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"augusto Comte e a questão social — Ivan Lins

Augusto Comte e a questão soda

O capital' e a dioisão dos oficios

A lei que rege a concentração do ca pital e sua apropriação ou direção in dividual, pode também, segundo Augus

to Comte, ser deduzida de outros prin cípios .sociológicos de generalidade mais ampla do que os que já foram aqui assinalados em nosso artigo anterior.

Assim, por exemplo, o caráter essen cial de toda organização coletiva con siste na divisão dos ofícios e convergên cia dos esforços, de acordo com o prin cípio pressentido, na. antigüidade, por

Platão e Ari.stóteles, e claramente de monstrado na modernidade, por Adam

Smith e Turgot.

Ora,, só a instituição do capital per

mite a divisão dos ofícios.

Para que cada qual se limite a produ

zir um só dos diversos materiais indis pensáveis à existência, é imprescindível que os demais produtos necessários se achem prèviamente acumulados alhures,

de modo a permitirem, por troca, a sa tisfação simultânea de todas as exigên cias pessoais.

Todos lucram, aliás, com êsse estado de coisas, porquanto, entregando-se cada qual a um imíco gênero de atividade, pode exercê-lo com mais perícia do que

o faria se se consagrasse a vários. "O lavrador — exemplifica Turgot — tira, do seu campo, a maior quantidade possível de produtos e satisfaz mais fa

cilmente às outras exigências da vida pela troca do supérfluo de sua lavoura do que o conseguiria pelo seu próprio

trabalho, de sorte que o sapateiro, ao fazer sapatos para o lavrador, se apro pria de uma parte da colheita dêste

último.

"E, assim, trabalha cada operíirio par^^ atender às necessidades dos operários de todos os outros gêneros, os quais, por

sua vez, traballiam para ele." "Viver para outrem" não c, destarte, apenas uma fórmula moral, que resuine as leis do dever e da felicidade, segundo Aristóteles, Descartes, Condorcet e Au gusto Comte. É, antes de tudo, uma fa talidade a que não se podon eximir

os que vivem em sociedade, porquanto, cada qual, cm seu campo próprio de ati

vidade, não trabalha só para si. mas para a coletividade inteira, e daí con siderar Augusto Comte todo cooperador, por mais humilde, do organismo social, verdadeiro servidor público.

Do princípio da divisão dos ofícios e convergência dos esforços decorre ainda, como corolário, a gestão individual do

capital.

A convergência dos esforços em qual

quer atividade coletiva exige indivíduos que, de modo exclusivo, se apliquem à função de coordenar, dirigir e orientar

a.s atividades dos demais.

Êsses indispensáveis coordenadores passam a ser os depositários ou gestores J,. do capital t 1_ prod uzido 1 pelos que iToVintraba

lham sob a sua direção.

Não .se pode, portanto, separar a concentração dos materiais de sua apro priação individual.

Esta - diz Augusto Comte - cons titui sempre a condição daquela, sobre tudo reiatii-umcnte a um te.somo pere cível, cuja conservação exige atentos ór

gãos especiais, plenamente responsáveis, que somente podem preencher o seu oficio com inteira segurança, única fon te de tôda atiridade verdadeiramente obrigações, podia o vassalo ser despo

jado do que detinha.

Origem social do capital e do trabalho-

Sendo, conseqüentemente, o çaj)ital

social em sua origem, também deve

digna.

Pensa, portanto, Augusto Comte que a instítuição da propriedade é a base inevitável c indispensável de tôda so

ciedade civilizada. sê-lo em seu destino, consistindo, segun do Augusto Comte, a grande questão

entre o capital e o trabalho, não em se destruir o primeiro, o que seria quimé-

ríM u vista das leis naturais a que estão

Confusa e pouco distinta entre os sel

vagens e os povos de civilização rudi mentar, toma-se cada vez mais nítida com o decorrer da evolução, sendo ind

sujeitos o homem e a sociedade, mas em regulá-lo de modo a ter, dia a dia mais, a aplicação social que lhe impõe a sua origem. estmtível não só porque o.s'mais enér- gicos insHntos do honl, o conduzem a eb, mas ta mbém porque a experiência demonstra ser ela, não obstantes vícios Na fortuna mais honestamente adqui-rídT ' ^ honestamente adqui-indtíLo Tu-mT® ' J" SSenteT^ comparada com odas Ses oue'"' ® T de produzir, conservar e P—' A estas det a ci«rde que

distribuir a riqueza. Se, porém, a apropriação in

dividual desta é inevitá. vel, à vista das leis que

regem a natureza huma na, não deixam os socia listas e os comunistas de ter tôda razao quando lhe reclamam a regulariza

ção social.

Os proprietários são meros gestores do capital e devem possuí-lo — na ex

pressão do grande São Paulo — como se não o possuíssem — "tanquam non". Era, aliás, o que acontecia com os feudos na Idade Média, onde o vassalo "detinha" mas não "possuía" a proprie dade. Estendendo-se por tôda a socie dade, existia então complicado sistema de subfeudos, em virtude do qual tôda

posse (tenure) era condicionada ao cumpnmento de determinadas obrigações so ciais. Ao fajtar ao cumprimeiíto dessas

goza: a ciência, os inven tos e processos de tôda ordem de que se serve, sem falar na parcela de capital ja formada e de positada em suas mãos. ve, afinal, a Aos contemporâneos de assistência e o concurso,

sem os quais, por maior que sejà a sua capacidade, nada conseguiria. O capital é, portanto, indiscutivelmente, de formação coletiva ou social, nela preponderando, ainda mais do que a solida

riedade, a continuidade histórica.

Mas, não e só a riqueza.

Também o trabalho é social em sua origem (^nstituindo a capacidade pro fissional de cada um lenta e difícil cria ção da Humanidade, havendo exigido es forços que muitas vezes remontam às

primeu-as etapas da História.

Assim sendo, não deve o trabalho ter um destíno exclusivamente pessoal, re-

presentando, ao contrário, o contingente com que cada qual contribui para o bem-estar geral da coletividade de quem

tudo recebe.

Não admite, pois, dúvida, serem a riqueza e o trabMho sociais em sua ori gem, donde decorre a exigência de tam

bém o serem em seu destino:

"So che tutto è di tutíi; e che ne p^re Di nascer meritó chi d'esseT nato

Crede solo per se "Sei que tudo é de todos; e nem se quer foi digno de nascer quem crê só para si haver nascido", já o sustentava,

no século XVIII, um poeta que, segundo observa Augusto Comte, nunca foi acura

do de tendência subversiva: Metastásio.

Longe, pois, de estarem condenados a um antagonismo fatal e permanente, o capital !•) o trabalho constituem, ao con trário, v;lementos que podem e devem convergir harmônicamente, uma vez que o capital é o fruto do trabalho acumu lado, sendo a sua formação inevitável em virtude das duas leis a que nos re ferimos, formuladas por Augusto Comte.

Antecipadamente respondeu Adam Smith aos socialistas Rodbertus, Lassallo e outros, que pretendiam ver, no tra balho, independentemente do acúmulo

dos seus excedentes, a fonte exclusiva do capital. "Ê a economia e não o trabalho — salientava o filósofo escocês — a causa do crescimento do capital. O trabalho

sem dúvida fornece o objeto que a economia acumula. Mas, faça o que fizer o trabalho, sem a economia para poupar e pôr de lado, o capital não

aumentaria nunca."

Liberdade de testar

A regulamentação social do capital, segundo Augusto Comte, consiste em

fazer com que a gestão dêl^ cada vez mais, aos competente®tniístas, e, daí. pleitear, na '/ jg de Positiva", a mais completa Uherà^ testar a fim de que cada gest''*" J seu

livre e conscientemente escolh^t' sucessor, podendo deserdar os cendcntes legítimos no caso àe indignos de administrar a j^dasrista do bem coletivo, salvag"^^ pre-

apenas as precauções destinadas venir o injusto esquecimento doS ^

ros diretos.

Ahwsos O fato de ser a instituição ào

.sujeita a abusos não é motivo abolida, como pretendem alguns- ^

Dada a imperfeição fundamei»^''^ nossa espécie, e, conseqüentemente' ^

organismo social por e^.a formado» mos também levados a extingo»^

as demais instituições sociais: pátria, governo, sacerdócio etc-. rem tôdas passíveis de abusos.

É mui característica, a esse P*"°P a anedota contada pelo fundador

Sociologia a um de seus díscípo*® Quando, 'em 1825, publicou ^ teoria dos dois poderes, espiritual e

poral, famoso economista. Charles noyer, autor de célebre tratado so a "Liberdade do Trabalho", fêz-lhe a se

guinte objeção: "Mas, não rec^i^ ^ que o seu poder espiritual

"Aníes, muito ao inverso — respon lhe Augusto Comte — espero que o porquanto, do contrário, não ex*stt

Se, porém, os abusos são mais ou

menos inevitáveis, não significa isto qne

não devam ser confinados em estre limites e reduzidos ao mínimo po ssivel. É, aliás, o que se dá com os próprios agentes naturais: a chuva, o solo, o

fogo, a eletricidade etc., são, muitas v

ze.s, funestos à existência do homem, sem que ninguém pretenda, por isto, negar-

lhes a utilidade.

O objeto próprio da política ou arte

social é exatarnente o de minorar e evi tar, o mais que fôr possível, os abusos das diversas instituições correspondentes.

Capitalismo do Estado

Outro a.xioma sociológico, de que se deduz, segundo Augusto Comte, a apro priação ou direção individual do capi tal, é o que consiga: "toda e qualquer função social só se pode exercer através, de órgãos individuais".

Atribuir a apropriação do capital, co mo querem alguns, ao Govêrno ou Esioilo, será complicar a questão, porquan

to se desvia assim o Governo de .sua função própria de coordenador geral da

sociedade, de maneira a não exercer bem nem a que realmente lhe compete, nem a que indèbitamente assim se lhe con

fere.

Essa solução só ilude, aliás, o proble ma, de vez que o Govêrno é uma abs tração, que não existe por si mesma. Confiar-lhe, portanto, a gestão do ca pital é outorgá-la, de fato, aos. indiví duos que o compõem ou são por ele de signados.

Multíplicar-se-iam, assim, as funções do Estado, ao mesmo tempo que se eli minaria o estímulo pessoal, decorrente do máximo de liberdade e de responsabili dade imprescindível, aos olhos de Comte, ao desempenho de qualquer função so

cial.

O capital e a miséria Longe de ser a miséria uma conse qüência da formação do capital, é, ao contrário, exatamente essa formação que permite imaginar-se uma sociedade on de ninguém padeça a fome e as pri

vações, que tão terrivelmente assolam, em caráter permanente, os povos selva gens ou em estado de civilização rudi mentar, nos quais não se encontra ainda a instituição do capital convenientemen

te desenvolvida e sistematizada.

A diferença que há entre êsses povos, onde é diminuto o capittd, e os povos industriais do Ocidente moderno, é que, naqueles, é muito mais dura e genera lizada a miséria do que nestes, onde.

além de mais branda e menos extensa, ela procede, unicamente, da má regula mentação até hoje dada ao capital.

Assim, por e.xemplo, a ruidosa super produção do trigo, café, borracha, ove lhas, vinhos etc., verificada há alguns anos, não foi real. Proveio, apenas, da imensa interdependência de interêsses no mundo moderno, a qual faz com que

perturbações verificadas na América e na Ásia repercutam na Europa e na

África, e vice-versa.

Foi o que ocorreu na guerra russo-

nipônica.

Figuravam os russos, antes dessa guerra, entre os maiores compradores de chá da índia. Deixando, porém, de adquirl-lo, em conseqüência da guerra, a índia, grande consmnidora de tecidos britânicos, não vendendo mais o seu chá, não teve recursos para continuar a

importar os mencionados tecidos.

Sofrendo a Inglaterra, então, grande desfalque em sua balança e.xtema, pas

sou a não comprar algodão americano, de sorte que, em conseqüência de uma guerra longínqua, ficou a população

agrícola dos Estados Unidos sem recur sos para adquirir, como normalmente o fazia, os produtos industriais do pais,

e, daí, em 1905, a forte crise econômi ca norte-americana de uma superprodu

ção que, na realidade, não e.xístia.

Multiplique-se isto por cem — co-

menta, a este propósito, um autor — e ter-se-á uma noção do grau de desequi líbrio econômico mundial, causado pela

Grande Guerra.

A miséria dos povos ocidentais tem, portanto, outra origem, e sua solução é menos difícil do que a dos povos onde

não existe ainda, suficientemente desen volvido, o capital ou acôrvo de mate riais imprescindíveis à satisfação das ne cessidades humanas. Longe de destruir, o que há a fazer é aperfeiçoar o que já existe, ou, segundo a fórmula do

Filósofo: "conservar, melhorando".

O mal decorre, na verdade, apenas da má regulamentação até hoje impres sa ao capital por falta de uma opinião pública mundial, convenientemente es clarecida e fortemente concentrada, de modo a atuar, rápida e eficazmente, sobre os detentores ou gestores da ri queza, sendo, por outro lado, capaz de impor, aos Governos, a manutenção da paz.

O problema do açúcar

^•iscurso do Sr. UliniHtro Dnnicl ilo Carvalho no onecrramciito

do l.o C«>ngroü>KO ili^mcaroiro IVacional

ECEBi prazeirosamente a honrosa incumbência, que

o Senhor Presidente da República me atribuiu, de falar, em nome de Sua Excelência, na soleiiidade de encerramento dêste Congres

so.

Foi êste, de fato, pela amplitude de sua organização e pela multiplicidade de sons objetivos, o Primeiro Congresso Açucaroiro Nacional, pois excede às reuniões cx)ngêncrcs anteriormente rea lizadas no País, por iniciativa das clas ses interessadas ou do poder público.

Pof isso mesmo, foi com elevada con fiança que o Governo acompanhou os

vossos trabalhos, o estudo das teses apresentadas e o debate dos problemas .agrícolas, industriais, comerciais, finan

ceiros, econômicos e sociais, à luz da mais larga compreensão, entendimento e solidariedade das fôrças propulsoras da

economia açucareira.

A realização deste Congresso enqua

drou-se na orientação do Presidente Eurico Dutra, expressix em vários atos e documenlo.s públicos, no tocante a êste grande setor da riqueza nacional. Co mo se vê do respectivo temário e, já agora, das conclusões adotadas, houve o intuito de promover o desenvolvimen to e o progresso das indústrias açuca

reira o alcooleira do País, u base dos proce.ssos mais adiantados da sua pro dução c de normas eqüitàtivas na distri buição de seus resultados, procurando formadores da inatória-prima como os operários agrictrlas c industriais, o ([ue

vale dizer todos os elementos vinculados à economia canavieira do Brasil.

Vem a piopòsito reproduzir aqui uni trecho da Mensagem do Chefe do Poder Executivo ao Congresso Nacional, em 15 de maiço de 1947:

"A assistência técnica ao produtor

c a assistência social ao lavrador constituem as preocupações funda mentais do Governo na política açu

careira.

Em complemento ao qxie já foi realizado, grande esfôrço terá ainda

de ser feito no sentido de racionaMzar a lavoura de cana e as indús trias de açúcar e :l1coo1, pois transigências neste particular redunda

riam na proteção da rotina e da ine ficiência à custa do consumidor e do nivel de vida do trabalhador rural. A situação dêste último deverá ser doravante um dos pontos , de peiTnji-

nente atenção da política açucareira governamental.

Pelo ato legal, que autorizou a ampliação das quotas de produção de açúcar, ficaram os produtores obrigados a aplicar em seus serviços de assistência mcclico-farmacêutica a importância mínima dc Cr$ 2,00 por saco de açúcar, o que fonieee uma

disponibilidade anual da ordem de CiJl 36.000.000,00 para os fins de assistência. Os estudos iniciados pre

na, hospitais regionais, maternidade 6 um hospital central nas capitais dos

Estados açucareiros, para casos gra ves e de alta cirurgia."

A ação do Governo tem-se manifes tado sempre no sentido de concretizar as suas diretrizes em face da agro-indústría do açúcar. Afora o já referido De

creto-lei n.° 9.827, de 10 de setembro de 1946, que autoriza a revisão geral das quotas de produção das usinas, foi ex

pedido o Decreto n.° 25.174-A, de 3 de julho de 1948, que adota medidas de estímulo á produção de álcool para fins carburantes. Harmonizam-se intei ramente as finalidades desses diplomas legais, porque se destinam a incentivar a fabricação do açúcar mais procurado e do álcool-motor. Além disso, para me

lhor estímu'ò à produção e atender à expansão do consumo nacional de carbiu-ante, foi estabelecida a paridade de preços do açúcar com o álcool produ zido diretamente da cana ou do mel rico, visando garantir justa remuneração daS atividades agrícolas e industriais.

Esta preocupação de justiça económico-social in.spirou outras providências go vernamentais, pleiteadas pelas classes produtoras do País, encaminhadas pelas suas entidades representativas nos Es tados e estudada.s pelo órgão do seu contrôle, de conformidade com a orga nização que coordena, disciplina e im pulsiona a economia canavieira. Assim ó que o reajustamento dos preços do

açúcar às condições do mercado interno, desde a extinção do seu racionamento no Distrito Federal e em São Paulo, tem obedecido a inquéritos sôbre os custos da produção agrícola e indus trial, inquéritos esses realizados pelo

Instituto do Açúcar e do Álcool e re examinados por comissões especiais, a

fim de atender à.s a.spiraçõc.s da comuni dade açucareira, sem maiores sacrifícios para a população do País.

É grato ao Governo reconhecer que o temárío elaborado para este Congre.<i.so reflete o pensamento de conjugar com a ação do Estado a iniciativa dos produ

tores, no sentido de abrir à mais anti ga indústria agrária do Brasil novas pos sibilidades de e.xploração da terra, de reaparelhamento das fábricas, de distri

buição das safras, de financiamento dos lavradores e usineiros, de assistência e valorização do homem do campo, de acordo com os preceitos e os ensinamen

tos da ciência e da técnica modernas. Em particular, a atuação do Minis tério da Agricultura se tem feito sentir na busca de elementos que pennítam à tradicional cultura da cana aproximar-se das conquistas assinaladas por outros paí

ses no rendimento, tanto da produção daquela matéria-prima, em relação à área, quanto da produção do açúcar em

relação à cana.

A exploração da cana-de-açúcar, quan do racionalmente praticada, é uma das práticas agrícolas que menos contribuem

para o esgotamento do solo.

Realmente, o açúcar que sai das usi

nas é um hidrato de carbono quase quimicamente puro, contendo apenas

traços mínimos de resíduo miiferal. O açúcar retém, portanto, cLa proprieda de agrícola, apenas os elementos da

água e do anidrido carbônico do ar, que a energia dos raios de sol reuniu no laboratório maraviUioso das folhas ver des da cana. Para qu.e esse laboratório

funcione eficientemente, necessita de elementos minerais que são tirados do solo. Mas, quando a fotossíntese acu mula, na cana, suficiente quantidade de sacarose, e o homem a extrai e purifica; voltam novamente ao solo, incorporados

no bagaço ou em sua cinza e na lama dos filtros-prensa, todos os elementos mi nerais que haviam sido dali retirados

Quando o mel residual, rico em sais tí também industrializado, passa a pro

priedade agrícola a e.xportar, também álcool, outro composto, orgânico cons tituído e.xclusivamente pelos elementos redrados da água e do gás carbônico do ar. Os sais ficaram nas caldas residuais que, se ainda hoje não são integralmente aproveitadas, poderão sê-lo. em breve graças às constantes conquistas da téc

nica.

Por outro lado, a cana, com seu cres cimento entouceirado, cobre quase por

completo o solo, protegendo-o eficaz mente contra os agentes da erosão, en quanto seu abundante .sistema radicular contribui para reduzir as perdas por lixi-

Niação.

A agro-indústria canavieira, pois, es tá incorporada às melhores conquistas

da civilização brasileira.

Mas, segundo um conceito" funda mental, embora elementar, de econo mia, a sobrevivência o o lucro de uma indústria se apoiam nas condiç-ões do equilíbrio entre as despesas que exige

c a receita que proporciona.

Enquanto os níveis atingidos pela re

ceita bruta são geralmente estabelecidos por fatôres externos, alheios às pos sibilidades de contrôle do produtor, as despesas são condicionadas pela nature za e eficiência dos métodos de pro

dução.

Há, evidentemente, um extenso ca minho a percorrer no sentido da reforma dos métodos da nossa mais antiga in dústria agrária, diante dêste fenômeno; enquanto a média de rendimento, por hectare, em vários países, já excede de 50 toneladas, alcançando mesmo a 120 toneladas no Peru, sem falar nas 160 toneladas que o Havaí obtém, no Bra sil o tênno médio ainda c de 38 tone ladas por hectare, sem que a extensão

total da cultura — 818 mil hectares — possa ser apontada como determinante fatal desse fenômeno.

Nas modernas práticas de defesa e enriquecimento do solo e de p'antio, bem como na seleção de variedades, mais adequadas, estão as possibilidades de

transformar a economia açucareira me diante o único recurso eficaz, que é o de barateamento do custo para permi

tir o aumento do consumo interno e fazer face à competição internacional.

A primeira das causas diretas da me nor produção de cana por hectare é o baixo nível de fertilidade das terras, a

ser corrigido pela adubação e a calagein-drenagem, em alguns casos, e ir rigação em outros — ou seja, pela racio nalização das práticas agrícolas, quanto ao preparo do solo e às operações co muns a qualquer cultura.

As Estações Experimentais de Cura do, Campos e Quissamã e a Subestação de Barbalha, com a cooperação do Ins tituto do Açúcar e do Álcool, procedem, nos seus próprios campos e nas planta ções particulares, a' e.x-perimentos c es tudos com resultados que muito se re comendam para a consecução do obje tivo comum: bai.xar o custo da pro

dução.

As experiências de adubação ofere cem dados os mais convincentes.

Em cultuias cujo rendimento médio era de 35,3 toneladas por hectare, a introdução de dose simples de azòto ele vou êsse rendimento a 46,8 toneladas e de dose dupla a 63,3 toneladas. Nou tras onde já se colhiam 82,1 toneladas, a colheita aumentou para 99,5 e 106,4

toneladas.

Terras desprovidas de fósforo, que

produziam 28,2 toneladas por hectare, passaram a produzir 58.1 mediante ») emprego de dose simples daquele fcrti-

Üzimle e 61,2 toneladas com aplicação de dose dupla.

Onde o elemento deficiente era o potássio, registrando-se uma produção de 54,6 toneladas por hectare, doses simples dè.sse mineral fizeram crescer o rendimento médio para 62.5 toneladas v doses duplas e'evaram-no a 72.5 tone

ladas.

Numa cultura experimental, com o rendimento, por hectare, de 64 tonela das de cana, a aplicação de 300 quilos de salitre fêz subir aquela media para 7.5,3 toneladas e uma quantidade dupla

do mesmo mineral a elevon a 85,8 to

neladas.

São dados, êsses, colhidos ao acaso na farta documentação técnica das • e.stações e subestações experi mentais do Ministério da Agri cultura, a qual, aliás, serviu

também de base a estudos e teses trazidos a debate neste Congre.sso.

E' o que igualmente acontece em re lação às variedades de cana colocadas cm competição há muitos anos'.

Observam-.sc. neste trabaliio, com re ferencia a cada uma delas, o rendimen to agrícola, não só da cana planta, co

mo da.s socas, e o rendimento indus trial prováve'.

A.s.sim c que se viu, em canaviais plan tados cm dezembro de 1944, na Eazenda Angra, de Campos, o comporta

mento de uma dezena de variedades nas diferentes colheitas. Enquanto a POJ 2878, cuja introdução no Brasil revolu

cionou a nossa cultura canavieira, apre sentou um rendimento médio de 52,4 tonelada.s por hectare, sendo 51,6 na planta, 57,7 na soca e 48,1 na re.s.soca.

variedade housc. a Co 421 •j-odu ziu. respectivanu-ntc 98 7, '"' "a, ' ' 6-1,3, donde a média," bastante " de 80,1 toneiaflas pm- bcc tare-

Por iVtinio. indicam os falhas no camuial como um „,,viponsa%eis diretos pela queda cie

ção ix.r iKctare. e os mcio.s de ; ' . , •• ^ os nicios ,„nlnias pelo plantio racional e o tratm''*-"'.

das estacas com o au.xílio cie das. Cumpre salientar o <-spi'it<> P

gressislu de alguns ciiltivad.)ic'S 0^'^" ' mtrcxlnziram o plantio niccànicm/"' ziindo, aliás, eciuipamonto constri''d"

próprias oficina.s.

Ao fator — baixo rendimento

agri......AW cota - junta-se. para lenoiiN».'-majoração 1^.

ço do custo, outro fator - baiN<'

mcnto industrial.

Em Cuba, onde a colheita p'"'

é semelhante á do

I extraem, em média, fO kg de açúcar de cada to[lada de cana. Porto obtém uma produção .evada cie cana por hcctaie,

mio também iim rcnf^hncno industrial mais forte. Brasil, a média clésse lendimtmto, 75 kg. dc açúcar por tonelada cie cana,

é resultante de extremos muito afasta- - - - W V.WVJ ^ » J J%/.> ill*»»**' dos, dada a existência cie grande nume ro de láljricas com aparelhameiito p"-'*

cario ou niesnío obsoleto.

Inclusive nos grandes estabelceimen* tos*in^u.striais, onde o rendimento é dc cerca de 100 kg de açúcar por lonclucla'

de cana, ésse resultado poderia .ser au mentado pela adoção de. xarieclaclcs mais ricas e pela mais segura ordena

ção do período cie mnagcm.

Enquanto nas usinas ciibana.s a safm tem a duração de 150 ,a 160 dias, den tro de um período ótimo de desenvoMmento e maturação da planta, entre nós

a inoagein não raro se prolonga por 240 a 260 dias, portanto, uma extensão de tempo em que não podem ser manti das aquelas condições.

Outra forma do reduzir o custo cia produção será o abandono cias práticas obsoletas de colheita c amarração dos feixes, o transporte pelos cambitciros e

as sucessi\'a.s baldeaçoes desde os cana\'{ais até a plataforma da usina, median te o emprego dos equipamentos mo dernos, geralmente utilizixdos em outros países produtores.

Relativamente à organização da eco nomia do açúcar e cio álcool, ^•emos nela uma das mais dilatadas experiências

brasileiras cie interxenção do Estado nas atividades produtoras e comerciais. Já agora, parece aconselhável que o órgão autárquico executor dessa intervenção só c.xcepcionalmente possa ter encargos de industrial, transportador e \endecÍor. São oportunas, igualmente, reformas na política e na estrutura da entidade, me

lhor definindo e circunscrevendo os ob

jetivos essenciais e ciando aos seus re cursos a mais pro\-eitosu aplicação na assistência às diferentes áreas de cultu ra, em auxílios aos institutos de pesqui sas e no esforço tecnológico necessário a assegurar as bases sólidas para o reaparecimento da nossa produção

açucareira no mercado internacio

nal.

Rara èsse fim, resultaram, do conclave que ora se encerra, suge.stões fun dadas em depoimentos e documentários \aliosos e apreciadas num ambiente de

mútua compreensão.

Senhor Presidente Edgar de Goes Monteiro, Senhores Congressistas: re cebei do Senhor Presidente da República e cie mim próprio as melhores congratuhiçoes pela fecundidade de vossos tra balhos e o preito de confiança do GoNÒrno de que continuareis a servir, co

mo o fizeram vossos antecessores e an tepassados, senhores de engenho das vá rias regiões do País, à segurança e in

tegridade da Pátria, à estabilidade e ao flore.scimenlo da.s instituições democrá-

tica.s.

RUI E NA

Luís Viana Filho

Ao ser honrado pelo convite do De partamento de Cultura, pareceu-me que ao fa'ar em São Paulo, na hora em que a Nação já inicia as comemorações

dos centenários de Nabuco e Rui, não seria sem propósito escolhesse como tema as duas grandes figuras da nacionalidade. É que, embora nascidos em outras re giões do País, aqui terçaram êles as

primeiras armas, iniciando carreiras des tinadas à imortalidade. O que eqüivale dizer que à glória de ambos estão indissolüvelmente vinculados o civismo e a cultura da terra bandeirante. São títu los que se não esquecem. E tanto sabe disso o vosso orgulho, que há anos colocou a mocidade paulista, sob as arcadas da velha Faculdade de Direito, as placas que ali deviam lembrar pelo

tempo afora os nomes de três dos seus mais diletos filhos; Rui Barbosa — Joa quim Nabuco — Rio Branco.

Por certo, ao tratar de dois vultos tão da intimidade dos vossos estudos, nada poderei dizer que já não seja do vosso conhecimento. Entretanto, pela simples associação dos dois nomes, não sei se sou injusto ao imaginar que diante de muitos já se começa a levantar a

mesma interrogação tantas vezes repe tida — qual dos dois foi maior? Rui ou Nabuco? Ê que, freqüentemente, tem a fantasia de alguns criado entre os dois uma espécie de emulação, de rivalidade, ante a qual teria de decidir o juízo dá posteridade.

A verdade, porém, no caso particular de Rui e Nabuco, é que os fatos, longe de nos levíuem àquela fictícia emulaçilo. nos nio.sfrain quanto foi perfeita o

Esta conferência deveria ter sido pro ferida em Srto Paulo. Por circunstâncias alheias à vontade do autor, não o foi. O "Digesto Econômico" setUe-se, po rém, honrado em divulgar o importante trabalho elaborado pelo autor de "A vida de Rui Barbosa" e que atualmen te está escrevendo a biografia de

Joaquim Nabuco

recíproca a admiração do um pelo outro.

