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Carlos Pistoya

Não há registros precisos de quando essa associação começou, mas, pode ter surgido na cultura judaica há mais de 3 mil anos, quando os hebreus passaram a relatar a associação entre sentimentos como angustia ou euforia, a sintomas relacionados ao coração. Cristãos acreditam que existe uma relação direta entre amor e espiritualidade. Outras culturas como os indianos também acreditam que há um lugar divino dentro do peito, não necessariamente no coração, mas nos pulmões. Aqui no Brasil, por exemplo, os ianomâmis não relacionam o amor a qualquer órgão do corpo, mas à alma. Muitas destas crenças são anteriores às descrições do coração e circulação realizadas por William Harvey no século 17 na Inglaterra e ampliadas por inúmeros pesquisadores até os dias atuais. Com certa frequência ouvimos que pessoas consideradas boas tem um “bom coração” e “pessoas ruins não tem coração”. Nossa intuição nos leva a acreditar que vários sentimentos considerados bons como carinho, generosidade e o próprio amor se originam no coração, contudo, a tristeza, raiva e mágoa, considerados sentimentos ruins, também se manifestam ou são atribuídos a este órgão e podem afetar seu funcionamento. É por isso que emoções, como o amor, nos fazem sentir que algo diferente ocorre no nosso coração. Ao mesmo tempo é reconhecida uma via de mão dupla entre mente e coração pois doenças cardíacas nos provocam ansiedade, medo ou depressão. Quem não sentiu o coração bater acelerado quando vemos aquela pessoa especial? ou bater desenfreado quando recebemos uma notícia ruim? Ainda mais, devemos compreender que pessoas reagem de formas diferentes, uma emoção positiva para uma pode ser estressante para outra. Hoje sabemos que o pensamento e comportamento humanos tem origem no cérebro e o sistema límbico é o responsável por transformar estímulos externos em sentimentos, sejam eles positivos ou negativos. Contudo, independente da emoção gerada (boa ou ruim), a princípio é gerada uma reação de alerta com liberação de substâncias que promovem reações físicas e químicas que afetam vários órgãos incluindo o coração. Estas reações permitem que nosso corpo remaneje fontes de energia de maneira que fiquem rapidamente disponíveis em caso de uma hipotética situação de agressão conhecida como reação de “luta ou fuga”. Há liberação de adrenalina

que se torna perceptível, entre outros, através de tremores nas mãos ou percepção de batidas fortes no peito decorrentes do aumento da força de contração do coração. Emoções consideradas positivas e bom humor estimulam o relaxamento muscular e vasodilatação, melhoram a função intestinal e estão associadas a um ritmo cardíaco equilibrado e redução da pressão arterial, fatores que ajudam na prevenção de doenças cardiovasculares. Em contrapartida, emoções negativas induzem, entre outros, aumento da pressão arterial e da agregação plaquetária com consequente redução do calibre dos vasos sanguíneos, aumentando o trabalho do coração Sentimentos de pessimismo e tristeza constantes podem levar a ansiedade, depressão, alterações do sono e desencadear crises hipertensivas, arritmias ou infarto do miocárdio. A relação entre depressão e doenças cardíacas está bem estabelecida, sabemos que a insuficiência cardíaca apresenta sintomas mais graves quando associada à depressão. Um quadro particularmente interessante é conhecido como síndrome do coração partido ou, no meio médico: síndrome de Takotsubo. É uma condição cardíaca temporária consequente a uma situação de estresse emocional extrema, como a perda de alguém próximo muito querido ou doença física grave, masvb, há relatos de sua ocorrência após separação, perda de emprego e mais recentemente Coração é EMOÇÃO! infecção aguda pelo COVID-19. De ocorrência rara, tem maior incidência nas mulheres em torno da quarta década de vida, mas pode surgir em qualquer idade e se apresenta com Meu coração/ não sei porque/ BATE FELIZ quando te vê... —Pixinguinha sintomas semelhantes ao infarto do miocárdio com dor torácica e falta de ar. Considerada de causa psicológica, se atribui a certos hormônios, como a adrenalina, algum papel no dano temporário ao coração pois, durante a síndrome, exames cardíacos mostram que o ventrículo esquerdo não se contrai normalmente. Contudo, a maioria dos pacientes se recupera sem sequelas. Não é fácil controlar nossas emoções e mais pesquisas são necessárias para entender suas causas e consequências. Avançamos para, ao que parece, considerar as emoções negativas no mesmo status de outros fatores de risco cardiovascular bem estabelecidos. Afinal, coração e emoção andam lado a lado, compositores, poetas e escritores já sabiam disso. n CARLOS PISCOYA, MÉDICO CARDIOLOGISTA

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