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Em memória de Mouette Barboff………………………………. ……….. …………... 5

Raul Moreira em memória de Mouette Barboff…

A aventura da edição de livros pelos CTT Correios de Portugal iniciou-se em 1983. Fomos o primeiro Operador Postal no mundo a editar livros com selos dentro, iniciando assim uma tendência que, anos mais tarde, quase todos os colegas de muitos países seguiam. Nessa senda da inovação no que toca a esta atividade também fomos precursores na criação de selos de correio e de livros temáticos sobre o tema da gastronomia nacional. A abrangência da nossa presença no mundo através destas edições (bilingues) tornounos num dos maiores divulgadores da gastronomia portuguesa. São centenas de selos postais sobre a Gastronomia de Portugal, com uma tiragem global superior a 24 milhões de unidades. E ainda 11 livros bilingues escritos pelos maiores especialistas nesses assuntos. Mais de 2000 páginas e de 57 000 volumes vendidos, onde se divulgou por todo o mundo a arte da gastronomia portuguesa. Não por acaso ficamos amigos desses autores. O trabalho de edição obriga a uma proximidade de contatos e a uma quase que intromissão nas vidas particulares de escritores e de editores, o que torna quase inevitável a ocorrência de amizade; também porque “les beaux esprits se rencontrent” e era muitas vezes ao redor de uma refeição bem escolhida e bem partilhada que as ideias de trabalho surgiam e os vetores de desenvolvimento do livro se definiam.

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Alguns – Mouette Barboff, David Lopes Ramos, Alfredo Saramago – infelizmente já não se encontram connosco. Outros continuam a partilhar a sua sabedoria e amizade sempre que nos encontramos. Mouette Barboff chegou ao nosso gabinete de trabalho recomendada pelo antropólogo Benjamim Pereira, figura maior da antropologia nacional, alma grande do Centro Nacional de Etnologia e do Museu Nacional com o mesmo nome, amigo e colaborador de Ernesto Veiga de Oliveira e de Jorge Dias. Era uma senhora muito calma, pequenina, que escondia debaixo de uma aparência frágil uma enorme sabedoria e uma tenacidade notável para encaminhar no sentido desejado os seus projetos. Falava de “pão” com um conhecimento tão grande e com palavras tão simples que logo nos conquistou a ideia de lhe encomendarmos uma obra com as características das nossas

(de divulgação geral, dirigida a públicos amplos, mas cientificamente intocável) sobre a mesma temática. O “pão” era a sua vida e a sua especialidade, sobre ele defendeu a sua tese de doutoramento na École des Hautes Études en

Sciences Sociales (Paris). E, para mais, foi em Portugal que encontrou a matéria-prima mais interessante para desenvolver as suas pesquisas. No Portugal que se estende em termos de pão regional de Norte a Sul, de Este a Oeste. O resultado desta colaboração foi o livro “A Tradição do Pão em Portugal”, que editámos em 2011 com um design inspirado da Sofia e do Vasco Marques e que, pela qualidade intrínseca de texto e arte final, foi distinguido em França com o prémio Gourmand do melhor livro do mundo sobre Pão no ano de 2012.

Deixou-nos repentinamente esta “cotovia”, voando para outras paragens. Ficaram por escrever mais livros connosco, entre eles um sobre a arte dos pastores que aproveitam os seus momentos de pausa para se dedicarem a esculpir em madeira. E foi demasiado cedo.

Boa viagem Mouette. Muito obrigado! Raul Moreira

PÃES NOSSOS…

Segundo Amorim Girão no seu Atlas de Portugal (1958)

O pão em Portugal é feito com três cereais: o milho, o centeio e o trigo. Informa-nos ainda que o milho se adapta melhor a terras pluviosas, mas está também presente, se bem com produções mais reduzidas, para sul ao longo da costa e no Algarve. Por seu lado, o centeio surge associado a terras mais acidentadas e frias, do Nordeste ao Tejo e mesmo para sul deste, no distrito de Portalegre. Quanto ao trigo, ele “cobre toda a metade meridional do País e avança muito para o norte ao longo da fronteira terrestre. É o cereal das regiões mais quentes e mais secas” O etnólogo Leite de Vasconcelos evocava, em 1920, “curiosas formas de pães, cada um com um nome especial: cacete (pãozinho de trigo estreito, com uns 30 centímetros de comprimento), molete, pão podre (por oposição ao pão de trigo), sêmea ou pão segundo (em oposição ao pão alvo), trigamilha (pão de farinha de milho com uma percentagem de trigo), cancra, pão minheiro e pão Rolão (por oposição ao pão branco ou pão fino), papo- -seco (pão pequeno com cerca de 10 com de comprimento), pão de quartos e, excepcionalmente, pão de cevada e pão de aveia” (Barboff, 2008).

São diversas as festas de cariz religioso que têm no pão a sua principal referência. É o caso da Festa dos Tabuleiros em Tomar e as Festa do Divino Espírito Santo nos Açores.

Também as Festas da Ascensão (dia da Espiga) são festas de alusivas ao pão em muitas terras portuguesas, em associação direta com a Páscoa. Também as Festas do Bodo em honra de S.

Sebastião em Janeiro de Cima a oferenda de pão e vinho pelos moradores ao santo e que no final é partilhado entre todos os presentes.

De igual modo, o pão aparece. associado ao 1º de Novembro, quando as crianças saem à rua e em pequenos grupos pedem, de porta em porta, o pão-

por-deus ou Bolinhos e Bolinhós.

Foto: INFATIMA

Os fornos de pão assumem uma importância simbólica relevante para lugares e populações. Disso é exemplo o forno medieval de Avelar, ligado às Festas de Nossa Senhora da Guia e ao cumprimento de promessas. Com esta finalidade a pessoa entrava no Forno bem quente, levando nas mãos a farinha para cozer e fazer um pão enorme, e na boca, para sua proteção, flores como instrumento de proteção divina. O pão era, depois de cozido, distribuído gratuitamente pelos peregrinos.

PÃES DE PORTUGAL

PÃO DE MAFRA

O fabrico de Pão de Mafra, até à segunda metade do século XX, permaneceu uma atividade primordialmente doméstica e artesanal feito pelas mulheres nas suas casas, inicialmente com cereais da região, o que lhe conferia um sabor intenso e distintivo, um pouco salgado até, devido à proximidade do mar e dos ventos fortes. Para além do cultivo, a própria moagem era feita nos inúmeros moinhos de vento e mós de pedra que ainda hoje povoam a paisagem do concelho de Mafra.

A venda deste pão, na origem chamado de saloio, era já conhecida, pelas ruas de Lisboa, desde a idade média, pois uma das origem do nome “saloio” provem de um imposto que os “mouros” que viviam nas imediações de Lisboa pagavam para vender o seu pão, na cidade, segundo o autor Gentil Marques na sua obra: “O pão, as padeiras e os padeiros”. Este pão saloio contrastava na sua propriedade física com o pão tipo francês, que provinha de farinhas mais finas produzido nas padarias da capital.

No entanto só em meados do século passado é que o Pão de Mafra consegue diferenciar-se do pão saloio com características próprias e distintas. Esta distinção inicialmente era feita pelos comerciantes de Lisboa que vinham ao concelho de Mafra abastecer-se de produtos hortícolas e também levavam sempre um pouco de pão. Este pão era feito de uma forma caseira e rápido, sendo mais macio e adocicado, por ter mais água e menos fermento, era mais apreciado que o pão saloio, começou a ganhar reputação e a ser chamado com o nome da sua proveniência, Mafra.

Foto: Pão de Mafra créditos da CM de Mafra