12-Gnarus12-Resenha

Page 1

GNARUS - 169

Resenha

UM CONVITE À LEITURA DE: Da Pedra do Sal Até Coelho da Rocha - Ilé Ase Ópó Àfónjá Rio de Janeiro Por Álvaro de Almeida Rios Ramos

MACHADO, Ed. Da Pedra do Sal Até Coelho da Rocha - Ilé Ase Ópó Àfónjá - Rio de Janeiro. 2ª Edição / Editora Metanóia - 2017.

N

a metade do século XIX, mais da metade

filha de orixá de Francisca da Silva, Iá Nasso, uma

da população brasileira era negra, esses

das fundadoras do primeiro terreiro de candomblé

números ainda são uma realidade. Não à

que se tem registro no Brasil, o candomblé da

toa, muitos estudiosos dizem ser o Brasil, um país

Barroquinha de 1830, que posteriormente muda

com instituições europeias de cultura africana.

de local e passa a se chamar Casa Branca do

Não precisavam os estudiosos afirmarem, ao

Engenho Velho.

olharmos paras ruas do Brasil, vemos África em todos os cantos, na música, na culinária, na dança, na língua e principalmente, na cor da pele do nosso povo. Com a religiosidade, não seria diferente.

Além de contar a história e a trajetória de Mãe Aninha e a fundação do primeiro Ilê Axé Opo Fonja, no Rio de Janeiro, mais precisamente na Pedra do Sal em 1886, o livro aborda a violência

Através da história oral, de documentos e

policial contra as religiões de matriz africana, e por

cartas trocadas por mãe Aninha e sua filha, mãe

consequência a migração do terreiro para evitar

Agripina, Ed Machado remonta toda a trajetória

tal perseguição, migrando de bairro em bairro até

da criação de um dos primeiros terreiros de

chegar a Coelho da Rocha, bairro de São João de

candomblé do Brasil.

Meriti onde se encontra até os dias de hoje.

O livro traça a trajetória de Mãe Aninha, desde

Outro fato interessante trazido a público pelo

sua iniciação na Bahia, com Iá Marcelina, Oba Tossi,

autor, é a relação próxima de Mãe Aninha com

Gnarus Revista de História - VOLUME XII - Nº 12 - DEZEMBRO - 2021


GNARUS - 170

figuras importantes que marcaram a história

embate, afrontou a autoridade católica afirmando

brasileira para sempre. O que poucos sabem é que

que Jesus na verdade seria homem de cor dada a

Mãe Aninha era guia espiritual do então presidente

região onde nascera. Mostrava com isso, que além

Getúlio Vargas. O contato com o presidente se

de importante figura religiosa, dominava o debate

deu por meio de seu filho de orixá, o então chefe

político com significativo conhecimento histórico.

da casa civil, Osvaldo Aranha.

O livro é um verdadeiro documento de

A relação do Ilê Axé

Opo

com

registro de todas as

Afonjá

gerações de ialorixás

autoridades

que comandaram e

políticas da época e a

comandam a

proximidade de Mãe

de Xangô, desde o

Aninha com Getúlio

século XIX até os dias

Vargas

atuais. A obra não

e

Osvaldo

Aranha, na década

deixa

de 1930, resultaram

também, todos os

mais

iniciados

tarde

no

de

casa

registrar da

casa

decreto presidencial

desde a sua mudança

n° 1202, que colocaria

para Coelho da Rocha

um fim definitivo a

com Mãe Agripina.

perseguição policial

O Ilê Axé Opo

exercida pelo estado aos

cultos

afro-

brasileiros em 1934. Está

também

Afonjá

ajudou

difundir

a

yorubá

no

a

cultura meio

intelectual

e

presente

no

livro,

acadêmico por ter

diálogos

de

Mãe

cativado

figuras

Aninha que mostram

como Pierre Verger,

sua

Dorival

inteligência

e

perspicácia ao lidar com a intolerância religiosa da época por parte da igreja católica através de seus representantes. Questionada

Caymmi,

Carybé, Jorge Amado e muitos outros. Hoje, as casas de força sustentadas por Xangô (Ilê Axé Opo Afonjá) na Bahia e no Rio de Janeiro,

por

um

padre

sobre

sua

são parte do patrimônio histórico e artístico

autoridade religiosa, onde este afirmava que

nacional tombados pelo IPHAN e INEPAC. Vale a

somente o papa poderia dar tal título, Mãe

visita.

Aninha retrucou e perguntou se Moisés havia sido ordenado também pelo Papa, mostrando domínio e conhecimento da religião católica da

Álvaro de Almeida Rios Ramos é graduando em Historia pelas Faculades Integradas Simonsen.

qual também era praticante. Ainda no mesmo

Gnarus Revista de História - VOLUME XII - Nº 12 - DEZEMBRO - 2021


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.