Nenhuma nuvem de ciúme, e muito me nos de despeito ou do rivalidade, tolda

as relações entre os dois. Durante mais de quarenta anos, quer militassem na mesma arena, quer em campos opostos — ocasião em que preferiram o si'êncio — nada, nenhuma palavra ou atitude, revela qualquer sentimento que não seja

o da mais franca e leal admiração. Isso, apesar de serem personalidades profun damente diversas, como não poderia deixar de .ser, atentas as origens e a formação espiritvial de onda qual.

De fato, enquanto Nabuco, embebido desde a adolescência nos princípio.s do sistema parlamentar inglês, era, pelo

berço, um filbo mimado da fortuna, belo, abastado, cheio de talento, e a ostentar no nome uma estiqje da quí^l

cru o Conselhoiro Nabuco, em linha reta, o segundo a sentar-se na câmara vitalícia do Império, Rui, de formação norte-americana, provinha de um lar modesto, abatido por duras e longas

provações. Nascera na pobreza e pre senciara a luta dese-sperada do pfii'

sempre a braços com terrí\cis dificul dades financeiras. Também a saúde não lhe fôra propícia na mocidade. E tudo isso contribuíra para se lhe grava

rem na alma, indelèvelmente, marcas e reações inteiramente desconhecidas de Nabuco. Um é o filho do antigo re

volucionário da Sabinada. O outro o herdeiro dum velho defensor das prerro

gativas da Coroa.

Nessa diversidade de origens e de for mação deve estar, em grande parte, a base das sensíveis diferenças entre as personalidades de Rui e Nabuco, e das quais a principal, acredito, é que en quanto este último é um refonnador, o

primeiro possui a alma do revolucíoná- . rio. Ou melhor: Nabuco reforma, para

conservar — Rui destrói para inovar.

Realmente, embora tenha tido como diz Graça Aranha, o heroísmo de se parar-se da aristocracia e fazer a Abo lição, Nabuco manteve grande nprêço pela salvaguarda do regime monárqui co. Do mesmo modo que, fervoroso

pregoeiro da federação, não vacilou em deixar passar a bandeira federalista das

suas mãos para as de Rui, no momen to em que percebeu não poder susten tá-la sem o sacrifício da Coroa. Es.sa limitação só é concebível em Nabuco pe'a fôrça do passado, que o chumbava

à sua c'asse, pois, embora reconhecesse a "incomunicabilidado entre èle e as classes privilegiadas pela organização social existente", não se esquecia de verberar o erro dos^ que "o supõem inimigo da sua classe quando se é tão somente inimigo da opressão, que ela exerce sobre outras". Por mais que subisse, não se podia libertar das suas raízes, não fugiria à condição de neto do primeiro senador Nabuco, e filho do segundo senador Nabuco.

Por isso, no discurso com que recebeu

o ministério Ouro Preto, após sc decla rar o iniciador da idéia federativa",

acrescentava Nabuco: "A bandeira fe deral passou das minhas mãos para as do sr. Rui Barbosa. Pela atitude que julguei dever tomar depois de 13 de

maio, perdi a confiança de elementos de 'opinião que sempre me escutaram. In felizmente, Rui Barbosa, que está re

presentando o papel de Evaristo, é no fundo republicano e eu sou monarquista. Isto me impede de acompanhar o meu ilustre amigo na campanha que êle está

dando pela federação com ou sem a monarquia". Queria, assim, a federação

com a monarquia. Ou melhor, só a de sejava com a monarquia.

No terreno das idéias políticas, êsse apego ao "vieux regime" constitui jus tamente o divisor de águas entre Na buco e Rui, e assinala com nitidez a distímcia entre o revolucionário, que era Rui. e o reformador, que era Nabuco. Embora fôsse êste um dos espíritos mais avançados de seu tempo, e não poucas vezes colocam-se as suas convicções re formistas bem acima dos partidos, que considerava "igualmente plutocráticas",

como ocorre por ocasião do ministério conser\'ador de João Alfredo, que apóia

para se manter fiel ao ideal abolicionista. Êle próprio escreveria estas pala\Tas,

que bem lhe definem a posição no lusco-fusco do Império: "Eu hoje luto por

idéias e não por partidos. Nas idéias sou intransigente, quanto aos partidos não me presto mais a galvanizá-los. Estão mortos e bem mortos." Contudo mau grado ser uma inteligência' aberta as reformas sociais, até as mais profimdas, como é o caso da Abolição, Na buco manter-se-ia atado diante do prin cipio monárquico. É mesmo curioso que, havendo participado com tanto vigor na campanha da Abolição, reforma

de repercussão niuilo maior, pura a aris tocracia meio burguesa, cia tpial provi nha, do que a mudança da forma de governe, hc-uvesse permanecido, até ao 'sacrifício, preso ao sistema monaiípiico.

O fato, e% ide ntcmcnte, embora possa ser formalmente explicado pelo "fundo he reditário" a que se refere na "Minha

Formação", e pelas con\icções monarquistas auridas da leitura da Cmu/i/ii/ção inglesa, de Bagehot, deve ter raí'zcs

mais fundas.

Realmente, sob o monarquismo de

Nabuco, sustcntundo-o c a)imenlando-o, está um arraigado amor à ordem cons tituída. da qual era a Coroa a mais alta expressão. Dai ha\-er lutado pe'a Abo lição dentro da monarquia, isto é, uma reforma realizada com a prcser\açáü da

estrutura do goxèrno, do mesmo modo que imaginou alcançar a federação sem tocar na monarcpiia. Não cjue fosse

um cortesão, e muito menos um áulico. Mas, para Nabuco — e disso é bem p)s-

s)\'el não tives.se noção exata — o trono de\ia representar a ordem, cuja ruptura não se coadunava com a sua pev.soiialidade. Só isso e.xplica uma inteligência

tão ace.ssí\'el às idéias no\'as encaliiar definitivamente no principio monárcjuico. AncK)rar em S. Cristóvão, e imaginar po

der levar a bom termo as reformas ar dentemente a'mejadas, pelo mais puro idealismo, graças tão somente a uma evolução processada so]> a égide da Coroa. Numa palavra, a ânsia de re-

fonna, tão viva e ardente em Nabuco, era refreada pela idéia ou pelo senti

mento duma evolução natural, progres siva, e que não abrisse oportunidade e

subversões de conseqüências mais ou menos imprevistas.

Ora, se acompanliarnios a trajetória cio pensamento e da ação de Hui Bar bosa, logo i'ercmos cjtie, ao contrário cie

Nabuco, os seus sentimentos, iio fund são os cie um puro re\<)'ucionário. Oi

scn."^ ideais de reforma iiao conhecem oS entraves impost<'S pela preser\ação da

ordem constituída. A sua ação náo coniifce os limites naluralnicnte imp^^stos a c^iiem não se desejasse afaslár cio ca minho da c\r)lução (íentro da orclern le gai. Os M-us limites são outros, muito mais amplos. - mais largos, e também;.'

muito mais flexíveis. São os limites d próprias idéias, ({ue deíende. e q\i não são (.ulras senão as da pura dei crucia libcjul. A Abolição, a cleiçâ' direta, a separação da Igreja do Estado,

o federalismo, e até a KepnbMca. não são mais do que um natural desdobraniento dac|uc!as idéias. E, para as atin

gir, a manutenção da ordem, ou a pre.servação da forma clc govérno consti tuem ob.stácu]os dc pequena significação. Se necessário, élc os destruirá iinplacà-

\'elmcnte. Por isso, a fórmula cjue a cada pas.so emerge natura'nientc cio mais

íntimo da sua alma c; refonna ou re\'olução! A mesma (|uc os liberai.s ha\iam lançado depois cia queda dc Zacúrias, em 68, mas da qual, geralmen

te, estavam considerà\clmenle distantes. Ao lemporainento de Rui, entretanto, e'a

jamais assustaria, uma vez c|ue a con siderasse útil para a \'itória dos .seus s "princípios". Aí a razão fundamental do [Xiuco apreço em que sempre teve todas as forma.s de governo, inclusive a republicana. E o apreço ainda nicnor com que sempre encarou a Coioa, a dinastia, e o próprio Imperador. Paru éle, a monarquia e as demais formas de govérno não represenlaxain mais do que meios para alcançar objeti\os cleterini. nados, e qne deveriam sei' substituídos se incapazes de realizar aqueci finalidaclc Por ÍS.SO, embora declarando-se monarquista, pôde passar dc eonscien-

urraiais republicanos. Arriscando a ca'^cça, como diria. .\tituclc impossível

t m Nabuco, para quem a monarciuia, bio intimamente vinculada no sen c.spírito à idéia clc ordem, dcsia apresenUu-

SC não como um fim em si mesma, pelo menos como iiistiliiição cujo dcsa-

parecinunto a sua r:i/..ão aceiUna. mas us seus sentimentos descia\ am piolongar. Diante da República, intenso conflito travar-se-ia no espírito de Nabuco. Dèle c éste testemunho: "Nada podia ser mai,s doloroso para mim do que a resis tência cpie a minha razão opunha à corrente cpie aiTasta\'a a no\a geração para a República," Engiuiava-se, no entanto, ao acreditar ser lc\acln pela lazao, quando, na \crdade. esta apenas

SC acomodava a razoes do seu subcons

ciente.

Na realidade, o reformador não pu dera acompanhar os passos do re\'oíu-

cionário. Assim, se Rui se integra no movimento re belde da República, paru

pro.sseguii' uma glorio.sa car reira de homem público, Na buco, certamente dominado pelo sentimento de fidelida de à ordem constituída, as.siste, conscientemente, à imolação de todas as suas ambiçcSes políticas. Nem se diga que a gratidão nascida em 13 de maio ligara Nabncn, de maneira indissolúvel, à sorte da mo narquia. Is.so é inexato. Até porque a ele devemos algumas das páginas mais candentes contra a omissão do próprio

Imperador em face do cativeiro. Pala vras tal\'ez injustas, por excessivas, mas suficientes para mostiar que não po, deria sobreestimar o papel da Coroa, no desfecho da campanha abolicionista,

geu da vida. o sacrifício dc todas as aspirações duma carreira política em plena florescência. Mas, -não é apenas o

destino que não consemvimos \'encer. Também à persomrlidade. resultado de

causa.s remotas, consecjüéncia dc velhas i.stralificaçõcs. e qne oin regra ignoran:.),s, deve cada um pagar friÍ>ntc) inevi tável. Bc-m alto seria o de Nabuco, cujo

mon:'irqnismo, no fiind'0. representava

um processo de acomodação do seu tem peramento, avesso às IransFormações vio lentas, cvJin os ideais de progresso que

sinceramente acalentou. .Miás. ésse pro-. cesso de acomodação não representa ati tude deliberada, e na qual pudéssemos vislumbrar qualquer pensamento menos nobre, ditado pelo interesse. Longe disso, tòda a ação voluntária, consciente, de Nabuco, revela constante desapego dos pio\'entos de ordem pessoal. Êle

st ria sempre fiel a si próprio, às suas idéias e convicções. Mas, o que não podia — c ninguém bde — era fugir íis forças jai.s profundas c remotas

sen espírito. lAssim, ao prodamar-se

_mavquista, ou ao afirmar lie a sua "fixação monárnica inalterável" provinha leitura de Bagehot, NaJico era absolutamente sin-

ro. e eslava bem certo de lar. exclusivanienle, em suas convicções políticas, pois não tomos espelhos para ver a nossa próprUi alma. Não lhe seria dado perceber que aqnela.s conviccões eram, em boa parte, o reflexo das suas 01 igen.': e da sua formação espiritual orientada pelo pai. Nabuco orguhraMr-

se de ser um reformador. Mas, certa

mente, teria pudor de se ver inscrito

num rol de revolucionário. O oposto cIp «"i. que se sentiria diminuído se lhe idéias a até coragem de ir com as suas ao incêndio das revoluções.

Se temos acentuado essas diferenças ^tre as personalidades de Rui e Nabuoo, é justamente para ressaltar quanto ha de extraordinário no fato de jamais ter sido interrompida entre ê!es a com

preensão, se oão a admiração, que e a nota marcante das relações nascidas na Academia. Pode dizer-se que, na ati^de mantida por um em face do outro,

na muita elevação, póis as divergências, por vêzes profundas, que os separaram, nunca bastaram para que qualquer dêles se «quecesse dos anos em que haviam utado jtmtos, pelos ideais comuns.

T

histórico na vida dop no — Nabuco e Rui se conheceram, transferido da Faculdade do Recife, viera êste cursar em São Paulo o ter-ceiro ano do curso jurídico, e, entre os seus colegas de série, contava-se Joaquim Nabuco, já um nome feito nos círculos

acadêmicos. Para Rúl, antes mesmo de O conhecer, Nabuco já seria o filho do Conselheiro Nabuco de Araújo, de cuja cabeça lhe dizia o pai ter "alguma coisa de divina". A boa camaradagem viria

da identificação em tôrno das idéias liberais, e das aspirações literárias pelas

quais estavam ambos dominados. E, por todo o ano, o último da permanên

cia de Nabuco em São Paulo, viveriam entrelaçadas as atividades políticas e literárias de ambos. Sob a presidência de Nabuco, ingressa Rui no Ateneu Paulistano, sociedade estudantil, da qual é eleito segundo orador. A hviependência, jornal fundado por Nabuco, terça as primeiras armas do jornalismo, em

São Paulo. Ainda com Nabuco — e Castro Alves - integra a comissão de literatura do Ateneu. No banquete promovido por Nabuco a ; Donifáçjpolítip_'recebe o batismo da iraus?" E; por último, em virtude * ^

rência de Nabuco para o eleito para o substituir na

Ateneu. ,3

Naturalmente, não se simples coincidência essa succ ^ fatos em que os dois em que os estudantes apa^ Seria algu"»tensa cem associados, mais, possivelmente uma in atinu dade espiritual. ecnírihi?)! Tanto Tanto niais niais ) não era Nabuco dos íntimos de « ' mo Bemardino Pamplona, 0^^ nartírí*^

de Barros Pimentel. Contudo, & r a de Nabuco para o R«cife abnn 5®

liiato nas relações entre os dois J ns liberais, e isso no momento 5 ' mo conseqüência da ascensão

servadores e como reconhece o P P o Nabuco, se processava entre as , ^ dos liberais a evolução de unia a pa

ra o campo das idéias republicai^ •

Nessa cisão, sobretudo acentua a en.

tre a mocidade liberal, e qu® « luz, em 1870, com o famoso niaoiíesto de dezembro dêsse ano, as ^siçu© Rui e Nabuco, se bem examinadas, nao são idênticas. Enquanto o primeir<^ que tornara à Bahia depois de receber o grau em outubro de 1870, é o escoUudo pelos republicanos para dri^uJgar na

Bahia o seu manifesto, o segundo c ega

a entreter nas colunas da RefortM uma polêmica com "A República", defenden

do as excelências do sistema parlamentar inglês. É verdade que Rui, possivejnei^e levado menos pelas suas convicções do que pelas circunstâncias, não chegaria a tomar qualquer iniciativa — pelo me nos que se conheça — em favor do novo credo. Silenciou. Mas, o próprio fato de a éle se dirigirem os republicanos, por intermédio de Bemardino Pa-mplona, um dos signatáiios do Manifesto

c e.xpressivo. Deviam sabê-lo inclinado a esposar as idéias novas, pois só isso justifica essa solicitação de Pamplona,

em carta de 5 de dezembro de 70, e, portanto, dois dias após a publicação do célebre documento: "Aqui te envio o 1.° número do nosso jornal; nêle encontrarás o nosso manifesto. Peço-te que faças o possível para que èle seja trans crito em a^gum jomaí dessa província. Tiramos 3.000 números da República, que logo se esgotaram, e vamos mandar tirar 5.000 do manifesto, em folheto, pa ra distribuir pelas províncias. A causa vai bem por cá, e o clube a respeito da Bahia espera tudo de tua pessoa." A linguagem é de quem se dirigia a

um companheiro de ideal: "A cousa vai bem por cá, e o c^.ube a respeito da Balüa espera tudo de tua pessoa."

Contudo, distanciado do ambiente dos colegas, e, certamente, mais do que isso,

premido pela solidariedade devida ao pai, um dos líderes do partido liberal,

na Bahia, Rui se manteve alheio ao movimento. Não ajudou a República, nem defendeu a Monarquia. Perma

neceu liberal. O fato não é de im portância secundária, pois essa diversi

dade de tendências estaria destinada a

ter os maiores reflexos na vida de ambos.

Durante dez anos, entre 68 e 78, Rui o Nabuco não se encontraram. E êsse tempo éles o gastaram de modo bastante diverso. Quanto a Rui, cuja

existência, nesse período, fora varrida por terríveis provações — doença, po

breza e lutas de família — salvo uma viagem à Europa em busca de maio res recursos médicos e uma curta per

manência na Côrte, onde viera tentar a advocacia, consumira-o, principalmen

te, no jornalismo da Província, na advo cacia e nos estudos. E, não fôra o ca samento, que lhe proporcionara plena sensação de felicidade, e- poder-se-ia

dizer haver atravessado dez anos de sofrimento. Bem outra fora a trajetória de Nabuco. Vivera a grande \'ida da Corte, colaborara na imprensa como »Tn diletante, ensaiara os primeiros passos

na literatura e, com o dinheiro recebi do duma herança, fizera uma "tQumée" pela Europa, onde conhecera escritores famosos, como Renan e George Sand. Seguira-se o ingresso na dip'omacia, que o levara a servir em Washington e Lon

dres. Em resumo, dez anos vividos

venturosamente. •

Muitos caminhos levam a Roma. Em bora houvessem palmilhado estradas di ferentes, ao verificar-se, em 78, a ascen são dos liberais, Rui e Nabuco, com ou

tros jovens Uberais, como Pena, Rodol fo Dantas e Buarque de, Macedo, ga

nharam as suas cadeiras no Parlamento. Aliás, o fato de ascenderem à câma ra por estradas diversas não significava que se tivessem distanciado no campo das idéias. Longe disso, excetuada a

maneira pela qual encaravam a monar quia, permaneciam fiéis aos ideais que os unira na Academia. Tanto assim que

os debates suscitados no Parlamento em tômo da eleição direta, da liberdade re ligiosa e da Abolição constituiriam os motivos prediletos da atuação de ambos. E entie 79 e 81, único período em que

estiveram juntos no Parlamento, uma perfeita identidade ideológica assinalou

a convivência de Nabuco e Rui.

O extraordinário, porém, nas relações entre os dois jovens líderes Uberais, é que nenhuma sombra de rivalidade, ou de simples ciúme, houvesse interferido na antiga camaradagem, iniciada sob as arcadas da velha Faculdade de São Paulo. Nenhum dêles se sentia diminuí do pelas glórias do outro, nas quais

cada qual parecia ver apenas o presti gio, o }u'gur, (pie traziam para os idéias

cciniins. O qii? raro entre conibaIcntc;. cujas aptidões os r^Vmc no inesni;) campo, < m que, sem um deles, seria

o outro. incontcstà%'elmente. o maior. Ambos, no entanto, possuíam a nobre .virtude de admirar os justos Iriunfos

a']leio.^ c, certanumte, lhes repugnaria regatear aplausos às vitórias merecidas.

Nabuco, por exemplo, na ocasião mes ma em que era urn dos "ingleses do Senlior Dantas", e rpiando, portanto, podia ser mais vivo o confronto dele

'cc'm Rui e Gusmão Lóbo, assim esertnia a R'jdü'fo Dantas: "Que esplêndido que esteve o Grey hoje. O Rui e o Lóbo são incomparávels." Escrito' desprcocuprtdamente. cheio de sinceridade, sem qualquer eiva de falsa modéstia, o elo gio tem qualquer cou.sa de inviilgar. Traduz imi entusiasmo impossível da encontrar-se numa alma estiolada pe'a

ir\-eja ou pelo despeito. Naljiico, entre tanto, tal\'ez pela consciência que de

via ler da própria grandeza, estava mui to acima desses sentimentos mesquinhas. Não lhe fazia mal admirar e proclamar a grandeza dos companheiros.

Eo mesmo medo cjue Rui, ao se re

ferir a Nalmco, não .se i'urta\ii a acen tuar "a íascinação do sen talenUj. da sua grande ejriinència individual, feita para as maiore.s cousa.s".

Ê-Sses exempio.s, colliidos em ra.se,s a.s

mais diversas das \idas dc Nabuco e Rui, bom mostram a sensibilidade de ambos, altu teor das .sua.s t|uah'dades morais, e nos fazem compreender os fundainento.s da atilúcle maulida ern to das a.5 oportunidades, por um em face do outro. Na realidade, apesar de nun ca terem .sido íntimos, no sentido que cr.stnmanio.s dar à palavra, o fato é que íii. '(VOU liiiia leal <• dilradoura amizade;

reflexo dunm franca e jirofunda adnii» ração recíproca. Daí a delicadcz;i, a

confiança de que .se re\csllram as suas n lações. São fatos de (pie a correspon dência entre óles Irocacla eoiistiluí twtcmunho irrel'ulá\ ei. A.ssim. ao jiarlir

para a Europa, cm fe\creiro de b7. co mo corrcspoiulente do O Pois, era abrin do o coração {pie Nabuco se despedia dc

Rui. e.screveiKlo-llie estas palavras rcpassadas de confiança: "Ninguém niciiior do que V. pode compreender, se

me 'cn lioje. a dor com rpie eii os deixo. Mas quem \i\(.' da imprensa por c.xclusão dc lócias as outras proli.ssôcs, tem uma vida c[ue não llie per tence e tpie SC inoNC .segundo a corrente

mai.s lorte da necessidade". L, com sijTipiicldade amiga, sul)scre\ ia: "Todo .seu Joaciiiini Nahucü." Nesse tom são as

cartas; de Nabuco a Rui. Exprimuun afeto perfeitamente c.xplicável, pois, no momento, já fora da Câmara, Nabuco

sentia-se isolado e perseguido. "Quan

do um político a.s.suine — cscreseii ee nessa ocasião — as atitudes ([ue eu te nho assumido na Câmara, nos "mectings" e no jornalismo, não Icni conta o número dos seus inimigos; todo o

mundo oficial, com as suas vastas ramifíciiçõe,s e sem distinção dc paiiido.s, o liostiliza." E Rui, também batido e apedrejado, era, no mundo político, dos' poiicoa cj^ue o oompreendiam e

apoiavam,

Vencida, porém, a batalha da Aboli ção, chegara a liora de Rui e Nabuco ;e distanciarem, no campo das idéias. A.S convicções e sentimtiintos di\'ir.sos com que encanixam a monartpiia. e (juo até então apareciam apenas como lenue traço, um nonada, (pie a lula cuimini por outros ideai.s fizera durante anos quase imporceptívei, iria acentuar-.se ca

profunda separação. Ê que, após o 13 de Maio, um no\o problema {("mr lan çado decisivamente no tablado político: o federalismo. Embora partidários am bos do sistema federativo, num ponto divergiam profunda e radicalmente: en quanto Nabuco sobrepunha a monar quia a federação, Rui a cpieria de qual

quer modo, com a Coroa ou som ela. Era o pensamento que concretizara nes ta formula simples e de.cisiva: "A mo narquia e a república são meios: a li berdade é o fim." E, como fiànuila

para a campanha iniciada no Diário de Notícias, repetira o refrão dos liberais de 69: "reforma ou revolução". Nabu co era diferente. A conservação da mo narquia, que se ajustava como uma luva ao seu sentimento de ordem, e tinha fundas raízes em sua personali dade, incorporara-se poderosamente às

suas convicções políticas. De tal modo ([ue, dominando as demais tendências do seu espírito lilieral e roforinisla, o levaria a não acreditar na federação se não cffiu a monarquia. É o pensamento (pio, mais tarde, anunciara; "Que a Re

pública há de ser unitária ou há de Iiaver muitas repúblicas não há para mim dú

vida alguma". Do mesmo modo éle se abroquclarla na "absoluta certeza de que

era preciso um largo período dc govéi-

no para q povo e com o povo, antes de ser possível o puro govérqo do po\'o".

Assim, por uma série de raeiocínios, fonnara-se no espírito de Nalmco a idéia de que a federação devia preceder á república. Raciocínios sinceros, iioncstos, mas que, justamente por nem sempre íe-

lem sólida iiasc doutrinária ou liistórica, como é o caso — ante o e.xcmplo norte-americano — da incompatibilidade enti'e a federação e uma grande repúbli ca, bem mostram quanto Nabuco, invo luntariamente, fóra traído pelas raízes da

sua origem. Estas tinham sido tão for tes que, embora haja quem afirme "ser a República o ideal de Nabuco", nada o faria romper com os l ínculos herdados através de várias gcraçõc.s. Èlc qne "

escreveria mais tarde; "republicano — o único título em nos.sa política que eu • a^gum dia invejei". Sem dúvida, o

coração tem razões que a razão des-.'" conhece. . . Por isso, embora se orgu

lhasse de haver sido o "iniciador da ' idéia federativa", Nabuco, certo de que sem o partido liberal, era "impos sível fazer a monarquia federativa", pre feria ver a bandeira passar para as mãos de Rui a associar-se às fcirças que

se preparavam para realizar a federação de qualquer maneira. Atitude tanto mais nobre quanto, não menos do quç Rui, tinha éle lúcida percepção dos peri

gos rc.suUanles do abandono da federa ção pelo govérno de Ouro Prèto. A hera dizer, antevia a República. Entre

tanto, uma hora extraordinàriamente dramática para a sua carreira, pois via "como a monarquia poderia re.ristir à

agitação repub'icana. se esta dobrasse a sua força com a fòrça quase e.\plosÍ\ a da ansiedade das províncias por .sua autonomia", limitava-sc a apelar para Ouro Prèto a fim de que não fôsse o sen ministério, "em caso algum, o últi mo da monarquia".

A.ssim, ao passo que Nabuco, sem

pre pronto para reformar, mas sem o fcitio c a alma dum revolucionário, se dispunlia a cair com o trono. Rui, le-• vado pelo exaltado liberalismo, que tor nava secundárias as formas de govérno,

e sempre predisposto a ver nas\evoluções remédio extiemo, mas necessário para abrir caminbo ao triunfo da li berdade, preparava-se para vencer com a federação e à república.

Ao chegar-se à solução do 15 dc No-

vembro. Rui a Nabuco estavam em campos opostos. Para este era, pratica

mente, o fim de uma brilhante passa gem pela vida pública. Para o primei ro, o início duma nova etapa cheia de promissoras perspectivas de \dtórias.

Que atitude assume Nabuco nessa contingência? Talvez com surpresa pa ra os que não o conhecessem bem, a mudança, longe de o encher de amar

gura ou irritação, parece mais o pretêxto para uma retirada tranqüila, des pida de azedume.

Durante alguns anos, possivelmente movido pela solidariedade devida aos companheiros, sentimento que nunca o abandonou, e também pelo desejo de

exprimir as razões da sua fidelidade ao regime desaparecido, Nabuco ainda man teve alguma atividade como escritor e pensador político. Mantinha o fogo sa grado. Mas, tão fiel à monarquia quan

to aos seus sentimentos anti-revolucio nários, jamais pregou ou desejou que a

restauração se processasse através dum movimento subversivo, igual ao que fi

zera a República, e evidentemente o úni co capaz de restabelecer o antigo regi

me. Ainda aí, como se se contentasse com simples miragem, mostrava-se favo rável a uma evolução capaz de recons tituir, "no país, não a fé, mas a razão monárquica". Portanto, assim como

acreditara na federação como resultado düma evolução pacífica, continuava a sonhar com o mesmo caminho para a volta da monarquia.

Contudo, a tranqüilidade, a serenida de, e mesmo a tolerância com que Na buco — salvo no que diz respeito ao

militarismo nascente — assiste aos primei ros anos da República, possivelmente não decorreriam apenas dum temperamento equilibrado e suave. O ostracismo

da biblioteca, enlre os seus livros, e na posição de simples espectador dos acon tecimentos, pudesse entregar-se inteira mente à vocação literária, indiscutivel mente a viga-mestra do seu espirito. Uma vocação que a política o as próprias con tingências da vida haviam atrofiado du

rante muito tempo, mas que, agora, podia afirmar-se livremente.

Nesse período de infortúnio político es

creverá os trabalhos destinados a imor talizá-lo na literatura brasileira. Êles é que darão a medida do escritor, do

homem de letras. Um estodisto do />"pério, Minha jo-maçõo e Penses dcta^ chées et souvenirs, embora pertencendo a gêneros diferentes, são livros que reve lam não apenas as altas qualidades li

terárias do autor, mas, principalmente, sua vocação para as belas letras. O

rio encontrara o seu curso natural- • . Pois só a vocação é capaz de produzir obras.assim, escritas no isolamento du ma hora de desgraça. Obras que são justamente o oposto daquilo preconizado

por Nabuco, quando escreveu que os livros devem ser todos êles campanhas . Pensamento que mellior caberia em Rui, cujas obras, ou pelo menos as de mais vi

gor, são tôdas elas campanhas, no lamento, na imprensa, nos tribunais, na política. A luta, a contradita, a polêmi ca, é que lhes dão o nervo, a fôrça. Enquanto em Nabuco o que domina é a beleza dum pensamento sereno, no qual o poder da imaginação se associa à pre

cisão dos conceitos.

Acima de tudo, Nabuco era um litera to, um sentimental, um emotivo. D®' a beleza, a altitude que a sua palaNTa atinge no curso da campanha abolicio nista, evidentemente um campo de elei ção para se conjugarem a emoção do

homem-de-letras e a razão do reforma dor. Na campanlia pela libertação dos

escnivizaclos, na qual o.s aspectos sentiinentalistas, humanos, superavam de mui to tôdas as razões de ordem política, eco nômica ou social, ninguém poderá exce der Nabuco. Nôle, antes de ser o inte lectual, o orador, que se colocava a ser viço duma grande causa, esta é que

inspirava o sentimento de artista. Isso em nada dimimü o papel de Nabuco na redenção dos escravos. Mas explica a

perfeita associação entre a vocação do homem-cle-letras e a ação do liomem público. E talvez nbs faça compreender

porque jamais a palavra de Nabuco atingiria paramos iguais aos alcançados

nos dias do abolicionismo. Afonso Celso, por exemplo, ouvindo-o em ou tras ocasiões, diria que "não parecia o

mesmo".

