que importa não é quem detém a propriedade, mas quem tem o poder de dirigir a atividade empresarial. Há, em conseqüência, a ruptura do binômio poder-risco, considerado como um dos principais fundamentos do capitalismo, na medida em que o gestor do capital não é o seu proprietário, mas geralmente profissionais sem ligação com os acionistas. Somente cabe ao acionista homologar as decisões administrativas dos diretores (CARVALHOSA, Modesto e LATORRACA, Nilton. Comentários à Lei de sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 13-14). O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder. Constitui forma abusiva de poder de controle orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia ou da economia nacional. É considerada abusiva a conduta do controlador que promove a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o objetivo de obter vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos trabalhadores e dos investidores. O sentido do termo “liquidação” é colocar termo na atividade da empresa e da sociedade, seja por qualquer meio. A prática de alguns controladores tem caracterizado o simples encerramento das atividades com prejuízo de toda coletividade. Empresas internacionais adquirem outras brasileiras do mesmo setor e podem promover a rápida interrupção da produção. Isso é abuso de poder de controle realizado contra a coletividade e os fins que devem nortear a atividade empresarial e sua administração. É abuso promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou impor política administrativa contrária ao interesse da empresa. Aqui está clara a defesa da empresa em si como instituição que possui não somente direitos e obrigações, mas principalmente, uma função. É a função que merece destaque. Outras práticas abusivas são: eleger administrador ou conselheiro inapto ao cargo e induzi-los à prática de ato ilegal, contratar com a companhia em condições de favorecimento ou não eqüitativas, aprovar contas irregulares, subscrever ações com a realização de bens estranhos ao objeto social. A realização em bens deve ter ligação imediata com a atividade. Pender para o interesse social permitiria uma série de manobras por parte do controlador, o qual se afigura como o legítimo detentor desse interesse. Constitui abuso a simples realização de bens estranhos à atividade, mesmo que desse fato não surja prejuízo para a companhia.

Na legislação brasileira não há órgão específico para controlar o controlador em sua atividade, ou seja, no mérito. Na Alemanha, a administração da sociedade por ações é caracterizada pela existência de dois órgãos: Vorstand, que é o órgão de direção, e o Aufsichtsrat, que deve fiscalizar a gestão do Vorstand. Cabe ao Aufsichtsrat fiscalizar não somente a correção e a legalidade dos atos de gestão, mas também a sua oportunidade (DJIAN, Yves. Le contrôle de la direction des sociétés anonymes dans les pays du Marché Commun. Paris: Sirey, 1965. p. 81-82). E o que importa para o legislador é consagrar, em todas as hipóteses, uma situação de propriedade, equiparando a casa residencial ao bloco de controle acionário do império industrial. Havendo nessas duas hipóteses a propriedade, e sendo ela direito natural, a sua limitação em qualquer situação é sempre odiosa e ilegítima (COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de controle. Cit. p. 92-93). O Código Civil da Itália de 1942 estabeleceu a definição das sociedades controladas e coligadas. As controladas são as sociedades em que uma outra possui maioria dos votos exercitáveis na Assembléia Geral; sociedade com votos suficientes para causar influência dominante na Assembléia, e nas sociedades que estão sob influência dominante de uma outra em razão de ligações contratuais. Consideram-se coligadas as sociedades sobre as quais uma outra sociedade exercita uma influência considerável, presumindo-se quando na Assembléia podem ser exercitados ao menos 1/5 dos votos, ou 1/10 se a sociedade tem ações cotadas em bolsa (art. 2.359). O poder de controle deve ser exercido tendo como meta a realização de um fim. Esse fim é a manutenção do organismo produtivo. Essa manutenção deve observar os segmentos que circundam a atividade empresarial. No interior das grandes sociedades por ações os diretores adquirem um lugar cada vez mais determinante. Em um sistema econômico que tende a se feudalizar, são os técnicos que asseguram a expansão da empresa e se tornam os árbitros dos conflitos entre os controladores. Isso ocorre também no setor público com a contratação de tecnocratas que atuam nas mais diversas esferas do poder político (CHAMPAUD, Claude. Le pouvoir de concentration de la société par actinos. Paris: Sirey, 1962. p. 8788). Tal fato possibilita a defesa do estado mínimo, considerando o capitalismo de consumo como a única via de dominação. Hoje, o círculo do capitalismo diminui drasticamente, com a exclusão social e com o jogo financeiro dos tecnocratas. A privatização, a especulação monetária e tantas outras formas representam a dominação da elite financeira em nível mundial. O problema maior do poder de controle está no seu fundamento axiológico, na sua legitimidade. Não basta verificar que o controle se funda na lei, mas é imperioso defender a sua justificativa de valor (COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle. Cit. p. 385). Para Claude Champaud, não há diferença entre os tecnocratas privados ou públicos. Uns se sentem solidários com os outros e cumprem sua missão comum. Para o gosto do racional e da eficácia, eles preparam a concentração total das empresas dentro de um sistema econômico que, segundo suas convicções, desejam comandar (Le pouvoir de concentration. Cit. p. 88). Todo exercício do poder tende ao abuso. O poder político nas sociedades comerciais não é diferente, mas representa um aspecto novo. O controle sobre o poder de controle está cada vez mais complexo diante do poderio econômico das grandes empresas. A legitimidade do poder não é apenas algo formal. O que necessariamente merece atenção é verificar como está sendo utilizado o poder de controle, e se ele cumpre aquilo para o qual foi idealizado. Em nada adianta um poder que promove a desigualdade e o acúmulo da renda. Os céticos mais que depressa podem objetar contra a administração controlada dos meios de produção. A socialização ultrapassa a noção de empresa pública ou particular. A empresa deve ser coletiva, buscar o coletivo está na sua perpetuação institucional. Com as técnicas de dominação empresarial o poder de controle está ligado diretamente aos conglomerados econômicos. Diante desse fenômeno seria necessária a união de todos os segmentos sociais. A visão parcial do conceito de empresa ocasiona uma série de conflitos institucionais. A empresa não está somente nos sócios, nos trabalhadores, nos consumidores ou nela própria. A empresa é a junção de todos esses fatores. O desequilíbrio de um, apenas, já causa o desequilíbrio do sistema. O interesse individual deve dar lugar ao interesse social, que não é a “somatória” dos demais, mas é a sua complementaridade. O Estado cumpre função importante no controle da atividade empresarial. O Banco Central, a Comissão de Valores Mobiliários, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ANP, Aneel e Anatel e Secretaria de Direito Econômico são alguns dos principais meios de controle. Sobre a atividade bancária compete ao Banco Central exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; estabelecer condições para a posse e exercício de quaisquer cargos de administração de instituição financeira, assim como para o exercício de qualquer função em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes, conforme as normas do Conselho Monetário Nacional.

Compete ao Banco Central regular o mercado cambial, o equilíbrio da balança de pagamentos, podendo realizar compra e venda de moeda estrangeira, bem como operações de crédito no exterior e separar os mercados de câmbio financeiro e comercial. Ele deve exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que interfiram nesses mercados. Uma série de atribuições também é conferida ao Banco Central. O controle sobre a administração e a liquidação das instituições financeiras foi disciplinado na Lei 6.024/74, com o RAET, e na Lei 9.447/97.

Haverá intervenção quando: a entidade sofrer prejuízo decorrente da má administração, com perigo para os credores; forem verificadas infrações ao sistema financeiro nacional. O requisito da má administração foi caracterizado. Só o fato de a instituição suportar prejuízos sucessivos já possibilita a intervenção estatal. Isso é feito em razão da economia pública e pela noção de responsabilidade dos administradores das instituições financeiras. Compete ao Banco Central decretar o regime de administração da instituição financeira que realizar práticas reiteradas de operações contrárias às diretrizes da política econômica ou financeiras; existência de passivo descoberto; descumprimento das normas referentes à conta de reservas mantidas no Banco Central; gestão temerária ou fraudulenta. O caso do passivo descoberto é característico e merece atenta fiscalização para evitar fraude nos balanços com manipulação da situação financeira da instituição. O importante a notar é que a administração especial será executada por um Conselho Diretor, com plenos poderes de gestão, constituído de tantos membros quantos necessários para a condução dos negócios sociais. A gestão ordinária cabe exclusivamente ao referido Conselho, e somente no caso de atos extraordinários é que o Banco Central deverá ser consultado.

Por sua vez, a Medida Provisória do Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro já colocava que os empréstimos poderiam ser garantidos com títulos ou direitos relativos a operações de responsabilidade do Tesouro Nacional ou entidades da Administração Pública Federal indireta; exceto nos casos em que as garantias sejam representadas por títulos da dívida pública mobiliária federal vendidos em “leilões competitivos”. O valor nominal dessas garantias precisava exceder, no mínimo, 20% do total garantindo. Para a realização de suas obrigações, a Comissão de Valores Mobiliários poderá: examinar livros e registros contábeis das pessoas jurídicas e naturais que integrem o sistema de distribuição de valores das companhias, dos fundos, carteiras e depósitos de valores mobiliários; auditores, consultores, analistas de valores mobiliários e de qualquer pessoa que participe do mercado, desde que exista suspeita de fraude ou manipulação; apurar atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do Conselho Fiscal e acionistas de companhias abertas; impor multas; suspender ou cancelar registros; informar o mercado.

Isso ocorre em razão da importância que o mercado acionário possui para toda a atividade empresarial e não apenas para as sociedades abertas. A segurança das relações jurídicas nas Bolsas e os reflexos sobre a economia do país colocam a necessidade do controle sobre as participações sociais negociadas e fundos de investimentos. Em nada adianta tratar da concorrência somente pela ótica da responsabilidade patrimonial. Dever-se-ia ter uma nova perspectiva, voltada para a atuação social dos conglomerados. O aço, petróleo, telecomunicações, automóveis são os representantes maiores desses conglomerados que pouco se preocupam com as premissas da concorrência. Com efeito, é um equívoco a defesa absoluta da liberdade econômica em um cenário mundial tomado e dominado pelas empresas que já dividiram, há muito tempo, os mercados, controlam os preços e estabeleceram o valor dos salários. São as grandes empresas que determinam os caminhos da sociedade, sem nenhum controle decisivo, e o estado mínimo é o centro deste poder que procura a liberdade com toda força, como se fosse a retomada da teoria liberal de Locke, da propriedade ligada ao trabalho particular e sem qualquer interferência ou limite externo a essa atividade individual e de interesses pessoais.

370. A função social da empresa e a ética administrativa nas grandes corporações empresariais

Na lição de Yves Djian, controle possui o significado de verificar, examinar, fiscalizar e de submeter à analise a administração colocada a efeito pelo controlador (Le contrôle de la direction. Cit. p. 6). O Professor Fábio Konder Comparato, comentando o posicionamento de G. Rossi, afirma que há confusão entre poder de controle com o exercício dos atos de direção, como se esses atos fossem soberanos e desprendidos da Assembléia Geral (O poder de controle. Cit. p. 85). Carlos Pasteris, analisando o controle sobre os órgãos administrativos, considera que, em teoria, esses deveriam ser perfeitamente livres, nos limites fixados pelo estatuto, para agirem no melhor modo na consecução do objeto social. Se o grupo de controle coloca-se em posição de exercitar influência direta sobre o órgão administrativo, tal influência será normalmente endereçada para fins extra-sociais em vantagem do grupo e em contrariedade com a minoria (Il controllo. Cit. p. 77.). O controle sobre o poder de controle é o último estágio do desenvolvimento capitalista com a separação entre propriedade e produção, que está voltada para a realização dos fins sociais e na atividade empresarial que promova o equilíbrio das disparidades econômicas. Diante do sistema produtivo empresarial a questão primordial não se restringe à proteção contra turbações externas, mas à fiscalização do seu exercício evitando o abuso. O “controle do controle”, assevera Comparato, “é o desafio permanente que se apresenta nesta matéria” (O poder de controle. Cit. p. 96). As normas éticas não envolvem somente um juízo de valor a respeito dos comportamentos humanos, entretanto, resultam na escolha da diretriz considerada obrigatória para uma coletividade. Essa posição axiológica resulta na imperatividade da forma escolhida, que não corresponde a um mero resultado de decisão arbitrária, mas é a expressão de um complexo processo de perspectivas valorativas no qual o poder decisório se encontra condicionado (REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 33).

Os institutos jurídicos, o poder ou qualquer outra força social devem ser dirigidos para a equiparação social e reduzir medidas contrárias ao todo. Em verdade, indivíduo e todo se complementam. O equilíbrio das referidas forças e do sistema deve estar sempre calcado no coletivo. A última decisão política deve ter em mira a defesa do organismo. Essa postura de propender para o coletivo torna as relações jurídicas mais seguras, sem retirar proteção ao indivíduo. A complementaridade dos sistemas alcança a moderna concepção da conjugação do liberal e do social, sem renunciar às conquistas transcendentais do indivíduo. Em verdade, a postura individualista surge sempre que há um excesso do coletivo e vice-versa. É a eterna dialética social.

A construção de uma comunidade humana importa equacionar uma série de fatores sociais e econômicos que somente o momento histórico é capaz de tipificar e dar-lhe resposta. A realidade empresarial, por sua vez, com o fim das premissas da liberdade absoluta e com a instalação do poder econômico que irrompe fronteiras, desperta uma nova condição para a própria conduta do controlador. O discurso que serve de apoio à teoria do liberalismo requer nova análise, talvez mesmo calcada em admitir que a concorrência seja algo distante do cenário comercial contemporâneo. Os instrumentos administrativos de proteção à concorrência se mostram cada vez mais insatisfatórios e consagram o primado que a lei, de per se, não possui efetividade e muitas vezes não é sequer aplicada. O ordenamento jurídico poderia partir de uma outra premissa, vale dizer, não há, na prática, tanta concorrência entre as empresas. Dessa forma seria mais eficaz tratar das questões dos conglomerados econômicos nos países subdesenvolvidos. Sob essa perspectiva a administração das sociedades deveria seguir as premissas éticas e os postulados do direito ao desenvolvimento como um direito intrínseco à humanidade.

Como e qual deveriam ser os mecanismos de controle sobre a conduta do controlador na atividade empresarial? Ao relacionar algumas práticas que são proibidas aos administradores a legislação societária não levou em consideração a ética que deve presidir a conduta do administrador, com exceção dos deveres constatando-se a falta de uma noção precisa da ética empresarial, a qual, em verdade, é desconhecida pelas próprias empresas que adotam uma política de desperdício e de exploração do consumidor (BULGARELLI, Waldírio. Manual. Cit. p. 173-174; M. W. CHILDS e D. CATER. A ética em uma sociedade mercantil. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1957. 178 p). Com a economia de massa, a ética foi relegada e considerada como limite intrínseco ao sistema então proposto, que na época visava o acúmulo desenfreado de capitais. Esse acúmulo foi notado com bastante intensidade nos países que tiveram tardia industrialização, quando grande parte dos mercados econômicos e de consumo já estavam divididos em blocos, comandados pelos grandes conglomerados econômicos internacionais. O Código de Conduta para as empresas transnacionais realizado pela ONU teve sua efetividade prejudicada, ficando como texto normativo de tipo a ser seguido pela legislação interna dos próprios países. Talvez essa seja realmente a sua maior função, ou seja, persuadir o legislador nacional a regular decisivamente a atuação dessas empresas. A pressão que os grupos econômicos fazem sobre os Estados dificulta o desenvolvimento de política social sobre meio ambiente, a qualidade dos produtos, redução dos preços, distribuição de renda etc. O que pode ocorrer na realidade empresarial é uma administração social pouco preocupada com a situação macroeconômica do país, limitando-se em reclamos sobre os níveis tributários, com a absoluta ausência de política industrial de âmbito nacional e sua inserção no comércio internacional. O esquema de poder das transnacionais no mercado internacional e global impede o nacionalismo da economia e a conseqüente identificação da elite controladora dos meios de produção e serviços no país, o que provoca o desequilíbrio de proteção estatal e a diluição social dessa proteção. A ética da atuação empresarial foi inexoravelmente infirmada com as técnicas de produção mundiais. Fica fácil para uma grande transnacional diminuir a sua produção em determinado país e proceder à importação dos mesmos equipamentos de suas outras filiais localizadas em países com mão-de-obra farta, isenções fiscais etc. Elas têm o comando da política econômica do Estado, como a grande empresa capitalista que determina os locais de desenvolvimento, de geração de empregos, de aumento do desemprego, redução da incidência tributária etc.

Com a privatização do setor empresarial público acabou o único limite que poderia ser colocado ao “governo das transnacionais”. As empresas públicas tinham importante função de propulsão econômica das regiões não industrializadas e com pequeno desenvolvimento financeiro e social. Essa função foi desvirtuada pelos governos que viam na empresa pública uma forma de auferir ganhos político com o prejuízo da sociedade e das próprias empresas. Essa situação provocou a ruptura lógica do sistema, que não mais suportava a falta de liquidez, conseqüência principalmente do fim do lucro fácil garantido pela explosão inflacionária. Toda possível política de financiamentos agrícolas, de produção e de indústria foi relegada, acrescida com a política econômica do dinheiro especulativo, e a privatização demonstrou com toda a força como a ética administrativa não se encontra entre os princípios do estado mínimo. Os trabalhadores e a coletividade não tiveram participação no processo, o que faz notar o perfil contratual que os comandantes da política possuem sobre as sociedades comerciais, em especial, sobre a sociedade por ações. A implementação de um sistema eficaz de controle da gestão exigiria a reformulação jurídica das sociedades em função da importância que cada uma delas possui na coletividade, porque parece um tanto quanto irrealizável aplicar um mesmo sistema de controle da gestão sobre as grandes, médias e pequenas empresa (CONTIN, R. Le contrôle de la gestion. Cit. p. 499-500).

A discussão, nesse caso, ocorre sobre a forma de representatividade. Toda sociedade precisa possuir uma sistemática de controle. Esse controle varia conforme a qualidade da sociedade, ou seja, o tipo societário, mas o princípio é o mesmo, alterando-se somente a composição dos representantes e sua atuação. Na sociedade em nome coletivo todos podem participar da gestão e da fiscalização. Esse é um princípio secular que nenhuma legislação conseguiria alterar. Há casos ainda em que podem ser encontradas sociedades desse tipo, inclusive de grandes proporções. Em parecer sobre tal assunto, o Professor Fábio Konder Comparato analisa a participação dos sócios dentro de uma sociedade em nome coletivo. Se os sócios em nome coletivo se unem para comerciar em comum, isso significa que todos participam, necessariamente, da administração, mesmo que exista diversidade nessa participação (Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 161). O controle sobre a conduta do controlador se intensifica nas holdings, que precisamente também estão vinculadas às noções sociais do comando empresarial, obedecendo ao capítulo do abuso de poder e do desvio de finalidade. Com efeito, há responsabilidade do controlador quando promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o objetivo de auferir, para si ou para outrem, vantagem em prejuízo dos acionistas, dos trabalhadores e dos investidores. Essa hipótese pode ocorrer nos grupos de sociedade, quando das reorganizações societárias. A existência e o funcionamento dos grupos de sociedade estão fundamentados antes de tudo sobre a noção de controle. A distinção entre a administração do patrimônio social e a direção técnica da empresa coloca em prática uma função importante na constituição e na organização dos grupos de sociedade. Estabelece-se na holding o esquema de divisão de poderes que deve ser seguido nas sociedades filiadas. Nesse sistema os administradores subordinados têm conhecimento do poderio dos comandantes e seguem as ordens que lhe são transmitidas com presteza, mantendo-se os vínculos de subordinação e de poder (CHAMPAUD, Claude. Le pouvoir de concentration. Cit. p. 102). Tal perspectiva de distribuição de poder é profundamente bem desenvolvida, o que permite completo controle dos órgãos sociais das filiadas, os quais devem observar as decisões da direção do grupo. Com isso, facilita-se, sobremaneira, que a administração seja feita no interesse do grupo (holding), principalmente na distribuição dos recursos, investimentos, acordos com empresas concorrentes e outras formas de aproveitamento da sua posição dominante e de controle. Quanto ao grupo de sociedades, que na verdade é uma sociedade de sociedades, deveria ser modificada a responsabilização dos controladores, o que alteraria a noção de personalidade jurídica, que passaria a ser vista como uma técnica empresarial, e não somente com a limitação patrimonial. É estranho que o comando do grupo possa ser único, mas a responsabilização muitas vezes fique segmentada entre as sociedades participantes. É de manifesta importância o assunto dos grupos de direito e de fato. Para isso, a legislação deveria disciplinar os grupos de fato, que podem ser facilmente detectados através das demonstrações financeiras, balanços, ligações contratuais e remessa de recursos entre as empresas. Dever-se-ia tratar objetivamente dos grupos de fato, observando os reclamos da melhor doutrina.

371. A institucionalização da atividade empresarial – atividade funcional e orgânica – interesse da empresa em si (unternehmen an sich)

É através da perspectiva institucional da empresa que se outorga melhor tratamento ao controle sobre o controlador, ou seja, a postura institucionalista é aquela que atende aos requisitos de uma nova atuação empresarial. A conseqüência mais clara do Fuhrerprinzip na empresa é que o controlador se comporta como um legislador. A afirmação do caráter funcional desse poder legislativo não é uma coisa irreal. Controle e sanções são previstas no caso de essa função ser desviada do seu fim maior, como no caso de seguir interesses egoísticos (DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Paris: LGDJ, 1957. p. 224-225). O conceito institucional da empresa é uma forma de tipificar os fenômenos sociais, tanto que podem ser consideradas instituições básicas da sociedade o Estado, a Igreja, a família e, conforme alguns autores, a empresa. De imediato surge no intérprete o questionamento em considerar a empresa como uma instituição e a possibilidade de incluí-la entre as instituições clássicas (Theodor VIEHWEG. Tópica e Jurisprudência. Brasília: MJ, 1979. p. 107). Instituições clássicas são aquelas que possuem o caráter da perpetuidade, vale dizer novamente, o Estado, a Igreja e a família. Estão entre as instituições não clássicas aquelas que, mesmo sendo decisivas para o ente social, são consideradas passageiras e transitórias, representadas basicamente pela forma de dominação econômica, a qual se altera com os tempos transcorrendo pela estrutura escravocrata, feudal, mercantilista e empresarial. Conforme se desenvolve cada sociedade, a dominação econômica se exterioriza de uma forma, a qual se altera dentre as várias configurações possíveis, mas sempre permanece institucionalmente uma forma de exploração econômica. Analisando os fatores políticos e econômicos da coletividade chega-se ao entendimento de que a constituição das “formas” exteriores de dominação econômica é passageira, mas a dominação econômica em si é também perpétua (ao lado do Estado, da Igreja e da família). Como a empresa representa a exterioridade de um sistema econômico, ela pode ser inserida dentro da característica da perpetuidade institucional absoluta; porém, ela torna-se relativa quando analisamos a sua forma.

Hoje em dia a preocupação é determinar como se manifesta a forma de dominação capitalista após o período da industrialização. Nessa nova forma de dominação econômica a empresa precisará obedecer à adaptação estrutural na administração, sobre o meio ambiente, emprego etc., o que mostra o desenvolvimento social e jurídico na determinação do conceito contemporâneo de empresa que encerrou, de maneira ampla, o sistema de exploração existente em períodos mais longínquos como o feudalismo e a sociedade rural. Dentre as teorias que explicam atualmente a formação e a atividade da sociedade por ações, sem dúvida, a mais aceita pela doutrina e jurisprudência é a da instituição (MARTINS, Fran. Novos estudos de direito societário. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 28).

Conforme Santoro-Passarelli, o conceito fundamental de empresa deve ser o de “um organismo autônomo que não é ligado, na sua atividade e nas suas atribuições, à existência da pessoa do seu proprietário” (SANTORO-PASSARELLI, Francesco. L'impresa nel sistema del diritto civile. Rivista del Diritto Commerciale. XL. 1942. p. 392-393. Portanto, “la nozione di istituzione è stata elaborata dalla scienza del diritto pubblico, in Italia specialmente da Romano, e precedentemente in Germania da Gierke, in Francia da Hauriou. Istituzione è ogni organizzazione di persone – volontaria o coatta – fondata su un rapporto di gerarchia e di cooperazione tra i suoi membri in funzioni di uno scopo comune. Il conferimento della personalità giuridica a un'organizzazione di persone ha essenzialmente lo scopo di riferire a un soggetto diverso dai singoli i rapporti giuridici esterni dell'organizzazione. Il riconoscimento di un'organizzazione di persone come istituzione implica solo il riconoscimento di un determinato modo di essere dei rapporti interni tra i componenti dell'organizzazione in relazione a un fine comune”. ASQUINI, Alberto. Profili dell'impresa. Rivista del Diritto Commerciale. XLI, Parte II, 1943. p. 17-18). Francesco Galgano considera que a intervenção estatal e a institucionalização representam formas de preservação do capitalismo (Tratatto. cit. v. 7. p. 62-63). A institucionalização da empresa ocasiona a consolidação de um sistema econômico que tende à perpetuidade. Por isso, o postulado da preservação da empresa é institucionalizado no ordenamento jurídico. A empresa é uma instituição. A tendência que fundamentou várias reformas foi a da intervenção estatal com a completa regulamentação da configuração social e com restrição sobre a liberdade estatutária, situação bem diversa da ocorrida quando da codificação no século XIX. Essa tendência é a consagração da teoria da instituição, relegando a uma função secundária a Assembléia Geral, como se percebe tanto na Alemanha quanto nos Estados Unidos da América (BULGARELLI, Waldírio. Manual. Cit. p. 26). O sistema societário deve permitir um equilíbrio de poderes, sem esquecer da importância dos vários tipos de acionistas: rendeiros, especuladores e empresários. Principalmente sobre o rendeiro e o especulador, não se pode esquecer que são eles que trazem liquidez ao mercado acionário e permitem o desenvolvimento e financiamento empresarial. Como equilibrar esses fatores? Em todos os países notou-se há muito a necessidade de tratar a administração das companhias de tal sorte que se realize observando a complexidade da empresa para o todo social. Há, no sistema francês, tendência de centralizar o debate do controle dos órgãos administrativos sobre a proteção da minoria. É bem verdade que a legislação societária francesa é uma das mais desenvolvidas nesse aspecto, e o conseil de surveillance representa uma das perspectivas mais interessantes, principalmente pela sua composição. O controle desse órgão sobre a administração não se resume nas questões financeiras, mas se estende aos aspectos técnicos e comerciais da gestão da diretoria. É, portanto, o bom funcionamento da empresa que o conseil verifica. Ele pode fixar os objetivos a serem seguidos pela empresa, principalmente no que diz respeito às estratégias industriais ou comerciais, porém não deve descer aos detalhes dessa execução, que fica a cargo da diretoria (GUYON, Yves. Droit des Affaires. Cit. p. 360). Na França, em 1986, deferiu-se às sociedades por ações a faculdade de introduzirem em seus estatutos dispositivos permitindo que os trabalhadores participem do conseil de surveillance com voz deliberativa (RIPERT, Georges e ROBLOT, René. Traité de droit ommercial. Paris: LGDJ, T. 1, 1989. p. 964). A forma acionária não se restringe a simples contrato, no sentido de sociedade, mas é verdadeira instituição que supera os seus fundadores ou acionistas, tornando o contrato apenas instrumento de organização que deve observar posturas outras da liberdade e dos interesses egoísticos. Outro fator decisivo para a institucionalização da sociedade por ações é o conceito de personalidade jurídica como técnica organizacional. Comentando a noção institucional de Maurice Hauriou, o Professor Miguel Reale assevera que “a justiça e a ordem social são duas coordenadas, segundo as quais o Direito estabelece as regras dos relacionamentos políticos e econômicos”. O aspecto institucional possui o sentido de algo a realizar ou de um valor a atingir, os quais conseguiram se concretizar e continuar existindo num meio social (REALE, Miguel. Fundamentos do direito. São Paulo, 1972. p. 2220. Há, portanto, relação entre o matiz institucional e a perpetuidade do organismo social. Otto von Gierke afirma que “as organizações são pessoas coletivas reais, autônomas, entes coletivos com unidade própria, como um todo orgânico, que se compõe mediante a reunião de pessoas individuais, mas sem se identificar com a soma das suas partes” e “Perciò, non soltanto la vita esterna delle persone collettive è oggetto dell'ordinamento giuridico, ma anche la vita interna, che allo stesso tempo è vita esterna delle persone collegate” (GIERKE, Otto Von. Sulla storia del principio di maggioranza. Rivista delle Società, VI, 1961. p. 1.118).

O que se coloca é verificar se as forças de poder foram equilibradas e se o exercício do poder de controle (soberania ou tecnocracia) está atendendo aos princípios da função social da propriedade. A legislação das S.A. na Alemanha em 1965, que serviu de modelo para a francesa, segue a tendência da institucionalização, tendência essa que teve sua origem nas primeiras décadas deste século. No direito das sociedades por ações admitiu-se que os administradores constituem um organismo da sociedade com poderes próprios que lhes são atribuídos diretamente pela lei e não pelos acionistas (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 47). A perspectiva institucionalista da sociedade por ações não deve ser confundida com a odiosa ideologia política que vigorou na Alemanha durante a década de 30. Essa é a opinião de Felipe de Solà Cañizares, ao afirmar que a influência política na legislação alemã de 1937 restringiu-se a algumas questões terminológicas, que nada significariam realmente, apesar dos inúmeros debates a esse respeito ocorridos no estrangeiro. Na verdade, os juristas que elaboraram a lei colocaram palavras de valor retórico, como aquelas que disciplinavam a administração, dizendo que os negócios sociais deveriam ser conduzidos conforme exija o bem da empresa, dos seus trabalhadores, do povo e do império. Claramente, é um artigo que pode ser encontrado em leis de países democráticos ou talvez, pela sua própria inserção dentro do sistema normativo societário, nem seria necessário colocá-lo expressamente em um texto legislativo (CAÑIZARES, Felipe de Solà. Tratado de sociedades por acciones. Cit. p. 38-39). Foi a Lei alemã de 1937 que “estabeleceu o começo da evolução geral nesse assunto, atribuindo à diretoria poderes próprios da administração social e distintos dos outros órgãos societários” (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 50) As legislações societárias, em razão da noção contratual das sociedades, sempre tiveram a preocupação de estabelecer mecanismos de controle no interesse dos acionistas.

