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ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua

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de julho de 2021

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Figura 1.1 – Fatores extrínsecos e intrínsecos para crescimento microbiano.

Entender os fatores que afetam o desenvolvimento microbiano é essencial para selecionar os processos de conservação mais adequados para serem aplicados nos diversos tipos de alimentos. De modo geral, a aplicação de métodos de conservação está associada ao controle do crescimento microbiano para eliminar riscos à saúde do consumidor, bem como prevenir ou retardar o surgimento de alterações indesejáveis nos alimentos. Assim, os processos de conservação de alimentos baseiam-se na inativação parcial ou total dos microrganismos e enzimas capazes de alterar o alimento ou na modificação/ eliminação de um ou mais fatores que são essenciais para a sua multiplicação, de modo que o alimento não se torne propício ao desenvolvimento microbiano.

Os métodos de conservação são baseados em princípios ou fatores conservantes, que podem ser classificados como métodos biológicos, químicos ou físicos (Figura 1.2). Os métodos biológicos se resumem a processos fermentativos, como é o caso do vinho, da cerveja e do iogurte. Já os métodos químicos estão relacionados aos processos de controle do pH/acidez e adição de conservantes químicos, como agentes antimicrobianos e antioxidantes. Por fim, os métodos físicos podem ser subdivididos em outras categorias, como térmicos e não térmicos, com uso de temperaturas elevadas ou baixas, remoção parcial do conteúdo de água, diminuição ou remoção do oxigênio na embalagem entre outros.

Os métodos convencionais de conservação de alimentos geralmente utilizam o aquecimento para eliminar microrganismos, porém podem apresentar como desvantagem alterações sensoriais e nutricionais no produto. A crescente demanda dos consumidores por produtos “frescos” tem estimulado o desenvolvimento de novos métodos que sejam capazes de preservar ao máximo a qualidade sensorial e nutricional do produto in natura. Como exemplos de novos métodos de conservação estão o aquecimento ôhmico, micro-ondas, alta pressão hidrostática, ultrassom, irradiação, campos elétricos pulsados,

luz ultravioleta e plasma frio. Este capítulo tem por objetivo apresentar uma abordagem geral acerca das tecnologias convencionais e emergentes de conservação de alimentos.

Figura 1.2 – Principais métodos de conservação de alimentos.

TECNOLOGIAS CONVENCIONAIS DE CONSERVAÇÃO DE

ALIMENTOS

O tratamento térmico continua sendo um dos métodos mais importantes e utilizados no processamento de alimentos. A aplicação de calor tem efeito de conservação por

CAPÍTULO 2

ALTA PRESSÃO

Ludmilla de Carvalho Oliveira, Fabiana Helen dos Santos, Beatriz Lederman Valente, Marcelo Cristianini

INTRODUÇÃO

A alta pressão isostática (API), também conhecida por alta pressão hidrostática, é uma tecnologia emergente de processamento de alimentos que vem sendo pouco a pouco explorada pela indústria de alimentos. Os primeiros registros de aplicação da API em alimentos são do final do século XIX, quando se observou que a vida de prateleira de alguns produtos, como o leite, poderia ser estendida após a destruição de microrganismos resultante da pressurização. Anos depois, já em 1987, teve-se registro da inibição da inversão ácida da sacarose pela aplicação de 50 MPa. O uso de intensidades mais elevadas de alta pressão (400 a 900 MPa), no entanto, só aconteceu nos anos 1990, com a introdução de geleias processadas por API no mercado japonês. Em 1997, o guacamole e o presunto fatiado foram os primeiros produtos processados por API comercializados nos Estados Unidos e Espanha, respectivamente. Com o avanço das pesquisas, uma série de produtos passou a ser produzida industrialmente com a utilização dessa tecnologia, incluindo sucos, alimentos prontos para o consumo à base de frutas e vegetais, molhos e produtos à base de carne, peixes e frutos do mar.

