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o Santo inimigo do mal
from Falo Magazine #40
por Filipe Chagas
A criatividade está intrinsecamente conectada à libido e ao desejo. É o tesão que inicia o processo criativo d’o Santo inimigo do mal. Raciocínios lineares vão se tornando extrapolações errantes – “infidelidades”, como ele diz – que ativam sua vontade de subverter signos, assim como os grandes mestres fizeram, seja por meio da pintura, da escultura, da performance, do vídeo ou de outras expressividades.
O Santo inimigo do mal é um projeto pessoal performático e de vida do artista goiano Saint Clair Cerqueira Araújo. Ele afirma que constantemente encontra novas poéticas e posicionamentos frente ao cotidiano, ao mesmo tempo que faz suas curas e se organiza para estar no mundo.
Sustento o incômodo de não saber qual é meu próximo passo, e deixo isso pro Santo. Ele vai dando as cartas e sempre me surpreendo de como essas cartas são interessantes e tesudas. [risos]














Seu interesse pela pintura começou na escola, e o levou a fazer um curso em um centro cultural de sua cidade. Chegou a flertar com a escultura, mas a tridimensionalidade só começou a se tornar uma grande paixão no meio da graduação em Arquitetura pela Universidade Federal de Goiás e pela Portland State University, nos Estados Unidos. O que conecta todas as linguagens artísticas que exercita é sua exploração visual do explícito em tom autobiográfico.



O artista vem mesclando símbolos tradicionais com construções contemporâneas para provocar masculinidades como ferramenta de criação e compreensão do mundo (“as cruzes entre o mistério e o concreto”). O retrato – de si e dos outros – utilizado como comunicação e conexão do desejo aparece com frequência em sua produção que se inspira em suas aventuras erótico-espirituais. Seu manifesto nos revela que ele tende a oferecer percepções tanto particulares quanto plurais, que possibilitam a expansão e a sacralização do obsceno.
Seja esculpindo concreto, compondo imagens ou escrevendo palavras, opero com apuro e intenção, como quem crava significados em corpos. Minha técnica não é apenas habilidade manual, mas um gesto de inscrição: marcar presença, erotizar o sagrado, dar forma ao invisível. Materializo em pornografia, como pornografia e para pornografia. Eu sou aquele que transforma dor, desejo e delírio em linguagem. Assim como no orgasmo, assim como na vida.



Essa ligação com a pornografia, com o explícito, vem de infância. Santo lembra que desde que viu o primeiro pênis, ficou curioso pelas texturas e diferenciações e tinha dificuldade de entender porque precisava escondê-lo ao invés de ostentálo como marca estética (“depois veio Freud e Bataille e me explicaram o porquê [risos]”). Se colocar nu dentro do contexto artístico – “e não só aí!”, como faz questão de afirmar – é validar a diversidade de corpos e formatos de pênis, enfrentando a saturação de estereótipos físicos de uma sociedade homogeneizante de consumo.



Suas primeiras representações do falo foram feitas nas últimas páginas dos cadernos escolares e conta que, certa vez, um de seus desenhos o excitou e decidiu arrancar a página para guardar no bolso e olhar de vez em quando (“ali eu comecei perceber que tinha alguma coisa”). Apesar dessa orientação libidinal, a masculinidade heteronormativa não se apresentava como objetivo:
Eu sempre tive uma aversão a grupinhos de machos normativos. Reproduziam tantas bobagens e tinham certos rituais de validação e umas escrotices… só mais tarde eu vim perceber o que significa realmente ser um homem e, sobretudo, um ser humano; também de estar além dessas performances. Foi e é o contato com homens sensíveis que vem curando minhas feridas.









Santo vislumbra mudanças. Considera o desenvolvimento crescente de arte erótica como “uma resposta tardia à era vitoriana que alicerçou uma moral doentia amplamente normatizada”. Ao ver a arte sendo usada para revisar de forma crítica os problemas estruturais, compreende sua missão de provocar, de “criar respiros para que a alma respire”, usando seu corpo e sua história como um campo de atravessamentos simbólicos. Sem almejar agradar ou ensinar, Santo atesta que a legitimação de si é o que leva à experimentação e à subversão necessárias para incomodar e transformar. 8=D





Por que o concreto?
A utilização do concreto é um traço da arquitetura de Saint Clair que se realiza no trabalho artístico do Santo. Segue os preceitos do brutalismo – estilo arquitetônico emergido no pós-Segunda Guerra com auge entre as décadas de 1950 e 1970 – que valorizava os materiais à mostra. É nessa ideia de “verdade dos materiais” que Santo ancora sua escolha e dialoga com o obsceno, a pornografia.
Concreto é a pedra que eu consigo moldar. Simboliza nossa natureza urbana que posso transformar. É meu gozo arquitetônico.

Não é comum se pensar na técnica de modelagem em concreto, mas o artista sabe que, ao trabalhar com os tempos de cura do material, é possível esculpi-lo manualmente.
Para ele, fazer um falo de concreto é a combinação ideal: ambos falam de rigidez, imperfeições e crueza. Algumas de suas peças ainda possuem pequenas armaduras internas emulando o concreto armado usado na construção civil.
