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Sergio Couto

Sergio Couto. Diplomata. Publicações: -As coisas não são o que parecem ser – romance – Editora Giostri; -Listen to your soul- Image poetry – fotos/textos – em colaboração com o fotógrafo Kees Cornelis – página no FB e auto publicação no site BLURB.

ESTÓRIAS MÍNIMAS NAS DOBRAS DO TEMPO

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Ela sente-se deslocada neste mundo. A realidade contemporânea, tecnológica, digital, mastigada, analisada, processada e pasteurizada, não é seu lugar. O mistério, em sua mente, permanece o sentimento mais belo do universo. Deseja se perder entre as dobras do tempo, onde as surpresas espreitam. De dia veste seus mais puros vestidos. A brisa brinca entre as pregas, os bordados, as fitas e acaricia sua pele. É assim que se sente mais viva. Caminha entre os majestosos edifícios de uma época de ouro, com seus orgulhosos e ricos adornos de volutas impossíveis, caprichosas torres de pontas absurdas, arabescos, guirlandas, abóbadas, altos-relevos, átrios, balaústres, colunas, fustes e capitéis, lunetas, mosaicos, pérgolas, terraços e treliças, todos completa e deliciosamente inúteis. Nas margens do lago os cisnes deslizam impassíveis sobre os picos nevados espelhados sobre as águas calmas, enquanto andorinhas aperfeiçoam suas vertiginosas piruetas aéreas. Em algum lugar do passado ou do futuro, ela habita as mansões airosas de

janelas escancaradas por onde a brisa e o sol penetram, movendo as cortinas de voile e iluminando os espaços secretos. Perdidamente romântica, no entanto foi incapaz de reter um amor, provavelmente por excesso de idealização. Lutou contra si mesma e contra o mundo. Por fim encontrou a paz na solidão, em seus sonhos, na tristeza. O que é o amor, ela sempre pergunta, você sabe o que é o amor? Eu não sei mais. Antes eu sabia, repete – um jogo sutil de olhares e palavras, esperanças e desejos e coisas desse tipo. Hoje ninguém mais sabe o que é nada. Nesta nossa querida, amada e ensolarada aldeia global, ironiza, quem ainda sabe o que é arte, o que é música, o que é bom ou ruim, certo ou errado? Antes tudo parecia tão claro. A arte de amar. A busca de harmonia e beleza. Mas já não existem certezas, somente discussões intermináveis e estéreis sobre forma, espaço e estilo. Talvez fosse melhor deixar tudo de lado e recomeçar do zero, sentencia. Surpreendentemente, num belo dia de outono perdido no tempo, quando já não lhe restavam esperanças, seu único e verdadeiro amor finalmente voltou. Terminaram seus dias juntos, à beira-mar. Cada manhã suas pegadas ainda podem ser vistas sobre a areia de toda e qualquer praia, lado a lado, para relembrar aos viventes que a vida é efêmera, porém

eterna, repetida, repetida e repetida, incansavelmente, como uma peça de teatro itinerante, mambembe, que nunca sai de cartaz e cujos atores e atrizes errantes, ao longo dos anos, vão sendo sucedidos por novas gerações de artistas.