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Figura 17 - Capa do Disco Crime Perfeito

coletânea Ilha de Todos os Sons, de 1994, 10 anos sem uma produção de Florianópolis que se inspirava diretamente a identificação da Ilha de Santa Catarina no cenário pop/rock. No entanto, aparecem outros gêneros musicais que demonstram a cultura construída da cidade no final da década de 1980, com estilo mais ligado aos ritmos folclóricos, hibridizando com o samba e o choro, como o grupo Gente da Terra, por sua influência às bandas que fizeram parte do Mané Beat, como Dazaranha e Tijuquera.

Figura 17 - Capa do Disco Crime Perfeito

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Fonte: Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré.

A Expresso Rural foi apresentada pelo colunista Cacau Menezes como a continuidade do Grupo Engenho, chegando as duas bandas gravarem, cada uma delas, duas músicas na coletânea Som da Gente143 e se apresentarem em shows juntas. A Expresso Rural não busca inspirações em sonoridades da música folclórica ou regional da Ilha, suas influências são sonoridades mais do campo, muito parecidas como a de várias músicas do grupo Engenho, como “Homem do Planalto”, composição de Volnei Varaschin, do Expresso Rural, falando da vida na Serra Catarinense. O primeiro disco da Expresso Rural, apesar da marcante sonoridade rural e acústica, experimenta vários estilos, como o

143 SOM DA GENTE. Florianópolis: RBS Discos. 1984

reggae e o rock. O Grupo Engenho, em várias de suas canções, tem a sonoridade dita de descendência açoriana como em “Menina Rendeira”, a já citada "Vou Botar meu Boi na Rua”, ou “Açoreanas”, canção que são versos de ratoeira. Quando, em 1985, a Expresso Rural muda seu nome para Expresso, sua sonoridade perde a levada rural que era base de suas composições no primeiro disco. Seu estilo possui tendências ligadas ao New Wave144, estética musical de sucesso na década de 1980, tanto nacional como internacionalmente. Há mais efeitos nas guitarras, principalmente delay145 e reverb146, assim como o uso de teclados, deixando um som mais sintético, artificial e tecnológico. O tema de suas letras são problemas da juventude que acontecem nas grandes cidades, não especificamente em Florianópolis, assim como a Ilha, sua cultura ou paisagens naturais, não é utilizada como pano de fundo para esses dramas. A única música que especifica a cidade é “Ilha da Solidão” , do disco Romance em Casablanca, último disco da banda com inéditas, gravado em 1992, isto é, já na década de 1990.

Canção 14 -Ilha da Solidão147 (Expresso)

Floripa meia-noite lá fora está chovendo Tristeza e solidão só eu estou sofrendo O amor da minha vida era tudo o que eu queria São tantas as mulheres e minha cama tão vazia.

[...] Tomando molotov, coca-cola e melhoral Enchi de rock´n´roll as ruas da capital Saí pela tangente pra não cair na besteira Ir para lama do sucesso no início da carreira é normal.

144 Considerado como pós-punk, é um estilo de rock com acordes simples, assim como punk. Destaca-se o elementos da música eletrônica. 145 O delay é um efeito em que o sinal de entrada é gravado para algum meio de armazenamento de áudio e, após um determinado período de tempo, é tocado, gerando um atraso em relação ao sinal de entrada, 146 Um delay muito curto, dando a impressão de o som reverberar, dando o efeito de eco. 147 LUCENA, Daniel; CORRÊA, Márcio. Ilha da Solidão. In: Romance em Casablanca. Florianópolis: Artemix e Expresso. 1992. Faixa 3. Lado B.

É quase meia-noite na ilha da solidão Não dê passos em falso, nunca me diga não O que é certo o que é errado, dualidade em vão Metade da cidade sim, outra metade não.

