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Momentos Felizes

Apelidos

Na primeira metade do século vinte, em um mês qualquer, o pai vai ao Cartório de Registro Civil para registrar o nascimento do seu décimo filho. Em lá chegando foi atendido pelo Oficial que se prontificou aos serviços, apresentou uma tabela de custas e perguntou qual seria o nome da criança. O pai havia levado o nome em um pedaço de papel que era para não esquecer. Munido da competente Certidão regressa ao lar. Foi uma festa,. A família reunida comemorou a chegada do novo INFANTE e CIDADÃO que se espera, prestante, seguindo as trilhas das pessoas mais ilustres da família. E assim começou a extraordinária viagem pela vida, cheia de peripécias envolvendo as mais diversas situações desde menino, doravante chamado pelas irmãs e tias de TETÉIA; A mãe gostava e ele era mesmo, muito gracioso. Com o passar dos meses e dos anos o menino vai crescendo e, vez por outra, ele ouvia seus tios chamando-o de FEDELHO. Acreditando tratar-se palavras de carinho, aceitou e não mais estranhava que seu nome era sempre substituído por um apelido e foi se acostumando aos mais diversos chamados, tanto das pessoas da família como de seus amiguinhos. Ao ser matriculado na escola primária ouviu, pela primeira vez ser chamado de ALUNO. Quando já era considerado mocinho o pai coloca-o para trabalhar em um Banco e lá, quando registrado como “de menor” passou a chamar-se de CONTÍNUO e após um ano de bons serviços de faxina, foi promovido a categoria de FUNCIONÁRIO. Jogando pelo time de futebol dos Bancários seu apelido era VELA, dada suas pernas altas, magras e alvas. Convocado para o Serviço Militar, foi incorporado como RECRUTA/SOLDADO. No quinto mês da prestação de serviços foi promovido a CABO e até o final do ano mais uma promoção para SARGENTO. Colecionava com uma certa facilidade seus novos apelidos e acostumava-se à eles sem qualquer objeção. Deixando a Caserna assumiu a postura de NAMORADO, no ano seguinte já era NOIVO e posteriormente era conhecido como MARIDO. Não demorou muito, eis que ouve, pela primeira vez, ser chamado de PAI. Dentre todos seus apelidos anteriores, este foi o que mais o engrandeceu e o tornou muito feliz. Tão feliz que resolve frequentar uma Faculdade de Direito e lá se vê envolvido com o nome de CALOURO/ACADÊMICO. Passado o tempo regulamentar eis que se depara com um novo Apelido o de BACHAREL e a seguir ADVOGADO, recebendo da esposa seu anel de grau na cor vermelha. Pois bem, ao colocar seu nome de batismo em uma placa publicitária, seu sogro fez uma correção e uma sugestão. - Olha, aqui no interior o povo respeita muito quando lê na placa e antecedente ao nome a palavra DOUTOR. Você vai ver que logo mais, uma fila vai se formar para consultá-lo. Seguiu a orientação e depois de aproximadamente trinta dias a profecia se concretizou. A fila formada era para pedir orientações grátis; lembrou-se que era um mandamento da Ética profissional prestar serviços aos mais carentes e conformou-se. No Fórum era tratado por DOUTOR, CAUSÍDICO, e, para alguns invejosos ele não passava de um RÁBULA. Nas

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Roque Roberto Pires de Carvalho

audiências, ou era AUTOR ou era RÉU, nas Ações poderia ser EXEQUENTE ou EXECUTADO, nos Precatórios era “AD HOC” e quando finalizava uma processo a sentença declarava ABSOLVIDO ou CONDENADO. Nas condições de Advogado foi admitido como Professor em várias Faculdades mas, alunos irreverentes o chamavam de PRÔ. Concluindo um curso de pós-graduação “strictu senso” observou que em seu diploma havia sido acrescentado o título de MESTRE. Achou excessivo esse título e questionou, tentou argumentar contra mas não adiantou fazia parte das normas educacionais. Nas agências bancárias, era chamado CLIENTE, no atendimento o funcionário, olhando apenas para o notebook, pedia só o seu CPF e na fila do caixa como PRÓXIMO. Seu nome de batismo desapareceu, não era lembrado. No âmbito familiar, teve as alegrias de ser chamado de SOGRO, AVÔ, BISAVÔ, neste quesito não se importava nunca. Em um dia qualquer seu nome perdeu totalmente a graça, passou a ser conhecido como VIÚVO e, ao invés de ficar se lamentando, deixou passar alguns anos para escolher uma nova família e assim, foi premiado com o apelido de PADRASTO acompanhado de enteados e netos postiços que, sem saber o nome certo para chamá-lo diziam simplesmente ÓQUE, ou seja, novo e agradável apelido, que as crianças nem mesmo sabiam do que se tratava; não obstante, era muito engraçado para rir em momento de descontração geral. Assim motivado, passou a ser um RABISCADOR de crônicas. Vendo que as mesmas se acumulavam nas gavetas, procurou uma gráfica e entabulou uma primeira edição e, sem querer ou pedir, ouviu alguém chamá-lo de ESCRITOR. Ocorre que Apelidos não são objeto de desejo, eles chegam vagarosamente e vão se instalando no subconsciente e passam a vigorar por toda uma vida. Não é de boa praxe ou educação, lutar contra eles. Como é inveterado leitor de livros, jornais e revistas lembrou-se de ter visto alhures alguém dizer que “a vida é levada progressivamente mas é vista retrospectivamente”. Televisões noticiavam à exaustão, uma tal de Pandemia que havia se alastrado pelo mundo, e que medidas de precaução deveriam ser tomadas com rapidez. Pessoas longevas como ele eram consideradas no grupo de risco, ou seja, ele era o próprio RISCO. Quando acompanhava alguém aos Hospitais recebia um adesivo de ACOMPANHANTE. Em retrospectiva, pensou, pensou, e agora, progressivamente... Ainda está faltando o apelido de PACIENTE e acredita mesmo, que o seu nome de registro de nascimento e batismo só será correta e verdadeiramente escrito em uma placa, simples e simplesmente, para alertar eventuais leitores, jazer ali um CIDADÃO PRESTANTE – só isso!

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