A API é uma tecnologia física que consiste basicamente em submeter alimentos sólidos ou líquidos a alta pressão (de até 1.000 MPa), podendo ser combinada ou não com a aplicação de calor. A pressão é transmitida instantânea e uniformemente ao alimento (princípio isostático), independentemente do tamanho ou formato do mesmo, por meio de um líquido que normalmente é a água. O processo a API foi inicialmente desenvolvido para a conservação de alimentos, tendo como principal objetivo a inativação de microrganismos (bactérias vegetativas, leveduras e bolores) e de enzimas. Por

não haver necessidade de exposição do alimento a altas temperaturas, o uso da API propicia maior retenção dos atributos de qualidade nutricional e sensorial, comparado ao processo térmico.

Um marco importante na tecnologia da API foi sua aprovação pela Food and Drug Administration (FDA). Para processadores de sucos, o FDA regulamenta a necessidade de reduzir 5 log e manter-se até o final da vida de prateleira do produto do microrganismo pertinente.

Graças à capacidade da alta pressão de induzir alterações na conformação de moléculas, já validada no campo científico, a tecnologia também possui importância na modificação de macromoléculas, como amido, fibra alimentar (FA) e proteínas, bem como na modulação de suas propriedades técnico-funcionais. As alterações sobre a matriz alimentícia resultam principalmente dos efeitos sobre as interações eletrostáticas, pontes de hidrogênio e forças de van der Waals, que mantêm a estrutura das moléculas e as ligações covalentes. É esta última habilidade que sustenta a preservação da atividade biológica de compostos funcionais nos produtos alimentícios processados, como o ácido ascórbico, folatos, antocianinas, licopeno etc. Esses efeitos podem ser controlados pelo ajuste na intensidade da pressão, nos ciclos de pressão, no tempo de exposição à pressão e na temperatura.

Além do processamento por API oferecer vantagens aos processos térmicos na conservação de alimentos, a tecnologia é considerada uma das mais sustentáveis e verdes, segura, limpa (não gera resíduos) e apresenta um melhor aproveitamento da energia utilizada. Por essas e outras características, a API é capaz de oferecer soluções às demandas atuais dos consumidores por alimentos processados que preservem ao máximo as características sensoriais dos alimentos in natura, com pouca ou sem adição de aditivos artificiais, por exemplo: os clean label (tendência associada ao rótulo limpo e sem aditivos). Apesar de seu custo ainda ser elevado, este vem reduzindo nas últimas duas décadas, e o investimento em equipamentos na indústria de alimentos encontra-se em expansão, sobretudo como resposta a essas forças de mercado. O futuro da aplicação da API é promissor, graças ao desenvolvimento da tecnologia, à elaboração e estipulação de leis e regulamentações associadas ao alimento e à melhoria na capacidade de fabricação e instalações.

Este capítulo tem como objetivo geral reunir informações a respeito da tecnologia de API aplicada aos alimentos, apresentando uma descrição detalhada sobre o equipamento e os princípios básicos de operação. Quanto ao efeito da API sobre a estabilidade dos alimentos, que ainda é a principal justificativa para o uso da tecnologia nesse segmento, dá-se atenção à capacidade de inativação microbiológica e modulação da atividade enzimática pela pressão. Demais modificações induzidas pela API são discutidas individualmente para os principais constituintes dos alimentos (proteínas, polissacarídeos, pigmentos e vitaminas), com informações acerca dos mecanismos e das alterações bioquímicas e técnico-funcionais resultantes. No geral, o capítulo prioriza uma abordagem mais atual da aplicação da tecnologia e o potencial de oferecer alimentos e ingredientes inovadores, seguros e de qualidade, embasado nos principais estudos sobre avanços publicados, sobretudo nos últimos dez anos.