No direito francês a legislação evitava que outras categorias de interessados, notadamente os trabalhadores, realizassem o controle da administração. A evolução muito lenta dos instrumentos criou um hiato perigoso entre a construção jurídica e a realidade dos fatos novos. (CONTIN, R. Le contrôle de la gestion. Cit. p. 495) A Assembléia Geral, convocada e instalada de acordo com a Lei e o estatuto, possui poderes necessários para decidir todos os negócios referentes ao objeto da companhia e tomar as decisões que julgar convenientes para sua defesa e desenvolvimento. Isso é o que determina a Lei 6.404/76. Quando o legislador fala em Assembléia Geral deve-se entender controlador, que determina a expressão vontade social. Ninguém contesta que a Assembléia das grandes companhias tenha se transformado num sofisticado exercício formal, com a retórica capitalista que se assemelha ao despotismo esclarecido. (COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 21) O dilema está em como realizar o controle da administração. A Lei 6.404/76 inclinou-se decisivamente para a defesa das prerrogativas do controlador. Os limites à sua administração são de restrita dimensão e permitem ampla liberdade. Para Modesto Carvalhosa, a Lei 6.404/76 adotou o institucionalismo germânico da empresa em si (Unternehmen an sich), segundo o qual os controladores e administradores deveriam administrar a companhia para o bem da empresa e dos seus empregados (Comentários à Lei. Cit. p. XLVIII). A função da empresa seria certamente o desenvolvimento e promovendo o crescimento econômico, empregando pessoas, pagando os tributos. A empresa não é nada mais que um centro de interesses convergentes que comanda a economia moderna, e seria ilógico que esse centro fosse criado para desrespeitar os ditames da função social. Na Alemanha a fiscalização sobre o controlador é muito mais eficaz, tanto que podem ser encontrados órgãos específicos para tal fim. A evolução das sociedades por ações conduziu à realização de um controle que não é mais exclusivamente organizado para e pelo acionista. Foi reconhecido esse mesmo poder de fiscalização às outras categorias de interessados na empresa. (Comentários à Lei. Cit. p. XLVIII). O contínuo crescimento dessa esfera de poder já determinou o que deve ser feito para imprimir o caráter institucional às companhias. Nada mais claro que a empresa passasse a conjugar uma série de situações econômicas que representam a realização do desenvolvimento qualitativo das suas funções em sociedade e limitação da noção contratual das sociedades. A exploração do trabalhador e do consumidor chegaram a tal nível que ficou impossível legitimar um poder exercido somente em seu proveito. Diante de tal situação, a evolução jurídica contemporânea tende a romper com a clássica diferenciação entre público e privado. Quer no âmbito dos particulares ou do Estado vai se afirmando a esfera social dos bens ou valores coletivos, insuscetíveis de apropriação. Nesse caso, ninguém pode pleitear privilégios ou poderes adquiridos. Todos são obrigados a satisfazer as necessidades e os interesses comuns da população na iniciativa empreendedora (COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 50, Nova Série, p. 60) Com efeito, a grande empresa não é uma organização de interesse privado mas, sobretudo, é um fator da economia nacional que deve estar a serviço do interesse público. (RATHENAU, Walther. La realtà della società per azioni, Rivista delle Società, V, fasc. 4-5, Luglio-Ottobre 1960. p. 935). O problema da empresa em si é colocado não somente para a sociedade comercial, mas também para a atividade comercial individual. Partindo da noção funcional da empresa como comunidade de trabalho e produção, há especialmente a

disciplina dos trabalhadores e do controle sobre o exercício da empresa. Isso evidencia o assim chamado perfil institucional da empresa. (ASQUINI, Alberto. I battelli del Reno, Rivista delle Società. IV, Fasc. 4-5, Luglio-Ottobre 1959. p. 618). No âmbito social, quanto mais a empresa cresce, mais ela afirma sua função pública, transcendendo o limite dos sócios e alcançando outros setores. (CONTIN, R. Le contrôle de la gestion. Cit. p. 501.) A mencionada transcendência é fruto da própria realidade. A empresa não se constrói somente pela atuação e conversão de fundos dos detentores do capital, mas pela presença dos empregados e demais acionistas que não participam da gestão. Eles também uniram esforços para que a empresa alcançasse estágio de desenvolvimento superior. A mais-valia dos salários, os consumidores e os recursos financeiros dos acionistas e debenturistas sempre merecem proteção. O controle da administração é o corolário da análise da empresa como instituição social, correlacionada aos reflexos que a atividade empresarial produz e nos limites dessa exteriorização. Andre Tunc considera as sociedades por ações como uma instituição essencial para a atual sociedade capitalista, afirmando que devem existir novos meios de efetivar o controle sobre elas. (Le droit anglais. Cit. p. 1.). A atividade empresarial exercida, principalmente através da forma acionária, constitui verdadeira técnica de organização sob a estrutura do contrato plurilateral. Esta atividade envolve inúmeros interesses, inclusive o da própria empresa. Contin afirma que a proteção ao interesse próprio da empresa não excluiria os demais, porém, esses, quaisquer que sejam, estão subordinados àquele interesse maior. E a proteção dos interesses que envolvem as empresas são assegurados com a proteção ao interesse da empresa em si. (Le contrôle de la gestion. Cit. p. 495-496). O Professor Fábio Konder Comparato entende que “o reconhecimento de que o controle empresarial não é uma propriedade, implica uma revolução copernicana no estatuto da empresa, com a alteração do ponto de vista sobre os fins da empresa”. (A reforma da empresa. Cit. p. 70). Essa reformulação, no tocante a empresa, conduziria à perspectiva institucional e à defesa da empresa como ente social sem desprezar a vontade individual, mas através da sua complementação com o todo, que é o fator realmente decisivo para a perpetuação coletiva. A empresa continuaria a ser administrada pelos atuais órgãos sociais, entretanto, eles não devem ser a reprodução da vontade ou mesmo interesses de certa classe de acionistas; a empresa está acima deles. Na gestão econômica da empresa, o controlador deve deixar em plano secundário seu interesse pessoal, consentindo em certos sacrifícios no interesse do bom funcionamento da empresa. (DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 196). O controle incidiria diretamente sobre os órgãos e atingiria, conseqüentemente, o controlador que não poderia impor política administrativa contrária à empresa ou aos demais setores envolvidos. O acionista controlador deve utilizar o seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto social e cumprir sua função social, tendo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, os que nela trabalham e para a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. Por outro lado, a Lei consagra uma série de prerrogativas ao controlador como senhor único das deliberações sociais. O Conselho de Administração e a Assembléia Geral representam, na verdade, um instrumento para a defesa da vontade do controlador numa sistematização normativa em que o art. 116, parágrafo único, permaneceu esquecido, apesar de revolucionário. É uma panacéia se esperar que exista na, Assembléia Geral, um equilíbrio dentro da sociedade, contrabalançando os poderes. (CONTIN, R. Le contrôle de la gestion. Cit. p. 496). O tratamento institucional da sociedade por ações não se limitaria à retórica legislativa, mas através da criação de um órgão específico que controlaria a gestão. A posição desse órgão seria de complementaridade com os atuais, precisamente com o Conselho Fiscal. (“Le rôle principal de l’Aufsichtsrat n’est pas de vérifier les comptes, mais de surveiller la gestion sociale. Le rapport qui lui est remis par les contrôleurs du règlement et les contrôles comptables qu’il peut lui-même effectuer accessoire-ment en se faisant assister au besoin par des experts ne sont que des moyens auxiliaires lui permettant d’exercer sa mission fondamentale, le contrôle da le gestion de la dierction”. Yves DJIAN. Le contrôle de la direction. Cit. p. 84.). O órgão máximo de fiscalização seria composto de representantes do controlador, dos acionistas, dos trabalhadores e da sociedade civil nos moldes do conseil de surveillance francês. Ele não interferiria diretamente na gestão. Sua função seria fiscalizar a posteriori os administradores, o que não se contrapõe decisivamente sobre o próprio controle administrativo. O controle desse órgão repercutiria mediatamente sobre a administração, impondo-lhe limites e estabelecendo responsabilização. Seria um órgão que defenderia o interesse da empresa. O Conselho promoveria reuniões deliberativas quando todos os setores teriam a oportunidade de expressar sua opinião sobre os caminhos administrativos, cabendo aos dissidentes fazer consignar sua divergência. Verificada a ocorrência de abuso de poder ou desvio de finalidade, esse órgão, ou cada um dos seus integrantes, deveria proceder às medidas societárias para responsabilizar todo aquele que agisse de maneira contrária ao interesse social.

“Constatons simplement que, dans le systéme français, les rapports organiques à l'intérieur de la société anonyme sont aménagés selon des règles et des prin-cipes sur lesquels est sans prise la volonté des associés. L'idée de structure rend compte assez fidèlement du phénomène. Elle possède également le mérite de souligner qu'un tel aménagement jouit d'une dynamique propre, d'exigences de fonctionnement inhérentes à son existence autant qu'à son objet. L'observatio-ne révèle

ainsi un intérêt social institutionnel, tendant, toute autre préoccupa-tion exclue, au fonctionnement satisfaisant des organes”. (J. SCHAPIRA. L'Intérêt social et le fonctionnement de la société anonyme. Revue Trimestrielle de Droit Commercial. 1971. p. 961). É da própria característica funcional do controle que surge a noção institucional. No controle gerencial característico da macroempresa a tecnocracia assume o poder. Vale aqui o comentário de Ripert quando dizia que os proprietários no sistema atual se tornaram credores.

Berle e Means já afirmavam que, na verdade, o acionista tem, no dividendo, um emprego (renda), um seguro ou um crédito a receber. (Moderna sociedade anônima e a propriedade privada. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 335 p). No controle gerencial a diretoria comanda a empresa. Essa tecnocracia altamente treinada possibilita a realização de grandes negócios para a empresa, tornando-a rentável e deixando os acionistas tranqüilos e completamente alheios à política social. Por isso do controle sobre a administração dessas companhias quando manipulam o mercado, ou impõem política contrária à empresa do próprio grupo, como o fechamento de companhia próspera. Está cada vez mais corriqueira a aquisição de empresas brasileiras por conglomerados internacionais, com o encerramento ou reorganização das atividades produtivas. Na esfera societária o controle seria realizado diretamente sobre a diretoria. Todo ato administrativo deveria ter que ser justificado posteriormente, mostrando as suas conseqüências econômicas e sociais para a companhia e coletividade.

372. Os fins sociais dos meios de produção sob a forma de empresa

Toda atividade humana possui um sentido finalístico. A atividade empresarial não é diferente, tanto que a Constituição Federal determina a sua obrigação em observar a função social. É bem verdade que a norma constitucional foi pouco precisa nesse aspecto, preocupando-se mais decisivamente com a empresa pública. Tal situação causa espécie, principalmente pelo atual processo de privatização, que tantos prejuízos trouxe, colocado a efeito num estado liberal. Claude Champaud afirma que o principal está em saber se pode ser colocado em causa o mito da democracia acionária e se o poder econômico pode ser objeto de pesquisas e de decisões objetivas. A sociedade possui dupla finalidade que deve ser observada, a qual não se cinge apenas aos acionistas. (R. CONTIN. Le contrôle de la gestion. Cit. p. 494). A empresa não deve ser analisada como propriedade absoluta do empresário, mas sim, como a comunidade de trabalhadores, capital e coletividade. (REQUIÃO, Rubens. A função social da empresa no estado de direito. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, v. 19, 1978-1980. p. 270). A propriedade atenderá a sua função social. Entre os princípios da atividade econômica estão a soberania, propriedade privada e função social da propriedade (art. 170). Quando da edição da Constituição Federal de 1988 a maior parte do Capítulo I, destinado aos “Princípios Gerais da Atividade Econômica” foi dirigida às empresas públicas. Houve profunda ausência de preceitos para a atividade empresarial controlada por particulares. Fábio Konder Comparato afirmava, antes mesmo da atual Constituição de 1988, que é preciso estabelecer distinções e precisões fundamentais para lograr algum avanço na regulação constitucional da propriedade. Quando se trata de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade torna-se um poder-dever do controlador em dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos. (Função social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 63, jul./set./1986. p. 71-74). A função social também deve ser analisada em razão da propriedade particular. Mesmo que se possa referir à função social das empresas estatais, essa noção também atribui vínculo específico à atividade empresarial particular1 . No estado liberal a ordem jurídica é vaga ou alheia aos fins determináveis. O Direito limita-se a fixar regras mínimas, sem conceder privilégios a qualquer dos envolvidos, considerando-os iguais. A grande transformação se realizou quando foram tidos como legítimas a organização estatal e a construção da ordem jurídica em função dos objetivos sociais2 . Ao reconhecer a função social da propriedade, “a Constituição não negou a propriedade exclusiva do dono sobre a coisa, mas exige que a sua utilização atenda à coletividade”3. Quando a Constituição fez a opção pelo discurso vazio da função social ela seguiu muito bem aos postulados da elite econômica. A Constituição deveria ter sido expressa sobre as empresas particulares. A única solução para esse dilema é aplicação das normas federais que tratam da legislação societária e concorrencial, e que a livre iniciativa seja dirigida para o bem da comunidade em que a empresa se encontra, satisfazendo interesses vários, e que faça a ligação entre liberdade empreendedora e interesse coletivo.

1 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 249. 2 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Cit. p. 59. 3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 353.

Como todo poder é fruto de uma situação social, a Constituição consagra a propriedade como algo que não é absoluto. A noção de função social é o dever de dar ao objeto da propriedade destinação própria ou de ajustá-lo a certo fim. Quando se está diante de um interesse coletivo, essa função social corresponde ao poder-dever do proprietário, controlado pela ordem jurídica1 . Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Aqui volta aquela precisão de origem romana sobre a propriedade para diferenciar bens públicos e privados, que foi tradicional da Revolução Francesa. Com a divisão das esferas de poder fica fácil dar tratamento constitucional diferenciado aos setores de produção. Quando a Constituição coloca o termo “indicativo” tem a intenção de deixar a atividade empresarial livre para seguir o planejamento que desejar e as suas formas de realização e implementação na coletividade. O planejamento qualifica a intervenção do Estado sobre e no fator econômico na medida em que essa, quando necessária para o seu prévio exercício, resulte mais racional2. Fábio Konder Comparato, no seu magistério brilhante, já afirmava que os deveres sociais do controlador de empresas, estabelecido em tese por algumas normas, somente poderão ser desempenhados com clareza e cobrados com efetividade quando os objetivos sociais a serem atingidos forem impostos no quadro de uma planificação vinculante para o Estado e diretiva da atividade econômica particular3 .

373. Função social na administração das companhias

A Constituição de 1988 estabeleceu uma série de garantias para o trabalhador, que é direito do trabalhador participar nos lucros ou resultados, desvinculados da remuneração e, excepcionalmente, a participação na gestão da empresa. A Constituição não explica por que a participação deve ocorrer apenas excepcionalmente. A Constituição não observou a modernidade nesse aspecto. Na Alemanha, França e EUA existem órgãos de fiscalização da gestão nos quais o trabalhador possui representação. Ademais, há também comitês de empresas, compostos de empregados, que possuem contato direto com a administração. A Constituição não reflete a realidade empresarial brasileira ao estabelecer o número mínimo de duzentos empregados. A função do representante também é bastante limitada, tanto que o texto constitucional expressamente determina competirlhe a promoção de entendimento com os controladores. O trabalhador não terá meios de realizar a fiscalização, ou tampouco exercer o controle. Apenas dispensa-lhe uma atuação formal, despida de resultados eficazes. O trabalhador continua alheio à administração, e o termo “entendimento” é profundamente prolixo, e deixa claro que a representação somente terá lugar nos momentos de crise.

Outro aspecto que merece análise é a forma de atuação empresarial. Com a produção em massa a empresa atingiu um patamar de responsabilidade sobre os caminhos da coletividade muito semelhante ao estatal. Não podem existir diferenças fundamentais sobre a finalidade social do setor privado e estatal. Todos são responsáveis pela promoção de uma sociedade na qual os bens de produção atendam objetivamente aos reclamos sociais. A socialização não deve ser confundida com os processos de estatização do setor produtivo e o favorecimento da acumulação de riqueza pela elite econômica que, posteriormente, recebe o patrimônio estatal na privatização. Deve-se enfatizar a diferença circunstancial na qual, embora o capitalismo reclame a estatização, assim o faz em virtude na sua própria renovação. A estatização não configura a realização da socialização e, pelo contrário, o exercício do estado na função de acumulação de capitais promove a renovação do capitalismo4 . A Constituição Federal não estabelece, quanto à atividade empresarial, sistematização objetiva das noções mínimas de controle sobre o controlador na esfera empresarial. A Constituição continua a tratar a empresa com o discurso da função social que, de per se, torna complexa a efetivação dos clamores mais evidentes sobre os fins da própria empresa. A noção econômica do constituinte foi equivocada, dando ênfase somente à disciplinação das relações entre a empresa pública e o Estado, esquecendo que seria seu dever tratar, também, e com mais efeito, das relações entre as demais empresas. Há, nesse aspecto, uma reminiscência defasada da divisão das esferas públicas e privadas, que remonta à tradição romana e do liberalismo do século XIX.

Com a importância da atividade empresarial e do interesse da empresa, a disciplina constitucional deveria ser realizada por norma enfática, traçando o relacionamento empresarial com os diversos setores. Reflexo dessa sistematização estaria no surgimento de legislação que estabelecesse os níveis de relacionamento entre as empresas e o Estado, com repercussão nas questões tributárias – alterando a competência legislativa federal. O sistema jurídico postula essa regulamentação, e cabe à legislação constitucional disciplinar o controle do poder de controle dos bens de produção como a nova noção de propriedade5 .

1 COMPARATO, Fábio Konder. Função social da propriedade. Cit. p. 75. 2 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica. Cit. p. 159. 3 Função social da propriedade. Cit. p. 79. 4 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica. Cit. p. 340. 5 Idem, A ordem econômica. p. 340-341.

O controle é algo que não pode ser apropriado. Ele deveria pertencer à empresa. O sobrevalor das ações de controle deve permanecer com a empresa e, no caso de venda, os acionistas controladores receberiam apenas a variação da cotação das suas ações como qualquer outro acionista. Seria ilógico que os acionistas controladores, mediante ocupação, se apropriassem de um valor que de antemão já não lhes pertencia. Essa característica de o valor pertencer à empresa promoveria a realização de uma administração empresarial mais equânime com a realidade. Rubens Requião compara o controle com o aviamento para justificar o fundamento da apropriação do controle por ocupação. Assim, observando a tradição, e em analogia com outros bens da mesma categoria imaterial, afirma que o controle acionário é um bem apropriável, segundo os cânones do direito natural1 . Por mais que essa solução tenha vencido na prática societária, tal perspectiva é claramente contrária ao interesse da empresa, mantendo o cânone da propriedade como algo absoluto. A defesa do seu fundamento natural fomenta a desequilíbrio societário. É bom notar que a empresa não alcança elevado nível de crescimento apenas pela atuação dos sócios. Priva-se, conforme a doutrina dominante, a distribuição eqüitativa de um valor que pertence à empresa, prejudicando os trabalhadores e os acionistas minoritários e debenturistas. Essa situação poderia ocorrer no caso de alienação do controle de instituição financeira em dificuldades econômicas nas quais a carta patente possui um valor elevado. Se o mercado é deixado livre dentro da sua legalidade intrínseca, ele leva em consideração somente o objeto e esquece-se da pessoa2. É preciso insistir pela reformulação da administração societária, e a sua socialização seria o corolário desse sistema.

374. Dissociação entre controle e propriedade

Caracterizando a resultante clássica entre limitação ética, institucionalização, fins sociais e a socialização, a dissociação controle-propriedade ultrapassa os limites da sociedade e do próprio controlador. O administrador exerce sua atividade no interesse da companhia, observando um poder próprio. Seus poderes de deliberação, de gestão e representação são exercidos na proteção da função social da empresa3. A mudança de perspectiva é completa. A empresa como fonte produtiva assume a função primordial na realização e na consecução não apenas do seu objeto social ou da vontade dos acionistas.

A desconsideração da personalidade jurídica é feita em função do poder de controle na sociedade. Esse é o fenômeno fundamental que predomina sobre a consideração da personalidade jurídica como entidade distinta dos seus componentes4 . Quando a atividade empresarial assumiu o comando das relações coletivas, imediatamente recebeu em contrapartida a responsabilidade pelo desenvolvimento do próprio organismo que coordena. Do contrário, seria um processo econômico calcado na diluição de responsabilização. Essa diluição é tradicional do liberalismo que assola grande parte dos Estados, principalmente nos países com pequeno nível de crescimento econômico ou distribuição de renda. A dissociação entre empresa e empresário é uma das conseqüências da personalidade jurídica como técnica organizacional. Com a crescente separação das funções administrativas, cada setor da empresa representa uma parcela do poder, possuindo comandos normativos específicos. Quando os órgãos da empresa se movimentam, não é o seu controlador que ordena, mas eles atuam conforme as necessidades e obrigações decorrentes. Por mais que o controlador queira ser o senhor único do comando dentro da empresa, fica em aberto certa discricionariedade aos órgãos sociais, quanto mais nas grandes sociedades.

O controle gerencial é um fato notório. No Brasil, com o crescimento da atividade empresarial e com o aumento da tecnologia, o controle administrativo pode ser encontrado com facilidade. Cabe ao controlador estabelecer as deliberações gerais para as companhias. O poder muitas vezes está nos diretores, que sabem das condições de mercado, e não se limitam a assessorar as decisões do controlador. Eles, na verdade, dizem o que deve ser feito. A prática empresarial do controle externo e gerencial mostrou-se contra o texto normativo. Na verdade, é comum que os diretores escolham os caminhos sociais a serem seguidos pela empresa, restando ao controlador apenas sua homologação em Assembléia. A busca por mercados, como exportação e importação, compra de equipamentos de alta tecnologia e investimentos nas Bolsas de Valores são resolvidos por tecnocratas que se arvoraram sobre o comando empresarial. Isso não é ficção. Situações corriqueiras acontecem e comprovam a existência de um poder concorrente ao do controlador, o qual acaba ficando sem o comando da administração. O comandante da empresa não pode fazer face à multiplicidade das suas obrigações. Ele deve se proteger de colaboradores, aos quais confiará seu poder. Sob esse ponto de vista, a distinção das funções da administração e direção técnica podem ser consideradas como a resultante da organização da grande empresa5 .

1 REQUIÃO, Rubens. O controle e a proteção dos acionistas. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 15-16, XIII, 1974. p. 31. 2 WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília, v. 1, 1994. p. 420. 3 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei. Cit. v. 3. p. 23-24. 4 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle. Cit. p. 285. 5 CHAMPAUD, Claude. Le pouvoir de concentration. Cit. 89.

A resultante é realmente clara. As organizações empresariais cada vez mais tendem ao aumento da especificidade das atribuições da diretoria. O fato importante que surge dessa situação está em questionar como surge uma vontade social única dentro dos conglomerados, diante da diversidade de setores administrativos. O esquema de poder dentro das companhias é totalitário. É uma hierarquia rígida que determina a sorte da empresa. O poder dentro de cada diretoria é limitado por um chefe que sabe qual a solução que mais agrada à empresa. Cada setor deve agir da maneira que seja mais proveitosa para a empresa. O risco e a distribuição dos recursos dentro dos órgãos determinarão a forma de atuação, como para os sistemas de publicidade. É através da publicidade que uma empresa aumenta suas possibilidades de sucesso econômico, mesmo que possua diretores financeiros prestigiados no mundo dos negócios. Esse poder de impor sua vontade denota bem o poderio empresarial sobre as condições e os reflexos da compulsão do consumo. O controle sobre tais atividades é inexistente. As indenizações também seriam limites impostos pelo Poder Judiciário nos casos de abusos e práticas contrárias aos preceitos normativos. O administrador deve exercer suas atribuições para realizar os fins e interesses da companhia, satisfazer o bem público e a sua função social. A intenção da Lei 6.404/76 ficou bem determinada que as normas referentes aos deveres e responsabilidades serão aplicadas aos membros de quaisquer órgãos, criados pelo estatuto, com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores. O legislador deixou bem claro que todo aquele que participa dos comandos administrativos deverá observar as regras éticas de conduta. Há expressa referência em aplicar a Lei aos eventuais órgãos acessórios de aconselhamento. A Assembléia Geral seria o lugar para que todos os segmentos sociais se reunissem e apresentassem suas razões. Isso mostrou-se inviável. As decisões da diretoria e dos órgãos técnicos ganharam destaque e “autonomia”. Eles comandam a sociedade controlando seus negócios. O poder de controle não está somente na posse de direito de sócio. Está também no controle gerencial. A dissociação empresa e empresário, consagrando a teoria institucional, revela essa situação típica do elevado nível de desenvolvimento capitalista e financeiro, repercutindo no moderno direito falimentar com a dissociação entre a sorte do empresário e da empresa. O sócio controlador pode ser destituído, mantendo-se a atividade da empresa. Fala-se, modernamente, em administrador judicial e plano de reorganização. Todos enfatizam o aspecto técnico da administração, com a sua revisão dentro do processo concursal. Os limites éticos na conduta do controlador não são colocados pela teoria liberal, e o que vale é só a manutenção e o aumento da entidade produtiva, mesmo que através da automação, do desemprego, da exploração do consumidor e do acúmulo de capitais. A Constituição Federal de 1988 determina que a propriedade atenderá a sua função social, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por objetivo assegurar existência digna, conforme os ditames da justiça social. Entre os seus princípios estão: a soberania, propriedade privada, função social da propriedade e livre concorrência. A Constituição dispensa maior ênfase à empresa pública, esquecendo das inúmeras questões que envolvem a atividade empresarial controlada por particulares. Com as modernas técnicas societárias o controlador fica sempre protegido pela personalidade jurídica. É fácil esquivar-se das responsabilidades sociais junto aos trabalhadores sobre as empresas controladas. Para tratar do controle do controlador a legislação brasileira deveria observar os mecanismos previstos nas normas societárias da França e Alemanha. Conforme a doutrina, a Lei 6.404/76 seguiu a teoria institucional da empresa em razão dos limites dualistas existentes entre a minoria e as prerrogativas do controlador, como as reservas financeiras. Mas, o que diferencia mesmo as legislações é a presença de órgãos de controle da gestão e principalmente a composição deste órgão. Fábio Konder Comparato já defendia a existência de estatuto jurídico específico da macroempresa que possuísse a natureza institucional e não contratual. Isso permitiria equacionar dentro de um esquema racional os diversos segmentos que convergem na grande empresa capitalista: o dos empresários, investidores, trabalhadores e coletividade, todos representados no Conselho de Administração1 . O Conselho de Administração mantém a representação apenas dos acionistas. Para os minoritários relega-se a possibilidade do voto múltiplo. Suas funções principais são: fixar a orientação geral da companhia; eleger e destituir diretores, fiscalizar a gestão, examinar os livros e títulos da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados e por celebrar, convocar a Assembléia, manifestar-se previamente sobre atos ou contratos quando o estatuto assim o exigir, autorizar a alienação de bens do ativo permanente e a constituição de ônus reais e garantias às obrigações de terceiros, contratar auditorias.

Em razão dessa disciplinação o conselheiro pode se tornar responsável por atos abusivos ou com desvio de finalidade praticados pelo controlador. Suas funções são verdadeiros deveres impostos pela Lei. Os conselheiros não poderão se escusar da responsabilidade patrimonial ao seguirem a vontade do controlador. O que não pode continuar é o controlador como senhor único das deliberações sociais, porque, mantendo o atual esquema de poder, existirá uma noção parcial do conceito de empresa que não se ajusta ao critério institucional. É imperiosa a reforma da legislação, o que deve repercutir sobre a prática da atividade empresarial. Quem trabalha na empresa ou compra os produtos também deve ter informações sobre a administração, recebendo explicações sobre o andamento dos negócios, situação dos preços, perspectivas de

1 Aspectos. Cit. p. 88-89.

investimentos, movimentos grevistas, automação, interferência no meio ambiente, poluição, auxiliando os órgãos estatais de controle.

A responsabilidade coletiva que a atividade empresarial possui na sociedade é imensa. O mundo jurídico vem há muito tempo tentando dar uma solução tradicional aos efeitos provocados pela atuação das empresas na coletividade. Quando a Constituição fez essa opção legislativa, ela encerrou uma série de preceitos que poderiam constar do seu texto, servindo como norma enfática sobre o controle das empresas e não com dualismo inaceitável entre público e privado, como se fossem esferas diversas e com fins diversos.

O acionista controlador deve utilizar o seu poder de controle com o fim de fazer a companhia cumprir sua função social, possuindo deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, com os trabalhadores, comunidade e com a empresa em si. Essa é a perspectiva empresaria contemporânea. O controle será abusivo quando orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou favorecer outra companhia, em prejuízo dos acionistas minoritários; promover a liquidação de companhia próspera ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter para si ou para outrem vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos trabalhadores e do mercado; contrariar a vontade da empresa; eleger administrador ou conselheiro inapto para o cargo; induzir ou tentar induzir administrador ou conselheiro fiscal a praticar ato ilegal; contratar com a companhia diretamente ou através de terceiro em condições de favorecimento ou não eqüitativas; aprovar contas irregulares; subscrever ações para aumento de capital com bens estranhos ao objeto social. Essa forma de disciplinação causa espécie porque há diferenciação temerária entre os fins a serem perseguidos pela empresa controlada por particulares ou pelo Estado. Isso denota bem o dualismo clássico das legislações sobre “bem público e privado”. Na atualidade, não há mais lugar para a divisão das funções inerentes à propriedade dos bens produtivos com ou sem a participação estatal. O Conselho de Administração precisa cumprir fielmente a função de fiscalização e controle, e cabe ao Conselho de Administração fiscalizar a gestão dos diretores, examinar livros e títulos da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados e por celebrar; manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da companhia; deliberar sobre emissão de ações ou bônus de subscrição; autorizar a alienação de bens do ativo permanente e onerar a sociedade. O Conselho Fiscal deve realizar plenamente a importante função que a Lei lhe determinou. Sobre esse órgão da sociedade, a não ser a participação majoritária do controlador, há disciplinação eficiente, atribuindo uma série de poderes-funções ao conselheiro. Um dos aspectos problemáticos do Conselho Fiscal deriva da noção jurídica da matéria que, salvo o posicionamento do Prof. Waldírio Bulgarelli e do Cunha Peixoto que o entendem como órgão social de atribuições individuais, considera a natureza colegial e majoritária das deliberações do Conselho Fiscal. Se for sufragada a posição doutrinária do Professor Waldírio Bulgarelli sobre a atuação individual do conselheiro fiscal, a funcionalidade do Conselho Fiscal seria muito mais proveitosa para a sociedade, representando meio de controle sobre o controlador. O administrador deve cumprir suas funções na defesa do interesse da companhia, satisfazendo as exigências comuns e a função social da empresa. Ao administrador é proibido realizar qualquer ato que conflite com o interesse da companhia. Esse é um dever clássico dos administradores. Proposta que pode ser lançada neste momento é a inclusão de novo órgão social nas companhias, que seria composto de representantes dos trabalhadores, do controlador, minoritários e coletividade.

O Conselho de Administração teria somente a função de fixar a orientação geral dos negócios da companhia, podendo eleger e destituir diretores. O órgão encarregado da fiscalização poderia ser denominado de Conselho da Empresa. Sua função seria semelhante ao Conseil de Surveillance francês, e ao da Alemanha, e pode existir Comitê ligado diretamente ao Conselho, como o dos trabalhadores. Na França, o Conselho de Fiscalização exerce o controle permanente da gestão realizada pela diretoria. Os estatutos podem subordinar à autorização do Conselho a conclusão de negócios comerciais específicos. Em qualquer época do exercício social o Conselho de Fiscalização deve realizar a verificação e o controle que julgue necessários e oportunos, requisitando os documentos para o cumprimento da sua função. Ademais, a cada trimestre a diretoria deve apresentar relatório ao Conselho.

O Conselho de Fiscalização deve deliberar por maioria dos membros presentes. O estatuto pode determinar maioria absoluta para decisões que envolvam matérias determinadas sobre aspectos importantes da administração. O Conselho da Empresa não interferiria diretamente na gestão. Ela realizaria o controle a posteriori da administração. Caberia à diretoria informá-lo sempre dos problemas de funcionamento e rentabilidade da empresa, o desenvolvimento e total dos negócios realizados. O Conselho Fiscal teria mantida sua função atual, e deveria atuar ao lado do Conselho da Empresa, fornecendo todas as informações importantes sobre a gestão e a regularidade das contas. É vedada a participação conjunta como membro do Conselho da Empresa e da Diretoria. O representante dos trabalhadores possuirá estabilidade contra dispensa. Essa função não se confunde com o processo de co-gestão clássica. O Conselho da Empresa deve ter poderes e competências próprias, que lhe garantam autonomia diante dos acionistas e mesmo dos empregados. Seus integrantes devem verificar a administração da empresa como ente social que possui vontade e deveres sociais precisos. Na reforma dever-se-ia seguir o esquema traçado pelo Prof. Fábio Konder Comparato. Um dos

pontos que o referido jurista comenta está na dificuldade da equiparação dos representantes dos trabalhadores e dos investidores dentro do Conselho de Administração. No Conselho da Empresa precisam estar previstos poderes próprios a determinada categoria de representantes, conforme sua ligação imediata com os diversos setores da empresa. Com efeito, a distribuição de poder dentro do Conselho da Empresa deve obedecer a metodologia que permita a cada setor representado manifestar sua vontade, sem que isso ocasione dificuldade estrutural de funcionamento, permitindo a obtenção de solução razoável para o caso. A conseqüência lógica da atuação do Conselho da Empresa é a limitação ao poder do controlador dentro da Assembléia Geral. As manifestações do Conselho devem ser observadas quando da realização da Assembléia, com isso, se estabelece um sistema de equilíbrio dentro da entidade social, sopesando os segmentos que o integram. A diretoria será fiscalizada quanto ao mérito das suas decisões, o que terá especial destaque nas grandes empresas sob controle gerencial. No caso das companhias controladas a função do Conselho da Empresa é primordial. Seria esse órgão que poderia detectar com facilidade os caminhos administrativos que estão sendo colocados pelo controlador, inclusive para responsabilizá-lo. A Lei 6.404/76 estabelece uma série de mecanismos de controle sobre o poder de controle controlador. Pela falta de órgão específico de fiscalização fica fácil para o controlador realizar a sua política administrativa e se livrar das responsabilidades. A presença de órgão próprio, diverso do Conselho de Administração, seria a melhor forma para que se implementassem os comandos normativos com a precisa determinação dos agentes administrativos e da sua responsabilização por atos praticados contra a empresa. A sociedade por ações não deve ser vista apenas como máquina de coletar capitais, mas também, de distribuição desse mesmo capital como renda e valorização do trabalho comum. A elaboração da noção da empresa é fruto e conseqüência da vivência empresarial, dos reclamos justos e necessários da coletividade, vendo na empresa uma entidade não só financeira mas, acima de tudo, jurídica e social, como uma verdadeira constelação de interesses.

375. A definição do interesse social

Como cidadãos deste Estado, os indivíduos são pessoas privadas que têm como fim o seu próprio interesse: como este só é obtido através do universal, que assim aparece como um meio, tal fim só poderá ser atingido quando os indivíduos determinarem o seu saber, a sua vontade e a sua ação de acordo com um modo universal e se transformarem em anéis da cadeia que constitui o conjunto”. Hegel. Princípios da

Filosofia do Direito.