A primeira palavra da música já remete à Florianópolis dos jovens, principalmente a partir dos anos 1970, não a chamando pelo nome oficial ou pelo antigo nome, Desterro, mas, sim, por seu apelido, Floripa. Na década de 1970, há uma nova sensibilidade no “ser jovem” em Florianópolis, entre outras características, o embate entre o tradicional e o moderno. Segundo Cynthia Machado Campos (2011), com novos moradores vindos, sobretudo, de São Paulo e Porto Alegre, os “nativos” buscam formas de manter a cultura local e tendências locais, exemplo disso é o nome da cidade. Para negar o nome Florianópolis, pois lembrava o ditador Floriano Peixoto, os antigos moradores a chamavam pelo antigo nome, Desterro, enquanto os migrantes e jovens que queriam se diferenciar dos pais, denominavam de Floripa, utilizando da denominação como forma de se autoidentificarem. Daniel Lucena proporciona um local que poderia ser qualquer outro, com problemas sociais e individuais que os jovens passavam em Florianópolis ou em qualquer parte do Brasil. Apenas ao citar o apelido da cidade, “Floripa” e o título da música, “Ilha da Solidão”, localiza-se espacialmente na cidade focada na canção, também demonstrando uma cidade cosmopolita, semelhante a outras, como Rio de Janeiro. No videoclipe da canção há identificações com a cidade de Florianópolis, com diversos lugares conhecidos pela população e, principalmente, com tomadas feitas na ponte Hercílio Luz, principal ponto turístico da cidade148 . Diferente dessa canção, a banda criciumense149 Stigma lança seu disco Maltrapilho de forma independente, em 1991, e ressalta alguns aspectos da Ilha de Santa Catarina e de seus moradores, diferente de como Daniel Lucena retratou.

148EXPRESSO RURAL, Ilha da Solidão. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Dgq4eoIEupE>. Acesso em: 29 jul. 2016. 149 Criciúma é uma cidade com, em torno de 190 mil habitantes (segundo estimativas do IBGE, no censo de 2010) e se localiza a 191 km de Florianópolis.

Canção 15 - Ilha do Desterro150 (Stigma)

Ilha do desterro Terra da gente Todo dia um vento diferente Mas cada vento tem uma praia Em cada praia um desejo ardente Farol dos Naufragados Praia da Solidão Olhete na grelha Cerveja e limão

Canção, com vocal feminino e guitarra elétrica como harmonia principal com um solo151 no meio da canção, também com um solo de baixo. Apesar de não ter percussão, apenas a bateria, utilizando, principalmente, os tambores, tocada de forma sincopada, isto é, com o tempo forte no contratempo, remetendo aos ritmos brasileiros como o samba, que as bandas do Mané Beat utilizaram em suas canções. O baixo é tocado com groove 152 muito semelhante ao funk153, utilizando slap154 com stacatto155 e marcado no contratempo. Pode-se perceber através dessa canção alguns significados do que é a “Ilha do Desterro” e, como os compositores se identificam com este lugar, falando como alguém de outra cidade, Criciúma, ao mesmo tempo participando do cenário musical de Florianópolis. Nos anos 1990, como analisado no capítulo anterior, construir uma identidade florianopolitana era constante na Ilha de Santa Catarina,

150 SILVESTRE, Idézio; KALIL, Ricardo. Ilha do Desterro. In: STIGMA. Maltrapilho. Criciúma: Independente. 1991. 151 Momento na música em que um instrumento ganha destaque, sem o vocal, fazendo frases melódicas de acordo com a harmonia da canção. 152 Groove é a levada rítmica e melódica do baixo que segue um padrão por boa parte da canção. 153 Estilo musical criado pelas comunidades negras dos Estados Unidos. Tem como característica o ritmo sincopado, isto é, com o tempo forte no contratempo do compasso. Levadas que estimulam a dança, contrabaixo e bateria bem “ligados”, como sendo um único instrumento. 154 Técnica de tocar contrabaixo em que o músico bate na corda com o polegar e/ou puxa com o indicador outra corda mais aguda. 155 Staccato é um sinal que divide em dois o tempo da nota em som e silêncio.

sendo refletido nas canções. O citado grupo, Gente da Terra, é formado em 1989, e Luiz Falcão, outro compositor que em noticia no caderno Variedades do Diário Catarinense de 1994, que pelo terceiro ano consecutivo fará o show Ilha em Sol Maior no forte de São José da Ponta Grossa, na Praia do Forte, norte da Ilha de Santa Catarina, em que canta os “sons e ritmos ilhéus”156 . Considerando a música, sem analisar os significados da letra, os signos musicais construídos passam a ter significados mais lúdicos:

Mas, de entre os diferentes aspectos da cultura, a música parece ser aquela que mais impacto e eficácia adquire no desenho e na exposição da identidade individual e dos grupos. As pessoas sentem-se habilitadas a definir qual é a música que lhes pertence e qual é a música que pertence a outros culturalmente. E o que torna este dado ainda mais interessante é que a música é dialogante, ou seja, permite mostrar aos outros a sua diferença e as suas especificidades, muito mais do que a língua que é, na maioria dos casos, irreconhecível por outros. A música permite mesmo que os “outros” possam gostar da “nossa música” e, pela própria natureza, deleitar-se com o prazer lúdico que ela transmite. (SARDO, 2013, p. 89)

Assim como Hall (2004) observa que para a construção da identidade, deve haver a significação do objeto. Sardo (2013) apresenta a música como esse objeto significado e as experiências individuais e coletivas formando as identificações possíveis, percebendo o objeto como tradicional, local, sendo parte de uma determinada cultura. Utilizando o termo de Schaffer (2011, p. 25), a “Paisagem Sonora do local”, suas músicas, sons naturais, sons da cidade, contribuem para a identificação dessas sonoridades. A mídia, ao apresentar novos estilos, novas composições e divulgar como a sonoridade de um local, abarca os sentidos e emoções já apresentados e massifica, sendo aceito ou não pelo público que consumirá estas canções.

156 Happy Hour no Forte. Diário Catarinense, Florianópolis, Caderno de Variedades. Capa, 12 jan. 1994.

Em 1994, a RBS Discos e a RGE lançam o álbum coletânea, em CD e LP157 , Ilha de Todos os Sons. Como o próprio título sugere, são convidados músicos que tocam em Florianópolis para apresentarem suas composições. Alguns compositores haviam participado de projetos com outras bandas, conquistando relativo sucesso em Santa Catarina, como: Marco Vine, ex-Alta Voltagem, Kromo e Stryx; Maurício Cavalheiro, ex-Expresso e Tubarão; e Carlos Trilha, ex-Tiamats, Sobrinhos de Beethoven e Tubarão. Também estavam na coletânea alguns nomes que despontavam em vários projetos no meio musical, como Janet Machanacz & Joel Brito, Guinha Ramires, no momento em parceria com Elizah, e Carlos Niehues, cantor e violonista itajaiense que faleceu em novembro daquele mesmo ano. Sobre as novas bandas ou duplas, ressaltam-se, aqui, algumas utilizando Florianópolis e/ou seus aspectos culturais para suas composições, na letra ou na melodia/ritmo. A canção que abre o CD é de Elizah e Guinha Ramires, que naquele momento estavam finalizando seu primeiro álbum, a música escolhida para o projeto Ilha de Todos es Sons é “Verão em Floripa”, uma cômica história de “Quem mora em Floripa sabe que no verão / A gente vira cicerone de parente”, que será abordada mais detalhadamente no próximo capítulo. Ou a canção “Solidão e Vento”, interpretada por Janet e Joel, composição de Volnei Varaschin e Márcio Corrêa, dois antigos membros do Expresso. Nessa composição, um jazz, há brincadeiras com os nomes de locais de Florianópolis como “Baixo Vidal eu me sinto mal / Quero um Bom Abrigo [...] no Continente está tudo normal / Na Solidão, solidão e vento“. Nessa canção, além do casal, Janet e Joel, participam Guinha Ramires na percussão, Carlos Nieuhes, na guitarra, e Márcio Corrêa nos teclados. Joel Brito foi um dos fundadores da Banda de Neutrons, junto com Márcio Corrêa, e do Grupo de Risco, banda instrumental, que também fizeram parte Luiz Meira e Alegre Corrêa 158 . A canção “Solidão e Vento” é regravada no álbum da dupla, Menina159, em duas versões diferentes.

157 Formatos para armazenamento de sons. LP é a sigla para Long Play, disco feito de vinil com armazenamento analógico. CD é a sigla para Compact Disc, armazenamento em forma digital surgido no Brasil na década de 1990. 158 JANET; BRITO, Joel. Versos Diversos, o DVD. Florianópolis: produção independente. Data incerta. 159 MACHNACZ, Janet. BRITO, Joel. Menina. Florianópolis: Estúdio Pimenta do Reino, 1999. 1 CD

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