A TECNOLOGIA DE ALTA PRESSÃO ISOSTÁTICA: PRINCÍPIOS E

CONCEITOS

A tecnologia de alta pressão isostática (API), também conhecida como pasteurização a frio ou até mesmo processo de alta pressão hidrostática (APH), tem sido reportada nos últimos 30 anos como uma das tecnologias emergentes mais investigadas e bem desenvolvidas para conservação de alimentos. A princípio, seu uso era focado na preservação e aumento da segurança microbiológica dos produtos, mas, atualmente, é também empregada para modificar e melhorar as propriedades dos alimentos, aumentar a biodisponibilidade, a bioacessibilidade e a recuperação de compostos de interesse e reduzir a alergenicidade e a formação de contaminantes nas matrizes alimentares.

Definida de modo geral como um tratamento não térmico, a API usa meios transmissores de pressão, sendo a água o mais conhecido e empregado, de tal modo que existe uma nomenclatura específica: alta pressão hidrostática (APH). Apesar da predominância da água, outros fluidos podem ser usados, como óleo de rícino, silicone, benzoato de sódio, etanol e glicol.

Basicamente, o processo de API em nível industrial consiste em alocar produtos líquidos ou sólidos já embalados em um recipiente hermeticamente fechado (câmara) e submetê-los a alta pressão, promovendo um efeito de pasteurização uniforme e instantâneo. Após o tempo de residência do produto na câmara, o equipamento é despressurizado, e o alimento pode ser retirado (Figura 2.1). A pressurização do sistema é promovida de forma indireta, ou seja, utiliza-se um ou mais intensificadores de pressão para bombear o meio transmissor pressurizado para o interior da câmara. Em casos específicos de equipamentos de laboratórios ou plantas pilotos, a pressurização se dá diretamente por um pistão.

Figura 2.1 – Diagrama do processamento por alta pressão isostática (API). Fonte: Adaptado de hiperbaric.com.

CAPÍTULO 3

FLUIDO SUPERCRÍTICO

Julian Martínez, Ana Carolina de Aguiar, Arthur Luiz Baião Dias, Juliane Viganó

INTRODUÇÃO

Este capítulo aborda diversas tecnologias que usam fluidos supercríticos no processamento de alimentos, porém, diferentemente da maioria das tecnologias emergentes tratadas neste livro, o uso de fluidos supercríticos não tem como foco principal a conservação de alimentos, e sim a produção de ingredientes e alimentos processados por meio de operações unitárias de transferência de massa, como extração, encapsulação, adsorção, secagem, entre outras que são descritas na seção “Aplicações”. A razão reside nas características físico-químicas dos fluidos supercríticos que, como detalhado na seção “Fundamentos teóricos”, fazem deles excelentes meios para solubilização e separação seletiva de compostos de interesse, assim como para transferência de massa. Por isso, e somando a possibilidade de operação em processos limpos, as tecnologias de fluidos supercríticos vêm ampliando seu escopo de aplicações na indústria de alimentos, como alternativa a processos tradicionais já consolidados que apresentam inconvenientes relacionados à qualidade e à segurança dos produtos, além de maiores custos de manufatura. Também é abordado o uso de dióxido de carbono supercrítico como forma de inativação de microrganismos, como alternativa aos tradicionais métodos térmicos. Finalmente, a avaliação econômica é explorada na seção “Aspectos econômicos”, que traz os fatores que afetam o custo de manufatura e investigações econômicas que podem embasar a escolha por processos e condições para obter os produtos desejados.

Em uma sociedade cada vez mais atenta ao meio ambiente, à alimentação saudável e ao aproveitamento integral dos recursos naturais, o desenvolvimento de processos industriais sustentáveis na produção de alimentos tem ganhado espaço. Como veremos,

tecnologias que usam fluidos supercríticos podem atender com sucesso a essas demandas, oferecendo métodos de produção limpos, econômicos, com pouca ou nenhuma geração de resíduos, e obtenção de produtos com alto valor tecnológico e nutricional.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

Substâncias puras podem existir nos estados físicos sólido, líquido e gasoso, dependendo das condições de pressão e temperatura em que se encontram. Líquidos e gases, em particular, são estados fluidos em que as substâncias podem ser usadas como solventes, meios de transporte de materiais ou reacionais. A eficácia nesses processos depende em grande parte das propriedades físico-químicas dos fluidos. Por exemplo, a baixa viscosidade oferece pouca resistência à transferência de massa, e o fluido torna-se um bom meio reacional; já a alta densidade tem maior quantidade de moléculas por volume, o que confere maior poder de solvatação de compostos com afinidade química.