Não custa, pois, imaginar-se que as

decepções do político fôssem consoladas pelas alegrias do artista, que encontrava

a sua vocação. De algum modo, se não fôsse a lembrança dos dia.s do abolicio nismo, lamentava o tempo perdido nas ingratas lides partidárias, nos meandros da política, clima pouco propicio para

que se afirmasse inteiramente a litera tura pura, o trabalho das letras pelas letras, sem outro desiderato senão o de atingir um ideal de beleza e perfei ção. E o próprio' Nabuco, já no fim da vida, redigiria êsse depoimento, que só não é melancólico por -exprimir a

eterna insatisfação, a angústia de todos

os artistas: "não devo ser tido senão como um literato que não teve tempo para o ser". A República fora, assim, caminho para recolher-se à tôrre de marfim. E a história a maneira de se libertar do presente, realizando uma obra-de-arte que o é, sem dúvida, "Um e.stadista do Império".

Tão forte ero em Nabuco essa concep

ção de que sòmente a atividade literá ria estava à altura dos grandes espíritos, levando-os à imortalidade, que, com os olhos postos nêle próprio, escreveria es tas palavras sôbre o colega da Aca demia: "Penso por isso no Rui, o qual nada fêz pelas ocupações da vida". Lamentava houvessem as contingências negado à \'igoro.sa inteligência de Rui o vagar, a tranqüilidade, para realizar uma grande e pura obra literária. De certo modo, considerava-o, pois. como

um egresso do seu destino, se não da. sua natural vocação. Nisso, aliás, enga-

nava-se redondamente. Ao contrário cie Nabuco, a vocação de Rui não era a cias letras, mas a da política. Pos suía, sim, altas qualidades literárias, por certo em nada menores do que as de

Nabuco, mas o que lhe faltava era jus tamente a vocação, essa capacidade de alhear-se inteiramente do debate das ^ idéias com que se modifica o presente e se constrói o futuro, para entregar-se, por inteiro, ao labor duma obra que tem

em si mesma a sua finalidade.

Aliás, diversa da de Nabuco era a concepção de Rui sôbre o valor das obras piuramente literárias, em confronto com as grandes ações políticas. Prova disso são as referências que fêz a Voltaire e Vitor Hugo, em cujas obras nada viu de maior do que a parte que ne las teve a luta em favor dos ideais po líticos a que se dedicaram. Por isso, ao

proclamar que para êle os anos não ha viam corrido "na contemplação do belo, nos laboratórios de arte, no culto das letras pelas letras", ou que a sua e.xis-

tência representava "uma xõda inteira de ação, peleja ou apostolado". Rui ■ não sòmente enunciava uma verdade,

mas o fa:da sinceramente convicto de haver realizado obra muito maior do que a que teria feito se porventura perseguisse apenas um puro ideal lite-

.9 '78 h ■ . ' ■ 'i rário. Daí a iiríslèiHÍa cuin (jiif rc-|X'■ liu a ce!cbra(,ãu cia "jubi-.eu iúeiáric» '. * . e que externaria nestas palaxras defini

tivas: ''Uma' existência vivida assim nos I, campos de batalha, tecida, assim, tòda [( ' ela, dos fio.s da a(,'ão combatente, não

I se desnatara da .sua sub.stància, não se desintegra dos seus clemcnto.s orgâni cos, para se apresentar des\eslida e

Iransníudada naquilo de que ela tem

menos, na mera existência de um homem-de-letras. Como cpier rpie se a encare, boa ou má, ê a de um missio nário, é a de um soldado, é a de um construtor. As letras nela entram ujíc-

nas como a forma ^ du • palavra, que

reveste o pen.sa^PF mento, conio a

eloqüência, cjue dobra o poder das

idéias, como a be. ^ Ic7.a aparente, que

1 ' reflete a bcle/a •.j -' interior". . .

Realmente, ao pas.so que em Naisi-j buco domina o liy j tcrato, tantas vcI zes a serviço das ;];] grandes causas cia

j. i nacionalidade, em :Vj Rui a preeminêni<'i' cia é do político, que faz das boas lefí;l tra.s, da eloqüência, da beleza da forma, simples instrumentos destinados a multiplicar as forças do mis.sionáTío ou dar

ál maior vigor à ação do estadista. Daí

a diferença de comportamento de cada qual ante o ostracismo. Para Nabuco.

o recolhimento à \ida pn\ada, como c evidente nos dez primeiros anos da Re pública, parece oferecer até certo en

ditaçóus do místico, ou os IrabttlhnS pacieiite.s do artista. Para Rui. si-r afas

tado da vida pública, por mais ipie a

razão o aconselhe a integrar-se ein ou tras atividades, reprc.senla amargura, iiupiiotação. desajiislumcnto, c as forças

interiores da sua vocação acabam sem pre, e irresistivclmente, faz.cndo-o vol tar !i cena política, long<> da (pial as .suaf. energias como ([iic se estiolam e fenecem. O que o inflama c põe em movimento a cercbração privilegiada é o debate das grandes idéias eontcmporãncas. a discussão dos pr<íb'enia.s jurídi cos (• administrativos, ou a réplica cios adversários, contra os r|uais se lança, por vézos. com impiedade, mas sem pre com mestria e grandc^Tíi. O ab.s-

trato mão o sechiz. E mesmo a histú^ria não o entu-

íjiliisnía e atrai. A suii obra será forjacia no calor das poflémicas ou das

ixóes. E os asImtos aparente

mente mai.s frios, como a elaboniçao dum código ou

duma lei (le ensi no. êle logo os transforma em teses, que reclamajn a dia lética do advogado e a clava do lutador.

Apesar de receber a Repúl)'ica com admirável serenidade, Nabuco durante dez anos permaneceu afastado de Rni. Talvez houvessem compreendido que para a sensibilidade dc ambos, depois duma longa convivência interrompida •süb o fragor duma revolução, não e.xistia solução melhor. Somente em 1899

Desde (jue reoiusara o oferecimento dc Pernambuco para participar da Consti-

luiiilc dc 1890, Nabuco resistiria a to dos os convites para .servir ao Pais sob

o novo regime. "O dever dos monarquistas .sinceros, (piando mesmo a munar(|uia estivesse morta, seria morrer polilicamenlo com ela", e.scievcii em 1895. na famosa carta ao Almirante lacoguai. A.ssini, surdo a todos os apelos, nioslru-

va-sc disposto a não abandonar a sua roeha Tarpéia.

Rui, que estava bem longe de ser um jaeobino, há muito almejava aliciar para

a Rcpúblicix o serviço dc lòdas as ca pacidades, sem distinção dc- credos. Desde o Ministério da (''a/taida dera êle mc.slras da sinceridade desse desejo, que

em 189-3 reiteraria no "Apelo aos conser vadores". no qual dizia; "É para reabi litar a lepúbMea. não para aluí-la, ou siibvertô-la, que devem tender, pois. os esforços de todos os patriotas, qualquer que seja o seu culto politieo. quaisquer (pie forem as suas preferências consti tucionais. Nossos destinos não vogam

entre a monarquia e a república, mas entre a república e a anarquia. É pre

ciso escolher." E acrescentava: "O Bra sil reclama a cooperação desinteressada e ativa de todos os (pie representam a capacidade, a abnegação e o vigor." E sonhava com os monarquistas imitando

Toc(|ueville.

No entanto, razões diversas, inclusive o amor-próprio, o desencanto, as convic ções, e também a ânsia de encontrar a pausa para levar a cabo as suas as pirações no campo da literatura, in duziam Nabuco a responder a t(^das as solicitações com o mm pos\vuí)Uí.9, que sòn-.ente abandonaria em 1899, para aceitar a defesa do Brasil, no litígio da Guiana Inglê.sa.

mo tempo que descoroçoava ou alxirrecia muitos monarquistas, enchia dc jú- * bilo os arraiais republicanos. Rcaliz;iva-se assim o antigo desejo de Rui, que, gerahncnte discreto ne.-sas expansões, foi dos primeiros a aparecer em público, para louvar sem restrições a aepiicscên-

cia de Nabuco, e confessar-se "um dos . (pie mais admiração professam pelo mé rito do nomeado, cuja carreira ascen dente aeompanha desde os primeiros anos". Escrito cm linguagem calorosa, e na qual despontava a cada passo o • júbilo do condiscípulo, o artigo de Rui

— A Missão 'Nabuco — constituía um hino à atitude e à personalidade do co lega que, dizia, cedera "a uma necessi dade da sua tempera, a uma força in terior da sua vocação e expansão inevi-

táve' da sua individualidade, a um im pulso do seu destino, (pie o não eriou só para escrever com a sua pena a his- • tória, senão também para a elaborar

com os seus atos".

Quebrava-se a muralha interposta pela República entre os dois colegas da.s

lides do abolicionismo. De fato. Na buco não podia ser in.seusivel ao gesto largo e nobre de Rui. E, logo no dia seguinte, na mesma iiora em (pie muito.s.. companheiros se julgavam com direito de tomar-lhe contas, escrevia-lhe agra-^ decendo as palavras amigas o sinceras. , "É-mc grato, dizia Nabuco, depois ,de ''I tanto tempo de .separação, ter que lhe agradecer o seu artigo de ontem, repus- • sado da velha camaradagem que nos lip desde a adolescêneia, (piando fa-. '

zíamos parte do mesmo bando liberai da Academia. Os seus elogios não .são

outra cousa senão a munificência do seu espírito, que pode fazer presentes destes sem despojar-se." 1

Rui ainda tornou ao assunto num arti go inlitulado F.uirc Vclho.s Amigos, pura

afirmar não o ter inspirado, no episódio, "senão o-^lo por uma reputação que c hoje uma das poucas fortunas de nossa vida política". Prova de que a longa separação provocada pela queda da monarquia não deixara cicatrizes. E, com o pensamento voltado para os dias

distantes da "velha camaradagem", po diam reatar, satisfeitos, a mesma ami zade da adolescência c que uma forte c recíproca admiração presenara em

meio a lôdas as vicissítudes "dos interêsses contingentes".

De fato, daí por diante não mais se riam perturbadas as relações entre llui e Nabuco. E, ao viajar, para assumir o posto no qual produziria trabalho no gênero incomparável, Nabuco, com deli cadeza e afeto, que eram muito do seu feitio, assim se despedia de Rui: "Meu caro Rui. Desejo-lhe ao par tir tôdas as felicidades e peço-lhe que disponlui sempre de mim com a amiza de que nos ligava nos tempos da nossa

mocídade, certo de que V. não tem quem, mais do que eu, deseje a per feição do seu talento, a universalidade

do seu nome- e a imortalidade da sua obra. Tenho mais ambição do que V.

mesmo de o ver entrar na sua verdadei ra e superior esfera, e é com sincera satisfação que acompanha a plenitude que caminha do seu disco intelectual,

Seu sempre, Joaqtiim Nabuco."

Sete anos se passaram antes que Na buco tomasse ao Brasil. E, apesar do tempo decorrido, um véu de mistério ainda envolvia a atitude de Nabuco diante do novo regime. Continuaria monarquista? Estaria convertido aos ideais republicanos? No célebre banquete que ]he ofereceram então no Cassino Flumi nense, e no qual deveria ter sido sau dado por Quintino Bocaiúva, de quemtambém se separara após a Abolição,

caberia a Nabuco externar os seus sciilimentos diante da República. E, cheio do emoção, bem compreendendo a signi ficação daquele instante, Nabuco escre veria estas palavras do referência a Quintino: "Havia alguma coiisa de dra

mático em no.s enconlrannos frente a frente neste recinto c Ticstc dia: êle e eu!" E assim, "depoi.s de haver rendi do ã desgraça um preito de dez anos"

— dizia Nabuco — cedera "ã in\encível prescrição da história".

Jubiloso, Rui logo escreveu ao antigo co'ega: "Ainda bem que, afinal, o temos declaradamente, entre nós, onde

a sua ausência era uma sensível lacuna'. De braços abertos, o demolidor da mo narquia recebia o novo servidor da re pública. Sem dúvida, a velha camara dagem reflorira vigorosa c perfeita.

Entretanto, por oca.sião da 2.^ Confe rência dc Haia é que a amizade e a admiração de Nabuco pelo colega de Academia seria posta a prova. Como e sabido, o primeiro nome lembrado para chefiar a delegação do Brasil fôra o de Nabuco. Rio Branco chegara até a convídá-lo. Depois, cedendo a um movi mento de opinião, é que se voltaria para Rui. E a um amigo íntimo, Graça Aranha, escreveria, justificando-se: "Por mais que eu deseje dar ao Rui essa

prova de amizade e confiança, por mais que me custe não estar com êle na Europa... não posso ir a Haia como se gundo, o êle só poderá ir como primei

ro..." E a Rui, delicadamente, en\aou Nabuco êste telegrama: "Saúde obriga-

me declinar, mas estarei em pensamento ao seu lado, orgulhoso de ver o Brasil

assim representado entre as nações. Muitos, muitos parabéns".

Não se pense, no entanto, que eram .simples palavras de cortesia. Os fatos -SP incumbiriam de mostrar que, real-

nienlc, nenhuma mágoa toldara o es pírito de Nabuco em face da preterição. Prova disso é que, solicitado pelo Barão do Rio Branco para ir até à Europa, a

fim dc au.xiliar Rui com os seus co nhecimentos e as suas relações no mun do da diplomacia, Nabuco, poucos dias depois do Rui, também chegava a Paris. ^'iaja^•a como um diplomata em férias. E a êle, que sem Rui teria sido o em baixador, cabia agora um papel anô nimo, ignorado. Quantos o desempenhanam de coração aberto? O certo é que imodiatainente Nabuco sc pôs em cam po, e.xplicando aos amigos da carriére quem era Rui, o seu valor, o seu nome,

a sua preeminência intelectual no Brasil E também a Rui, informando-o de cer tos meandros em que não podia ser ^'ersado, fornecia preciosos informes, dentro

os quais se destacam as conhecidas "Notas Confidenciais", em que, com

ver\'o, finura e perspicácia, retratava algujis dos delegados à Conferência de Haia. Assim e que escrevia Nabuco

a Rui: "Notas Confidenciais: ~ O Quesada é o melhor informante que V. possa ter do que se passar na esfera hispano-ame ricana. Ainda que êle seja muito amigo do Saenz Pena, de quem foi Secretário, V. pode fiar-se nêle, certo de que, se

o chamar a si — os cubanos, neste mo mento, sobretudo, são muito sensíveis a simpatia e medem cada pequena di ferença no acolhimento que recebem

ê'© sera um bom abado do Brasil entre a Híspano-América. Êle é muito en tusiasta, mas \'e claro e com muita pe

netração. Mme. Quesada é muito sim pática e merece que sua senhora faça

amizade com ela." "O Esteva, Primeiro Delegado do

México, é muito pobdo, mas frio e muito suscetível e exigente em questões

de forma. Êle foi meu colega em Roma

e c meu amigo. O de La Barra é muito atencioso c agradável. Êle tem grande admiração por V. O México é o rivaí da Argentina na América Espanhola e politicamente mais importante pela pro ximidade do.s Estados Unidos, o que o

toma um agente dêste para as nações da mesma língua. O México procurou

muito tempo fugir a essa aproximação, mas hoje compreende melhor o seu interêsse e os Estados Unidos lhe estão in suflando o seu espírito pouco a pouco. Entro o Mé.\ico e a Argentina não tenho dm-ida de que eles prefeririam elevar o México tímto na Haia como cm qualquer

Outra ocasião." "Dom Domingo é um velho amigo

nosso, mas os argentinos o lêm muito festejado ultimamente e, se é certo queêle era o candidato h Embaixada que o Chile quis criar em Wasliington, talvez ôlo nos suspeite de frieza a respeito dessa idéia. A mim ninguém nunca disse uma palavra por parte do Clüle,

nem tampouco por parte doa Estados Unidos. Traballiei quanto pude por

apro.ximar os dois países, falando ao Pre sidente e a Mr. Root sempre do Chile, de modo a elevá-lo no espírito de am

bos, e convencendo o Walter Martinez de que não pode haver política mais errada para o Chile do que inspirar desconfiança aos Estados Unidos, sobre tudo quando o Peru procura por todos os modos captar-Uies a simpatia. A mim não cabia dizer uma palavra sôbre um plano de que apenas Üve conhecimen to pelos jornais e em questão tão melin drosa. Admira-me que o Chile tenha querido realizar tal pensamento encarregando-o ao Yocham ou tratando por

intermédio do Ministro americaho em Santiago, não sei qual foi o negociador."

cada delegado híspano-americnuo. V. nio.slre desejar ouvi-lo sôbre èlcs.

"O Fusinato é muito meu amigo. Dou ao Artur uma carta para èle, em que lhe manifesto a esperança de vè-!o dei

xar a Conferência táo seu amigo como é meu, falando-lhe de V. como dcxo.

Êlc estè\e ultimamente bem doente de uma dispcpsia nervosa. V. cultive a ainÍ7Aide dèlc, que será o seu melhor guia entre a diplomacia européia. Êlc

é muito amável e rpiererú agradar-lhe por èsse instinto político que fa/. da

italiana a raça mais civilizada do mun

do." "O Barão de Seiir (sòbie (jiic se fèz "à tort" o epigrama il ne sail lire n/ écnre) é muito relacionado entre a \eIha aristocracia holandesa, esteve no Rio. imião do meu amigo (> Visconde d Alte, meu colega em Washington, co leciona porcelanas brancas e é um gran de "sportman", no sentido de aposla-

clor em corridas. O Artur há de conhecc-Io bem. Talvez èle fòs.se melhor au.KiIiar seu no que respeita à própria

Holanda e ao corpo diplomático de

Haia."

Tudo franco, exato, precioso. Nenliitin traço de ambição c!)nlrariada.

Nabuco era admiráve'.

Assim, até an fim, uni belo c peifeitr, espírito de admiração, o mesmo qnc nascera aqui em São Paiiio, sob as ar

cadas da velha e gloriosa Faculdade de Direito, marcaria as relações entre os deis \ ulto.s eminentes da liistória nacio nal. Tanto assim que ao se reiniciar a discussão do Código Ci\il, em 1908, era a Nabuco tpie Rui se dirigia para soli citar o obséquio de reineter-üie os livras americanos de que nect.ssitava. E o pedida, para quem conliecc a timidez,

o.s escrúpulos, as reser\'as de que era forrado o comple.xo Icmperaniento de

Rui, coiisliluía prova ine([uí\ oca de con

fiança c amizade.

Ê datada de .Miami, cin -l de feve reiro de 1909, a última carta cie Nahuo> a Rui (pie se c.onbece. Carta inehmcóli-

ca, labrz já ditada pelo pres.senliuionl" de (piem .sentia (pie a vida não lhe iriu Ic/iige. "Compietain-.se dez anos — PS-

crevia Nabuco — de ausência do Pais e da \ida mais artificial (]ne eu podia ler

tidí.». Estou cansado e não. quisera aca bar assim." Desde ({ue o invadira n convicção da niórte pr(>.\ima, era èsse o tom da correspondência de Nabuco- A Marlim Francisco, por exemplo, infor

mava. como se relesse pela última vez alguns livros fundamentais ao sen espiril(,i: "Estou agora absorvido em Platão, pelo qual comecei em 1871 e 18/-. É curiosa essa rotação da Inteligência que volta ao ponto de partida. Vivo iie.sla pequena biblioteca; a Bíblia, os Diálogos de Platão, a Moral de Aristóle-

Ic.'!. as (.bras filo.sófica.s de Cícero, as e.bras de PhUarco, Marco Aurélio e algiiiií; mais. É um retiro espiritual...

Realimnte, Nabuco abeira\a-se do

fim. .Certa vez. dc Wa.shington. escre vera êle a Rui: "Quisera que tives se \'isto a minha correspondência com o Rio Branco desde ({ue atpii cheguei, eoiuo eu quisera \er a sua de Haia. Um dia (al\'ez as po-ssamos comparar."

Infelizmente, a morte não lhe deixa ria (empo para realizar êsse desejo, justamente na hora em (pie Rui agitava o País com a maior das suas campanlía.s — o ci\ãlismo —, cujos ecos ainda reIroam aqui no planalto paulista, Nabuco, 'ongc da pátria, feclnixa os olhos paru

sempre.

Encerrava-se assim uma das mais bri lhantes carreiias a que o País tem u.ssistido, nas letras e na política. A glo riosa trajetória cpie, (piarenta anos antes, ^

a(jni mesmo, respirando no ambiente livre, progrcssi.sla c arn-jado de São

Paulo, iniciara ao lado de Rui. E no curso da qual, apesar das profundas di ferenças de temperamento, que marcam as duas eminentes personalidades du

nossa história, as relações entre os dois colegas de Academia nos proporcionam altos e.xemplos dc belcz.;i moral, dç

de.«arnbiçã() e de pureza de sentimentos,

que, tanto quanto ós inestimáveis serxiços à nacionalidade, devem ser lem brados para edificação das novas geraçòe.s. que nêles, cm vez de mesquinha

i"i\"ali(lade, en(rontiarão c.stiniulo. ener gia. força para atravcs.sarem incormptas esta hora angiistiosa • e conturbada da

humanidade.

Equidade nas Imcas inlernacionai

(D

DjACU\ Menezes (Prof. cat. da Universidade do Brasil)

lançar, no Conselho Econômico da

Confederação das Indústrias, a idéia que constitui objeto deste exame, o ilus tre economista senador Roberto Simonsen explanou-a em "memorandum" que,

lúcidamente, esboçava linhas teóricas niais gerais do seu pensamento. Dias de pois. em palestra, esclarecia qual deveria ser a meta e a amplitude da doutrina que sua intuição pioneira lhe sugeria. Lemrava então ser. um programa para o lr''rT Internacional So-

nr,rr.f 1 ^

procurassG nn« ® conseqüênciaspossíveis das premissas que sua inteligência superiormente descortinava. A idéia não podia deixar de seduzir, ü estudo incessante dos problemas especialmdos que interessam o nosso de.senvolvimento industrial leva-nos, vez por outra, a contactos com teorias e pano ramas mais gerais. E o tema que Si

monsen corajosamente procurou desta car, destinando-o a largo e democrático debate, envolve-se, inevitàvelmente, nas mais altas aspirações humanitárias de

justiça internacional.

O autor abalizado da "História Eco nômica do Brasil" escrevera, em 1937,

ao considerar os acordos comerciais entre as nações, que a reciprocidade estipula da entre partes contratantes econòmicamente desiguais, contendo condições jurídicas de igualdade, acabava deter minando, "do ponto de vísta econômi co, uma progressiva vassalagem da íiúçâo menos aparelhada à nação mais po

Segundo o fio dÔMo raciocínio, atinou com o núcleo do problema: corrigir, por meios jurídicos intcrnacionaliiiente

constituídos (ou melhor, a serem cons tituídos), as injustiças ocorrentes nas trocas entre países industrializados e países agrícolas. O fim será e\ itar que se "promova, de fato, a troca de pro-

duto.s fracamente remunerados, p"r outros altamente recompensados".

A análise econômica mostrou que, sob a aparência ilusória da troca monetária, o que na realidade interessa às popula

ções do mundo, através de suas frontei ras, são as utilidades e serviços recla mados pela vicTa humana. .\s superes-

tnituras monetárias e financeiras pertur bam ou impedem muitas vêzes a apre ciação objetiva dos valores que .se permutam; e é aí que se oculta a parte mais viva da injustiça do comércio in

ternacional.

Os teóricos de nações mais avançadas

ehiboram teorias artificiosas que servem aos interêsses dos seus respectivos países

(e a história das doutrinas econômicas aí está para provar isso). Os países

econòmicamente atrasados são freqüen temente iludidos — ou porque seus de legados sejam ludibriados pelas leorizações, ou porque se deixam arrastar por

motivos menos lisonjeiros. O certo e que cedo acordam dessangrados nas suas mais profundas fontes de vida coletiva. Porque, com a desigualdade das taxas de trocas, estão entregando, sob a capu das transações monetárias, produtos de 15 dias de trabalho agrícola por produ

tos de 1 diii de Iraballu) industrial. É um sistema esgotador, que beneficia as nações fortes e aparelhadas.

No fundo de tudo isso está batendo vivamente uma questão vital, que afeta

particularmente o Brasil e toda a Amé rica Latina, como não escapou à per cepção •excepcionalmente patriótica de

Roberto Simonsen.

Sob a égide da igualdade jurídica, por

conseqüência, e.xiste, na realidade, uma tremenda desigualdade econômica. Essa desigualdade tem proporcionado vanta gens extraordinárias aos países que cedo

•se lançaram no caminho da industrializa ção intensiva, contando com circunstân cias históricas favoráveis.

Teremos que iniciar a análise do plano eco

nômico e financeiro. rr."

ProkopoWcz assinalou

três fases na industi-ialização das países agrí- • '

colas: a) fase em que se or ganiza a, transformação rudimentar de suas próprias matérias-

primas (refinarias de açúcar, moinho.s etc.), preparando-as para uma expor

tação mais fácil; b) fase em que se constróem usinas e fábricas têxteis, de calçados etc., suprin do de artigos de consumo as populações

nacionais; c) fase em que se funda a indústria pesada, a indústria criadora dos bens produtivos.

Com o desenvolvimento dos meios de transporte, acelerados a partir dos mea dos do século XIX, começou a consti-

tulr-se um sistema mundial de comér cio operando-se xuna maior divisão in ternacional do trabalho, fenômenos já suficientemente estudados pelos econo mistas. Sraith buscara mesmo, na es-

jjecialização do trabalho entre as na ções, a base para explicar as trocas in ternacionais. A rede de transportes,

progressivamente aperfeiçoada, facilitou o escoamento das matérias-primas proce dentes de regiões apartadas do globo, que foram ligadas ao proee.sso de cresci mento capitalista. A conseqüência foi a modificação rápida das regiões atrasa das. Introduziu-se o regime do salariado, que alterou a própria estrutura da quelas populações. Estas nem sempre

se beneficiaram com a mudança.

Os países atmsados tomaram-se assüu cada vez mais necessários aos países industrialmente avançados do Ocidente,'

quer como fomeccdore.s de ínatérias-prüuas o gê neros alinienticios, quer

como mercados consumi dores dos produtos ma nufaturados. Foi o que

alguns obser\ndores de nominaram de "proces so de europeização da agricultura dos países coloniais". Era uma ex-pressão bem .soante para designar a realidade misérrima das populações que vegetavam em muitas áreas do globo: - China, índia e alhures. A redução das despesas oriundas da navegação a vapor estendeu o comércio de cereais, de queijo algo dão, lã. por paragens até então ion da circulação econômica; o mesmo se deu com os produtos extrativos Von Thünen percebeu os smtomas da transfomiação que se iniciava na economia mundial, como o atesta sua obra Der T / . I T La^wrHsohaft und atd Nationaloktrmnic,

Os centros mundiais dêsse movimen to mercantil foram acumulando capitais

à custa do trabalho dos países retarda dos, que, graduahuente, tiveram de se submeter à liderunça c-conómica dos países industriais carecidos de L('hcufirnimi, — de "espaços %itais". Entre

tanto, os países atrasados representavam

0/10 da humanidade. Os seus "espa ços" já estavam superlotados. . .

Não devemos considerar somente o aspecto negativo dessa influência do de senvolvimento dos transportes' sobre a repartição internacional do trabalho. Êle influiu poderosamente na expansão da agricultura, que, por sua vez, re clamou sua indu.striah2ação progressi va, a fim de poder aumentar a produti

vidade do trabalho.

Onde encontrar cí/pf7m's?

A ctjnccnlraçáo d(js capitais, graças

ao coniércio internacional, dcLeiminOu os movimentos da e.xpnitação dc ca pitais, que vem desempenliar uma ação poderosa no deslocamento das merca

dorias.

"Na realidade — ensina Taussig —

o deslocamento do dinheiro, isto é, do ouro, é completamente insigni ficante. São O.S produtos que se

deslocam, e não ocorre imediatamen te depois dum de.slocamento de ca pital, como se existisse uma relação autoinática entre as operações, fi

nanceiras de crédito e o rcfiuxo ou o afiu.xü das mercadorias."

Assim, no fundo, é a massa geral de mercadorias, que constitui a riqueza, que é objeto real desse movimento. O

clíniieiro se revela o meio aparente — o véu monetário de que falou Robertsnn.

Depois da crise de 1929-1933, a polí tica protecionista, necessária para defe

sa do mercado interno, determina a e.xportaçTio do ouro em pagamento dos produtos importacÍ!)s — e os "stoclcs" ntciálicr-.s afiuem para os Estado.< Uni dos. Esg('lam-se as rc.^crvas da .Alcmuiilia, da Itália, do Japão, <iue. são

conduzidos ao comércio dc acordos bi laterais, às autarquias, ao controle dos preço.s, da moeda c do crédito para salvar o regime econômico. Entram numa economia dirigida, de "Ersatz" e

de annamenlo.s. As reservas cie divisas para importar matérias-primas (carvao, petrólefj', ferro etc.) destinam-se a man

ter o volume de trabalho; se as divisas forem empregadas para importar man teiga, então laltarãcj us matérias-primas ((ue alimentam a atividade chis fábricas, aumentará o desemprego e a agitação crescerá. Nessa situação cheia de incertcZiis, a Alemanha lança-se ao palia

tivo cia corrida armamcntista, ipie ga

rante lucros interno.s iia mesma taxa. Vem o "slogan" — canhão, em vez de

manteiga. A tensão interna torna-se cada vez jnais forte. No ponto da sa turação, quando não é possível adiar a crise pela jnanobra armamenlista, des

fecha-se na solução final: a dos ca nhões. A saída guerreira para o aniquilaniento dos competidores.

