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Onde mora e do que é feita a arte?
Estamos cercados de arte por todos os lados. Ela está presente no nosso cotidiano, nas roupas e objetos que usamos, nas casas e edifícios, na publicidade e nas embalagens dos produtos que consumimos, que são, em grande parte, elaborados por estilistas, arquitetos ou designers, ou seja, passaram por um planejamento visual que um dia foi inovador ou serviu como modelo para outras criações.
No entanto, há muitos objetos artísticos que não têm uma utilidade prática imediata, mas que provocam diversos sentimentos e reflexões. Nas artes plásticas, eles podem ser feitos com diversas técnicas como pintura, escultura, gravura, desenho, entre outras.Vemos comumente esses objetos em museus, galerias ou praças públicas e justamente por estarem em espaços próprios para eles e não no nosso cotidiano acabam nos chamando a atenção e nos provocando a observá-los e analisá-los.
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No começo do século XX, alguns artistas passaram a observar de maneira diferente os objetos do cotidiano e, em vez de representá-los em seus quadros ou esculturas, resolveram apresentá-los como são, dando a eles um novo ponto de vista, um novo uso — ou desuso — e um novo significado.
Um dos primeiros e mais importantes artistas a utilizar um objeto comum como obra de arte foi Marcel Duchamp (18871968). Seu trabalho mais conhecido chama-se Fonte (1917) — um urinol apresentado de maneira invertida e com uma assinatura, que foi retirado de seu contexto e sua função original e inserido no circuito de arte. Duchamp criou assim uma nova técnica, que chamou de ready-made , e dizia que não importava se o artista havia feito ou não o objeto com suas próprias mãos, o que importava era o fato de tê-lo escolhido e a ideia que quis passar. Após os ready-mades de Duchamp, muitos outros artistas passaram a utilizar produtos do cotidiano em seu trabalho, tornando-se uma prática comum na arte contemporânea. Há obras de arte feitas de balde, vassoura, roupa, martelo, lixo e até de animais empalhados, contando com imensa criatividade e inúmeras opções.
Ao trazer o cotidiano para o museu e provocar novas experiências com os objetos do dia a dia, os artistas nos ensinam a olhar com olhos atentos e questionadores tudo que vemos. Afinal, como disse o artista Hélio Oiticica (1937-1980), “museu é o mundo”.
Você sabe a diferença entre representar e apresentar?
Você já observou com atenção os objetos ao seu redor? Reparou nas semelhanças e diferenças formais entre, por exemplo, as cadeiras da sua casa e as da escola?
Quando estamos diante de um objeto comum transformado em obra de arte, qual é a relação que temos com esse objeto? O que o difere dos outros que não estão no museu?
Que objeto você escolheria para fazer uma obra de arte e por quê?
Escolha um objeto e faça um desenho dele. Depois crie uma obra, de modo que o objeto escolhido esteja presente fisicamente nela.
Anamorfismo Sistemático, 2012

Compensado laminado e mão francesa
Dimensões variáveis
Coleção do artista
André Komatsu
São Paulo/SP, 1978
Vive e trabalha em São Paulo
Existe (...) no meu trabalho (...) a necessidade básica de construir um elemento no espaço, torná-lo um lugar, mesmo que não habitável, e assim desconstruir para possibilitar uma outra compreensão do espaço e do sistema.
André Komatsu
A obra de André Komatsu possui uma relação muito forte com o espaço e com a arquitetura. O artista utiliza, como matéria-prima do seu trabalho, materiais geralmente encontrados em canteiros de obras — tijolos, cimento, cal, tábuas de madeira, blocos de concreto e arame farpado — para construir elementos no espaço que não possuem utilidade prática.
Em Anamorfismo Sistemático, diversas prateleiras curvadas são presas à parede criando um desenho no espaço. Em geral, prateleiras semelhantes às usadas pelo artista servem para organizar e ordenar. No entanto, para alcançar essa funcionalidade, elas devem ser retas e seguir o interior da arquitetura, ou seja, os cômodos como salas e quartos determinam os espaços que poderão ser ocupados por elas. Quando o artista provoca a curva e a distorção da prateleira, ele tira sua funcionalidade e a transforma em uma espécie de escultura, que pode ser disposta livremente pelo espaço, criando uma nova relação com a arquitetura.
