As Migrações e a Fé - Encontros e Reencontros - 8º ano - Crescer com Alegria e Fé

Registre suas ideias, sentimentos, vivências e expectativas, tudo aquilo que achar interessante para promover encontros e reencontros.

Este livro é parte integrante da nova edição de Crescer com Alegria e Fé: Anos Finais – Editora FTD. Venda e reprodução proibidas.

Neste livro, que acompanha o volume 8 da coleção Crescer com Alegria e Fé, convidamos você a encontrar e a reencontrar a história da migração, das muitas pessoas que vivem essa experiência e levam consigo saudades, conflitos, necessidades, mas também religiosidade, esperança, criatividade...

Ednilce Duran Glair Arruda

CRESCER COM ALEGRIA E FÉ

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Contamos com você!

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Volume 6: Migração do povo brasileiro Volume 7: Migração interna no Brasil Volume 8: Migração no mundo Volume 9: Refugiados

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(Complete com o seu nome.)

São Paulo – 2019

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Sumário

Apresentação

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1 As diásporas

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2 E a vontade de voltar?

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3 Religiões e migrações: um jogo social

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4 O Brasil e o cenário internacional

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5 Os migrantes levam consigo a religiosidade

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6 Experiências religiosas são fundamentais

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7 Descendente de samurais: Mitsue Tsuhako Tokeshi

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8 Uma autobiografia

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Após tantos encontros e reencontros...

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Apresentação A Igreja sem fronteiras, mãe de todos, propaga no mundo a cultura do acolhimento e da solidariedade, segundo a qual ninguém deve ser considerado inútil, intruso ou descartável. A comunidade cristã, se viver efetivamente a sua maternidade, nutre, guia e aponta o caminho, acompanha com paciência, solidariza-se com a oração e as obras de misericórdia.

Papa Francisco Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, 2015. A Santa Sé. Disponível em: <http://ftd.li/xgppdy>. Acesso em: 21 maio 2019.

Eu sou um estrangeiro e provavelmente sou mais afortunado do que a maioria deles, e mesmo assim eles se ajoelham no chão sujo e me alimentam. Não há perguntas, nenhum julgamento, nenhuma condição.

Philippe Leduc, músico canadense e recém-ordenado monge budista, referindo-se ao ritual em que os devotos doam alimentos aos monges.

LEDUC, Philippe. Um pedaço de vida, relato de um monge Theravada.

Bodisatva. Disponível em: <http://ftd.li/3yxdp4>. Acesso em: 23 maio 2019.

Somos todos migrantes!

Neste exato momento, milhões de pessoas se deslocam ao redor do mundo em busca de novos lugares para viver, à procura de oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. Elas estão indo também ao encontro de outras pessoas.

Neste livro, convidamos você a participar dessa cultura de encontros e reencontros com os migrantes, que, além de bagagens nas mãos, carregam na mente e no coração fé, sonhos, necessidades, conflitos, esperança. E, ao percorrer o seu caminho, você poderá descobrir mais sobre si mesmo e aonde pretende chegar.

Você também será o autor deste livro e poderá registrar aqui suas ideias, emoções, histórias, dúvidas, conclusões... porque, afinal, somos todos migrantes!

Boa jornada!

As autoras 3

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1 As diásporas Você já sabe que as migrações acontecem quando as pessoas buscam realizar sonhos, conhecer novos lugares e pessoas, estudar, encontrar boas oportunidades de trabalho etc.

Em alguns momentos da história, porém, ocorreram as diásporas: grandes movimentos migratórios forçados por conflitos, que podem ser de ordem religiosa, étnica, política, entre outras. Foi o caso, por exemplo, da diáspora dos judeus para a Babilônia, em 586 a.C., quando Jerusalém foi destruída pelo imperador Nabucodonosor II e os judeus se dispersaram, e da diáspora africana, quando milhões de pessoas desse continente foram capturadas e levadas para trabalhar como escravas em diferentes regiões das Américas durante a colonização.

Museu Judaico. Nova Iorque, EUA.

1. Observe a reprodução de uma obra de arte que representa a diáspora judaica. a. O que mais chama a sua atenção na obra?

A fuga dos prisioneiros (c. 1896-1902), do artista francês James Tissot (1836-1902).

b. Em que ela se parece com os grandes deslocamentos que acontecem hoje em dia?

2. Pense sobre a diáspora africana durante a colonização das Américas. a. Que sentimentos acompanhavam esses povos durante a viagem?

b. Que semelhanças e diferenças você vê entre a diáspora judaica e a africana?

