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Compliance em discussão

Crise, compliance e o estrangulamento do mercado em pauta

Há uma tendência natural no Brasil da população vivenciar, diariamente, maus exemplos de ética, conduta e práticas abusivas que fogem a todas as regras. Isso não ocorre apenas nas camadas mais pobres da população, basta acompanhar os noticiários para ver que a corrupção e desvios de conduta estão enraizados em uma parcela signifi cativa do cotidiano brasileiro. Se por um lado a Operação Lava Jato e tantas outras ações promovidas pela

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Sócio-diretor da Agência Um e presidente do Comitê de Relações Sustentáveis da Associação de Marketing Promocional (Ampro), Ronaldo Bias Ferreira Jr.

Justiça estão estancando a enorme rede de falcatruas envolvendo dinheiro público, ainda é possível perceber que no dia a dia da população, há muito espaço para pequenos atos, que denigrem a sociedade.

Diz a máxima que “o governo é refl exo do seu povo” e há aqueles que concordem e tantos outros que condenem tal afi rmação, mas aprofundando o tema, vemos que não são apenas os pequenos médios e grandes atos de corrupção e desvios éticos que apodrecem todo o sistema social brasileiro, mas sim tantas outras atitudes que massacram nossa imagem como nação. Se o jeitinho brasileiro não fosse o determinante nas mentes de uma parcela da população, é fato que muitas atividades, principalmente as que envolvem economia, não seriam prejudicadas como o câncer que corrói o sistema. Nisso, óbvio, se encaixam as atividades de marcas, empresas, agências, fornecedores e criativos. Para salvaguardar tudo isso, está em pauta o compliance, que nada mais é que um conjunto orgânico de pensamentos e atitudes simplesmente para enquadrar quem quer que seja “dentro das regras”.

Em uma conversa com vários agentes envolvidos com o mercado de Live Marketing, foi possível perceber que o compliance vem se transformando em um marco na forma como se situar neste momento, contudo, há muitos outros fatores que devem ser avaliados e que estão atingindo seriamente o humor e moldando o mercado, de certa forma, negativamente. Vale a pena entender que o país passa por uma séria crise financeira nacional, onde a União, os estados e os municípios passam por difi culdades, onde a população é sacrifi cada com serviços públicos já precários e inefi - cientes, que estrangulam o consumo e por consequência empresas e marcas puxam o freio de mão dos investimentos (se bem que

isso já está em pauta há anos, onde os recursos destinados ao Live Marketing e fornecedores são escassos, prazos longos de pagamento e pressão pelo melhor produto criativo pelo menor preço). Se por um lado o compliancebusca defi nir as regras de conduta contra desvios éticos, morais e corrupção, é primordial expandir a pauta para que as relações do mercado de Live Marketing saiam do canibalismo e se tornem sustentáveis.

O sócio-diretor da Rock Comunicação, Kito Mansano, entende que a temática do compliance é nova e o mercado brasileiro ainda está aprendendo a lidar com essas estruturas internacionais grandes, que visam a organização de condutas nos negócios e relações entre empresas dos mais diversos segmentos. “Adotar estas ideias é uma medida sem volta, já que se trata de uma necessidade que atende a ética e a moral necessária para negociações sadias e justas. Tudo o que vemos nos noticiários sobre corrupção e desvios de conduta sustentável é culpa da falta de cumprimento das regras e negligência em elencar as medidas de compliance primordiais para o Brasil”.

O empresário ressalta que as marcas, agências ou outras empresas que desenvolvem atividades comerciais no país que não adotarem medidas de compliance no seu cotidiano vão sofrer e encarar muitas difi culdades para lidar com as negociações. “Na Rock desenvolvemos uma agenda séria de trabalhos visando manter a ética, a sustentabilidade e a moral em todas as nossas atividades e relacionamentos.”

LEVANTANDO A BANDEIRA

O sócio-diretor da Agência Um e presidente do Comitê de Relações Sustentáveis da Associação de Marketing Promocional (Ampro), Ronaldo Bias Ferreira Jr., afi rma que mesmo o assunto compliance sendo de essencial discussão no mercado, o que permanece na pauta principal entre marcas e agências é o aperto no orçamento das concorrências.