Gases são menos viscosos que líquidos, e líquidos são mais densos que gases, de forma que cada estado físico proporciona vantagens específicas a uma substância para seu uso em processos. Entretanto, é possível que a substância apresente, ao mesmo tempo, as propriedades vantajosas de líquidos e gases quando ultrapassa esses dois estados.

Toda substância pura tem um ponto crítico, definido pela sua pressão crítica (PC) e temperatura crítica (TC). Se a pressão e a temperatura da substância estão, respectivamente, acima de PC e TC, ela se encontra no estado supercrítico. Em outras palavras, não se trata de um líquido, nem de um gás, e sim de um fluido supercrítico. A Figura 3.1 ilustra esquematicamente um típico diagrama de fases de uma substância pura, no qual é possível observar as regiões de sólido, líquido, gás e, em destaque, a região além do ponto crítico, onde está o fluido supercrítico.

Figura 3.1 – Diagrama de fases de uma substância pura.

Observe que não há uma distinção rígida entre a região supercrítica e as de líquido e gás, uma vez que não ocorrem transições bem definidas, como conhecemos para sólido-líquido (fusão), sólido-gás (sublimação) e líquido-gás (vaporização). A obtenção de um fluido supercrítico pode ser realizada apenas a partir de líquidos ou de gases. Em líquidos, pode ser feita a pressurização por bombeamento até uma pressão maior que PC, seguida do aquecimento até uma temperatura maior que TC; gases, por sua vez, podem ser pressurizados em compressores e, se necessário, aquecidos na sequência até ultrapassar PC e TC. A escolha do método de obtenção do fluido supercrítico depende do objetivo do processo.

Portanto, fluidos supercríticos são alternativas interessantes para processos industriais, como substitutos de líquidos ou gases. No processamento de alimentos, é mandatório o uso de solventes de grau alimentício, que não apresentem riscos à qualidade dos produtos e, principalmente, à saúde dos consumidores. Nesse sentido, a Tabela 3.1 mostra as propriedades críticas de algumas substâncias que podem ser usadas em processamento de alimentos, por possuírem grau alimentício.

Tabela 3.1 – Propriedades críticas de algumas substâncias com grau alimentício

Substância

Água Etanol

Dióxido de carbono

PC (bar)

221,2 61,4 73,8

TC (K)

647,3 513,9 304,1

P = pressão; T = temperatura.

Água e etanol são largamente usados no processamento de alimentos e bebidas, estando inclusive presentes na formulação de produtos. Porém, como mostra a Tabela 3.1, suas temperaturas críticas são muito altas, o que demanda grande consumo energético para aquecer acima de TC. Além disso, processos nessas temperaturas podem causar modificações indesejáveis nos produtos, como perda de nutrientes e alterações físicas e sensoriais.

O dióxido de carbono (CO2), por sua vez, tem uma TC pouco acima da temperatura ambiente, que é facilmente alcançável e permite a realização de processos em condições seguras e pouco agressivas aos produtos. Essa é uma das razões pelas quais o CO2 é o fluido supercrítico mais investigado e aplicado em processamento de produtos para consumo humano, como cosméticos, fármacos e alimentos. Além disso, o CO2 é uma substância inerte, não inflamável, de baixa toxicidade e fácil obtenção, sendo um subproduto de processos fermentativos. O uso de CO2 supercrítico em processos pode ser, inclusive, uma estratégia para reutilizar esta substância sem liberá-la na atmosfera.

