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ESPECULAÇÕES POR UMA ALTERNATIVA
POR UMAALTERNATIVA
Asituação do sistema penitenciário induz a uma profunda reflexão que extrapola os limites da instituição disciplinar e dirige-nos à ainda mais insólita questão da Justiça. A partir do momento em que o homem passa a viver em sociedade se faz necessária a definição de um código de condutas sociais que venham a impor regras, fundamentais a adequada manutenção do convívio, bem como posto por Oliveira, “Independentemente do estágio em que se encontram as relações humanas, são as leis gerais (estabelecidas ora pelos costumes, ora pelos sistemas jurídicos) que permitem a existência dessas sociedades” (Oliveira, 2006). Da mesma forma que a violação de tais normas demanda consequências que venham a legitimar o conjunto das regras. Apartir daí começa o anseio pela justiça, essa entidade que podemos definir em termos gerais como a condição que busca o ressarcimento, recebimento do que é devido ou punição pela violação do direito, que por sua vez apresenta diversas possibilidades de aplicação, tal variedade ao longo da história foi testada de diversas maneias, porem uma breve análise destas experiências nos revelam as dificuldades que envolvem sua realização visto que invariavelmente os métodos servem também ou até mais, a outros interesses que não o primordial.
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Ao analisarmos rituais de punição em meio ao espaço público, comuns nos tempos antes da adoção da privação da liberdade como metodologia, observa-se que muito mais do que aplicar uma consequência pelo delito ou mesmo inibir novas violações como se pretendia o modelo, também centralizava o poder sobre o grupo nas mãos de certos indivíduos, além de atender aos anseios perversos do corpo social. Mesmo no “civilizado” modelo da privação da liberdade onde os terríveis castigos físicos são teoricamente banidos,
pode-se constatar a insatisfação da sociedade que clama por “justiça” e ao pedir, espera que o infrator seja arremessado nas imundas prisões e que lá sofra sobe as piores condições possíveis.
Nem todos pensam no futuro da violência ou no controle da criminalidade. Muitos sentem sede de vingança e se satisfazem com o sofrimento do réu, a ponto de aceitarem a tortura, o linchamento, a execução extrajudicial e a barbárie praticada pelo estado nas prisões infectas. Aqui se faz aqui se paga. (SOARES, 2011, p.98).
Basta citar o jargão carro chefe da eleição de alguns de nossos representantes que bradava “bandido bom é bandido morto”.
O massacre do Carandiru, em que perderam a vida 111 homens do pavilhão nove, foi aplaudido por tantos, que o comandante da tropa responsável pela operação se elegeu deputado estadual, com um número que termina em 111, para que não pairassem dúvidas entre seus eleitores. (VARELLA, 2112 p.145).
Porém também convém considerar que tal postura da sociedade tem a ver com a unânime sensação de impunidade que impera apesar dos já altos e crescentes índices de encarceramento. Segundo o Centro Internacional de Estudos Penitenciários, do King's College, no Reino Unido, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking dos países com a maior população prisional do mundo. O cidadão é sugado pelo estado através da desenfreada arrecadação de impostos dos quais pouca contrapartida vê, sobrando assim para o contribuinte arcar com as consequências da má gestão publica, consequências estas que lhe batem á porta inclusive por meio da violência. Daí o bode expiatório sobre o qual serão depositadas todas as frustrações do chamado corpo social, convenientemente será: o corrupto, o ladrão, o traficante, o estuprador e etc.
A política populista e eleitoreira que discretamente pactua como o equivocado desejo da sociedade, permitindo que a violação dos direitos humanos ocorra com frequência sob os muros das instituições prisionais, já se mostra insustentável. Na verdade o surgimento das facções criminosas que de dentro das unidades comandam ações perversas e ao promover o caos nas cidades afronta o estado, e aterroriza a população, pode ser entendida como produto final de tal política. Que ao submeter indivíduos a condições subumanas contribui para que ações desumanas ocorram. Varella ao relatar sobre o surgimento ou fortalecimento das facções criminosas explica:
A estupidez assassina da autoridade de quem partiu a ordem para a PM invadir o pavilhão Nove, tomado por uma rebelião que não havia feito um único refém, situação que os carcereiros teriam resolvido com facilidade caso lhes dessem a oportunidade de negociar com os rebelados, foi um divisor de águas na história das cadeias paulistas. Apartir de 2 de outubro de 1992 os preso se organizaram para assumir o poder no interior dos presídios. (VARELLA, 2012, p 42).