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2 E a vontade de voltar?

Por definição, exílio é a expulsão de alguém de sua pátria, mas também pode ser a ausência forçada de uma pessoa de seu local de origem, muitas vezes por motivos contrários a sua própria vontade.

Geralmente, o exílio provoca muita saudade de casa e vontade de voltar.

1. Leia este poema que fala sobre o Brasil.

Canção do exílio Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.

DIAS, Gonçalves. Disponível em: <http://ftd.li/qr2udd>. Acesso em: 6 maio 2019.

a. Faça uma pesquisa e registre suas descobertas, incluindo o título do poema e o nome do autor.

b. Circule os versos que foram utilizados na composição do Hino Nacional Brasileiro.

APRENDENDO MAIS

2. Esse poema já foi utilizado como ponto de partida para a criação de muitos outros.

O poeta brasileiro Gonçalves Dias (1823-1864) estava estudando em Coimbra, Portugal, em 1843, quando compôs o poema “Canção do exílio”, que faz parte da obra Primeiros cantos, publicada em 1846. À época, o nacionalismo influenciava muito a nossa literatura. A Proclamação da Independência havia ocorrido recentemente, em 1822, e se buscava enaltecer na arte os valores naturais e os pontos positivos do Brasil.

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3 Religiões e migrações:

um jogo social

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As migrações não devem ser consideradas como um fator que afeta os indivíduos isoladamente, pois atingem a coletividade. Quando acontecem em grandes escalas, também exercem forte influência sobre a sociedade de maneira geral, em especial nos locais que recebem grande número de imigrantes.

Não são apenas os migrantes que precisam se adaptar à nova realidade em seu local de destino. A sociedade também precisa se adequar para ser inclusiva e oferecer uma boa acolhida e respeito aos que chegam, para que todas as pessoas possam ter acesso a moradia, educação, atendimento médico, trabalho, lazer, enfim, todos os seus direitos garantidos.

Quando falamos de encontros e reencontros, também falamos de tradições religiosas, não é mesmo? Afinal, quando elementos de religiões diferentes se encontram, fazem nascer algo novo. E não podemos esquecer que as pessoas carregam consigo suas tradições religiosas e seus valores, que se encontram com os daqueles que conhecem, e assim vão ressignificando suas crenças e suas vidas. É bastante comum os migrantes se aproximarem, no novo destino, de pessoas que vieram do mesmo lugar que eles. É uma forma de se sentirem mais fortalecidos e de criarem laços afetivos.

Tudo isso cria um complexo jogo social no qual todos os jogadores precisam agir com o mesmo objetivo: que todos sejam vitoriosos.

Do ponto de vista existencial, os migrantes constroem territorialidades próprias que são verdadeiros microcosmos ou pequenos mundos nos quais compartilham lugares, paisagens, signos e símbolos. Nos microcosmos tem-se uma existência espacial coletiva: o grupo pensa, organiza e vive seu território de maneira semelhante por partilhar uma mesma cultura e um determinado estilo/modo de vida.

MARANDOLA JR., Eduardo; DAL GALLO, Priscila Marchiori.

Ser migrante: implicações territoriais e existenciais da migração.

In: Rebep. Rio de Janeiro: Abep, v. 27, n. 2, jul./dez. 2010, p. 415.

Disponível em: <http://ftd.li/hywz8d>. Acesso em: 7 maio 2019.

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1. Observe a imagem, leia a legenda e responda.

Santuário do Budismo e do Hinduísmo em Darjeeling, na Índia.

Bandeiras de oração coloridas flutuam ao vento em nome da paz.

a. Por que a convivência pacífica entre as religiões pode colaborar para que todos sejam beneficiados?

b. O que pode ser feito no dia a dia em nome da paz?

2. Faça um desenho ou uma colagem para mostrar como você imagina um mundo onde o migrante e toda a sua bagagem cultural, religiosa, intelectual e criativa sejam bem acolhidos.

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No final do século XIX, com a abolição da escravidão e a Proclamação da República, o governo brasileiro passou a incentivar a vinda de pessoas de diferentes países para suprir a mão de obra tanto nas fazendas como nas indústrias que começavam a surgir.

Os japoneses que vieram para cá se fixaram mais na região Sudeste e trouxeram, entre outras contribuições, suas práticas religiosas budistas e xintoístas. A maioria dos alemães se fixou na região Sul e ajudou a difundir o Protestantismo em nosso país.