Como mencionado, o poder de solvatação de um solvente aumenta com a sua densidade. Assim, sabendo que líquidos são mais densos que gases, é compreensível que sejam melhores solventes. Por outro lado, a viscosidade em gases é menor que em

CAPÍTULO 4

ULTRASSOM

Hugo Scudino, Jonas Toledo de Guimarães, Vitoria Hagemann Cauduro, Érico Marlon de Moraes Flores, Erick Akmeida Esmerino, Adriano Gomes da Cruz

INTRODUÇÃO

O som é constituído por ondas mecânicas propagadas em ciclos de compressão e rarefação, com frequência, amplitude e comprimento definidos, e transmitidas através de um meio físico. No espectro sonoro (Figura 4.1) podem ser observadas três faixas de frequência distintas, baseadas na audição humana: a faixa audível aos seres humanos (som) abrange frequências de 20 Hz a 20 kHz; abaixo dessa faixa, as ondas sonoras são definidas como infrassom e, acima, como ultrassom (20 kHz a 10 MHz). O ultrassom pode ser ainda subdividido em duas faixas: ultrassom convencional (20 kHz a 2 MHz), amplamente utilizado no processamento de alimentos, e ultrassom de diagnóstico (5 MHz a 10 MHz), utilizado principalmente para imagiologia médica e industrial e para a análise não destrutiva no controle de qualidade de alimentos.

Figura 4.1 – Espectro sonoro.

O potencial do ultrassom como tecnologia começou a ser considerado em 1880, quando Jacques e Pierre Currie descreveram, pela primeira vez, o efeito piezoelétrico, caracterizado pela capacidade de alguns materiais, como o quartzo, de sofrer polarização elétrica sob estresse mecânico. Esses materiais são normalmente utilizados na geração de ondas ultrassônicas nos equipamentos atuais. A primeira aplicação prática da tecnologia de ultrassom foi desenvolvida por Paul Langevin, em 1917, com o objetivo de identificar objetos submersos no mar. Esse sistema passou a ser conhecido como SONAR (Sound Navigation and Ranging).

Dez anos mais tarde, em 1927, foi publicado o artigo que originou a sonoquímica, área dedicada ao estudo dos efeitos físico-químicos do ultrassom. Neste estudo, denominado “The chemical effects of high frequency sound waves” (Os efeitos químicos de ondas sonoras de alta frequência), William Richards e Alfred Loomis descreveram a redução do ponto de ebulição de alguns líquidos, a liberação de gases dissolvidos da água e a aceleração de algumas reações químicas como consequência à aplicação de ultrassom. A partir desse ponto, diversos equipamentos e aplicações foram desenvolvidos em diferentes áreas, como a solda ultrassônica, a limpeza de superfícies, o sistema de diagnóstico por ultrassom, além de aplicações em síntese orgânica, produção de biocombustíveis e outros produtos de alto valor agregado a partir de biomassa, separação e formação de emulsões, processos de oxidação avançados e aumento da biodisponibilidade de micronutrientes em plantas.

Em adição à multidisciplinaridade, a tecnologia de ultrassom ainda possui atrativos no que diz respeito à sustentabilidade das aplicações em comparação a métodos tradicionais. Quando bem otimizados, os processos assistidos por ultrassom podem apresentar melhor rendimento e seletividade, com tempos de reação reduzidos, economia de energia, redução da geração de resíduos tóxicos e utilização de condições brandas e reagentes diluídos (podendo utilizar água como reagente). Em uma indústria como a de processamento de alimentos, a redução do gasto energético e dos insumos químicos faz do ultrassom uma alternativa aos métodos convencionais, que, em geral, apresentam menor eficiência. De acordo com Floros et al. (2010), o sistema alimentar, além de assegurar a segurança e o bem-estar dos consumidores, deve ser sustentável e proteger o meio ambiente e os recursos naturais. Dessa forma, a busca por tecnologias alternativas, como o ultrassom, que viabilizem a intensificação de processos e a valorização de resíduos é de suma importância para o desenvolvimento industrial no âmbito de processamento de alimentos.