Foi êsse o caminho que veio do

knick de. 1929 até 1939.

Acontece, agora, porém, rpie os paí ses atra.saclo/j, depauperados por uni;i troca de valores cpie lhes é dosvantajosa, nãn poderão jamais acumular os capitais dc' que carecem para a explo ração de .suas próprias riquezas natu rais. Seu balanço de pagamentos acusa débitos dificilmente rcmcdiáveis. Co mo- formar seus próprios capitais?

Os créditos acumulam-se nos países comerciais e industriais, cpie, evidente mente, passam a liderar as trocas mun-

diai.s. Ides laz.ein acordos, marcam preços, dirigem os mercados, repartem lúcios labuloso.s. As rehiçõe.s (inanceiras, (juf SC estabelecem entre esses gru pos de nações, passam a ser dc credores e dcccdorc.s. E, em inalcria de dividas

iiiteniacionais, nossa liistória financeira c unia ladainha dolorosa de paciente e.xpoliação dc um povo. (1).

Onde buscar os capitai.s? Êles não se podem gerar no seu atraso industrial. Então as nações prejudicadas recorrem

aos cenlro.s financeiros. Êstcs assumiram de há muito a hegemonia do eomcreio internacional. Mas para que os capi tais se desloquem dos centros industriais em que se ciicoiUram, ó preciso que se lhes ofereçam taxas de juros e de divi dendos bem compensadores. Está na lógica do próprio sistema.

Com os capitais emprestados surge

uma porção de outras necessidades; melhoramento da navegação, dos siste mas internos de transportes, da organi zação das sucursais bancárias, das agência.s comerciais, de todos os organismos necessários à regulação das relações que

se formam.

Lição de íz/girns- hiccif/nieii/os

internacionais

Os países agropastoris importadores dc tapitais aplicam (ou deveriam aplicar)

os recursos emprestados no desenvol vimento da indústria nacional, a fim de se aparelharem para promover o abusIccimenlo de seus próprios mercados de consumo interno. Aspiram a certa independência econômica — e plane

jam criaç-rio de fábricas, de indústrias básicas, de caminhos féneos etc. Os investimentos de cajJitais nesses países são compensaclnre.s. Acontece, iiorém, <)iie a importação íIos produtos eOrrelulos, que vêm muitas vêzes dos países exportadores de capital, seria prejudica da. Nao interessa aos países industriais a exportação de capitais que liies farão perder, no futuro, os mercados dos paí ses dependentes. É a luta que se de- , scnrolu alualni|ente na França e na Itália, cujas indústrias reclamam au xilio americano para se reerguerem.

O jornalista Matos Ibiapina já de nunciara freqüentes vêzes um fato evi-

dentissimo cm nossa história financei

ra: jamais nos foi concedido um em préstimo cujo capital se investisse eni ol)ras pioneiras do nosso avanço econô

mico, estimulando o crescimento indus trial. Os capitais estrangeiros encami nharam-se sempre para serviços públi cos, serviços de transportes, de sanea mento, de luz, de gás, onde contavam de antemão com remuneração e segu-

lança absolutas, através de boas cláu sulas contratuais. E quando a^gum ca

pitalista nacional aventurou-se em irticiativas capazes de abrir caminhos in dustriais para nossa independência eco nômica, encontrou freqüentemente pe la frente, obtusa e múltipla, a resistência e o desprestígio de alguns testas-defeno nacionais. No fundo da manobra, bolia o interêsse da finança estrangeira.

Ninguém esqueceu o sibilar da bala que prostrou para sempre 'o vulto e.\traordinário de Delmiro de Gouveia.

E lógico que não devemos entregarnos, ingéniiamente, ao capital estranho. Ha uma contradição dura. Por parte dos países industrializados, sob camuflagem do vurios pretextos, há certa relutância em incentivar a industrialização que lhe retira mercados. Não querem organi

zar seus propvios concorrentes. E é ló gico que assim o façam. O ilógico é

qnp não os comprerndamo.s.

Exemplos i;ic«'is:

"O capital britânico é responsável

pelo desenvolvimento da tecelagem

c fiação nas índias, que causa, em conseqüência, um sério prejuizo à indústria têxtil de exportação britâni ca. O capital americano contribuiu largamente para o desenvolvimento

da indústria hidrelétrica do Canadá, que determinou o declínio da expor

tação do carvão americano nesse ■país. O capital alemão facilitou o

desenvolvimento da indústria química

italiana, em detrimento das indústrias similares alemãs. Seria fácil multi plicar exemplos dêsse gênero." (2).

O mesmo autor publicou o seguinte quadro dos volumes dos pagamentoi

sôbre investimento.s internacionais de capitais, em milhões de dó'orcs, de 1923

a 1937, entre Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Irlanda, Holanda, Bél gica, Suíça e Suécia, como países cre dores, e 28 países devedores:

Poises credores 1923 1929 1930 1.934 1936 1937

Entradas Pagamentos . Balanço 1

I 1.896,4 - 220,3 1.670,1

1 2.989,4 - 582,6

2.406,8 2.786,1 - 463,7 2.322,4

1

1.120,7 -176,3 944,4

I

1.350,1 - 255,2 1.094,0

1

1.424,7 - 290,4

1.134,3

Países devedores 1923 1929 19'30 1934 1936 1937

Entradas

308,9 387,1 312,8 124,9 154,1 Pagamentos -1.443,8 -1.923,5 -1.750,3 - 917,5 - 928,4 — Balanço -1.134,9 -1.536,4 -1.437,5 - 792,6 - 773,8 ' Total das entradas

Bruto Líquido

2.205,3 3.376,5 3.098,9 1.245,6 1.504,7 —

1.676,1 2.406,8 2.322.4 944,4 1.094,9 —

Analisando o volume dos pagamentos

internacionais, êsse autor determinou, conhecidas as taxas médias de juros c

os dividendos, o volume dos investi mentos internacionais como em capi tais, obtendo o quadro seguinte:

Anos

1923 1930 1934 1930 Total dos pagamentos

internacionais

1.567 2.550

1.040 1.200

Taxa média de juros

8,00 5,61 4,29 4,89

Total dos capitais

investUlos

21,0 45,5

24.2 24,5

A soma dos capitais coiocadiis nos anterior à primeira guerra. A segunda países de\-edore.s, em milbões de dólare.s- guerra vem suprimir os imperialismos

Aíio^

japonês e alemão dos mercados mundiais. A grande nação exportadora de

1880

1913 1923

12,3 capitais é os Estados Unidos, para os

41,2 quais se voltam todos os olhos es21,0 perançados. No ano de 1947, exporta

1930 45,5 cêrca de 736 milhões de dólares, sendo

1934 24,2 661 sob forma direta. Grande parte

Na véspera da primeira guerra mun- importância, porém, é para apli-dial, o tomije volume atingia a saíam as nações 41,2. Da européias heca- encll- Caribe industria petrolífera à volta e no Ocidente Próximo. As vidadas e desorganizadas pela dinária dilapidação de capitais. oxtraor- Decaem correntes ^orte de de capitais relações empreitados, e econômicas deos investimentos europeus a qua.se a correntes entre países credores e devetêrça parte, por volta de 1922. exigem organização de um Ban-

Fala um observador insu.speito. o sr. f." Internacional que regule o.s negócios Summer M^elles- ligados a economia mundial, a fim de "Depois da última guerra, num nromento em que outros países nos facilitar guerra. e ajustar as contas oriundas da Uma série de incidentes históestavam procurando para auxiliá-los retardou a sua execução; o asnas suas pesadíssimas tarefas de re- escapa aqui ao nosso objetivo, construção econômica e social, os Depois da 2." gueira mundial

Estados Unidos, que, repentinamente, se tomaram a maior nação credora Enquanto no período gunda guerra mundial a anterior Europa à seHnha do mundo e incomparàvelmente for- uma exportação três vêzes maior quete do ponto de vista econômico, os Estados Unidos para o mercado mundesfeoharam pesados golpes contra dial, agora a grande nação norte-amesuas estruturas econômicas combali- ricana, sòzinha, exporta duas vêzes mais das pela guena, sobrecarregadas de que a Europa. Assim mesmo, os défidívidas; o choque foi tremendo, tan- cits do balanço de pagamentos das na to moral como econòmicamen- ções européias aumentam sempre, por te. . ." (pág. 47). causa dos empréstimos financeiros verifi-

Mas, apesar disso, a recuperação .se cados em relação com o balanço merprocessa, atormentadamente. cantil daqueles povos.

Em 1930, está novamente no nível Eis um quadro elucidativo:

Balanço comei-cial dos Estados Unidos com o mundo-

1938

1947 Europa + 377 + 2.454 + 1 951 América Latina +39 + 937 . 379 América do Norte . . . . + 104 + 542 .

•^rica Doeania ~ + 32

+ 269 . . . + 39 + 37 + .p 399 026 + 128

Do ano df 1938, temos a média se mestral; de 1947, as médias do 1." e 2." semestre, respecli\anicnte. O exceden te de exportação estii assinalado por -f-, e o das importações [íor —. cm milhões

de dólares.

Para o conjunto da Europa, comenta um autor, o déficit do balanço dc pa gamentos, em relação aos Estados Uni dos, que era em 1938 de 0,4- milhões

de dólares, em 1947 toca a 5,4 milhões. E não há possibilidades momentâneas dc alterar a situação: porque os países devedores europeus cada vez mais esgo taram síia.s reservas i iiuinciira.s com >--••.1,^ ct>ll»importações americanas e .são forçado^ apelar para- créditos americanos. significa não ser possível a:)s países\'cdores europeus constituir um pob-"'^'cial produtivo em base indepeiulen'^''

para tompeliçãn, nos mercados inn*''' cliais, coin as demais poténeia.s do iiinb'

do.

(Conclui lio próximo juíiiiC''''^

(1) Djacir Meiiozes. O ouro e a nova co**

cepçao da moeda, Alba Editora. 19''

itlO. (2) J. de iMalos Ibiapina. O Brasil

Ontem e o de Hoje. Dip. Rio,

A MARGEM DA COMPENSAÇÃO OE CHEQUES

Aux> M. Azuvki

KSTAií.sTmA dos chcques compcn.sado.s é uma bús sola preciosa para os que

vivem navegando no mun do dos negócios. Suas in-

dicaçõc.s não lèm talor restrito aos meios banca rio.s, porciuc resultam de muito.s fatores ba.stanlc diversificados que, se tornam sua leitura e exala inleq^relaçno pouco

acc.ssíveis, não ob.slante contem \-aliosas informações. Uma revista trouxe curio sas obser\ ações a respeito da Càmâra cie Compensação dc São Pau^o, incliisi\e a estatística cios cheques compensados des

de o seu início, em 1932. Dessa estatís tica de dezesseis anos de atividades cia Câmara de Campcnsação, é po.s.si\-el re tirar algumas conclusões, que geralmen te escapam ao leitor superfieial, habitu-ido a percorrer os algarismos ràoidamente, pura fixar na memória os primeiros ejç^ os últimos, quando chegam a tanto, ÊsteBÉ artigo é uma tentali\'a de interpretação

clo.s números cia estatística cio nos.so "clearing", com o fim de analisai o de senvolvimento dessa importante parcela de nossa economia, isolando os Índices^

mais significativos. í V estatística. Assim, o crescimento continiiaclo do número de clieques compen

sados eleve ser atribuido a duas causas ílixcrsas: — a crescente difusão do seu u.so e o aumento vegetali\() das transa

ções, função do crescimento do númeni de finnas na praça. Por outro lado. cumpre não esquecer outras circunstân cias que modificam ou podem modificar a situação. Por exemplo, a compensação de ehetjues .só se faz com cheques que transitam por dois bancos pelo menos, pois os pagos diretamente pe'os banco.'? sacados não são computados na esta tística. O simples aumento do número de bancos por si só é suficiente para fa

zer crescer as compensações de cheques. Enlrclanto, devemos convir que não sur

gem bancos sem motivo, e o crescimento de seu numero pode ser considerado no crescimento \cgetativo global das tran

sações.

Com ésscs pontos esclarecidos, \amo.s acompanhar na Tabela I o desen\ob-i-

mento da estatística do número de cher|ucs compensados na nossa Câmara de Compensação. À primeira vista, xerifica-se logo que o crescimento de ano para

ano é contínuo, Mas, uma atenta obser-

Preliminarmente, eon\'ém salientar o falo bastante conhecido, nui.s não suficientcniente combatido, do pouco e res trito uso do cheque entre nós. Ainda estamos, infelizmente, naquele estágio dos pagamentos à vista e com dinheiro de contado, que caracteriza a economia primitiva, cie crédito ausente e de esper talhões sem escrúpulos. Essa obser\-aç'ão tem sua razão de ser para nos per \ação clo.s números de cheques de cada

semestre desvenda um fato interessante: — os segundos semestres mostram cresci mentos muito mais acentuados do que os primeiros. Essa particularidade se reflete também no montante dos cheques compensados, cujos totais em geral so bem fortemente em cada segundo se

mestre, em re'ação ao primeiro.

Considerando que a difusão do uso d() cheque deve forçosamente reduzir-lhe

o valor, teremos um meio de averigu^ a evolução dêssc fator, mediante o cál

culo do valor médio dos cheques com pensados. Evidentemente, se esse valor está em declínio, poderemos afirmar que

há maior difusão" no uso de cheques, desde que, como é o caso em vista, seu número seja crescente. Mas, aqui inter

vém outro fator: — a inflação. Em economia inflacionada, há uma tendên cia forçosa no aumento do valor médio doa cheques, que deverão corresponder aos preços mais elevados das coisas e ser

viços. Digamos desde logo que também êsso fator pode ser, apro.ximadamente,

medido, como veremos mais adiante.

Nos dezesseis anos registrados pela es tatística em estudo, ohserva-se um con) tínuo crescer do valor médio dos che ques compensados. Não considerando o caso do primeiro semestre de 1932, início do serviço de compensação de che ques entre nós, e deixando de lado o se gundo semestre daquele ano da Revolu ção Çonstitucionalista, vejamos rápida-

mento como evoluiu o valor médio dos cheques compensados. Podemos dizer que, até fins de 1941, o aumento paula tino do valor médio dos cheques sc pro

cessou lentamente e a taxa mais ou me nos reduzida e constante. De 1942 em diante, porém, o valor médio subiu acen-

tuadamente, de semestre para semestre, até atingir mais de 2.5 mil cruzeiros em

1948.

Vejamos agora çomo se proces.sou o crescimento do valor total das transações com íJieques compensados. Como já ficou assinalado, os segundos semestres concentram em geral um montante su perior aos primeiros do mesmo ano, e algumas vezes mesmo em relação ao semestre seguinte, como do 2.° de 1941 para o 1." de 1942 e do de 1946 para o 1" de 194'7- Naturalmente o valor

da soma de todos os cheques compensa dos sofre diretamente a influência do grau de inflação. Para eliminar essa de formação estatística há o recurso de reduzir os valores na inversa razão do aumento dos preços das coisas e servi

ços. Com o intuito de retificar os va lores totais das transações com cheques compensados, foi aqui adotado o pro cesso de dividi-los pelo índice do "custo da vida", que é um dos mais represen

tativos. Por serem os mais conhecidos c do maior crédito, utilizei-mo dos ín

dices da Divisão de Estatística c Do cumentação Social do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal da Ca pital, calculados para a classe operária e tendo por base a média dos preços de 1939. (Em artigo escrito para "ECO

NOMIA" - sob o título "A Espiral da Inflação" — procurei demonstrar que o ano de 1939 é bem indicado como base). Reduzindo os valores' totais, a partir de 1939, pela retificação referida, encon

tramos os indicados na última coluna da Tabela I. Assim, ao invés de ser mul tiplicado por nove, o montante das Iran.sações com cheques compensados tem

afinal um coeficiente do dois c meio, nos dez anos decorridos desde 1939. Ê in teressante observar as flutuações do va lor real (isento de inflação) dos cheques compensados, pois ali pode ser aprecia

da mais exatamente a evolução de nossa economia, obediente a um crescimento moderado, constante e mais .sadio. Por esses dados retificados, ve-se também que, desde fins de 1943, há prãticaniento um estacionamento no volume total, que sugere uma estagnação do.s negócios. Não obstante, devemos ser cautelosos e não tirar conclusões apressadas, pois há

necessariamente numerosos outros fatôres influentes, cujo destaque não pode

Para obter uma Wsão mais exata e conducente a conclusões mais seguras,

foi organizada a Tabela II, com núme ros índices, cuja leitura é mais fácil. O exame desse quadro nos permito outrusaprcciações não menos objetivas cnitcis. Considerando como base o ano de 1939, cuja módia foi tomada como 100,0, or-

ganizou-se a serie de índices referentes ao número de cheques compensados em cada semestre. Verificamos então, mais fàcilmcnte, que o número de cheque.s

foi multíplicado por sete, do 1933 a 1948, enquanto que o seu valor médio teve um coeficiente do quatro no mesmo

tenqjo. Ora, esse valor sofro fatalmen te a influência da inflação monetária. Daí a razão de retificar êssc valor mé dio, em função inversa do índice de

custo da vida.

Reduzindo o índice do valor médio do cheque, na razão inversa do índice do custo da vida em São Paulo,

obtêm-se os índices retificados da última coluna da Tabela II. Sua leitura nos mostra um ciclo completo, crescente a partir de fins do 1940 e com ápice no 2.°

.semestre de 1943, decrescendo daí até o 1.° semestre de 1948. Que significa essa onda? Pareceme que podemos interpretá-la assim: — com o advento do surto inflaciomírio, houve um crescimento rájpido e inusitado do montante dos negócios, não só pelo

aumento dos preços anulado nesses índi ces, mas principalmente pela eclosão dc "grandes transações" individuais. Na turalmente, essa.s grandes transações, co mo soe acontecer, foram liquidadas em cheques, muitos dos quais envolviam mais de um banco, aparecendo então na Câmara de Compensação. Por outro lado, a própria inflação, como é sabido,

criou numerosos novos clientes dos ban cos, aumentando, por conseguinte, o nú mero de cheques lançados em circulação. A relação representada pelo valor médio do cheque compensado não mais man teve a precedência na alta, em confronto com o custo da rida (o que ocorreu ate o 2.0 semestre de 1943), perdendo as sim o ímpeto que lhe dava a dianteira. Disso resulta, como estamos vendo na Tabela 11, o decréscimo sucessivo dos índices do valor médio retificado, até que de 1946 para diante êles conser

vam um nível inferior ao de 1939.

Êste estudo analítico seria mais com pleto se fossem consideradas as estatís ticas do número de bancos inscritos na Gamara de Compensação e o número dc cheques (não compensados) pagos pelos

bancos de São Paulo, Com esses ele mentos complementares, seria possível destacar duas relações de suma importância: — o número de cheques compen

sados por banco, em média; e o montante das transações por cheques não compensados, cujo exa

me, realizado com o mesmo cri tério adotado para os cheques

compensados, poderia levar a con clusões mais acertadas. Entietanto, não possuo atualmente ê.sses

dados.

Penso que a estatística da c>ompensação de cheques em São Paulo, que acabamos de ver, permite concluir obje

tivamente:

1." — O segundo semestre de cada ano mostra maior intensidade nas tran sações com cheques compensados, não so no número como no valor; 2." - O valor real (não inflacionado) do montante de cheques compensado.s

mostra um estacionamento desde o 2.° semestre de 1943, que marca o fim cie um crescimento acentuado;

3." - A difusão do uso do clieque sc processa lenta mas positivamente, como

demonstra o seu nvimero crescente e a queda do valor médio real (nao inrla-

cionudo); 4P ^ O uno de 1943 parece ser o ponto crítico da nossa economia de guer

ra. Nesse ano. a iníla(,ão se tornou evidente por seus efeitos primários e secundário,s. Alargou-se desmcsurada-

menle o âmbito dos negócios de toda ordem. Em unidades de poder aquisltivo real, o valor médio dos elieqiws compensados atingiu o ponto culminan

te. Embora o ano seguinte, de 1941, tenha sido o de mais acelerada dept^ ciação monetária, ja se manifesta o princípit da (jiieda do \ alor médio dos checjucs (isento tU) efeito inflacionário); fato cpie só pode ser atribuído à

pansáo do seu uso.

Outras conclu.sõcs. menos certas, po^

deriam ser alinhadas. Mas receio entrar no terreiu) perigoso dos palpites. . .

TABELA I

CHEQUES COMPENSADOS PELA CÂMARA DE COMPENS.\Ç.\0 DE

SÃO PAULO

Sem<?5fre.y Número de Valor inédio- Valor total' . Valor fo/fll do ano: cheques: df) cheque: dos cheques: retificado:

I." de 1932 76.166 11.413,00 869.311.708 (Paru eliniinat 2." de 1932 102.073 6.213,00 634.222.779 ü fator "in* 1." de 1933 208.898 6.394,00 1.335.703.274 fiação" — (d 2." de 1933 226.524 6.292,00 1.425.290.827 adotado o pro 1." de 1934 230.797 7.235,00 1.670.008.210 cesso de divi' 2.'-' de 1934 257.1.58 7..585,00 1.950.649.617 dir os totnl 1.'^ de 1935 261.259 7..554.00 1.973.722.995 pelo índice dt 2." de 1935 302.462 7.848,00 2.373.784.098 custo da vid» 1." de 1936 306.187 8.450,00 2.587.508.291 para a clas^ 2." de 1936 352.917 8.103,00 2.859.897.238 operária d^ 1.'^ de 1937' 363.091 9.108,00 3.306.941.513 Capital. Po* 2.0 de 1937 424.329 8.051,00 3.41,6.576.264 sultado em mi 1." de 1938 416.054 8.434,00 3.508.9.56.7,53 lhões de cni2° de 1938 469.507 8.251,00 3.874.003.176 7.eiros). 1." dc 1939 469,716 8.519,00 4.001..544.6.38 . 4.017,6 2.0 de 1939 512.012 8.215,00 4.206.258.702 4.189,5 1.'^ de 1940 508.347 9.017,00 4..583.967.176 4.416,1 2.*' de 1940 ,551.715 7.54.5,00 4.162.997..575 3.912.6 1." 2/> de de 1941 1941 588,583 645.749 8.481,00 9.832,00 4.991.949.034 6.349.164.801 4.390,4 5.322,0 l.« 2.0 de de 1942 1942 568.054 622.789 10.980,00 12.632,00 6.237 .()98..585 7.867.303.399 5.079,0 5.700,9 I." 2." de de 1943 1943 656.697' 784.696 15.271,00 18.071,00 10.033.666.844 14.180.4-38.446 7.001,9 9.055,2

Sef)jc,vf»c.9 Número de Valor Diédio Valor total Valor total do ano: cheques: do cheque: dos cheques: retificado:

1." de 1944 813.495 18.264,00 14.857.707.877 8.465,9 2." dc 1944 922.415 19.230,00 17.738.404.281 8.590,0 1." de 1945 - 936.719 19.646.00 18.403.219.971 8.193.7 2." de 1945 1.068.114 20.356.00 21.742.971.521 9.059,5 do 1946 1.081,950 21.169.00 22.903'.738.584 8.843,1 2." dc 1946 1.269.000 24.152,00 30.649.201.681 10.450,0 1." de 1947 1.169.534 24.381.00 28.515.319.957 8.749,7 2." dc 1947 1.276.787 24.685,00 31.518.318.291 9.574,2 1." de 1948 1.278.764 25.485,00 32.589.613.085 9.010,1 2." dc 1948 1.405.4.57 25.831,00 36.305.175.868 10.093,0

Dados e.xlraídüs de "Técnica e Economia BANCÁRIA" de março de 1949, pá gina 27. Valor do cheque, calculado pelo autor. índices de custo da vida para a (la.ssc operária da Capital, ca'culado.s pelo Departamento de Cultura da Prefeitura do .Município de São Pa\iio, Divisão de Estatística e Dncumentaç<ão Social com base eni 1939. cuja média foi con.siderada 100,0, confor-mc Tabela II.

TABELA II

CHEQUES COxMPENSADOS PELA CÂMARA DE CO.MPENSAÇÀO DE

SÃO PAULO Número índice com ba.sc em 1939

Setnestrès Número dc Valor médio do ano: cheques: do cheque:

1." de 1932 2.^ de 1932 15,5 136,4

20,8 74,2

1." de 1933 42,5 2.0 de 1933 46,1 76,4

7.5,2

1." de 1934 2." de 1934 47,0 86,5

.52.4 90,6

I.° de 1935 53.2 90,3 2." dc 1935 61.6 93,8 1.» dc 1936 62,4 101,0 2.0 de 1936 71,9 96,8 1." de 1937 73,9 108,8 2." cie 1937 86,4 ■ '96,2 1." de 1938 84,7 100,8 2." de 1938 95,6 98,6 1." do 1939 95,7 101,8 2." de 1939 104,3 98,2

índice do custo (Jg vidn

Valor reti ficado

99,6 100,4

102,2 97,8

Senieò-<rí?.s' do ano;

J.® de 1940

2.° de 1940 1.° de 1941 2.° de 1941

1 ^ ' 1.9 de 1942 2.° de 1942

1." de 1943 ■ 1*.. 2.° de 1943

1.^ de 1944

2.« de 1944

■■ 1." de 1945 2." de 1945 1.° de 1946 2.° de 1946

1." de 1947 ig p 2.° de 1947 1." de 1948 2.° de 1948 Ntwtero de cheques:

103,5 112,4 119,9 131,5 115,7

126,9 133,8 159,8

165,7 187,9 190,8

217,6 220,4 258,5 238.2

260,1 260,5 286,3

Valor médio do cheque:

107,8 90,2 101,4 - 117,.5 131,2

150,9 182.5 215,9 218.3

229,8 234,8

243.3

233,0 '288,0

291.4 295,0

304.6 308,7

índice do custo dc vida

103,8 106,4 113,7 119,3

122,8

138,0 143,3

156,6 175,5

206,5 224,6 240,0

259,0 293,3

325,9 329,2

361,7 359,7

Valor reti-i ficado

103,8 84,7 89,2 98.5

106,8 409.3

127,3 137,8 124,4

111,3 104,5 101,4 97,7

98.4

89,4 89,6 84,2 85,8

índices calculados pelo autor (exceto os de custo de vida, que são do Departa mento de Cultura da Prefeitura da Capital) com os elementos constantes da Tabela I.

ui e a questão financeira

Deolindo Amoulm

.É PUovÁviiL (pie a fase mais crítica, mais discutida de tôda a \ida pú blica dc Rui seja a sua passagem pela

pasta da Fazenda. De fato, tendo sido Ministro da Fazenda no início do re gime republicano, quando a administra ção pública ainda eslava na experiên cia da nova forma dc govèrno, Rui di

rigiu as finanças do Brasil sem o am biente tranqüilo das administrações nor mais, circunstância que muito influi na apreciação de sua política financeira, espcciabnente porque já se sabe que não é fácil a adaptação do sistema ad ministrativo de um país a quaisquer

transformações momentâneas. A mu- • dança do regime, tal a tendência dos acontecimentos que se verificaram ap()s a guena do Paraguai, já era esperada

cedo ou tarde, nas camadas mais es clarecidas. Mas a engrenagem admi

nistrativa não se preparou cün\'eniente-

mente para a nova ordem de coisas. As sim, pois, com a proclamação da Re pública, a velha máquina do Estado so freu alteração rápida e de efeitos violento.s, sem que tivesse havido prepa ração geral, condição, aliás, indispen

sável às grandes reformas. O terreno ideol<Sgico, mais sensível às manifes tações da opinião pública, recebeu o adubo dá "preparação psicológica" de corrente dos fenômenos políticos ocor ridos no 2." Reinado e cia propagan da republicana, feita abertamente, a

partir de 1870, à .sombra do trono de Pedro 11, em cujo espírito liberal se enraizavam, por índole, mais propensões democráticas do que em muitos re publicanos de haircte revoíucionário, No

mecanismo da administração, entretan to, não houve adestramento para as no

vas instituições. A ^'elha administra ção adaptou-se ao novo regime por for ça da situação, mas não estava organiza da para a transição de 89. Não poden do escapar à regra dos movimentos recolucionários, a República teve, de fato,

o seu período tumuUuário, entre a or dem c a desordem, até que se firmas

sem as bases legais do Estado e se de finissem as atribuições dos órgãos mais complexo. Foi êsse o ambiente em que Rui conduziu as finanças do País.

