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Tenho dor no ombro: o que fazer?

A PREVALÊNCIA AUTORRELATADA DE DOR NO OMBRO É ESTIMADA ENTRE 16 % E 26 %, É A TERCEIRA CAUSA MAIS COMUM DE CONSULTA MUSCULOESQUELÉTICA NOS CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE E APROXIMADAMENTE 1 % DOS ADULTOS CONSULTAM UM MÉDICO COM NOVAS QUEIXAS DE DOR NO OMBRO (OMALGIA), ANUALMENTE.

Autor:Ricardo Gonçalves, Assistente Hospitalar de Ortopedia do Hospital Dr. Francisco Zagalo - Ovar

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Amobilidade comprometida do ombro, devido a dor, rigidez ou fraqueza muscular pode causar incapacidade substancial e afetar a realização de atividades diárias comuns (comer, vestir-se, higiene pessoal) ou ter implicações diretas na atividade laboral.

Fatores físicos, como o levantamento de cargas pesadas, movimentos repetitivos em posições inadequadas, ou vibrações, influenciam a gravidade dos sintomas e a incapacidade associada (fatores psicossociais também poderão ser importantes).

Patologias comuns do ombro exibem características clínicas semelhantes e a falta de consenso sobre os critérios diagnósticos e concordância na avaliação clínica complicam as escolhas de tratamento.

O QUE É A COIFA DOS ROTADORES? A coifa dos rotadores é um grupo de tendões que inserem os quatro músculos do ombro (supra espinhoso, infra espinhoso, subescapular e redondo menor) no osso do membro superior, o úmero. A força da coifa permite que esses músculos, através de uma manobra de alavanca, elevem ou façam a rotação do úmero. Estes tendões percorrem um trajeto por baixo do acrómio (parte da omoplata) onde são vulneráveis a eventuais lesões: o espaço subacromial. Isto pode condicionar roturas, que por seu lado resultarão num ombro doloroso e fraco. As roturas podem ser consequência de eventos traumáticos únicos ou surgir gradualmente, com a normal atividade do dia a dia (trabalho habitual, desporto ou esforços físicos repetidos). Quando os tendões da coifa dos rotadores rompem, o doente torna-se incapaz de elevar ou rodar o seu braço com a mesma amplitude prévia e/ou apresenta dor associada ao movimento. A dor noturna é muito comum, por vezes irradiada ao braço.

Com o envelhecimento, é normal que os tendões da coifa dos rotadores se desgastem e degradem (lesões degenerativas), tornando-se fracos e propensos a roturas. Assim, uma queda ou lesão por torção/estiramento podem causar a sua rotura completa, com consequente omalgia e impotência funcional. Assim, as roturas atraumáticas degenerativas, identificadas em exames de rotina (ecografia articular do ombro ou ressonância magnética) são comuns e, genericamente, não necessitam de reparação cirúrgica. Contudo, um trauma de uma coifa intacta pode conduzir a roturas traumáticas, que, por seu lado, requerem tratamento cirúrgico. Nesses casos, quanto mais precocemente a reparação for realizada, melhor será o resultado funcional obtido pelo doente. Por conseguinte, a identificação precoce destas lesões é fundamental. Nesse sentido, algumas características deverão alertar os clínicos para este tipo de problemas:

Idade>=40 anos, com história de queda ou lesão por torção/estiramento do membro superior. Dor e fraqueza, sem melhoria num período de 3 semanas. Rotura confirmada em ecografia articular ou ressonância magnética.

DIAGNÓSTICO: Após recolha da história clínica e realização de exame físico, as roturas da coifa são melhor diagnosticadas com exames complementares de diagnóstico de imagem. O tipo de exame dependerá dos recursos locais disponíveis:

Ecografia articular – exame dinâmico, preciso e custo-eficiente.

Ressonância magnética nuclear – exame mais dispendioso e menos acessível, mas que permite obter mais informação sobre a qualidade muscular e estruturas intra-articulares do ombro.

PREVENÇÃO: Evicção de atividades “over head”, isto é, que exijam esforços permanentes com os membros superiores elevados ou “acima da cabeça”. Reforço da musculatura do ombro (natação, hidroginástica, treino funcional), evitando manter, de forma reiterada, gestos que causem queixas articulares.

TRATAMENTO: Analgésicos e anti-inflamatórios não esteroides. Fisioterapia. Corticoterapia (sendo aconselhável evitar as infiltrações repetidas, na presença de roturas da coifa, pois poderão contribuir para uma diminuição acentuada da qualidade/resistência dos tendões, com consequente agravamento das mesmas).

Reparação cirúrgica: - Nas roturas traumáticas. - Quando a dor e fraqueza não melhoram com fisioterapia ou outros tratamentos médicos não invasivos.

Uma rotura completa da coifa não se cicatriza/resolve de forma natural, requerendo cirurgia, se o objetivo final do doente for regressar à função ótima do seu ombro. A reparação cirúrgica implica a reinserção (com recurso a âncoras) ou sutura (com recurso a fitas ou fios) do tendão, no seu local original, no úmero.