Recentemente, os efeitos físico-químicos do ultrassom mostraram-se promissores para a aplicação em diversos procedimentos da indústria alimentícia, como secagem, separação sólido-líquido, emulsificação, extração, cristalização e congelamento, filtração, alterações na textura e viscosidade e inativação de microrganismos e enzimas. Em especial, a utilização de ultrassom vem sendo amplamente explorada sobretudo na indústria de laticínios. Como exemplo disso, o ultrassom possibilita a pasteurização e funcionalização do leite sem a necessidade de aplicação de altas temperaturas. Além disso, o ultrassom a altas frequências (300 a 500 kHz) tem sido utilizado para a separação da gordura do leite e modificação da viscosidade de sistemas de amido, enquanto

a baixas frequências (20 a 80 kHz) tem sido aplicado para a fabricação de emulsões nutritivas e encapsulamento de nutrientes.

Cabe destacar que o aumento de escala dos processos assistidos por ultrassom tem sido implementado para o aperfeiçoamento do processo de gelificação e para a redução da viscosidade de matérias-primas contendo soro e caseína na indústria de laticínios. Adicionalmente, na área de bioprocessos, essa tecnologia vem sendo utilizada com sucesso no aproveitamento de rejeitos das indústrias alimentícia e agropecuária para a fabricação de bioprodutos com alto valor agregado. Dessa forma, o ultrassom é descrito como uma alternativa promissora na implementação da economia circular.

A tecnologia de ultrassom tem o potencial para contribuir diretamente na intensificação de processos industriais na área de alimentos, viabilizando a utilização de metodologias com menor impacto ambiental e a obtenção de produtos com alto valor agregado. Com isso em mente, o presente capítulo destina-se a explorar as crescentes aplicações do ultrassom no processamento de alimentos, com ênfase em desenvolvimentos recentes e tendências futuras.

TECNOLOGIA DO ULTRASSOM

PRINCÍPIOS E TEORIA

Conforme mencionado anteriormente, as ondas ultrassônicas são ondas mecânicas tridimensionais transmitidas através de um meio físico (líquido, sólido ou gasoso) que contenha propriedades elásticas. Conforme a onda se propaga no meio, são geradas áreas com pressão alta (compressão) e baixa (rarefação). A variação máxima de pressão obtida em relação ao plano (amplitude da onda), designada como pressão acústica, é diretamente proporcional à quantidade de energia aplicada no sistema. Adicionalmente a essa variação de pressão, a vibração do meio provoca o deslocamento das partículas presentes, que pode ser no sentido da propagação (ondas longitudinais, observadas majoritariamente em fluidos) ou perpendicular a ela (ondas transversais, observadas em sólidos e alguns líquidos viscoelásticos, por possuírem elasticidade quando submetidos à tensão de cisalhamento). Além disso, cabe destacar que as variações de pressão e de posição das partículas ocorrem fora de fase, ou seja, o ponto de maior deslocamento das moléculas ocorre no ponto de menor pressão (ciclo de rarefação), e vice-versa.

Além da frequência e da pressão acústica, outro aspecto que influencia significativamente os efeitos gerados pelo ultrassom é sua intensidade, definida como a quantidade de energia transmitida pela onda em razão da unidade de área em determinado tempo, geralmente expressa por W/cm2. A intensidade é diretamente proporcional ao quadrado de sua pressão acústica, como pode ser observado na Equação (4.1):

CAPÍTULO 5

PLASMA A FRIO

Rodrigo Nunes Cavalcanti, Tatiana Colombo Pimentel, Adriano Gomes da Cruz, Sueli Rodrigues, Fabiano André Narciso Fernandes

INTRODUÇÃO

Atualmente, as tecnologias convencionais de preservação de alimentos utilizadas industrialmente envolvem, em sua maioria, o uso de tratamentos térmicos que aplicam altas temperaturas durante determinado intervalo de tempo com o objetivo de garantir a segurança microbiológica do produto. A pasteurização e a esterilização são as técnicas mais comumente utilizadas para destruir microrganismos e inativar enzimas. A pasteurização faz uso de temperaturas abaixo de 100 °C (por exemplo, 63 °C por 30 minutos para processos em batelada e 72 °C por 15 segundos para processos contínuos), sendo capaz de destruir microrganismos deteriorantes e patogênicos, porém ineficaz contra os esporos bacterianos. Por outro lado, a esterilização faz uso de temperaturas mais elevadas (por exemplo, 135 °C por 5 segundos), sendo capaz de destruir não apenas as células vegetativas como também os esporos bacterianos, o que prolonga significativamente a vida de prateleira dos produtos. Apesar da efetividade desses tratamentos térmicos em termos microbiológicos, o uso de altas temperaturas leva a significativas perdas nutricionais, sensoriais e qualitativas do produto, como a degradação térmica de vitaminas e a formação de cores, aromas e texturas indesejáveis.