Ele pontua que é essencial combater quaisquer desvios de conduta, em todas as esferas da sociedade e nos negócios. Porém, Ferreira Jr. completa que tem visto ao longo dos últimos anos o mercado focado em buscar os menores valores e não os melhores resultados. “Precisamos pensar nos mecanismos para não deixar que as relações clientes e agências se contaminem. É essencial pensar em uma relação sustentável, onde o serviço e a criatividade sejam devidamente pagos sem estrangular o budget, os fornecedores e toda a cadeia envolvida. Não podemos impor que um parceiro espere 150 dias para receber pela remuneração de seu trabalho e pelo reembolso de suas despesas. Esta sim é a violência comercial que estamos assistindo no nosso mercado.”

Ferreira Jr. acrescenta que faz questão de que em sua agência aja com transparência no desenvolvimento dos trabalhos e mantenha uma relação de confi ança com os clientes, criando uma sincronia entre o desejo das marcas e o resultado criativo. “Quando clientes e agências trabalham em sintonia, todos ganham e o valor ético se torna cada vez mais presente no ambiente dos negócios.”

Ele conclui alertando que há fatos que devem ser combatidos, tão prejudiciais ao mercado de Live Marketing quanto a falta de compliance. “Tanto no dia a dia da Agência Um quanto nas atividades desenvolvidas junto à Ampro, vejo que não há espaço para quem busca vantagens além das negociações sérias e transparentes. Mas precisamos nos manter alertas para combater práticas predatórias, desalinhadas aos princípios de valor das agências e dos clientes ligados à Ampro.” Ele completa reforçando um mantra do mercado: “No fundo, todos queremos as mesmas coisas, respeito, bom ambiente de trabalho e reconhecimento. É para isso que tra- “PRECISAMOS PENSAR NOS MECANISMOS PARA NÃO DEIXAR QUE AS RELAÇÕES CLIENTES E AGÊNCIAS SE CONTAMINEM. É ESSENCIAL PENSAR EM UMA RELAÇÃO SUSTENTÁVEL, ONDE O SERVIÇO E A CRIATIVIDADE SEJAM DEVIDAMENTE PAGOS SEM ESTRANGULAR O BUDGET, OS FORNECEDORES E TODA A CADEIA ENVOLVIDA.” (RONALDO BIAS FERREIRA JR.)

balhamos: clientes, agências e fornecedores, todos torcendo para que esta fase de Lava Jato inspire nosso mercado às boas práticas”.

COMPLIANCE PARA TODOS

Não é só através de discussões teóricas que o universo do Live Marketing está por dentro do compliance e temas inerentes aos bastidores do mercado. A sócia-diretora da Umbigo do Mundo, Marina Pechlivanis, tem colocado em prática a discussão de compliance e demais condutas positivas ao abordar as questões morais e éticas voltadas ao mercado através de cursos e geração de conteúdo pertinente ao tema.

Ela pontua que as empresas (marcas e clientes de agências) têm evitado, por exemplo, o ato de gifting nas relações diversas com os agentes da sociedade e dos negócios. “O ato de presentear, que estava automatizado e incorporado em todas as instâncias do mercado, foi de um extremo a outro: da ampla e irrestrita distribuição a um sistema de suspensão no qual algumas empresas preferem não distribuir nada para não correr riscos”, diz.

Marina destaca ainda que interromper as relações de troca não é produtivo e nem recomendado. “É importante ter bom senso: implementar normatizações e códigos de conduta para boas práticas de relacionamento, sem perder a criatividade e a autenticidade discursiva de cada marca, e sem perder o poder que estas trocas simbólicas têm na criação de laços e vínculos entre pessoas, culturas e marcas. E isso vale para todos os stakeholders envolvidos: funcionários, clientes, consumidores, fornecedores e investidores”, completa.

Para Marina, houve uma ressignifi cação da palavra ‘presente’ que foi tomada pelo sentido de ‘propina’ pela mídia, referindo-se às várias situações vinculando empresas e agentes públicos que receberam benefícios indevidos durante o fenômeno da Operação Lava Jato, pelo qual o Brasil passa. “Presente é presente, tem uma função social, cultural e comercial; isso é bem diferente de propina, que serve a outras intenções”, acrescenta.