O objetivo da cirurgia é o alívio sintomático da dor e melhoria da força do ombro (o que poderá implicar um longo período de reabilitação física, pós-cirúrgica), podendo ser realizada por via artroscópica (com recurso a videocirurgia e instrumentação específica), ou por via aberta convencional (ou até mesmo uma combinação das duas, se necessário). Qualquer reparação da coifa implicará o uso de um suporte de braço após a cirurgia, para controlo da dor e uma correta cicatrização dos tecidos reparados, entre 4 a 6 semanas, consoante o caso clínico em apreço.

E DEPOIS DA CIRURGIA? COMO VIVER COM UM SUPORTE DE BRAÇO: Depois de um procedimento cirúrgico do ombro, o doente deverá adotar as seguintes precauções, para proteção da sua reparação:

Suporte de braço: uso de um suporte de braço, entre 4 a 6 semanas, respirável, preferencialmente com banda torácica (para evitar a rotação ativa/passiva do ombro). Apesar do uso obrigatório da suspensão braquial é fundamental libertar regularmente o membro para mobilização do cotovelo, pu-

Figura 1: À esquerda, rotura da coifa, à direita, rotura da coifa reparada. From www.shoulderdoc.co.uk

nho e mão, no sentido de evitar rigidez articular destas articulações (2 a 3 vezes por dia), evitando sempre a mobilização excessiva do ombro operado (apenas movimento passivos, pendulares, do braço).

Higiene pessoal: nas primeiras

2 semanas, poderá ser necessário a ajuda de terceiros para a higiene do braço não operado, uma vez que o doente não poderá usar o membro operado para essa tarefa. É fundamental manter as feridas cirúrgicas secas e protegidas, durante o banho. Pensos impermeáveis poderão ser uma opção para este efeito, mas nunca deverá ser aplicada água diretamente sobre os mesmos. Para a secagem corporal, poderá ser mais simples recorrer a um roupão de banho, em alternativa às habituais toalhas.

Figura 2: Suporte de braço simples, respirável, com banda torácica, tipo velpeau

Vestir a roupa: será mais simples o uso de roupas de abertura frontal (como camisas), devendo vestir primeiro o braço operado. Para tal, o doente deverá sentar-se na extremidade de uma cadeira, ou ficar de pé, com o braço “pendurado” ao lado do corpo. Primeiro, deverá introduzir o braço operado na roupa, usando o braço não operado, não sendo necessário auxiliar o braço operado, deixando-o apenas solto, a favor da gravidade. Assim que este braço estiver totalmente na manga, o doente deverá colocar a peça de roupa ao redor das suas costas, introduzindo posteriormente o braço contralateral. Todos os fechos/botões deverão ser apertados apenas com o braço não operado. Depois de vestir a parte superior do corpo, será necessário recolocar o membro no suporte braquial. Ao fim de 6 semanas pós-operatórias, poderá voltar a vestir-se “normalmente”.

Figura 3: Como vestir o braço operado. From www.shoulderdoc.co.uk Figura 5: Como se alimentar. From www. shoulderdoc.co.uk

Dormir: durante as primeiras 4 a 6 semanas, o suporte também deverá ser usado durante a noite; numa fase inicial poderá ser mais confortável dormir em decúbito dorsal, com uma almofada debaixo do braço operado, ou semissentado.

Alimentação: nas primeiras 2 a 3 semanas pós-operatórias, deverá alimentar-se com o braço não operado, período após o qual poderá alimentar-se “normalmente”, com recurso a ambos os braços.

Figura 4: Como dormir. From www. shoulderdoc.co.uk

Transferências: as “transferências” dizem respeito ao movimento de levantar e sentar em cadeiras ou sanitários, deitar ou sair da cama, etc., sendo que durante as primeiras 4 a 6 semanas só deverá ser efetuado apoio com o braço não operado, para tais mobilizações. Ultrapassado esse período, consoante a tolerância individual e se as queixas álgicas assim o permitirem, poderão ser usados ambos os membros superiores.

Atividades de vida diária/domicí-

lio: durante as primeiras 4 a 6 semanas pós-operatórias só deverá ser usado o membro não operado. Após essa fase, poderá retornar o uso de ambos os membros superiores, devendo ser evitado o transporte/levantamento de cargas pesadas até aos 3 meses pós-operatório (permitidas pequenas cargas, a partir das 6 semanas).

Concluindo, nos últimos 25 anos, avanços significativos foram feitos na compreensão da biomecânica do ombro e no tratamento das suas patologias. As técnicas e instrumentações artroscópicas têm permitido que muitas patologias sejam tratadas com baixa morbilidade para o doente.

Os avanços nas tecnologias de trauma significam que os pacientes podem esperar um retorno à função quase normal, após lesões complexas e, assim sendo, os atletas com problemas no ombro, compreensivelmente, têm maiores expectativas de retornar aos desportos de alto desempenho e os indivíduos mais idosos, com comorbilidades médicas complexas, exigem alívio efetivo da dor e autonomia nas suas atividades de vida diária.

Mas ainda existem muitos desafios para o cirurgião de ombro moderno. Isso inclui consolidar e compreender a vasta quantidade de conhecimento disponível, prever os resultados a longo prazo de novas tecnologias e lidar com novas possíveis complicações.

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