E natural que a administração do Rui, por mais prudente que tenha sido

a sua orientação, tendo-se em \'ista as c(.ndições em que participou do Gover no Provisório, não esteja imune de cri ticas, especialmente porque nenhuma ad ministração, até hoje, pode fugir às cxjn-

lingências Immanas do êrro. Mas o fa tor tempo, passado o período de conxu'são, desfeita a incompreensão pró pria das transformações políticas, pode' modificar, e tem modificado, muitos juí zos críticos a respeito de homens e fa

tos passados. Ministro de um Go\ êino revolucionário, de duração transitória servindo a um regime nascente, ainda sem Constituição nem Congresso, Rui não se iludiu com a realidade, so bremodo angustiosa, da ^situação fi nanceira do Brasil, embora os idealis tas romànticKis supusessem que a "febre de negócios", a aparente prosperidade

forçada pelo alargamento do crédito bancário nos primeiros anos cia República. assim ccuno as facilidades temporárias no campo das explorações, po-

econômica ou industrial de um ano pa ra outro. Rui não padeceu dessa pe rigosa ilusão. Federalista de velhos tempos, não tendo a ufania de osten

tar o brasão de "republicano históri co'', temperamento infenso à mística dos rótulos, para êle a. salvação nacional es

tava menos na fachada de um regime do que nã prática do princípios insubsti

tuíveis. Rui, sobretudo, era homem de princípios, o que está bem nítido em to

da a sua campanha pela descentraliza ção administrativa, pela moralidade po lítica, pelo aprovcilamcnlo dus capaci dades. Ninguém melhor do que ôle.

portanto, sempre devoto da legitimi dade governamental, compreendeu, naquele momento histórico, as limitações Hr naturais a que estão sujeitos os Gover

nos transitórios. São de seu Relatório, apresentado ao Marechal Deodoro da Fonseca em janeiro de 1891, as seguin

tes palavras: "Os Governos revolucio nários não são, não podem ser Gover nos econômicos. Entre as in.<ititmções que desabam e as instituições que se planejam, semeado de ruínas e esperan ças, de ameaças e relvUidicações, fran queia campo vasto e indefinido à hi-

( ta de forças contraditórias, contra as quais uma ccmissão revoluciotuÍTia não

i poderia, ainda que com qualidades he

róicas, traçar aos seus atos orientação . reta, segura e persistente." Não tendo levado para o Govêmo um programa

! de caráter definitivo, não saiu dessa ■ compreensão da verdadeira natureza dos Governos prosasórlos, apesar da ve^ '• - emente campanha que se levantou no ' País em conseqüência do chamado encilhamento, cujas causas vamos estudar. De um Govêrno pro\'isório, é claro, não se podé esperar senão aquilo que exige solução imediata, aquilo, enfim, que nSo pode deixar de ser fei|„. Não 1'» no bem intencionado, ainda provisono que não tenha julgamento da Histónu". ^'«'2 pois, aos primeiros dirigentes d-' bica no auge da exaltação P"'Sio. base durável dos Governos irais, todos êlos, naturalmente, «P^f divergências ideológicas, erani una» cm reconhecer a grande responsab"™ '

que assumiriam perante a Hislóna se 'l ■ sessem lançar empreendimentos sojnosos.

Os Governos transitórios. mente quando tóii, origem ria. não podem ser, cm lôcla P ^

Governos realizadores. Mas a Fazenda, que é o centro de da alta administração do País, "^^1' sob os Governos de posição pr^cana. impõe resoluções ou providências ÜUf ultrapassam o âmbito roH«eiro.^ Estava^

portanto, sôbre os ombros de . do campo rigorosamente político, a parte da responsabilidade administrahva do Govêrno Provisório cia Republi

ca. O Ministro da Fazenda, nesse pe ríodo agitado e caótico, jamais poderia

ser um titular inativo, retraído e sc adstrito ao papel 'de mero guardiuo

coisa pública. Tenha-se em conta que .se tratava de um Govêmo tipicmueiile revolucionário, mas revolucionário na forma e na essência do regime, as^im como na filosofia política em que sc inspirou a ideologia republicana, simples deposição de um Gabinete ou a súbita queda de um Govêrno, sem mu dar o regime, sem modificar a organiza ção político-econômica do pais, ua'' se compara com a transformação gera!,

como no caso do Brasil em 89: re gime novo, idéias novas, programas no

vos. Pelo menos era assim que se pen sava com o advento da forma repub i-

Logo na introdução de seu Relató rio, Rui fazia sentir que "o desequilí brio entre a receita e a desj^esa é a en

fermidade crônica dc nossa existência nacional". Outros Ministros da Fazen da, antes da República, já haviam de

nunciado tal situação. Os anteceden tes de nossa \ ída financeira demonstiam que as emissões não nasceram com a gestão de Rui na pasta da Fazenda,

embora sôbre ele recaiam as mais for tes criticas à política de encilhamento, tòrmo empregado na época para signifi car o montante de negócios na praça. O

déficit fazia parte do acôrvo da mo narquia, Provam-no, por exemplo, os

últimos Relatórios da Fazenda. Belisá-

lio de Sousa, no Relatório de 1887, em bora otimista quanto à si

tuação financeira do Im pério, refere-se ao déficit já e.xistcnte, chegando a di

zer que os gastos estavam

cm alarmante desacôrdü com as previsões orçamen tárias. Por outras palavras: gastava-se mais do que aquilo que se fixava nos orçamentos. Vivia-se, portanto, no regime de acen tuado desequilíbrio. Rui, corho se vè, uão exagerou o quadro das condições financeiras do País. Em maio de 89,

pouco antes de assumir o Govêrno o Ministério chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, a bem dizer já nas proxi

midades do desmoronamento das ins tituições monárquicas, João Alfredo, Ministio da Fazenda, dizia que o estado das finanças era "de dia para dia mais favorável", o que, entretanto, não im pedia o titular das Finanças de, como

"outros ministros, chamar a atenção do Govêmo para o déficit, cuja diminuição se lhe afigurava , possível, pelo que se deduz destas palavras:, "apesar das gran-

des despesas autorizadas em benefício da colonização, estradas de ferro e ou tros serviços, terá, como se calcula, um

"déficit^', que poderá desaparecer ou ser

consideravelmente reduzido aom as so bras, que se realizarem, e com o saldo que deve passar do exercício anterior*.

Não cabendo aqui discutir o que pro punha João Alfredo pára reduzir o- dé ficit, o que se verifica é que o desequi

líbrio financeiro constituía preocupação inadiável dos últimos Gabinetes da

monarquia.

Em junho de 89 tomou a direção do

poder o Gabinete Ouro Prêto, em cujo

exercício se encerrou u monarquia. Quando apresentou üO Parlamento, CO" mo era de praxe, o novo Ministério, Ou

ro Prêto incluiu entre as providências mais objetivas de seu programa precisa mente o "equilíbrio da re ceita com a despesa, pelo menos a ordinária", o que vem confirmar, segundo a

frase de Rui, a existência da "enfermidade crônica nacional": o déficit. Uma das cogita

ções de Ouro Prêto era, indiscutivel mente, equilibrar a vida financeira do País. Não faltavam, por todos os títu los, ao grande ministro da monarquia, as qualidades primadais do homem pú blico de visão e energia, tanto que, no ciclo final do Império, foi o primeiro a

compreender e tentar executar reformas impostas pela evoHição social e política,

naturalmente com o fito de sustentar o Trono, o que, no entanto, já era Impos sível, em face da pressão dos aconteci mentos. Mas Ouro Prêto, sem a menor dúvida, tinha pulso de estadista. Provara-o suficientemente através de sua brilhante carreira política e, em circuns tâncias gravíssimas, na direção da pasta

da Marinha, enfrentado uma das fases agudas da guerra do Paraguai.^ Mas a política financeira de Ouro Preto en

veredou, muito antes de Rui, para o ex tremo recurso da emissão, tais eram, já no Império, as difíceis condições eco

nômicas do País, em conseqüência da Abolição. A extinção da escravatura, sem preparo interno da vida nacional, desorganizara o nosso velho sistema eco

nômico, todo êle fundado sôbre a eco

nomia rural. A administração Ouro Preto refletiu muito na República, notadamente na gestão de Rui, na pasta

da Fazenda. Ouro Prêto não era um teórico. Mus as conseqüências econô micas da abolição do cativeiro levaram o Govôrno Imperial a abrir facilidades de crédito para reparar os prejuízos da lavoura, desfalcada do braço cativo. A política do encHhaimnto, cuja responsa

bilidade exclusiva sc atribui a Rui Bar bosa, nascera no Império, determinada pela desorientação da lavoura, logo após

a Abolição.

A Exposição Financeira de.Rui é de 1890. Nesse documento, que é um dos primeiros da República, dizia êle: "A

praça atravessa, neste momento, uma crise". Antes do encühamento^ que foi

o ponto de convergência de todos os ataques à gestão financeira de Rui, a praça já se achava nesta situação: "Aiações de bancos e companhias de todo gênero — dizia o primeiro Ministro da Fazenda na República — ascendiam ao triplo, ao quádruplo e ao quíntupJo de sua importância real." Logo, não foi Rui quem inaugurou as -facilidades de crédito, quem facilitou o desenvolvi mento da inflação republicana. A si tuação tinha origens remotas. Não sen do possível a emissão sôbre lastro ouro, não houve outro meío senão o de apó lices do Tesouro, Argumenta Batista

.xou a emissão cm 4.50 mil contos, quan do a lei imperial de 24 de janeiro de

1888 a\'aliara a emis.são cm 600 mi) cíUitos. Evidentemente, o fenômeno econòmico-social produzido pela extinção da e.scra\atiira justifica, à luz de lodo o bom-scnso, a.s providcncia.s tomadas pe

lo Visconde de Ouro Prêto, todas elas bem intencionadas c dc larga visão politica. Mas o que fica provado c que a omissão, a tendência inflacionista, ^■inha do Império, não c fruto da República.

E.studando. muitos anos depois, as cau.sas da inflação, Pandiá Calógeias, un» dos homens mais competentes do Bra sil, mostrou que o auxílio á lavoura, não podendo ser prolc'ado nos últimos anos da monarquia, tanto mais que muitos fazendeiros, desiludidos com a perda do braço calí\'o, já estavam aderindo à cau.sa republicana, forçara o Govêmo Imperial a fazer concessões em grande escala. Qual o fim de tais concessões

financeiras? Respondo Calógeras, que foi também Minísrio da Fazenda: 'Pa ra auxiliar os antigos donos de escravos, arruinados pela libertação, e para evitar queixas, concederam facilidades hancácúrias." Pretendia o Governo Imperial, por esse meio, além de cuidar do lado propriamente econômico, atender ao la do político da questão, evitando o au

mento da.s fileiras republicanas, \'isto a Abolição haver causado muito descon tentamento na classe do.s agricultores, que constituía, como se sabe, a nossa aristocracia econômica. A política eniissionista do Império te\'e conseqüências

desfavoráveis, sobretudo porque, como não podia deixar de acontecer, deu gens a verdadeira onda de negócios, permitindo a formação de muitas so ciedades, entre as quais algumas não passavam de aventuras. A oh.servaçáo e

do Calógeras: "uma enchente de socicdades mais ou menos insubsistentes havia invadido p mercado". As emissões da monarquia, impostas, não há dúvida, pe las condições cm que ficam a \ida eco nômica nacional após a extinção da es

cravatura, transmitiram ao primeiro Go verno republicano uma herança finan ceira bem grave. O encilhamcnto foi.

portanto, um efeito ine\itável de cau.sii.s acumuladas. Fazendo ponderada críti ca do plano financeiro dc Rui, é ainda Calógeras quem diz: "Rui Barbosa não pode justamente ser acusado dos resul tados obtidos, pois tudo era anormal cm tonio de si, e êle não possuúi os meios de agir segutulo as inspirações de suas própruis idéias, nessa preamar de assis tência não solicitada, que êle sc viu for

çado a tolerar."

Todos os males de nossa desorganiza ção financeira no primeiro período re publicano têm sido aferidos pela plura lidade bancária, visto se terem mul tiplicado os bancos no País. Mas a ad ministração de Rui foi, sobretudo, "desajudada pela balança comercial", como diz Pires do Rio, de quem o primeiro titular da Fazenda na República rece be acusações muito francas. Em livro relativamente recente, Pires do Rio ex pande os seguintes conceitos: "São desctãpáveLs as ilusões dos homens do Go verno ProvLsório, alvoroçados com « puidança do regime político num país du Novo Mundo, onde o nuiravilhoso pro

gresso industrial dos Estados Unido.s atribuía-se à forma republicana." Con tinua o ilustre autor de "A Moeda Bra sileira", ex-Ministro da Viação o da Fa zenda: "Essa ilusão animava quase io dos os discursos e manifesto.s' político^ dos primeiros dias da República, Não souberam evitá-la homens como Rui Raiho.vi, Bocanwa e o próprio Benjamim Constant, que era engenheiro; Iodos es

peraram, pelo simples fato de se mudar a forma de govêrno. ver o Brasil entrar em ffimí»/io novo de progresso, que breve o levaria ao nível dos Estados Unidos na sxta riqueza e prestigio in dustrial." Engenheiro não era, no Go vêmo Pro\isório de 1889, apenas Ben jamim Constant, mas também Demétrio Ribeiro, titular da Agricultura. Rui não era um fanáHco das formas do govêrno porquanto lhe era pecuMar a preocupação da e.s.scneia. Siía inclinação para os Estados Unidos, dc onde tirou o modèlo de nossa organização constitucional nao decorreu do entusiasmo que dè aU; arrebatou figuras de res^xn^sab.hdade no movimento republicano mas do grande exemplo da Federação norte-americana, da liberdade religiosada autonomia estadual, do processo pol^tico vigente naquele país. Uma das nm vas mais evidentes de que Rui não^al" mentou o fet,dus.no das aparèncias é a sua própria descrença na ' i de transitória das inflações Fl ^

insistiu e,n mostrar, na nancetra, que o no.sso mal, em m,.'de abnso de crédito, vem de muit,', k™ ge, de na.-) tal podendo, portanto, um nrnUlordem, que se víÍk-X^ à à educação educação do do povo, povo, ser ser rvso\ir rcrobül diealmente, diealmente, no no decurso decurso dc de um um P

A reforma da política com a intenção de ajustar o no-- " nisino enii.ssor à realidade do País, foi 1888, ainda iniciada n,) i' na gestão Joào^^vu"' a lei que autoriza a emis.sã , ê tcs ao portador. Não foi p" ..

o introdutor da novidad(, ' económico-financeiro do P,-"",art. 1." dessa lei: "Podenão "

ias ao portador c à nweda- corrente do Im'>u; em

dose (lutoriziição do Poder Execulico, í/.v companhiüs (inõnimos que sc propuse rem a fazer operações bancárias e que, em garantia de pagamento dos inesnws bilhetes, depositarem mi Caixa da Amor tização o suficiente em apólices da dívida pública. . Começou daí, é claro que contra a intenção e a expecta

tiva do Governo Imperial, a prolifera ção de companhias e Bancos, por mais cauteloso que fôsse, como foi, -o espírito

da lei de emissões, em cujo corpo (§ 1." do art. 1°) se lê o seguinte: "a emis são dos bilhetes só será permitida por soma igual à do valor nomirud das apóUces depositadas". Nem por isso deixou de haver negócios comprometedores na praça, o que, aliás, é inevítá\'el nos pe ríodos de grandes emissões. E.stá fora de dúvida que o objetivo do Governo, aò lançar mão das emissões, era a prote

ção da lavoura. Tanto era èste o in teresse da reforma, rpie logo depois,

em 5 de janeiro de 1889, veio o Decre to 10.144, regulando o Decreto de 24 de novembro de 88 (já citado) com dis posições especiais sôbre a lavoura. O artigo 1.° (Dec. de 1889) e.stá redigi

do da seguinte maneira: "O Govêrno poderá autorizar a emissão de bilhetes ao portador e a vista, conversíveis em moeda corrente do Império, a compa nhias anônhnas bancárias que, garantindo-os com depósito de apólices da dí

vida interna fundada, se constituam ou reorganizem nos termos da lei 3.150

de 4 de novembro de 1882..." No mesmo artigo são fixadas as importâncias das enijssões, de acordo com a situação

das Províncias: até 8.000;000$000 (Cr$ 8.000.000,00 nioeda atual) para as com panhias que se estabelecessem nas Pro

víncias de Pernambuco, Bahia, Bio de janeiro, Minas, São Paulo, Hio Chande

do Sul; 6.UUÜ:ÜÜÜ$UU0 paru o Maranháu. Pará Ceará, Espírito Santo, Paraná, Sla. Catarina; 2.000:000$00{> para as Pro víncias do Amazonas, Piauí. Rio Gran de do Norte. Paraíba, A'agoa.s, Sergipe. Goiás e Mato Grosso. E\-idcntenicnle. as emissões bancárias nasceram de motivo especial: a necessidade do cre

dito agrícola.

O Govêrno, nos últimos meses da mo narquia, procurou, por todos os meios possíveis, restabelecer a confiança uo seio dos lavradores, o que seria de boa política se já não estivesse n Trono com

os seus dias contados. Pode-sc calcular a preocupação de Ouro Preto c^m a agricultura pelas instruções por è c ci.\-

das aos "fiscais de auxílios a lavoura . Em 6 de julho de 89, por exemplo, pou co depois de haver assumido a chefia do

Gabinete Ministeri;il. baixava instruções especiais no sentido de serem fiscali zados rigorosamente os contratos firma

dos entre os Bancos c os agricultores. Em seguida (11 de julho) Ouro Preto dirigia-se ao fiscal do Governo itinto ao

Banco de Credito Real do Brasil, deter minando: a) — para garantia de emprés timo aos agricultores, pode ser admitida a hipoléca, não só de propriedades ni-

rais mas iambein de imóveis: b) — quando o agricxdtor solicitar auxílio pecuniário, pode ser concedida a faculda de de os garantir com bens de teiceiros. que se prestem a coadjuvá-Jo. Tudo in

dica, à luz de tais ordens, que a política

bancária do Gabinete Ouro Prêto, por meio de crédito agrícola, pretendia re erguer a las-oiira c reconciliar os agri cultores com a monarquia. IndisciiHvelniente, Ouro Prêto era homem de \i.são política. Mas o que está paten te é que as emissões serviram de base.

])ür falta de outro recurso, ao programa do último Gabinete imperial. Não f"-

rani, eoiiiq se vê. inaiigurada.s pela ad ministração de Rui na direção dos ne gócios da Fazenda. Entretanto, sobre

o primeiro Ministro da Fazi-nda na Re pública se tem feito descer toda a responsabibdade pelas conseqüências da inllaçao, cpiando o fenômeno financeiro do

novo regime não pode deixar de ter li gação com a política emissionista do Go\êrno anterior, eonio decorrência lógi ca cios empréstimos e das transações que

se desenvolveram no comércio.

Se, de lato, Rui advogou a plurali dade emissora, bateu-se contra a.s- emis sões sem lastro. Rui defendeu o siste ma de emissões sòbrc apólices cio Tc•souro. Partidários dessa política foram também, no Império, os cpie não con fiaram no lastro metálico, já então con•siclcrado um meio impraticável pelo Con selheiro. Lafayete e pelo próprio Ouro Preto. Logo, nao foi Rui, nesse parti cular, um inovador irrequieto, impeli do pela agitação revolucionária da épo

ca. Rui deixou a" pasta da Fazenda em 20 de janôiro de 1891. Não tardaria julgamento de sua gestão financeira. Felisbelo Freire (citado por João Mangabeíru em Rui o estadista da Repúbli ca), adversário de Rui, chegou a dizer, cia tribuna da Gamara, que "o maior cri

me da história republicana, maior mes mo do que o da e.squadra que se levan

ta contra o supremo depositário da au toridade; o maior crime foi o ato revo gando o impôsto de importação cm ouro. decretado pelo sr. Rui Barbosa". A opi nião de Fc;'i.sbelo Freire, que foi Minis tro da Fazenda no Govêrno Floriano Pei xoto, é absolutamente insuspeita, Não foram as emissões do Govêrno Provisó rio de 89 a causa de nossa desorgani

zação econômica. O Govêrno Floriano, premido pelas imposições da vida inter enüsscjes muito mais elásticas do eme a.s do Governo inicial da República. As

sim. pois. o que se poderia chamar o cic.o emi.ssionista do Brasil republicano tem causas muito comiilexas, vinculadas ao próprio sistema econômico do Impé

rio. Quando Ouro Prêto assumiu a cliefia do Governo e, ao mesmo tempo, a dire ção da pasta da Fazenda, compreendeu bem u necessidade, aliás urgente, de mudar o rumo de nossa vida econômica, dando-lhe orientação nova para cjue, re parados os prejuízos causados pela extin ção do^ regime servi], o País ficasse em condições de sair da rotina poiítico-ad-

mini.stratíva em que se achava. Havia necessidade, porém, dc ba.so econômica,

uma vez que, em conseqüência da Lei Áurea, toda a velha organização rural, baseada no trabalho do escravo, ficara desajustada. A Nação es-perava. sem dúMcla alguma, grandes reformas com o ad vento do Mini.stério de 89. Três dias depois da posse do Ministério de 7 de junho de 1889, o Jornal do Comércio, traduzindo a expectativa nacional, dizia

o seguinte: "Cí>7?i a organização do Qahinete de 7 de junho, operon-.se notável mudança na direção política do País. Considerando atentamente a situação d< nosso país, ouvindo vozes autorizadas e interêsses legíHmo.s, não vemos, ao lado da descentralização administrativa, ques tão mais grave, tanto pw sva im!)orfâncUi conu> por sua urgência, do que o problema econômico, que apresenta di

versas faces pelas quais deve ser enca rado. A grande indústria nacional a agnciãtum ressente-se profundamente do violento abalo que sofreu a 1.3 de maio, data certamente gloriosa, mas que

marca, também, o comêço de uma re volução econômica." Não tínhamos, na realidade, que pudesse, no século pa.ssu-

do, merecer a designação de grande dústria nacional. Mas o que é verdade é que já se pensava na formação da

mentalidade industrial. Rui, no Rela tório de 91, não se descuidou do pro

blema industrial. De tudo quanto sc tem colhido como elemento de crítica da administração de Rui na gestão das fi nanças, o que fica evidente ante.s de quaisquer outros aspectos de sua ad-

ministraçãp, assaz trabalJiosa, é que não foi êle o criador da política inflacionista, visto que a situação geral do País já vinha, muito antes da República, caminhando para a solução emissionista por falta de meios adequados a solu ções normais. O regime deficitário, tal

oomo o apresentam sucessivos relató rios da Fazenda. Z' longe de ser atri

buído aos erros de um dos partidos en

tão dominantes ou à imprevidência <^e

unr Gabinete Minis r

terial, dos muitos

que se revesaram no Império, constituía problema permanen te, cujas causas nasceram a bem dizer com a própria vida nacional. Um país

habituado ao desequilíbrio orçamentário, de economia unilateral como era a do século passado, está sujeito, periòdicamente, a descambar para o perigoso re curso das emissões, sempre que há cri-

se.s interna.s ou externas. A emissão (quem o negaria sensatamente?) é xim mal, especialmente porque traz a falsa prosperidade, a riqueza transitória, se não aparente e, sobretudo, porque, de pois da ilusão de grandeza, deixa con seqüências morais profundamente desa.strosas. Mas o que é verdade é que

cli\cr.st).s Governos, desde o Império, têm feito emissões como recurso de emergência, em momentos difíceis, uma vez que o Paí.s se ressente da falta df [ e,slabilidado econômica para ri'SolvernOT- |

malmente certas crises. Foi o que se , deu na monarquia, mais de uma veA > como também se cícu na República, p dei>ois do Govêrno Provisório. Veja SC, por exemplo, o Relatório de Joaqui'"

Murtinbo, que foi Ministro da 1'azena na fase da restauração fiiuuiceira. da Ro* pública, isto é, no quatriênio CampO'

Sales,, de 1898-902. Antes, porem, cabe lembrar que Bernardiuo de Cnm pos, titular da Fazenda na administração anterior, embora sustentando franco ^

sacôrdo com a orieatação de Rui, depois de dizer que a "do

lorosa lição dos fa tos" de 1864 não havia sido aprendi da na República, re conheceu o acerto de Rui quando ê.ste último tomou a ini ciativa de rescindir alguns contratos

oriundos da monar quia. A lição de 64, a rpie se re ere

Bernardino de Campos, foi a chama febre de ações bancárias, íato mais uma vez, prova a anteriorida i

das emissões na vida financeira do si], em relação i\ República.

E' interessante notar que apesar de manter opinião contrária á política '

nanceira do Govêrno PrON'isório de o • Bernardino de Campos, um dos gran des políticos da República, mostra qne Rui, quando Ministro da Fazenda, con seguiu diminuir despesas provenientes do último plano económico-financeiro da monarquia. E' o que se lê nestas

palavras do Relatório de Bernardino de Campos: "A tramjonmição do trabalho,

coincidirulo com a decadência das ve lhas instituições, aumentara a gravidade

da situação. O Trono, abalado cm setis futulnmentos, procurava ponto de apoio

MO sistema falaz de auxilio d lavoura, que teriam gravado o Tesouro, impro dutivamente, com a enonne desjjesa de

86 mil contos de réis, se o Covérno Pro. visórw da República, rescindindo algum

contratos, não a Iwuvesse reduzido a 47.250:000.$000". Foi, portanto, na ges-' tão de Rui que se reduziu tal despesa. Em suma: Bernardino de Campos cen surou o plano dc auxílio à lavoura, or ganizado pelo Visconde de Ouro Prêto; c-ombateu as emissões do primeiro Go verno republicano; aprovou, finalmente, a ação do Governo Provisório por ter

evitado maior desastre econômico em con.seqüêncía dos empréstimos destinados

à lavoura.

As emissões que ocorreram na ad ministração de Rui são inferiores às de outras administrações republicanas. Quem o demonstra, c com tôda precisão, é Joaquim Murtinho, no Relatório de

1901. Começa o laborioso ministio da presidência Campos Sales dizendo que "a política financeira no Império, segui da infelizmente pelo República, foi a dos "déficUs" orçamentários, cobertos ora por empréstimos, ora por emissões de papel-moeda". Procurando a origem das

emissões brasileiras, vai encontrá-la em 1809, quando o Banco do Brasil fêz a sua primeira emissão. Tendo sido inau gurado com D. João VI, a nossa emis são, em 1827, cinco anos após a Inde pendência, já era de jwuco mais de

21 mil contos de réis, ou, em moeda atual, 21 milhões de cruzeiros. Os orça mentos nacionais, notadamente depois do 18.35 a 40, período dc con.stantc fal

ta de tranqüilidade interna, acu.sam dcficits sucessivos de um exercício para ^

outro. Nossa emancipação política tc\e início em condições financeiras bem desfa\orávei,s, porque não encontrou las

tro. Tenha-se em \ista um fato de real significação antes de ser assinada, em 25 de março de 1824, a primeira Cons

tituição do Brasil, o Govêrno de Pedro I, no começo daquele ano, já contraía

um empréstimo, na praça dc Londres, do i 3.000.000, forçado, naturalmente,

feia falta de dinheiro no País. A Inde pendência consolidou-se com aperturas

financeiras. Vem daí, na história de nossas finanças, a gênese do desequilí brio com que lutaram notáveis homens ■ públicos do 1.° Reinado, como Cairu,

Vasconcelos, Martim Francisco. N5o foi menor a dificuldade dos que, através das alternativas de prosperidade e deca dência econômica, no 2.° Reinado, diri giram a coisa pública. O regime re

publicano encontrou os remanescentes da inflação. Mas não foi Rui o respon sável pelas maiores emissões vcrihcadas nos primeiros lustres da administra ção republicana. Desde que se compa

re o meio circulante em 1889 com o de outros anos, reconhecendo-se os moti\-os que determinaram o aumento da

circulação monetária, não será difícil compreender o papel de Rui na direção das finanças. No Relatório já citado, Joaquim Murtinho apresenta o seguinte

quadro das emissões em circulação no -

Brasil:

1889 1890 1891 1892

1893 1894 1895 • 192,800; 000$000 207.800:000$000 513.000:000$000 561.000;000$000

631.7O0:00OS000 712.000:000éo0(> 678.000:000$000

1896 1897

1898 7U.O00:00O$O(X) 720.962:158S0CK) 785.911:758$000

As emissões de 89-90, período em ciur Hiii foi Ministro, eonipixradus com as de 93 em diante, não representam volu me tão grande ixo quadro da circulação monetária da República. O período dc

93-94 não foi normal, cm conseqüência da revolta da Armada e de outras alte rações internas, o que explica o fato de

haver o Govômo Floriano Peixoto au mentado as emissões. De 96 a 97, embo ra já estivéssemos em regime constitu

cional, o Governo Prudente de Morais \iu-se forçado a alargar as emissões, especialmente para enfrentar as despesas

da guerra de Canudos, no sertão da

Bahia.