Nas últimas décadas, as demandas dos consumidores têm ganhado cada vez mais a atenção da indústria de alimentos, promovendo o surgimento de novas tendências de mercado no setor agroindustrial. Nessa vertente, há uma crescente exigência por parte dos consumidores por produtos mais frescos, funcionais, saborosos, nutritivos e com longa vida de prateleira. Juntamente a isso, outra demanda de igual importância

é pelo uso de tecnologias mais sustentáveis e limpas, que possuam menor custo operacional e impacto ambiental. Diante desses desafios, pesquisadores têm trabalhado no desenvolvimento de técnicas inovadoras de processamento de alimentos, visando um alto valor nutricional e a manutenção do sabor dos alimentos frescos. Nesse contexto, diversas tecnologias emergentes de processamento não térmico têm sido desenvolvidas nos últimos anos, incluindo alta pressão hidrostática, campo elétrico pulsado, luz ultravioleta (UV), ultrassom, ozônio e plasma frio. Sua principal vantagem é ser uma abordagem eficaz para reduzir a utilização de aditivos, mantendo a segurança e a qualidade natural em termos nutricionais e sensoriais dos produtos processados.

O plasma é comumente descrito como o quarto estado da matéria, em que os três primeiros são os estados sólido, líquido e gasoso. A transição de um gás para o estado de plasma ocorre por meio de um processo de dissociação das suas moléculas em seus átomos constituintes, elétrons e íons positivos e negativos, gerando um gás ionizado denominado plasma. De acordo com a forma que é gerado, o plasma pode ser dividido em duas categorias: plasma quente (térmico) e plasma frio (não térmico). O plasma quente normalmente é gerado por meio do aquecimento do gás, aumentando a temperatura e gerando plasmas de alta temperatura (superior a 1.000 °C). O plasma quente tem sido amplamente utilizado na metalurgia industrial e extrativa, em tratamentos superficiais, como recobrimento, gravação em microeletrônica, corte e soldagem de metais, limpeza de emissões e detritos sólidos, e em motores de combustão supersônicos para a engenharia aeroespacial. Já o plasma frio normalmente é gerado por meio da indução de um campo elétrico, promovendo a liberação de elétrons da última camada de valência. Os elétrons livres formados, sob ação do campo elétrico, são induzidos a se chocar com as moléculas do gás, produzindo mais elétrons livres e íons em uma série de reações em cascata, o que gera elétrons livres, radicais livres, íons (positivos e negativos) e fótons. Dessa maneira, o plasma pode ser definido como um gás em que uma fração substancial dos seus átomos se encontra ionizada na forma de partículas carregadas (elétrons, prótons e íons positivos e negativos). Diferentemente dos gases, o plasma é um excelente condutor de corrente elétrica. Contudo, o balanço de cargas positivas e negativas é aproximadamente nulo.

O plasma frio é usado em uma tecnologia emergente para o processamento e/ ou preservação de alimentos, que pode ocorrer por meio de dois métodos distintos: o primeiro, e mais comum, consiste na aplicação direta do plasma na superfície do alimento a ser tratado; já o segundo método consiste em utilizar a água ionizada por plasma como agente preservante. As aplicabilidades do tratamento com plasma frio são as mais diversas possíveis, incluindo a degradação de resíduos de pesticidas e toxinas presentes em produtos agrícolas, o tratamento e purificação de água e efluentes, a descontaminação microbiológica de matérias-primas e produtos alimentícios, e até auxiliam à produção de bioembalagens.

