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CONTOS

© 2011 Cláudio Emanuel Abdala

Os direitos autorais desta obra foram cedidos para o Núcleo Espírita Campo da Paz.

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A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança”, colabora na manutenção da Comunidade Psicossomática Nova Consciência (clínica masculina para tratamento da dependência química), e patrocina, junto com outras empresas, a Central de Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari‑SP.

1ª edição – junho/2011 – 2.000 exemplares

Capa: André Stenico

Diagramação: Antonio do C. Martimbianco

Revisão: Adriano Celso Rodrigues

Maria Odília da Cunha Editora EME

Revisado de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Ficha catalográfica elaborada na editora

Santana, Cláudio Emanuel Abdala de Contos da vida. Cláudio Emanuel Abdala. – 1ª ed., jun. 2011 – Capivari‑SP: Editora EME.

152 p.

1. Literatura brasileira. 2. Contos. 3. Espiritualidade.

4. Espiritismo. 5. Moral cristã. I. Título.

CDD 133.9 / 869.0

Apresenta O

O autor desta obra, Cláudio Emanuel, é um jovem inteligente, estudioso e voltado para o bem. Encontra‑ ‑se empenhado, com outros jovens, na construção e instalação de uma Casa para assistência a crianças com deficiências e pessoas idosas carentes.

O resultado da venda deste livro será revertido em favor da efetivação do ideal.

Contos da Vida, cujo conteúdo tem um caráter pro fundamente educativo, pelas reflexões que provoca e os exemplos comportamentais que oferece, merece ser lido por todas aquelas pessoas que sonham com uma sociedade humanizada e solidária com os ensinos de Jesus, que aconselha “amar a Deus sobre todas as coi‑ sas e ao próximo como a si mesmo”.

Salvador, 21 de maio de 2011

Ildefonso do Espírito Santo

Tendo plena convicção de que tudo provém de Deus, nosso Criador e Pai amado, não ousaria negar o auxílio dos companheiros espirituais na constru‑ ção desta obra. Evidentemente, alguns perguntarão: Quais os nomes?

É comum buscarmos os nomes dos grandes Emis‑ sários Espirituais, esquecendo‑nos dos Emissários Es‑ pirituais grandes, aqueles que apesar de desconheci dos pelos nomes, são grandes nas tarefas de Jesus e “não se sentem diminuídos quando se tornam peque‑ ninos a fim de auxiliar‑nos”.

Em verdade, o que importa é a mensagem de amor e de fraternidade, que se expressa no bem, materializando‑se na caridade. Os nomes são secun dários; o valor verdadeiro está no amor do Ser por trás do nome.

Fazemos parte de uma grande cadeia de fraterni‑ dade, tudo que fazemos tem um pouco de tudo que nos cerca, visível e invisível aos nossos olhos. É sau‑ dável sentirmo‑nos integrados ao Universo que pulsa envolvido no amor de Deus, dessa forma não há lu‑ gar para o egoísmo, orgulho e solidão. Tudo é amor, paz, vida e luz. Agradeço a esses irmãos espirituais que apesar de invisíveis, estão sempre dispostos a nos socorrer e sempre presentes como verdadeiros repre‑ sentantes do Cristo em nossas vidas.

Salvador, abril de 2011. Cláudio Emanuel Abdala de Santana

Resposta Da Vida

Deitado em um leito hospitalar, estava o sr. Hermó genes e diante dele um jovem médico.

— Dr. Marcelo – perguntou o paciente angustiado – será que eu vou escapar dessa?

— Meu caro Hermógenes, o seu caso é um pouco delicado, você está com um câncer bastante volumoso no mediastino, ele está comprimindo o seu coração e os pulmões, e, por ser uma área muito vasculariza da, a cirurgia será muito delicada. Entretanto, você está respondendo bem a quimioterapia. Creio que há boas possibilidades.

— Estou aqui – disse o paciente mais animado –porque tenho referências do senhor, inclusive como um dos mais competentes na área em nosso país.

— Se tudo correr como programado – arrematou o médico – faremos a cirurgia na próxima semana.

Quando dr. Marcelo ia saindo, foi chamado por Hermógenes.