Os Resultados do sistema prisional também devem ser avaliados sob o ponto de vista operacional, pois os custos do método do aprisionamento além de altamente oneroso ao estado, cerca de "R$ 21 mil por ano com cada preso, em presídios estaduais, e 40 mil em presídios federais" (DUARTE, 2011), ostenta o índice de reincidência em torno de 70%. Obviamente um resultado inaceitável, sobretudo se "analisarmos os números do censo de 2012, realizado pela secretaria de assuntos penitenciários, que revela que apenas para reduzir a superlotação atual e retirar os presos detidos em delegacias e cadeias impróprias para funcionar com tal , São Paulo precisaria construir imediatamente 93 penitenciárias." (VARELLA2012, P.198). Isso diz respeito apenas ao déficit acumulado.
No mês de Janeiro de 2012, o sistema prisional paulista recebeu a média diária de 121 presos novos, enquanto foram libertados apenas cem. Ficaram encarcerados 21 a mais todos os dias,... Como os presídios novos tem capacidade para albergar 768 detentos, seria necessário construir uma a cada 36 dias" ( VARELLA,2012,p.199).
O presídio é uma fundamental instituição, que pelo menos até onde alcança a vista não poderá ser banida, mostrando-se a alternativa ideal para o indivíduo que oferece risco ao convívio social. Porem convém resultar que este seu uso deve ocorrer apenas em ultimo caso e pouco pode ter a ver com a rotina vigente nos presídios hoje, "Reduzir a população carcerária é imperativo urgente, não cabe discutir se somos a favor ou contra" (VARELLA,2012,p.201). Estratégias diversas devem ser consideradas, Entre elas a legalização de determinadas condutas e a prioridade na aplicação das penas alternativas em detrimento do aprisionamento. Visto que:
“Além de ajudar a desafogar prisões superlotadas, as penas alternativas têm reduzido os índices de reincidência criminal. Uma pesquisa realizada pelo grupo de criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília entre condenados a penas alternativas, por crime de furto e roubo no Distrito Federal, revelou que a reincidência entre eles é de 24,2% ante uma taxa de 54% entre os condenados que cumprem pena em penitenciária. No caso dos crimes mais leves, como rixa e delitos de trânsito, a reincidência cai para 1,6%, segundo as estatísticas do Conselho Nacional de Justiça.” (O Estado de São Paulo, 2010).
Ainda quanto á descriminalização de condutas, nos últimos anos tem crescido o debate a cerca de medidas alternativas à política de “guerra às drogas”. No Brasil o trafico é responsável por 24% das prisões, o que tem despertado criticas uma vez que como observado pelo presidente da Academia Paulista de Direito Criminal,’ ao contrario do roubo, por exemplo, que tem um caráter coercivo’ (BENITES, 2012). A realidade é que a política de guerra as drogas tem encarcerado um grande número de pessoas que não deveriam estar presas. Ainda como dito pelo Juiz de direito titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas, Luís Carlos Valois : " A questão das drogas é um grande exemplo, misturam-se pequenos traficantes com homicidas, latrocidas e estupradores em razão dessa superlotação é em prejuízo da sociedade“ (NETO, 2013)”.
A aplicação prioritária de medidas neste sentido resultaria na drástica redução na população carcerária, abrindo, portanto margem para pensar em políticas cancerarias que de fato forneçam condições de recuperar indivíduos ou pelo menos responder de forma ética a questão, considerando tanto a justa consequência ao infrator quanto o necessário ressarcimento ao corpo social pelo dano causado, ressarcimento este que apesar de dificilmente equivaler ao prejuízo, se mostrando imediato, poderia diminuir a generalizada sensação de impunidade percebida pela sociedade.