Outros povos europeus, como italianos e espanhóis católicos, fixaram residência em diferentes localidades, especialmente para trabalhar em lavouras de café ou para formar a mão de obra operária nas grandes cidades.

O incentivo maior era para que pessoas brancas e católicas migrassem para o Brasil, numa tentativa governamental de “embranquecer” a população do país.

Durante o século XX, a imigração para o Brasil foi muito intensa, pois a maior parte dos países da Europa sofria crises econômicas e políticas decorrentes das duas guerras mundiais, a primeira ocorrida entre 1914 e 1918 e a segunda, entre 1939 e 1945.

Assim, a migração para o Brasil parecia uma boa opção para pessoas que buscavam condições de vida menos desfavoráveis, mesmo que fosse em um contexto bem diferente em relação ao de sua origem.

Também foi notável o número de miMulheres e crianças saindo dos porões em que estavam escondidas depois que os países aliados grantes vindos de países vizinhos que se (Sérvia, Rússia, França, Bélgica, Grã-Bretanha, Japão, encontravam em uma situação socioecoItália, Romênia, EUA, Brasil etc.) libertaram a cidade francesa de Château-Thierry, em julho de 1918. nômica mais difícil do que a do Brasil.

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4 O Brasil e o cenário internacional

Nós viemos para São Paulo em 1910 para voltar para a Itália, mas estalou a guerra ítalo-turca, lá na Líbia, e tivemos medo que papai e meu irmão mais velho fossem convocados. Ficamos em São Paulo, na Bela Vista [...]. Essa casa, que era térrea, com dois dormitórios, onde dormíamos todos, ainda existe. Tinha quintal, onde criávamos galinhas, e porão.

Depoimento de Sr. Antônio. In: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 226.

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1. Observe as imagens a seguir e leia as legendas.

Dois homens alemães, um vestindo a braçadeira indicativa de cegueira, sentados em uma caixa entre os escombros. Berlim, Alemanha, 1945.

Alunos observam efeitos da destruição causada pela guerra no Iêmen, 2018.

2. Reflita sobre estas questões e registre suas ideias em um pequeno texto. a. Como as guerras impactam a vida das pessoas? b. Os sofrimentos decorrentes das guerras deixam que tipo de marcas?

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5 Os migrantes levam consigo

a religiosidade

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Podemos dizer que as experiências religiosas também são migrantes.

E que, além disso, são mutáveis, visto que sofrem influências das religiões locais, ganhando novas formas, e também as influenciam.

Ainda assim, a religiosidade configura um patrimônio dos migrantes, auxiliando-os na adaptação ao novo lugar em que se estabelecem.

A pluralidade desses encontros cria um mosaico composto de inúmeras tradições culturais e religiosas. Um exemplo disso é a forma como os diferentes povos lidam com as questões relacionadas à vida e à morte.

Embora muitas tradições religiosas considerem a morte uma passagem, essa passagem é vista sob variados aspectos. Os hindus acreditam em uma sequência de mortes e reencarnações.

O Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo creem na ressurreição da vida. Os budistas e os espíritas acreditam na reencarnação. As sociedades tribais, como algumas nações indígenas e africanas, acreditam que seus ancestrais continuam presentes no mundo dos vivos. No México, por exemplo, a festa do Dia dos Mortos, além de uma tradição cultural, é uma grande celebração religiosa em honra às pessoas queridas que já partiram. A fesLa Catrina, caveira tividade acontece no mês de novembro em todo o símbolo da festa do Dia país e também em países com muitos imigrantes dos Mortos. Cidade do México, México, 2016. mexicanos, como é o caso dos Estados Unidos.

Entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro, as cerimônias se materializam em altares com as comidas favoritas dos mortos, além de muitas flores e velas. A construção dos altares é fenômeno familiar de rememorações e de alegrias. Segundo a tradição dos locais, os mortos regressam uma vez ao ano para visitar os parentes. As mesas fartas, os pórticos floridos e as pessoas fantasiadas de caveiras são uma forma de bem recebê-los e de fazer com que eles não se sintam estranhos. As visitas são desejadas e os anfitriões se caracterizam para estar como os visitantes numa verdadeira festa e sem qualquer conotação macabra.

FREITAS NETO, José Alves de. O México e a festa dos mortos. In: Jornal da Unicamp. Disponível em: <http://ftd.li/92mhdb>. Acesso em: 6 maio 2019.

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Observe a imagem e a legenda.