Você já observou com atenção o espaço em que está agora? E o local onde mora, a escola em que estuda, as edificações, ruas e praças existentes por onde você passa? Quais são as diferenças e semelhanças entre esses lugares?
Na casa onde mora, existe alguma diferença espacial entre seu quarto e o dos seus pais ou responsáveis? Por que essas diferenças existem?
Educação para Adultos, 2010 Políptico composto por 60 peças Papel fotográfico plastificado 34 cm x 46 cm cada
Coleção Pedro Barbosa
Jonathas de Andrade
Maceió/AL, 1982
Vive e trabalha no Recife/PE
A arte me permite experiências que seriam impossíveis enquanto somente pesquisador ou cientista social.
Jonathas de Andrade
Jonathas de Andrade lida com questões políticas e sociais por meio da arte. Em muitos dos seus trabalhos, retoma utopias e tempos históricos para questionar o presente.
Em Educação para Adultos, o artista elaborou um projeto que teve como ponto de partida 21 cartazes para alfabetização de adultos que eram vendidos nas bancas em 1971. A mãe de Jonathas foi professora durante muitos anos e adquiriu esse material para utilizar em suas aulas. Quando ela se aposentou em 2006, o artista se interessou pelo conjunto e guardou-o consigo. Resolveu então pesquisar sobre os cartazes e descobriu que o método de ensino proposto para trabalhar com eles — uma imagem associada a uma palavra que partem do universo do aluno — era similar à metodologia criada por Paulo Freire (1921-1997), um dos mais reconhecidos e revolucionários educadores brasileiros. Como o método de ensino era bastante aberto, e não precisava ser pedagogo para aplicá-lo, o artista resolveu usá-los em conversas com analfabetos de hoje. Foi a uma associação de lavadeiras e costureiras, e descobriu um grupo de seis mulheres que não sabiam ler e escrever, com quem se encontrou todos os dias durante um mês. Nestas conversas diárias, novos temas relativos ao cotidiano do grupo surgiam e novas imagens e associações eram feitas. Ao final, o artista possuía um conjunto de 60 peças, com imagens de autoria própria ou de arquivo, mescladas aos originais de 1971.
A associação entre as palavras e as imagens presentes nos cartazes provocam reflexões e questionamentos. Um exemplo interessante é o da foto de vários homens carregando uma caixa. Nas conversas com o grupo de mulheres, ela foi associada à palavra união, no entanto, uma delas preferiu a palavra saque, gerando dois cartões gráficos que dão sentidos diferentes à mesma figura.
Embora tenha criado novas imagens, o artista manteve o mesmo padrão formal dos modelos originais. Desta maneira, ele mescla o ontem e o hoje, condensando os tempos históricos, como se presente e passado fossem apenas um momento.
Você tem em sua casa algum livro, desenho ou objeto antigo que não usa mais? Algo que esteja guardado há muito tempo? Que tal olhar novamente para ele?
Além das lembranças que ele lhe traz, o que mais ele diz? Consegue fazer novas interpretações desse objeto? Se você fosse fazer uma obra de arte com ele, como seria?
Elabore uma lista com 20 palavras relacionadas ao seu dia a dia. Agora crie imagens que, para você, sejam exemplos delas ou procure-as na internet, em revistas ou jornais.Você pode também fazer o caminho inverso, partindo primeiro das figuras. Tente pensar nas palavras não apenas como legenda das imagens, mas como elemento provocador de novas leituras.
Jardim de Esculturas, 2011
Mármore triturado e pigmentado, lona e canudos de plástico
5,75 m x 2,82 m


Coleção da artista
Cortesia: Galeria Luisa Strina, São Paulo/SP
Laura Belém
Belo Horizonte/MG, 1974
Vive e trabalha em Belo Horizonte/MG
No tocante à arte, e mais especificamente com relação à poética das minhas instalações, a intenção é inspirar-me na vida e ao mesmo tempo reinventá-la.
Laura Belém
Com suas obras, Laura Belém apresenta outro modo de ver o familiar.A artista cria instalações carregadas de lirismo, delicadeza e sutileza com materiais simples e cotidianos.
