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Raul Cesar Gottlieb

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Breno Casiuch

Breno Casiuch

Auschwitz nos perseguirá para sempre? Uma análise de Diário da queda, de Michel Laub

Não se deixe enganar pelo título. Diário da Queda (Companhia das Letras, 2011) não é um livro histórico. Não trata nem da derrocada de um império nem do caminho para o esquecimento de algum poderoso. Este pequeno e muito bem escrito (dá a impressão de que cada palavra foi cuidadosamente escolhida) é o relato ficcional íntimo da pedra fundamental a partir da qual se desenvolve uma família gaúcha.

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O autor, Michel Laub, um jornalista nascido em 1973, narra as reflexões de um personagem fictício que tem a vida perturbada pelo vício do álcool e atribui o seu vício e as suas dificuldades de relacionamento à experiência de um avô que foi interno de Auschwitz. O livro reflete sobre o que ele chama de “a inviabilidade da experiência humana”, uma expressão que sugere ser inviável ao ser humano se tornar humano.

A bebida se instala na vida do personagem a partir de uma experiência infeliz que ele teve aos 13 anos, quando, em cumplicidade com a turma de sua escola judaica, perpetra um ato desumano contra um colega de escola não judeu e de família humilde. O seu remorso com esta experiência o leva ao álcool e ele assim constrói uma linha direta de acontecimentos que começam na experiência do avô em Auschwitz e desembocam nas suas desventuras, passando pelas do pai. Segundo o personagem, Auschwitz afetou profundamente o avô, o pai e ele mesmo – cada um à sua maneira, mas a todos com uma intensidade avassaladora, de uma forma tal que Auschwitz se tornou o fator preponderante nas opções de vida de cada um.

Vale a pena ler o livro, não apenas para saborear a fina reflexão de Laub, mas também para internalizar os perigos da educação judaica centrada na Shoá e no antissemitismo que é oferecida a crianças e adultos em grande parte de nossas instituições e famílias.

O personagem é categórico. Tudo o que recebeu de judaico na escola em que estudou foi o antissemitismo: “... uma escola judaica é mais ou menos como qualquer outra. A diferença é que você passa a infância ouvindo falar de antissemitismo: há professores que se dedicam exclusivamente a isso, uma explicação para as atrocidades cometidas pelos nazistas, que remetiam às atrocidades cometidas pelos poloneses, que eram ecos das atrocidades cometidas pelos russos, e nessa conta você poderia colocar os árabes e os muçulmanos e os cristãos e quem mais precisasse, numa espiral de ódio fundada na inveja da inteligência, da força de vontade, da cultura e da riqueza que os judeus criaram apesar de todos estes obstáculos”. (pp. 11-12).

Contudo, cabe refletir que o judaísmo é muito maior do que as perseguições que sofremos ao longo dos séculos, inclusive a do último século. Sobrevivemos como povo porque desenvolvemos continuadamente desde a antiguidade uma forma inovadora de enxergar o mundo e de interagir com ele e com nós mesmos. Uma forma que afirma que não só é possível, como também está ao nosso alcance e é nosso dever tornar humana a humanidade.

Se não soubermos incluir o judaísmo na educação judaica acabaremos reduzidos a um tipo de “rebeldes sem causa”, pessoas que defendem algo que não sabem definir e que, portanto, são capazes dos atos mais bárbaros e insensatos, como o relatado no livro de Laub. (Raul Cesar Gottlieb)

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