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Tio Xico

Tio Xico

No calor da tarde, sentado embaixo da árvore. Tio Xico, 90 anos, olhos azuis na cara pretíssima. No cabelo grisalho onde passa a mão de vez em quando, num gesto largo.

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No fundo de tudo, aquele jeito familiar e antigo das coisas da chácara, o vô satisfeito no meio da mesa grande.

Isso talvez seja outra história. A geladeira cheia daquele guaraná champagne doce que ninguém gostava. E um gosto de carne assada misturada com velhas histórias.

Tio Xico, bêbado, lembrando as fotos que fizemos num churrasco, na fazenda do tio Saul, embaixo das árvores. A tua sombra embala o nosso sono na rede.

Granja da Penha, tio Xico, preto velho, o sol bate na tua cara. Sorriso aberto. Domingo. Tarde de Natal e todos têm um ar engraçado. Vestidos à vontade, mas um pouco engomados, afinal, é Natal.

Preto velho, tomando mate. Vida simples e sofrida. Um olhar firme para tudo. Uma camisa preta num gesto grande, braços abertos.

O vento derruba os vasos. Tu, no degrau do botequim, ou no banco da praça. Teu chapéu amassado. A vida escorrendo nesse minuto. Tu, no vento morno da praça em frente da igreja.

Vento assobiando. Mudaste de bar, tio Xico. Ou passeias pelas ruas solitárias. Mais tarde, uma camisa verde, um não sei o que no teu olho vivo. A noite sem lua, um gosto de limão. Todos foram dormir e a cidade é preguiçosa.

Tua família, tio Xico, lá do outro lado do mato, espera pela carne assada que vai chegar fria. Querendo ouvir as histórias que levas junto com o churrasco e o resto da

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salada. Talvez nem leves histórias. Tu és a história. A história dos Felix, a família dos patrões onde nasceste, quase por acaso, num resto de escravidão que sobrou nos campos do sul.

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