Pensar diretrizes para um sistema carcerário afinado com nosso tempo impõe a consideração de aspectos: técnicos, econômicos, sociais e humanos. Buscando criar condições para que o indivíduo não reincida, evitando debitar sem contrapartida, os altos custos de manutenção no bolso do cidadão e promover a credibilidade da instituição como ferramenta necessária para manutenção do estado democrático.
Desconsiderando problemas administrativos como a superlotação e violação dos direitos humanos, que não fazem parte do arcabouço ideológico por traz do sistema vigente, ainda podemos apontar falhas conceituais graves que evidenciam a inadequação deste. O método apresenta um forte caráter paternalista facilmente constatado com uma breve análise dos fatos. O sistema priva do convívio social o indivíduo infrator, assim como o pai que para educar o filho, o proíbe de brincar na rua com os amigos, da mesma forma, coloca-se como provedor das necessidades deste sem nada exigir em troca, e o faz por razões culturais e afetivas, o estado coloca-se como provedor das necessidades do indivíduo infrator, também sem nada exigir em troca.
Entretanto mesmo no que diz respeito à educação dos Jovens, o pensamento já evoluiu e hoje pedagogos e psicólogos, enfatizam a necessidade de incluir em decisão, arcando obviamente com todos os benefícios e prejuízos decorrentes das escolhas. Longe de buscar tratar o infrator como criança ou sujeito indefeso há de se convir que este, já é um sujeito formado, e ainda que sua formação não tenha se dado de forma adequada, é capaz de responder pro si, tal condição exceto em casos de distúrbios mentais, não pode ser revogada.
. Dai chegamos a um ponto chave do problema, ao tentar despir o sujeito de sua capacidade de escolha e, portanto privando-o de resultados sejam esses negativos ou positivos, impondo-lhe uma rotina que desconsidera sua “maturidade” também se extingue qualquer possibilidade de desenvolvimento ou fortalecimento de sua autonomia como cidadão ativo.
A partir dai nos atenhamos a pensar em como se pode viabilizar a liberdade, ainda que sob rígidos padrões, em meio a um espaço concebido para privar da liberdade. Entendendo a importância de garantir condições de autonomia ao apenado. A conclusão de que é conveniente segregar os indivíduos que representam risco á sociedade, em nada limita as possibilidades de aplicar um sistema capaz de assegurar condições de escolha atreladas a resultados, pelo contrario a história comprova que as tentativas de impor sistemas excessivamente autoritários que controlam pelo medo e abuso, produzem resultados ineficientes aja vista os já citados índices de reincidência dos presídios brasileiros ou pior, produzem as facções criminosas que tem o abuso e a desigualdade como argumento perfeito pra aliciar e doutrinar seguidores, chegando ao ponto de atingir um nível de poder capaz de afrontar o próprio estado que o alimenta.
Hoje os presídios operam principalmente regidos por um código de leis não escrito, mas claramente compreendido por todos “as leis do crime não são frouxas como as nossas" (VARELLA, 2012, p132). Tal código vigora sobe o vacu do sistema formal que pouca importância deu as potencialidades de organização interna das unidades, permitindo que surgir-se esse precário sistema paralelo hierarquizado por princípios Darwinianos.
É preciso pactuar com os presos, não da forma ilegal como hoje se faz, mas sim assumindo que a pena diz respeito apenas à reclusão, ficando assegurados todos os direitos e deveres (não conflitantes com a condição de reclusão) do cidadão. Se fazendo necessário, portanto reproduzir no espaço segregado, condições similares ás encontradas fora dos limites da instituição. Devendo, portanto organizar o sistema de modo que, ao contrario do sistema paternalista já comentado, sejam criadas condições para que o indivíduo, com o fruto do próprio trabalho possa ele mesmo atender suas necessidades, inclusive podendo ai exercer seu direito de escolha.