A expressão “interesse social” está no campo dos termos confusos. Seu sentido e significação refogem ao simples entendimento literal, devendo ser interpretado pelas noções implícitas que lhe são conexas. A conduta humana sempre teve como princípio a realização de um fim. Esse fim, que transcende os limites da existência, fundamenta-se na continuidade da espécie e tem na figura do Estado o seu maior fundamento. Hegel afirmara que, ao se confundir o Estado com a sociedade civil, destinando-o à segurança e proteção da propriedade e da liberdade, o interesse dos indivíduos enquanto tal é o fim supremo da sociedade. Ora, é diferente a relação com o indivíduo. Se o Estado é o espírito objetivo, portanto, somente como membro é que o indivíduo tem objetividade, moralidade e verdade1. O Estado torna-se o grande condutor e única fonte de poder, ademais quando é para dar qualidade e certeza ao governo. É a situação histórica que determina, muitas vezes, a amplitude dos termos confusos. Hoje em dia doutrinas políticas as mais contrapostas utilizam-se do recurso das palavras com significações complexas. O interesse social é a mais freqüente. Chaim Perelman afirmou com todas as letras que o estudo da filosofia está na análise das noções confusas2 . Esta perspectiva é contrária à lógica matemática (more geometrico) que impregnou o saber filosófico por muito tempo, e que foi abandonada pela moderna teoria da argumentação, sofrendo um revés decisivo, com a formação e a reafirmação da nova retórica, e da liberdade a partir dos séculos XIX e XX3. Atrelava-se, com efeito, segurança e interesse geral, de tal maneira que um não se realiza sem o outro. Naquela época o monarca era o senhor único das decisões e o único intérprete do interesse geral, e representava a manifestação de uma autoridade superior. Com o pensamento democrático e a criação

1 Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 217. 2 “Ora, a noção de interesse geral é vaga, confusa e sua aplicação a situações concretas varia no tempo e no espaço e até, numa sociedade concreta, segundo a ideologia dominante”. Chaim PERELMAN. Ética e Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 235; cf. Tullio ASCARELLI. “Le società costituiscono indubbiamente comunioni volontarie di interessi; comunioni volontarie come tali distinte vuoi da quelle accidentali. Le società costituiscono non solo delle comunioni di interesse, ma, già pel fatto di essere volontarie, delle comunioni di scopo, né qui interessa la piú precisa delimitazione di questo scopo nei confronti di quello delle associazioni(è appunto attraverso la costituizone contrattuale di una comunione di scopo che si costituisce la comunione di interessi). La comunione di scopo si coordina con un interesse comune a tutti i partecipanti, sí che nei confronti di ciascun partecipante potremo distinguere un interesse extrasociale e un interesse che, pur proprio di ciascuno, è a tutti comune”. Interesse sociale e interesse comune nel voto, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, V, 1951. p. 1.146. 3 T. HOBBES, o defensor do absolutismo, falava que “não se pode dizer que o governo de um seja menos razoável porque nele um tenha mais poder que todos os demais. Há alguns que se sentem descontentes com o governo de um, por nenhuma outra razão além de ser, ele, um; como se não fosse razoável que um homem entre tantos os excedesse em poder a tal ponto que pudesse dispor, a seu prazer, de todos os outros”. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 158. O poder de controle dentro das companhias deve ceder espaço diante da sua função, o que pode parecer inadequado para os contratualistas ou para os que consideram o controlador como senhor único dos negócios sociais.

das Assembléias, o governo absoluto tangenciou diante da sua nova estrutura, e era inexorável a sua mudança no conteúdo. O controle sobre o poder público intensificou-se com a limitação da vontade absoluta do monarca. Mas é de bom alvitre conjecturar se essa estrutura de poder absoluto foi realmente suplantada pelos acontecimentos da modernidade, ou se ela ainda não é aplicada modernamente com uma outra justificação teórica, quer seja pela teoria do poder estatal ou pelo poder de comando dentro das companhias. Na sociedade por ações, com a Lei 6.404/76, há nítida tendência para a realização do Fuhrerprinzip. A assembléia geral não possui uma função decisiva, a não ser homologar a vontade do controlador, diga-se, soberano das decisões administrativas. Os instrumentos societários de defesa da minoria acionária ficam pequenos diante da magnitude que o controlador assume na esfera de poder das companhias. Os acionistas preferencialistas, meros credores, apenas podem verificar as contas da companhia, o que é a lógica do sistema. Um dos pontos que se coloca está na questão dos trabalhadores e da coletividade, essa decisivamente alheia às questões da empresa. Perelman entende que a noção de interesse geral é vaga, confusa e sua aplicação às situações concretas varia no tempo e no espaço, segundo a ideologia dominante, e quanto mais cresce a intervenção estatal, mais o argumento tirado do interesse geral prevalece sobre o princípio da igualdade1. Por isso, John Rawls colocou-se contra o utilitarismo e os interesses sociais propugnados, seguindo a teoria liberal, conforme ainda será analisado. Quando o Estado social surge como um dos meios de se efetivar a igualdade, sua intervenção realiza-se tendo em mira um fim específico. Esse fim possui a determinação ampla da estrutura de poder que envolve a coletividade, em todas as suas formas. Não resta dúvida de que o apego à noção de interesse social, que pode ser entendido como interesse geral, consubstancia-se numa situação limitativa da esfera particular e também da esfera pública. A crescente preocupação com os fins sociais da norma, estabelecendo parâmetros mínimos de sua aplicação, bem representam a quantificação que se pode fazer sobre o mundo atual. Com as companhias a perspectiva é a mesma. Tal alusão determina a restrição ao primado da administração e do poder de controle sobre os princípios dogmáticos da igualdade. A Constituição Federal de 1988 apresenta para a atividade econômica o manancial sistemático que se espira na complementaridade do liberal com os seus aspectos finalísticos, ou melhor, com aqueles mesmos interesses em jogo. O controlador não é o titular do interesse da empresa. Isto deve ser afirmado com toda certeza.

A Lei 6.404/76 é bastante avançada nesse aspecto, estabelecendo uma série de medidas para impedir o abuso de poder de controle e o desvio de finalidade. Falta, porém, um órgão social nos moldes do sistema alemão e francês para colocar a efeito essa sistematização. Hegel afirmara que a classe industrial ocupa-se da transformação do produto natural e seus meios de subsistência decorrem do trabalho e da mediação das carências e do trabalho dos outros. O que se produz e o que se consome deve-se essencialmente a essa atividade. O trabalho em massa (abstrato) é o destinado para a satisfação das carências individuais (o da indústria), e a atividade de troca dos produtos por dinheiro constitui o comércio. Em suma, a abstração da produção leva cada vez mais à mecanização do trabalho e, enfim, é possível excluir o homem do trabalho e substituí-lo pela máquina. Há, desta feita, negócios coletivos e instituições de interesse geral que requerem a vigilância e os cuidados do poder estatal sobre os interesses opostos dos produtores e dos consumidores2 . A empresa é uma realidade jurídica e constitui a conjugação dos vários interesses que a formam. Ela supera a visão contratual das sociedades, tendo nela verdadeira instituição. Sócios, empregados, consumidores, estado e coletividade estão imanentemente ligados à sua atividade. Conforme afirma Jaeger, o termo interesse coletivo não exprime outra coisa que a solidariedade dos interesses, na qual se pode encontrar a explicação de toda manifestação da vida jurídica, dos negócios às formas associativas. Não significa, todavia, que o interesse social seja a soma dos interesses individuais, como queria o utilitarismo3 . Jaeger, por sua vez, segue a doutrina tradicional das sociedades por ações, com visão essencialmente contratualista. Comentando a teoria institucionalista, Jaeger afirmou que essa doutrina é um típico produto do neocapitalismo, entendido não já como ideologia particular, mas como ideologia própria, que tem em comum o reconhecimento do controle privado dos meios de produção e da liberdade não absoluta, mas submetida aos limites de diversas categorias na utilização desse mesmo poder nas companhias4. Jaeger utiliza o termo neocapitalismo para explicar o fenômeno de concentração

1 Ética e Direito. Cit. p. 235. 2 “É sempre possível dar-se a oposição entre os diversos interesses dos produtores e dos consumidores; e, embora, no conjunto, as corretas relações por eles mesmos sejam estabelecidas, ainda poderá ser conveniente uma regulamentação intencional superior às duas partes. A legitimidade de tal regulamentação (impostos sobre gêneros de primeira necessidade) para casos particulares justifica-se pelo fato de, na utilidade cotidiana e universal que possuem, as mercadorias serem oferecidas não ao indivíduo como tal, mas ao indivíduo como geral, ao público”. HEGEL. Princípios. Cit. p. 178, 184 e 204. 3 JAEGER, Pier Giusto. L'Interesse sociale. Milano: Giuffré, 1972. p. 9. 4 Ora, a doutrina contratualista segue uma tendência bem liberal, tanto que JAEGER afirma que “portatori di interessi, affermano i critici della teoria qui esaminata, sono soltanto gli individui singoli, e poichè l'impresa non è altro che uno strumento di cui i capitalisti si servono per ottenere dei profitti, se qualcosa realizza gli interessi di questi si potrà ben dire, usando una formula ellittica, che essa è nell'interesse dell'impresa, ma no si potrà mai attribuire a quest'ultima uno scopo proprio (Selbstzweck), che non possa ridursi allo scopo perseguito da un particolare gruppo di uomini. Lo slogan degli autori della teoria dell'Unternehmen an sich, secondo cui l'impresa deve essere difesa contro i suoi proprietari (Eigentümer), cioè contro gli azionisti, costituirebbe pertanto, prima ancora che un principio non accolto dal diritto positivo, un assurdo logico”. L'Interesse Sociale. Cit, p. 25-26. Ora, existem preceitos normativos que vedam a prática de determinados atos que são frontalmente prejudiciais à empresa, como também o que diz respeito à liquidação de companhia próspera. É evidente que a empresa deve ser protegida 448

empresarial e financeira do começo deste século, que foi um dos motivos das guerras de 1919 e 1945. O mais correto é entender esse período não como neocapitalismo, mas como a implantação efetiva do capitalismo, o que Marx já combatia anteriormente. No século XIX efetivou-se a construção da doutrina liberal com a industrialização e com o acúmulo da riqueza que financiou o capitalismo de massa nos EUA e na Europa a partir do começo do século XX. Um dos fundamentos da concepção do interesse social está na teoria do abuso de poder ou de direito. Mas esse não é o único. Quando as pessoas exercem e utilizam seus poderes, contrariando o interesse geral, abusando de sua posição, têm-se ato vedado pela lei. Na sistemática societária determina-se que os administradores não são responsáveis pelas obrigações que pactuarem em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão, mas eles respondem patrimonialmente pelos prejuízos que causarem ao agirem dentro de suas atribuições com culpa ou dolo, ou desrespeitando a lei ou o estatuto. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe determinem para obter os fins e interesses da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Frise-se o seguinte: o administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para a defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres. É situação comum nas grandes companhias que grupos de acionistas que fazem parte do bloco de controle designarem, em acordos preestabelecidos, a indicação dos diretores. Pode se notar com toda a facilidade a existência de interesses contrapostos entre os acionistas, o que pode dar ensejo a disputas internas dentro da companhia. Isso comprova que os controladores não são os senhores do interesse social, mas ele (interesse social) existe e tem vida própria, autônoma dos acionistas, tendo na empresa em si a sua maior explicação e justificação. Cumprir o interesse social é fazer valer a vontade da empresa. Esta vontade é a complementaridade dos interesses e não a sua soma algébrica. John Rawls trata da noção de interesse. Para ele a noção de justiça está na conciliação de interesses que é o corolário da teoria do contrato social1 .

A complementaridade dos interesses mantém a forma majoritária das decisões sociais, mas permite que seja feito um controle das matérias a serem votadas. Esse controle pode ser anterior e/ou posterior. Dele decorre a responsabilização pelos caminhos a serem seguidos pela companhia, como a possibilidade de todos os envolvidos participarem desse caminho. A Lei das Sociedades por Ações não titubeou em precisar a responsabilidade dos administradores e controladores indicando expressamente a função social inerente ao exercício do poder-dever desses agentes diante da atividade empresarial2. O que existe no âmbito do interesse social e em sua determinação é a questão referente à segurança jurídica. Como o eterno dilema do direito está em estabelecer o liame entre segurança-certeza jurídica e a realização dos seus fins mais justos, a concepção do interesse encontrou pontos de resistência na teoria tradicional. É essa matéria que será analisada a seguir.

376. Interesse e função – o capitalismo contemporâneo

O que se coloca é saber se a função da empresa é a realização do seu interesse. Nesse caso, se isso é verdade, ter-se-á a construção da teoria funcional da empresa, consagrando a existência de interesse que não pode ser chamado de superior, mas antes, de interesse fundamental3. Quando Rathenau afirmou que a empresa representava uma série de interesses, levou em consideração uma realidade que era, e ainda é, inegável. Para o industrial alemão a grande empresa não é mais uma organização de interesse particular, mas é um fenômeno complexo, um fator da economia nacional, que pertence à coletividade, que se colocou em medida crescente ao serviço do interesse público, surgindo uma nova função para sua atividade4 .

Recasens Siches coloca o problema do interesse com precisão. Para o referido professor, os desejos de cada um, isto é, o interesse de cada um, são freqüentemente vencidos pelos interesses em conflito e pelos desejos dos outros. Assim, entendese por interesse o desejo que os seres humanos tratam de satisfazer, individualmente ou em grupos e associações, em suas relações com os demais seres. Como a satisfação de todos os interesses não é possível, nascem os conflitos na coletividade5 .

contra seus acionistas, ainda mais quando esses acionistas prejudicam o seu patrimônio, que é a garantia dos credores, e locupletam-se injustamente, através de atos lesivos à empresa e demais acionistas, ou nos conglomerados econômicos. Arts. 2.373, il diritto di voto non può essere esercitato dal socio nelle deliberazioni in cui egli ha, per conto proprio o di terzi, un interesse in conflitto con quello della società; 2.391; 2.394 etc. 1 Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 152. 2 BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. São Paulo: RT, 1985. p. 338. 3 “Per cui così come, a norma del § 70 dell'Aktiengesetz, gli amministratori della società per azioni hanno l'obbligo di gestire l'impresa in funzione non solo dell'interesse dei soci (che anzi passa in secondo grado), ma in funzione dell'interesse della comunità”. Berardino LIBONATI. Holding e investment trust. Milano: Giuffrè, 1959. p. 325-326. 4 RATHENAU, Walther. La realtá della società per azioni. Cit., p. 935. 5 “Esta máxima proclama que el interés particular debe ceder ante el interés común. No hay incompatibilidad ni contradicción, ni siquiera rozamiento, entre esos dos principios, el del superior rango de los valores de realización individual, por una parte, y el de la primacía del bien común, por otra parte, porque éste, el bien común, debe ser interpretado sobre todo como bienestar general, es decir, como satisfacción de la mayor cantidad posible de intereses de todas las personas, con el menor sacrificio... Sin prejuicio de la verdad enunciada de que el bienestar general consiste en la mayor cantidad posible de bienestar para el mayor número posible de 449

Nesse passo a elucidação de Bentham é precisa. O autor inglês afirma, dessa forma, que por princípio da utilidade entendese como aquele que aprova ou não alguma ação, segundo a tendência em aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em disputa. O termo utilidade designa a propriedade existente em qualquer coisa, propriedade essa em que o objeto tende a produzir benefícios ou vantagens. O interesse da comunidade é uma das expressões mais comuns que pode ocorrer na terminologia moral e, em conseqüência, não é de estranhar que muitas vezes se perca o seu significado exato. O seu único sentido, para Bentham, é que a comunidade constitui um corpo fictício, composto de pessoas que se consideram como constituindo os seus membros, e que, nesse caso, o interesse da comunidade é a soma dos interesses dos diversos membros que integram a referida comunidade. É inútil falar em interesse da comunidade se não se compreender qual é o interesse do indivíduo. Enfim, interesse é uma dessas palavras que por não ter um gênero não pode ser definida pela via ordinária1 . A questão está em que é impossível atribuir significação exata a qualquer termo, quanto mais àqueles das noções confusas. Por isso, a dificuldade de encontrar um sentido não significa que o termo interesse seja de menor importância, mas, ao revés, talvez seja a sua difícil realização prática que dificulta seu entendimento, o que é uma situação bastante diferente. Nessa esteira, o interesse da comunidade não é a soma algébrica dos interesses em jogo porque, do contrário, evitar-se-ia a conciliação coletiva. O interesse é fruto da vontade humana e precisa-se descobrir qual é a vontade mais racional conforme seus fins, para dizer qual deve prevalecer, pelo menos em grande parte. O interesse não é algo quantificável apenas, mas é sobretudo qualificável. Pode-se estabelecer a seguinte máxima: a todo interesse existe um outro contraposto. Nota-se que, para sobrepujar um dos interesses que estejam em conflito, a fundamentação deve estar na função que determinado interesse possui, ou seja, quais as conseqüências da sua valorização em relação aos demais. Essa função é realmente a decisiva para o ente social que tem na sua preservação o seu maior objetivo. Na identificidade da vontade universal e a particular coincidem o dever e o direito, e, no plano moral, o ser humano tem deveres na medida em que tem direitos, e direitos na medida em que tem deveres. Como cidadãos os indivíduos particulares são pessoas que têm como fim o seu próprio interesse; como esse somente é realizável através do universal, que aparece como meio, tal fim só poderá ser alcançado quando os indivíduos determinam a sua vontade e se a sua ação estiver de acordo com o interesse geral2. É o princípio da complementaridade. Não é à toa que o princípio da preservação da empresa surgiu de maneira decisiva nos países com elevada industrialização. A função que a atividade empresarial ganhou assumiu tal grandeza que seria lastimável a perda do fator produtivo. Mesmo na falência, erigiu-se intrincado método de solução para viabilizar a reorganização da situação financeira da empresa, passando a chamar crise econômica da empresa3. Como o sistema capitalista tem na atividade empresarial o seu maior ponto de apoio, a manutenção da empresa, mesmo em dificuldades econômicas, cria uma espécie de anteparo ao florescimento de uma nova estrutura, que na verdade não se sabe bem qual é. Com todos os lugares marcados no cenário econômico-internacional, a empresa tomou partido pela redução dos custos operacionais e aumento dos investimentos em robótica, para instituir um sistema de consumo segmentado, controlado e sustentável. “Quando uma grande quantidade de pessoas é deixada sem o mínimo do necessário para a subsistência, perdendo o sentido da convivência, assiste-se então à formação da plebe e, ao mesmo tempo, a uma maior facilidade para concentrar em poucas mãos riquezas desproporcionais”4. Para Weber, toda gestão econômica, dentro da economia de troca, é realizada por indivíduos que procuram satisfazer interesses próprios, ideais ou materiais. Isso se aplica também quando ela se orienta pelas ordens de corporações econômicas ou mesmo dos reguladores da economia5 .

individuos, hay que añadir, sin embargo, una consideración complementaria. El bienestar general, esencialmente, fundamentalmente, predominantemente, es eso que se ha dicho. Pero, al bienestar general pertenece también un repertorio de bienes objetivos comunes, com,o por ejemplo, la paz, el orden social, el orden público, la prosperidad financera del Estado, la integridad del territorio nacional, etc, los cuales son condiciones que posibilitan la mejor realización en la mayor cantidad lograble de los intereses de todos, según una pauta armónica, fundada en la jerarquía de los valores”. Luis Recasens SICHES. Tratado general de filosofía del derecho. Mexico, 1959. p. 226 e 612. 1 “É inútil falar de interesse da comunidade, se não se compreender qual é o interesse do indivíduo. Por conseguinte, afirmar-se-á que uma determinada ação está em conformidade com o princípio da utilidade, ou, para ser mais breve, à utilidade, quando a tendência que ela tem a aumentar a felicidade for maior do que qualquer tendência que tenha a diminuí-la”. Jeremy BENTHAM. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 4. O utilitarismo de STUART MILL e de BENTHAM leva consigo a supremacia da utilidade social. Assim, cada qual pode praticar o ato que entender para realizar a felicidade do maior número de pessoas. O utilitarismo parte do interesse do indivíduo para chegar ao interesse da comunidade. 2 HEGEL. Princípios. Cit. p. 148, 171. 3 Cf. os meus artigos: A reforma da lei de falências frente à reorganização econômica da empresa, Revita de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, 108, out./dez./1997, XXXVI, p. 16-62, que recebeu o Prêmio Tullio Ascarelli em 1996; A disciplina da reorganização da empresa em crise econômica no Projeto de Lei Concursal, Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, 111, jul./set./1998, XXXVI, p. 138-156; Harmonização da legislações concursais no âmbito do Mercosul em uma perspectiva comunitária. (Dissertação de Mestrado). 237 p.; Liquidação extrajudicial de companhia seguradora: direito do acionista recorrer ao Poder Judiciário para defesa de seus direitos, Revista de Dirieto Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, 115, jul./set./1999, XXXVII, p. 184-203. 4 HEGEL. Princípios. Cit. p. 208. 5 “Os interessados em sentido capitalista continuam desejando a crescente ampliação do livre mercado até que alguns deles se arriscam, mediante a compra de privilégios do poder político ou simplesmente graças a força do seu capital, a conquistar monopólios para a venda de seus produtos ou para a obtenção de seus meios de produçaão materiais, fechando então, por sua vez, o mercado. Por isso, a apropriação completa de todos os meios de produção materiais é seguida primeiro do rompimento dos monopólios estamentais, quando os interessados do lado capitalista estão em condições de influenciar em favor dos seus interesses as comunidades que regulam a propriedade de bens e a forma de sua valorização”. Max WEBER. Economia e Sociedade. Cit. v. 1. p. 136 e 421.

Na esteira de Recasens Siches, a função do ordenamento jurídico consistente em reconhecer, delimitar e proteger eficazmente os interesses, o que nunca se realiza definitivamente, mas ao contrário, está sempre em curso de elaboração. É assim porque os interesses não reconhecidos seguem exercendo constantemente pressão para seu reconhecimento no futuro, e os interesses hoje reconhecidos se esforçam para ampliar o seu âmbito de proteção. Com efeito, antigos interesses podem perder importância com as mudanças sociais perdendo, portanto, razão para continuarem protegidos. Com os dias surgem novos interesses e aparecem novas reivindicações que pressionam o legislador. Com essa transformação os interesses também se alteram, bem como os critérios de sua valoração1. A realização concreta de um interesse está na apreensão de sua função dentro da sociedade que se desenvolve em cada tempo. Com tudo isso a questão se resolve quando se toma partido por alguma causa, causa que merece atenção coletiva ou individual na sua proteção. O que Max Weber fala sobre o comando empresarial tem plena aplicação aqui. Para ele, numa economia socialista, a gerência pertenceria certamente à direção da associação, e os indivíduos estariam limitados na obtenção de bens e serviços. A co-gestão possibilitaria imediatamente a luta entre interesses opostos que se estenderiam à gestão e às reservas. Para Weber a socialização provocaria toda sorte de lutas de interesses, sendo protegidos apenas os decisivos para a entidade. Tal fato teria lugar pela intromissão dos interesses particularizados na administração, ou seja, a co-gestão, afirmando que as constelações de interesses seriam diferentes, e os seus meios de realização seriam outros, e o conflito se manifestaria de maneira decisiva2 . Se a realização do conflito tem o seu valor, os resultados verificados na atualidade não o comprovam com veemência e certezas seguras. A administração das companhias tende ao processo de socialização, que pode ser entendido como a participação dos demais interessados no processo decisório, mudando o enfoque tradicional, inclusive do poder de controle.

A doutrina comunista diz expressamente que: para que o interesse se efetive é preciso que a função observe os princípios da solidariedade. Os interesses gerais devem ter prevalença. Tal proposição proclama que o interesse particular deve ceder diante do interesse comum (coletivo). Não há incompatibilidade ou contradição no princípio da realização do interesse superior que possui maior importância sobre o individual, visto que o bem comum deve ser interpretado como todo bem-estar geral, ou seja, como a satisfação da maior quantidade possível de interesses de todas as pessoas. O interesse geral deve sempre prevalecer sobre o interesse egoístico, porque o iinteresse social não é essencialmente diferente do indivíduo, e na verdade é a sua complementação, tendo em consideração o interesse de todos3 . Essa teoria socialista é a responsável pelo descalabro comunista e totalitário da esquerda corrupta que destruiu o sistema de produção empresarial e financeiro no Brasil. A perspectiva da determinação da vontade racional a ser seguida pressupõe que essa vontade seja a resultante do valor coletivo. Em seus preceitos sobre qualquer matéria, as leis visam o interesse comum a todas as pessoas, ou a determinada classe de pessoas, sendo justos os atos que trazem felicidade à comunidade. Como diz Aristóteles num dos seus silogismos, a justiça é a forma perfeita da moral porque é a prática efetiva da moral perfeita4. O importante na doutrina de Aristóteles é que a justiça somente pode ser realizada no confronto com as outras pessoas, ou seja, a justiça deve ser praticada e vivida para com o próximo. Pode se estabelecer então um paralelo entre interesse e função e, outro, entre interesse e ato de justiça. A simples conformação à realidade legislativa era, já no tempo de Aristóteles, ato justo, o que sempre serviu de fundamento para o positivismo formalista. Por outro lado, o direito nem sempre é a lei em si, mas muitas vezes ele (Direito) é contrário à própria lei. É o sentido de justiça que faz isso ser possível. Quando a Lei das sociedades por ações determina que os administradores e controladores serão responsáveis por atos contrários à lei e ao estatuto, presume ser o arcabouço maior daquilo que pode ser entendido como justo e necessário. A prática demonstra que, por mais que o texto normativo seja desenvolvido, para ser aplicado, deverá ser interpretado, o que mesmo na época de Justiniano não pôde ser evitado, com a pretensão da realização do um Código pronto e acabado. Nos dias mais recentes, foi Kelsen que afirmou com mais força da interpretação jurídica como um ato de conhecimento e sobretudo de vontade.

Jeremy Bentham falava que, para supor que uma ação ou uma medida do governo esteja em conformidade com o principio da utilidade, é conveniente que para atender as suas finalidades discursivas, denomine-se uma lei de utilidade, dizendo que tal ação ou medida está em conformidade com tal lei5 . A conformação ato-lei não torna a situação de per se um ato justo, mas ato válido e com vigência e efetividade, o que juridicamente é bem diverso. O interesse da companhia está na sua administração razoável, que pode ser vista de vários ângulos, mas não completamente antagônicos. Para a teoria liberal, a companhia deve otimizar o fator financeiro, mesmo com a automação. Por sua vez, a teoria social argumenta que a empresa consagra uma sorte de situações complexas que sua administração não fica a cargo da defesa do egoístico, mas implementa-se pela junção dessas diversas situações. Para Francesco Ferrara, o juiz é o intermediário entre a norma e a realidade; é o instrumento que transforma a regulação imposta pelo legislador na regulamentação das relações particulares, e o juiz, nesta função, está submetido às leis; decide como a lei ordena, através da sentença. Conforme Ferrara, o método tradicional pretende chegar ao conhecimento do direito

1 SICHES, Luis Recasens. Tratado. Cit. p. 228. 2 Economia e sociedade. Cit. p. 136. 3 SICHES, Luis Recasens. Tratado. Cit. p. 612. 4 “Ela é perfeita porque as pessoas que possuem o sentimento de justiça podem praticá-la não somente em relação a si mesmas como também em relação ao próximo”. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: UnB, 1992. p. 93. 5 Uma introdução aos princípios. Cit. p. 4.

por meio de deduções lógicas e de silogismos, mas esse método é extremamente sistemático, geométrico e formal, esquecendo a finalidade do direito e os interesses em jogo1 . O poder para comandá-las foi entregue a um restrito número de acionistas, que se tornaram soberanos, e sua vontade deveria ser cumprida fielmente, vontade essa aprovada pelos mesmos em assembléia. Em razão do crescimento das atividades empresariais, não tardou em surgirem teorias que explicavam o funcionamento e principalmente a administração das companhias. No direito inglês já estava sedimentada a tradicionalíssima noção do trust. No sistema italiano e francês foram elaboradas as teorias do mandato e, mais modernamente, a do órgão que prevalece na atualidade. O controle é o poder de dispor dos bens alheios, como se fosse dono. Essa é a precisa definição apresentada pelos ilustres Professores Claude Champaud, Orlando Gomes e Fábio Konder Comparato. Com a teoria da personalidade jurídica determinou-se com bastante intensidade a teoria do órgão, existindo, portanto, um organismo próprio, com patrimônio e com existência distinta dos seus sócios. O princípio da concentração do poder como algo único e indivisível fez surgir a figura do controlador. Tem-se, novamente, aquele embate entre assembléia e poder soberano, que confronta uma situação não somente de conflito, mas de fazer valer um esquema de comando. Como a assembléia nas companhias foi bastante desmoralizada, ergueram-se órgãos de controle da atividade empresarial. Esses órgãos são os societários, e não os de natureza estatal. Notou-se com clareza que a atividade empresarial possui interesses específicos e também uma função. A função é coletiva, mais por sua ligação com o poder estatal. O que se evidencia é que a convergência dos interesses deve obedecer, ou seja, tem como fiel da balança, a observância de uma função finalística de preservação da entidade social (empresa), como também em relação à pessoa humana. O que determina a função é o caráter ideológico que uma sociedade possui e será esse matiz ideológico que irá dar prevalença a um determinado interesse ou a outro. Galbraith afirma com razão que o aspecto central é a tendência da economia moderna a períodos, às vezes prolongados, de recessão e estagnação, acompanhados de desemprego. Estes episódios recessivos, e não o crescimento contínuo, são as características fundamentais do sistema de mercado, em todas as épocas2 . Com os princípios da ordem econômica da Constituição e da legislação societária, fica evidente que a atividade empresarial não tem apenas uma finalidade, mas a função é, antes de tudo, o meio para a realização de um fim, que transcende os limites da sociedade, indo alcançar a coletividade em todos os seus segmentos. Delineia-se um interesse que tem na função social das companhias a sua realização.

377. O conflito de interesses na administração das companhias

Exurge aqui a máxima a todo interesse existe um outro interesse contraposto. O interesse social é o ponto fundamental da sistemática acionária que não se limita aos aspectos de natureza social como a disciplina referente entre as relações dos acionistas apenas. As relações dos órgãos sociais com a sociedade e as relações entre a empresa e a coletividade dão azo aos interesses internos e externos, respectivamente. As relações de interesses internos surgem da característica própria do contrato plurilateral, como apresentado magnificamente por Tullio Ascarelli. A empresa atua em coletividade, produzindo uma série de situações e acontecimentos que, na verdade, pode-se traduzir na presença dos interesses dos consumidores, estado e coletividade.

Para Roscoe Pound, o interesse público na integridade da personalidade estatal pode ser entendido como interesse social na segurança das instituições sociais entre as quais as instituições políticas são uma forma. Quando se tem reconhecido, delimitado e assegurado um interesse, é importante identificar o interesse individual que o antecede e lhe garante significação jurídica. Com efeito, ao se considerar quais interesses reconhecer e dentro de quais limites se procura ajustar pretensões conflitantes e antagônicas, é necessário subsumir os interesses individuais diante dos interesses sociais3 . No âmbito analítico o interesse social pode ser classificado, conforme Roscoe Pound, em seis classes, respectivamente: interesses sociais na segurança geral e na segurança das instituições sociais, interesse social na moral geral, na conservação dos recursos sociais, no progresso coletivo, e na proteção da vida individual.

1 Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado, 1987. p. 111, 168. Sobre a teoria jurídica de TULLIO ASCARELLI, Norma giuridica e realtà sociale, Il Diritto dell’Economia, II, n. 7, 1956. p. 1-12; Ibid, Per uno studio della realtà giuridica efettuale, Estratto da Il Diritto dell’Economia, n. 7, 1956. p. 1-22; Ibid, Studio di diritto comparato e in tema de interpretazione. Milano: Giuffrè, 1952. 335 p. 2 GALBRAITH, John Kenneth. A Sociedade justa. Rio de janeiro: Campus, 1996. p. 37. 3 POUND, Roscoe. Examen de los Interesses Sociales. Buenos Aires: Editorial Perrot, 1959. p. 21.

Nessa classificação pode-se notar que há interesses de ordem coletiva e individual. O interesse na segurança das instituições sociais é bem visível no tocante à empresa que passou a representar um ente social, caracterizado como verdadeira instituição social não-clássica, que deve ser preservada inclusive como princípio de proteção geral ao capitalismo1 . No livro de R. Pound, A. L. Gioja, definiu interesse como “una moción, sea de las consideradas inferiores como los impulsos sensibles, sea de las consideradas superiores como los actos de vontade. Es siempre un pretender, demandar, desear algo que por conseguinte se da entonces al sujeto de la pretensión, demanda o deseo, como lo interesante”2 .

A administração fica limitada pelo objeto social e pelo interesse dos demais sócios, que não deve ser confundido com o interesse próprio da sociedade, ou mesmo com o da empresa se constituída para a exploração de uma atividade empresarial. As associações e entidades sem fins lucrativos denotam claramente a relevância do interesse social sobre o interesse dos associados ou sócios. Na atividade empresarial a situação é bastante diversa, e o interesse é o centro que envolve as questões societárias, e a sua determinação acarreta a complementaridade de interesse paralelos e dialéticos, como o dividendo e o investimento na empresa. O termo interesse expressa a vontade de alguém obter algo, mas também possui o significado no mundo jurídico de estar em uma condição que a lei lhe determine direitos e obrigações para com os outros. O ato de vontade objetiva a realização de um interesse que varia em cada classe social e de indivíduo para indivíduo. O interesse social das companhias não deve ser confundido com a teoria da jurisprudência dos interesses. Essa teoria na Alemanha do início do século não levava em consideração vários pontos fundamentais na elaboração do direito, e teve em Philipp Heck o seu maior paladino3. A jurisprudência dos interesses considera o direito como a proteção de interesses. E significa que os preceitos legislativos não visam apenas delimitar interesses, mas são eles próprios produtos de interesses. As leis seriam as resultantes dos interesses materiais, religiosos, éticos, etc., de cada comunidade jurídica, os quais se contrapõem em luta pelo seu reconhecimento. O cerne da jurisprudência dos interesses está em reconhecer o rigor histórico e os interesses causais da norma e de levá-los em consideração na aplicação da lei, o que foi chamado de "teoria genética dos interesses4 . O interesse seria a causa de toda norma e a sociedade não seria outra coisa que o conflito desses interesses. Se o interesse é a causa, ele passou a ser a solução a ser dada ao caso concreto com a fragmentação do que seja realmente o interesse social e a vontade geral. O interesse da sociedade não prevaleceria e, sim, em cada momento, o interesse do acionista, dos trabalhadores, dos minoritários, da comunidade etc.5 . A lei deve atender a quais interesses? Essa parece ser uma pegunta que demonstra como a democracia dificilmente se ajusta à vontade geral. Se a vontade da lei não tem relação alguma com a vontade do legislador, é evidente que o Estado não se materializa na lei e vice-versa. Se fosse assim, qualquer decisão estatal teria validade, o que não é verdade, ainda mais pelo controle que se faz sobre a constitucionalidade das leis e das questões formais. Para Del Vecchio, a doutrina de Jhering resulta que o direito, no aspecto subjetivo, é a consagração da vontade individual enquanto tende para um objeto específico. Esse, enquanto tal, é um bem, e referido ao sujeito que o deseja, um interesse6 .

