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ARTIGOS ACADÊMICOS

REPATRIAÇÃO DIGITAL DO ACERVO AFRO PERNAMBUCANO

Charles Douglas Martins 1 Daiane Carvalho 2

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Maria Elisabete Arruda de Assis 3

RESUMO

Este artigo apresenta o Projeto “Repatriação Digital do acervo afro Pernambucano sob a guarda do Centro Cultural São Paulo”, com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco - Funcultura, cujo objetivo foi identificar, digitalizar todos os objetos dos terreiros do Recife, salvaguardados pela Missão Folclórica Mário de Andrade, inclusive em 3D (objetos tridimensionais) e atualizar sua documentação museológica. A perspectiva foi mapear, pesquisar, registrar e salvaguardar a memória do povo de terreiro de Pernambuco, assim como salvaguardar as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas das comunidades afrodescendentes de Pernambuco. O conjunto de fotografias, produzidas durante a pesquisa, passou a compor o acervo digital do MAB e o inventário do Museu Afrodigital. O resultado deste trabalho, além de permitir ao público Pernambucano o acesso ao acervo que se encontra distante, nos dá a possibilidade de resgatar memórias sociais em torno das perseguições das expressões religiosas de matriz africana, ocorrida nos anos 1930 em Recife e denunciar a violência perpetrada pelo Estado ao povo de terreiro. Esta, talvez, a maior contribuição: possibilitar o conhecimento sobre episódios do passado, que não devem ser esquecidos, para que evitemos que ele se repita no presente e no futuro. Neste sentido, proporcionar o incentivo ao incremento de políticas públicas que protejam e garantam o direito constitucional de liberdade de escolha e de expressão da religião.

Palavras-chave: Terreiros. Perseguição. Acervos. Fotografia. Documentação. Museu.

1 Graduada em História, granduando Tecnologia da informação, com Mestrado em Antropologia. Tem experiência na área de museus virutais, coordenador do Museu Afrodigital - Estação Pernambuco e pesquisador pelo Observamus - Observatório de Museus. Atualmente trabalha no núcleo NTVRU - Núcleo de TV e rádios universitárias da UFPE.

2 Graduada em Museologia, com Mestrado em Ciência da Informação. Tem experiência na área de documentação de acervo, com ênfase em levantamento e inventário. Atualmente trabalha no Museu da Abolição (desde 2011), onde desenvolve atividades de pesquisa e documentação do acervo.

3 Graduação em Ciências Sociais, mestrado (1996) e doutorado (2007) em Antropologia. Ocupou o cargo de Chefe de Pesquisa da Coordenação de Estudos SócioEconômicos e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM (de julho de 2010 a janeiro de 2012), e diretora do Museu da Abolição em Recife - PE (de janeiro de 2012 a janeiro de 2019).

INTRODUÇÃO

O projeto “Repatriação digital do acervo afro Pernambucano”, teve por objetivo principal a repatriação dos objetos confiscado dos terreiros Pernambucanos que se encontram na Coleção Missão Folclórica Mário de Andrade, sob a guarda do Centro Cultural São Paulo - CCSP, utilizando técnicas de fotografia em 360 graus e 3D, assim como a constituição de acervos digitais relacionados ao patrimônio cultural afrobrasileiro, para o Museu da Abolição e para o Museu Afrodigital (PPGA/UFPE). Foi financiado com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco - Funcultura. O projeto “Repatriação Digital” identificou e digitalizou todos os objetos dos terreiros do Recife, salvaguardados pela Missão, inclusive em 3D (objetos tridimensionais) e atualizou sua documentação museológica. A equipe foi coordenada por Maria Elisabete Arruda de Assis, organizadora do projeto; Daiane Carvalho, que atuou na identificação do acervo e informações nos catálogos da Missão, DVD e hotsite (sobre os objetos tridimensionais, fonográfico - entrevistas e cânticos - e fotográfico), na emissão do laudo de estado de conservação e na atualização da documentação museológica; Fabiana Sales, que desenvolveu e executou o planejamento educativo; Charles Martins, proponente ao Funcultura, e quem empreendeu os registros fotográficos, a arte mídia para a expografia e apresentação no site; e Marcela Camelo que atuou no desenvolvimento da montagem tridimensional dos acervos em exposição e na pesquisa fotográfica dos objetos. O conjunto de fotografias, produzidas durante a pesquisa no CCSP, passou a compor o acervo digital do MAB e o inventário do Museu Afrodigital. O resultado deste trabalho, além de permitir ao público Pernambucano o acesso ao acervo que se encontra distante, nos dá a possibilidade de resgatar memórias sociais em torno das perseguições das expressões religiosas de matriz africana, ocorrida nos anos 1930 em Recife. A partir do resultado deste projeto é possível realizar pesquisas mais aprofundadas sobre aquele fato histórico, inserindo a perspectiva das vítimas daquela violência física e simbólica: o povo de terreiro. Da mesma forma, nos dá a oportunidade de, ao resgatar esta memória, denunciar a violência perpetrada pelo Estado ao povo de terreiro. Esta, talvez, a maior contribuição: possibilitar o conhecimento sobre episódios do passado, que não devem ser esquecidos, para que evitemos que ele se repita no presente e no futuro. Neste sentido, proporcionar o incentivo ao incremento de políticas públicas que protejam e garantam o direito constitucional de liberdade de escolha e de expressão da religião.