— Doutor, o senhor dispõe de mais algum tempo?

— Só mais um pouquinho. Pode falar.

— Vendo o senhor assim tão jovem, eu me lembrei que ele poderia estar com sua idade.

— Ele quem?

— Eu vou contar ao senhor toda a minha história.

— Estou perdido – disse o médico brincando – vou passar aqui o resto do mês.

— Eu era muito jovem – começou o interlocutor – e me apaixonei completamente por Marta, uma mulher linda, uma verdadeira rainha do Ébano. Iniciamos o namoro, mas não fazia planos de casamento. Com mi nha mente doentia e preconceituosa, eu poderia na‑ morar, com uma negra, mas casar‑me com ela jamais. O tempo foi passando e eu cada vez mais apaixonado.

Além de muito linda, Marta, de um coração de ouro e um caráter incorruptível, seria a mulher ideal para qualquer homem, mas casar‑se comigo nem pensar.

Um dia, estávamos em meu apartamento, quando ela, toda sorridente comentou que tinha uma grande surpresa para mim. Depois de algum tempo em silên‑ cio, sentenciou que estava grávida, com dois meses e meio de gestação.

O senhor imagina como fiquei? O mundo inteiro desabou em minha cabeça. Como eu ia explicar aos meus pais que eles iriam ter um neto negro ou no mí nimo moreninho?

— E o que o senhor fez? – perguntou o médi‑ co curioso.

— Deixei‑a no apartamento e retornei com uma medicação abortiva para ela tomar. Um filho naque le momento, e, em tais circunstâncias, seria o fim da minha vida.

— E ela aceitou?

— Não, ela chorou muito, tentou sair; eu não dei‑ xei, fechei a porta, segurei‑a à força, e com um copo na mão forcei a beber o remédio.

— E depois – perguntou dr. Marcelo demonstran do angústia no olhar – o que aconteceu?

— Eu estava enlouquecido, desesperado, tranquei‑ ‑a no quarto e esperei. Algumas horas depois ela per deu a criança, estava sangrando muito. Eu tentei aju‑ dar, mas ela recusou. Ela saiu chorando e eu nunca mais a encontrei. Contando ao senhor, parece que foi ontem, mas já faz vinte e nove anos.

— O senhor não tem remorso?

— Eu sinto – respondeu Hermógenes com triste‑ za no olhar – sinto muito! Depois de algum tempo casei‑me, fui pai de um lindo menino de olhos ver‑ des, porém, aos dezoito anos, morreu num acidente de automóvel na via Dutra. Parece que foi um castigo de Deus! Não tive outros filhos. Doutor perdoe‑me, afinal de contas o senhor é médico e não padre.

O médico nada respondeu. Despediram‑se, e o doutor foi atender outros pacientes. * * *

Após uma semana, no dia da cirurgia, duran‑ te a avaliação pré‑operatória, o senhor Hermóge nes comentou:

— Doutor , eu estou com muito medo! Tenho pen‑ sado em Marta e na criança que eu a fiz abortar! Será que Marta também morreu e os dois me esperam no Além para o acerto de contas?

— Deixe de bobagens – falou o médico buscando animá‑lo. – Você está ótimo, a cirurgia vai ser um su cesso e você vai ficar “vivinho da silva”! Às vezes, o acerto de contas se dá de outras formas!

Realmente, tudo correu bem. A cirurgia foi fan tástica, Hermógenes perdeu parte do pulmão direito, mas ficou ótimo.

Seis meses depois, em uma das avaliações periódi cas, o dr. Marcelo perguntou a Hermógenes:

— Se o senhor pudesse voltar no tempo, no caso de Marta, o que o senhor faria?

— Eu estou mudado – disse com os olhos em lágri mas. Eu a aceitaria e ao meu filho, pois descobri com o sofrimento que o amor não tem cor. Entretanto, dou‑ tor, o tempo não volta, e eu tenho que amargar esse remorso. Quero agradecer pelo senhor ter salvo a mi‑ nha vida. Soube que estive quase morto, e contaram‑ ‑me que nunca o senhor se mostrou tão empenhado em salvar a vida de um paciente como fez comigo.