Dia de Todos os Santos em um cemitério de Budapeste, capital da Hungria, 2017.

a. O que as pessoas estão fazendo, em memória de seus mortos?

b. Como você entende a vida e a morte? Utilize o espaço abaixo para fazer uma colagem e demonstrar suas reflexões.

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6 Experiências religiosas são

fundamentais A experiência religiosa pode ser considerada um porto seguro na caminhada que o migrante faz em direção a um lugar desconhecido, pois o ampara e o ajuda a criar sua própria individualidade dentro da sociedade.

Observe as fotos e elabore uma legenda para cada uma, identificando as tradições religiosas representadas. b

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7 Descendente de samurais: Dona Mitsue nasceu em Catanduva, no interior do estado de São Paulo, em 1934, e é filha de imigrantes japoneses, que chegaram ao Brasil no início do século XX. Leia trechos da entrevista que ela concedeu ao Museu da Pessoa.

ACERVO/MUSEU DA PESSOA

Mitsue Tsuhako Tokeshi

P/1 — Seus pais já se conheciam ou se conheceram aqui?

R — Não, casaram lá. Casaram em 1918 e era um período em que o Japão era muito pobre, paupérrimo mesmo, então o próprio governo estimulava que se imigrasse, e também o governo brasileiro estava sempre fazendo muita propaganda porque havia acabado a escravidão, eles estavam precisando de mão de obra, então faziam uma propaganda muito grande no Japão, disseram que era uma terra que dava muito dinheiro. Então todos eles vieram pra ganhar dinheiro e com meu pai também não foi diferente. O meu pai, Mitsuo Tsuhako, ele pertencia a uma família de samurais, eu não sei em que data, mas foi abolida no Japão aquela separação de classes, de nobres e plebeus, acho que não fazia muito tempo e meu [avô], ele era também de uma família de samurais, mas pobres, e ele se dedicava a paisagismo, projetava jardins e fazia ikebana. Esse era o meu avô. Um samurai assim, rigoroso, muito correto. Com isso [o avô não concordando com a unificação das classes entre nobres e plebeus] ficou difícil educar os filhos, e meu pai, não sei se ele tinha 13 ou 14 anos, ele foi colocado numa família de gente abastada que eram comerciantes, pra trabalhar e ser educado. [...] O gerente dessa loja gostava muito dele porque ele sempre foi uma pessoa muito correta, muito trabalhadora, assim muito estabanado um pouco, mas era muito querido. [...] E daí papai serviu também a guerra da Coreia. Tem uma foto que ele está – naquele tempo acho que o Japão ocupava a Coreia, não sei, e se casou com minha mãe, Nakami, e que também pertencia a uma família de samurais. Só que naquele tempo, 1800… ela nasceu em 1895, não mandava as meninas pra escola, então mamãe era analfabeta. Agora o papai aprendeu porque menino tinha que estudar. E ela ficou órfã muito cedo e foi criada pelos parentes dentro desses, de um palácio, porque também era uma família de nobres. Eles se casaram. [...] vieram, não sei quantos meses de viagem de navio e, chegando aqui, do Porto de Santos, eles eram todos trazidos pra São Paulo, onde tinha a casa do imigrante, e da casa do imigrante cada grupo seguia pra uma região, de trem. Eles 13

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foram pra região de Araraquarense, Alto Araraquarense, e foram trabalhar na fazenda de café. Os dois eram pessoas da cidade, nunca tinham pego na enxada, nada. Sofreram bastante, mas, assim que chegou, meu pai percebeu que o que diziam lá no Japão e o que era a realidade aqui eram muito diferentes, os ganhos, o contrato, tudo. [...]

P/1 — Ele queria voltar? Ele tinha o desejo de voltar?

R — Voltar, todos eles. [...]

P/1 — Que idade que eles [os irmãos de Mitsue] tinham nessa época?

R — Nessa época mais ou... Enfim, esses três filhos meu pai educou pra mandá-los pro Japão. Então fizeram até o quarto ano primário e receberam uma educação japonesa. Então as duas eram fluentes em japonês, tanto pra falar quanto pra escrever. Estavam sendo preparadas pra ir pro Japão pra casar, então eram moças japonesas. Mas daí, naquele tempo, papai plantava algodão, extensão grande! Mas veio e guerra e ele perdeu.

Levou oito anos pra pagar a dívida que ficou daquela ocasião. [...] O papai perdeu todo o dinheiro e com a guerra, sabiam que não iam mais voltar. Ele pegou os três filhos mais velhos, as minhas duas irmãs eram costureiras, porque toda família japonesa a filha tinha que ser costureira. Aí viemos pra São Paulo e eu, pequena, com sete anos eu vim. Não falava português, só falava japonês, fui pra escola sem falar uma palavra.