1 Sobre esta teoria, Rubens REQUIÃO. A sociedade anônima como instituição. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 18, XIV, 1975. p. 25-36. 2 POUND, Roscoe. Examen de los Interesses Sociales. Cit, p. 12. No entender de POUND, pode-se classificar os interesses nas seguintes categorias: interesse social na segurança geral; interesse na segurança das instituições sociais; interesses sociais sobre a moral; na conservação dos recursos sociais; no progresso da sociedade; e interesse social sobre a vida particular. 3 “O objectivo que tenho em vista é criar um novo meio de desenvolvimento do direito, em toda a sua extensão. Trata-se, como Zeiler bem nota, de uma legislação simplifcada, à imagem das court rules inglesas. Porque a lei constitucioal é lenta de mais e a formação judicial de comandos é pouco eficaz para o trabalho de filigrana jurídico, parece-me necessário um meio de limar as arestas vivas das nossas leis. Por isso proponho a atribuição a uma autoridade administrativa, do poder de publicar propostas de alterações que obterão força de lei desde que, num certo prazo de exame, não sofram oposição no Parlamento” (grifo nosso). Philipp HECK Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses. Saraiva: São Paulo, 1947. p. 310. Meio este que é já bem conhecido, e propicia o discurso retórico da manipulação das massas e dos poderes ditatoriais, enfraquecendo o legislativo e o judiciário, para fazer sobrepujar apenas uma vontade (um interesse). O Brasil, com o decreto-lei e hoje com as medidas provisórias, sofre as agruras de um poder executivo avassalador. O preclaro JHERING, afirmou com precisão: “quem defende o seu direito, defende também na esfera estreita deste direito, todo o direito. O interesse e as conseqüências do seu ato dilatam-se portanto, muito para lá da sua pessoa. O interesse geral a que então se liga não é somente o interesse ideal de defender a autoridade e a majestade da lei mas o interesse muito real em que a ordem estabelecida da vida social, na qual cada um pela sua parte é interessado, seja assegurada e mantida.” A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 46. 4 “Condicionamento que se patenteia, de resto, na própria escolha dos termos que ele faz e que não deve ver-se de qualquer modo como acidental. Com razão observa BRUSIN que, embora HECK tenha querido tomar em conta tanto os interesses ideais como os interesses materiais, sempre o conceito de interesse é, já em si, o reflexo de uma época da cultura que pensa em termos econômicos”. Karl LARENZ. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 63-64 e 67-68. É a redução dos bens ideais (liberdade, segurança etc) em interesses segmentados, que tanto podem prevalecer no embate social, como não. Os bens ideais não podem ser negociados, ou tampouco serem limitados. Colocá-los como interesses seria permitir que outros interesses (econômico) pudessem, de qualquer forma, ter uma importância social maior, ou serem colocados no mercado dos custos sociais. Os bens ideais estão acima dos interesses parciais. 5 É por isto que FRANZ WIEACKER, afirma: “o juiz tem que seguir a escolha de interesses feita pelo legislador, mesmo quando, no caso concreto, o interesse protegido lhe parecer menos digno de tutela que o interesse contrário; ou seja, ele deve aplicar a lei mesmo quando a ratio legis não se adapte ao caso concreto”. História do direito privado moderno. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, (trad. A. M. Hespanha), 2. ed, 1967. p. 667. 6 “A vontade é, sempre, vontade de qualquer coisa; e, para estes autores, o conteúdo da vontade é precisamente o elemento essencial do Direito. IHERING define o direito subjectivo como sendo um interesse protegido ou tutelado pela lei”. Giorgio DEL VECCHIO. Lições de filosofia do direito. Coimbra: Armênio Amado, 1979. p. 438.

Conforme Pier Giusto Jaeger, entende-se por interesse a relação entre um sujeito que tem necessidades e o bem que satisfaz essas necessidades, determinada pela disciplinação geral e abstrata de uma norma1 . Disto pode se dessumir que nenhuma coisa tem o poder de causar interesse e, sim, é o sujeito que tem interesse em alguma coisa. Uma coisa imóvel, em si, é despida de qualquer possibilidade de possuir interesse próprio, mas, ao revés, é a pessoa quem tem interesse em detê-la, obviamente para um fim preciso, satisfazer-se. Isso não se aplica à atividade empresarial, que possui vida autônoma, e nas sociedades com personalidade jurídica lhes dá capacidade para ter interesses próprios que decorrem da sua atividade. Do outro lado estão acionistas e a coletividade em geral, que também possuem a capacidade de ter interesse. Enfim, a empresa não é uma coisa sem significação de existência, mas, muito pelo contrário, é um ente social que possui direitos e obrigações próprios e tem um interesse próprio e complementar, assim como exige a vida em sociedade. É por isso que a empresa é titular de interesses. Um bem imóvel residencial não possui essa qualidade, ele é simplesmente coisa e como coisa não tem vontades, e o interesse sobre um bem de tal categoria é o homem quem confere e não vice-versa.

Pier Giusto Jaeger, fundamentado-se em Haussmann, entende que a sociedade por ações é, ao contrário, um instituto de direito privado, um instrumento dos sujeitos particulares para a realização dos seus interesses e não para alcançar fins coletivos2 .

Jhering se antepunha à doutrina da vontade de Windscheid e sustentava que a essência do direito subjetivo não é só a vontade, mas sim, o interesse, com o sentido mais amplo possível. O direito subjetivo é algo que interessa ao indivíduo, e o direito subjetivo é esse interesse juridicamente protegido3. Ademais, Ihering fundamenta a questão do interesse sobre o aspecto teleológico da aplicação da norma. A vontade livre do ser humano encontra seus limites, quer sejam próprios ou não. Para a realização da vontade que está implícita no interesse devem ser utilizados meios que não coloquem em risco outros interesses também regulados e protegidos. A prática das sociedades por ações é o local apropriado para que surjam antagonismos de vontades, decisivamente pela revolucionária noção do contrato plurilateral de Ascarelli. As classes de ações em que se divide o capital, os orgãos sociais, os trabalhadores são parcelas de um único poder, que tem na empresa o seu significado mais evidente 4 . Com efeito, é proibido ao administador intervir em qualquer negócio social em que tenha interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito decidirem os demais administradores, cumprindo-lhe comunicá-los do seu impedimento, fazendo consignar em ata, a natureza e a extensão do seu interesse”, e “ainda que observado o disposto nesse artigo, o administrador somente pode contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiros, e o negócio contratado com inobservância ao referido é anulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. Um interesse não é mais ou menos extensível para impedir uma negociação, nem comporta quantificação. Nesse caso, o antagonismo do conflito de interesses está na precisa determinação daquilo que impede a negociação, ou seja, a prática contrária aos deveres dos administradores (principalmente os deveres de diligência e lealdade). Isso, também, é conflito de interesse, que pode ser denominado de conflito mediato e substancial. O acionista controlador pode aproveitar da sua posição dentro da companhia para verter bens de sua propriedade, tendo um ganho adicional significativo, o que não ocorreria se fosse obrigado a realizar a negociação no mercado. Há confusão, muitas vezes, entre a pessoa do administrador, do controlador e da sociedade que irá efetuar a negociação. A melhor doutrina caracteriza esta prática como um contrato consigo mesmo. Quem determina as prioridades de compra dentro da empresa são os diretores, mas sobretudo o controlador. Em momentos de crise econômica e na falta de recursos, ele poderia se servir da empresa para auferir vantagem. Se tal negociação for realmente caracterizada como contrato consigo mesmo a negociação entre administrador e a companhia deveria ser vedada. A Lei das S.A. não seguiu esta teoria, determinando que é anulável o negócio contratado com infração ao referido preceito, e o administrador interessado será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que dele tiver auferido. A Lei se refere ao § 1o, que estabelece que o administador, depois de comunicar à companhia o conflito, somente poderá contratar com a companhia em condições razoáveis ou equitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que a companhia contrataria com terceiro. Essas negociações são mais comuns dentro dos conglomerados econômicos, e por isso as leis acionárias não as consideram nulas, e a assembléia geral é a manifestação da supremacia do poder econômico.

1 L’Interesse Sociale. Cit. p. 3. 2 Pier Giusto JAEGER, comenta que “conseguenza del mancato approfondimento, da parte della teoria dell'Unternehmen an sich, del concetto di impresa, è l'indeterminatezza della nozione di interesse dell'impresa medeima, e fondate sono quindi le critiche di chi osserva che, nella formulazione degli autori di questa teoria, tale interesse sembra essere privo di soggetto” . L'Interesse sociale, cit. p. 30. 3 REALE, Miguel. Lições preliminares. Cit. p. 251-252. 4 “Ninguém pode negar que o poder ainda reside na propriedade do capital. Mas nas imensas empresas comerciais atuais, a propriedade e o controle, em geral, não estão mais unidas. Os grandes empreendedores capitalistas que tanto possuíam como comandava – Vanderbilt, Rockefeller, Morgan, Harriman nos Estados Unidos e seus semelhantes nas demais nações – se foram para sempre. Em seu lugar está a maciça, muitas vezes imóvel burocracia empresarial e os acionistas financeiramente interessados mas funcionalmente ineficazes. Parte do esforço que os gerentes das empresas antes dirigiam à exploração dos trabalhadores e dos consumidores está agora comprometido com o afã de conquistar, sustentar ou melhorar a posição pessoal na empresa e, bem especificamente, a própria remuneração”. John Kenneth GALBRAITH. A sociedade justa. Cit. p. 17-18.

A Lei 6.404/76 seguiu a tendência do direito comparado. Na França, Itália, Alemanha e EUA, a fiscalização sobre as companhias é bastante intensa. O aspecto decisivo para a permissão da negociação entre administrador e companhia está na presença dos conglomerados econômicos, divididos sob um esquema de poder bem definido, compreendendo várias empresas, que afinal são uma só, autorizando negociações que na verdade incidem noutras sociedades. O conflito de interesses entre sociedades integrantes de grupos de fato e de direito será tratado adiante. A teoria clássica dos contratos não explica essa situação de conflito de interesses na esfera societária. Quando se realiza um contrato bilateral, por exemplo, a compra de um imóvel residencial, tem-se a obrigação cumulativa e sinalagmática de pagar o preço e entregar a coisa. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da obrigação do outro. No contrato de compra e venda, um dos contraentes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço. A compra e venda se considerará obrigatória e perfeita desde que as partes acordem no objeto e no preço. O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem o consentimento da outra, mesmo sem ainda a entrega da coisa nem o preço pago. Na definição de Pier Giusto Jaeger é possível distinguir a noção de interesse dos conceitos de escopo e de motivo. O termo escopo denota a satisfação de uma necessidade, própria do titular de um interesse, que o bem objeto do interesse pode realizar. Tal satisfação da necessidade não é todavia, de per se, objeto de proteção jurídica, e o ordenamento jurídico se preocupa somente em indicar os meios com os quais essa satisfação pode ser perseguida. O termo interesse coletivo não exprime outra coisa que a solidariedade dos interesses, na qual se pode encontrar a explicação de toda manifestação da vida jurídica, dos negócios, das associações e corporações1. O que se quer dizer é que a solidaderiedade dos interesses nas companhias nem sempre é possível, mas a sua complementação é alcançavel por força dos comandos normativos. O termo solidariedade fica um tanto quanto aberto, passível de sofrer utilização retórica, ao passo que a complementaridade é uma busca objetiva e verificável na conduta administrativa das companhias através dos seus mecanismos de controle. É por isso que muitos não seguem a teoria na qual o interesse coletivo se resolve na relação entre os interesses individuais de sujeitos diversos, enquanto membro de uma coletividade de sujeitos2. O que influencia essa teoria é a visão contratual das sociedades por ações. Com a supremacia de alguns interesses na atividade empresarial, a sua complementação realizase através da sua atividade funcional e institucional.

Conforme a teoria de Ascarelli, secondo la prima concezione l'interesse sociale viene inteso oggettivamente, e come tale contraposto persino a quello dell'unanimità dei soci. Secondo la seconda tendenza (contrattualista, ma bene inteso in quanto si distingua contratto plurilaterale da contratto di scambio) l'interesse sociale viene inteso come interesse comune dei soci e com questo identificato. Nella prima l'interesse sociale trascende, nella seconda concezione invece si identifica com l'interesse comune3 . Nas sociedades por ações o entendimento do interesse social pode estar ligado ao da política administrativa. A observância desse ou daquele interesse pressupõe que uma determinada política social seja vencedora, no embate social. O legislador brasileiro chegou mesmo a determinar que, no caso de empate nas deliberações, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembléia será convocada, com intervalo mínimo de dois meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao poder judiciário decidir, no interesse da companhia. Esse caso é bastante intrigante. Seguindo as lições da lógica, fica evidente que, no empate na deliberação, cada grupo de acionista acredita estar votando conforme o interesse da companhia4 . Se for assim, o juiz deve se valer do princípio do terceiro excluído e decidir confirmando um dos votos proferidos na Assembléia, porque se presume que um desses votos se ajusta ao interesse social da empresa. O juiz somente decidiria de outra forma, ou seja, não seguindo a votação de nenhum dos grupos de acionistas, se eles todos estiverem prejudicando a companhia, o que não deixa de causar espécie, mas que demonstra a inviabilidade da defesa do interesse do sócio como interesse social, e vice-versa. Une-se, com efeito, interesse e poder. Aquele que detém a maior parcela de comando pode colocar em movimento sua vontade administrativa e seu interesse na condução da companhia, o que deve ser limitado pelos dispositivos que tratam do controle do poder de controle. É nesse momento que surge a questão da não-titularidade do interesse social, único, de posse do controlador. O controlador não possui a titularidade do interesse social e, adrede a tudo isto, identifica-se controlador com poder de controle. O poder de controle tem uma amplitude muito maior que a simples contingência de alguém ser o controlador de uma companhia, tanto que pode existir conflito de interesses entre o controlador e a função de administração.

1 “Dalla nozione di interesse, così identificata, va distinta la valutazione delle stesso, che è il giudizio su una situazione concreta, e che può essere compiuta dallo stesso soggetto, titolare dell'interesse, o da un altro, o infine da più soggetti. Tale valutazione, quando avvenga ad opera del soggetto interessato, e ne determini, o contribuisca a daterminarne, la volontà, prende il nome di motivo” . L'Interesse sociale. Cit. p. 4-5, 9. 2 Idem, L'Interesse sociale. Cit. p. 11. 3 “Non mi sembra perciò che nel nostro sistema si possa far capo a un interesse sociale inteso come distinto dall'interesse comune dei soci e come tale tutelato. Si deve però far capo all'interesse comune dei soci( e in questo senso si può parlare di interesse sociale), independentemente dal quale verrebbe meno ogni giustificazione della regola maggoritaria”. Tullio ASCARELLI. Interesse sociale. Cit. p. 1.151 e 1.159. 4 “L'interesse sociale del socio o dell'amministratore, con riferimento alla data deliberazione, deve essere – nella fattispecie che si esamina – in conflitto con l'interesse della società. Invero vi ha conflitto ogniqualvolta vi ha divergenza tra l'interesse del socio o amministratore e l'interesse della società, nel senso che il socio o l'amministratore hanno interesse ad una deliberazione orientata in dato senso, mentre risponde all'interesse sociale una deliberazione orientata in senso diverso”. G. MINERVINI. Sulla tutela dell'interesse sociale nella disciplina delle deliberazioni assembleari e di consiglio. Rivista di Diritto Civile, II, 1956. p. 321. 455

Controlador é aquele que detém o efetivo comando da sociedade. Assim, na teoria clássica do direito societário, entendese por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de maneira permanente, as deliberações da assembléia geral, bem como o poder de eleger a maioria dos administradores; e que utiliza efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar os órgãos sociais. O acionista controlador deve utilizar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. A companhia deve realizar o seu objeto cumprindo, portanto, uma função, mas as obrigações e deveres passam para o controlador, o que facilita o discurso liberal, ao passo que é ele (controlador) que tem deveres e responsabilidades. Em outras palavras, parece que a empresa fica entregue ao controlador, que lhe determina quais são e como serão cumpridos os deveres e obrigações. A redação legislativa mais acertada seria “que o acionista controlador, na utilização do poder de controle, deve observar a função social da empresa, a qualtem deveres e responsabilidades diante dos trabalhadores, dos demais acionistas e da comunidade, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar”. Assim, quem passa a ter deveres e obrigações é a empresa em si, e o controlador seria um dos instrumentos para implementar e fazer valer estes mesmos deveres e obrigações, e por isso o poder de controle pertenceria à empresa, não sendo, seu sobrevalor, apropriável, por quem o implementa. No entender de Roscoe Pound, desde o século XVIII até o fim do século XIX, a teoria jurídica buscava expressar todos os interesses em termos de direitos naturais e individuais. Ademais, o século XIX, diante da influência de Hegel, viu a história jurídica como o desenvolvimento de uma idéia de liberdade, como o resultado do conflito de vontades livres e individuais, no qual cada um podia realizar o que pudesse das suas próprias vontades, mitigando o interesse coletivo 1 . Isto se evidencia quando Hegel afirmou que a sociedade civil contém os seguintes momentos: a) a mediação da carência e a satisfação dos indivíduos pelo seu trabalho e pelo trabalho a satisfação de todos os outros, é o sistema das carências; b) a realidade do elemento universal de liberdade implícito neste sistema é a defesa da propriedade pela justiça; c) a precaução contra o resíduo de contingência deste sistema está na defesa dos interesses particulares2 . A questão sobre a noção de Hegel está no entendimento do resíduo de contingência e na conseqüente supremacia do interesse individual. Fica claro que o interesse individual seria o regulador final do sistema das carências, deixando maior amplitude para a autonomia particular. Com isto, quando o sistema das carências não alcançasse o seu ótimo, o resíduo seria solucionado pela liberdade. Aqui poderia se estabelecer outra máxima: a composição do resíduo deve ser feita sempre através da supremacia do interesse coletivo. Isto não é a defesa da maioria, mas a melhor equiparação possível da desigualdade da minoria causada pelo esquema de poder absoluto. O interesse individual e a liberdade de contratar expressavam a moral dos séculos XVIII e XIX, quando se formulou o capitalismo industrial, erguendo-se as cidades e a sociedade de massa. Com os efeitos da Revolução de 1917 isto se alterou, para no final de século XX, voltar com toda a intensidade avassaladora do liberalismo. No liberalismo o direito privado é o centro de toda a vida jurídica, e o direito público, ao contrário, somente uma leve moldura que deve servir de proteção ao direito de propriedade. E se a Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, via na monarquia apenas um poder revogável, outorgado pela nação no interesse de todos e não do monarca, via, por sua vez, na propriedade particular um direito natural, sagrado e imprescritível. O que se fez foi que o soberano cedeu seu lugar ao capital absoluto3 . Desde o princípio, o fator primordial é a necessidade do grupo social em assegurar-se contra as formas de ação que ameaçam sua existência como coletividade. Este interesse social supremo é o primeiro interesse de qualquer classe que possua reconhecimento jurídico, fazendo valer um limitado aspecto deste motivo, ou seja, fazer valer a ordem e a segurança4. Para a teoria clássica a segurança e a certeza jurídicas são realizadas através das liberdades individuais, precisamente a de contratar. Afinal, a coletividade humana é propriamente uma sociedade. O termo sociedade possui sua origem semântica em sócio, tanto que os dicionários a definem como: a reunião de pessoas que possuem a mesma origem, os mesmos costumes e leis; estado social; corpo social; associação; participação; união de pessoas ligadas por idéias ou interesses comuns. O indivíduo somente existe como parte de uma reunião de indivíduos, que formam a sociedade. A teoria do contrato social de Rousseau foi bem neste aspecto, e procurava dar direitos naturais a pessoa humana, próprios da sua existência como cidadão, que tem diante da sociedade um aspecto decisivo para a sua sobrevivência. Montesquieu afirmou que antes de todas as leis, estão as da natureza, assim denominadas por derivarem unicamente da constituição de nosso ser. Para conhecê-las bem precisa considerar um homem antes do estabelecimento da sociedade. As

1 Cf. R. POUND afirma “Para referirnos de nuevo al caso de los truck acts en la Norteamérica rural, pionera y agrícola, na había tope para limitar los contratos que un trabajador podia hacer para cobrar su salario en mercaderías. Si se hubiera impuesto una limitación, ella habría interferido con la libertad individual de la industria y el contrato, sin ninguna ventaje correspondiente al asegurar algún otro interés. Por otro lado, en la Norteamérica industrial de fines del siglo XIX, un régimen ilimitado de libre contratación entre empleador y empleado en algunas empresas llevó, no a la conservación, sino a la destrucción de valores. Llevó al sacrificio del interés social en la vida umana del obrero individual. De este modo empezamos a poner límites a la libertad de contratación entre empleador y el empleado, y a requerir que los salarios se pagasen en efectivo. Era inevitable que las leyes que imponíam estos límites fueran duramente criticadas por una generación que sólo podía pensar en contratos de empleo en términos de derechos individuales y de seguridad de las transacciones”. Examen de los interesses sociales. Cit. p. 24 e 28. 2 HEGEL. Princípios. Cit. p. 173. 3 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Cit. p. 253-254. 4 POUND, Roscoe. Examen de los interesses sociales. Cit. p. 29.

leis da natureza são as leis do estado natural. Neste estado, cada qual tem um sentimento de inferioridade e não percebe a igualdade; não procuram se atacar, e a paz seria a primeira lei natural. Os homens, tão logo se acham em sociedade, perdem o sentimento de fraqueza; a igualdade, que existia entre eles, termina; surge o estado de guerra, e os particulares, em cada sociedade, começam a sentir a sua força, e procuram desviar a seu favor as principais vantagens da sociedade1 . Neste passo a teoria contratual discrepa totalmente da teoria de Hobbes, para quem o homem tende a prejudicar o semelhante desde o seu início de existência, ou seja, é da sua natureza subjugar os outros2. Surgem os interesses segmentados em sociedade. Estas pretensões são interesses que comandam a vontade individual, contra a qual a coexistência em coletividade fez nascer uma vontade coletiva, ou seja, a que procura diminuir os prejuízos causados na formação da sociedade. A lei tem esta função de manter a segurança e a certeza jurídica, ajustando-se à realidade social. O equilíbrio dos interesses pode ser feito conforme a teoria liberal ou a social. Para o liberalismo seria o livre jogo das vontades que remediariam os problemas criados pela sociedade; enquanto que para a teoria social deveria existir um sistema de contrapeso para fazer valer aquela igualdade, existente quando do estado natural, como a intervenção estatal ou qualquer limitação orgânica. Entretanto, parece que a situação é inversamente proporcional. O individualismo serve de pano de fundo para que os interesses segmentados prevaleçam, enquanto a segurança e certeza são empregadas apenas com valor retórico e de persuasão. A divisão do interesse social entre a teoria institucionalista e a contratualista está um tanto quanto vencida. Esta diferenciação não tem muita importância, a não ser como referencial terminológico. A maneira dualista de avaliar as coisas, bem ao gosto do formalismo romano, não serve para a questão do interesse, e na verdade ela é bem outra.

Quando se procede a esta divisão ideológica, um dos aspectos do problema fica olvidado. Ao se falar em “noção contratual” ou “noção institucional” pretende-se tratá-las como algo que não pertença ao mesmo objeto, e por isso passível de uma confrontação sem fim. Esta questão do embate entre contratualismo e instituição não reflete a realidade empresarial. O interesse social deve alcançar a empresa, como atividade orgânica, que tem funções em sociedade, finalidade que possui interesses sociais próprios, que se relacionam com a atividade empresarial desenvolvida pela entidade juíridica. A perspectiva coletiva das companhias possui as seguintes características: a) acentuada noção pública dos problemas da sociedade, vista como a forma jurídica da grande empresa, a qual tem na complexidade da sua atividade interesses diversos, como trabalhadores, consumidores e coletividade, o que supera o simples objetivo lucrativo; b) a presença do interesse da empresa; b) controle efetivo sobre a administração através de órgão específico; c) sistema de reservas e distribuição de lucros que conciliem os investimentos com a rentabilidade da companhia, principalmente em momentos de crise econômica.

A teoria contratual das sociedades estabelece a prevalença do liberal, dando ênfase aos interesses ligados diretamente ao comando social. Por seu turno, com a perspectiva institucional, denota-se, através do princípio da preservação da empresa, uma correlação entre finalidade da atividade empresarial e os interesses mediatamente a ela inerentes (trabalhadores, Estado, consumidores). São os interesse internos e externos, característicos na atividade empresarial. Esta questão envolve a personalidade jurídica das entidades coletivas. Em oposição à teoria individualista surge a teoria da realidade da pessoa coletiva, de Gierke, como uma teoria supra-individualista. Se, todavia, a despojar da sua significação organicista e naturalista com que se reveste, esta teoria se reduzirá à afirmação da existência de certos fins coletivos

supra-individuais, que não se resolvem apenas num somatório dos fins individuais dos seus membros

associados3 .

Otto von Gierke considera que as associações humanas são organismos sociais. Como entes dotados de vida autônoma levam ao desenvolvimento, acima dos seus integrantes, da sua existência própria, e afirma: esse sono persone collettive reali, autonomi enti collettivi com una immanente unità vitale, un tutto organico, che si compone di enti individuali senza però identificarsi com la somma delle sue parti. Perciò, non soltanto la vita esterna delle persone colletive è oggetto dell'ordinamento giuridico, ma anche la vita interna, che allo stesso tempo è vita esterna delle persone collegate. Sorge così il concetto giuridico di organo statutario. Organi sono i membri e i complessi di membri chiamati in un determinato ambito di attività ad esprimere la personalità corporativa4 . A noção contratual dá ênfase somente ao momento formador da sociedade, e a atividade da empresa deve observar os interesses que contribuíram para este mesmo momento. Esta situação é verificável quando da dissolução das companhias que deve ser realizada no interesse do sócio. No outro lado, dando ênfase à atividade, encontra-se a perspectiva realista das companhias, que se preocupa com a manutenção e preservação desta atividade, que passou a ter função social5.Forma-

1 MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 79-80. 2 “A pessoa concreta que é para si mesma um fim particular como conjunto de carência e como conjunto de necessidade natural e de vontade arbitrária constitui o primeiro princípio da sociedade civil. Mas a pessoa particular está, por essência, relação com a análoga particularidade de outra, de tal modo que cada uma se afirma e satisfaz por meio da outra e é ao mesmo tempo obrigada a passar pela forma da universalidade, que é o outro princípio”. HEGEL, Princípios, cit. p. 167168. 3 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Cit. p. 265. 4 GIERKE, Otto Von. Sulla storia del principio di maggioranza. Cit. p. 1.118. 5 Isto ocorre inclusive nas limitadas: “TJSP. Sociedade Comercial. Responsabilidade limitada. Dissolução parcial. Existência de apenas dois sócios. Possibilidade de sobrevivência do ente social com a saída de um deles. Superior interesse na permanência das empresas em atividade que não faz da redução desta a um sócio fator determinante de sua dissolução total. Inteligência dos arts. 335, II e 336 do C. Comercial, 1.399 do CC e 18 e 206, I, “d”, da Lei 6.404/76.”(grifo nosso).

se um antagonismo que é mais próprio das coisas dualistas. Sob este aspecto da atividade empresarial vedam-se atos administrativos como a expressa proibição de liquidação de companhia próspera, que é vista, acertadamente, como abuso de poder1 . A proposição do interesse da empresa representa uma tentativa de aumentar o controle sobre os órgãos sociais que comandam a empresa. Com isso, entrega-se o poder a uma universalidade, composta de todos os interessados, que se tornam responsáveis em realizar o controle posterior dos atos praticados pelo controlador. É uma nova forma de ser proprietário e uma nova forma de propriedade dos bens de produção, que dão azo à amplificação da noção de personalidade jurídica. A empresa realmente torna-se algo diverso dos seus sócios. Estas novas formas originam um novo ente social, que possui vontades e interesses próprios, os quais devem, obrigatoriamente, ser limitados e circunscritos pela função social das companhias. É esta função o fiel do sistema, que evita o abuso na atividade econômica, seja qual for.Outra modalidade do exercício abusivo do poder está na hipótese de aumento de capital. Assim, é abusivo o exercício do poder de controle em subscrever ações com a realização em bens estranhos ao objeto social. Na Itália antes do Código de 1942 o assunto de conflito de interesse já era analisado em julgado do Tribunal de Milão de 1919. Na época, decidiu-se que, em matéria de sociedade, a participação a uma deliberação por parte de administradores, que tendo interesses contrários ao da sociedade, importa somente a responsabilidade dos administradores, e não a nulidade da deliberação, sendo irrelevante para a validade da assembléia a participação dos acionistas que tenham interesse contrário ao da companhia. Asquini, comentando este julgamento, pergunta: pode o direito de discussão e de voto na assembléia de uma sociedade por ações ser exercitado por acionista que possui interesse contrário ao da empresa? O caso em questão no Tribunal de Milão tratava de uma deliberação em que se decidiu o aumento de 1/3 do capital através do conferimento de bens imóveis, deliberação esta realizada pela maioria dos acionistas e formada exclusivamente dos co-proprietários dos imóveis conferidos, isto é, daqueles que estavam interessados na realização do negócio não como sócios, mas como terceiros contraentes com a sociedade2. Com o Código de 1942 os tribunais italianos passaram a decidir pela anulação do ato, e não pela nulidade. O art. 2.373 do Código italiano de 1942 disciplina o conflito de interesse. O referido Código obriga a abstenção de voto na deliberação o sócio que tem um interesse em conflito com o da sociedade, sem estabelecer, diretamente uma sanção. A única conseqüência da violação ocorre na possibilidade, aberta a qualquer outro sócio, como aos administradores e conselheiros fiscais, de impugnar a deliberação se o voto em questão foi determinante para a aprovação da medida, ou se a deliberação causar prejuízo à sociedade3. Note que a solução praticamente não se alterou daquela de 1919, comentada por Asquini4 . A solução que melhor se ajustaria ao caso é tornar nula a assembléia que aprovar negociação de bens ou valores entre administradores, acionistas e a companhia, mesmo que esta medida não seja a mais realista para o fator econômico. Quando o controlador aprova a aquisição de bens para a sociedade, sendo estes bens de sua propriedade, a negociação se aproxima do contrato consigo mesmo, o que não pode prevalecer, em razão dos interesses que comandam a empresa, e da participação dos outros acionistas. Ter-se-ia um novo tipo de contrato consigo mesmo, mas bastante modificado pela presença de outros segmentos, que surgem da estrutura do contrato plurilateral5. Em razão da teoria do órgão e do contrato plurilateral, a teoria da representação altera-se com bastante intensidade, refletindo na legislação. Assim, não cabe referência apenas ao interesse do acionista, mas ao da companhia, que no conferimento de bens deve observar os requisitos normativos.

1 Os interesses na dissolução e liquidação das companhias demandam análise específica adiante. 2 ASQUINI, Alberto. Conflitto d'interessi tra il socio e la società nelle deliberazioni di assemblea delle società per azioni. Rivista del Diritto Commerciale, XVII, 1919, Parte II, p. 652. 3 BEVILACQUA, Giorgio. Conflitto d'Interessi ed esclusione dal voto in assemblea. Rivista della Società, I, 1956. p. 703. 4 Cf. a teoria clássica, Tullio ASCARELLI. Sui poteri della magioranza nelle società per azioni ed alcuni loro limiti. Rivista del Diritto Commeciale, XLVIII, 1950. p. 188; Ibid, Noterelle critiche in tema di contratto plurilaterale. Rivista del Diritto Commerciale. v. XLVIII, 1950. p. 265-275; Ibid, L'Interesse sociale dell'art. 2441 Cod. Civile, in Problemi giuridici. Milano: Giuffrè, 1959 t. II, p. 521-547; Gustavo MINERVINI. Interesse sociale di evitare la nazionalizzazione ed art. 2441 c.c. Banca Borsa e Titoli di Credito, XXV, fasc. II, aprile-giungo 1962, Nuova Serie. p. 297-310; Ibid, Sulla tutela dell'Interesse Sociale nella disciplina delle deliberazioni assembleari e di consiglio. Rivista di Diritto Civile, II, 1956. p. 314-335; A. de GREGORIO. Impugnative di deliberazioni assembleari di società per azioni contrarie all’interesse sociale. Rivista del Diritto Commerciale, II, 1951. p. 223; Giorgio BEVILACQUA. Conflitto d'Interessi. Cit. p. 703-719; Pier Giusto JAEGER. Il voto divergente nella società per azioni. Milano: Giuffrè, 1976. 95 p; Ibid, L'Interesse Sociale. Cit. 250 p; a doutrina mais progressista é colocada principalmente por Francesco GALGANO. La riforma dell’impresa. Rivista delle Società. XXI, fasc. 34, 1976. p. 469-495; Mario GHIDINI. Lineamenti del diritto dell’impresa. Milano: Giuffrè, 1978. 175 p. 5 ASQUINI comentava “In questo senso ritengo modestamente che nei riguardi dei rappresentanti legali e degli organi delle persone giuridiche, il principio dell'invalidità del contratto con sè medesimo possa con sufficiente sicurezza affermarsi sulla base dei principi generali che regolano tali forme di rappresentanza. Solo l'invalidità, a mio modesto modo di vedere, essendo voluta dalla legge essenzialmente come misura precauzionale nel vantaggio della persona representata e non già per un'impossibilità logico-giuridica generale del contratto con sè medesimo (impossibilità del consenso in una persona sola), deve considerarsi non un caso di nullità assoluta (inesistenza), ma un caso di annullabilità da farsi valere unicamente e discrezionalmente dalla persona rappresentata, quando questa ritenga di avere effetivamente subito una lesione nei propri interesse per il fatto del rappresentante contraente con sè medesimo”. Conflitto. Cit. p. 658-659. O Tribunal de Milão, em 1919, decidiu que o aumento de capital de L 1.500.000 para 2.000.000 deliberado em 26.10.1916, pelo conselho de administração, deveria ser considerado nulo, porque participou da referida deliberação determinado acionista, co-proprietário dos bens conferidos, contrariando, assim, o art. 150 do Código Comercial italiano, que impõe aos conselheiros de não tomarem parte nas deliberações sociais em que tenham interesses contrarios ao interesse da sociedade.

