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O triunfo e a tragédia de Abba Eban – Rick Richman
O TRIUNFO E A TRAGÉDIA DE ABBA EBAN
Rick Richman
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Publicado em 20 de maio de 2021 na revista Mosaic (mosaicmagazine.com) e adaptado para a Devarim sob gentil permissão da Mosaic.
Em 21 de maio de 1948, uma semana após a sua Declaração de Independência, enquanto lutava contra uma invasão de cinco exércitos árabes, Israel designou um especialista em literatura hebraica, árabe e persa de 33 anos chamado Aubrey (Abba) Eban como seu representante na ONU. Ele era o mais jovem representante na ONU.
Cinco dias depois Eban compareceu perante o Conselho de Segurança para responder à rejeição árabe da resolução de cessar-fogo da ONU. Proferiu palavras históricas: “A soberania recuperada por um povo antigo, após sua longa marcha pela noite escura do exílio não será subjugada à mão armada”.
E, portanto: “É meu dever tornar clara a nossa atitude, sem ambiguidade ou dúvida. Se os Estados árabes querem a paz com Israel, eles a terão. Se eles querem a guerra, também a terão. Mas, quer queiram a paz ou a guerra, só podem tê-la com o Estado de Israel”.
No outono de 1948, o Jewish Chronicle de Londres afirmou que Eban havia impressionado “igualmente a amigos e inimigos com sua calma e hábil condução do caso de Israel”, e a revista Commentary, que ele “ganhou respeito em todos os quadrantes por sua habilidade intelectual e pela clareza nas formulações”.
O Conselho de Segurança havia endossado o pedido de admissão de Israel por maioria de nove a um (abstenção da Grã-Bretanha). Contudo, antes do
voto de confirmação da Assembleia Geral, os sete membros árabes da ONU haviam conseguido que a questão fosse delegada a um comitê ad hoc, onde eles continuaram a lutar diplomaticamente contra o que haviam perdido militarmente. Em sua autobiografia, Eban descreveu o fardo que caiu sobre seus ombros:
Agora eu dirigia pessoalmente uma operação política sem precedentes na história internacional. Nenhum outro Estado jamais havia sido chamado a garantir sua participação na comunidade internacional por meio de um processo de interrogatório, defesa de direitos e refutações.
Diante do Comitê, Eban expressou sua raiva pelo espetáculo dos árabes julgando o Estado que eles tentaram destruir:
Nos assemelhamos àquele que, tendo sido atacado numa rua escura por sete homens com pesados porretes, se vê arrastado ao tribunal para enfrentar os discursos solenes de seus agressores afetando ar de pacífica virtude. Aqui estão os representantes dos únicos estados que usaram deliberadamente a força contra uma resolução da Assembleia Geral [a resolução da partilha de 1947] ... posando como juízes isentos de sua própria vítima.
É uma manobra cínica. Em nome daqueles que foram mortos, mutilados, exilados ou enlutados por esse cinismo, expresso nosso mais contundente ressentimento.
Eban colocou o fardo da guerra sobre os ombros das nações árabes que decidiram travá-la: eles eram “responsáveis por cada morte, pelo luto, pelo pânico e exílio que resultaram desse conflito fútil e desnecessário”.
Na conclusão de sua apresentação declarou que a candidatura de Israel à ONU era um momento histórico, tendo em vista a contribuição do antigo Israel para com os valores fundamentais da civilização:
Um grande ciclo histórico se completa quando Israel, renovado e reestabelecido, se oferece, com todas as suas imperfeições, mas talvez com algumas virtudes, à defesa do espírito humano contra o niilismo, o conflito e o desespero.