As- campanhas contra Rui como que SC polarizaram na pluralidade dos Ban

cos, nas emissões. Entretanto, a sua administração desdobrou-se em diversos sentidos. E' de Amaro Cavalcanti — uma das mais reputadas competências do Brasil em matéria financeira, repre

sentante de nosso País na Primeira Con ferência Financeira Pan-Americana (1915), onde ocupou, com todo brilho, a presidência de uma das Comissões — esta opinião sôbre a.s atividades de Rui na pasta da Fazenda: de justiça confessar que, nos negócios da Fazen

da, êíe revelou, desde logo, a m/ixima

atividade em hein de seus interêsses, não só no que dizia respeito à adminis tração interna propriamente dita, rnasmui principalmente a respeito do nosso crédi to público no estrangeiro, fazendo constar as garantias do Govêrno e desfazendo as impressões prejudiciais que a notícia de tão esperada revolução tivesse porventu

tf República 1 Brasileira não sc circiinÇ-. j . - «ii creveram às soluções imediatas, deter minadas pelas circunstancias do inomen-. Iti. Não! Seu Relatório cogita de pro blemas que, na época, estavam muito Jonge da compreensão geral. Antes dc

tudo, a moralidade administratixa. Bas ta lembrar que, sendo ministro de um

Govêrno dc transição, c não tendo, ain da, a quem prestar conta de seu.s atos. a não ser à opinião pública, Rui pediu, cm caráter de urgência, a criação do Tribunal de Contas, assunto que vinha sendo objeto de cogítaçõe.s de muitos homens públicos, desde o 1.^ Reinado, mas que somente com a República ^•cio a

ser definitivamente resolvido, com o Decreto 966-A, 7 de no\embro de 1890. Que não foi Rui um xisionário. apesar de não ter entrado para a alta administração do País com a experiên cia de um homem afeito a operações fi nanceiras, está a indicar o próprio bomsenso em fase de providências e pre visões de evidente sentido prático. Co

mo titular da Fazenda e Senador pela * Bahia, compareceu perante a A.ç.senibléia Constituinte para di.scutir o projeto de Constituição de 1891 sem perder de

vista, assuntos atinentes às finanças do País. Na sessão de 23 de dezembro de 1890, com José Mariano, Bevilacqurt,

Meira de VasconceIo.s, .sustentou longo debate sôbre o sistema de tributação estadual, o que prova que, tanto o® campo administrativo como no legisla

tivo, o Primeiro Ministro da Fazenda na República não se desviou dos proble mas práticos. O impôsto de renda,

prevista há tanto tempo, no Império, en controu em Rui, através de suas observaçõtes parlamentares, a compreensão inai.s clara, mai.s po.sitiva, quando .se organizax'a. para o futuro, n lastvf) finan ceiro do País. file próprio, tão coniba-.^

. litica da e.xpansão bancária, tomou a iniciatixa do corrigir o.s abusos do crédi to com o decreto de 13 de outubro de 1890, rolatixo à formação de .sociedades anônimas. O juri.sta, portanto, não sc colocou à margem da realidade quando

inx-estido dc responsabilidade adininis-

tratixu. i^da-.se, hoje, em "política de preços,"

como .se essa política fàsse noxidade. Rui fulminou o plano dc empréstimo à lax-oura pur lhe parecer platônico, justa mente porque, já no começo da Repú blica, via a impraticabilidacle, a inconsis tência de certos planos econômicos sem boa política de pieços. Eis aqui as pala-

x ras de Rui "Os auxílios à lavoura desa parecerão, ou nulificar-sc-ão sempre, en-

(li(a}ito os poderes públicos não libertaivm a produção das baixas aiUficiais e condenáveis, que são tão freqüentes e gerais". Vê-se por aí que, embora educa do politicamente sob influência inglesa, oriundo dc nina geração que .se fonnará

nn.s moldes do liberalismo econômico do tipo indlx-idualista, Rui compreendeu o fenômeno moderno da intervenção do Estado na vida econômica, não para diri gir mas para estimular a produção. Dis tante, pois, dos acontecimentos atuais. Rxú pensou com a mentalidade dos dias

<pie passam, como se estivesse vivendo após a última guerra. Não acreditou no auxílio teórico à produção agrícola, c

por isso procurou estancar os efeitos dos empréstimos, uma x ez que a solução

i-continiica. tal como se compreende hoje, não pode ser unilateral. O em préstimo agrícola sem boa aplicação do crédito, sem noção certa do que seja auxílio à produção, pode vir a ser a cau-

•sa dc xerdadeiro transtorno social. Rui ciicgou a prever um sistema de crédito popular, a instituição de cooperativas, ante\'cnclo, assim, a solução do problema .social por meio de prox-idências lógicas

e objetivas.

A questão financeira não é um capí tulo exclusivo da história republicana. Suas raízes — di-lo a seqüência das ad

ministrações anteriores — estão no curso cia monarquia. Rui suportou o pêso de

uma das maiores tarefas atribuídas aos homens públicos do regime implanta do cm 89; a direção das finanças com

o (mus da política inflacionista do Im pério. Ainda assim, no fastígio dos gran des negócios, qxianclo se afigurava im-

pi.s.sívcl reduzir despe.sa.s, deu o exem plo de economia no próprio Ministério

que dirigia. . O último orçamento da monarquia fi-

.\*ara a despesa do Ministério da Fazen da, para o e.xercicio de 1890, em .... 62.102:1638190. Rui con.seguÍu dimi nuir es.sa despesa para ei.0I6:034$655. e o fez no período das emissões. Caben do, finalmente, a Rui, uma das maiorc.s parte.s na construção jurídica e políHca da República, também lhe cabe, à luz de tôda.s á.s críticas, grande parte na ordem

financeira do País,

no. do Departamento de Agrícultura a produç>io de banha no.ç E. U. A. ahngmi entre 2.m c 2.900 milhões de toneladas. 1

A polític

i austeridade

Bezkbua de Freitas

política econômica da

austeridade, formulada por sir Stafford Cripps,

cm defesa do po\'0 inglês,

teve a virtude de revelar

tanto as imensas reservas de energia como o extra ordinário senso pedagógico dos britânicos. Porque essa austeridade não tem a sig nificação puramente literária que lhe

deram os criadores românticos da c.Stirpe de Cervantes ou Nathaniel Hawtorne. Austeridade é disciplina rígida, é severi

dade, é ascetismo. Pode mesmo ser tomada no sentido de domínio dos sen timentos e paixões, rigor ascético no tra tamento do corpo.

Aludimos ao senso pedagógico dos

britânicos porque a austeridade aconselliaJa — e não imposta — por sir Stafford Cripps constitui uma grande

lição. As fórmulas engenhosas, os sis temas caprichosamente urdidos, as com binações sutis dos técnicos e dos ho mens públicos, tudo aquilo que poderá concoiTer para a recuperação econômi ca da Inglateira reduz-se ao binômio — trabalho e economia. E o plano traça do'por sir Stafford Cripps — consumo, apenas, do indispensável à sobrevivên cia nacional e aplicaçcão do excedente

sobre esse consumo em investimento.s do programa de capital — tem sido exe

cutado com uma firme2:a e uma tenaci dade sobrenaturais. Pretendem os bri tânicos atingir, em 1952, o nível de bem-estar coletivo de antes da guerra. Numa recente condensação do Econoinist, de Londres, o periódico The English sahenta que constitui um

traço muito humano a draiiuiiização Wcessiva das circunstâncias da época, e, desse modo, chega-se à conclusão de que estas serão permanentes polo simples motivo de já estarem durando seis me- ses. Por essa razão, é natural que a • deficiência temporária de gêneros ali mentícios, que geralmente sc manifesta depois das guerras, origine a crença ge ral de que a raça luimana perdeu as forças para evitar a fome. Nestes dois xiltimos anos tem-se publicado uma in finidade de livros e panfletos profetizan do que a espécie humana se está re

produzindo com demasiada rapidez, em comparação com a capacidade da pro dução de alimentos que o glôbo terrestre pode suportar.

A estrutura capital do argumento so bre o qual se apóiam as profecias é simples, e este pode ser reduzido a

quatro itens:

a) a fertilidade do solo mundial está decrescendo, da mesma forma que o potencial cm toda a sua

extensão e o fornecimento do.s produtos alimentíciosj b) os países que têm uma produção excessiva estão gradntivamente tendendo a consumir a própria produção, e, por isso, os supri mentos para o mercado mundial

tendem a diminuirj c) a rápida ascensão numérica das

populações dos países asiáticos

aumentará cada vez mais a pro cura de alimentos nos mercados mundiais, e, como conseqüência,

impoitadorc.s tradicionais da Eu-' ropa ocidcntalj d) em qualquer caso, a Inglaterra não poderá pagar a importação

dos alimentos, em \irtude das suas dificuldades na balança de

pagamentos.

Confirma-se, assim, o famoso princí pio sustentado por Thomas Robert Malthus {Essay on the principie of population) segundo o qual a população do mundo cresce numa progressão geomé

trica, enquanto os meios de subsistência

crescem ein progressão aritmética.

Mas, os ingleses, na sua quase totali dade, repudiam os prognósticos som brios; mostram-se, ao revés, cada vez

mais otimistas e confiantes. Admitem que sempre se verificou a falta de ali mentos. De um modo geral, a Ingla terra se encontra melhor do que nunca; portanto, não há razão para pessimismo, Os profetas do desastre são, em regra, desarrazoados nas premissas e nas con clusões. Assim, Lord Boyd Orr afirma: "This rísing tide of population and falling reservoir of land fertility is the

greatest tlireat to our civilisation" (A maré crescente da população e a queda

dos reservatórios da fertilidade do solo são a maior ameaça à nossa civiliza ção). E Walter Lowdennilk acrescen ta: "Civilisation is running a race \vith

famíne and the issue is still in doubt" (A civilização. está apostando corrida

com a fome e o resultado ainda é in certo ).

Se é verdade que a política da aus teridade, formulada por sir Stafford Cripps, tem a sua gênese nas condições

econômicas e financeiras do mundo oci dental, não é menos certo que ela en

cerra aspectos peculiares do povo bri

tânico. As diretrizes indicadas têm sido seguidas com a fé, a perseverança e a mística dos povos superiores. A Amé rica do Norte constitui, nesse sentido, outro exemplo digno de meditação. Em

1948, os Estados Unidos conheceram uma situação de prosperidade sem pre

cedentes. Em dez meses, o N'olume da produção nacional havia quase duplica do, o número de seus empregados civis havia ultrapassado a casa dos sessenta

milhões e o seu comércio exterior se tomara a roda mestra dos negócios numdiais, tudo isso como conseqüência do papel descmpenliado pelos norte-ameri canos nas duas guerras mundiais e nos períodos de reconstrução que a elas se seguiram. Todavia, desde o principio deste ano eWdenciou-se que as condi

ções determinantes do ciescimento de suas produções industrial e agrícola não

eram mais as mesmas.

O publicista Eric Sachs, examinando esse problema central do relatório Tmnxan, procura, em tênnos equilibrados, fixar as origens da crise: "A lüstória de um século mostra que as épocas de prosperidade são sempre seguidas de outras de depressão. É o que se chama do ciclo econômico, em tomo do qual

teorias e sistemas os mais variados sem pre surgiram e freqüentemente desmoro

naram. As discussões em tômo do fe nômeno continuam, e até hoje não re

presentam o ponto mais claro da ciência econômica contemporânea. Só uma coisa continua evidente: — é que as decoiTências do ciclo voltam a ameaçar a esta bilidade da economia mundial".

Mas a depressão norte-americana será vencida com a mesma tenacidade com que os britânicos têm correspondido ao apêlo de sir Stafford Cripps. Os Esdos Unidos, pela voz dos seus homens

thal, presidente da Comissão de Ener gia Atômica, e James W. Hart, com bateram o nervosismo, o temor ao fu turo, qualquer modalidade de apreensão nacional. A fé constitui o principal ins trumento da democracia norte-america na. Ela está sempre presente como base das suas organizações comerciais, indus triais, financeiras e políticas. David Li-

lienthal manifesta-se como porta-voz dos

sentimentos norte-americanos: "Nós cre mos no homem não apenas como unida de de produção, mas como fillio de Deus. Cremos que o objetivo principal de nossa sociedade não seja garantir

a "segurança do Estado", mas salva guardar a dignidade humana e as liber dades individuais. Somos um povo que tem fé no homem espiritual e que vê em

seu aperfeiçoamento e em sua felicida de a meta final de nosso trabalho co

tidiano".

Assim, quando o Presidente Truman, apreciando a fase de depressão norte-

americana, sustenta que o decréscimo da produção e dos negócios é caracterís tico de um período de transição, no qual se toma necessário "trabalhar por

condições que promosam um cre.<?cimen- ''{J to mais estável e firme na produção, no emprego e no poder aquisitivo", èle sabe que a grande fôrça dos Estados Unidos é, principalmente, do ordem es piritual. Sua potência não resulta ape

nas de um sistema econômico bem con cebido e melhor e.xecutado, mas da har monia dos princípio.s de solidariedade humana, e, dispondo de tão .«^ólidos ele

mentos morais, todas as suas crises fo

ram fàcilmente dominadas.

O Brasil tem assim à sua frente duas lições — a lição brjtânica de austeridade, reserva, moderação, de sir Slafford Cripps, e a norte-americana, apoiada nas fôrças espirituais do homem.

Como todos cs países que participa ram da última guerra, não podemos

evitar o binômio fatal — trabalho e economia — ou seja, a batalha sem tréguas da produção. E batalha da pro dução significa atitudes de renúncia, sa

crifícios individuais, ação incessante, o devemo.s ter sempre prqsente que o nosso êxito econômico dependo do vigor das nossas instituições e da firmeza e

sinceridade do nosso sistema de vida..

Evasão e sonegação de impostos

JosK Lluz de Almeida Nogueira Porto

a ecunoniia sobrecarregada de tributos tende, naturalmente, a evadir-se de seu pagamento, numa ação,

por assim dizer, instintiva de auto de fesa. Tal seja o montante do impôsto, é vantajoso para o contribuinte correr o risco da sonegação ou deixar de aufe rir os lucros pela atividade, para não efetuar seu pagamento.

Diz-se que há evasão do impôsto quando èle, por meios legais ou fraudu lentos, deixa de ser pago. Assim, tan

to se evade do tributo o contribuinte que pura e simplesmente sonega rendi mentos tributáveis em sua declaração de impôsto de renda como aquêle que deixa de importar certa mercadoria por que os direitos aduaneiros sôbre a mes ma foram de tal forma majorados que

e'a não encontrará mais mercado. Ge ralmente se considera a sonegação (não pagamento fraudulento do impôsto) co mo espécie do gênero evasão. Parecemo, porém, preferível aceitar a termino logia popular reservando o termo emsão apenas para q não pagamento le gítimo do tributo, como no caso de renúncia à importação para evitar o pagamento de direitos aduaneiros, e o

termo sonegação para a fraude fiscal.

A evasão pode ser desejada ou não pelo poder tributahte. Parece absurdo que o poder público crie um impôsto para que ele não seja pago pelo de saparecimento da base de incidência, mas isso sucede freqüentemente quando

o impôsto não seja de finalidades fis

cais, mas sim exclusivamente económicosociais. Impondo uma tributação pe sadíssima sôbre a importação de objetos de luxo, por exemplo, está o poder pú blico pretendendo evitar sua importa ção e, conseqüentemente, o pagamento do impôsto.

Na Rússia, durante a última guerra, os impostos indireto» sôbre mercadorias f bens de consumo em geral e sôbre operações de venda, foram consideràvelmentej majorados, não tanto para proporcionar abundante arrecadação fiscal, como para forçar a redução de seu consumo, provocando, assim, uma evasão do tributo pe^a falta da base

de incidência. Desnecessário dizer quão injusta foi essa medida que só

alcançava as classes mais desfavoreci das, mas esse é um exemplo típico de evasão do impôsto desejada pelo poder

público.

A evasão não é desejada pelo poder público quando êste ou não previu o

abandono ou. a redução de certas ati vidades em conseqüência do impôsto, o que, de resto, não estava em seus pla nos, ou deixou na lei brechas por onde possa escapar legalmente o contribuin te. Exemplo do primeiro caso seria o de um impôsto de renda tão fortemente progressi\'o, embora de fins puramen

te fiscais, que desestimulasse o contri buinte de continuar auferindo lucros ou produzindo acima de certo limite. Os impostos indiretos, quando muito elevados, têm, muitas vêzes, essa conse qüência, com surpresa para os governan tes que não a desejavam: o consumo de certas mercadorias ou a realização de determinadas operações se restringe pa ra não haver a obrigação do pagamento do impôsto.

Daí a necessidade de serem estudadas a fundo a"» condições econômicas dos ramos dc atividade sobre os quais se pretende lançar ou niajorar impostos, para que estes não tenham por vir-

Itide eliminá-las, sem que ao menos o Estado tenha a compensação do impôslo arrecadado. Suponliamos que um Estado quaVpier lance um imposto sobre a fabricação de determinado pro duto, superior à margem de lucro por ele proporcionado: Evidentemente, ces sa sua produção e o Estado não arre

cada o imposto. A economia nacional é prejudicada, pois o produto pa.ssará a ser importado, e os cofres públicos não arrecadam um real, por ter desapa

recido a base da incidência.

Outra modalidade de evasão do im posto não desejada pelo poder tri-

butante é a que resulta de defeitos na técnica fiscal, per

mitindo aos contribuintes mais argutos evitarem legalmente o pagamento do impôsto, embora

sem eliminar a base da in cidência. Nossa legislação do imposto de renda, anterior à atiüil, oferecia um exemplo bem típico dessa modalidade de evasão, graças ao cha mado "regime de base". O contribuin te do impôsto de renda pagava o im posto com hase nos rendimentos aufe

ridos no ano anterior, mas tal paga mento correspondia ao exercício em que fôsse efetuado. Desse si.stema rcsultava que as pessoas jurídicas deixavam de pagar o imposto pelos lucros que au

ferissem no exercício do encerramento, pois I o impôsto i^ago nesse exercício, e que lhe dava direito a se considerar quites com o impôsto de ronda, na ver dade correspondia aos lucros do ano an terior. Inúniera.s empresas, principalmentí! durante a vigência do chamado

"Impôsto sobre Lucros Extraordinários", que obedecia ao mesmo regime, acfo-

taram essa prática dc encerramento da ^ atividade, deixando legalmente dc pa gar o impôsto sòbre os lucros auferidos no ano de encerramento, para dcjwis

reiniciarem a atividade st)b outra de nominação. Outro exemplo, ainda tirado do nossa. legislação do impò.sto dc renda: dois ( contribuintes .são, respectivamente, in quilino e senhorio. Um mora na ca.^a do outro, pagando o re.spcctivo a'ugucl, do que resulta que ambos pagam o im

posto dc renda sòbrc o respectivo ren dimento proveniente dc aluguéis. Co mo, porém, o imposto de renda não in

cide .sòbre o rendimento auferido em utjlidadcs, isto 6, sobre o valor locativo do prédio próprio de residência. cada um passa a morar na casa dc .sua propriedade, deixando ambos de pagar legalmente o impôsto, embora cm nada se al

tere sua situação financeira.

-l-' sH

A f/onegação é o nsV) puganiento fraiidíilento do impôsto. O contribuin te está compreendido no campo de in

cidência do tributo. Não encontra breclias na lei por onde possa legal

mente furtar-se ao seu pagamento c mesmo assim não o paga por ter ocul

tado a base da incidência. Para que baja sonegação — de acordo com a terminologia usual que estou aqui ado tando — é preciso que o contribuinte tenha ocultado total ou parcialmente a

existência da base de incidência. Aque le que não paga o impôsto, embora de

clare lealmente ser êlc devido, não pratica sonegação. Simplesmente deixa do pagá-lo. Por exemplo: um contri buinte do impôsto dc renda ipie nao

declara sc-u.s rendimentos ou (jue uciiUa uma parle dêlo.s, pratica sonegação.

Um outro que declara corretamente sua renda mas deixa do pagar o inípôsto,

"ão o fstá sonegando. Torna-se simplc.snícnle devedor do Estado, que p:)-derá executá-lo pura a cobrança.

Essa distinção que aqiii faço entre

sonegação o não pagamento não é usual o nem prevista cm nossa Icgi.slação. Cada uma dessas hipóteses, porém, tom cau.sas c conseqüências diversas, mo tivo pelo qual parcceu-inc útil distinguilas. A.ssim, o simples não puganiento

do impôsto, com o reconhecimento ex presso dc ser ele devido, não revela por parte do contribuinte a maMcia, o dôlo, que devem ser punidos mais severa

mente. Seus propósitos não são deso nestos, c se não pagou o imposto foi, possivelmente, por não ter tido meios •dc fazê-lo, -ou, nu pior das hipóteses, por simples relaxamento. Já o sonega dor revela uma periculosidade muito maior e ■uma mentalidade desonesta

que merece castigo mais severo.

A sonegação, no sentido de ocultação da base da incidência, resulta de \'árías circunstâncias e são muitas as suas origens. Elas variam de época paraépoca e de país para país. Vejamos o caso que nos intere,s.sa de perto, que

é o do Brasih

A sonegação de impostos no Brasil tcih origens históricas. O não paga mento dc impostos à Coroa Portuguêsa, no período colonial, era, sem dúvida, ato meritório, pois cada patacão sone gado ao erário de El-Rei era patacão poupado à economia brasileira que então ■SC c.sboçava. Pena 6 que a fraude fiscal nessa época não tivesse sido muito maior, para que nos pudesse restar uma parto<lo nüs.so ouro que' hoje dorme nos siihlciTiuicos dos bancos iuglêscs.

A sonegação, porém, tornou-se há bito, c dos mais perniciosos, para uma

parcela apreciável dos contribuintes bra.si eiro;j, e. 6 de se reconhecer que mui tos fatores têm contribuído para isso.

Impostos mal dosados e mal arrecada dos, a ignorância do contribuinte, a di lapidação dos dinheims públicos, as

deficiências de controle e a ausência de sanção moral para o sonegador, lêni conlribiiído para dcsen\"olvcr c

aperfeiçoar a fraude fiscal no Brasil.

Ainda há dias li, numa sc,ssão cha- . mada "Ministério de Perguntas Creti nas", de certa revista, esta pergunta não muito cretina "Quem rouba do fis co tem cem anos de perdão?" E' essa . u dénida em.que se debatem milhares dc brasileiros. Descrentes da boa apli

cação dos dinheiros públicos, não sentin do os benefícios de uma administração eficiente, contemplando obras suntuosas

e inúteis construídas com o seu dinheilo, o contribuinte brasileiro sonega o impôsto o se concede logo os cem anos

de perdão.

Outro fator que contribui para incen tivar a fraude é, embora pareça um

contrassenso, o excesso de fiscalização, de normas regulamentares e de fonna-

lidades burocráticas. O contribuinte ou desanima ante a complexidade dessa coisa tianscendental que é pagar um im pò.sto, ou então mergulha de rijo no

cipoal de nossa legislação tributária e trata de se desvencilhar da melhor maneira possível, procurando lei os meios de se furtar ao na própria pagamentodo.^ tributos. Ante tantas formalida des c exigências, seu raciocínio é êste: Bom. O fisco já nie considera mes mo um ladrão. Então vamos ver quemé o mais esperto". E, esporHvamente,

como quem joga a dinheiro, e a dinhei ro grossti, uma partida dc .xadrez, trata

de descobrir nas malhas da lei proces sos os mais engenhosos de fugir à obri

gação do imposto.

A esse fator de sonegação se junta a completa ausência de sanções de or

dem moral contra o sonegador. O co merciante que deixa de pagar um títu

lo 6 um desonesto, e está falido. Mas, se em lugar de deixar de pagar um titulo

de dez mil cruzeiros, sonega um mi lhão em impostos, então êle é um ho mem inteligente c hábil, merecedor da admiração e da inveja de seus concida dãos, pois que, só com as armas dc sua argúcia, derrotou tôda a experièivcia, técnica e aparelhamento desse Moloch que é q fisco.

Há ulgun.s anos fiz parte de uma co missão incumbida da elaboraçãn de certa lei fiscal, comissão essa presidida

por uma alta personalidade do Gover no da época, e que represen

tava a Fazenda Nacional. Dis cutia-se um dispositivo que obrigava o contribuinte a exibir seus livros e arquivos à fis calização, quando um dos pre.sentes, diretor de importante as sociação de classe, se levantou e pro

testou contra a medida. "Isso, Sr. Pre sidente, é uma afronta a todos" os con tribuintes — dizia êle — que são equi parados a ladrões pelo fisco. E nós

não o somos. Nós pagamos religiosa mente todos os nossos impostos, com ou sem fiscalização, porque somos homens

jionestos." O Presidente, então, per guntou-lhe: "Mas, Seu Fulano, se o

Sr. fizesse um contratinho que devesse pagar vinte contos de sêlo e pudesse guardá-lo numa gaveta, sem medo que

o fisco o descobrisse, o Sr. pagaria o sèlo?" — "Pagaria, Sr. Presidente, por(jue sou um homem honesto." — "Pois ojl^, _ retiLicou-lhe o Presidente — eu

também me considero honesto, mas eu não pagaria, porque não sou trou

xa." .

Essa mesma alta personalidade certa vez me contou, para ilustrar esse aspecto amável de que se reveste no Brasil a fraude fiscal, que no Rio Grande do Sul

é comum Icrem-sc, cm fichas dc infor mações confidenciais dos Bancos, coi sas como esta: "Firma conceituada, contrabandista.s há longos anos, dignos de

crédito etc."

Essas são as razões de ordem psico lógica da sonegação. A par de^as exis

tem as razões de ordem cultural, de or dem técnica c de ordem econômica.

Os motivos de ordem cultural, ou me lhor dizendo, de ordem ní7o cultural re.sidem na ignorância da grande massa de contribuintes brasileiros, ignorância geral ou especializada", pois contribuintes há que, com certa razão, têm sagrado horror por essa litera

tura enfadonha que é a nossa legislação fiscal.

Quando eu era chefe do De partamento Legal da Associação

Comercial de São Paulo, apare ceu-me certa vez um comerciante com um auto de infração para ser feita a defesa. O homem, estabelecido já há alguns anos, nunca havia pago o im posto de \'endas e consignações. Ejcphquei-lhe então que o auto era ab

solutamente indefensável e que poderíoinos conseguir, quando muito, uma re

dução da multa. "Mas dv. — retrucou-

me o homem alarmadíssimo — eu paguei o impôsto. Tenho um papelziuho ama relo que diz que eu paguei o impos to." Fui ver o tal "papclzinho amare lo"; era um recibo de taxa d'água de

uma ca.sa no Belenzinho.

Êsse contribuinte nunca havia ouvido falar em uma coisa chamada "impósto

do vendas e consignações" c por certo foi depois procurar outro advogado mais hábil, que lhe afirmasse que tal impòsto não existia mesmo e que tudo não pas sava de horrível pesadelo.

Por certo êsse comerciante c.xagerou em sua ignorância. Mas o fato é que não se pode exigir de pequenos co merciantes, artesãos, laxTadores, que compreendam e apliquem as normas tra çadas em nossa legislação fiscal e que

tantas e tantas vezes confundem os próprios funcionários fiscais e advogados especializados na matéria. Na impos sibilidade de cumprir estritamente o.s

mandamentos fiscais, os contribuintes muitas vezes cortam o mal pela raiz: não pagam mais o impôsto.

As razões de ordem técnica da so negação resultam dc deficiências das leis, que as tornam inexeqüíveis. A

culpa, nesse caso, não é do contribuin te. E' da legislação. Leis elaboradas por

leigos na matéria, sem técnica, contendo disposições confusas ou inaplicávcis, co mo esta última lei que regula as isen ções constitucionais do impòsto de con sumo, obrigam os contribuintes a in fringi-las, muito embora conheçam suas

determinações.

Houve uma lei que, para evitar a sonegação do impôsto de consumo sôbre álcool e aguardente, tornou obriga tório, nas fábricas respectivas, o uso de medidores automáticos. Acontece que tais medidores, segundo se afirma va, mediam não só o líquido como tam• bém os vapores que passavam pelos oncanamentoj|, acusando uma produção multo superior à real. Caso o contribuin te adquirisse os selos do imposto de con sumo para a sua produção real, seria autuado porque o medidor marcava mais.

Caso fizesse a aquisição peía produção marcada, seria também autuado por não

poder proxar a quem havia xendido a parte dos seus produtos que, realmente, não existia. Resultado: as pequenas fá bricas de álcool e aguardente simples mente deram bai.va cm suas patentes e

continuaram a produzir ^clandestinamen te, sem pagar impôsto algum.

Finalmente, as razões dc ordem eco nômica que favorecem a fraude resul tam de impostos e.xcessivamente altos

ou mal dosados.

Quando se discutia a lei do impòstíi de consumo, os representantes dos con

tribuintes na comissão aceitariam uma tributação mais elevada para jóias, perfumarias, bebidas etc. O próprio fisco, porém, se insurgiu contra êsse aumen to, alegando que, com êle, embora o

impôsto fòsse maior, menor seria a ar recadação, pelo aumento da fraude.

Êsse fenômeno, aliás, é universalmen^ te conhecido. À medida que sobe um

huposto sobe também o índice de sua sonegação. Isso representa uma reação do organismo econômico repelindo uma tri butação que não pode suportar. A ten tação de coner o risco da sonegação

será tanto maior quanto maior fôr a van tagem no caso de a fraude não ser des

coberta.

No Brasil, embora os impostos, consi derados isoladamente, não sejam muito ele\'ados, em seu conjunto o são, e as bases de incidência são sempre as mes

mas para dix'ersos impostos. . Suponhamos que uma sociedade anô nima, fabricante de chapéus, por exem plo, sonegue ao pagamento de impostos um contrato de compra e x-enda de Cr$ 1.000.000,00 e que lhe proporcio

naria, iiin lucro de Ci$ 200.000,00. Em primeiro lugar, deixaria de pagar o selo sôbre o conti-alo, no \'alor de Cr$ 5.000,00. A seguir, .sonegaria o impô.stocio consumo sôbrc os chapéus, ou soja

niais Cr$ 50.000,00. ' Não pagaria o im posto de vendas e consignações, e isso representaria em Sáo Paulo mais Cr$

25.000,00. Finalmente, iria sonegar o impôsto de renda da própria empresa e

dos acionistas, na base total de 30% so bre o lucro, isto é, mais Cr$ 60.000,00. Tirando, assim, das vistas e do controle do fisco uma só operação, essa empre sa, em lugar de auferir um lucro líqui do de apenas Cr$ 140.000,00 (deduzido o impôsto de renda) iria em verdade

auferir um lucro de Cr$ 280.000,00. Simplesmente o dòbro. Positivamente

valeria a pena correr o risco da frau

de.

'■i- -ii

Todos êsses fatores, psicológicos, his tóricos, culturais, técnicos e econômicos, têm contribuído para elevar o índice de sonegação, no Brasil, a proporções con

sideráveis.

E* de espantar, por exemplo, por mais pobre que seja a população, que

apenas cerca de 1,3% da população .se ja conlribuiiilc do impôsto sôbre a ren

da-.

Ora, a fraude, fazendo cair a arreca dação, traz como conseqüência a neces sidade da majoração de impostos, em detrimento, justamente, daqueles que

já os pagam por não quererem ou, nas mais das vezes, não poderem sonegar. Em 1929, por exemplo, ano em que já

estava normalizada a arrecadação do impôsto dc ronda, 267.233 contribuin tes pagaram de impôsto de renda Cr$ 63.100.000,00, ao pas.so que em 1946,

513.425 contribuintes recolheram Cr$ 2.612.000.000,00. Em 1929, cada con tribuinte pagou, cm média, a título de impôsto de renda, Cr$ 170,00; e em 1946, Cr$ 5.300,00. Ao passo que o nú mero de contribuintes não chegou a do brar, a arrecadação do impôsto foi mul tiplicada mais de 40 vezes. Daí se con clui que a Fazenda não cuida de au

mentar o seu rebanho, mas sim de tosquiá-lo ao máximo.

