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Uma breve história da sismologia em Portugal e notas finais
UMA BREVE HISTÓRIA DA SISMOLOGIA EM PORTUGAL E NOTAS FINAIS
No âmbito da História da Ciência em Portugal, procurámos elaborar uma história da sismologia valorizando a relação entre a sismicidade (a ocorrência de sismos) no território nacional, o impacto deste fenómeno na opinião pública em geral, a marcha do conhecimento científico nos domínios da Geologia, da Física e da Matemática, e o consequente desenvolvimento da ciência dos sismos no país, quer ao nível da compreensão do fenómeno sísmico quer ao nível institucional, no período que vai de 1755 até meado do século XX. As relações que valorizamos e o período que consideramos são elementos inovadores desta história da sismologia no contexto da História da Ciência em Portugal. Dos estudos de sismicidade histórica que analisámos, o catálogo sísmico de Moreira de Mendonça (1758), escrito na sequência do GTL e, tanto quanto sabemos, o primeiro em língua portuguesa, reúne os requisitos necessários para ser considerado uma obra moderna, no sentido que apresenta evidências a suportar uma tese: o terramoto como fenómeno natural. A História Universal dos Terramotos mostrou que o fenómeno sísmico tinha uma abrangência que ultrapassava em muito os limites da capital do Reino, ou seja, mostrou que se tratava de um fenómeno muito mais frequente e global para que a sua causa pudesse resultar de um castigo divino a uma povoação com pessoas menos devotas, uma interpretação relativamente comum na época. Os sucessivos estudos de sismicidade histórica realizados posteriormente revelaram a tendência para utilizar como fonte os catálogos sísmicos já disponíveis: Pereira de Sousa (1928) utilizou a História Universal dos Terramotos como fonte, entre outras; Moreira (1984) aprofundou o trabalho de Moreira de Mendonça e utilizou Pereira de Sousa como fonte, entre outras; Oliveira (1986) utilizou Moreira (1979) como fonte, entre outras; Martins e Víctor (1990) utilizaram Oliveira (1986) como fonte, entre outras. Os catálogos sísmicos analisados revelam a existência de sismicidade no território português continental e insular (não muito intensa, nem muito frequente quando analisada no contexto mundial), com alguns sismos a destacarem-se no território continental pelos seus efeitos sobre as populações, como o GTL no século XVIII e, após este, no início do século XX, o TB. De um modo geral, nas várias publicações que analisámos para caracterizar uma cultura sobre sismos, incluindo o conhecimento das pessoas e instituições que contribuíram para o desenvolvimento da ciência dos sismos, verifica-se uma tendência
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para a comunicação sobre sismicidade mas, a partir de 1909, o tema da sismologia instrumental também ganha relevância (como acontece em O Instituto e na ROPM). Tanto a imprensa periódica informativa (ex: Diário de Notícias e O Século) como a associada às instituições de caráter técnico-científico (ex: ROPM) e especializada (ex: A Terra) prestaram atenção e revelaram-se permeáveis à sismicidade, (re)clamando o desenvolvimento dos estudos sismológicos e até mesmo a organização de um serviço nacional sismológico, nas primeiras décadas do século XX. No que diz respeito às explicações apresentadas sobre a origem dos sismos presentes nos projetos de matriz enciclopédica e nos manuais de ensino liceal, e de acordo com os conhecimentos da época, elas vão desde o fogo subterrâneo e a fermentação dos minerais, que podemos encontrar, por exemplo, na obra de Teodoro de Almeida, no século XVIII, até à ideia de ações que desencadeiam movimentos vibratórios, presente na Biblioteca do Povo e das Escolas e nos manuais do final do século XIX. Há um conhecimento em conformidade com a corrente dominante na
época, que se tenta disseminar para o grande público. Quando entramos no século XX, tal conformidade também está patente no volume da Biblioteca Cosmos dedicado à sismologia, já com a abordagem físico-matemática que podemos associar à sismologia instrumental.