DESABAFO E ALERTA

Só a união de forças de todos os agentes atuantes nos negócios envolvendo o mercado de Live Marketing vai garantir a sustentabilidade das relações, a implantação de regras claras de condutas e, claro, o ajuste adequado nos prazos e valores praticados. Proprietária da Bendita Agência, Lucinda Failde, destaca que o equilíbrio é essencial. “Na verdade, entendemos que a questão principal seja realmente manter a ética e o combate à corrupção em todas as relações”. Ela reforça que a ética e o combate à corrupção não são temas que podem ser tratados com pesos diferentes em âmbitos diferentes. “Não podemos esperar um país melhor, e portanto, uma vida com melhores condições sociais, sem que tenhamos muito claro que precisamos ter convicções fi rmes e abrangentes em nossa vida particular, social e no trabalho.”

Lucinda desabafa ao comentar que ainda há quem deixe ser afetado pela corrosão social promovida pelos desvios éticos e morais. “Infelizmente ainda, nosso segmento de Live Marketing e Publicidade é um dos muitos corrompidos por limites fl exíveis e questionáveis. E assim como na política, uma grande causa disso é a impunidade”.

A empresária acrescenta que entre o discurso e a realidade, há uma enorme ponte com os extremos bem distantes uns dos outros. “A maioria das grandes empresas aparentemente têm políticas claras e fi rmes contra desvios de conduta, através de departamento de compras e compliance. No entanto, muitos dos mecanismos são facilmente driblados pelos mal-intencionados. Profi ssionais das empresas e das agências sabem ou suspeitam de uma série de práticas questionáveis, mas não tomam nenhuma atitude a respeito porque falar sobre isso ainda é um tabu, e ninguém quer ter seu nome envolvido nesse tipo de assunto, com medo de ser prejudicado de alguma forma.” Se o tabu e o medo estãoimpostos também no mercado, ela faz um alerta: “Obviamente que a isenção, acaba contribuindo para manutenção dessas práticas, e a impunidade dos envolvidos.”

ALÉM DO PAPEL

Mais do que discussões internas ou mais abrangentes sobre compliance e medidas de sustentabilidade do mercado, há também uma nova modalidade de atitude que tem sido implementada: a assinatura do Termo Anticorrupção, um documento que defi ne as regras e condutas nas negociações do mercado de Live Marketing. Na prática, tal documento tem sido elaborado e solicitado prioritariamente pelos clientes das agências.

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Proprietária da Bendita Agência, Lucinda Failde Sócia-diretora da Umbigo do Mundo, Marina Pechlivanis

Lucinda reforça que a ética e o compromisso com a transparência são fundamentais entre clientes e agências e também com o consumidor fi nal. “Já que é impactado pela comunicação e ações fruto do trabalho conjunto de clientes e agências”.

Ela acrescenta que no ambiente de trabalho, a moralidade já é incorporada e deve se tornar mais um diferencial, em pouco tempo. “Para nós da Bendita Agência, esse tema é de tal importância que, inclusive, passamos a abordá-lo diretamente no novo posicionamento conceitual da agência que será apresentado em breve ao mercado.”

A empresária conclui destacando que muito mais que implantar ideias, é necessário que o universo do Live Marketing e demais categorias sociais, políticas e econômicas insiram em seu DNA tais condutas. “Fazendo um paralelo à política, sabemos que não adianta apenas existirem Leis, elas precisam ser aplicadas. Assinar Termos Anticorrupção obviamente é uma atitude importante, mas de nada adianta se clientes, agências e consumidores não mudarem o mindset.” n

“NÃO ADIANTA APENAS EXISTIREM LEIS, ELAS PRECISAM SER APLICADAS. ASSINAR TERMOS ANTICORRUPÇÃO OBVIAMENTE É UMA ATITUDE IMPORTANTE, MAS DE NADA ADIANTA SE CLIENTES, AGÊNCIAS E CONSUMIDORES NÃO MUDAREM O MINDSET.” (LUCINDA FAILDE)

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