O acionista deve exercer o direito de voto no interesse da companhia, e considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou aos outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. O acionista não poderá votar nas deliberações da assembléia geral relativas ao laudo de avaliação de bens que concorrerem para a formação do capital social e à aprovação das suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou que tiver interesse conflitante com o da companhia. Com isto, procura se evitar que a empresa seja utilizada como uma compradora de bens, possibilitando a transformação destes bens em dinheiro para o controlador, com prejuízo para a companhia, com fictício aumento de capital, que na verdade enseja perdas para a sociedade e acionistas1 . Na atualidade, estabelece-se uma série de mecanismos para evitar a fraude no aumento de capital através de conferimento de bens. As limitações são: não pode causar diluição injustificada da participação dos antigos acionistas; ser realizado no interesse da companhia; os bens devem ter imediata ligação com a atividade da empresa. O sistema da legislação acionária da Alemanha foi o ponto fundamental da Lei 6.404/76. Assim, na AktG de 1965 os mesmos princípios da Lei de 1937 foram reproduzidos, mas eliminando-se o requisito da intencionalidade do agente em causar dano (vorsatzlich). A eliminação do elemento “intenção” permite responsobilizar o acionista que ao votar apenas tenha tentado obter vantagens, configurando-se o conflito. Ademais, “na fórmula zu erlangen suchte (tentar obter), utilizada na Lei de 1965, deflui a idéia de que o conflito se instaura com a ocorrência de dano potencial, sem que se exija a evidência de prejuízo efetivo para a caracterização do conflito”2 . Ocorre que o acionista não pode se sevir da companhia para retirar proveito, e a intenção de prejudicar já configura o conflito, e mesmo se não causar prejuízo, a sua responsabilização se coloca por razões pragmáticas, pelas quais o acionista deve conduzir os negócios sociais no interesse da empresa. Isto torna sem fundamento qualquer especulação que se possa fazer sobre a responsabilização do administrador e do acionista. O § 243 da AktG de 1965 estabelece que “as decisões da assembléia geral podem ser contestadas por via de anulação quando ocorrer violação da lei ou dos estatutos. A ação de anulação pode, igualmente, ser motivada pelo fato de um acionista tentar obter, com o exercício do seu voto, vantagem pessoal ou para terceiros, em detrimento da sociedade ou dos outros acionistas”. Conforme o Prof. Leães, a Lei 6.404/76 adotou o regime do abuso de direito e conflito de interesses. Esse regime dualista para o conflito de interesses na assembléia, estabelecido na Alemanha, foi adotada também pelo art. 2.373 do Código Civil italiano. É por isto que existe a distinção feita pela doutrina e jurisprudência entre proibição de voto (divieto di voto) e conflito de interesses (conflitto di interessi). São hipóteses diversas com conseqüências diversas. No caso de proibição há um limite anterior no qual o sócio-administrador não pode ser juiz e parte ao mesmo tempo sobre seus próprios negócios. Neste caso o voto é nulo. Por sua vez, o conflito de interesse permite uma indagação sobre o mérito da deliberação assemblear, para qual o voto é ou foi decisivo, para se verificar se o existe ou não incompatibilidade (abuso no exercício do direito de voto). Neste caso o controle é posterior, e será anulável3 . Com isto se permite que o acionista possa votar, mas não impede a responsabilização. Assim, aquele que age com abuso de direito de voto, contraria o princípio da boa-fé e os fins econômicos e sociais pelos quais deveria zelar, o que deveria torná-lo sem efeito. A questão do abuso de direito de voto e do desvio de finalidade são frutos do pensamento democrático, e principalmente da responsabilização dos agentes, que detêm uma função pública, e a empresa, em hipótese alguma, escapa desta atribuição. É em razão disto que a moderna teoria modificou a teoria civilista tradicional, e não é mais relevante a presença do elemento intencional para configurar o conflito e o abuso de direito. Enfim, há conflito mesmo se não houver prejuízo efetivo. Não é necessário que ocorra o prejuízo, e só o fato de conferir bens à sociedade, que sejam alheios à atividade já configura o abuso. Tudo isto tem lugar na seara acionária pela função social e econômica que a empresa possui em coletividade. O interesse da companhia se sobrepõe aos demais através da complementaridade de todos os interesses, constituindo um interesse

1 Cf. ASQUINI. “Mai casi simili e più gravi non è difficile pensare, quando si tenga conto del largo posto che nelle assemblee sociali hanno le banche e dei molteplici interessi particulari, più o meno antitetici con quelli delle singole società, impersonati dalle banche. Una banca, per es., che voglia fare una speculazione su terreni, a cui sia interessata come venditrice, troverà comodo valersi della sua qualità di socio in un'altra Società compratrice di terreni, per fare a questa le spese della speculazione... È vero che la banca che agisca in una società per interessi extra-sociali, si espone, como partecipe di questa società, ad una perdita. Ma ciò vuol dire sole che la banca agirà in tal modo, solo quando saprà che le perdite, a cui andrà incontro come partecipe della società destinata a fare le spese dell'operazione, saranno largamente compensate dal vantaggio che essa banca ricaverà come partecipe dell'altra impresa destinata ai profitti dell'operazione”. Conflitto. Cit. p. 652-653. 2 LEÃES, Luiz G. Paes de Barros. Conflito de interesses e vedação de voto nas assembléias das sociedades anônimas. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 92, out./dez./1993. XXXII, p. 108. 3 Na perspectiva histórica a Lei 6.404/76 acolheu “esse regime dualista do direito alemão e italiano, agasalhando até redação assemelhada na regulação da matéria. Será abusivo – e, portanto, conflitante – o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas (art. 115, caput). Por outro lado, haverá vedação de voto nas deliberações de assembléia geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia (art. 115, § 1o)”. Luiz G. P. de Barros LEÃES. Conflito de interesses. Cit. p. 109-110.

próprio que emerge da atividade organizada e funcional. Com isto a função e o interesse da empresa podem ser notados e devem ser observados com precisão pelos órgãos sociais e todos os envolvidos na atividade.

378. A supremacia do interesse social e da ética na atividade empresarial

A questão administrativa das companhias coloca muitos pontos para discussão. A supremacia deste ou daquele interesse representa um modo de ver se a política administrativa fica atinente ao projeto do controlador dos meios de produção, ou se a empresa é colocada naquele campo em que a organização se sobrepõe ao empresário. Então, a supremacia do interesse social como interesse da empresa tem como corolário lógico a sobreposição da organização sobre o empreendedor. O que se ve neste aspecto é acima de tudo uma posição ideológica. Como afirma Despax, todo aquele que detém o poder tende a abusar desta sua situação privilegiada. Quanto a isto o modo de administração das companhias não pode ser visto como algo que não esteja preocupado com a inserção social que a empresa possui, ou tampouco com os reclamos dos setores envolvidos.

A questão administrativa ficou para a teoria das finanças. A otimização da produção e o aumento incessante da acumulação dos lucros é a determinação mais clara do neoliberalismo financeiro. O que importa é o fluxo de caixa, a entrada e saída de capitais, num movimento em busca de remuneração dos capitais. A empresa é uma questão financeira e de publicidade. Hoje em dia os grandes conglomerados se interessam decisivamente pelas políticas de publicidade que lhes permitem permanecer indefinidamente no mercado. Este mercado encontra-se saturado em alguns países, e em outros em grande crescimento, inclusive em áreas determinadas que representam um nicho de mercado que, pela demanda reprimida, pode se explorar com facilidade, enquanto outros ramos da atividade empresarial se encontram decadentes. É neste passo que se verifica a realização do Estado mínimo. Enquanto não se fizer uma reformulação sobre a noção jurídica da empresa, fica difícil controlar objetivamente o mercado global, em que participam grandes empresas e fundos de pensão. Seria mais apropriado que a administração empresarial se posicionasse noutra direção, que para alguns pode ser ideal, no sentido de utópica. O interesse do empresário não se identifica necessariamente com tal realidade.

Os bancos são os grandes propulsores deste sistema, e pode se notar como a questão financeira alcançou patamares jamais encontrados na exploração econômica. Desta feita, “c'est ici qu'apparâit la nécessité d'instaurer un certain équilibre entre l'intérêt de l'entreprise, d'une part, et les intérêt particuliers de l'autre”1 . Na função social a empresa não se resume apenas ao aspecto financeiro, mas na manutençao e proteção do empregado, no meio ambiente, no treinamento e recolocação dos seus trabalhadores. O conflito de interesses torna clara a necessidade de se procurar um equilíbrio entre estas esferas de poder porque, do contrário, o sistema fica próximo do insustentável. Cabe aos envolvidos fazer disto uma realidade, daquilo que deveria ser. O direito subjetivo das pessoas coletivas tem caráter orgânico, como se para elas o homem só fosse sujeito de direitos na medida em que pode ser considerado como membro de um organismo ou de uma comunidade2. É como organização que se permite ver no empregado, no consumidor e na comunidade elementos essencialmente ligados à empresa, e que precisam participar do sistema de produção por complementarem a noção de interesse social.* No que se refere à dissolução das companhias a doutrina sempre teve em consideração o interesse individual do sócio. Assim, conforme a teoria tradicional, a liquidação é feita no interesse dos credores. Ocorre que a revisão se coloca também sobre este aspecto, fazendo infletir interesses externos aos dos sócios, que têm na empresa a sua razão de sustentação e existência. A empresa não pode ficar entregue à vontade do seu controlador, que, por inúmeras razões, pode resolver colocar fim a uma companhia, apenas por se tratar de reorganização empresarial a ele satisfatória, como a cisão, ou mesmo o encerramento da atividade empresarial na fusão. O que se coloca é o limite a este poder arbitrário do controlador. Soluções para fazer valer este limite seria a autogestão pelos empregados, ou a contratação de nova diretoria. Deste modo as participações sociais poderiam ser transferidas para a companhia, ficando em tesouraria, dando ensejo à sociedade sem sócio. As deliberações seriam tomadas em um órgão, que poderia unir a matéria de competência do Conselho de Administração e da Assembléia Geral, e a diretoria as faria cumprir. Assim, ninguém seria obrigado a permanecer como sócio de uma sociedade, mas também não ocasionaria os drásticos efeitos do fim da sua atividade.

Poderia inclusive ser feita dissolução parcial com a recolocação de bens e ativos, distribuição de passivo, ajustando com equidade os interesses que estão envolvidos. A dissolução parcial poder ser alterada porque tem sido fruto de inúmeros problemas de natureza societária, como a dissolução parcial que acarreta a dissolução total da empresa, quando os sócios restantes ficam sem os capitais necessários para tocar a empresa, pela retirada de um sócio com elevada participação.

1 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 309. 2 GUSTAV RADBRUCH. Filosofia do direito. Cit. p. 266.

A construção jurisprudencial sobre a dissolução parcial foi decisiva para o fortalecimento de muitos institutos. Entretanto, deve existir um limite, porque, do contrário, pode levar a sua insustentabilidade. Este limite é que na dissolução parcial deve ficar provado que os remanescentes terão as mínimas condições de viabilizar a atividade, mesmo que em escala reduzida. A dissolução total pode ainda ser movida por intenção fraudulenta, como a dissolução, liquidação e extinção em ato único, permitida pela Lei. Com isto, evita-se a possível decretação da falência, meios de reorganização (como a autogestão etc) e a responsabilidade dos administradores e sócios. Os credores podem ser os maiores prejudicados, principalmente aqueles que estão em litígio judicial com a empresa, e devem aguardar o trânsito em julgado da sentença para poderem promover a execução. Em todos esses casos a dissolução proporciona exclusivamente a proteção do interesse dos sócios.

A questão alcançou a própria falência, que modernamente deve ser evitada de todas as maneiras possíveis. Cabe questionar por que no instituto da dissolução parcial ou total a proposição receberia outra solução. Está no centro da discussão a restrição da vontade dos sócios e o interesse individual. Com a dissolução não se evitam prejuízos aos credores, que também poderão ser lesados nas reorganizações empresarias, como a cisão. Os interesses preponderantes são objetivos. O interesse coletivo e a preservação da empresa estão ligados inexoravelmente ao fundamento da atividade empresária. A atividade suplantou o empresário, e a organização suplantou a pessoa jurídica.

379. Teoria jurídica da empresa e sociedades por ações

“Il fenomeno dell'impresa , come del resto altri fenomeni somiglianti, non può intendersi, infatti, se non abbandoniamo gli schemi concettuali tradizionali, secondo cui tutti gli enti sono senz'altro cose o persone”. Francesco Santoro-Passarelli. (L'impresa nel sistema del diritto civile). A teoria jurídica da empresa é explicada pelo conjunto de fatores que se relacionam à atividade empresarial. É nela que se encontram os mais importantes temas de debate sobre a natureza da atividade empresal, explicada como contrato plurilateral, instituição, contrato-organização. Neste aspecto a questão da natureza jurídica deve ser vista como algo relativo, por mais paradoxal que esta afirmação possa parecer. Entretanto, ela ainda tem importância para facilitar o entendimento de situações complexas, determinado-lhe significações próprias. A explicação da busca da natureza jurídica está na noção de metafísica. A metafísica é a parte da filosofia que busca o fundamento das coisas, sua razão de existência mais profunda. A metafísica analisa a causa e os princípios. O que a teoria da empresa busca é a descobrir o fundamento da sociedade. Esta somente pode surgir da fenomenologia 1 dos acontecimentos e da análise do substrato das corporações, para, em cima disto, poder ver o seu funcionamento, como aquilo que provém de uma estrutura anterior para alcançar a sua função posterior2. A relação entre interesses deve ser observada com atenção. Pode acontecer que um interesse tenha uma posição de relevância ou indiferença se colocado ao lado de um outro interesse. A relevância que um interesse possui é que vai colocá-lo em posição de solidariedade ou de conflito, com os demais. Sob os vários perfis, o interesse pode ser final, instrumental, imediato e mediato. O interesse pode ser visto sob perspectivas diversas. Assim foi que a doutrina clássica identificava o interesse social como interesse do sócio. O interesse social pode ser visto do lado da empresa, como organização e atividade, o que dá destaque à estrutura de funcionamento da empresa, e não diretamente à participação dos sócios. Este modo permite uma ampla visão do fenômeno, que não fica limitado aos interesses pessoais dos sócios. Com toda razão, a unanimidade não pode ser explicada como a fórmula mais correta para demonstrar a identificação entre interesse social e interesse do sócio, no mesmo passo que o princípio majoritário tem uma função instrumental, de não obstaculizar a administração das companhias, o que não existia nas antigas sociedades de pessoas, principalmente na sociedade em nome coletivo. Não é apenas o método decisório que explica o interesse social. Tanto pode ser por unanimidade como por maioria, mas o interesse social se coaduna plenamente com a funcionabilidade da empresa, alcançando situações que são próprias de uma entidade jurídica que chamou para si a responsabilidade da construção social, econômica e cultural da humanidade, ou seja, a empresa. É por isso, e não por razões societários, que o interesse social não se limita mais aos sócios. É a atividade que faz isto acontecer. Todas as pessoas se relacionam, direta ou indiretamente, com as empresas. Diante do dinamismo empresarial ligado à própria existência coletiva, o que se notou foi o fortalecimento da empresa e dos conglomerados, colocados como os únicos comandantes da sociedade civil. Quando se coloca a questão sobre este ponto é fácil ver como a grande empresa se institucionalizou, e requer, inclusive, a sua preservação para evitar a falência. Tem-se, com efeito, um ente jurídico que nega a sua própria morte, pretendendo manter sua atividade sob qualquer situação. O maior fundamento para o princípio da preservação foi colocado sobre a coletividade, que seria prejudicada com a falência de companhias decisivas para os países, o que diminuiria a arrecadação de tributos, empregos etc, gerando o caos social. Neste momento ninguém se colocou contra a tendência de justificar a

1 Cf. a teoria da fenomenologia, Edmund HUSSERL. Investigações lógicas: elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento. São Paulo: Abril Cultural, 1980. 184 p. 2 Cf. BOBBIO, Norberto. Dalla strutura alla funzioni. Milano: Comunità, 1977. 277 p.

permanência da empresa sobre os interesses externos que dela decorrem, vale dizer, empregados, Estado, consumidores etc1 .

Nada mais lógico, no sentido de conseqüência, que a discussão sobre o interesse social tomasse outro rumo, que em nenhum momento poderia se identificar plenamente com o interesse do sócio. A atividade empresarial assumiu contornos de dominação coletiva e estatal. O paralelo sócio-sociedade foi modificado para empresa-coletividade. A organização, a estrutura e o funcionamento passaram a ser muito mais importantes que a figura do sócio, que, na legislação concursal mais moderna, pode ser privado dos poderes de gestão das empresas em reorganização econômica. Seguindo a lição do Prof. Luiz G. Paes de Barros Leães, para muitos que ainda estão ligados a uma visão contratual e politicamente asséptica da sociedade por ações, espanta a vinculação do interesse público ao direito das sociedades. No sistema jurídico da Alemanha, em que o legislador brasileiro de 1976 se fundamentou, a perspectiva institucional há muito está consagrada. A Lei das sociedades por ações adota, portanto, a orientação do chamado direito da empresa acionária (Recht der Aktienunternehmung), consagrada na Alemanha, que encara a lei do anonimato como instrumento de tutela da empresa, na medida em que a sociedade anônima é uma técnica de organização empresarial, não lhe atribuíndo propriamente um interesse isolado, como na teoria da empresa em si (Unternehmen an sich), mas reconhecendo, na própria empresa, uma composição dos interesses das várias pessoas que dela participam2 . Quando uma empresa é instituída, seja sob o tipo societário desejável, ela passa imediatamente para a figura das entidades jurídicas que têm uma amplíssima disciplinação legislativa, que impede muitas práticas que poderiam ser justificadas pelo interesse pessoal do sócio, mas que ruem diante do tratamento institucional e funcional que lhe são determinadas (por exemplo, a liquidação de companhia próspera, distribuição de lucros, dividendos e reservas). O dualismo responsabilidadepoder se coloca sobre a administração das sociedades, e o poder de controle passou a ser o instrumento não somente de administração, mas também como meio para fazer valer os princípios sociais que emergem da atividade empresarial (arts. 116, 154). Para Michel Despax, l'entrepreneur va, en quelque sorte, se transformer en un rérant de l'entreprise dont l'intérêt va passer désormais avant son intérêt propre. L'exercice de ses pouvoirs, pour être légitime, devra être conforme à l'intérêt de l'entreprise, et son autorité ne pourra plus être exercée à des fins uniquement personnelles3 Foi precisamente sobre esta doutrina que se reformulou o entendimento sobre poder de controle nas legislações recentes. Anteriormente, com Georges Ripert, Aspects juridiques du capitalisme moderene, sedimentou-se o entendimento sobre o fenômeno da empresa, apesar de alguma resistência4 . Com a empresa colocada no centro do capitalismo, ela pôde ser vista como uma entidade complexa, que tem em consideração aspectos de natureza política, mas, acima de tudo, social e jurídica, constituindo algo muito semelhante às instituições clássicas da coletividade. O problema da personalidade jurídica é fundamental para o interesse social. Ao se ver na empresa uma comunhão de interesses, que tem um escopo comum, limita-se, sobremaneira, o seu conteúdo. Para, Ascarelli, a sociedade seria realmente isto, uma comunhão de vontades, em que os sócios teriam o único poder para dizer o que seja interesse social, que surgiria dos seus próprios interesses individuais. Conforme argumenta o Prof. Fábio Konder Comparato, comentando neste passo a lição de Ascarelli, não existem em direito interesses e relações que não digam respeito unicamente aos homens, e por conseguinte, toda disciplina jurídica concernente às pessoas jurídicas reduz-se a uma disciplina de interesses dos homens que as compõem5 .

1 O caso Fruehauf decidido na França é bastante evidente. Na conclusão sobre o julgado o Tribunal fez valer que no direito moderno a sociedade comercial tende cada vez mais a se constituir numa entidade autônoma dos seus componentes ou capitalistas, e afirmou que o fato decisivo para a intervenção judicial naquela empresa é a defesa e a proteção do organismo empresarial denominado Fruehauf-France, a qual é importante para a econômia nacional, possuindo mais de 650 empregados. O fato que legitimou a intervenção judicial, através de administrador provisório, foi exatamente a defesa do interesse social da empresa, que estava sendo prejudicado por pressões dos acionistas controladores norte-americanos (Fruehauf-International) que pretendiam a anulação da negociação comercial, entre a Fruehauf-France e a Automobiles Berliet, de bens a serem exportados para a China. Isto ocorreu em 1965, mas a situação ainda é muito atual pela internacionalização da economia e em razão dos grandes conglomerados econômicos (fusões etc), que dominam mercados em vários países, e utilizam estes mesmos mercados e suas empresas da maneira que melhor se ajustem ao seu interesse pessoal, com prejuízo para a empresa, empregados, e coletividade. Cf. Yves CHARTIER. La gestion et le contrôle des sociétés anonymes dans la jurisprudence. Paris: Techniques, 1978. p. 274-285. 2 LEÃES, Luiz G. Paes De Barros. Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas. São Paulo: RT, p. 19 e 21. 3 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 219. 4 “Nei volumi, recentemente sempre piú numerosi, dedicati al capitalismo nei suoi rapporti col diritto, si confondono spesso tratti tipici del diritto del capitalismo con tratti invece propri di determinati paesi e a volte dovuti proprio a un minore sviluppo del capitalismo ed alla persistenza di strutture precapitalistiche (ed è quanto avviene anche nel noto volume del Ripert, Aspects juridiques du capitalisme moderne, Paris, 1946), cosí come la difesa (o la critica) simultanea di varie misure volte a sancire un intervento pubblicistico, senza distinguere tra quelle volte a tutelare i consumatori e quelle volte a tutelare quanti, in un dato momento, sono titolari d'imprese... É cosi frequente sentire, proprio in paesi com scarso sviluppo capitalsitico, vantare, sotto colore di socialismo, i vantaggi di un intervenzionismo sostanzialmente volto a garantire la persistenza di posizioni acquisite e di strutture precapitalistiche”. ASCARELLI, Tullio. Interesse sociale e Interesse comune. Cit. p. 1.157. 5 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de controle. Cit. p. 267-268.

Todas as relações jurídicas que existem entre empresa e terceiros seriam relações mediatas com os sócios, os únicos com o poder de obrigar a sociedade, seja pessoalmente ou por representantes. A pessoa jurídica seria uma ilusão e que teria apenas a função de limitação patrimonial, o que evidencia o aspecto puramente civilista das sociedades. O ordenamento jurídico tem por objetivo a proteção de interesses. As normas que o integram levam sempre em consideração a composição dos interesses em jogo. Para ele essa vinculação das normas aos interesses não deve levar à conclusão de que a cada norma corresponda um interesse específico, podendo mesmo um único interesse ser protegido por várias normas, e vice-versa. Os interesses podem ser individuais, coletivos, e surgem de maneira agrupada, em uma ligação complexa, sendo protegidos direta ou indiretamente pelo ordenamento jurídico na medida em que coexistem normas materiais ou instrumentais, que realizam a composição e a compatibilidade dos interesses divergentes e conflitantes. Desta forma, a sociedade anônima representa um dos possíveis ordenamentos jurídicos, ordenamento, por certo, soberano e autônomo, que deriva do ordenamento estatal, para compor os interesses que se entrelaçam na organização societária, alcançando os da comunidade e o da nação1 . Conforme afirma o Professor Comparato, o interesse social não é redutível a qualquer interesse dos sócios, mas unicamente ao seu interesse comum, de realização do escopo social. O interesse social consiste portanto, no interesse dos sócios à realização desse escopo, o que permite a existência de um conflito entre sócio e sociedade, na medida em que o sócio persegue objetivosdiversos desse escopo. No âmbito das sociedades o escopo comum se divide em dois elementos: o objetivo final e o modo de sua realização. O objetivo final é a produção de lucros através da atividade empresarial2 . A entidade jurídica abstrata possui interesses próprios. As pessoas jurídicas demonstraram isto, e as fundações possuem um fim próprio, que seus integrantes não podem sequer alterar, e deva se observar a vontade inicial do seu fundador. Estes dois institutos são diversos quanto ao modo de atuação, mas nem por isso retiram eficácia para a questão da autonomia que a entidade jurídica recebe depois de sua constituição. A colocação do interesse social como interesse do sócio que tem na comunhão de interesses objetivos a serem perseguidos, não permite que a empresa, vista com um interesse próprio, possa cumprir sua função. A decisão majoritária é método de decisão, e não forma de encontrar o interesse social. Se a decisão é contrária ao interesse social da companhia, ela deve ser considerada nula, mesmo que isto provoque efeitos drásticos, e a surpresa da doutrina clássica. Para a teoria tradicional “el interés requiere, necesariamente, un sujeto, y presupone una valoración de la cual sólo es capaz, como ya manifesté anteriormente, el hombre”3 . Qualquer entidade possui interesse, desde que esta entidade possua uma atividade. É obvio que os bens imóveis, por exemplo, como uma casa residencial, não possuem nenhum interesse próprio, e não tem condições de manifestá-lo a não ser por seu proprietário. Na empresa, isto se modifica completamente, a não ser se for tê-la no perfil objetivo (estabelecimento) e subjetivo (empresário). Quando o perfil funcional tomou a dianteira – perfil este que surge da atividade – fica evidente que o organismo jurídico passou a ter interesse, e é este interesse que a moderna teoria jurídica da empresa deve tratar.

Foi precisamente sobre o interesse social que se construiu o princípio da preservação da empresa em crise econômica. O acionista minoritário não possui poder sobre a atividade organizada. Isto é tanto verdade que existe o bloco de controle. Os minoritários apenas assistem ao comando atuar. Os preferencialistas não são mais do que credores, e a sua inserção na companhia fica condicionada ao não-pagamento do dividendo mínimo. René Roblot afirma que uma decisão assemblear deve ser anulada por abuso de poder se realizada sem observar as exigências do interesse social da companhia4 . Estas exigências se referem à função social das companhias, os limtes ao poder de controle, a proteção ao consumidor, evitar práticas de manipulação da concorrência, e a observância dos demais interesses que envolvem a atividade empresarial organizada. Novos domínios do direito, como o direito econômico, surgem precisamente como verdadeiros sistemas de limitações à liberdade contratual. Conforme, Radbruch, quando a Constituição da Alemanha estabelecia, no art. 152, que “no comércio econômico a liberdade contratual só vigorará nos limites da lei”, é conveniente notar que isto mostra, assim como para a propriedade, como também aqui a liberdade fica subordinada à lei, e o interesse individual reposto na sua sujeição ao interesse social”5. É importante notar que a expressão da Lei alemã determina que a liberdade somente terá vigor nos limites da lei, ou seja, em outras palavras, pode se denotar que a liberdade tem que se ajustar aos comandos legais, para ter validade.

O poder de controle deve respeitar a função social da atividade empresarial, tendo deveres e respondabilidades para com os demais acionistas da empresa, com os empregados e comunidade em que atua, não podendo fazer valer o seu interesse pessoal, e que o administrador deve exercer as atribuições que lhe são determinadas pela Lei e pelo estatuto para realizar os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa. Este é um dos

1 LEÃES, Luiz G. Paes de Barros. Incorporação de companhia controlada, Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 94, abr./jun./1994, XXXIII, p. 87. 2 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle. Cit. p. 304-305. 3 ROIMISER, Mónica G. C. de. El interés social en la sociedad anónima. Buenos Aires: Depalma, 1979. p. 57. 4 Les sociétés commerciales. Paris, 1968, p. 609, apud Mónica G. C. ROIMISER. El interés social en la sociedad anónima. Cit., p. 77. 5 Filosofia do direito. Cit. p. 289.

artigos mais importantes da legislação acionária brasileira e oxalá também em relação aos outros países. Ele permeia, com exatidão, os limites para alcançar o interesse da empresa, ou seja, o bem comum e a função social da empresa. Com isto, o interesse da empresa não pode ser alcançado sem se realizar a função social da companhia. Isto coloca limites como a defesa do meio ambiente, proteção ao trabalhador e ao consumidor, distribuição da riqueza acumulada (pagamento digno dos salários) etc. Com acerto, Santoro-Passarelli afirmava que o ponto mais importante da disciplina da empresa é certamente constituído pela definição do dever jurídico do empresário em relação ao Estado, de tal modo a observar, na sua administração, o interesse unitário da economia nacional. No caso de sua inobservância, e que possa trazer graves danos à economia nacional, a sanção pode consistir na suspensão da atividade empresarial, ou, se esta suspensão prejudicar o interesse geral, o tribunal deve nomear um administrador, que assuma a gestão da empresa (arts. 2.088-2.092). E o referido autor afirmou: questa specificazione e realizzazione, aplicabile, a nostro avviso, all'impresa nel senso superiormente precisato, del principio affermato nella Carta del lavoro, inaugura veramente il ciclo di una nuova economia privata, dell'economia che, com un aggettivo diventato di larga comprensione, si chiama corporativa. Questo dovere e questa responsabilità dell'imprenditore chiariscono meglio come fosse fuori strada l'affermazione della funzione sociale nel diritto di proprietà1 . Conforme consta, na atualidade os arts. 2.088-2.092 estão revogados. Todavia, a intervenção judicial e administrativa na empresa cresceu em muitos países, como, por exemplo, na França, nos processos de reorganização econômica, e no Brasil, na legislação das instituições financeiras e de concorrência. O interesse da empresa não seria somente aquele de Rathenau, que, na verdade, é o interesse do empresário, mas colocaria todos os envolvidos como destinatários de uma função a ser cumprida, e por isso foi desenvolvida a noção de interesse e função. O bem comum está na manutenção das condições dignas da existência humana, não podendo lesar os cidadãos, o que não fica mais como uma questão limitada ao Estado, mas alcança a iniciativa particular. O interesse da empresa é aquele que permite complementar os interesses imediatos e mediatos. A coletividade deve participar do controle do poder de controle. É na equação do interesse da empresa, no bem comum e na função social que se alcança o interesse social. Os controladores e os administradores são pessoas que têm atribuições a cumprir que superam os interesses pessoais. Trata-se de uma verdadeira revolução copernicana. O empresário sai do centro do mundo para colocar a empresa em posição de destaque, e tudo gira em sua volta, e não do sócio. A empresa reúne em sua volta os elementos de uma entidade jurídica autônoma em relação ao sócios, mas profundamente ligada à coletividade. O interesse social foi acolhido pela Lei 6.404/76. Não foi acolhido apenas como a somatória do interesse pessoal dos sócios – noção tradicional –, mas foi disciplinado numa relação de complementaridade entre o interesse da empresa, limitado pela função social. A questão econômica cede espaço para o social. O fiel da balança no interior decisório da companhia é precisamente os reflexos que está ou aquela decisão provocarão na sociedade e no país, e não a simples vontade do corpo diretivo. Com efeito, é com a satisfação das exigências do bem público e da função social da empresa que se vai perquirir o interesse da companhia, e não vice-versa. É por isto que L. Mengoni afirma com acerto que “l’interesse sociale, si è detto, è comune in senso obbiettivo e astratto, intendendosi com ciò che l’interesse comune non è la soma degli interessi individuali dei singoli soci”2 . Pode se estabelecer a seguinte máxima: o interesse social está na função social das companhias. Qualquer medida administrativa que contrarie esta máxima fere a legislação acionária, e pode ser anulada, com a responsabilização do bloco de controle, ou dos administradores.