A nível internacional, a ciência dos sismos já apresentava sinais de maior desenvolvimento. Desde logo a partir das Luzes que foi feito um esforço de explicação natural dos terramotos, quer a partir do fogo do interior da terra quer a partir da eletricidade, em oposição a uma explicação dominante na época, de cariz mais religioso. Verificamos que, para além das causas, foi prestada grande atenção aos efeitos dos terramotos, em especial aos do GTL, o que permitiu uma primeira ligação com a ideia de propagação do sismo a partir de um ponto central (Kant) e que essa propagação se faria na crusta terrestre na forma de movimento vibratório e ondulatório (Michell). A discussão em torno da origem das montanhas, no século XIX, levou a considerar os fenómenos tectónicos como causa dos terramotos. Esta discussão com
contributos significativos de Beaumont, Dana e Suess, culminou com a demonstração estatística da relação entre regiões sísmicas e determinadas estruturas da superfície terrestre (os geossinclinais), por Ballore, e a associação dos sismos a falhas, por Reid, já no início do século XX e após estudar o terramoto de São Francisco. Entretanto, Hopkins e Mallet aplicaram ao estudo da propagação das ondas sísmicas na crosta terrestre os conhecimentos teóricos de Poisson sobre propagação de ondas em meio
elástico, mas a necessidade de instrumentação adequada para estudar as ondas sísmicas não lhes permitiu ir mais longe. Após a ocorrência de sismos com efeitos relevantes, foi na Itália que surgiu a primeira comissão para estudar um sismo (final do século XVIII) e foi no Japão que se formou a primeira organização científica para o estudo dos sismos (final do século XIX). A elevada sismicidade destes países contribuiu para o desenvolvimento da ciência dos sismos, incluindo a nível instrumental. Embora tenha sido em território nacional que ocorreu o sismo (GTL) cujos efeitos contribuíram para o início da sismologia moderna, a menor sismicidade, comparativamente com os referidos países, fazia demorar a necessária organização de um serviço sismológico em Portugal. O GTL (1755) e o TB (1909), os dois sismos que destacámos pelos efeitos sobre as populações em território continental nacional, motivaram estudos da autoria de personalidades nacionais, em linha com as explicações que eram avançadas pelos filósofos naturais, na época do GTL e pela comunidade científica internacional, na época do TB. A interpretação (coeva) de Moreira de Mendonça sobre o GTL foi inspirada na ideia das matérias inflamáveis no interior da Terra e do fogo subterrâneo, como era comum nos filósofos naturais que se interessaram pelo tema, na época. Cerca de 150 anos depois, o mesmo terramoto foi estudado por Pereira de Sousa, de acordo com uma visão moderna da sismologia, que encontra as causas dos sismos na tectónica e os efeitos na propagação de ondas através das rochas que constituem o subsolo. Na época em que Pereira de Sousa desenvolveu este trabalho sobre o GTL, já os efeitos de um outro terramoto ocorrido em território nacional tinham sido objeto de estudo por parte das autoridades e da comunidade científica portuguesa. A metodologia por questionário a cidadãos foi a privilegiada para obtenção de informação sobre a distribuição dos efeitos do TB, no estudo oficial realizado pelos geólogos Paul Choffat e Alfredo Bensaúde, que integraram a Comissão nomeada superiormente para estudar o sismo. A informação sobre a distribuição dos efeitos do sismo foi cruzada com informação sobre a natureza geológica das diferentes regiões do país, de acordo uma visão em que os sismos tinham uma origem tectónica. Um outro estudo na sequência do abalo sísmico de 23 de abril de 1909, provavelmente o primeiro realizado em Portugal a ter em conta a análise de um sismograma registado numa estação localizada em território nacional (Coimbra), teve iniciativa do próprio autor, Ferreira Diniz. Numa via que nunca fora seguida até então, o autor apoiou-se no sismograma/gráfico do Observatório da Universidade de Coimbra para justificar as suas
estimativas em parâmetros que considerou para estudar o referido sismo, isto apesar da pouca informação fornecida (a proximidade da região epicentral tornara o gráfico difícil de interpretar). Apesar das diferentes abordagens (não instrumental e instrumental), os autores destes dois estudos realizados na sequência do TB convergem ao reclamar uma rede de estações sismológicas para o país. As observações sismológicas em Portugal estiveram inicialmente associadas aos Observatórios meteorológicos, cuja preocupação primeira era a Meteorologia. No entanto, por iniciativa individual dos seus diretores, foram efetuadas diligências e as primeiras aquisições de sismógrafos. Mas a falta de preparação do pessoal e a falta de coordenação entre observatórios faziam tardar a possibilidade de observações instrumentais sistemáticas e da sua aplicação a estudos sismológicos. Na sequência do acontecimento sísmico que foi o TB, uma conferência superiormente definida, que integrou os dois geólogos nomeados para o estudo científico, reuniu em janeiro de 2010, determinando que o Observatório do Infante D. Luís se tornasse na Estação central portuguesa de sismologia. Uma resposta oficial insuficiente, que não apetrechou o país da necessária capacidade para a investigação sismológica, embora não tenham faltado também iniciativas não oficiais, como a revista A Terra e a Sociedade de Meteorologia e Geofísica de Portugal, iniciativas que pela via da partilha de conhecimentos e da divulgação contribuíram para o debate sobre a organização de um serviço de geofísica em geral e da sismologia em particular, em Portugal. A criação do Serviço Meteorológico Nacional e a instituição da licenciatura em Ciências Geofísicas, em 1946, possibilitaram a monitorização por um geofísico do acontecimento vulcânico e sísmico que foi a erupção dos Capelinhos (1957-58). Os institutos geofísicos desempenharam então um papel relevante ao nível da formação dos futuros profissionais em ciências geofísicas, os quais viriam a integrar o Serviço Meteorológico Nacional, uma instituição para corresponder às necessidades de organização há muito reclamadas no domínio da sismologia nacional. No período longo que consideramos, que vai de 1755 até meado do século XX, admitimos que possam ter ocorrido outros terramotos e outros desenvolvimentos técnico-científicos a que não tenhamos dado o devido destaque. Estaremos atentos no futuro para colmatar eventuais lacunas que possa haver nesta história, lembrando que a grande teoria da tectónica de placas, uma teoria unificadora no âmbito da Geologia, que hoje enquadra a explicação científica do acontecimento sísmico, apesar de ter os seus
primórdios em parte do período que consideramos, ela é posterior ao marco que assinala o fim desta história: a criação do Serviço Meteorológico Nacional, em 1946.