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Falo com Você
from Falo Magazine #40
O CANSAÇO DE SER ALGUÉM
O “EU” NÃO EXISTE SEM O “NÓS”
Diante das feridas gays do não-dito, do não-poder, do ter que esconder o gesto, o olhar, o toque... a cultura ocidental atravessada pelo capitalismo tardio nos influenciou a pensar EGO como uma entidade individualizada que precisa se afirmar na estética, na autoestima anabolizada, no poder financeiro, no sexo performático, na disputa e na ironia. Esse “ego aprendido” tenta ser o mais interessante, desejado e livre possível, mas tudo não passa de uma batalha vazia de quem é ou pode mais.
Enquanto estamos tentando constantemente fortalecer nosso “EU” fragmentado pelos resíduos de sobreviver a uma sociedade homofóbica e em constante colapso, perdemos o senso de pertencimento e internalizamos formas de consumo e investimento em si como melhores maneiras de curar as dores.
A hipervalorização do sexo performático e da estética é a máscara de um vazio coletivo, o eco de um “EU” que não se reconhece fora do espelho digital: cada um exibindo ou sofrendo por não conseguir mostrar seu melhor recorte, seu torso, sua promessa de prazer.
O que acontece se, ao invés de buscar o gozo do “EU”, construirmos outros SENTIDOS?
Enquanto nós tentamos “encontrar a nós mesmos”, povos originários, por exemplo, buscam reencontrar o equilíbrio com o todo. O que no Ocidente aprendemos a chamar de EGO – essa estrutura que separa o “eu” do “outro” – na cultura indígena simplesmente não existe dessa maneira. É com essa visão decolonial que podemos aprender a desmontar parte do nosso narcisismo moderno.
Quando estamos centrados nas próprias dores, tendenciamos a querer confirmar que o nosso sofrimento é sempre o maior, mais legítimo e profundo, e, sem perceber, transformamos nosso sentir em competição emocional: “os outros não sofrem como eu”, “ninguém entende o que eu passo”, “a minha dor é diferente”.
Um caminho possível é sair do drama egocêntrico e entrar no drama humano, aquele em que todos sangramos um pouco, ainda que de jeitos diferentes, uns mais, outros menos, mas por isso mesmo podemos nos reconhecer uns nos outros.