Produtos brasileiros no (nercaiÍB internacional

IV -Cnrnes

Dohival Teixeiha Vieira coMÉiiCío de cunies em conserva e frigorificadás constitui, hoje, o

quarto item da balança comercial bra.sileira. Em 1914, a sua importância, co mo produto de e.xportação, era insigni ficante, pois representava apenas 0,05% do valor total da nossa exportação. Na quele ano, exportáramos apenas 425 to neladas, correspondendo a Cr.$ 387.000,00, sendo que a quase totali dade era representada por carnes frigorifícadas. A.s exigências da guerra de 1914 a 1918 permitiram a expansão da venda do produto e, em 1918, 8,3% do valor total da exportação eram represen

tados por carnes. Predomina\'a ainda a venda do produto frigorificado, i>orquan-

to em todo o País ha\da, ao se iniciar a guerra, apenas um matadoiu-o frigo rífico, fundado em 1913 em BaiTCtos, no Estado de São Paulo, pelo Conse lheiro Antônio Prado. A expansão do

comércio de carnes do Brasil atraiu para cá o capital estrangeiro, e a Con tinental Products Co,, em 1915, insta lou em Osasco um grande frigorífico.

A partir de 1916-17 outros estabeleci mentos se instalaram e imediatamente entraram a e.xportar. Na primeira fase do desenvolvimento da produção e in dústria de carnes para exportação, o ponto máximo foi alcançado em 1919 quando se venderam 83.427 toneladas, correspondendo 68% à carne frigorificada e 32% à em conserva. A partir desse ano, a concorrência internacional, bem como a redução das solicitações do con sumo. fizeram com que nossas vendas para o exterior declinassem, sendo digno de nota o fato de, em 1926, chegarmos

a vender tão sòmente 8.101 toneladas, no valor de Cr$ 12.206.000,00, voltan do esse ramo de comércio a representar 0,38% do valor total e.xportado. Não obstante esse acentuado declínio, a nos

sa industria de carnes e derivados con tinuou a progredir, graças aos esforços dos criadores brasileiros para inelhora-

1-em os rebanhos e intensificarem a ex ploração da pecuária, selecionando os tipos de açougue capazes de permitirmaior rendimento industrial; gado pre coce, bem conformado e de fácil en<»orda. A parHr de 1927, forte reação se

verificou e a exportação de carnes tor

nou a crescer; é interessante verificar que em 1930, justamente no ano marcado pela formidável depressão inter nacional, que aHngiu todos os mercados, vendêramos 113.127 toneladas, corres pondentes a Cr$ 173.957.000 00 eqüivalendo a 6% do %'alor total da ex-porta-

ção.

O período de depressão que, começa do naquele ano, se esfendeu até 1934 atingiu com maior riolência o comércio do cafe do que o de carnes brasileiras; podemos afirmar que a queda do cado cafeeiro, ao mesmo tempo mer que

cuario, 1934,. no em e.xtenor; mesmn que o vaC7. c o p de carnes baixou para mos 44.213 tonelad^ 1 „60.831.000,00. O comér ^ .ícomércio exterior de carnes conünuou a se desenvolver aparfr de então e, como no anterior cnn-

flito mundial, no de 1939-45. experi mentou acentuado desenvolvimento, principalmente até o ano da entrada do , nosso país na guerra. Em 1940, a e.xportaçao de carnes chegou a atingir

9,38% do valor total de produtos brasi leiros comerciados, e, cm 1942 ainda re presentava 8,5%, contribuindo com um

volume de 128.118 toneladas, no valor de Cr$ 636.714.000,00. Os perigos da guerra submarina, a partir daquele ano, dificultando o trans porte marítimo, responderam cm parte pela diminuirão do comércio exterior de carnes do Brasil; mesmo assim, ao termi nar a guerra, ainda conseguíramos venIfe der 81.478 toneladas, no valor de Cr$

198.630.000,00. Considerando-se a mé dia do decênio 1936-45, 4,39% das divis.as brasileiras foram conseguidas pela venda do produto. Sua importância,

hoje, diminuiu, o que se deve atribuir à normalização gradati\a das economias . dos países consumidores, por um lado, (' à desaparição das necessidades de abastecimento de guerra, por outro. Mes

mo assim, no ano de 1948, vendemos 44.070 toneladas, no valor dc Cr$ 439.726.000,00, ou sejam, 2,03% do valor de nossa exportação.

Durante essa evolução, as carnes em conserva foram graçlativamente contri buindo com maior percentagem do volume exportado e hoje em dia apenas 53% das carnes vendidas são frigorificadas, cabendo 47% ao foniecimento de came.s em conserva. Além disso, expor tamos cpiasc exclusivamente carne de vaca, .sendo insignificantes as nos.sas vendas d(i carne dc porco ou de car neiro. E',preci.so ainda dízer-se que, atualmente, o Brasil não atende a tôdas as solicitações dos mercados exteriore.9, porque a exportação forçada do pcríncío df" gneiTa impediu uma reno\'a-

çãü iíiiediatu das rcsor\'as de gado pi ra corte c pro\'ocou uma escassez do produto no mercado interno, principal mente nas grandc.s cidades brasileiras.

Considerando-se o mercado produtor

internacional, o Brasil colüea\a-se, ante.s da última gm-rra, em sexto lugar, pro duzindo quase a sétima parte da pro dução norte-americana, um tèrço da

alemã, menos da metade da Argentina o ainda mcnfjs que a da França e Crá-

Bretanha.

Notc-sc, porém, que a Alemanha pràticamentc desapareceu do cenário co mo produtor, e embora o sul da França não tenha sentido com tanta intensidade os efeitos da guerra, é razoável supor que haja perdido parle da sua posição; o mesmo se pode afirmar da Grã-Bre tanha, que, como é sabido, não chega

a' produzir nem o suficiente para o .seu

consumo, sendo um dos maiores eompradore.s no mercado internacional, tanto assim que, ainda eni 1948. importou do

Brasil 1.530 toneladas de carnes, no valor de Ci$ 16.858.833.00; note-se, entretanto, que a restauração de sim economia lhe permitiu diminuir scnsl-

vclnienle as compra.s do Brasil, o que

fãcilmente se verifica ao recordarmo.s o fato de, em 1946, a Inglaterra haver comprado 44.776 toneladas. Verdade é que o congelamento do cnxlito bra sileiro naquele país representou tam bém importante fator para essa redução.

Con.siderando-sc o mercado exporta dor, até 1939, a Argentina, a Austrália

e o Uruguai vendiam, respectivamente, aos países consumidores, dez, duas e

meia c duas vôzes mais que o nos-so país, o que vem mosb'ar não sermos dos maiores fornecedores e precisarmos lu

tar com forte concorrência.

Atualmente, o nosso principal freguês são os Estados Unidos, visto em 1948

liaNcrinos exportado paro. aquele país

13.288 toneladas, correspondentes a

C^r$ 161.374.167,00. Em ordem de crescente de importância, vem a se guir a Holanda, com uma importação de 8.261 toneladas, no \alor dc Cr$ 58.268.997,00, acompanhada de perto pela União Belgo-Luxcmburguesa, que

de nós adquiriu 6.545 toneladas; a esta seguiu a Suíça, para onde e.xporlumos

5.408 toneladas. Bcin menos importantes foram as importações da Gré cia. (3.019 toneladas). Finlândia (2.128) c Ale manha (1.412). A Áfri ca, os demais países da

América do Snl e a Asia

constituem mercados con sumidores dc pequena im portância para o Brasil. Convém notar, porém, que

tanto a Alemanha como a Holanda, ou até mesmo em parte a Suíça, desde que

suas economias se norma lizem, diminuirão sensi velmente seus pedidos; a tendência para uma redu ção já é notada no movi

mento comercial dos últi

mos mese.s.

Con\'ém, por i.sso, inda garmos do provável com portamento da oferta e da

procura, np exterior, das carnes em conserva e frigorificadas, cm função do movimento dos preços.

A oferta de carnes é elástica, ten dendo à inclasticidade. O fenômeno é fácil de explicar-se porque a pecuária tem o seu desenvolvimento ligado, por um lado, às pastagen.s, e, por outro,

as difieiihlade.s de armazenamento do piodiilo. A fazciicUi dc criação ou os campos de engorda estão na dependên cia da existência de boas pastagens, além do que exigem grandes áreas dc

terreno. Neste particular, convém notar u grande diferença existente entre as zonas de criação da Argentina e Uru guai e as do Brasil. Naqueles países, a topografia favorece particularmente a criação de gado; as cochilhas e planuras não fatigam o animal e não só permi

tem mais fácil contrôhdos rebanhos como tomam

menos oneroso o trabalho de reunir o gado e condu zi-lo para os matadouros, frigoríficos ou pontos de embarque. A acidentação

do nosso terreno dificul ta o trabalho do peão, en

carece a mão-de-obra e contribuí, em parte, para

desmerecer o rebanho, principalmente quando o

deslocamento do mesmo se faz a pé, por falta de

^as de comunicação. Além disso, como não há uma boa rêde de matadou ros e frigoríficos, os quais

se concentram apena.s em alguns pontos, particular mente São Paulo, o ga do para engorda é c>o-

locado em invernadas e só depois industrializado e vendido, seja no merca do interno, seja no mercado interaaciunal. E', pois, natural que o custo da carne brasileira seja mais elevado que

a dos seus concorrentes sul-americanos. A extensão da propriedade, por um lado, e o ciclo de reprodução e criação,

por outro, impedem que o volume de carne ofertado po.ssa expandir-se rapida

do, seja interna, seja internacional, fòr favorável; a retiação da'produção, por outro lado, embora possa fazer-se com maior facilidade, encontra seus limi tes nas próprias proporções da empre sa pecuária. Tanto isto é verdade que, quando as solicitações internacionais au

mentaram muito, o único recurso encon trado foi o de roduzir-se a cota do con sumo interno, cbegando-se até mesmo ao sacrifício de rebanhos sem se aten der à necessidade de sua renovação;

mataram-se novilhos e até mesmo va cas em grande quantidade e, se por um

lado aproveitou-se a situaçrio favorável do mercado, criou-se, por outro, um seríssimo problema, o do futuro desen\'o'vimento da produção pecuária. Hou ve desfalque de nossos rebanhos, cujas conseqüências ainda se farão sentir. A falta de frigoríficos, disseminados pelas zonas de criação, diminuí as possibili dades de industrialização e não se pode

negar que as carnes em conserva, do ponto de vista mercantil, representam

uma oferta mais conveniente, visto per

mitirem a estocagem e com ela maior resistência do produto no

mercado.

Se a.s nossas condições de produção e oferta fôssem mais satisfatórias, por certo poderíamos augurar uma expansão maior para o comércio de carnes do Brasil, visto como a procura desse pro duto é inelástica, por atender a uma necessidade vital, de alimentação. Cum pre ainda notar que a carne não sofre concorrência apreciável de outros su cedâneos e, na medida em que o pa drão alimentar do mundo vai melhoran do' o consumo de carne também cresce.

Ela constitui lun dos mais importantes itens da dieta alimentar de todos os

da procura que tem ponnitido maior es tabilidade dos preços médios do produto

no mercado internacional. A sua .sensi bilidade às crises c pequena, se compa rada com as osci'ações de preços ^•erificadas noutros produtos. Dc um modo geral, os preços médios alcançados tem

tendido a crescer. A baixa verificada entre 1930 e 1933 não foi além de 16? c, a partir daquele ano cm diante, o va

lor médio da tonelada tom crescido con tinuamente; mesmo computando-se a desvalorização monetária, verlfica-sc a ocorrência dc uma aprcciáscl estabili dade nos preços do produto.

Não é de .se e.sperar que nossa ex portação de carne para a África cresça muito ou que aumente, também, para a América do Norte e Central, ou para os outros países da América do Sul. Quanto à Ásia, dada a situação políti

ca contemporânea, prcvemos que os mercados daquele continente estarão fe

chados para nós, ou, pelo menos, sen sivelmente reduzidos. A e.xpansão do mercado consumidor do procluto brasi leiro só poderá fazer-se entre os paí.ses da Europa. "Na medida em que a Ale

manha normalize sua economia, expandir-sè-á também a venda de carnes pa ra aquele país. Prevemos, por outro la do, que a Itália voltará a ser um dos nossos grandes compradores. Convém não esquecer que a concorrência interna

cional dificulta o desenvolvimento dc nosso mercado de carnes, além dc con tarmos com uma limitação sensível da oferta, proveniente do desfalque sofri do pelos nossos rebanhos e da impossi" bilidade de multiplicá-los ràpidamentc.

O futuro do mercado ex[X)rtador dc carnes encontra-se, pois, não tanto na dependência da procura, ma.s sim na da oferta, o que eqüivale a dizer qne o desenvolvimento da agrostologia, por-

initindo melhorar as pastagens, u cria ção de uma rôde de frigoríficos e a adaptação dos .transportes para facilitar

o comércio pecuário, ao lado da zo otecnia, permitindo o melhoramento e a mais rápida multiplicação dos reba nhos, poderão colaborar paru que o Bra sil não perca a posição conseguida no

mercado internacional de carnes ou vcv nha, até mesmo, a melliorá-la.

cm BACBCXA

C'onf4írência roailaíoda no lnMU<n<o Uru|ínaío-nr«NÍIolro.

de Moulevidéu, ein HO de de IO IO Josií Mmua Bkllo

PsTOu certo de que não vos são estra-

nhas a vida"e a obra de Rui Bar bosa, projetadas desde cedo além das fronteiras de sua pátria. Vida de insa

no trabalho, e de ardentes lutas, con quistada desde a adolescência até a ve lhice, dia a dia, hora a hora, e ilumina da, através das mil vicissitudes que a

atribularam, pelos mais elevados ideais ( de liberdade, de igualdade, de justiça e

de paz; obra imensa, què parece muitas \ èzes a quem mais de perto a perhis-

tra exceder aos limites da mais laborio sa das inteligôncia.s, a que se estendeu com maior ou menor intensidade por quase todas as províncias do conheci

mento humano. Comemorando comoviclaraento este ano o centenário do nasci mento de Rui Barl>osa, nós, brasileiros, fazemos mais do que lembrar um grande vulto do nosso passado, recolhido à glória dos Panteons: evocamos uma fi gura em permanente atualidade, nas li ções que nos deixou, lições do homem público, do publicista, do jurista, do in-

temacíonalista; e lições do extraordiná rio escritor a do extraordinário oradpr, que soube manejar com raro gosto e incomparáyel opulência a língua que os portugueses nos' transmitiram e que tão pró.xima é do vosso .formoso e sonoro

idioma.

Entretanto, apesar do culto em que tenho, como todos os meus patrícios, a

memória de Rui Barbosa, não me pro ponho, nesta oportunidade, tão honrosa

convosco, a fazer-lhe irrestrito elogio. Desejava antes traçar-lhe rápido e.sbò-

ço, procurando os seus traços mais ca racterísticos. Mais os seus aspectos sub jetivos, SC assim posso dizer, do que a análise objetiva da sua vida e da sua obra, desdobradas nas mais várias ati\'idades. Que representou o estadista,

(pie representou o artista" o que repre

sentou o homem interior, o homem mano, feito da argila comum de to dos os homens? Quais os seus comple xos ou as suas grandes determinantes psicológicas? Quais as influências múlti

plas quo condicionaram o seu e.spírito, o que haveria neste de profundamente brasileiro, e que haveria de univcnstrl, acima, portanto, das contingências yul-

uares dn mpín dn énoca em fiue acíu.^gares do meio e da época em que agiut Pcrdoai-nie que vos fale como .se dirigisse a um auditório exclusivo de .brasileiros, isto é, num tom de intimi

dade, de confidente sinceridade, num esfòrç-o de ver justo e nítido o meu gran de palTÍcio. Pareceu-me sempre que quando uma figura humana atinge à al

titude intelectual dc Rui Barbosa e al cança a sua projeção, como que se co

loca acima dos fáceis louvores e das apo logias mais ou menos declamatórias. A maior homenagem que lhe podo ser prestada, a mais digna do seu gênio, é ,

a de analisá-la como se ela pertencesse a outro planêta, ou, pelo menos, se dis tanciasse de séculos na pcrspéctiva liis-

tórica.

mais intensamente o por mais longo tempo se assinalou na vida da sua pá tria, dela muitas vezes transbordando pa

ra os vastos cenários internacionais. Po lítico, jornalista, escritor, parlamentar, orador, advogado, jurista e diplomata, jtunais conheceu uma fase de penum bra ou, mesmo, de ti'anqiülo repouso de espírito, em que esto pudesse bastavsc a .si mesmo, alimentando-se da pró

pria sci\a, fechado às tentações da vida exterior. Dc.sdc os muis \crdcs anos. mal jogado às correntes do mundo, até a morte, já septuagenário, esteve sempre cm plciu) foco dc luz a sua figura de tão frágil aparência física. Discutido, negado, nus ásperas refregas políticas em que se envolveu, ardente na agres.são e implacável no revide, todavia, mal ousaram alguns adversários seus ou alguns jovens iconoclastas duvidar de sua .superioridade intelectual. Havia mesmo entro o.s brasileiros, nos últimos anos da cxi.stência de Rui Barbosa, uma espécie de orgulho nacional pelo altíssi

mo teor do seu espírito. Por isto mesmo, quando êlc vivo, foi quase impossível

di.scuti-lo com imparcialidade. Entre ditirambos líricos ao intelectual, e críticas Injustas e cruéis ao político, não encontrou a anáJise equilibrada que e.xi-

giam a sua rica personalidade, a sua grande obra.

Mas justamente nc.sta capacidade de despertar julgamentos extremos estaria uma das grandes seduções psicológicas

de Rui Barbosa. Quando ministro da primeira ditadura republicana, um dos seus colegas o qualificou de "pára-raios"

do Go\'em() Provisório. .. Diria certo também, se o qualificasse de "distribui dor de raios", Júpiter tonitroante, pron--

to a siderar os que duvidassem da sua divina grandeza... e porque foi assim, res páginas faladas ou escritas, ou pelo

menos aquelas em que o sentimos mais integrado no seu destino, mais vivo e mais palpitante, são as de polêmica. Na sua prosa, tão pródiga de tons, parece

terem sempre alguma cousa de excên trico, no sentido geométrico do termo, a

suave tolerância, o doce desencanto do ■ mundo, a ironia alada, a graça sorriden te, a melancolia outonàl, a música em

surdina.

Perdeu ou lucrou o gênio de Rui Bar bosa na fatalidade do signo de combate ' sob que nasceu? Comprazemo-nos não rarameutc cm refazer para o nosso pró prio gôslo os homens, ns cousas, os aconIccimento.s', de.s\'iaudo-os do curso a que os lc\'aram cem contingências miste riosas ou escapadas à nossa ar^nicia para atribuir-lhes outra direção. ^Sonhamos

sobre as páginas da História ou das bio grafia.^ dos grandes homens. Que des tino diverso, por exemplo, não teria a civdizaçao do Ocidente, .se a conquisth

romana nao se houvesse detido às mar gens do Reno e do Danúbio. Como não se perpetuaria a estréia de Napoleão se não fosse a desastrada campanha da Rússia... Aos primeiros contatos com a vida e a obra de Rui Barbosa ficamos a imaginar que mais perfeitos hutos nos dariam se Certas das paixCes que as agitara,n. Com o rarissimo cabedal da sua inteligeucia, o amor loluptuoso dos hvi-os e o mais completo domínio do nistrumento da oxpressr,o oral e escrita com que trabalhou, poderia elevar-se aos ma.s altos p.ncaros da literatura uni-

Chegaríamos, assim, « r siar um Rui Barbosa ou» ' que não poderia existir e.xistiu, tnttor de sistemas I6g os "i ''r"" 1 - j absorvido naespeculação das idéias gerais, ou nm Rm, puro artista, puro intelectual, xa-

vendo da cultura para a cultura, do es tilo para o estilo — e mais um passo —

instalado na sua tôrre de marfim, e q^uc, como Teófilo Gautier, parnasiano orto doxo, não fosse nem "vermelho", nem "branco" e nem mesmo "tricolor", e que só soubesse das revoluções do seu tempo, quando as balas lhe arrebentas

sem os vidros das janelas... Afloro aqui um velho debate entre alguns íntéqjretes brasileiros de Rui Barbosa. Te

ria sido ele sôbre todas as cousas mn político, um estadista, para o qual a cultura do pensamento e o extremo cui dado da fonna significassem apenas ele mentos preparatórios ou subsidiários pa ra uma finalidade que dos mesmos trans cendesse, porque posta em plano diver so, ou, em verdade, um grande erudito e um grande artista, transviado para as atividades j^wliticas, para a plenitude da vida pública? Aceitando o seu depoi mento, na galeria dos homens públicos é que teria de ser estudado. Repetida mente e, por vezes, irritadamente, repe liu de si a moldura de puro intelectual,

de literato, em que os seus patrícios pretenderam enquadrá-lo. Em 1918, por exemplo, terminantemente opôs-se à

iniciativa da Academia Brasileira de Leti-as de comemorar o seu "jubileu literá rio", transformado afinal em "jubileu

cívico".

Toda a vida medíocre conhecedor dos homens, como quase todos os grandes le trados, pouco introvertido, não se inchiindo a acuidade psicológica, cnhe os

mai.s assinalados dons da sua inteligên cia, bem precária teria sido a aptidão de Rui Barbosa para o ^'ellio nosce ie ipsum, aliás, tão relati\o sempre, ainda nos que, à maneira de João Jacques

Rou.sseau e de Amiel, amam demasiado debruçar-se sôbre si mesmo.s. . . De senlido .secundário, pois, é a sua auto-crí-

lica. O que importaria aos (pie. ix»r-ir- ventura, desejassem decidir da contenda,

talvez um tanto sutil c acadêmica, se ria acompanhar a obra do Rui Barbosa no duplo aspecto em que fosse permitido

sccioná-la — a do estadista e a cio artista. Mas, antc.s dc^ tudo, ter-.se-ia dc indagar o (pio pode ser um estadista o o que pode ser um artista, ou, cm outros ter mos, se uma e outra vocações impMcam certos complexos de recpiisilos c.speciais que faltariam ou existiriam cin Rui Bar

bosa. Acredito cpic se barateia um pou co por tôda parte a classificação dc esta dista, exemplar raro e precio.so, me.smo nos puísc.s dc antiga c apiirada civiliZiição política. Claro que a alta inteli gência c a sólida cultura .são virtudes básicas para um verdadeiro homem dc

Estacloj no entanto, não o compactam por si sós. Há alguma cousa mais que • lhe faz o apanágio: o instintivo conheci

mento dos homens, o senso da oportuni dade, a coragem de ousar e realizar, a nisão geral dos probleims, a capacidade

de comando, muitas vêzes inata, quase certa faculdade divinatória. Pura ficar em nossa atualidade, Winston Churclúll e Franklin Roosevelt seriam dois modelos menos imperfeitos.

Preencheu Rui Barbosa a melhor par le dos requisitos ideais de um grande

e.sladista? Sobraram-lho a inteligência, a cultura, o fespíríto público e a cora gem cívica. Mas, como frisei anterior mente, falha era a .sua aptidão para co nhecer o.s homens com os quais convi via, e falho o seu senso das oportunidadc.s. A sua visão geral dos problemas

teria de colorir-se fatalmente das suas altas tendências dc doutrinário. Na sua única experiência dc governo, como m'" nislro todo-poderoso do primeiro govêmo

republicano do Brasil, planejou e come çou a executar uma grande reforim fi-

nanceira. Incompará\cI foi a sua pro jeção no cenário cia sua pátria c extraoidlnária a .sua faculdade de apaixonar as multidões nas suas grandes campanha.s políticas. Mas .sempre desconfiei que nêlc não era intenso o gôsto ou a incli

nação de comando. No fundo, através do seu incansado ânimo combativo e da.s transigências que a política, a po lítica de todos os dias, lhe impunha, era Rui Barbosa um di.stantc, um insulado,

muito mais do mundo som limites das leituras do que do mundo menor, incerto e palpitante com que sc acotoxclavu.

Ninguém ingressou na vida pública do seu país melhor armado para as mtilantc.s vitórias, A .sua campanha jorna

lística nos últimos anos de nossa monar quia precipitou a queda final do ho nesto e pacífico trono dc Pedro II. O quo hou\'e dc mais alto e de mais .sólido na estrutura do no.sso regime republica no trouxe o .seu cunho pessoal. E' certo que O.S .seus coevo,s não lhe perdoaram a sua corajosa reforma bancária na época

dc Deodoro da Fonseca; dela teriam ad vindo todos os males das primeiras fi nanças republicanas, cumulados no boom que, na época, tomou no Brasil o nonto de Encilhomcnto^ sinônimo dc de senfreada especulação de Bôlsa, à seme lhança da que conheceram outTo.s paíse.s, os E.stados Unidos por exemplo, ou a

República Aigentínu, .sob o govêrno dc Juarez Celman. Os estudio,sos da histó ria financeira do Bra.síl são hoje muito

mais justos com Rui Barbosa. Teriti fracassado a sua política bancária pela

falta de espírito de continuidade dos seus sucessores, adversários implacá\eis.

Conviria talvez indagar rápidamente aqui o que é um artista ou que cxinjunto de qualidades o distinguem, empres tando ao termo significação que extra vase muito à que é atribuída pclo.s di cionários. Rui Barbosa, homem de açao, não foi o nem pretendeu ser jamais o que chamamos de pensiidor. Nada de original ou, mesmo, de profunda, seria

a sua intuição filosófica do mundo e da vida. Na jinentude, passou quase sem

curiosidade pelo movimento de reiiowaçâo filosófica, oxallaclo no Recife, quan do um grupo de moços, chefiado por To-

bias Barreto, descobria assombrado o materialismo, o agnosticismo, .o évolucionisnío... Católico mais ou menos mihtante tôda a vida, conheceu, entretanto, curta fase, não de dm-ida religiosa, mas do maçonismo, de antipapismo ou, mais precisamente, de reação ao dogmatismo de Pio IX, Publicou então o U\to O Vapa c o Concilio, tradução do libelo atribuído a Deollinger.

Muitos críticos brasileiros e muitos dos

seus sinceros admiradores recusaram-lhe sempre a classificação de artista. Para Joaquim Nabuco, Rui seria um ciclopeintelectual pelas. exageradas proporções da sua obra. Nabuco limitava um tanto arbitrariamente o conceito de artista ao sentimento da medida do equilíbrio e d\ euritnúa grega. Miguel Ângelo estaria fora da categoria; talvez também Shakcspeare, Beethoven, Wagner, enfim os moftó-íros. .. Na literatura brasileira o ri no, o medido e amargurado Machado de Assis seria o e.xemplo supremo Rui Barbosa, que. como já lembrei re peliu sempre as láureas de literato, uma

vez, entretanto, reconheceu de público o pendor artístico" do seu espírho, em bora proclamanc o cm seguida, como a do molde conservador, um "liberalamigo do pro gresso pela evolução, incrédulo na efi-

cacia das revoluções" Muito sempre poder-se-i di^sertnr sô bre a etermi y,estão do "fundo" e da

clu" iiiüiTtjriii no silêncio tunii^ai o pensamento; a forma é que \he da sen tido ou que lhe empresta vida propna.

A arte literária consiste justamente cm fazer da linguagem humana muito mais do que rude instrumento de expressão; visa despertar impressões de verdade e

sensações de beleza, convencendo e co movendo. Por isto mesmo, o lavar do estilo dobra muitas vêzes o valor da

idéia. Seria monstiuoso encerrar um límpido pensamento em grossa moldura de carpinteiro. O "fundo" implicará possivelmente certa ordenação prelimi nar das idéias, mas que só .se materializa na disciplina final do verbo falado ou

escrito. Será a forma neste sentido a própria beleza, símbolo da clareza, da força expressi

va, do ritmo, da harmo nia, que não se confundem

com os atavio.s retóricos. Absurdo era o desejo de

Fiaubert de escrever um livro sôbre nada e que xãvesse apenas pelo brilho do estilo; mais absurdo ainda um grande 1í\to de idéias

sem estilo.

Entretanto, um pensador, um divulga dor de idéias, sem preocupações literá rias, contentar-se-ia em escrever com simplicidade e mediana correção. Pre

ciosa foi sempre a família dos Bergsons, em cujos livros a riqueza das idéias e a

beleza da forma se disputam a prima zia.. . São exigentes os temperamentos artísticos: mais do que "comunicar", aspiram a "comungar" com o mundo ex

terior, entregando-Uie o fruto sazonado do seu pensamento e da sua sensibilida de l^oi esse o caso de Rui Barbosa. Não se distingue talvez a sua prosa pelas virtudes que constituem a essência do aticisiuo; nesta relação, será antes um

tautü bárbaro, à scnielliança do nosso grande EucHdes da Cunha, dos Sertões

— uma força bruta da Natureza, contida nas normas da gramática. •

Seria sempre aventuroso pretender

anatomizar um grande c.spírito para ana!i.sá-lo friamente, à maneira csquemática de Taine, faculdade por faculdade,

e reconstihrir-lhe o misterioso funciona mento. Onde começaria c terminaria em Rui Barbosa o estadista, c onde come çaria c terminaria o intelectual? Ou, de

outra maneira, como sc confunclcin ou se cntrechocam o político e o letrado, por definições respectivas, o "combativo e o "nieditati\'o"? Interrogações de difí cil resposta. Nenlium intelectual, e não

apenas Rui Barbosa, passa pe^as atividades partidíuias. que se tecem por toda par

te de todos os fios bons.

medíocres c tristes, sem deixar um pouco da pró pria "grandeza". De bom ou mau grado, o homem de pensamento ou de alta

sensibilidade cria para .si mesmo uma espécie de

insularismo que o protege um pouco do contacto cotidiano do mun do real. E essa evasão psicológica não

.se faz sem sacrifício das faculdades coinezinhas que o êxito na concorrência política exige. Daí, certo resíduo de

boa fé, de candidez, que sc encontra rá sempre na atuação prática dos que,

mesmo sem saber ou sem confe.ssar, mais nasceram para a "silenciosa orgia dos livro,s" do que para os ruidosos combates dos partidos. Na linhagem espiritual de Rui Barbosa, Cícero será o exemplo

clássico.