Entendia um pouquinho. E daí papai alugou uma casa em São Paulo. [...]

Eu fui pra escola com sete anos e naquela época, em São Paulo, isso em 40, tinham um bom tanto de japoneses morando na área da Liberdade.

Todos paupérrimos, com exceção de um ou outro e primeiro porque era situação de guerra, acho que até pro brasileiro não devia ser fácil. E existia uma escola que se chamava Escola São Francisco Xavier. Era dirigido por um padre italiano, chamava-se Padre Guido del Toro [...]. A criançada de todo aquele bairro da Liberdade ia pra essa escola. Eu também fui lá, fui batizada. A gente recebeu educação religiosa católica lá. E esse padre foi muito, muito bom e havia também professoras, diretora, chamava-se Lisa... até outro dia eu lembrava, que se dedicou às crianças da colônia japonesa, e a gente estudava português de manhã e à tarde tinha japonês. E com a guerra, o ensino de japonês foi proibido, então a gente estudava escondido. [...]

P/1 — Eu fiquei com uma dúvida no começo. Seus pais eram budistas e viraram católicos aqui? Como é que foi?

R — Isso preciso contar, realmente. Papai era muito religioso. Os dois eram budistas, mas o papai era mais religioso. Eu ouvia ele cantando os mantras budistas todo instante, e nos ensinava. [...]

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Iluminação de rua no bairro da Liberdade, onde D. Mitsue morou quando se mudou para a cidade de São Paulo, na década de 1940.

P/1 — Que ensinamentos ele falava que você lembra?

R — Eu não lembro muito bem, por exemplo, um dia eu tava chorando aí ele me pôs no colo e disse: “Não precisa chorar porque o papai está segurando você com seus braços, mas lembre-se por toda a sua vida que a gente tá sentado no colo de Deus Pai e ele está sempre com os braços assim, à sua volta.

Sangue de Samurai – Entrevista com Mitsue Tsuhako Tokeshi. Museu da Pessoa. Disponível em: <http://ftd.li/hsoxmn>. Acesso em: 6 maio 2019.

1. Marque X para identificar aspectos referentes à migração e à religião presentes na história de D. Mitsue. ( ) D. Mitsue passou por situações de migração do Japão para o Brasil e do campo para a cidade. ( ) A família de D. Mitsue migrou do Japão para o Brasil e do campo para a cidade, e, depois, para uma cidade grande. ( ) No Brasil, D. Mitsue passou por situações de migração de uma cidade do interior para uma capital. ( ) A família de D. Mitsue vivenciou experiências religiosas católicas no Brasil, pois praticava o Budismo somente no Japão. ( ) A família de D. Mitsue vivenciou experiências religiosas budistas e católicas.

2. Identifique e circule na entrevista uma situação em que o sentimento religioso trouxe impacto na vida da D. Mitsue.

3. Circule no texto os aspectos históricos e culturais da história de D. Mitsue que achou mais interessantes.

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8 Uma autobiografia Você refletiu a respeito de quanto as experiências, principalmente as religiosas, são essenciais na vida das pessoas. Também refletiu sobre a sua vida.

Agora, use o espaço abaixo para escrever sua autobiografia. Depois, cole uma foto sua bem bonita!

APÓS TANTOS ENCONTROS E REENCONTROS… Como este livro que você ajudou a escrever colaborou para promover encontros e reencontros?

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Copyright © Ednilce Duran e Glair Arruda, 2019

BIBLIOGRAFIA AGIER, M. Migrações, descentramento e cosmopolitismo: uma antropologia das fronteiras. Alagoas/ São Paulo: Edufal/Unesp, 2015.

BAGGIO, F.; PARISE, P.; SANCHEZ, W. L. Mobilidade humana e identidades religiosas. São Paulo: Paulus, 2016.

COSTA, N. M. As raízes ibéricas da devoção mariana no catolicismo popular no Brasil: na ótica da dramaturgia de Ariano Suassuna. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso. Especialização em Ciência da Religião – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

PEREIRA, G. M. S.; PEREIRA, J. R. S. Migração e globalização: um olhar interdisciplinar. Curitiba: CRV, 2012.

USARSKI, F. A estrutura heurística da pesquisa sobre religião e processos migratórios: síntese e exemplificação. In: Revista Estudos de Religião. São Bernardo do Campo: UMESP, v. 31, n. 3, 2017.

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