De modo que o Trabalho e a Escola (talvez até profissionalizante) seriam os pilares sobre os quais o sistema deveria ser orientado. A idéia de oferecer trabalho como ferramenta de transformação, permitindo ao apenado dominar os conhecimentos de uma profissão que poderá lhe viabilizar oportunidades de emprego fora da prisão, não é nova, já foi testada em inúmeras experiências, “As vantagens são de tal ordem, que jamais conheci no sistema penitenciário uma só pessoa que se opusesse a idéia de criar empregos nas cadeias" (VARELLA, 2012 p.130). A grande dificuldade neste
caso é como prover postos de trabalho a presos sendo que não há postos suficientes para suprir a demanda nem dos cidadãos livres. Ou seja, até neste quesito o que ocorre dentro dos limites da instituição tem rebatimento direto na sociedade. Tal verdade também nos aponta possibilidades.
Uma possível alternativa para geração desses postos de trabalho, sem prejudicar os demais trabalhadores teria a ver com uma possível política do estado que ao buscar equipar corretamente as cidades através da construção de: escolas, creches, hospitais, habitação de interesse social e uma infinidade de outros equipamentos urbanos, poderia o fazer ao utilizar sistemas construtivos alternativos tais como o desenvolvido pelo arquiteto e urbanista João Filgueiras Lima, que consiste na produção de peças em uma fábrica, que poderia facilmente ser implantada dentro do complexo penitenciário, onde os preços trabalhariam e seriam remunerados. O valor da remuneração não acarretaria nem uma despesa adicional, uma vez que para tal, seriam empregados os mesmos recursos já destinados ao atendimento dos mesmos, o que ocorreria seria apenas uma transferência, onde a administração desse recurso ficaria a cargo do próprio preso e não de um corpo administrativo pouco atento á qualidade do serviço prestado ou ainda pior, passível a corrupção. A aplicação de métodos nesse sentido muito mais do que meramente prover trabalho aos presos. Seria uma eficiente forma de administrar os recursos públicos ao suprir a enorme demanda social por equipamentos, ao direcionar a força de trabalho dos presos, sendo necessário como investimento extra apenas o que diz respeito ao fornecimento de insumos para a produção.
Uma vez prontas, as peças fabricadas pelos presos, seriam levadas ao canteiro de obras onde a construção seria executada pelos indivíduos em cumprimento ás penas alternativas (fora das unidades prisionais) de modo a atender a demanda por equipamentos a um baixo custo, pois o sistema construtivo adotado racionaliza ao máximo a construção e mostra-se altamente econômico quando produzido em larga escala, e a mão se obra seria obtida através do trabalho do infrator, que ao disponibilizar seus esforços para o atendimento das demandas da sociedade a qual lesou, exime sua culpa ao cumprir a pena estipulada.
A sociedade ao usufruir o resultado do ressarcimento pelos danos causados além de diminuir a sensação de impunidade, talvez ainda passasse olhar de forma menos preconceituosa a figura do ex-presidiário, ao velo como indivíduo produtivo. Viabilizar a aplicação de tais diretrizes demandaria uma verdadeira revolução no que diz Respeito a arquitetura prisional, sendo necessário equacionar de uma nova forma de organizar o espaço, despida preconceitos e ódios, comprometida com valores democráticos e humanistas, ao proporcionar uma experiência equilibrada que busca na vida urbana os estímulos necessários para o desenvolvimento ou aprimoramento dos valores que constituem a cidadania.
Se cada condenado for conquistado pelos princípios do respeito aos outros e à legalidade constitucional, teremos incorporado à sociedade mais um adepto da cidadania democrática. (SOARES, 2011,p.100).
Não há sentido em insistir na utilização de métodos ineficientes. O fato é que a comprovada inadequação do sistema vigente exige mudanças radicais, orientadas por princípios humanistas que já apresentam resultados bastante favoráveis observados em experiências como a do presídio de segurançamínima, Bastoy, na Noruega onde o índice de reincidência gravita em torno dos 16% tido como menor do mundo. De fato só é possível afirmar a validade das propostas ao constatar seus resultados, entretanto princípios, quando norteados por dados comprovados constituem direções que indicam possibilidades de ação, a serem consideradas na construção de um modelo aplicável com fortes possibilidades de sucesso. Ainda que sua realização eventualmente apresente equívocos a serem ajustados visto que toda tecnologia desenvolve-se dessa maneira, através de uma intenção que ao ser concretizada apresenta pontos a serem ajustados de modo a refinar o mesmo até o ponto onde seja possível obter respostas satisfatórias.
