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2, rue Desnouettes e o hóspede “clandestino

Depois da rue Thibouméry, aluguei uma chambre de bonne na rue Desnouettes, na Porte de Versailles, por meio de um anúncio da Aliança Francesa. Fomos morar lá, eu e o Marcius como “passageiro clandestino” (uma das regras para alugar aquele quarto era, ridiculamente, não permitir a presença de homens).

A chambre de bonne ficava no oitavo andar. O elevador só ia até o sétimo, numa clara demonstração de que as empregadas domésticas, para as quais esse infame sistema tinha sido criado, eram proibidas de andar de elevador.

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Como a maioria dos franceses não empregava mais domésticas, esses quartos eram alugados a estudantes. Em geral, tinham somente uma pia. A toalete, no corredor, era coletiva. Tomávamos banhos de pia. De vez em quando, íamos à casa de amigos tomar uma chuveirada.

Uma noite estávamos no quarto, eu, Marcius e Iuli, tomando vinho, conversando e ouvindo Bob Dylan quando a proprietária abriu a porta com sua chave, sem bater. Fez um escândalo porque eu estava com homens no quarto e me disse que eu deveria desocupá-lo em três dias.

Passamos os próximos dias procurando um novo lugar para morar. Alugamos um quarto bem menor no Boulevard de la Bastille. Em troca, eu deveria buscar uma criança na escola e me ocupar dela todos os dias até às oito da noite.

A menina, de quem eu estava encarregada de cuidar, era insuportável. Gritava o tempo todo, não obedecia, um inferno. O quarto era mínimo. Só tinha lugar para uma cama e a pia.

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Saímos daquele quarto para um apartamento bem precário num “hotel” na rue Jeanne d’Arc, perto da Place d’Italie. A proprietária, Madame Tolédano, alugava quartos e pequenos apartamentos. O prédio era meio torto. Nosso apartamento era gelado e as paredes úmidas. Lembro que quando eu ficava em casa durante o dia no inverno tinha que me cobrir com um cobertor para esquentar.

Ficamos naquele espaço alguns meses. Então, a Irina, uma brasileira que tínhamos conhecido em Vincennes, estava liberando um apartamento em Gentilly, uma banlieue ao sul de Paris, e nos avisou.

O apartamento tinha dois quartos e, o máximo do luxo, um chuveiro “desmontável” na cozinha. A toalete era no corredor, usada apenas pelos inquilinos dos dois apartamentos do 6º andar. O proprietário, Monsieur Rabin, vinha todo o mês buscar o dinheiro do aluguel.

Fiquei cinco anos naquele apartamento, onde tivemos muitos hóspedes. O Tuomo, nosso amigo finlandês, chegou num mês de julho.

Nessa época, o Marcius estava colhendo uvas no sul da França. Eu tinha ficado naquele verão em Paris, trabalhando numa gráfica, monitorando o empacotamento de livros e revistas numa máquina, um trabalho aborrecidíssimo. Eu trabalhava oito horas em pé. Chegava em casa exausta e encontrava o Tuomo lépido e fagueiro me esperando para passear. Saí com ele durante uma semana. Depois, disse-lhe que iria viajar e pedi que fosse embora.

A Dina e o Bernard, que estavam reformando o apartamento deles, ficaram uma época em Gentilly, até acabarem as obras. O Edu, quando chegou do Brasil, se hospedou lá

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até conseguir um quarto na Cidade Universitária. Mas, isso é outra história.

O Iuli vinha do sul da França, de quinze em quinze dias, para um seminário de doutorado e era nosso hóspede. Hospedamos também a Tania por um tempo.

Deixei Gentilly em 81, quando fui para Moçambique. Mas essa viagem também é outra história.

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