A atividade funcional da empresa foi o meio pelo qual pôde ser construída a perspectiva teleológica a respeito da função da empresa em sociedade, o que mostra a importância desta teoria. A socialização da empresa é fenômeno mencionado por Berle, Keynes e Marx. Ela permite unir as técnicas de produção em massa com a responsabilidade social que a empresa possui. A redução dos investimentos estatais e a defesa do estado mínimo são os aspectos principais do liberalismo3. A sociedade e o Estado devem ser os agentes desta modificação, que somente pode advir da colocação de medidas que solucionem os problemas do liberalismo absoluto, na socialização dos meios de produção e da distribuição da riqueza produzida na atividade empresarial. O fundamento da atividade empresarial está na forma pela qual esta atividade se realiza, em verificar os seus elementos intrínsecos de validade, e qual a sua função em sociedade. Por este motivo é que os defensores da teoria da empresa em si, ao tratarem da pessoa jurídica como entidade autônoma existente e capaz de manifestar os próprios interesses, avaliam a empresa como uma instituição. O interesse social é bem colocado por Libonati, ao afirmar que a solução da questão tem como pressuposto o correto conhecimento do que seja

1 SANTORO-PASSARELLI, Francesco. L'impresa nel sistema del diritto civile. Cit. p. 391. Nos termos dos arts. 2.090 e 2.091, se o empresário não interrompesse os atos prejudiciais à empresa, contrariando a decisão judicial, o magistrado poderia nomear o administrador para assumir as suas funções. Se fosse uma sociedade, o magistrado poderia determinar a substituição dos administradores. 2 Appunti per uma revisione della teoria sul conflito di interessi nelle deliberazioni di assemblea della società per azioni. Rivista delle Società, I, fasc. I, gen./feb./1956. p. 443. 3 Cf. a moderna teoria liberal, Friedrich August Von HAYEK. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos princípios liberais da justiça e economia política. São Paulo: Visão, 1985; e C. B. MACPHERSON. Democracia liberal: origens e evolução. São Paulo: Zahar, 1978. 118 p.

interesse social. Dois são os principais aspectos: I) tende a reconhecer um interesse institucional da empresa social, diverso dos sócios (e que logicamente pressupõe uma noção de empresa social que implica, por sua vez, a realidade de uma entidade autônoma, que não se resolve somente na organização dos sócios; II) o outro, ao contrário, fica com a noção contratual das sociedades, e resolve o interesse social pelo interesse dos sócios1 . A teoria jurídica da empresa deve tratar especificadamente da empresa organizada e da sociedade. Passa-se da noção contratual para a institucional, levando uma série de situações para o corpo orgânico das companhias. O liberalismo vê na empresa somente a reunião de pessoas para a persecução de um objetivo comum. Toda organização da atividade fica esquecida, mesmo que sem esta organização não se possa falar em atividade e muito menos em atividade empresarial. A empresa também pode ser vista, na esteira de Manuel Broseta Pont, como fenômeno econômico que necessita de disciplinação jurídica sob todos os seus efeitos2 . Quando a grande empresa institucionalizada dispensa centenas de empregados, alegando metas de venda não cumpridas, fica evidente o poder de mando que o controlador detém sobre os empregados, conforme já falava Michel Despax. As dispensas se realizam em razão da automação do setor produtivo. O caso das instituições financeiras é idêntico, quando se instalaram máquinas para substituir, nos bancos, a função dos empregados, reduzindo custos e evitando conflitos, greves, reajuste de salários etc. Se existisse um sistema de composição múltipla, dentro do conselho de administração, muito destas situações poderiam ser evitadas. A representação dos empregados dentro do conselho logo vetaria a dispensa em massa, e negociaria condições, a longo prazo, para a reestruturação, como o treinamento em outras funções etc. Aos representantes dos empregados poderia se atribuir o poder de vetar a nomeação e a demissão do diretor de relações trabalhistas, bem como a de se colocar contrariamente a certas medidas administrativas prejudiciais aos trabalhadores, como a demissão simultânea ou sucessiva, durante um prazo mínimo3. A teoria da empresa deve, acima de tudo, ser uma teoria social do poder e da realidade. É necessário que se procure ajustar a exploração da atividade observando que a empresa tem deveres a realizar, e não apenas objetivos a implementar. Por outro lado, as companhias não devem ficar entregues a um novo despotismo esclarecido, de natureza individualista. A colocação do problema da participação paritária nos órgãos sociais não é uma medida populista, que visa neutralizar os reclamos. A reforma da empresa leva consigo à estruturação dos meios de produção de maneira tal que a empresa seja a realidade de uma entidade social. A socialização dos meios de produção, quando todos são colocados diante da empresa em si, permite a realização de uma função social. Como o homem é um ser que tende a perseguir seus próprios interesses, não resta a menor dúvida de que ver a empresa como organização coletiva fica algo um tanto quanto difícil para a prática empresarial, mas isto não significa que se deva omitir diante dos acontecimentos da modernidade, e o que se precisa fazer é trazer à discussão a realidade dos fatos, mesmo que para isto lute contra moinhos de vento, ou nade contra a maré. O problema do interesse social se resolve na atribuição e na disciplina do poder no âmbito da coletividade social, e transcende o fenômeno puramente particular da sociedade. A legislação acionária da Alemanha de 1937 (AktG § 70) obrigava o Vorstand a administrar a companhia observando o bem da empresa, dos empregados, da atividade, da população e do Estado, e ao lado da Mitbestimmung, segue uma noção institucional da propriedade, e de conceber um ordenamento jurídico capaz de acolher em si os conteúdos sociais e econômicos4. O autofinanciamento da empresa é uma medida que as legislações acolheram. Michel Despax afirmou que: l'intérêt que présente pour la création de réserves occultes suffit donc à faire plier le principe pourtant essentiel de la sincérité du bilan. Condamnable du point de vue comptable, cette pratique trouve sa justification dans la nécessité qu'il y a à laisser aux dirigeants sociaux une masse de manoeuvres dont ils puissent disposer à leur guise, et l'on a pu dire à ce propos que les réserves occultes leur sont aussi indispensables qu'à un général le troupes de réserves qu'il tient, à l'insu de l'ennemi, prêtes a intervenir au moment et à l'endroit qu'il estime opportun. Ainsi, que ce soit d'une façon directe, lorsque les statuts le prévoient expressément, ou d'une façon indirecte, dans le silence des statuts, les actionnaires peuvent se voir opposer la creátion de réserves et sont ainsi immolés sur l'autel de l'intérêt de l'entreprise5 . A Lei 6.404/76 permite uma série de reservas. Assim, do resultado do exercício serão deduzidos, antes de qualquer participação, os prejuízos e a provisão para o imposto sobre a renda. O prejuízo do exercício será obrigatoriamente absorvido na seguinte ordem: pelos lucros acumulados, pelas reservas de lucros e reserva legal. Este é o princípio geral. Do lucro líquido serão destinados 5% para a constituição da reserva legal, o que é obrigatório. Esta reserva possui uma aplicação determinada. Ela tem por fim assegurar a integridade do capital social e somente poderá ser utilizada para compensar prejuízos ou aumentar o capital.

1 No que diz respeito à concentração empresarial, resta saber até quando a holding irá efetivamente seguir um interesse abstrato do grupo, e não dela própria. É este o problema principal para a teoria institucional sobre a holding, porque quando se deseja encontrar um interesse que não se resolve mais no interesse dos sócios, se chega a um interesse genérico na defesa dos interesses nacionais, ou seja, num interesse superior. Berardino LIBONATI. Holding. Cit. p. 140 e 323-326. Por exemplo nas empresas multinacionais, nos conglomerados financeiros e econômicos, fundos de pensões que participam de sociedades etc. 2 Manual de derecho mercantil. Madrid: Tecnos. 1972. p. 146. 3 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Cit. p. 73. 4 MIGNOLI, Ariberto. L'Interesse Social. Cit. p. 727 e 734. 5 L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 217.

A grande questão que se coloca é se as reservas são estatutárias. O estatuto poderá estabelecer reservas, desde que: I) indique de maneira precisa e completa a sua finalidade; II) fixe os critérios para determinar a parcela anual dos lucros líquidos que devem ser destinados à sua constituição; III) estabeleça o máximo da reserva. Ou seja, a reserva estatutária não é só um complemento da reserva legal, mas uma reserva à parte, que fica a critério do acionista controlador. O contrapeso deste sistema, que ainda admite outra reserva, está no dividendo obrigatório. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório em cada exercício a parcela de lucros estabelecida no estatuto, ou se este for omisso, a metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: I) quota destinada à constituição da reserva legal; II) importância destinada à formação de reservas de contingência, e reversão das mesmas reservas formadas em exercícios anteriores; III) reserva de lucros a realizar, e lucros que anteriormente registrados nessa reserva tenham sido realizados no exercício. Nas companhias fechadas o controlador pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição do dividendo obrigatório, ou a retenção de todo o lucro. A Lei determina uma exceção para o pagamento do dividendo obrigatório, e o dividendo não será obrigatório no exercício social em que os órgãos da administração informarem à assembléia geral ordinária ser ele incompatível com a situação financeira da companhia. O Conselho Fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à Comissão de Valores Mobiliários, dentro de cinco dias da realização da assembléia geral, exposição justificativa da informação transferida à assembléia. Os lucros que deixarem de ser distribuídos serão registrados como reserva especiale, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser pagos como dividendo assim que o permitir a situação financeira da empresa”. É a teoria da empresa em si e do princípio de preservação da empresa. Se estas medidas forem utilizadas para fraudar acionistas, cabe a responsabilização do controlador. A mencionada reserva para contingências é das mais importantes. A assembléia geral poderá destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente da perda julgada provável, cujo valor possa ser estimado. É, portanto, um ato discricionário sobre o qual faz-se necessário um atento exame sobre as condições mercadológicas, de financiamento, dívidas por receber, créditos a pagar, problemas estruturais etc. A proposta da administração deve indicar a causa que provoca a reserva, com as razões que a recomendam. A Lei 6.404/76 estabeleceu toda uma disciplinação para que os acionistas não pudessem tentar impugná-la judicialmente. O saldo das reservas de lucros, exceto as para contingências e de lucros a realizar, não poderá ultrapassar o capital social; atingido este limite, a assembléia deliberará sobre a aplicação do excesso na integralização ou no aumento de capital, ou na distribuição de dividendos. Note que há uma possível hierarquia a ser observada, ou seja, o excesso das reservas deve ser destinado: I) à integralização ou no aumento do capital social; II) ou à distribuição de dividendos. Desta feita, o controlador pode aproveitar o ensejo e proceder ao aumento de capital, com relativa facilidade, o que para o Prof. Waldírio Bulgarelli representa a falácia do dividendo obrigatório. Ainda não é tudo. A assembléia geral pode deliberar reter a parcela do lucro líquido do exercício prevista no orçamento de capital aprovado. Este orçamento, submetido pelos órgãos da administração com a justificativa da retenção de lucros proposta, deverá compreender todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante, e poderá ter a duração de até cinco exercícios, salvo no caso de execução, por prazo inferior, do projeto de investimento. O que pode ocorrer na prática do mercado acionário é a transformação de títulos em outros títulos, e os acionistas ficam com vários papeis, sem liquidez. Parece que o banqueiro Fustemberg estava com razão ao dizer que “o acionista é um tolo e um presunçoso; tolo porque nos entrega seu dinheiro e presunçoso porque ainda pretende receber dividendos”1 . A teoria da empresa em si permite estas reservas, principalmente a de contingências e a reserva de lucros a realizarem, sem mencionar a retenção de lucros. É claro que este sistema funciona se o controle sobre as contas for eficiente, bem como a responsabilização. O controle pode seguir o sistema francês (comissários), italiano (collegio sindacale), ou o inglês e o alemão (auditorias). O sistema de fiscalização através do conselho fiscal deve ser eficiente porque as auditorias não denunciam fraudes. O importante não é a revisão do sistema de fiscalização, mas sua efetiva realização. Criou-se, assim, um verdadeiro conflito entre os interesses dos controladores e dos não controladores, em síntese, sobre o dilema da distribuição de altos dividendos ou do autofinanciamento. É de salientar que, em tema de direito ao dividendo, considerado como um direito abstrato e perspectivo, concretiza-se e torna-se efetivo somente após a deliberação da assembléia geral, chamado de crédito dividendual, e, portanto, torna-se efetivo quando existam lucros, e quando se decida a distribuição2 . A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reservas de lucros; e à conta de reservas de capital, no caso das ações preferenciais. A distribuição de dividendos com inobservância da regra acima mencionada importa a responsabilidade solidária dos administradores e fiscais, que deverão repor ao caixa social a importância distribuída, sem prejuízo da responsabilidade penal. Os acionistas não são obrigados a restituir os dividendos que tenham recebido em boa-fé, mas presume-se a culpa ou o dolo quando os dividendos foram distrubuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com o seu resultado.

1 Cf. BULGARELLI, Waldírio. Sociedades comerciais. Cit. p. 303. 2 Idem, Manual das sociedades anônimas. Cit. p. 203-204.

A Lei 6.404 de 1976 observa com exatidão o princípio da integridade do capital social, protegendo os interesses dos credores, acionistas, e da própria companhia. Proibe-se, portanto, a distribuição de dividendos fictícios, ou seja, os que não resultam de lucros realmente conseguidos nas operações da empresa, ou também a distribuição de expectativa de lucros futuros1 .

O dividendo cada vez mais se distancia da conceituação tradicional, quando ele era visto como a retribuição dos capitais investidos, um verdadeiro direito subjetivo, que se identificava plenamente com o fim lucrativo das sociedades2 . Com a empresa em si, verdadeiro organismo coletivo, defender a teoria liberal sobre os dividendos é negar a própria existência da institucionalização da atividade empresarial, quando mais nos países com elevada industrialização. O lucro tem sua origem na atividade, e não-somente sobre o capital investido. Se os acionistas não foram os únicos a contribuir para o sucesso da companhia, por que serão os únicos a serem contemplados? A participação dos trabalhadores nos lucros e a co-gestão são aspectos centrais da moderna teoria jurídica da empresa3 . O interesse da sociedade não se reduz, com efeito, aos interesses dos sócios, nem aos interesses do acionista controlador, ou da maioria assemblear. É por esta razão que a lei determina que o controlador deve exercer o direito de voto no interesse da companhia, considerando abusivo o voto que tenha por fim causar dano à companhia ou aos outros acionistas, ou obter vantagem para si o para outrem, as custas da companhia4 . O financiamento das companhias não é feito, no mais das vezes, só com os recursos dos acionistas, que investem adquirindo títulos da empresa. Uma das principais fontes de recursos das empresas são os consumidores e a mais-valia sobre os empregados5 . Outra prática que pode ocorrer nas empresas que detém monopólio é o reajuste dos preços, para “fazer caixa”, e providenciar o investimento que entender necessário, ou cobrir despesas, em promoções, publicidade etc, e em poucos dias alcançam suas metas financeiras sem nenhuma razão econômica ou de mercado. Os acionistas têm vários perfis, que podem ser: rendeiros, especuladores e empresários. Estes perfis podem conviver no mesmo acionista, que detém controle de companhias, mas também retira proveito da especulação em títulos, públicos ou não. Existem outros, os rendeiros, que apenas vêem nas ações uma forma de renda garantida através do dividendo, muito comum nos países com mercados institucionalizados. Os especuladores em si ficam por aí à procura de lucro, realizado em poucos segundos, ou em prejuízo. Na teoria financeira do aumento do lucro produzido pela empresa, a figura do acionista não tem muita significação para a companhia, mas, apesar disto, é ele quem fica com a maior parte do bolo6 . O interesse dos acionistas na macro-empresa é cada vez mais superado por outra realidade: o interesse da empresa. O conflito entre o interesse da empresa e dos acionistas tem relevância sobre a utilização dos lucros realizados. Enquanto os investidores desejam receber o máximo em dividendos, a administração procura reverter a maior parte do lucro líquido na formação de reservas7 .

1 CARVALHOSA, Modesto e LATORRACA, Nilton. Comentários. Cit. v. 3. p. 201. 2 O Eg. 1o Tribunal de Alçada Civil, em sua 1a Câmara, decidiu, ainda sob o império do Dec-lei 2.627/40, que “a ré, sociedade anônima, em assembléia geral ordinária deliberou, a propósito dos lucros apurados no exercício de 1972, não distribuir dividendos aos acionistas, mas o emprego desse lucro no desenvolvimento da empresa, com a construção de uma nova fábrica, com o que não se conformou o Banco do Estado de São Paulo, acionista preferencial... O Banco autor, titular das ações preferenciais, tem direito estatutário a dividendo anual, não cumulativo de 12%. Apurados os lucros relativos ao ano de 1972, nada justificava a não distribuição dos dividendos, proibindo o art. 78 do Dec.-lei 2.627 de 1940, precisamente deliberações nesse sentido”. Revista dos Tribunais. n. 484. p. 119; com a Lei 6.404, o art. 109 estabeleceu como direito essencial do acionista participar dos lucros sociais, enquanto os arts. 193-200 tratam com bastante amplitude das reservas e retenção de lucros, com o perfil institucional das companhias. Nos EUA houve caso semelhante com o conhecidíssimo julgado de Michigan, envolvendo a Ford e a Dodge, na distribuição de dividendos. 3 BONELL, Michael Joachim. Partecipazione operaia e diritto dell'impresa. Milano: Giuffrè, 1983. 421 p. 4 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de capital. p. 255. 5 As empresas jornalísticas, principalmente as de televisão, realizam lucros elevadíssimos com a “venda” de espaços destinados aos anúncios publicitários, que são medidos conforme a audiência. Para o formalismo jurídico trata-se de uma concessão para a exploração televisiva, mas que se presta unicamente ao interesse do seu jornalista-controlador, esquecendo, na expressão mais absoluta deste termo, a sua função social, como, por exemplo, programas educacionais. O interesse da empresa de radiodifusão é confundido com o do seu “proprietário”, ou seja, realizar lucros, à custa da população, com informações manipuladas, no seu próprio interesse. 6 “Fica, assim, seriamente abalada a justificativa teórica da supremacia dos acionistas, na economia da sociedade anônima. Se inexiste qualquer relação direta entre o lucro da macroempresa e o capital acionário subscrito, não se pode deixar de concluir pela inexistência de qualquer relação entre o dividendo distribuído e o valor nominal das ações. A prática norte-americana, aliás, já havia chegado a esta conclusão, ao consagrar a emissão de ações sem valor nominal (no-par value stocks). E com que direito podem, então, os acionistas se apropriarem dos lucros de uma emprêsa que não são mais, em sua maior parte, gerados pelo investimento acionário? Paralelamente a essa linha de evolução, nota-se uma acentuada despersonalização da vida social, na grande empresa”. Fábio Konder COMPARATO. Aspectos jurídicos. Cit. p. 23; e sobre reservas e lucros, Waldírio BULGARELLI. Problemas de direito empresarial moderno. São Paulo: RT, 1989. p. 212-235. 7 “Contabilmente, é muito clara a distinção entre reservas e provisão. A provisão é despesa que se incorpora ao custo do exercício. A reserva, ao contrário, representa destaque de uma parcela ou de todo o lucro líquido do exercício. Em consequência, a provisão pode (e em certos casos deve) ser constituída mesmo quando o resultado do exercício é negativo, ao passo que a reserva só pode evidentemente ser constituída quando o resultado é positivo, isto é, quando há lucro. O excesso de provisões constitui as chamadas reservas ocultas”. Fábio Konder COMPARATO. Aspectos. Cit. p. 52-53.

É no interesse da empresa que se resolve sobre a constituição de reservas, e não no interesse do acionista. O grande problema é que cabe ao controlador decidir sobre qual interesse proteger – não se referindo à reserva legal –, o que facilita o acúmulo de recursos.

As reservas devem ter uma motivação e uma utilização precisa. Uma das suas aplicações seria exatamente para os momentos de crise econômica, para suportar gastos da organização, pagamentos de salários, tributos, investimentos etc. Isto toca decisivamente sobre o princípio da preservação da entidade produtiva, e as reservas serviriam para evitar a falência, com a reorganização da empresa. Sendo assim, a teoria da empresa tem um princípio fundamental. Este é o princípio da preservação da organização produtiva. A questão financeira da empresa tomou caminhos complexos. A empresa passou para o centro do debate político através de uma técnica deplorável, ou seja, a “guerra fiscal” entre os Estados da federação. O capitalismo liberal, a exagerada abertura externa, as privatizações e o monetarismo levaram à falência o sistema de investimento público. As dificuldades financeiras que os Estados possuem já são insuportáveis. Enquanto não se realizar a transição da perspectiva contratual para a institucional as grandes companhias vão continuar a comandar a política da maneira que desejarem, servindo-se do Estado para a defesa do seu próprio interesse financeiro. A moderna teoria jurídica da empresa deve ser acima de tudo uma teoria de fundamento institucional e de interesse público. A Lei das S.A. procurou conciliar os interesses dos acionistas com o interesse social, na área de distribuição de dividendos, reservas, e no direito de voto. Foi, portanto, através da legislação acionária que se ampliou a responsabilização do controlador, responsabilizando-se, inicialmente o administrador – como no antigo Dec.-lei 2.627/40, para alcançar o regime atual, que acresce deveres a serem cumpridos pelo controlador, através da função social da empresa e do bem público1 . De tudo isto, pode-se afirmar que o controle, é o poder de comando de uma organização de pessoas e bens para fins determinados; um poder-função, portanto. As pessoas submetidas ao poder diretivo do controlador colaboram na realização desses fins da empresa. Os bens empresariais não podem servir à satisfação de interesses particulares do controlador, em detrimento da empresa, sob pena de desvio de poder2 . Sobre o plano da gestão econômica da empresa, o empresário é freqüentemente obrigado a deixar para segundo plano seu interesse pessoal, e deve perseguir o interesse do bom funcionamento da empresa. Esta espécie de submissão do empresário à sua própria empresa se encontra em posição de semelhança sob uma perspectiva de gestão social da empresa, quando os poderes do empresário em relação com a coletividade revestem uma característica funcional bastante evidente. Assim, os poderes do empresário são legítimos se exercidos no interesse da empresa, e, por outro lado, esta legitimação cessa se eles forem utilizados no seu interesse particular3 . Com isto quer se dizer que o interesse social não se confunde com aquilo que se convencionou denominar de “vontade social”. Esta vontade não é nada mais que a manifestação dos sócios, por maioria ou unanimidade. Ela ainda poderá ser anulada, por acionistas sem direito de voto, ou pelos minoritários. O que se coloca é que a decisão assemblear que contrarie o interesse da empresa deve ser reformada, mesmo que judicialmente, e a lei acionária brasileira possui todos os preceitos para que isto se faça. Conforme Raul Anibal Etcheverry, existe algo definível como interesse global, mas isto não significa outra coisa que a identificação do interesse social com o interesse dos sócios. Assim, la tutela de un interés global perteneciente a todos los accionistas, procede según el ya tradicional enfoque de Bertini de: a) normas instrumentales que delimitan la potestad normativa del ente social y no dan lugar a ninguna situación subjetiva: es una tutela objetiva; b) normas instrumentales que se subjetivizan como poderes de los socios; c) normas materiales que subjetivizan como obligaciones del ente y que tienen su correlativo en derechos subjetivos de los socios. Todos los accionistas producen mediante el específico mecanismo societario una voluntad del ente, que tiene innegables consecuencias jurídicas4 . Arnoldo Wald afirma que, sobre o interesse social, talvez possamos vislumbrar uma posição característica da nossa legislação, que não se limita a abranger o interesse exclusivo dos sócios, mas inclui finalidades específicas da sociedade. A companhia somente pode prosperar se todos os interesses que lhe estão vinculados sejam atendidos, razão pela qual ela não é mais objeto, como foi no passado, mas um verdadeiro sujeito de direito, com múltiplas perspectivas que não excluem a unidade do todo5 . A teoria da empresa está precisamente sobre a modalidade de perspectivas a serem avaliadas na atividade empresarial. Nenhuma teoria que seja realmente da empresa pode ficar restrita ao interesse individual do sócio, e ver na atividade mero instrumento para sua realização. A atividade é a essência da teoria da empresa, que alcança a organização coletiva. Com efeito, atividade e organização se mostram como indissociáveis da unidade produtora, composta de todos os interessados que a atividade empresarial representa nesta função.

1 BULGARELLI, Waldírio. A Teoria jurídica da empresa. Cit. p. 279 e 282. 2 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Cit. p. 69. 3 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 196. 4 ETCHEVERRY, Raul Anibal. Intereses societarios y extra societarios en la administración de las sociedades anónimas. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 55, XXIII, jul./set./1984, p. 23-24. 5 WALD, Arnoldo. Interesses societários e extra-societários na administração das sociedades anônimas A perspectiva brasileira. Revista de Direito Mercantil Industrial Econômico e Financeiro, n. 55, 1984, XXIII, jul./set. p. 13 e 17.

O contrato plurilateral é a seqüência lógica dos perfis que podem ser observados quando se está diante do fenômeno da empresa. Estes perfis, na lição de Asquini, são: objetivo, subjetivo, funcional e corporativo. Ele é objetivo no que se refere ao patrimônio; subjetivo, na figura do empresário; funcional, como atividade; e corporativo, como instituição. Para, Orlando Gomes, o direito moderno empresta relevo à atividade dirigida ao escopo único, unificados sobre o plano funcional da unidade de fim, submetendo a atividade, em conjunto, às normas, e regulando-a como comportamento e pressuposto de efeitos jurídicos. Sendo a atividade destinada à produção de bens e serviços, é a empresa a atividade do proprietário dos bens de produção, mas, por sua finalidade, ela interessa também à comunidade, e não-somente ao seu proprietário. Desta feita, o empresário que exerce seu poder sobre a empresa tem deveres sociais a serem cumpridos1 . Como a empresa organizada corresponde a um ente coletivo, por essência organizado, os perfis mostram com clareza todos os lados pelos quais esta atividade se realiza, quer do prisma dos sócios, credores, patrimônio, empregados, consumidores, quer da própria empresa. A discussão sobre o interesse da empresa em si na dogmática do interesse social, que certamente não é superior dos demais, nem a somatória dos mesmos, diz respeito a um interesse geral e que, sem dúvida, representa a conservação e o desenvolvimento da empresa2 . O que não existe é uma resposta única, sem levar em consideração todos os interesses ligados à empresa; por exemplo, a legislação da concorrência protege como interesse predominante o consumidor, mas reflexivamente também o Estado, e as outras empresas, que ficam amparadas pela livre concorrência, pelo menos em princípio. Outro interesse protegido é o mercado, que seria a composição econômica do sistema. Outro ex., seria a legislação do meio ambiente, e interesses difusos etc., que guardam correlação com os interesses que circundam a empresa3 . O perfil subjetivo, a empresa como empresário, está contida nos arts. 2.070, 2.082, 2.188 e 2.563, 2.570 do Código Italiano, do que se infere que o empresário é quem exercita uma atividade econômica organizada e profissionalmente na produção de bens e na prestação de serviços; o perfil objetivo4, como patrimônio (azienda) especial, distinto dos seus sócios, e que não deve ser confundido, em hipótese alguma, com a empresa; o perfil funcional, como atividade, está nos arts. 2.084, 2.085, 2.087, 2.196, 2.198, 2.203 e 2.204, e tem como significação, a organização do capital e trabalho; perfil corporativo, a empresa é vista como uma instituição que não é constituída, porém, é fundada, ou instituída. O controle sobre a produção de bens em relação ao interesse unitário da economia nacional é exercitado pelo Estado, nos modos estabelecidos pela lei. A lei estabelece outros casos e os modos nos quais se exercita a vigilância do Estado sobre a gestão da empresa (art. 2085). A Constituição italiana determina como princípio a livre-iniciativa, que não pode ser desenvolvida em contrariedade à utilidade social ou de maneira a causar prejuízo à segurança, à liberdade e à dignidade humana (art. 41). A propriedade particular é reconhecida pela lei, que lhe determina os modos de aquisição, utilização e limites, para assegurar a sua função social, e torná-la acessível a todos (art. 42). Esta parte final do art. 42 é lastimável e objetivamente retórica. Para atender aos fins de utilidade geral, “la legge può riservare originariamente o transferire, mediante espropriazione e salvo indennizzo, allo Stato, ad enti pubblici e a comunità di lavoratori o di utenti determinate imprese o categorie de imprese, che si referiscano a servizi pubblici essenziali o a fonti di energia o a situazioni di monopolio ed abbiano carattere di preminente interesse generale” (art. 43). Houve caso, em 1962, sobre a nacionalização da energia elétrica na Itália.

A retórica do fascismo determina no art. 46 da Constituição italiana, que nos fins “della elevazione economica e sociale del lavoro e in armonia con le esigenze della produzione, la Repubblica riconosce il diritto dei lavoratori a collaborare, nei modi e nei limiti stabiliti dalle leggi, alla gestione delle aziende”. Na Alemanha a Mitbestimmungsgesetze (co-gestão, co-participação) de 1976 representava a afirmação definitiva do institucionalismo. Em tipos societário como o AG e GmbH trata-se não mais do Unternehmensinteresse de exagerado matiz publicístico da doutrina da empresa em si, para ajustar um interesse concebido como complementar aos interesses dos vários tipos de sócios e dos empregados, que se traduz no interesse na preservação da empresa, que é o parâmetro da atuação do Aufsichtsrat. É claro que esta preservação coloca questões como autofinanciamento e reservas, o que influi na distribuição dos dividendos.

1 GOMES, Orlando. Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do código civil. Revista dos Tribunais. n. 334, 1963. p. 16. 2 BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. Ct. p. 278. 3 Cf. MAX WEBER afirma “denominamos situação de mercado de um objeto de troca a totalidade das possibilidades de troca do mesmo por dinheiro, que podem ser reconhecidas pelos interessados na troca, no momento de sua orientação na luta de preços e de concorrência; mercabilidade, o grau de regularidade com que um objeto costuma tornar-se objeto de troca no mercado; liberdade de mercado, o grau de autonomia de cada interessado na troca, dentro da luta de preços e de concorrência; regulação do mercado, ao contrário, a situação em que estão materialmente limitadas, por determinadas ordens, a mercabilidade de possíveis objetos de troca e a liberdade de mercado para possíveis interessados na troca. A regulação do mercado pode estar condicionada: 1. de modo somente tradicional, pela assimilação de limitações ou condições tradicionais de troca; 2. de modo convencional, pela desaprovação social da mercabilidade de determinados utilidades ou da livre luta de preços e de concorrência para determinados objetos de troca ou para determinados círculas de pessoas; 3. de modo jurídico, pela efetiva limitação jurídica da troca ou da liberdade na luta de preços e de concorrência, de forma geral ou para determinados círculos de pessoas ou objetos de troca, no sentido de uma influência na situação de mercado dos objetos de troca (regulação de preços) ou de uma limitação da posse, aquisição ou alienação do poder de disposição sobre bens, para determinados círculos de pessoas (monopólios juridicamente garantidos ou limitações jurídicas da liberdade de gestão econômica)”. Economia e Sociedade. Cit. p. 50-51; sobre a teoria da concorrência, Tullio ASCARELLI. Teoría de la concorrencia y de los bienes immateriales. Barcelona, (trad.), 1970. 4 Cf. BARRETO FILHO, Oscar. Teoría do estabelecimento comercial. São Paulo: Saraiva, 1988. 304 p.

