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1 Arranjo Transfronteiriço Bonfim (Brasil) – Lethem (Guiana
No caso da segunda visita programada, foi reservado todo o dia 25 de novembro de 2016 (sexta-feira), e antecipadamente contatada a Prefeitura de Pacaraima para receber a equipe para uma entrevista formal, complementada com a realização da leitura do espaço. Outras autoridades de Roraima participaram do encontro e do percurso pelas duas cidades que compõem o arranjo transfronteiriço.
Na sequência, o capítulo se estrutura em quatro seções. Na seção 1, há o relato da leitura do espaço do arranjo Bonfim-Lethem. A seção 2 apresenta o relato da leitura do espaço do arranjo Pacaraima-Santa Elena de Uairén, e a entrevista realizada com agentes públicos locais e do estado de Roraima na Prefeitura de Pacaraima consta na seção 3. A seção 4 mostra as mudanças ocorridas nas relações transfronteiriças com a Venezuela, dias após a realização desta atividade de campo.
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Anote-se que a maioria das imagens inseridas no relato são de autoria dos pesquisadores e fotografadas no dia da atividade relatada.
1 ARRANJO TRANSFRONTEIRIÇO BONFIM (BRASIL)-LETHEM (GUIANA).
RELATÓRIO DE ATIVIDADES DE CAMPO: LEITURA DO ESPAÇO EM 22 DE
NOVEMBRO DE 2016 (TERÇA-FEIRA À TARDE)
MAPA 2
Percurso referente à visita técnica Boa Vista-Bonfim-Lethem
Fonte: IBGE, 2016; Google Basemap Service, 2017.
Participantes: Bolívar Pêgo, Rosa Moura, Alexandre Cunha, Caroline Krüger, Maria Nunes, Paula Gomes e Samara Oliveira (Ipea); e Morganna de Oliveira (Ministério da Integração Nacional).
Apoio, orientação, acompanhamento e transporte: Waldemarisa Vieira Gomes e Valdeiza Gomes (voluntárias, moradoras em Boa Vista).
Na tarde de terça-feira, a equipe saiu em dois carros pela avenida das Guianas, via que dá acesso a BR-401 (rodovia que liga as cidades de Bonfim e Lethem. Passada a ponte dos Macuxis, sobre o rio Branco (figura 1), acabaram-se os vestígios do urbano e a paisagem rural que surgia compunha-se de um cerrado permeado de buritis; próximo ao leito da rodovia, havia mangueiras e cajueiros carregados de frutos. Vista desde a pista, a cidade ia se distanciando ao longe, à esquerda. Apenas um prédio, um dos únicos arranha-céus de Boa Vista (disseram que existem dois, e este, de longe, parecia ainda em obras), manteve-se visível por mais algum tempo. A estrada quase reta, plana, com muitos trechos em obras, que eram realizadas pelo Exército ("Não fossem eles, isto estaria abandonado", disse Waldemarisa), conforme mostra a figura 2.
FIGURA 1
Rio Branco e ponte dos Macuxis, em Boa Vista

Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.
FIGURA 2
Obras na pista da BR-401, realizadas pelo Exército Brasileiro

Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.
Horas depois, já próximo ao entroncamento de Bonfim, paramos num pequeno restaurante. Naquele momento, estavam preparando uma paçoca de carne de sol e farinha d’água, que se come com banana, prato típico da região. Logo adiante, à direita, está a entrada de Bonfim, com um enorme letreiro azul na beira do asfalto. Não paramos, pois tínhamos pouco tempo e optamos por conhecer a atividade urbana de Lethem. Logo alcançamos o posto da linha de fronteira brasileira, no qual três policiais apenas olharam a passagem dos veículos. Um deles acenou, como quem diz "sigam!". Passamos a ponte sobre o rio Tacutu, que faz a fronteira entre os países, e depois por um viaduto com um desenho planejado para colocar os veículos na nova mão de direção, a inglesa (visão geral da fronteira, mapa 3).
O posto de entrada do país vizinho encontrava-se com duas pessoas, mas sequer acenaram. A estrutura física de segurança e controle desse limite internacional, particularmente no lado de Lethem, parecia que se encontrava abandonada (figura 3). Teve-se a impressão de que a preocupação maior é chamar a atenção sobre a imediata mudança do trânsito para a mão inglesa, que é sinalizada horizontalmente até a entrada da área urbana.
Já estávamos na Guiana, antiga colônia inglesa, onde se fala o idioma inglês com pronúncia muito local. Segundo a participante da oficina de trabalho Lisa Mary Sousa dos Reis, vice-cônsul do Brasil em Lethem, esta pronúncia é devido ao acento que veio dos indianos e africanos durante a colonização, e se misturou ao dos indígenas locais; um idioma que dificulta demais a interação transfronteiriça.
MAPA 3
Fronteira Brasil (Bonfim)-Guiana (Lethem)

Fonte: IBGE, 2016; Google Basemaps Service, 2017. Obs.: Figura reproduzida em baixa resolução e cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais (nota do Editorial).
FIGURA 3
Posto fronteiriço em Lethem (Guiana)
Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.

