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Falo de História: Chico Tabibuia

  • por Filipe Chagas

Escultor autodidata, Francisco Moraes da Silva (1936-2007) exerceu várias atividades ao longo da vida, mas, aos 22 anos, começou a trabalhar principalmente como lenhador, coletando tabebuia (ipê), madeira da Mata Atlântica que se tornou seu apelido e, posteriormente, nome artístico. Nascido em Aldeia Velha, no município de Silva Jardim, Rio de Janeiro, Chico Tabibuia só foi registrado em Casimiro de Abreu (RJ) quando tinha 36 anos de idade, juntamente com sua mãe.

Tabibuia contava que seu pai, Manuel Moraes da Silva, era um dos mais de 40 filhos pardos de um fazendeiro português com suas escravas e que se tornou lavrador de café e criador de galinhas. Já sua mãe, a cabocla Francisca Neta, era filha e neta de escravos carpinteiros (“meu bisavô foi pegado pelos reis e foi escravo de reis, só libertado quando acabou a escravidão”) que teve ainda 16 filhos de outros casamentos, mas plantava mandioca e fazia cestaria de palha para manter a família (“não deu nós a ninguém. Meu pai que conheci foi ela”). Muito rígida, Francisca não teria sido uma mãe afetuosa, segundo Tabibuia, e com a troca frequente de companheiros e endereços, acabava sendo vítima de violência doméstica. Por ser o filho mais velho, Tabibuia exerceu o papel de defensor da mãe em situações ligadas à violência e à provisão do sustento da família.

Aos 11 anos foi guia de cegos e, aos 12, foi trabalhar no mato, retirando lenha. Dos 13 aos 17 anos, frequentou um terreiro de umbanda dando assistência aos médiuns incorporados e se apropriou dos arquétipos das religiões de matriz africana – em especial a figura do Exu, mesmo quando adotou a crença pentecostal da Igreja Assembleia de Deus.

Vem dia que tem Exu na cabeça e Deus no coração.
Chico e um de seus exus, 1996.
Exu
madeira, s.d.

Tabibuia esculpiu seu primeiro boneco de madeira com um pênis em destaque aos 10 anos de idade usando um canivete. Repreendido pela mãe, só voltou a esculpir regularmente no final da década de 1970, por volta dos 40 anos. Mais tarde, revelou que as imagens de teor eróticosagrado marcadas por padrões fálicos e fusões entre o masculino e feminino resultavam de revelações que apareciam em sonhos. Os Exus seriam, segundo ele, um meio de “retirá-los das matas, aprisionando-os às esculturas e impedindo que fizessem mal às pessoas” – lembrando que Exu foi sincretizado com o diabo pelas religiões cristãs. Alguns críticos acreditam que tanto a religiosidade quanto o erotismo no trabalho de Tabibuia são um meio de processar a complexa relação que estabeleceu com sua mãe e com a própria sexualidade*.

  • A relação do artista com a sexualidade se desenvolve de maneira intensa e complexa, envolvendo um erotismo precoce, recorrente troca de companheiras emulando o comportamento materno, episódios de traição e violência acompanhados por um desejo de disciplina que fazia com que o artista adotasse períodos de celibato para produção das esculturas.

madeira, c. 1985
Família de Exus
madeira, 1996.
Exu Três Cabeças
madeira, s.d.
Exu
madeira, s.d.

O artista não procurava reproduzir uma verdade anatômica ou ideal de beleza, mas pretendia materializar seu imaginário em esculturas que operam como abrigo de entidades religiosas. Com isso, aparecem estruturas híbridas como falos-vaginais e seiosescrotais, gerando deslocamento e autonomização dos membros do corpo, em um processo lúdico de desconstrução e reconstrução. Não se trata, no entanto, de uma perspectiva pornográfica, mas arquetípica, que opera com signos da memória ancestral, de ritos arcaicos à fertilidade e ao aspecto dualista do poder criador. Por meio de uma expressão plástica sintética e de base simbólica, Tabibuia desenvolveu sua linguagem sem tomar como referência a produção de outros artistas.

Relógio-Mulher e Relógio Homem
madeira, s.d.

Feitas a partir de peças inteiriças de madeira, sem encaixes, com raros acréscimos ou cor, as esculturas respeitam as formas originais das raízes e troncos coletados pelo artista. Sua produção, realizada em 20 anos de trabalho, não ultrapassa 300 esculturas que não costumam se repetir, guardando poucas semelhanças entre si. Além das esculturas, Tabibuia também fez móveis rústicos, tamancos, lápis e outras peças de uso cotidiano para obter alguma renda.

Sem Título (Cadeira)
madeira, s.d.
Autofelação
madeira, c. 1980.
Falos
madeira, s.d.

Paulo Pardal – hoje diretor da Casa-Museu de Casimiro de Abreu – foi o grande mecenas que estimulou a obra artística de Chico Tabibuia, quando ele já pensava em desistir de esculpir suas obras. Pardal promoveu exposições e eternizou suas obras publicandoas em um livro de Artes, além de ter formado uma vasta coleção artística com parte das obras produzidas por Tabibuia. Expostas em instituições como o Grand Palais, em Paris, o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) e o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio de Janeiro, as esculturas de Tabibuia foram objeto de análise de autores como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Emanoel Araújo (1940-2022) e Frederico Moraes (1936). No livro escrito por Pardal – A escultura mágico-erótica de Chico Tabibuia (1989) –, Nise da Silveira (1905-1999) entende as esculturas de Tabibuia como a “configuração de imagens arquetípicas reativadas na profundeza do inconsciente que tomam forma como rudes imagens fálicas”. A psiquiatra ainda conecta as representações exageradas de falos com o mito de Príapo e as procissões dionisíacas (falofórias) na Antiguidade clássica.

Relógio.

Chico Tabibuia consolidou-se, assim, como um dos grandes nomes da arte popular brasileira, sendo admirado por sua narrativa original. 8=D

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