Jardim de Esculturas é uma obra que impressiona e surpreende, justamente pelo uso e inversão do uso dos materiais. À primeira vista, vemos um campo raso de areia negra e, sobre ele, pequenas esculturas brancas de formas abstratas geométricas. Tais esculturas possuem formas semelhantes às obras do período da arte concreta brasileira. O campo raso de areia, por sua vez, nos faz lembrar os jardins de pedras japoneses, ou jardim zen, espaços usados para contemplação e meditação. Mas ao nos aproximarmos da instalação e a contemplarmos como a um desses jardins, percebemos que as esculturas são feitas de canudinho e que a areia é feita de mármore triturado.
Dessa maneira, a artista inverte o uso tradicional dos materiais na arte. O mármore — material nobre, de grande durabilidade — foi usado por séculos na confecção de esculturas para que permanecessem eternas, no entanto, é apresentado nesta obra em segundo plano, como um suporte volátil que pode ser dissolvido por um sopro. A escultura, que tradicionalmente seria de mármore e teria peso, massa, volume e durabilidade, é feita com um material banal, leve, frágil, efêmero e descartável.
Com essa inversão, Laura Belém questiona o sistema da arte tradicional, ou seja, nos faz refletir sobre tudo que envolve a produção, exibição, venda e consumo da obra de arte. Afinal, ela apresenta um trabalho efêmero que provavelmente irá para o lixo quando terminar a exposição.
Você conhece alguma escultura feita de mármore? Sabe quanto tempo ela pode durar?
Você acha que a obra Jardim de Esculturas pode ser vendida?
Faça uma pesquisa e procure uma escultura chamada Vênus de Milo.
O sistema da arte é composto por diversos agentes: galeristas, marchands, críticos, curadores, colecionadores, museólogos, restauradores, além dos próprios artistas. Procure saber o que cada um deles faz.

Marcone Moreira
Pio XII/MA, 1982
Vive e trabalha em Marabá/PA
Como artista, minha questão é reelaborar o meu mundo a partir de como o percebo, e isso é o que me dedico a fazer a partir do lugar onde vivo até o momento.
Marcone Moreira
O artista Marcone Moreira considera muito importante para sua produção a influência e referência do local onde vive: Marabá. A cidade paraense é um entroncamento de grande movimentação mercantil. Passam por ela os rios Tocantins e Itacaiúnas, a rodovia Transamazônica e a ferrovia Carajás, fazendo da cidade um local de grande circulação de pessoas, veículos de transporte — barcos e caminhões — e mercadorias.
Marcone pesquisa alguns locais da cidade como a orla ou os estaleiros e seus respectivos personagens: vendedores ambulantes, ribeirinhos, entre outros. Além de coletar histórias e conhecer um pouco mais sobre a vida e a cultura dessas pessoas, recolhe também objetos e materiais utilizados por eles no dia a dia que, na maioria das vezes, já estão desgastados. E é selecionando, repartindo, agrupando e resignificando esses itens que o artista produz suas obras.
Parede da Memória é uma instalação composta por 99 engradados de cerveja, cuja sobreposição se assemelha a um muro. Essa parede criada pelo artista não fecha ou divide um espaço, não apresentando a mesma função que um muro qualquer, mas assumindo função semelhante a outros muros de memórias e lembranças, locais que carregam resquícios de um passado tão importante que se transformaram em espaços de devoção e peregrinação, e em monumentos. Um exemplo é o Muro das Lamentações , um local sagrado para o judaísmo por ser o único vestígio do muro exterior que envolvia o Templo de Jerusalém.
Apresentando vestígios do uso do material do qual a obra é feita, a Parede da Memória também pode ser vista como um monumento. Os engradados usados pelo artista estão gastos e apresentam marcas do percurso que fizeram, por onde passaram e por quem foram manuseados.
Você já viu em outro lugar engradados iguais aos usados pelo artista? Onde, para que e por quem são usados?
Você consegue imaginar se há algo dentro dos engradados? Ao se aproximar da obra, consegue sentir algum cheiro?
Se essa obra pode ser vista como um monumento, a quem seria dedicado?