Para, Bonell, com a entrada em vigor da Mitbestimmungsgesetze de 1976 se fala com maior razão e insistência da transformação do direito societário em direito da empresa (Unternehmensrecht), querendo-se dizer com isto que a sociedade não se identifica mais com os acionistas controladores, mas se apresenta agora como uma estrutura organizada, não-somente como um organismo personalizado mas também como formação social e institucional pluralista, em que o conflito de interesse não deve ser olvidado, porém resulta até mesmo institucionalizado1 . Este pluralismo é o mesmo que Bobbio fala sobre a democracia política, na qual a obtenção de uma vontade única, com interesse único, fica bastante prejudicada, dando lugar aos grupos de pressão institucionalizados, e os conflitos fazem parte mesmo da organização política atual, com múltiplas esferas de representação. Os partidos políticos não são outra coisa que grupos de pressão. Dentro das companhias o que se nota é a formação de grupos homogêneos de acionistas, trabalhadores, investidores e consumidores, que se colocam sempre em posição antitética, todos buscando a luta pelo poder, poder de limitar a atuação das empresas ou de comandar. No Brasil a legislação societária tende à consagração da teoria do Fuhrerprinzip. Isto não significa a adaptação completa da teoria da instituição ou da empresa em si. Quando a Lei da S.A. coloca o controlador no centro da questão, a Lei segue ao perfil subjetivo da empresa, e não ao perfil institucional ou corporativo. Isto decorre, obviamente, do sistema capitalista da livre-iniciativa em que é garantindo o direito de propriedade particular2. O empregado e a coletividade não foram chamados a participar da empresa, internamente, e são meros destinatários de normas protetoras, as quais devem ser cumpridas pelo próprio controlador, se ele assim desejar. No Estado liberal o ordenamento jurídico é indiferente a fins determinados, e cabe aos particulares realizarem os seus interesses. A legislação limita-se a determinar regrais mínimas do jogo, considerando todos como iguais, mesmo que isto seja impossível. O bem comum reduz-se à conformação e ao respeito às regras3. Aristóteles foi exatamente um dos que colocou esta questão da liberdade e da igualdade e os limites da justiça comutativa e distributiva, vendo a conciliação como a lógica do meio-termo, seguindo a distinção entre as coisas redutíveis aos extremos dualistas. Os órgãos estatais e sociais de controle do poder de controle se mostraram ineficazes na tarefa de fiscalização. O correto seria trazer, com toda a força, a co-gestão para as companhias, e a criação de órgão específico para controlar a política administrativa, com indicados da coletividade e também dos empregados4 . Quanto ao capitalismo financeiro, deve existir um sistema de proteção estatal sobre os capitais que vão aos países em troca de altos valores remuneratórios, causando elevado endividamento das contas públicas, o que pode ser a ruína do seu sistema econômico. O controle aqui é público, e só público. O interesse é o ponto fundamental de toda discussão. Theodor Viehweg afirmava que, quando Ihering, há cem anos, indicou que um direito positivo não pode ser entendido sem a categoria do interesse, emergiu, primeiro na doutrina civilista e depois em outros campos da disciplina jurídica, um topos que foi aumentando continuamente... suas formulações mediante a utilização do conceito de interesse, do conflito de interesse, ou de suas possibilidades são, na maior parte dos casos, muito apropriadas para pôr em dia as perpétuas aporias fundamentais de toda a disciplina5 . Com efeito, a complementaridade dos interesses que envolvem a empresa é o melhor modo para analisar as formas dialéticas de poder e de interesse que são características das entidades orgânicas, e a empresa é a comprovação desta premissa do interesse social nos conglomerados econômicos e financeiros. Com o crescente movimento de concentração empresarial a questão do interesse social fica ainda mais complexa. O administrador não pode, em prejuízo da companhia, favorecer sociedade coligada, controladora ou controlada, cumprindolhe zelar para que as operações entre as sociedades observem condições estritamente cumutativas, ou com pagamento compensatório. O administrador que contrariar este preceito será responsabilizado por perdas e danos. É importante notar que a sociedade controladora também responde por perdas e danos/ O acionista controlador (sociedade controladora) deve utilizar o seu poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e na

1 M. J. BONELL. Partecipazione. Cit. p. 387. 2 Cf. Rubens REQUIÃO. “inicialmente a co-gestão deveria abranger apenas a participação dos empregados no conselho de administração, órgão essencial da companhia aberta e da sociedade de economia mista como impõe a lei das sociedades por ações. Mais tarde seria instituída a co-gestão paritária, cabendo ao capital indicar o presidente do conselho, levando-se em consideração que vivemos num regime capitalista, que detém jurídica e financeiramente o controle da sociedade”. A Função Social. Cit. p. 280. 3 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Cit. p. 59. 4 “Sustentamos que a co-gestão na empresa brasileira deve iniciar-se pelas empresas de grande porte, isto é, pelas companhias abertas e, destas, sobretudo com maior urgência, nas sociedades de economia mista. Defendemos esta posição, em virtude de as companhias abertas, na concepção que ditou a recente reforma das sociedades anônimas, terem tomado o cunho de instituição, na doutrina oficial, de molde a entrelaçar e solidarizar os interesses privados com os interesses públicos... Após a implantação do sistema, partir-se-ia, com a experiência colhida, para a extensão do sistema às companhias fechadas, para, posteriormente, abranger todas as sociedades anônimas e as sociedades de responsabilidade limitada”. REQUIÃO, Rubens. A função social. Cit. p. 279-280. 5 VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Cit. p. 87-88.

comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. Então, qualquer medida da sociedade controladora que intente prejudicar a controlada, é suficiente para ocasionar a sua responsabilização.1 . Conforme Modesto Carvalhosa, a decisão do controlador ou do administrador será desleal se o resultado da operação para a companhia controlada, coligada ou controladora for menos vantajoso do que seria se a decisão tivesse de ser tomada por uma pessoa não envolvida no conflito de interesses. A pergunta que se deve fazer é se a companhia não fosse controladora, controlada ou coligada, o negócio em questão seria realizado nas mesmas condições de preço, forma, prazos etc? Isto leva a considerar que o negócio deve ser conveniente para ambas as partes2 . Esta sistuação ocorre devido à autonomia patrimonial e da personalidade jurídica das sociedades. Não seria conveniente para a controlada, como entidade própria, ter que se ajustar a todas as decisões que lhe sejam prejudiciais, porque, do contrário, se estaria colocando abaixo toda a construção da personalidade jurídica. A vedação da participação recíproca visa objetivamente impedir a compra de ações entre controlada e controladora, que poderiam prejudicar os credores, como, por exemplo, no desvio de recursos. Sobre o grupo de sociedade a disciplinação também é específica. Toda a discussão sobre o grupo de direito pode ser resumida na seguinte questão: “intégrée au groupe, la société filiale conserve-t-elle un intérêt propre?”3. A disciplina legislativa parece sufragar a doutrina dominante ao estabelecer a figura da convenção de grupo. Nesta convenção, feita pelo controlador do grupo, deve constar: a desginação do grupo, indicação da sociedade de comando e das filiais, condições de participação das diversas sociedades, prazo de duração, condições de admissão e retirada de sociedades, órgãos de administração do grupo, nacionalidade, e condições para alteração da convenção. Na constituição do grupo, os sócios das sociedades a serem absorvidas poderão se retirar, recebendo o reembolso das suas ações ou quotas. Dentro do grupo a sociedade filial não possui nenhum interesse faz parte de um conglomerado que tem uma direção única, e que atende a interesses únicos. A partir do momento em que o grupo é formado, a filial torna-se mero instrumento administrativo do grupo, e deve observar as detrminações da direção. Historicamente a combinação de recursos e esforços, a subordinação dos interesses de uma sociedade aos de outra, ou do grupo, e a participação em custos, receitas ou resultados de atividades ou empreendimentos, somente poderão ser opostos aos sócios minoritários das sociedades filiadas nos termos da convenção do grupo. O grupo de sociedades não possui os mesmos efeitos da fusão e da incorporação. No interior do grupo permanecem as sociedades que já atuavam, portanto, permanece a personalidade jurídica. Se elas são entidades jurídicas autônomas também possuem um interesse próprio. A solução legislativa foi então a subordinação de interesses. No entender de Modesto Carvalhosa, o eventual conflito entre a direção do grupo e a administração das sociedades participantes não pode subsistir, em face do princípio da autonomia da pessoa jurídica das componentes, da responsabilidade dos seus administradores e do direito de recusa que estes têm com respeito à tentativa de ingerência na administração ordinária da companhia. O conflito de interesses decorrerá, portanto, da violação da lei ou da convenção, como explicita a presente norma. E essa violação é imputável aos dirigentes do grupo e à sociedade controladora por abuso e por desvio de poder por parte dos seus administradores.

4 Ocorre que a personalidade jurídica dentro do grupo parece realmente uma ficção legal. A subordinação dos interesses das filiais é evidente. A solução mais consentânea poderia ser a responsabilização do controlador (holding), porque o comandante do grupo atua com verdadeiro poder de controle sobre as filiais, com aquele poder de dispor sobre bens alheios, limitado pelo devere de lealdade. Isto solucionaria juridicamente situações como o caso francês da Fruehauf, quando o interesse da sociedade conflitava com o interesse do comando do grupo5 . Os contratos interempresariais são aqueles que possuem por objetivo a subordinação de uma sociedade a uma outra empresa, ou a ligação econômica entre essas. Na Alemanha, com a Lei de 1965, havia uma distinção destes contratos, entre os quais: I) quando uma sociedade por ações subordina sua direção a outra empresa, Beherrschungsvertrag (art. 291); II) procura ceder ou dividir a totalidade ou parte dos seus lucros a outras empresas (art. 291 e 292); transferência, a título de locação, da exploração da sua empresa a outras empresas. O que caracterizava o Konzern (art. 18) é o fato de que duas ou mais empresas estão ligadas sob uma direção comum. O Konzern pode ser composto das seguintes formas: I) de uma

1 A 2a Turma, do Eg. STF, em julgado de Recurso Extraordinário 108650/SP, ficou longe da determinação correta do interesse da companhia, quando afirmou “Sociedade anônima. I - Sociedade de capital aberto do “Grupo Real”. Ação ajuizada por acionistas e substitutos processuais das empresas do conglomerado objetivando a indenização da diferença entre honorários, participações e verbas de representação efetivamente recebidas, pelo administrador e controlador das companhias e a importância que deveria ter recebido, considerando-se o valor do mercado. II - Improcedência da ação em grau de embargos infringentes para restabelecer-se a sentença de 1o grau que considerara desnecessária a produção de provas oral e pericial, ante os elementos já constantes dos autos. III- Recurso extraodinário que vislumbra ofensa aos arts. 117, § 1o, alíneas “c” e “f” e 152 da Lei das sociedades anônimas e 130, 332 e 333, inc. I, do CPC, além de divergência jurisprudencial, propugnando pela produção das provas oportunamente requeridas. IV - Insubsistência da prejudicial de coisa julgada suscitada pelos recorridos. O pedido formulado no recurso extremo e, precisamente, o da anulação da sentença, em face do julgamento antecipado da lide. V - Provas requeridas

desnecessárias para os efeitos pretendidos, porquanto visam não a infirmar a política lesiva aos interesses das companhias, mas sim demonstrar as

disparidades das remunerações individuais dos diretores. Falta de legitimidade dos recorrentes para postularem em juízo quanto a estes. VI - Inexistência de violação dos dispositivos legais apontados e falta de comprovação do dissídio jurisprudencial. RE não conhecido”. publicado no DJ de 25.09.1987 (grifo nosso). 2 CARVALHOSA, Modesto. Comentários. Cit. v. 4, T. II, p. 32. 3 J. SCHAPIRA. L'intérêt social et le fonctionnement de la société anonyme. Revue Trimestrielle de Droit Commercial, 1971. p. 969. 4 Comentários. Cit. v. 4.. p. 274. 5 “La pratique des groupes est la source d'un déséquilibre, d'un décalage entre l'equilibre des intérêts définis par les normes étatiques et celui révélé par la pratique économique”. Charley HANNOUN. Le droit et les groupes de sociétés. Paris: LGDJ, 1991. p. 72.

empresa dominante e de várias empresas subordinadas e neste caso a influência dominante deve ser efetivamente utilizada; II) de empresas juridicamente autonomas, mas ligadas por uma direção comum1 . O interesse do grupo foi analisado pelo Prof. Fábio Konder Comparato, que pela sua relevância mencionamos na sua inteireza: No grupo econômico de subordinação, as sociedades controladas perdem grande parte de sua autonomia de gestão empresarial. É a sociedade controladora que toma, soberanemente, as decisões mais importantes, em matéria de investimentos imobiliários, de participações societárias, de criação de sucursais, de linhas de produção, de empréstimos a longo prazo, máxime de empréstimos debenturísticos, de abertura de capital, e até mesmo, às vezes, quanto aos critérios de contratação de empregados de nível superior e de outorga de poderes de representação. É suficiente considerar o caso da Unilever, por exemplo, grupo composto de mais de 600 empresas, para se perceber até que ponto a planificação econômica é fundamental nessa matéria. Ora, essa perda da autonomia de gestão empresarial traduz-se, freqüentemente, senão sempre, pelo sacrifício dos interesses da cada sociedade ao interesse global do grupo, e segue afirmando, a nosso ver, o grupo econômico constitui, em si mesmo, uma sociedade. Os três elementos fundamentais de toda relação societária – a saber, a contribuição individual com esforços ou recursos, a atividade para lograr fins comuns e a participação em lucros e prejuízos - encontram-se em todo grupo. Ainda que o legislador não reconheça a personalidade jurídica dessa sociedade de segundo grau, como propuseram os elaboradores do projeto de regulamento unitário da sociedade anônima européia, que é um grupo personalizado, a relação societária que se estabelece entre as empresas ou sociedades agrupadas implica, necessariamente, uma unidade de direção e uma intercomunicação patrimonial2 . Os meios de proteção da empresa no direito brasileiro são eficientes, ou na proibição de voto abusivo, com desvio de finalidade, ou em conflito de interesse. Neste passo, a lei das S.A. seguiu a legislação societária da Alemanha, sobre o conflito de interesse. Sobre o grupo de subordinação, a situação é um pouco diferente. A Lei das S.A. deixa a sorte do grupo entrege à convenção e a sujeição do interesse da filial ao interesse do grupo é expressamente previsto. A conseqüência lógica deste sistema seria, como afirmou o Prof. Comparato, a personificação do grupo, para que sua responsablização se acentuasse no caso de proteção aos credores, acionistas e das filiais3 .

380. O interesse social como interesse da empresa em si

As companhias se constituem através do contrato, o contrato plurilateral. Esta forma contratual caracteriza-se por dar ensejo a uma multiplicidade de interesses antagônicos, interesses conflitantes entre os órgãos sociais, como na atividade empresarial da companhia. São os interesses internos e externos. Parte da doutrina defendia a existência de um ato complexo para explicar o fenômeno societário. Entre eles estavam Messineo e Trajano de Miranda Valverde. Para Tullio Ascarelli, no ato complexo as partes apresentam-se animadas por idêntico interesse, encontram-se, portanto, do mesmo lado, ficando por isso sujeitas à disciplina diversa dos contratos. Por sua vez, no entanto, a constituição de uma sociedade visa uma finalidade comum a todos os sócios, todos interessados na melhor realização dela, sem excluir durante a vida da sociedade o conflito de interesses. Este conflito permite falar de contrato e não de ato complexo4 . A companhia terá o seu capital dividido em ações, e a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Qualquer que seja o objeto, a companhia é sempre mercantil, e o estatuto deve definir de modo preciso e completo o objeto social. O interesse social como interesse dos sócios pode ser encontrado na teoria de Tullio Ascarelli, tanto que nem mesmo existiria um interesse social, quanto mais um interesse social superior. Conforme Tullio Ascarelli, o interesse social deve ser entendido como interesse comum. A sociedade constitui uma comunhão voluntária de interesses e de escopo, a qual se coordena com um interesse comum a todos os participantes, e “nei confronti di ciascuno partecipante potremo distinguere un interesse extrasocialee un interesse che, pur proprio di ciascuno, è a tutti comune”5 . A perspectiva de Ascarelli corresponde à teoria do interesse dos sócios como interesse comum. Publicado em 1951, no magistral Interesse sociale e interesse comune nel voto, Ascarelli afirma com precisão que: non mi sembra perciò che nel nostro sistema si possa far capo a un interesse sociale inteso come distinto dall'interesse comune dei soci e come tale tutelato. Si deve però far capo all'interesse dei soci (e in questo senso si può parlare di interesse sociale) independentemente dal quale verrebbe meno ogni giustificazione della

1 F. HERZFELDER. La protection de la société anonyme contre des abus de vote en cas de conflits d'intérêt en droit allemand. Revue Trimestrielle de Droit Commercial, XXI, 1968. p. 268. 2 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle. Cit. p. 288 e 292. 3 “L’interêt des filiales est alors entièrement subordonnè à l’interêt du groupe, leurs organes, qui ne font qu’entériner les ordres d’un centre de décision extérieur, sont vides de leurs pouvoirs propres; leur personalitè juridique privèe de toute réalité. Les associés minoritaires, les cránciers, les salariés des sociétés, risquent de voir leurs droits ou leurs situation sacrifiés au bénéfice du groupe, ou d’autres membres du groupe”. G. RIPERT e R. ROBLOT. Traité. Cit. p. 551. 4 “A pluralidade corresponde a circunstância de que os intrêsses contrastantes das várias partes devem ser unificados por meio de uma finalidade comum; os contratos plurilaterais aparecem como contratos com comunhão de fim. Cada uma das partes obriga-se, de fato, para com tôdas as outras, e para com tôdas as outras adquier direitos; é o natural, portanto, corrdená-los, todos, em tôrno de um fim, de um escopo comum. O conceito de fim ou escopo adquire assim, nos contratos plurilaterais, a sua autonomia”. ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas. Cit. p. 258-259 e 271. 5 Idem, Interesse Sociale. Cit. p. 1146.

regola maggoritaria. Ecco perché ho recentemente scritto che il voto viene bensí concesso al socio nel suo interesse individuale (e non per un superiore interesse istituzionale), mas nel suo interesse individuale come socio e cioè per la tutela de quel suo interesse che è tuttavia comune anche agli altri soci, nonché come strumento pel funzionamento della società1 . O direito de voto não pode ser exercitado pelo sócio na deliberação em que tal sócio tenha interesse conflitante com o da sociedade. Em caso de inobservância desta disciplinação, a deliberação deverá ser impugnada (art. 2.377), caso o voto do conflitante seja decisivo para a formação da maioria (art. 2.373). Isto não impede uma eventual responsabilização do sócio que tenha interesse conflitante com o da companhia que atuar de maneira a interferir, por qualquer meio, no convencimento dos outros sócios, ou se valha de mandatários. O administrador que, em uma determinada negociação, por sua conta ou de terceiro, tiver interesse conflitante com o da sociedade, deve comunicar este fato aos administradores e ao conselho fiscal, e não poderá participar da deliberação em que tenha conflito. No caso de não observar esta proibição, o administrador responde pela perda causada à sociedade. A deliberação, em seu todo, poderá ser anulada pelos outros administradores ou fiscais. O que se infere é que a defesa do interesse social como a proteção do interesse individual esbarra numa série de restrições, mencionadas por Ascarelli, que dificultam a sua justificação na administração empresarial contemporânea, e a comunione de interessi não é o limite para salvaguardar a empresa e os sócios, porque cada um pode perseguir o seu interesse pessoal, e a somatória aritmética dos interesses dos sócios não pode ser entendida como a expressão do interesse social, salvo se para a defesa do princípio majoritário. Nem mesmo a unanimidade pode ser entendida como interesse social. O interesse social é a realização do interesse da empresa como ente jurídico complexo e orgânico. A sociedade serviria para realizar os interesses dos seus sócios porque, afinal, foi para isto que foi constituída, mas, quando ela começa a atuar, tornando-se atividade, transmuda-se esta situação jurídica, que não se resume num contrato com efeitos internos, refletindo uma questão funcional e mesmo institucional. Portanto, é mister distinguir nos contratos plurilaterais o que respeita à formação do contrato e o que respeita ao preenchimento da função instrumental dele; os requisitos exigidos a este último respeito não visam somente o momento da conclusão do contrato, mas, também, a vida da organização e devem continuamente subsistir2 . Com a constituição da sociedade nasce uma nova pessoa, uma pessoa jurídica, que detêm direitos e obrigações, com patrimônio distinto dos seus sócios. As pessoas jurídicas são de direito público interno, externo e de direito privado. São pessoas jurídicas de direito público: a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias e os partidos políticos. São pessoas jurídicas de direito privado: as sociedades civis, religiosas, morais, fundações e as sociedades mercantis. A existência das pessoas jurídicas de direito privado começa com o registro dos seus contratos, atos constitutivos e estatutos (CC, arts. 14, 16)3 . Sobre a sociedade em conta de participação, Mauro Brandão Lopes ensina que na questão dos fundos sociais vários aspectos devem ser incluídos. Conviria estabelecer claramente a própria existência destes fundos e, depois, exigir que sejam precisamente individuados, quanto ao montante e quanto à composição, deixando evidente que as entradas conferidas pelos sócios participantes, em poder do sócio ostensivo, passam à sua propriedade, constituindo, dentro do seu patrimônio geral, um patrimônio separado, para a aplicação nas operações sociais4 . Para Tullio Ascarelli o patrimônio e a pessoa jurídica são instrumentos jurídicos para disciplinar a responsabilidade das partes pelos atos que praticarem como sócios e para distinguir, assim, os interesses sociais e os interesses individuais dos sócios. A ordem jurídica, admitindo a constituição do patrimônio separado e da pessoa jurídica, unifica a coletividade que se apresenta amorfa no momento da constituição. As obrigações que assume cada sócio para com os outros sócios tornamse obrigações para com a sociedade, através da personalidade jurídica. Os bens dos sócios são distinguidos, também, dos seus bens individuais, através da constituição de um patrimônio separado. Os interesses dos sócios como sócios e como sócios da sociedade são distintos dos interesses individuais dos sócios, através da personalidade jurídica e do patrimônio separado5 . A disciplina do empresário individual também envolve o interesse na sua atividade. Isto leva à discussão da sociedade unipessoal. A sociedade unipessoal é personificação de um patrimônio separado. Essa foi a solução mais objetiva para dar solução ao dilema da teoria clássica do patrimônio, ou seja, a teoria civilista da unidade do patrimônio6 . Outra solução seria trazer a limitação através da afetação de um patrimônio, sobre o qual seria exercida a empresa. Com a separação do patrimônio afetado à atividade, a teoria civilista clássica deveria ser alterada, a qual não se adapta ao âmbito empresarial, possibilitando o surgimento da empresa individual limitando responsabilidade, evitando as sociedades fictícias.

1 Idem, Interesse Sociale. Cit. p. 1.160. 2 Idem, Problemas das Sociedades Anônimas. Cit. p. 273-274. 3 “Il problema della natura dell'interesse sociale è infatti strettamente connesso a quello della natura della persona giuridica, rifacendosi proprio l'idea di un interesse sociale come interesse superiore alla concezione gierkiana della persona colletiva real e quella, che risolve l'interesse della persona giuridica nell'interesse di una serie di uomini, ricollegandosi alla moderna teoria normativa della persona giuridica”. Ariberto MIGNOLI. L'Interesse Sociale. Cit. p. 726-727. 4 LOPES, Mauro Brandão. A sociedade em conta de participação. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 120. 5 ASCARELLI, Tullio. Problemas das soceidades anônimas. Cit. p. 263. 6 Cf. LOPES, Mauro Brandão. A disciplina brasileira de cisão no direito societário. São Paulo, 1978. p. 196-209.

Coube ao Direito Societário construir a teoria da sociedade unipessoal, esquivando-se do conflito na esfera civil. Por razões de ordem prática acabou-se resolvendo pela sociedade unipessoal dentro da sistemática jurídico-empresarial, que é essencialmente construída sobre os justos reclamos da fenomenologia social e empresarial. Esta definição de patrimônio, calcada em Orlando Gomes, tem como fim expressamente a criação de patrimônios especiais, para objetivos especiais. Por isso, ela não se amolda à teoria tradicional do patrimônio que continua a mesma. A singela distinção entre patrimônio especial para fins empresariais e a sociedade unipessoal é muito pequena, conforme afirmado acima.

A questão da empresa individual é uma daquelas que configuraria um verdadeiro negócio indireto, nos termos da teoria de Ascarelli. O fenômeno encontra sua origem no contraste entre as exigências da prática quanto à responsabilidade limitada do empresário individual. Esta é situação típica do negócio indireto, que justamente nasce do contraste entre as exigências práticas e a disciplina legal; da ausência de um instrumento jurídico para satisfazer estas exigências, constituindo, portanto, como uma ponte, que será abandonada desde que o sistema jurídico discipline um meio para satisfazer os reclamos que a prática construiu1. É de saber qual seria a melhor disciplinação entre o patrimônio especial ou a sociedade unipessoal para satisfazer as exigências da realidade empresarial. Mesmo para a sociedade não-personificada fala-se em patrimônio especial e, ademais, em benefício de ordem. Este benefício corresponde a que os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. Mesmo que disciplinado para a sociedade simples, o benefício de ordem também tem vigência para a sociedade em comum, salvo para o sócio que tratou pela sociedade. Erige-se um sistema de proteção para os sócios e para os terceiros. É bem verdade que tudo isto é aplicado para as sociedades. O empresário individual deveria ter disciplina semelhante, com a limitação patrimonial e ou a sociedade unipessoal, restringindo a responsabilidade patrimonial do empresário individual ao capital investido para a realização do seu negócio. Nota-se uma limitação dos interesses externos que devem se ajustar aos interesses internos, principalmente sobre sociedade sem sócio.

A personalidade jurídica não é uma questão apenas do capital social ou de patrimônio, e representa a criação de uma entidade social própria. No Direito Inglês a questão se coloca sobre outros argumentos, que favoreceram a criação das companhias de colonização nos séculos anteriores. Era a figura do trust, utilizada pelos ingleses, e que não se amolda ao sistema da propriedade do sistema romano. A personalidade jurídica foi o meio no sistema jurídico continental-europeu para dar solução ao funcionamento organizado das sociedades, limitando a responsabilidade dos sócios. No sistema inglês, a limitação se fazia pela própria estrutura de funcionamento do trust e da teoria ultra vires e da incorporação. O trust não é uma representação ou mandato. Conforme a common law, o trustee não é um simples administrador dos bens constituídos, mas, pelo contrário, é o proprietário destes bens, e os administra como quer, podendo inclusive deles dispor, a seu modo. O Chanceler, diante deste sistema, foi solicitado para intervir, quando o trustee não agia segundo a confiançanele depositada pelo constituinte do trust, ou quando não explorava os bens no interesse dos cestuis que trust2 . A lealdade do trustee é o fator principal deste sistema, o que é verdadeiro também para as companhias (por exemplo, deveres dos administradores e controladores). Isto levou alguns autores a verem no trust a explicação da natureza do poder de controle nas companhias, ou seja, aquele poder de dispor dos bens alheios, como se proprietário fosse3 . Seja pela personalidade jurídica ou pelo patrimônio separado, é evidente que a atividade desenvolvida leva a uma individualização dos seus atos administrativos, e aquela atividade ultrapassa a noção contratual que lhe deu origem, ou da restrita ligação no trust. O conflito de interesse que surge por conta do contrato plurilaetral continua inalterado. A estrutura do contrato plurilateral determina a funcionabilidade das companhias, mas estas não se resumem ao ato que lhes deu origem, ou seja, o contrato originário. A atividade por ela exercida faz destacar o paralelo contrato-função, possibilitando que o novo ente social assuma papel decisivo sobre os interesses em jogo. O problema da empresa em si é colocado para a sociedade e para a empresa individual como sendo uma comunidade de trabalho, com determinado escopo produtivo, e na realização do interesse geral da economia, tornando evidente o perfil

1 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas. Cit. p. 137. 2 “A noção de trust, desconhecida dos direitos romano-germânicos, é uma noção fundamental do direito inglês e a criação mais importante da equity. O trust apóia-se, de uma forma geral, sobre o seguinte esquema: uma pessoa, o constituinte do trust (settlor of the trust), determina que certos bens serão administrados por um ou vários trustees, no interesse de uma ou várias pessoas, os cestuis que trust. Este acordo é, na Inglaterra, muito freqüente, porque serve para fins múltiplos de ordem prática: a proteção dos incapazes, da mulher casada e a liquidação de patrimônios hereditários são assegurados por este meio; as fundações e estabelecimentos de utilidade pública utilizam muitas vezes esta técnica; o direito das sociedades também recorre ao trust, que é também freqüentemente utilizado para as operações internacionais”. René DAVID. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 315-317. 3 “Em conferência pronunciada em Berlim, em 1926, o Lord Keynes assinalou a tendência da grande companhia de se socializar por si mesma, aduzindo que os chefes de empresa acabam se reconhecendo como titulares de deveres para com a empresa e a comunidade em geral, e não mais como simples gestores dos fundos sociais por conta dos acionistas. Em polêmica com Adolph Berle Jr, um antigo professor da Harvard Law School, E. Merrick Dodd sustentou que mesmo perante o direito positivo norte-americano os diretores de uma sociedade anônima eram antes fiduciários da empresa, do que mandatários dos acionistas”. Fábio Konder COMPARATO. Aspectos Jurídicos. Cit. p. 56-57.

institucional da empresa. No campo das sociedades a doutrina da empresa em si traz à tona um determinado modo de avaliação do interesse comum dos sócios em função do objeto da empresa social, e isto como interesse social1 . Em princípio organizada sobre um substrato democrático, a sociedade por ações evoluiu em direção a uma forma oligárquica. Isto é um fenômeno bastante conhecido dentro das grandes empresas nas quais a sociedade por ações serve, geralmente, de instrumento jurídico, em que os administradores, em princípio mandatários, e os órgãos das sociedades foram naturalmente levados a fazer prevalecer o interesse da empresa sobre o dos acionistas2 . A empresa, ou seja, a atividade, passou para o centro da questão, queira ou não o individualismo liberal da teoria societária clássica. Com isto, a sociedade foi confundida com os sócios, mas a noção de empresa os ultrapassa, indo alcançar os trabalhadores e a coletividade e a própria atividade. Foi por isso que a administração das companhias ficou impedida de fazer prevalecer o interesse dos sócios sobre o interesse que a atividade empresarial desperta. Entenda-se interesse da empresa como aquele complementar. O abuso de poder de controle e o desvio de finalidade devem ser vedados, com responsabilização civil dos agentes. Despax afirmava que les relations entre le chef d'entreprise et son personnel ne seront plus caractérisées par la constante suprématie de l'intérêt personnel de l'entrepreneur sur l'intérêt des travailleurs. L'entrepreneur va, en quelque sorte, se transformer en un gérant de l'entreprise dont l'intérêt va passer désormais avant son intérêt propre. L'exercice de ses pouvoirs, pour être légitime, devra être conforme à l'intérêt de l'entreprise, et son autorité ne pourra plus être exercée à des fins uniquement personnelles3 . O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, entre eles: a) administrar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários ou da economia nacional; b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos acionistas, dos empregados ou dos investidores; c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adotar política ou decisão que não tenha por fim o interesse da companhia, ou vise prejudicar os acionistas, empregados e investidores; d) induzir ou tentar induzir administrador ou fiscal a praticar ato contra o interesse da companhia; e) contratar com a companhia, diretamente ou através de terceiros, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas. É verdade que o sócio entra na sociedade para realizar seu interesse, mas não para realizá-lo de qualquer modo, alheio aos limites sociais. Pode se estabelecer uma máxima: o interesse social não é obrigatoriamente o interesse comum dos sócios. O problema principal na teoria da Unternehmen an sich, de Rathenau, está em considerar o grupo de controle como o único intérprete do interesse social. Isto poderia provocar a consolidação do abuso de poder, evitando a fiscalização dos órgãos sociais. O interesse social está na junção dos fatores que a empresa envolve, e o controlador é apenas um deles, um instrumento para persegui-lo e implementá-lo, sobre o crivo dos acionistas, trabalhadores, coletividade e Estado, através dos órgãos societários e estatais de controle sobre as sociedades. A disputa sobre as companhias tem, na verdade, um matiz ideológico. Quando se limita o objetivo lucrativo e especulativo dos acionistas, considerando os administradores apenas como instrumento da realização da empresa social, desconsiderase a participação acionária, possibilitando a auto-socialização da entidade empresarial, o que é o reflexo do conflito entre Estado liberal e Estado social4 .

Quando o acionista controlador vota em assembléia, ele não exerce o seu direito ou poder exclusivamente no interesse pessoal, como qualquer acionista, mas motivado pela junção interesse social-interesse da empresa, utilizando o seu poder de controle (através do voto) com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social. Havendo conflito entre os interesses, certamente devem prevalecer os interesses coletivos5 . Na Alemanha a doutrina jurídica distingue objeto e escopo da sociedade como escopo lucrativo e atividade econômica desenvolvida pela empresa. Isto permite destacar da sociedade a sua característica contratual, erigindo a noção de empresa como complexo orgânico e unitário, de conteúdo social. A sociedade poderia representar uma fundação, e o interesse dos fundadores concorre com o interesse dos envolvidos na atividade empresarial. Esta posição implica o controle público e

1 ASQUINI. I batelli del Reno. Cit. p. 618. 2 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 204. 3 Idem, L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 218. Isto é um fenômeno complexo e RADBRUCH afirma que no momento que um interesse concreto invoca uma justificação abstrata, este interesse entrega-se completamente a sua lógica, a qual continuará a seguir as suas leis próprias, e muitas vezes contrárias ao próprio interesse que a tinha invocado para fazer dela um instrumento a seu serviço. Filosofia do Direito. Cit. p. 141. O interesse da empresa é precisamente esta situação de abstração e interesses específicos. 4 MIGNOLI, Ariberto. L'Interesse Sociale. Cit. p. 732. 5 “Assim concebido, explica-se por que o conceito de abuso do direito é fenômeno deste século. O século passado dividiu-se entre duas teorias claramente contrapostas, na explicação da natureza jurídica do direito subjetivo, se é que se pode sempre falar em direito subjetivo, quando nos referimos à série de manifestações de interesse que o Estado ampara e garante: uma, a da vontade (a Zweckjurisprudenz, de Jhering), e outra, a do interesse (a Interessenjurisprudenz, de Heck). Esse antagonismo aparente entre a teoria da vontade e a do interesse (aparente porque, na realidade, uma abrange a outra) foi superado, no século atual, com a corrente social ou funcionalista do Direito. Na realidade, o conceito de direito subjetivo implica a conjugação desses dois elementos: é o interesse protegido que dá a alguém o poder de agir, em conformidade com o fim econômico e social que lhe foi atribuído. Daí dizer Josserand que todos os direitos subjetivos não são mais, afinal, do que direitos-função, que devem permancer no plano da finalidade a que correspondem, sob pena de o seu titular cometer um desvio ou abuso do direito”. Luiz G. Paes de Barros LEÃES. Estudos e Pareceres. Cit. p. 17 e 21.

orgânico da sociedade por ações, conduzindo ao exame do instituto da sociedade não em função do seu elemento causal, mas, principalmente, sobre o elemento organizativo, fazendo a junção final entre empresa e sociedade1 . A perspectiva institucional vê na sociedade não um contrato; mas vê na sociedade uma instituição, fundada por pessoas, que durante a vida da companhia não são totalmente decisivas. Acionistas entram e saem, dioturnamente, e a empresa permanece estável, com um esquema de poder em que todos trabalham para sua manutenção e preservação. A personalidade jurídica permite este enfoque impessoal, ou melhor, como pessoa jurídica própria. A dissociação empresa-empresário permite ver na empresa todos os seus interesses, quer internos ou externos. Para tanto, a preservação da empresa é o maior significante deste sistema, em que a atividade se iguala aos envolvidos nela, e mesmo se confunde com eles.