O plasma frio tem como principal finalidade a destruição de microrganismos patógenos e deteriorantes na indústria de alimentos. Os mecanismos de inativação microbiana do plasma frio estão relacionados principalmente à interação dos radicais livres formados sobre os componentes celulares, causando a morte e/ou inativação celular,

devido à permeabilização da membrana plasmática pelo fenômeno de eletroporação, à quebra da cadeia de DNA, à oxidação lipídica e à desnaturação de enzimas e demais componentes responsáveis pelo metabolismo e divisão celular. O plasma frio também tem demonstrado grande potencial de aplicação na otimização de componentes funcionais em alimentos, como a geleificação e gelatinização de carboidratos e proteínas, especialmente na modificação das propriedades de biofilmes.

O emprego da tecnologia de plasma frio na indústria de alimentos tem sido amplamente estudado nos últimos anos, o que tem demonstrado o seu grande e amplo potencial de aplicação em escala industrial. Apesar disso, o plasma frio esbarra em alguns fatores limitantes referentes à sua viabilidade técnica e econômica na indústria de alimentos. O principal deles refere-se à garantia da segurança microbiológica dos alimentos tratados, uma vez que os mecanismos de formação dos radicais livres no plasma frio são ainda pouco elucidados e, consequentemente, de difícil controle e predição. Diante disso, os parâmetros de processos precisam ser amplamente estudados. Assim, este capítulo revisa os principais fenômenos envolvidos nos mecanismos de ação do plasma frio sobre os componentes alimentícios e microbianos, bem como relaciona tais fenômenos às suas respectivas aplicações industriais, apresentando as perspectivas futuras da tecnologia para a indústria de alimentos.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PRINCÍPIO OPERACIONAL

Há três estados da matéria (sólido, líquido, gasoso), porém é possível definir o plasma como o quarto estado (Figura 5.1). Como exemplo, pode-se considerar que uma substância sólida em um sistema fechado esteja sujeita a um aumento de energia. À medida que uma quantidade de energia suficiente é cedida para esse sistema, a substância sólida sofre um aumento nas vibrações de suas moléculas, promovendo uma diminuição da força intermolecular e, portanto, um maior distanciamento entre as moléculas. Isso caracteriza uma mudança no arranjo conformacional da estrutura cristalina do sólido, transformando-o em um líquido.

CAPÍTULO 6

OZÔNIO

Sueli Rodrigues, Fabiano André Narciso Fernandes

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou as doenças transmitidas por alimentos como uma ameaça considerável à saúde humana e à economia global. A preocupação cada vez mais frequente com a qualidade da alimentação tem alavancado o desenvolvimento de novas tecnologias que visam garantir a segurança do consumidor com maior preservação possível do valor nutricional e do sabor do alimento. Entre elas, destaca-se o uso de ozônio.

Esse gás é popularmente conhecido como o responsável pela proteção da Terra contra raios ultravioleta (UV) emitidos pelo sol. O ozônio natural é formado a partir de descargas elétricas de alta tensão na estratosfera terrestre. Entretanto, esse gás pode apresentar diversas aplicações, como em processos de oxidação fotoquímica e sanitização. A principal vantagem de seu emprego na indústria é a alta reatividade e sua decomposição em oxigênio e água.

O primeiro registro do uso do ozônio para sanitização foi no início do século XX (1906), em Nice (França), para tratamento de água potável. O primeiro processo industrial utilizando ozônio foi patenteado em 1980 para produção de água engarrafada. Seu uso para preservação de alimentos e higienização de superfícies tem sido cada vez mais frequente após a aprovação da estadunidense Food and Drugs Administration (FDA).

Para aplicações de higienização, o ozônio apresenta diversas vantagens em relação aos desinfetantes tradicionais, como o cloro, cuja taxa de inativação em concentrações permitidas pela legislação é relativamente baixa, além da preocupação dos consumidores sobre resíduos químicos e potenciais impactos ambientais.

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