—Eu não poderia proceder de outra forma – dis‑ se dr. Marcelo em prantos – pois era a primeira vez que eu tinha na mesa de cirurgia, meu próprio pai como paciente!

A “ADOÇÃO”

A madrugada avançava ao encontro da alvorada, entretanto, o nascimento do astro‑rei não seria símbo‑ lo de renovação da vida para todos. Sentados em uma ruela de uma metrópole, encontravam‑se três jovens: Paulo, com quinze anos de idade, Henrique com qua torze e João com treze. Após a noite de perambulação, realizando pequenos roubos, “viajavam” no consumo da cocaína, e, após alguns minutos de silêncio, come çaram a conversar:

— Cara – perguntou Paulo a Henrique – me conta como foi que você entrou nessa vida?

— Pela barriga da minha mãe – respondeu sorrindo.

— Engraçadinho, eu estou perguntando na vida das drogas, do crime, da marginalidade.

— Eu não gosto de fazer esse tipo de viagem – res pondeu a contragosto – mas porque você é minha cor‑ rente, eu vou contar. Eu tenho oito irmãos, meu pai só vive bêbado, briga com minha mãe, bate nela e ela também que não é besta, bate nele. A gente mora num

EMANUEL Abdala

barraco no morro. Tem dia que minha casa parece um inferno. Eu e meus irmãos somos criados como se cria batatas, sabe como? Joga no mundo que o tempo cria, a chuva, o sol e o vento, o dia, a noite e o sereno fazem o resto. Não suportei e saí de casa, agora meu pai e minha mãe são o pó branco. E você, como foi?

— Comigo foi bem diferente, praticamente o con trário. Você sabe né, eu sou do Leblon, família rica, o famoso “filhinho do papai”. Desde pequeno, meus pais fizeram todas as minhas vontades. Eles vivem em outro mundo, desde cedo aprendi a viver com as babás. Sabe por quê? Porque eles que dizem que são meus pais, vivem para as festas, encontros sociais, chás das cinco, viagens para Europa. O meu quar to está entupido de presentes de todas as partes do mundo, sempre estudei nas melhores escolas. Todas as minhas vontades são atendidas. Eu me lembro que num Natal, eu pedi de presente a Papai Noel, um pai e uma mãe, porque o resto eu tinha, o dinheiro deles podia comprar.

— E eles sabem o que você anda fazendo?

— Eles enxergam em mim o que querem, mas na verdade acho que sou invisível. Primeiro, transferi‑ ram toda a responsabilidade da minha educação para as babás e depois para os professores. Enquanto eles viajam pelo mundo, eu “viajo” sem sair do lugar. E você, pouca sombra – perguntou a João sorrindo – vai ficar aí só ouvindo? Conte para a gente a sua longa história de vida.

— Contar o quê? – perguntou magoado – vocês ainda têm pais para reclamar e acusar, eu nem isso te‑ nho. Fui criado em orfanato, depois de ter sido achado em uma caixa de papelão na porta de uma igreja. De pois que a diretora morreu, seu Raimundo apareceu, e tentou me fazer de mulher. Aí eu fugi. De lá para cá, a minha casa é a rua, e aqui fora é muito difícil não cair nos braços da marginalidade. A maconha é o cartão de visitas, e, depois, vêm as drogas mais pesadas.

O silêncio se fez pesado. Os três estavam chorando, quando João, ainda com a inocência que só as crianças têm, falou:

— Eu não queria que fosse assim. Eu queria ser normal como a maioria das crianças. Às vezes, quero trabalhar, pego a flanelinha, e no semáforo, quando vou me aproximando as pessoas fecham o vidro da janela. É aí que me revolto e dá vontade de roubar mesmo. – E chorando, agora mais intensamente, arre mata: – eu só quero uma chance, eu só quero ser feliz!

O dia nasceu, as pessoas começaram a se acoto‑ velar nas ruas, cada uma em busca dos seus sonhos e ideais, preocupadas com suas questões, passam na entrada da ruela sem perceber, que sobre papelões, três crianças, de origens diferentes, dormem, talvez sonhando com um mundo melhor e mais justo, onde as drogas não encontrando as portas abertas, não mais adotem os nossos filhos.