A instalação Banzeiro é composta por um conjunto de cavernas, peças curvas de madeira usadas no esqueleto dos navios e barcos, serradas de maneira a dar estabilidade e deslizamento das embarcações na água. Todos os itens da obra de Marcone foram confeccionados em Marabá, em um dos estaleiros às margens do rio Tocantins, valorizando assim o fazer e saber dos mestres da carpintaria naval.
Banzeiro significa a sucessão de ondas provocadas por uma embarcação em movimento ou pela agitação natural das águas, situação comum nos rios amazônicos. Tendo isso em vista, o desenho criado pelas peças no espaço, com o artifício da nossa imaginação, parece simular o movimento das ondas.
O artista compõe suas obras organizando elementos geométricos apropriados, de forma que o resultado possa lembrar as tradicionais pintura e escultura. Assim, o trabalho de Marcone Moreira faz referência à arte concreta e neoconcreta brasileira, um período da nossa história em que os artistas trabalhavam com esse vocabulário abstrato geométrico.
Você conhece a história da sua cidade ou do seu bairro?
O que caracteriza esses locais hoje em dia?
Realize uma pesquisa e colete materiais que sejam exemplos dessa história ou da característica da sua região. Agora tente agrupá-los, atribuindo a eles novos significados.
Elabore uma pintura abstrata geométrica tendo como referência as instalações de Marcone Moreira.

Paulo Nenflidio
São Bernardo do Campo/SP, 1976
Vive e trabalha em São Bernardo do Campo/SP
Sempre fiz questão de fazer as obras que me vêm à cabeça, sempre usei meu conhecimento de eletrônica, de acústica e de outros meios relacionados, junto com o processo de construção em madeira, plástico e metal. É na construção das obras que elaboro o conceito da próxima.
Paulo Nenflidio
Paulo Nenflidio tem duas formações que, a princípio, parecem não se relacionar — técnico em eletrônica e bacharel em artes plásticas. Entretanto, ele juntou o conhecimento e a vivência adquirida nas duas formações para produzir sua arte. Na arte contemporânea é comum os artistas trabalharem com conceitos e procedimentos de outras áreas como física, química, biologia, etc.
As obras de Paulo Nenflidio são esculturas, instalações, objetos e instrumentos feitos pelo próprio artista com materiais diversificados, como madeira, metal, circuitos e aparelhos eletrônicos, motores, sucatas, cordas, tubos de PVC, células solares, entre outros. O que todas as suas criações têm em comum é a produção de som.
O artista entende o som como matéria espacial que preenche o espaço expositivo, ou seja, o som é mais um item que faz parte da obra e ecoa de tal maneira que possibilita ao espectador mergulhar neste elemento invisível.
Em grande parte de suas obras, a produção do som depende da interação do público. Botões podem ser apertados, mecanismos acionados, permitindo que essas “caixas de música” funcionem e que o som ganhe forma. Se o dispositivo for acionado de maneira diferente por cada pessoa, o resultado sonoro também será diverso. Para o artista, é mais importante a fisicalidade do som e a incorporação deste acaso do que a qualidade musical.
A natureza também é um elemento importante no trabalho de Paulo. Ela pode ser o elemento acionador da obra, que dá energia ou interage, podendo também servir de forma para as esculturas. É o caso da obra Y.E.S. — Yellow Electronic System , que se assemelha a um peixe que vive na zona abissal — a região mais profunda dos oceanos — e que possui a capacidade de apresentar luz no próprio corpo. Notamos nela os principais elementos desse tipo de peixe: os dentes grandes e afiados, o corpo pequeno e a antena luminosa, que atrai a presa. Como presas, somos atraídos para a luz e para o pedal posicionado abaixo dela. E é com essa atração e interação que o artista converte a energia humana em música.
Você já foi a alguma exposição em que havia som no museu? Já interagiu com alguma obra de arte?
Para você, o som possui forma? Do que é feito o som?
Quais objetos do cotidiano você poderia utilizar para produzir som?
Como você poderia utilizar seu conhecimento e suas experiências para produzir arte?
Que materiais e instrumentos você usaria para trabalhar com artes visuais?