O discurso eletrizou a opinião pública israelense. Uma semana depois, Israel tornou-se o 59º membro da ONU. Na década seguinte, Eban serviu simultaneamente como embaixador do novo país na ONU e seu embaixador em Washington (1950-1959). Em seguida, foi mi-
“Nenhum outro Estado nistro da Educação por três anos (1960jamais havia sido 1963), vice-primeiro-ministro por três chamado a garantir anos (1963-1966) e, finalmente, ministro das Relações Exteriores por quase uma sua participação na década (1966-1974). comunidade internacional Os discursos de Eban na ONU – despor meio de um processo de o de 1949 sobre a admissão de Israel de interrogatório, defesa de direitos e refutações”. na ONU até o de 1973 após a Guerra do Yom Kipur – tiveram a eloquência insuperada por qualquer diplomata durante esse período. O historiador irlandês Conor Cruise O’Brien qualificou Eban como “o diplomata mais brilhante da segunda metade do século 20”. E Alfred Friendly escreveu no Washington Post que ninguém na história de Israel “projetou ao mundo sua essência e sua angústia, sua visão e seu espírito, em termos mais nobres e exaltados”. Mas, logo após seu discurso sobre a Guerra do Yom Kipur, Eban perdeu a posição ministerial e nunca mais ocupou um cargo influente. Humilhado, ele se aposentou da vida política, mudou-se para Nova York e se dedicou a ensinar, escrever e discursar. Sua ascensão meteórica e queda dramática pressagiaram uma tragédia que se estendeu além de sua carreira política pessoal, e guarda uma lição para hoje. Em 10 de maio de 1951, junto com David Ben-Gurion, Eban discursou num comício no Madison Square Garden. O evento atraiu um público de 20.000 pessoas, com milhares do lado de fora. Em um único parágrafo, ele resumiu o que havia acontecido nos três anos anteriores: Aqui está um povo que defendeu sua vida e seu lar contra a fúria de um inimigo poderoso; estabeleceu um oásis de democracia, liberdade e progresso em um deserto de despotismo e miséria; ... abrigou 600.000 membros de sua família vindos das profundezas da insegurança; ... começou a explorar os recursos ocultos em seu solo que permaneciam negligenciados por longos séculos; fez a água jorrar no deserto; ampliou as bases de seu progresso industrial; embarcou numa das maiores aventuras culturais da história, criando a partir de pessoas dispersas e afastadas uma sociedade unificada na língua e no espírito do passado de Israel; estabeleceu sua bandeira na família das nações e deu expressão ao anseio imemorial de Israel pela paz mundial. A extraordinária eloquência e inteligência de Eban ficavam evidentes não apenas em suas apresentações preparadas, mas também em aparições não ensaiadas. Em 12 de
Harry Truman, presidente dos EUA, Abba Eban, embaixador de Israel nos EUA, e David Ben-Gurion, primeiro-ministro de Israel, 1951.
abril de 1958, Mike Wallace o entrevistou por quase meia hora no horário nobre da televisão. Ele apresentou Eban como “um erudito, um linguista, ... e um estadista veterano aos 43 anos de idade” e então prosseguiu, no estilo de promotor que mais tarde aperfeiçoou no programa 60 Minutes, sugerindo que a paz exigia a resolução das questões subjacentes com os árabes:
Wallace: “Estima-se que 700.000 árabes palestinos ficaram desabrigados durante a guerra árabe-israelense de 1948. Israel se recusa a admiti-los novamente. Eles vivem em amargura, e o historiador Arnold Toynbee disse o seguinte: ‘As más ações cometidas pelos judeus contra os árabes são comparáveis aos crimes cometidos contra os judeus pelos nazistas’. Como você se sente a este respeito?”
Eban: “Isto é uma monstruosa blasfêmia. Ele compara o massacre de milhões de nossos homens, mulheres e crianças com a situação dos refugiados árabes [que estão] vivos, em seu solo familiar – sofrendo certa angústia, mas claramente possuindo o dom supremo da vida. ... O problema dos refugiados, Sr. Wallace, não é a causa da tensão. O problema dos refugiados é resultado de uma política árabe ... que criou o problema pela invasão de Israel e que o perpetua recusando-se a a resolver algo que eles têm plena capacidade de resolver”.
O próximo grande momento de Eban veio com a Guerra dos Seis Dias de 1967. No segundo dia de combates, ele fez um discurso na ONU que foi considerado um dos grandes discursos diplomáticos de todos os tempos. Eban deixou Jerusalém no dia em que a guerra começou – 5 de junho de 1967 – e falou ao Conselho de Segurança da ONU em Nova York no dia seguinte.
Eban começou evocando “o ponto em que Israel estava” no dia anterior, quando um enorme exército se reuniu na fronteira sul. Ele disse à ONU:
Nasser deslocou provocativamente cinco divisões de infantaria e duas divisões blindadas até as nossas portas. . . . A rota
internacional através do Estreito de Tiran foi repentina e arbitrariamente bloqueada. Israel estava e está respirando apenas com um único pulmão.