Na esteira do Professor Waldírio Bulgarelli, o fato é que pela perspectiva fenomenológica, a empresa representa a unidade da produção, congregando empresários e trabalhadores em um ente que consagra vários interesses. Como conjunto orgânico das normas que a integram, pode se destacar a atividade que tais empresas realizam. Sob tal aspecto, verifica-se que a empresa também é uma instituição, que se constitui sobre uma organização coletiva2 . Fábio Konder Comparato afirma que diante do advento da macroempresa moderna, não é somente a propriedade de empresário que desaparece, mas a sua própria hegemonia jurídica. Empresa e empresário se dissociam. A existência daquela não mais se subordina ao interesse deste, e independe portanto, da sua vontade. Como a vontade tende sempre a um interesse, resulta claro que o interesse social, manifestado pela vontade geral, é sempre distinto do interesse particular de cada indivíduo, e que o problema dos representantes populares está em perseguir seus próprios interesses, ou os dos seus eleitores, ao invés de procurar realizar o interesse nacional. No campo das sociedades reguladas pelo direito privado, a primeira teoria a manifestar tais idéias foi a da sociedade como pessoa em si (Person an sich), de Otto Von Gierke, em que a sociedade possui um interesse próprio, que está acima dos particulares. A sociedade vista desta maneira perde o seu fundamento contratual, para se apresentar como um ente autônomo, que os sócios se limitam a instituir, por ato jurídico coletivo3 . A teoria da empresa em si conduz à publicização da sociedade por ações, e uma verdadeira volta aos princípios, em razão de que as empresas de economia mista se assemelham, em muitos aspectos, às antigas companhias de comércio, criadas com a participação do Estado, para a realização de funções que não se limitavam a repartição dos lucros4 . A Lei determina que o acionista controlador deve utilizar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidade para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve respeitar. Será que o controlador público não deve respeitar todos estes aspectos? Obviamente que deve. Um antigo Decreto disciplinava competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para exercer a representação da União nas assembléias e promover a defesa e o controle dos interesses da Fazenda Nacional junto às empresas estatais e de economia mista. É o Dec. 89.309/84. Assim, as empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades de cujo capital o Tesouro nacional, ainda que minoritariamente, participe, deverão enviar àquela procuradoria o anúncio de convocação para as assembléias gerais. Antes de se manifestar, a procuradoria deve consultar: a secretaria de controle das empresas estatais, a Secretária do Tesouro Nacional, o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários5. À vista dos relatórios apresentados cabe à procuradoria emitir parecer, seguindo as orientações dos referidos órgãos para: a) fixação ou reajustamento da remuneração dos diretores; b) oportunidade de aumento de capital e da emissão de debêntures conversíveis ou não em ações; c) fixar limites máximo de gastos; d) conveniência da alienação e oneração de bens; e) examinar as demonstrações contábeis e patrimonial referentes à gestão social da entidade; f) determinar o valor devido à União a título de lucros e dividendos; g) levantamento do capital investindo pela União, e determinava que, “se os pronunciamentos dos órgãos referidos no parágrafo anterior contiverem ilegalidade ou manifesta impropriedade, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional solicitar-lhes-á o reexame da matéria”. Tudo que envolva a administração destas entidades, colocada a efeito pela administração pública, fica sujeita aos limites existentes ao poder de controle, o que implica a proteção dos acionistas minoritários, inclusive. O interesse destas companhias não deve ficar atinente exclusivamente ao setor estatal. Caso haja irregularidade na administração qualquer acionista poderá demandar a ação de responsabilidade contra o controlador, para proteger a empresa e também sua condição de acionista. Como já foi referido no item interesse e função (supra) o controle da empresa precisa ser realizado tendo em consideração os demais interesses conexos à atividade6 .

1 MIGNOLI, Ariberto. L'Interesse Sociale. Cit. p. 735-736. 2 BULGARELLI, Waldírio. Normas jurídicas empresariais. Cit. p. 25-26. A teoria da instituição coloca os entes como organismos que se perpetuam institucionalmente no tempo e no espação, conforme a teoria de Georges RENARD. La théorie de l’instituition: essai d’ontologie juridique. Paris, 1930, e de Maurice HAURIOU. La teoría de la instituición y de la fundación (trad. A. Enrique Sampay), Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1968. 77 p. 3 COMPARATO, Fábio Konder. Aspectos. Cit. p. 10 e 44-45. 4 Idem, Aspectos. Cit. p. 59. 5 É bem verdade que depois da privatização esta legislação ficou prejudicada. 6 “De ce pouvoir législatif, et c'est cela qui nous intéresse, le chef d'entreprise ne peut faire aucun usage arbitraire. Il lui est accordé dans l'intérêt de l'entreprise; seul cet intérêt peut en rendre l'usage légitime. On considère en effet qu'en rédigeant le règlement intérieur, le chef d'entreprise ne représente pas un intérêt particulier (celui de la direction) à l'encontre des intérêt du personnel. Il représente l'ensemble des membres de la communauté et agit par conséquent en tant qu'organe de cette communauté. Le chef d'entreprise ne dispose pas, par conséquent, d'un pouvoir propre. Il ne pourra donc exercer l'activité législative dans un 476

Disto decorre o fato que consagra a teoria que vê no abuso de direito um ato que contraria interesses protegidos. Esta teoria foi desenvolvida, a cada época, por Jhering, Josserand e R. Pound. Muller-Erzbach, seguindo neste passo Jhering e Josserand, afirma que existe abuso de direito quando a sua utilização não é feita em observação a um interesse sério e legítimo. Abusa, portanto, de uma norma jurídica aquele que se vale da própria norma, mas de maneira e tendo em mira a não perseguir o interesse que essa mesma protege1 . O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e interesses da empresa, satisfazendo as exigências do bem público e da função social. É vedado ao administrador praticar ato de liberdade à custa da companhia, e, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou utilizar de sociedade que tenha interesse, ou de terceiros, os seus bens, serviços ou crédito. O administrador também não pode receber de terceiros qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indiretamente, em razão do exercício do seu cargo. Caso receba, estas importâncias serão destinadas à empresa. Questão das mais importantes se refere ao conflito de interesse entre acionista e a companhia. Para Muller-Erzbach, é particularmente sujeito a cometer abuso o sócio de uma sociedade quando vota em assembléia através do domínio da maioria2 . Esta situação é idêntica à comentada por Asquini e ainda traz muita discussão. O desvio pode ter a participação do controlador, e neste caso cabe aos minoritários ou a qualquer acionista promover a ação de responsabilização. Os órgãos sociais devem atingir e procuram seguir o interesse sob o ângulo da organização em que estão funcionando, constituindo a empresa um organismo. Dentro desta linha o interesse social significa o todo da organização coletiva, todo este que antecede as partes, no seu aspecto metafísico. O contrato plurilateral é o ponto de partida para a formação da sociedade. Quanto a isto não há dúvidas. Ocorre que após sua constituição, aquela vontade inicial desloca-se para o estatuto social, que é determinado pela Lei. A persecução do interesse social dentro da organização não importa em suprimir os conflitos que são característicos da natureza dos contratos plurilaterais, mas é da comprovação da sua existência que nasce esta busca, inexorável, pelo fim único da sociedade, que está precisamente na identificação de um único interesse protegido pelo direito, que é o interesse social. A sociedade não pode perseguir um interesse particular. Se ela fizesse isto, contrariaria o fundamento sobre qual ela foi instituída. Criou-se a eterna dialética entre sócio e sociedade. Quando ocorre a união de pessoas em torno de um único fim, este assume a dianteira da organização, e qualquer medida individualista e de proteção de interesses egoísticos acarreta a sua resolução. Não existe sociedade sem indivíduos nem indivíduos sem sociedade. Com a sociedade sem sócio existe a institucionalização de uma atividade na qual os sócios (indivíduos) têm nenhuma importância. Com isto a função é mais importante que o indivíduo, a sociedade é mais importante que o sócio; o todo desconhece o indivíduo, o que realmente é muito perigoso e seus efeitos são destrutivos. A sociedade nunca será o reflexo perfeito da vontade geral, como queria Rousseau e por isso ela nunca lhe será superior. Rousseau, afirmava que “il y a souvent bien une différence entre la volonté de tous et la volonté générale; celle-ci ne regarde qu'à l'intérêt commun; l'autre regarde à l'intérêt privé, et n'est qu'une somme de volontés particulières”3 . A proteção aos interesses individuais existe para que possa fazer valer a persecução do interesse social. Assim, por exemplo, os direitos dos minoritários têm explicação para que a sociedade não seja utilizada no interesse exclusivo do controlador, e os limites ao poder de controle vedam este privilégio e abuso, por parte do comando das companhias. A empresa como organização deve levar em consideração o aspecto externo da atividade, e para isto o aspecto das relações intra-societárias pode realmente ser mitigado. Acontece que a relação empresa-coletividade deverá ser feita colocando o homem no centro da sua existência (como destinatário único), e para ele a empresa deve existir, cumprindo a função que lhe foi entregue pelo próprio capitalismo. Entre suas obrigações está o respeito ao consumidor, ao meio ambiente, a qualidade dos produtos etc. A perspectiva do indivíduo quanto à empresa não pode ser confundida com a do sócio para com a sociedade. É neste passo que a administração se institucionaliza, e a sociedade que foi fundada torna-se organização. O contrato originário da vontade inicial dissipa-se diante da atividade organizada. Este é o ponto decisivo para a compreensão correta do interesse social, não como algo alheio às partes, mas como fruto do embate dialético das estruturas de poder paralelas. A complementaridade sistêmica corresponde a que a questão de interesse não só ultrapassa os sócios, como tem nos órgãos sociais a sua forma de exteriorização, órgãos que devem estar desvinculados dos centros de poder, para que cumpram sua função própria de órgão, dentro de um organismo que o complementa. Isto coloca a questão da personalidade jurídica e das demais organizações coletivas.

but personnel, pour des fins égoistes, ni la détourner du but qui lui est fixé. Organe de la communauté, il devra donc faire siens le but de la communauté, et l'intérêt de l'entreprise devra commander son action”. Michel DESPAX. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 225. 1 MULLER-ERZBACH, R. L'abuso di diritto secondo la dottrina giuridica teleologica. Rivista del Diritto Commerciale, n. 1-2, XLVIII, gen./feb./1950. p. 89-90. 2 L'abuso di diritto. Cit. p. 92. 3 Cf. JAEGER, Pier Giusto. L’Interesse Sociale. Cit. p. 9. “Via de regra, há muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral; esta se refere somente ao interesse comum, enquanto a outra diz respeito ao interesse privado, nada mais sendo que uma soma das vontade particulares”. ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 37.

Jhering não aderiu à teoria dos direitos sem sujeito e sustentava que os sujeitos das chamadas pessoas jurídicas são os destinatários dos bens em que se consistem; isto quer dizer que os sujeitos são os que efetivamente utilizam do patrimônio. A pessoa jurídica seria apenas um meio, um instrumento técnico para distribuir bens, um veículo para colocar os interessados em relação com os terceiros. Para Jhering, o ente jurídico em abstrato não possui interesses e portanto, não tem direitos, e desta feita, os interesses são sempre dos indivíduos e os direitos também1 . É certo que a empresa constitui um sujeito próprio e por isso tem direitos. A teoria do órgão revelou que não há uma relação de mandato entre a sociedade e os sócios e administradores, o que dava sustentação ao princípio afirmado por Jhering, que via nas pessoas coletivas o seu lado abstrato, como uma ficção, ao lado da teoria organicista de Otto von Gierke e da instituição de Hauriou. Conforme Jhering, a pessoa jurídica não é senão um sujeito aparente, um expediente técnico, que esconde os verdadeiros sujeitos, que são os indivíduos2 . Esta perspectiva da personalidade jurídica alcança a noção individualista do interesse social, como interesse dos sócios. A teoria tradicional vê na sociedade um ente abstrato, que tem na participação dos sócios a razão da sua existência, contra a teoria da organização, que possibilita a sociedade unipessoal e a sem sócio. Quando se coloca a noção da personalidade jurídica como uma técnica organizacional, como fez J. Paillesseau, o enfoque muda completamente, a sociedade não é mais vista somente do seu prisma individual, mas alcança a atividade como uma organização. A visão contratual das sociedades esconde dentro do seu discurso precisamente este lado da moeda, ou seja, o lado abstrato da sociedade, vendo na personalidade jurídica uma reunião de pessoas, vinculadas pela vontade delas mesmas. Esta perspectiva é tão desligada dos acontecimentos fenomenológicos que talvez ela nem merecesse referência. A teoria contratual é a encarnação do individualismo burguês dos séculos XVIII e XIX. Otto von Gierke e Zitelmann se antepuseram a isto e afirmaram que as pessoas podem criar organismos que passam a ter existência própria, distinta dos seus membros, tornando-se sujeitos de direito. O órgão, sustentava Gierke, é parte do corpo da entidade, e assim todas as suas manifestações de vontade são consideradas como da própria entidade jurídica. Os órgãos integram as pessoas jurídicas como partes destes corpos sociais e vivos, que possuem vontade e capacidade de exercer direitos e contratar obrigações, para a consecução dos seus fins institucionais3 . É por isto que pode se afirmar, com acerto, que certas realidades da vida humana em sociedade – como agrupamentos de finalidades lucrativas ou ideais e as instituições dotadas de patrimônio vinculadas a uma finalidade – são denominadas pessoas jurídicaspor oposição e ao mesmo tempo por analogia com o ser humano... Tais entidades são – em um plano pré-normativo – pela identidadee continuidade que os homens reconhecem, através do tempo, fazendo com que a entidade seja a mesma apesar da mundança de membros; pela formação de um centro autônomo de interesses; pela dotação de órgãos capazes de deliberarem de modo vinculante, permitindo que declarações de vontade emanem de tais entidades – seres.São distintos de seus membros4 .

O conceito de pessoa jurídica ainda tem outro aspecto, ou seja, ele envolve uma luta de interesses entre os países importadores e exportadores (desenvolvidos e subdesenvolvidos), daqueles que desejam assegurar os investimentos de capitais das grandes empresas, que são constituídas em outros países (sede principal no exterior), e que pela personalidade jurídica são consideradas como entidades separadas, o que provoca efeitos sobre a responsabilidade dos atos provocados por suas filiais, que se encontram em países diversos, sob o império da empresa transnacional5 . Conforme Gierke, a entidade comum, enquanto tal, é qualquer coisa completamente diversa da soma dos indivíduos que a integram, e como membros da sua corporação, podem apenas exprimir a sua vontade, e desta forma, o princípio majoritário é apenas um elemento de organização de um organismo complexo6. O Código Civil é bem claro ao estabelecer que “é empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizadana produção ou circulação de bens e serviços”. Se não fosse assim o Código Civil poderia ter definido o empresário como aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica (empresarial) na produção ou circulação de bens e serviços. Acertadamente, não foi esta a perspectiva do referido Código. O Professor Waldírio Bulgarelli assevera que “a noção econômica de organização se expressa através das concepções dos que querem ver a empresa como unidade total(incluindo, empresário, trabalhadores e bens) e como comunidade de trabalhoou como organização de bens.Via de regra essa idéia de organização leva também à da instituição e esta não raro à da personalizaçãoda empresa”7 .

1 VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. Cit. p. 449. 2 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1986. p. 99. 3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 63-64. 4 OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979. p. 606; sobre a desconsideração da personalidade jurídica, Rubens REQUIÃO. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica (Disregard Doctrine). Revista dos Tribunais n. 410. 1969. p. 12-24; no direito comparado, Rolf SERICK. Forma e realtà della persona giuridica Milano. Giuffrè, 1966. 5 “El concepto de persona jurídica se há encontrado así, aquí también, en medio de una lucha de intereses, la entre países importadores y exportadores de capitales, los industrializados y los subdesarrollados, de los que quieren asegurar las inversiones de capitales en la protección de las Potencias de donde ellos provienen y de quienes temen el abuso de un intervencionismo que puede convertirse en instrumento de colonialismo económico”. Federico de Castro Y BRAVO. La persona jurídica. Madrid: Civitas, 1981. p. 252. 6 GIERKE, Otto Von. Sulla storia del principio di maggioranza. Cit. p. 1.118-1.119. 7 BULGARELLI, Waldírio. A teoria jurídica da empresa. Cit. p. 131-132.

Toda empresa, qualquer que seja, tem uma tendência natural a se expandir. A empresa é um organismo vivo que deve se desenvolver. Aumento da produtividade e pesquisa de novos mercados são na sua vida os objetivos que fazem traduzir o bom funcionamento de um organismo essencialmente dinâmico. A realização desta política de crescimento empresarial necessita de reunião de meios financeiros importantes, o que coloca o problema do autofinanciamento e das reservas1 . A política do autofinanciamento foi vista por Asquini, ao afirmar l'autofinanziamento in qualunque forma si realizzi evita alla società il bisogno di rivolgersi per il sou fabbisogno al mercato dei capitali – aumento di capitale, emissione di obbligazioni, finanziamento bancario – com i relativi costi e consente così alla società il vantaggio di ottener un finanziamento senza costo. Ma i defensori dell'autofinanziamento osservano que questo svantaggio é illusoria, perchè l'azionista as di ritrovare gli utili non distribuiti nell'accrescimento della quota de riparto al momento della lioquidazione della società o nella partecipazione ad aumenti del capitale sociale totalmente o parzialmente gratuiti, a parte il avntagio della tendenziale sopravalutazione della sua partecipazione azionaria sul mercato, che è in funzione non solo del dividendo distribuito, ma anche delle riserve accumulate, e l'altro vantaggio di essere al riparo dal rischio della svalutazione monetaria2 . Mesmo sob o prisma institucional o consolo de receber na liquidação não é dos maiores. O que existe, na moderna teoria, é favorecer o autofinanciamento para o caso de investimentos predeterminados, ou no caso de crise financeira geral. Como notou Zitelmann, a união de várias vontades para um fim determinado não origina uma simples somatória de vontades, porém produz uma unidade nova e diferente dos elementos individuais em que se apóia. No caso das corporações, a união de várias pessoas traz para a vida uma nova entidade, fundamento da entidade jurídica3 . Na doutrina alemã não há distinção entre objeto e escopo da sociedade, entre escopo de lucro e atividade econômica exercida pela sociedade. Isto consiste em destacar a sociedade da sua origem contratual e de erigir a empresa como complexo orgânico unitário de conteúdos sociais. Na empresa vista como instituição ela se transforma em fundação, e o interesse dos seus constituintes concorre com o dos trabalhadores, dos consumidores e da coletividade. Esta tendência da doutrina alemã de analisar o instituto da sociedade não em função do seu elemento causal (contrato), mas em função do elemento organizativo, conduz à identificação entre sociedade e empresa. Na relação sociedade e empresa está a solução para os problemas da atividade empresarial, e principalmente do interesse social. Seria inconcebível, e é há muito tempo, distinguir sociedade e empresa. Os sócios são aqueles que se preocupam em constituir a sociedade, que toma nova dimensão em razão da sua atividade, e eles são vistos como fundadores desta entidade, que não se reduz ao simples contrato. Com a teoria do contrato plurilateral começou a se levar em consideração situações que antes poderiam ser esquecidas pela natureza que as sociedades eram explicadas na doutrina tradicional, o que levou em tempos mais atuais à construção da teoria do contrato-organização. Foi precisamente o reconhecimento por Ascarelli da existência de interesses contrapostos na constituição da sociedade, e também em sua atividade empresarial, que possibilitou que se colocasse à discussão os fundamentos do pensamento clássico, e foi também precisamente a teoria da atividade que fundamentou a teoria orgânica das entidades coletivas. A empresa se tornou realidade social. A partir disto a empresa começa a se confundir com a sua atividade, mas como atividade organizada dos meios de produção. Afirmar que a empresa é organização equivale sustentar que a empresa se identifica com a empresa em si, sendo óbvio que mesmo quem define a empresa como atividade acrescenta à esta noção a qualificação de organizada e econômica. O fato é que ver na empresa uma organização dá relevo à natureza de bem imaterial ao instituto, um ente com vida própria, que cria valores, e procura se manter como elemento orgânico4 .

Para Radbruch, a doutrina comumente se vale da figura da “construção” para materializar o seu pensamento fundamental. Esta imagem dá a figura de uma obra comum na qual os homens que nela trabalham se acham associados entre si, não por uma totalidade, nem ainda por quaisquer relações que os unam aos outros, mas precisamente porque devem realizar a obra que se propuseram a fazer, conforme o institucionalismo de Hauriou5 . O homem persegue o seu próprio interesse tanto no mercado econômico quanto no político. A democracia nasceu do pensamento individualista da sociedade, ou seja, da perspectiva para a qual – contrariamente à teoria orgânica segundo a qual o todo precede as partes – a sociedade, e seja qualquer tipo de sociedade, é um produto artificial da vontade dos indivíduos. Nesta formação individualista da sociedade e do Estado concorreram os seguintes eventos: a) o contratualismo dos séculos XVII e XVIII, que parte da hipótese de que antes da sociedade civil existe o estado natural, que é composto de indivíduos soberanos que se reúnem para possibilitar as condições de vida e da propriedade; b) o nascimento da economia política, cujo sujeito é ainda o sujeito individual, o homo oeconomicus e não o politikón zôon da tradição que, segundo Adam Smith, “perseguindo o próprio interesse, freqüentemente promove aquele da sociedade de modo mais eficaz do que pretenda realmente promovê-lo”, tanto que, para Macpherson, o estado de natureza de Hobbes e de Locke é a prefiguração da sociedade de mercado; c) a doutrina de Bentham a Mill, para a qual o único critério capaz de explicar a ética objetivista (bem e mal) é o

1 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit. Cit. p. 206. 2 ASQUINI, Alberto. I batelli del Reno. Cit. p. 623. 3 VECCHIO, Giorgio Del. Lições de filosofia do direito. Cit. p. 454. 4 BULGARELLI, Waldírio. A Teoria Jurídica da Empresa. Cit. p. 130. 5 Filosofia do Direito. Cit. p. 132.

de partir da consideração dos estados essencialmente individuais, na felicidade do maior número1. A concepção de Adam Smih sobre o interesse é a realização da concepção individual, da liberdade absoluta do mercado, o que enseja a luta de interesses dissonantes, num verdadeiro darwinismo social. Quando Bobbio faz a análise das estruturas políticas encontra uma democracia fragmentada na composição de inúmeros interesses parciais, que é a maior característica da democracia pluralista, na qual os grupos adquiririam o comando das relações, com o esgotamento da defesa do indivíduo no centro da razão da sociedade. O comum na maioria dos lugares em que a comunidade está potencialmente ou verdadeiramente organizada é a existência dos grupos, por exemplo, funcionários públicos, empregados, sindicatos, empresários etc. É isto que dá ensejo aos interesses segmentados, e os partidos são a expressão destes grupos de interesse. O interesse social, enfim, fique olvidado. Cada um procure suas vontades e interesses, e a sociedade que se construa. Não era esta a democracia de Rousseau; para ele a democracia seria fruto da vontade geral, e divisão da sociedade levaria à sua própria ruína. A sociedade de Rousseau, ao contrário de Hobbes, Locke, Mill e Bentham, era o ideal coletivo. Ainda conforme Bobbio, mesmo onde a origem do estado remonta a um pacto originário, este pactum subiectionisou dominationis (mas não é diferente o contrato social de Rousseau, também ele um pacto de sujeição, se não pela forma, ao menos pelo êxito) tem por objetivo a atribuição a uma pessoa, não importa se natural (rei) ou artificial (uma assembléia), do direito de impor a própria vontade através daquele tipo de norma vinculatória de toda a coletividade que é precisamente a lei. Sejam os contraentes deste pacto o povo, de um lado, e o soberano, de outro(e neste caso se trata de um contrato bilateral), ou dos próprios indivíduos que acordam entre si para obedecer a um soberano (e neste

caso se trata de um contrato plurilateral ou, melhor ainda, de um ato coletivo) a figura do contrato está na base de um sistema de convivência cuja fonte principal de direito, e portanto de regulamentação das relações sociais, não será mais, uma vez exaurida a função fundante do contrato originário, o contrato ou acordo entre

equivalentes, mas a lei que instaura relações de subordinação2 Daquele contrato originário formou-se um organismo social, que tem na lei, e não na vontade individual, a sua razão de funcionamento. A lei como expressão do todo impõe às partes as condutas a serem seguidas. É impossível acreditar em uma sociedade sem leis. Em cima disto pode ser estabelecida a máxima: o interesse social pressupõe uma vontade geral. A lei é feita para diminuir ou eliminar os conflitos em sociedade. Pelo menos esta é a explicação clássica. Por isso, a lei é vista como uma vontade geral, que deve buscar o equilíbrio social. A conseqüência do contrato social originário produz a existências das leis, porque se não fosse assim, seria impossível a convivência. Cabe à lei dizer o que deve ser feito, e o contrato é a vontade incentivadora e inicial da criação da entidade, que pode ser vista tanto como uma sociedade por ações, quanto uma coletividade traduzida no Estado. O cerne da questão do interesse está sobre esta questão. Quando os seres resolveram sair do estado natural, em que buscavam alcançar somente os seus próprios interesses, o interesse social – da sociedade – passa a ser o de todos, e não apenas de um determinado grupo, por mais coeso que seja. O indivíduo como ser único não tem interesse social, ele apenas tem o interesse da sua sobrevivência. Quando em sociedade, a este interesse da sobrevivência se juntam vários outros, como no melhor rendimento e aproveitamento das coisas comuns, na exploração dos recursos, e na propriedade, que antes não existiam. Esta é a primeira premissa. A segunda está na atividade que todos realizam. Esta atividade, seja sob qualquer roupagem, deve atender às coisas comuns, que são distribuídas, de maneira desigual, entre os cidadãos. A atividade se tornou tão importante que já se fala inclusive na existência da sociedade unipessoal e na sociedade sem sócio. Quanto à sociedade individual a solução já afirmada poderia ser a criação da empresa individual de responsabilidade limitada, que teria um patrimônio afetado. A solução da sociedade individual é perfeitamente possível, e a diferenciação entre o patrimônio especial é realmente apenas terminológica. Mas os reflexos sobre o interesse social são muitos, e o interesse do sócio jamais poderá ser confundido com o interesse da sociedade unipessoal, assim como o empresário não se confunde com a atividade. Na sociedade sem sócio ocorre a institucionalização da atividade orgânica a ser desenvolvida. É um instrumento essencialmente possível, que se assemelha às fundações, e que pode trazer vários benefícios sociais. O autofinanciamento e a expansão poderiam ser realizados. É claro que este tipo de sociedade somente pode ocorrer nas grandes empresas já institucionalizadas que poderiam transferir as ações que ficariam em tesouraria. A sociedade sem sócio concilia a natureza das sociedades e das fundações. Com ela seria possível exercer a atividade com fim de lucro, mas sem os encargos de sua distribuição, destinando-se ao desenvolvimento econômico e social, com estrutura organizada, na qual não existem os interesses dos sócios. A sua representação seria feita pela diretoria, e a administração por um conselho, com indicados dos trabalhadores e coletividade, substituíveis por prazo ou conduta temerária na administração. O interesse social seria precisamente o da companhia, permeado pela função social. Como já foi visto, o interesse da empresa transcende o interesse pessoal dos sócios e se identifica no interesse da empresa em si, ou seja, no interesse da eficiência produtiva, como um instrumento de desenvolvimento econômico, em que se

1 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Cit. p. 11 e 22. Para, RADBRUCH, “O indivíduo como sujeito ou substrato do fim da norma jurídica, é um problema, e outro muito diferente é o do indivíduo como ponto de aplicação da força motivadora das normas. Já Goethe, uma vez, nos mostrou como os romanos concebiam o homem no último destes dois sentidos. Este homem é o prudente e interesseiro, o homem egoísta, o homo oeconomicus”. Filosofia do direito. Cit. p. 142. 2 BOBBIO, Norberto. O Futuro da democracia. p. 131.

subordinam os interesses dos sócios1.Sobre a noção de eficiência que consta da definição de Galgano não deve haver confusão com a teoria econômica da eficiência (Escola de Chicago). Um outro aspecto da teoria institucionalista se refere aos efeitos externos da sociedade por ações. O interesse da empresa em si vem pressuposto como um interesse maior, compreendido isto também sobre o princípio majoritário. Nos termos desta teoria o interesse se refere ao interesse comum dos trabalhadores, ou até mesmo no interesse nacional, através do controle orgânico, estatal e da co-gestão. Isto é próprio dos contratos plurilaterais. Bobbio afirma que os juristas distinguem os contratos bilaterais dos contratos plurilaterais. Nos primeiros, as duas partes têm, cada uma delas, uma própria figura distinta (à qual corresponde um nome específico): comprador-vendedor, locador-locatário, depositante-depositado, mutuante-mutuário e, com respeito à troca política, representante-representado; nos segundos, todas as partes têm uma figura comum, a do sócio. Nos primeiros, as duas partes têm objetivos diversos mas um interesse comum, que é o de alcançar a troca; nos segundos, as várias partes têm interesses diversos mas um objetivo comum, que é aquele pelo qual é constituída a sociedade2 . Qual seria este objetivo comum? É certa a diferenciação objetivo e interesse? O objetivo parece ligado à noção de lucro. Quanto ao esquema objetivo-interesse, a visão fica um pouco contratual, porque limita os interesses diversos ao objetivo comum (dos sócios), o que não têm lugar na atividade empresarial, ou pelo menos não deveria ter. Por outro lado, se a noção de objetivo comum for feita sobre o postulado institucional, como uma fundação, o objetivo torna-se genérico no princípio da preservação da empresa. A instituição implica a subordinação constante dos direitos e dos interesses particulares aos fins que se deseja realizar. Assim se explica que os direitos dos sócios não sejam fixados pelo contrato constitutivo, mas comportam modificações e restrições legislativas, o que ocorre do mesmo modo sobre os administradores que não são mandatários dos sócios nem da sociedade, mas constituem órgão para realizar a atividade3 . É nesta esteira que a teoria da empresa como instituição vem defendida. Ela vê na empresa uma realidade que ultrapassa a figura do empresário, que, juntamente com os trabalhadores e os outros, ficariam a ela sujeitos, aparecendo uma organização acima dos interesses egoísticos, como sustentou W. Rathenau, tendo uma evidente conotação social4 . A função social da atividade empresarial é princípio jurídico-social e contemporâneo. O mundo jurídico vem há muito tempo tentando dar solução aos aspectos que decorrem desta atividade, seja pelas legislações acionárias, seja pela Constituição e normas especiais, bem como nas formas de controle do poder de controle, a função social dos meios de produção e a determinação do interesse social. Este método foi seguido para verificar a situação atual da legislação brasileira no tocante à disciplinação da atividade realizada sob a forma de empresa. O Conselho Fiscal representa uma forma de controle da companhia, possibilitando que a minoria verifique a situação econômica da empresa, bem como a fiscalização realizada pelos organismos estatais, como o CADE.

O interesse social aparece como uma figura um tanto quanto abstrata, mas, na verdade, é preciso vê-lo na realidade dos acontecimentos empresariais, quando ocorre o embate de interesse contrapostos e conflitantes, e é neste instante que a construção jurídica do interesse e dos direitos subjetivos se perfaz com bastante efetividade. Neste aspecto os fins sociais dos meios de produção e a socialização da administração, a personalidade jurídica, noções de bem comum e bem-estar social, se confrontam com a moderna teoria liberal, do Estado mínimo, e da teoria da eficiência. A questão dos empregados e consumidores não pode ficar como pano de fundo neste debate, que é jurídico e também político. No capitalismo financeiro moderno o interesse da empresa em si tem pouco ou nenhum lugar. O conflito de interesses tem pendido para o lado macroeconômico, com a redução das ofertas de trabalho para a maior parte da população, principalmente quando há movimentos e conflitos monetários. A supremacia do interesse coletivo cedeu diante das modernas técnicas de produção e de tecnologia, e o momento contemporâneo mostra a existênia de diversas estruturas de produção e serviços, ainda mais quando estas estruturas produtivas não conseguiram alcançar lugar no sistema pósindustrialista.

Então, a teoria da empresa é, acima de tudo, uma teoria jurídica e econômica, e o interesse social não pode discrepar desta tendência, tanto que a sua realização se faz como uma fonte de questões sobre a atividade empresarial, e suas conseqüências para a realidade da sociedade capitalista. Se se pretende que o interesse social seja o interesse do maior grupo possível, na felicidade do maior número de pessoas, na busca do utilitarismo contra as tendências contratuais e do liberalismo, é verdade que o interesse social precisa de uma adequada análise, seguindo os sempre atuais perfis da empresa apresentados por Asquini. A teoria da instituição pretendia era realmente institucionalizar a entidade produtiva, e o princípio da preservação da empresa, que modernamente foi sufragado pela maiora das legislações concursais, deixa bem claro o perfil que a lei procura realizar. Por outro lado, o

1 GALGANO, Francesco. Diritto commerciale. Cit., v. 2, p. 357. 2 O Futuro da democracia. Cit. p. 142. 3 RIPERT, Georges e ROBLOT, René. Traité. Cit. v 1, p. 537-542. 4 BULGARELLI, Waldírio. Normas jurídicas empresariais. Cit. p. 25.

liberalismo resolveu consolidar sua estrutura por outras formas, que são, na verdade, mais custosas para o Estado e a coletividade. Esta consolidação capitalista se faz com as fusões e os agrupamentos empresariais. Da noção de atividade-organização, que é mais ampla que o contrato-orgnização, a figura da atividade fica colocada ou lado da organização, como que sem uma não existe a outra, o que dá importância prática à pessoa do empresário e dos administradores como pessoas que incentivam a economia e a produção, mas não esquece da empresa como organização. A atividade fica, então, unida ao crescimento das relações empresariais, na sua difusão e ampliação quantitativa e qualitativa, a qual deverá observar o interesse dos empregados, dos consumidores e do ambiente. Forma-se uma trilogia entre atividade, organização e interesse social. O que a prática empresarial e a Lei devem fazer é equilibrar este sistema, sem deixar que o interesse da administração suplante a organização, e também não deixar a organização tão burocrática que impeça a liberdade incentivadora. E a síntese do direito acionário é que os administradores das sociedades por ações devem exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

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