Haverá, imagino, duas espécies de intelectuais seduzidos pela política. A primeira, a dos que não conseguem pas-

sar-llic da epidernic, guardando mais ou meno.s intactas as .suas personalidades li terárias. A polític.a não rcpre.sentará para è'es mais do que uma curiosidade, uma forma de turismo, uma experiência, das quais voltam, cm regra, desencan tados. A segunda, a do.s grandes retó ricos, no melhor sentido da palavra, tipo ainda uma vez de Cícero. A política .se

lhes afigura a exclusiva finalidade da vida, a ela entregando-se sem reservas. Abalem, no entanto, a sua suporestrutura política, e o intelectual aparecerá com

a sua boa fé inata e os seus instintos de não conformi.smo e de revolta. Exata mente o caso de Rui Barbo.sa no Brasil. Transigiu, condescendeu com o que cha

mamos um tanto pejorativamente de "ínjunções partidárias". Um dia, por qualquer motivo, que q comum dos políticos julgaria mínimo, explodia-lhe a indignada revolta. Desconfiasse que periclitavani a.s liberdades públicas ou cjue lhe feriam o amor-próprio, ninguém

mai.s o conteria. Jogava fora num im pulso o paciente trabalho de muitos anos, para dar de .si, na rebelião, a formidá

vel medida. . .

Naturalmente, nenhum crítico pensa

ria em procurar apenas através do letra do o do homem público a explicação

das reações tão diversas de Rui Bar bosa. Ao lado do intelectual e do polí tico, há o "homem humano", do qual já vos falei, determinado pelas "constan tes" do seu temperamento e pelas con

dições do seu tempo c do .seu meio. Teria encontrado êle o sentido da pró pria existência, ou este se lhe frustrou, como acontece com a grande maioria do.s homens de invulgar talento, que o pro curaram nas agitações exteriores? A pri meira impressão que, para um pálido e.sbôço do retrato, nos deixa a vida de Rui Barbosa, é que, sôbre tantps triunfo.?

c, êxitos c.spetaculaics, muito mais de desencantos do que a!egria.s ela se urdiu.

Mesmo nas fases mais ardentes da sua longa carreira, quando vibram as pági

nas mais apaixonadas e mais formosas da sua obra, é fácil perceber-se qual quer cousa da sua íntima amargura.

Amargura, afinal, de todos o.s bovaristos. isto é, dos que insistem em viver num ambiente fictício e que, antes de ser da pobre Ema, foi de Fiaubert, seu próprio criador.. .

Tcr-se-iam desfolhado aos quatro v en tos da terra as mais radiantes promes sa.? da juventude ambiciosa e trabalhada de Rui. .. Escapava das suas mãos fatigadas a dourada messe que compensa

ria o suor de tantos anos de tenaz c co rajoso trabalho... Lutar sem remis•são, pen.sar, falar, escrever, distribuir raios, atrair tempestades.. , a qitoi hon? A ronda da fc«tuna, quando bate á porta

<ltí alguém, não escolhe, de certo, a dos

mais inteligentes ou dos mai.s sensi\'eis. . . Vinte vêzes, nos discursos e na correspondência particular. Rui Barbo .sa deixou extravasar a própria amargu

ra. Há nõs seus últimos retratos e bus to.?, quando a velhice lhe acentua os tra ços assimétricos do rosto, compensados, aliás, pela. irradiação . da inteligência, uma expressão de melancolia que chega

a tornar-se penosa aos que a contem plem.

Nem o temperamento nem os choque.?

do meio em que viveu haviam de fazer de Rui Barbosa O que supomps um ho mem feliz. Os traços dominantes do seu caráter foram sempre a coragem, a al tivez e a obsünaçâo, de confe.?sa'da he

rança paterna, e todos eles maus viáticos na concorrência da vida. Do or gulho, derivar-se-iam naturalmente o extremo amor-próprio e a fácil irascibilidade, e da obstinação, muitas vêzes, a

teimosia. Ainda niuilo jovem, a funiilia e os íntimos o qualificavam de cabeçudo"... Opínatício, ele corrigiria. . . Quando convencido de uma atitude, ninguém o demo\ia, e como llie sobra vam sempre intrepidez moral e física,

dela afrontava todas as conseqüências. De incansável curiosidade mental, leu tudo, inquiriu de tudo, a começar pelo.s quarenta mil volumes da sua biblio

teca, hoje precioso patrimônio nacional

da "Casa Rui Barbosa", no Rio de Janeiro. Extraordinária capacidade de

assimilação; maravillKisa retenção... E com abundância análoga à das suas lei turas, falou e escreveu. Daí, a vasti dão de sua obra, comparada a um oceano, de águas freqüentemente re voltas, ainda quando não profundas... Mas falou e escreveu, não pela volúpia

das especulações literárias, sem alcan ce definido, e, sim, para os efeitos ime diatos do homem de ação.

Nesse aspecto Rui Barbosa teria ra zão quando julgava a mensagem da sua vida muito mais política do que artística. Expansão má.xima da peque na elite de humanistas e de juristas que

.se formou no Império de Pedro II e .se prolongou em nosso regime republica no, êle imaginou possível . reestruturar a nossa antiga monarquia parlamentar, tão insólita na América, e de seiva já esgotada, sôbre novas base.s. E quan do desesperou de semelhante ideal, um tanto absurdo, propôs-se adaptar o

Brasil ao modélo dos Estados Unidos. Não seria ele, então, primeiro reali zador prático do regime republicano,

o mais idôneo dos brasileiro.s, pela su perioridade da inteligência e da cul

tura e pelo acervo dos serviços pres tados, para a execução da vastíssima obra? Ilusõe.s idênticas teriam embalado Chateaubriand — lembro mais uma N-cz êsíc nome - 'P"' «"'"cnlc ciicoi^ trava em Napoleáo uni cnuilo digno da sua fôrça. Todavia, muito nienos

homem dc letras c muito menos màntico e imaginativo do queteorizador do tédio. Rui Barbosa sotre^

porventura, mais do que clc pelas « cepções da vida piibiica.

Acentuei cm outro trecho desta P'*' Icstra que. pela carência dc \ocap'io ou pelos imperativos de sua carrciia ^ advogado c dc político. Rui BarbO-a

jamais so e\'adiu paru o plano idéias desinteressadas. Em tudo q"»' falou e escre\'cu, ainda sôbrc aparentemente mais distantes da "realidade pessoal", bá sempre a ^

ção, no mais largo .sentido, do

diatísmo". Não teria tido o que psicólogos denominam de ÍmaginnÇ»Q

criadora, isto é, a faculdade dc c-nar de "dentro para fora", desassociando

os elementos do conhecimenlo intelec tual, emocional c intuitivo, para ciá-los depois por própria conta, dandü-lhes uma síntese nova. pecer o,

teria concorrido também para êsse ca ráter da obra de Rui Barbosa a pe quena sonoridade intelectual do seu meio e do seu tempo, e, po.ssisehncnte, um pouco de falso pudor. Prczanca

sobretudo nele mesmo a propeusiui política, desprezaria as puras abstrações montais. Somente sabia produzir .sob provocação dos fatos positisos. teve longos anos o iirojeto do Códig»

Civil brasileiro som encontrar tempo para ir além das correções da forma. No dia, entretanto, em que se julgou provocado sôbre esta, escreveu talvez

o maior do.s seus livros, a Ré/jhcfl, intacto à usura do tempo ou, pelo me nos, enquanto hou\'er quem preze a fôrça e a belezíi do idioma em que poetou Camões e prosaram Frei Lins

de Sou/.;i, o l':iclr«.' Vi,.;,-., perfeito -Machado de A.sis ' "

Desde que Il.e dessem <, U ma, à sua

erudição c a .sua poderosa dialética (, esgotariam. E isto idnda, no mais opulento dos estilos, onde a revoada das imagens e metáforas parece muitas %-êzo.s uma icsla para os omidos. Di fícil lhe foi sempre a sobriedade. Êle

mesmo esermeu u,na íntima ao tempo do seu exílio político na Inglaterra: permita-me ficar aqui

por hoje, meu primo. Não tenho âni mo de parar quando começo a o.screver. .." Universal pela amplitude da cultura c pela sonsibiMdade aos grandes

dramas do Um\erso, ninguém, locla\ia. foi mais do .seu paí.s. As cousas c os iíomens do Bra.sil («iam c) ^seu eterno

cuidado e o seu eterno tormento. Es crevendo da Inglaterra pequeno.s e ma gistrais ensaios sôljie os mais estranhos

assuntos, como a questão Drevfus, Balfour, Carlyle, estavam-lho presentes sem pre os fatos e as figuras da sua pátria.

Imaginou uma vez escrever um livro .sôbre o P^ís insular das suas confessa das predileções; mas esse livro não seria como tantos outros sôbre a velha Albion, de estudo ou análise objetiva, e, sim, "nm foco de luz, uma antítese ofuscaclora .spbre a decadência do Brasil. .." Do Brasil sob o governo do seu ad\ersário, o Marecluil Florlano Peixoto, que

o condenara ao exílio. . .

Combatendo, destruindo o que jul gava errado, Rui Barbosa correspondia às determinantes do seu temperamento. Mas nenhuma inteligência equilibrada e nenhum carater honesto destroem pelo prazer mórbido de destruir. Propõem-se

naturalmente construir sôbre as ruínas das cousas destruídas. Teria sido este o grande sonlio patriótico de Rui Bar bosa: reconstruir o Brasil dc acordo com a.s suas idéias e a sua couiprcciis.ão pes;oal dos problemas nacionais. Indaga-

\'um miiita.s vèzes os mais maliciosos nu os miu.s céticos se este Brasil seria um Brasil positivo, realista, ou uma constru ção um tanto artificial do que se chamou pejorativamente de romantismo jurídia). Pe'o menos, a equipe dirigente da Re pública pôs em dúvida, toda a vida, a aptidão construtiva cie Rui Barbosa, co mo, aliás, já linha feito na monarquia um chefe político, seu caro amigo, ao

riscar-lhe á última hora o nome dentre os componentes do seu Gabinete. No fundo, é sempre mais cômodo, cm polí

tica como em tudo, tratar com os ho mens médios fáceis em adaplar-sç a to dos os acontecimentos supervindos, do que com os demasiado inteligentes, sem pre ansiosos em projetar-se e afirmar-. so. .. Depois do fracasso da República romântica dc 184S cm França, o impe

tuoso ullramontano Luiz Veuillot dizia dc Lamartine que nenhum povo sen sato substitui o coronel comandante pelo

primeiro músico do Regimento... Rui Barbosa guardou sempre a mágoa, que

não lie.sitou cm extravasar em docunienlos públicos, pela permanente quarente na política em que lhe punham o gran de nome nas oportunidades da sua can{hdatura à presidência da República.

Não foi, pois, propicia a Rui Bar bosa a vida pública, ou, ao menos, co mo ele a pretraçara e como lhe enche ria a alta e nobre ambição. Vedaram por três ou quatro vêzes o seu caminho á magistratura suprema da República. Mas, afinal, não somente das glórias .po líticas ou literárias se entretece a exis

tência, mesmo dos mais lúcidos e mais ambiciosos. Na .sua tela. a fazer-se' e a desfazer-se a tòdas as horas, como a de Penclope, há muitos outros fios. mais íntimos e mais delicados: família, am-

biente doméstico, amigos, amores, os múltiplos espetáculos da natureza, as vi brações artísticas, a tranqüilidade da consciência, a fé religiosa, a resigna ção filosófica. Rui Barbosa poderia

encontrar neles as fontes de felicidade interior, que, na vida pública, se lhe ti

nham secado.

O primeiro meio familiar de Rui Bar bosa não poderia dar-lhe do mundo

visões amáveis, O seu pai, cuja me

mória evocou com tão emocionada ter nura elevando-o a padrão das mais altas

virtudes, "emanação da honra, da vera cidade e da justiça", que teria transmi tido ao filho a "paixão do direito", "a coragem na hora do perigo" e o "mere cimento da coerência e da sinceridade", era de gênio orgulhoso, apaixonado c irritadiço, mais fácil em despertar ini migos do que amigos. Médico sem interêsse pela profissão, político sem êxito, mordido de angVfilia e de filologia portuguêsa, o Dr. João Barbosa encarnou na Bahia do meado do século XIX o tipo clássico do letrado de província sem o merecido sucesso. Daí, o que havia nele de amargura, de revolta contra as injustiças do destino, a explodir a qual quer pretexto e a agravar as verdadeiras

ou falsas hostilidades alheias. Através de tudo, a mais viva estima pelo filho, e, sobretudo, o mais vivo orgulho e o mai.s largo crédito na sua precocidade.

Se o espírito paterno, na piedade filial

de Rui Barbosa, simbolizava as mais no bres qualidades viris, o materno se irlsaria de todas as doçuras femininas. Não resisto à tentação de citar-vos um trecho do formoso canto elegíaco em que êle o evocou: "imagem da bondade e da pu reza, que vertestes em minha alma a faculdade de sofrer e perdoar, que me educastes no espetáculo divino do sacri fício coroado pelo sacrifício, carícia do

I -5 rios ccu na manha cio. ^ dl céu no horizonte eu»

do anjo de i esperança, que me sorris no sorriso u _ ^ ^ ^ sideral de ' s„pcrficic agreste'

botoa .alguma -

^ de nrmha alma a ^ meador que " e a consciêr.-

gia me crio a fecundida-

cia, cuja hênç.o dorr de sobre as urzes ^ Adelaide,

modòdo 1 ^^"^^"clhores das melhore virtudes doméstí-

cas das velhas mairui . , . , bondade, tolerância, enfrentar o fardo da vida - bem mereccu os louvores do HHiO ilustre. Muito mais próximo embora do João Barbosa, como êle mesmo reconheceu, do D Maria Adelaide a sua herança psicológica teria sido especialmente a coragem na luta e a paciente labonosidade de ter-

mita,

Ainda estudante na Faculdade de Di reito do Hecife. perdia Rui Barbosa a mãe, e mal entrado no inundo, o pai, Cèdo, assim, conheceu as agruras do insulamento afetivo; teria de abrir sozinho as portas da vida, as portas que de tao

duros gonzos haviam sido para o ve lo João Barbosa. A lembrança do ambien te doméstico, pobre e difícil.^ marcou a sua alma, já pouco inclinada as alegrias. Outros complexos, como baixa es tatura e do prognatismo inferior, prova velmente, a trabalhariam. Não poderia, pois, perdoar a falta de tato com que um ^ chefe político o percebera, muito moço ainda, na capital do Império: "O senhor é mais baixo do que seu pai. . . Nos dois primeiros anos em que cursou a

Faculdade de Direito de Pernambuco, passou quase desapercebido. Transfe rido para a Faculdade de São Paulo naquele tempo não tínhamos universida

des no Brasil — começou a projetar-se o nome do jo\-em estudante em várias ati-

\'idades literárias e, sobretudo, cívicas. Datam dessa época as suas primeiras

manifestações liberais c aboMcionistas. E também os seus primeiros pecados poé

ticos, nos quais, como aconteceria com Joaquim Nabuco, seu contemporâneo, tevo O' bom gosto de não reincidir. En

tretanto, nem no Recife, nem em São Paulo, não se citam de Rui aventiuras, amores, boêmias de ruas e de cafés, em .'■uma, qualquer fuga dc estüu\'amento ju\'enil, e isto num ambiente todo im pregnado do romantismo, de b)'Tonismo,

e onde florescia a adolescência de Castro Alves, seu colega e amigo, adolescência que os gregos chamariam de divina. . .

Recém-formado em Direito e de retômo à sua Bahia, onde espera iniciar a

triunfal carreira, grave moléstia obri gou-o a longa convalescença. A inati\ddado pesa-lhe como injusta penitên

cia. Mas, em suma, mesmo as cousas más passam mais depressa do que pen

samos. Rui Barbosa, restabelecido, ins talava-se na capital baliiana para estrear-se na advocacia e no jornalismo. A generosa amizade de poderoso amigo proporcionou-lhe uma viagem à Europa, especia'mente a Paris, sonho mais do que dourado de todos os jovens — e, creio, por mim, igualmente dos velhos

— latino-americanos. . . Curioso, entre tanto, é que não se conhece uma im pressão de Rui sobre Paris ressurreto da "guerra infeliz" e da Comuna, Paris gra ve da margem esquerda. Paris alegre

dos houlevards, onde ainda não se te riam extinguido os ecos da festa do Se gundo Império. Nem de longe o choque

emocional, que alvoroçou na mesma época a sensibilidade de Joaquim Na buco, e que o próprio Rui receberia na Ing)aten-a vitoriana e gladstoniana, isto

mercantil".. . No Brasil distante, esta riam sempre o seu pensamento e a sua

ambição. . .

Regressou à pátria para a dura luta pela existência, agravada pela morte do pai e pela responsabilidade das dividas que o mesmo lhe deixara. Nada, pois, a mitigar o panorama cinzento do mun do. Curto romance sentimental, encer rado pelo falecimento da sweet-heart, redobrou o seu pessimismo, a supersti

ção da sua má estrela. Breve, no en tanto, encontrava-se com quem seria sua fiel e dedicada companheira de meio século, D. Maria Augusta, que Uie sobre--

^^veu por vinte e cinco anos. Rui Bar bosa amava e era amado; à sua alma solitária deparava-se o mais suave dos abrigos. O grande afeto pela esposa no

homem de hábitos castos não alteraria a substância do seu temperamento; mas adoçaria os contornos e emprestaria mais consolado sentido à sua juventude retraí da e melancólica. Homem combativo e combatido, guardaria as suas reservas de afeto para o círculo da família, alar gado até 05 próximos parentes. Foi qua se unm angústia "de náufrago o seu pri meiro exílio em Buenos Aires, longe da espôsa e dos filhos. O exílio da capital argentina prolongou-se em condições muito menos hmarg.is, porque ao lado da sua gente, que, na Inglaterra, país e'eito do seu espírito. Logo que encerrado o govêrno de Floriano Peixoto, voltava Rui Barbosa à arena da política, da tri buna parlamentar, do jomahsmo, da advocacia e da diplomacia, para dela não mais sair e, como sempre, impetuoso e ardente, negado até a calúnia, um dia,

endeusado em apoteoses como nenhum outro brasileiro conheceu, no outro

dia. . .

Sempre me pareceu que a projeção

literária de Rui Barbosa sc revelou me nos profunda do que seria de esperar.

Foi o escritor brasileiro que, na .sua época, mais concorreu para a reaçao contra os desleixes da linguagem e do estilo, correntes entre os boniens cie p/uinc da Monarquia e da primeira fase da República. Muito mais, sob esse aspecto, do que Machado de As.sis, mestre per

feito da forma mas um tanto hermético pelo estranho sabor do seu humorismo e pela extrema descrição da sua "maneira"

curta e reticente num meio tão sensível quanto o nosso, tal todos os meios lati nos, à pompa e à sonoridade da frase. Especialmente depois da • sua famosa Réplica à Redação do Código Civil, se erigiu, embora sem o desejar, em infalí vel professor das boas regras de falar e

escrever.. . E' certo — e eu lembrei em outro passo — que muita.s inteligên cias jovens, embora reconhecessem a f6rça cerebral de Rui Barbosa, procuraram iibertar-se da sua órbita de influência, evitando incidir num ruisino de segunda mão. Tab ez porque o julgassem alheio aos altos pensamentos filosóficos e pouco sensível à graça irônica, da qual a cul tura francesa, na linha de Montaigne, de Renan e de Anatole Francc, em apo geu no começo do século, tinha impreg nado as no\'as gerações literárias do Brasil. .. Onde ninguém ousou dispu- ' tar-lhe a primazia, foi no campo jurídico Ou, mais precisamente, no direito pú

blico. Conhecendo como nenhum outro a lústória e a técnica do direito constitu cional norte-americano, doutrinou nesse campo com a infalibilidade de Supremo Pontífice. E mais do que isto: criou en

tre os brasileiros, mais atentos até então às lições da França e da Inglaterra, a curiosidade pelas instituiçõ,es políti cas dos Estados Unidos, modelos do precanos do Brasil, c estimulou pela simples ação catulítica o ní\'C'l de cultura espe cializada dü.s juizes e tribunais com que

teve de lidar.

Os êxitos de dinheiro dc Rui Barlx)Sít foram mais fáceis ou mais posÍti\os do que cs da política. Nenhum jurista cnt mais solicitado c mcDior pag<} no Brasil do que ele. O seu train de vivrc, desde

que SC fi.xou ;io Rio de Janeiro e que se assinalaram os seus primeiros grandes triunfos profissionais, foi sempre o do burguês de boa mediania. Sóbrio consi

go mesmo, não poupou, no entanto, ne-

niuin\ conforto á .sua família. O "eterno feminino" não parece o tenha torturado

cm qualquer tempo. Na Inglaterra, su ponho, estaria muito mais pró.xínio da gravidade "moralista" dc Gladstone do que da inquietação mundana dc Dis-

raelli. . . Ao seu temperamento austero e trabalhado por certos c-omplcxos dc culpa e penitência, não atraíam jamais os aspectos ligeiros c \oliip(uosos d" mundo. A sua sensação pernumentc do "dever e a profunda consciência da sua missão apostolar, missão tantas \'ê7.es com ele sábia — de repetir Santo Antonio e o Padre Vieira, isto c, de falar aos pei

xes — converteram-lhe a vida num labor sem descanso. Destino, segundo, imagenr sua, de cjuem planta carvalho para as gerações vindouras, em vez. de couves para o prato do amanhã. . .

Deu o carvalho a sombra com que sonhoti o seu semeador? Ei.s aí o pro blema final de Rui Barbosa. 1'risci ba pouco que a sua influência literária se fez sentir especialmente no culto pol" coiTeção da linguagem e pela liarmonia da frase. Mas para diluír-se depressa. As gerações brasileiras cVaprés gnerre, como as de todos os países, na ânsia de destruir os valores dc um passado tão

conscientemente contrariar as lições do "bem falar" c do "bem escrever" do ve lho mestre. O pânico dc perder-se na magia das palavras, que é o pecado dos grandes retóricos, lo\aria os moços de

1918 a extremos opostos. Em literatura, como em música, como nas artes plás ticas, era necessário repudiar o confor mismo do passado e abrir c<irajosamentc

caminhos novos. Mais \ivas ainda do que o repúdio ao escritor, tão marcado de latinismo o de classici.smo português, foram em certas camadas da jtiventudc

brasileira as restrições uu doutrinário político, imagem dc um século perempto, dc um pas.sado para sempre morto...

Morrera com Rui Barbosa a \'clha men sagem do liberalismo e do romantismo jurídico. . . Mais do que dos antigos postulados da democracia formal, pre cisava o Brasil imenso, c ainda tão longe cconòmicamente da sua mise en valeiir, dc guias atentos às realidades concretas.

O novo fenômeno social era o "econô mico", e não o "iX)lítico", a "estrutura", e não a "supercstrutura".

Rui Barbosa não chegou a conliecer o desenvolvimento trágico que a reação

anti-intelectual, anti-liberal, anti-deiuocrática, tomaria em alguns países do oci

dente europeu. A ascensão do fascismo italiano em 1923, no ano de sua morte, não fazia ainda prever o monstruoso êxito do nazismo alemão. Evitou-llie, a.ssiin, o destino a angústia suprema da segunda guerra mundial. Redimiu-sc a

humanidade civilizada pelos inenarrá veis .sacrifícios do "suor sangue e lágri

mas", das ameaças da escraxádão dos totalitarismos da direita, para afligir-se

hoje sob outras não menos bárbaras. O.s brasileiros vellios ou no\os que, um

instante, duvidaram do alcance de sua pregação doutrinária, puderam medir melancòlicaincnlc a falta imensa que lhes

fazJa o velho e apaixonado defensor de

t(klas as liberdades...

Nos últimos quartéis da \ ida, o pensa

mento de Rui Barbosa começava a alar gar-se do exclusivo conceito da democra cia individualista para sentir as transfor mações sociais, que fermentavam por tòda parle. Êle era muito inteligente e

muito sensível para continuar cristaliza do no seu antigo mancheterismo político e econômico. Não repetiria mais o que

escrevera uma x ez numa das suas Cartas, da Inglaterra, que a p0bre7.ii ou a mi séria das massas eram "males necessá rios, derivativos incuráveis da enfermi dade humana, da nossa eterna insuficiên cia ou, de acordo com a fórmula religio sa, do nosso pecado original", pormie se derivam essencialmente dos erros da orgamzaçao social, baseada sobre o egoís mo e a ganancia do grande parto dos grupos dominantes, corrigíveis todana dentro do primado das libordàdes pela transformação ■nossos e,stados paulatina c -nu-ic ^1 de conscièneta coTetiva'

Chego ao lenno desta palestra, en, que tanto abuse, da vossa generosa pacenca. sen, tentar sequer ligeira per- quinçao sobre a obra de U„i Ba,li,a ' Permito-me. no entanto reneti,- '

tal tarefa desafia a ma s 1 ^ dade de síntese. Imaginai' sua publicação oficial nd,,' ^ silciro abrangerá mais de de formato médio, ob.-, ^'"'umes e de jurista, ak-ançando ramos do direito público ' 1 " Obra de jornalista, na nuJ ,

as ruidosas campanluis escravatura negra Obra de homem do ç 1 1' govirno dc oposii-ão e de

na sua reforma financeira, nas extraordi nárias orações das suas campanhas pre sidenciais e no manancial ininterrupto dos seus discursos no Congresso Legis lativo. Obra de ensaísta ou dc crítico, abrangendo magistral parecer sôijre o ensino público, sucinta análise do gênio

de Swift, e as Cartas da Inglaterra, afora trabalhos avulsos, Obra de di plomata, cumulada na repercussão

mundial da sua . atuação na Segunda Conferência da Paz, reunida em 1908 cm Haia, defendendo a doutrina da igualdade entre os Estados, e na Con

ferência de Buenos Aires, em 1918, quando intrèpidamenfe condenava o \-elho conceito das neutralidades passi\as e acomodatícias, que se julgavam equidistantes entre o agressor e o agre

dido, o criminoso e a vítima. Obra dó filólogo e de estilista, que deixou na "Réplica à Redação do Código Ci

vil" o mais rico e formoso monumen to ja elevado ao idioma português.

Desejei simplesmente — volto ao que, de começo, vos disse — focalizar a figura de Rui Barbosa como ela me impressionou desde a minha juventude.

De certo, incompleta tentativa de um retrato p.sicológico. Não seria sincero comigo e nem, sobretudo, convosco, se pretende.sse colocá-la num nicho^ sa

crossanto, como intangível divindade. O que mais importa nos grandes no

mes — insisto sempre — é a sua "es sência humana", o jogo entre as suas virtudes e as sua.s falhas, entre as suas zonas de luz e de sombra. É quando descem entre os mortais e se confun

dem com as suas paixõe.s, como na epo péia homérica, que os deuses e heróis gregos se tornam literàriamente mais

interessantes. O divino Ulisses morria de tédio entre as perfeiçõcs da illia de

No plano da íntcligcncia abstrata, ninguém procuraria em Rui Barbosa o

criador de sistemas filosóficos; no selor da.s letras, em que ele fazia questão

de não ser o seu, ninguém, no en tanto, .se elevou no Brasil, pela opulência e beleza de expressão, a maior altura; no campo da política, não lhe permitiram dar da sua cupacidado

construtiva toda medida. Não chogon sequer a conhecer as glórias do con

sulado de Cícero, a cujo gênio tanto SC assemelhou o seu... Foi, sob vá rios aspectos, um de.senraíziido no am biente político da .sua pátria, como aconteceu na sua época a tantas per

sonalidades eminentes dos nossos paí ses novos, ti-an.spluntuclos do solo in telectual da Europa. Encontraria tal

vez o seu climax ideal na Inglaterra vitoriana, provavelmente muito mais mhig

do que tory. . .

Na monarquia parlamentar c de par

tidos rotativos do Brasil, a carreira po lítica possivelmente ser-llie-ia mais pro pícia do que foi na Rci^ública. que êle tanto ajudou a fundar e a construir.

Barraram-lhe no Império, uma vez, uma pasta ministerial; recusou-a êle próprio outra vez, por intransigência doutrinária.

Mas, pela sua ação no Parlamento, nou-

tras oportunidades, conquistaria, mais que uma simples pasta de ministro, a própria presidência do Conselho. Na República presidencialista mais difíceis

seriam sempre — o que êle não quis ou não pôde compreender — as sua.s oportu nidades cie galgar o suprcnío pôsto do governo. Não eram as qualidades de

Rui Barbosa as que as elites dirigentes das democracias contemporâneas mais prezam ou nas quais melhor confíao^Não inqwrtam, todavia, os possíveis si nais negativos, na relatmdade do espa ço e do tempo, dos homens da raça dc

n-lra um Íulganíem"o"rin^°^^^-'" igualdade entre riíos do esm^st" d ap:nxo„..clo clefenxo, da'"ibert^ t Sulo""'"" os iiidiWduos e as naBarbosa o

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