Toda casa e rua em Jerusalém ... está ao alcance de tiros. ... O mesmo acontece com a dramaticamente estreita faixa litorânea na qual se concentra grande parte da população de Israel. Tropas iraquianas reforçam unidades jordanianas em áreas voltadas para os vitais centros de comunicação de Israel. Forças expedicionárias da Argélia e do Kuwait estão em território egípcio. ... A artilharia síria espreita as aldeias israelenses no vale do Jordão. ... Em suma, há perigo onde quer que se olhe.
Eban descreveu o “ar apocalíptico” em Israel quando constatou o cerco, sem nenhuma resposta da comunidade internacional, e ouviu o discurso de Nasser em 26 de maio: “Pretendemos iniciar um ataque geral contra Israel. Nosso objetivo é o de destruir Israel”. Citando o direito inerente de autodefesa de Israel, Eban disse que “nunca na história das nações uma força armada foi usada numa causa mais justa” do que na ação israelense de resposta.
Eban acrescentou que seria desonesto da parte dele “esconder o fato de que governo e povo de Israel ficaram desconcertados com o papel das Nações Unidas. Para que serve a ONU se na verdade ela é um guarda-chuva que é retirado assim que começa a chover?”
Eban também argumentou que a Jordânia não tinha legitimidade para exigir a retirada de Israel às fronteiras pré-guerra, porque ela “tem total responsabilidade por uma guerra não provocada”. Mas havia uma razão ainda mais convincente para rejeitar a retirada porque seria “reviver a mesma situação a partir da qual surgiu o conflito”:
As mesmas fronteiras e, portanto, a mesma insegurança, o mesmo bloqueio das vias marítimas, a mesma doutrina beligerante, o mesmo confronto de exércitos unidos, os mesmos canhões nas colinas sírias, e, sobretudo, a mesma ausência de tratados de paz. Tais propostas são prescrições para a renovação do conflito.
Quanto ao que deveria acontecer depois da guerra, Eban observou que “nossos vizinhos gostariam de voltar o

Abba Eban, segundo à esquerda, e a delegação de Israel na ONU, década de 1950.
relógio para 1947”. Mas o relógio da paz no Oriente Médio, disse ele, deve se mover “não para trás, para a beligerância, e, sim, adiante, para a paz”.
O Jewish Chronicle publicou uma homenagem à atuação de Eban na ONU, dizendo que seu esforço diplomático foi tão importante quanto o militar de Israel.
Em 1973, a Guerra do Yom Kipur começou com um ataque maciço e não provocado pelo Egito e pela Síria no sábado, 6 de outubro de 1973 – que era tanto Shabat quanto Yom Kipur.
Na ONU, Eban acusou a imoralidade do Egito e da Síria, sua posição legal e sua falsidade com relação à nova guerra:
O ataque premeditado e não provocado ... no Dia da Expiação ... certamente será classificado ... como um dos atos mais vis e odiosos pelos quais governos foram responsabilizados. [O cessar-fogo de 1967] é um acordo internacional ... aceito pelo Egito, Síria e Israel, em resposta a uma decisão do Conselho de Segurança.
Eban explicou que está “profundamente gravado em nossas mentes o tipo de adversário que enfrentamos”, que ataca um inimigo no dia mais sagrado do ano. E, exatamente por esse motivo, continuou ele, “nenhuma preocupação com a segurança é exagerada”. Ele tirou daquela guerra uma lição que ainda é instrutiva:
Imagine que, num clima de estupidez suicida, tivéssemos voltado às linhas anteriores do armistício [de 1967]; ... então os ataques de 6 de outubro teriam causado tamanha destruição que talvez Israel e todo o seu povo, esperanças e visões teriam se perdido.... Como estávamos certos em insistir em negociar com a máxima precisão os limites de um acordo de paz! Quão errados estavam aqueles que nos aconselharam de outra forma!
O discurso de Eban articulou os princípios que guiariam Israel pelo próximo meio século: (1) não poderia haver recuo para as fronteiras de antes de 1967, que ele apelidou de “fronteiras de Auschwitz”; (2) declarações de hostilidade árabe seriam tomadas pelo seu valor de face, e (3) a paz só seria alcançada em negociações diretas entre as partes.