A pequena cidade possui aproximadamente 1,2 mil habitantes e o tráfego local possui a orientação inglesa, mas realizado por veículos com direção tanto à direita quanto à esquerda. Restou pouco de sua arquitetura peculiar, com alguns sobrados que possuem amplas varandas no andar superior, entre os enormes galpões de comércio, agora conduzidos por chineses, lotados de araras de roupas, sapatos (sem numeração), malas, bolsas, brinquedos, alimentos industrializados, enormes latas de biscoitos, enfeites de natal e produtos de armarinho de origem chinesa, ou seja, produtos de qualidade duvidosa e marcas não originais. À frente das lojas, alguns manequins com exposição de roupas diversas para melhor visualização do cliente (figura 4).
FIGURA 4
Loja típica de produtos chineses em Lethem

Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.
O tamanho desses galpões/lojas contrasta com a cidade de Lethem. Isso levou a equipe a aventar que, apesar do aparente esvaziamento das lojas na ocasião da visita, deve haver mercado garantido para os produtos em oferta, que chegam em contêineres e são procurados por brasileiros, mas cada vez menos.
Mesmo assim, aumenta o número de galpões, o que sugere que o que move esse comércio pode não ser exatamente a mercadoria exposta. Observamos que, neles, todos os preços dos produtos estavam em reais e os atendentes (chineses e indígenas locais) falavam o português com sotaque. Nesse meio, descobrimos um que sobrou dos velhos tempos, ainda comandado por indianos-guianenses, basicamente comercializando alimentos e especiarias (condimentos indianos produzidos na Guiana). Nas ruas, nenhum camelô, nenhum ambulante, nenhum quiosque para um refrigerante da terra, um lanche rápido. Apenas os galpões e suas mercadorias.
Apesar da proximidade entre Bonfim (Roraima) e Lethem, separados pelo rio Tacutu, os aspectos culturais, como a língua e a mão inglesa, são fatores que podem influir nos contatos e na aproximação entre as pessoas. Entretanto, a construção da ponte, com desenho muito específico, e o programa em curso na escola intercultural são meios de ampliar a interação entre os dois países.
Observamos um grupo de escolares com uniformes verdes, saias compridas e suspensórios, muito comportados, calmos, educados, cabelos presos, negros (figura 5). Voltavam empurrando uma bicicleta, tranquilamente, pela rua principal, que era movimentada, de terra, poeirenta. Traziam vestígios de uma cultura que preza a educação e protege a infância.
FIGURA 5
Estudantes em Lethem
Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.

Transitamos pela rua principal, a Rupununui, até o aeroporto, que consiste em uma pista num descampado com pouca infraestrutura. Anúncios de voos para Georgetown e para o Caribe confirmam a prática do moradores da região de veranear em suas praias, de carro, ou nos voos diretos anunciados (figura 6).
FIGURA 6
Agência de viagem em Lethem
Fonte: Equipe Fronteiras Ipea. Posição em 22 de novembro de 2016.

A precariedade da estrutura urbana observada remete Lethem a uma temporalidade diferente das cidades brasileiras, o que, também, pode influir nas condições de vida das pessoas que vivem ali. As construções mais suntuosas na cidade, algumas remanescentes do período colonial, são aquelas onde funcionam os bancos, além de poucas casas, inclusive algumas ocupadas atualmente por atividades de comércio (figura 7).
As agências bancárias e casas de câmbio mostram que o capital circula na cidade, e uma enorme discoteca/danceteria e algumas lanchonetes, ainda fechadas, anunciam que a noite pode ser animada. Os elementos mais novos inseridos na paisagem urbana são a infinidade de galpões. Em meio à poeira da rua principal, a impressão de desolação, de abandono, é marcada por um vai e vem preocupante de carros, pois aparentemente transitam na “contramão”, em alta velocidade. A maioria tem placas do Brasil e brasileiros tentando dirigir na mão inglesa.
Com o cair da tarde, voltamos para Boa Vista. A noite caiu por completo, e a estrada reta, com chuva, em obras e sem sinalização, passou a ser perigosa até as redondezas da capital.