Em abril de 1974 Golda Meir anunciou sua renúncia como primeira-ministra. Eban acreditava que ele seria o mais adequado para sucedê-la. Ele tinha uma extraordi-
O historiador irlandês nária reputação internacional; tinha mais
Conor Cruise O’Brien experiência diplomática do que qualquer qualificou Eban como “o israelense; era brilhante e talentoso, fluente em árabe (assim como em várias outras diplomata mais brilhante línguas), e tinha apenas 59 anos de idade. da segunda metade Mas as próprias qualidades que o ledo século 20”. E Alfred varam ao sucesso na arena diplomática ‒
Friendly escreveu no Washington Post que sua formação britânica, seus discursos elegantes, seus longos períodos nos Estados Unidos ‒ eram desvantagens políticas em ninguém na história Israel. Para muitos israelenses ele era quade Israel “projetou ao se um estrangeiro, fluente num hebraico mundo sua essência e perfeito mas não coloquial; seus colegas sua angústia, sua visão e trabalhistas o denegriram como pretensioso. Como sucessor de Meir o partido seu espírito, em termos escolheu quase exatamente o seu oposto: mais nobres e exaltados”. um sabra nascido em Jerusalém que projetava uma força silenciosa, um herói militar da guerra de 1967: Itzhak Rabin. Rabin formou um gabinete com 19 ministros e excluiu Eban. Foi uma demissão humilhante: ele soube dela através de uma notícia no rádio. Em seu discurso de despedida no Ministério das Relações Exteriores, Eban disse que “importa muito não apenas quais são as políticas de Israel, mas também como elas são expressas”. Políticas apresentadas sem “acuidade moral e elevação intelectual” não teriam sucesso. Nos anos que se seguiram ele ocupou vários cargos de professor visitante, escreveu livros e artigos e trabalhou numa série de televisão pública, Heritage: Civilization and the Jews. Escreveu artigos de opinião nos quais criticava o curso de Israel na guerra do Líbano e insistiu para que Israel adotasse uma postura conciliatória com os palestinos. Em 2000, aos 84 anos, Eban sofria tanto de Mal de Parkinson quanto de afasia grave, uma condição horrível que o impedia de se comunicar. Ele recebeu o Prêmio Israel, a maior honraria do Estado, em 2001, 27 anos depois de deixar o Ministério das Relações Exteriores. Mas estava doente demais para comparecer à cerimônia e sua esposa, Suzy, recebeu o prêmio em seu nome. Eban foi, nas palavras de seu biógrafo, Assaf Siniver, “um dos maiores comunicadores de seu século”. Em 1979, Kissinger escreveu em suas memórias que: Nunca encontrei ninguém que se comparasse ao seu domínio da língua inglesa. Frases expressas em construções har-

Abba Eban (sentado na primeira fileira, de camisa branca) em Eilat, 1950.
moniosas, complicadas o suficiente para testar a inteligência do ouvinte e ao mesmo tempo deixá-lo paralisado pelo virtuosismo do orador.
Depois de perder a reeleição para o Knesset, em 1988, Eban contou numa entrevista a um jornalista israelense que:
O partido me aposentou contra minha vontade e achei mentalmente difícil não ter motivo para acordar de manhã. Nada me foi oferecido. Eles pensaram que eu deveria me aposentar, e é isso.
Eban faleceu pobre, auxiliado financeiramente por um pequeno grupo de admiradores generosos. Suas extraordinárias realizações diplomáticas ‒ tão importantes para Israel quanto as militares ‒ foram reconhecidas com um prêmio concedido tão tardiamente que ele teve de recebê-lo em total silêncio. Sua tragédia política foi que os mesmos talentos que levaram ao seu sucesso diplomático no exterior contribuíram para seu fracasso político em casa. Mas sua tragédia se estende além de sua vida, ela atinge o cerne da história do Oriente Médio.
Em setembro de 1948, Eban publicou um ensaio na Commentary intitulado “O futuro das relações árabe-judaicas: a chave é a cooperação de estados iguais e separados”.1 Nele, ele estabeleceu a base intelectual para a divisão da Palestina em dois estados: “Há dois povos na Palestina, cada um com aspirações nacionais distintas”.
O fato, continuou Eban, de que a partilha “ofereceu algo infinitamente precioso aos judeus” não deve obscurecer os enormes “presentes que concedeu aos árabes” – que poderiam ter sido obtidos sem guerra:
A novecentos mil árabes [palestinos] ... foi oferecida a oportunidade de viver em dois estados puramente árabes – a Transjordânia e a Palestina –, que seriam estabelecidos em sete oitavos do território originalmente reservado [para] um lar nacional judaico. ... Os árabes palestinos devem comparar essa perspectiva, que estava disponível pacificamente, com
1 https://www.commentary.org/articles/aubrey-eban/the-future-of-arab-jewish-relationsthe-key-is-the-cooperation-of-equal-and-separate-states/
os resultados de sua “guerra santa”, que in- Em seu discurso de cluem: a invasão e destruição da Palestina despedida no Ministério árabe; a fuga em pânico de sua população; a ocupação por exércitos árabes rivais com ob- das Relações Exteriores, jetivos de anexação, e o colapso da vida cor- Eban disse que “importa porativa árabe. Foi desta forma que os ára- muito não apenas quais bes palestinos foram “salvos” por seus “ami- são as políticas de Israel, gos” árabes de seus “inimigos” judeus. Três décadas e três guerras depois, encerrada sua carreira, Eban publicou um mas também como elas são expressas”. livro de memórias no qual afirmava que Políticas apresentadas a questão palestina era a chave para resol- sem “acuidade moral ver a disputa árabe-israelense. “Os territó- e elevação intelectual” rios são a Judéia e Samaria”, escreveu ele, “mas isso não torna seus habitantes árabes não teriam sucesso. samaritanos ou judeus”.
Assim, ele se tornou um defensor do “processo de paz”, pressionando Israel a iniciá-lo. Em 1998, em seu último livro, Diplomacy for the Next Century, ele afirmou que “o Oriente Médio havia sido irreversivelmente transformado” pelo processo de paz, pois ele permitia aos palestinos “tomar posse de seu destino e seguir em frente com esperança”.
Dada sua condição médica em 2000 não sabemos o que Eban teria dito sobre a rejeição de Arafat a um Estado palestino em Camp David e o lançamento de uma segunda intifada e sobre a grande série de recusas da liderança palestina em se engajar num processo de reconciliação com os israelenses, inclusive as repetidas promessas de Mahmoud Abbas, durante os oito anos de Obama, de “nunca” reconhecer um Estado judeu.
Mas, ao considerar essas coisas, talvez Eban se lembraria do que Azzam Pashá, secretário-geral da Liga Árabe lhe disse em 1947 a respeito de um Estado judeu numa parte da Palestina:
Pela lógica da nossa história vamos combatê-lo. Já tivemos a Espanha e a Pérsia. Se alguém tivesse vindo e nos pedisse para entregar a Espanha ou a Pérsia, ele teria recebido a mesma resposta negativa que agora lhe dou.
Num momento posterior, Pashá confessou que os árabes haviam se acostumado a não ter a Espanha e a Pérsia. Assim, que eles poderão também acostumar-se a não ter parte da Palestina, mas enquanto isto não acontece tentarão um irredentismo centenário.
A batalha de cem anos que Pashá previu já tem três quartos de século. Do ponto de vista palestino a tentativa de retornar a 1947 é feita pressionando por duas demandas interconectadas: (1) a retirada israelense para as linhas pré-1967 (para reverter a guerra de 1967), e (2) o “direito de retorno” a Israel (para reverter a de 1948). Eles procuram voltar a história para um mundo antes de Israel existir e não avançar para um mundo com dois Estados. A observação mais famosa de Eban – a de que os palestinos nunca perdem a oportunidade de perder oportunidades – perdeu o sentido: um Estado palestino numa parte do território não é a oportunidade que seus líderes buscam. Eles veem a resolução da ONU de 1947, de partilha entre um Estado judaico e um árabe, como sua catástrofe contínua (nakba) e não como a oportunidade perdida de criar seu próprio Estado.
A tragédia final de Eban – e a dos 24.000 judeus e 91.000 árabes mortos nas guerras – foi que, embora ele falasse eloquentemente sobre paz em inglês, hebraico e árabe, ele não teve ninguém com quem conversar do outro lado. Nunca surgiu um colega palestino que compartilhasse a visão que ele expôs em seu discurso inaugural na ONU. Talvez no próximo quarto de século, se um século de irredentismo autodestrutivo chegar ao fim, os palestinos produzirão um Eban próprio, disposto a endossar sua visão de 1948, e fazê-lo em três línguas – falando as mesmas palavras para os palestinos, para os israelenses e para o mundo.
Então o processo Pashá poderá ser substituído por um processo de paz; a paz que Eban buscou tão articuladamente em sua excepcional carreira diplomática de 26 anos pode se tornar possível; e a tragédia de Abba Eban pode começar a terminar. Rick Richman é scholar residente da American Jewish University e colaborador frequente da revista Mosaic. É o autor de Racing Against History: The 1940 Campaign for a Jewish Army to Fight Hitler (Encounter Books, 2018). Traduzido do inglês e adaptado ao formato da Devarim por Raul Cesar Gottlieb.