O Museu da Abolição (MAB), instituição beneficiária do projeto, é vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e tem suas ações norteadas pelos princípios da Sociomuseologia. Criado por Lei Federal na década de 1950, em homenagem aos abolicionistas João Alfredo e Joaquim Nabuco, foi efetivamente implantado em 1983. Desde 2005, sob inspiração da nova Política Nacional de Museus, o MAB iniciou um processo participativo de elaboração do seu Plano Museológico, com ampla mobilização dos setores sociais, como protagonistas da construção da memória e do patrimônio museológico. O Museu Afrodigital, museu virtual desenvolvido em pesquisa no departamento do grupo de estudos do LEC - Laboratório de Estudos Contemporâneos faz parte do acervo digital do DAM - Departamento de Museologia e Antropologia da UFPE e compõe a Rede de Museu Afrodigital desenvolvido em cooperação com pesquisadores de várias universidades do Brasil (UFPE-UFBA-UFMA-UFRJ) os quais desenvolveram suas próprias estações e se encontram atualmente desenvolvendo pesquisas sobre acervos e sua relação com o público. Desenvolveu a pesquisa para além de explicar como é possível se construir um museu virtual, explorar as tecnologias empregadas na construção ou especulações sobre o futuro dessa vertente de museu: busca revelar fenômenos e impasses entre a musealidade e seus atores. Sobre a temática, a professora Myrian Sepulvda, do Museu Afrodigital - Estação UFRJ, comenta:

O museu digital pode ser entendido como um lugar democratizante em que se produzem relações de alteridade, construções identitárias, de reconhecimento e pertencimentos locais, regionais e nacionais. Pela sua própria natureza, e um dispositivo de fácil, dinâmico, gerador de interatividade, que espelha o cotidiano e a cultura de diferentes grupos sociais, de minorias etnicas, de grupos marginalizados que se reconhecem por meio de valores, pertencimentos locais comuns, memórias individuais e coletivas”. (...) “O arquivo digital que esta sendo criado irá disponibilizar acervos diversos, presentes no Brasil e no exterior, que dizem respeito a historia, a cultura e ao cotidiano das populações afrobrasileiras. Algumas iniciativas já foram realizadas, e outras estão sendo encaminhadas, como o desenvolvimento de um sítio ou plataforma digital eletrônica, a criação de um conselho consultivo internacional, a montagem de uma central itinerante de digitalização e o desenvolvimento de aportes juristas, de um termo para a formalização de cessão, doação e, quando for o caso, repatriação digital de documentos e materiais de vários tipos”. (SEPULVDA,2010, pág. 75).

A digitalização em 3D dos objetos de terreiro que compõem a coleção da Missão de Folclórica Mário de Andrade possui um importante papel na restituição da memória dos objetos para as comunidades afrodescendentes, a quem tais acervos de fato pertencem, e para fins educativos e de cidadania. Com isto, o MAB buscou assegurar a sua política de constituição de acervos digitais, que tem por princípio ético a restituição e devolução digital do patrimônio cultural às comunidades afrodescendentes. O MAB entende que o patrimônio cultural afrodescendente é o resultado de um complexo processo de práticas sociais que envolvem diferentes modos de agenciamentos de políticas públicas, à base de conflitos, de negociações e de construções culturais, refletindo anseios de novos atores sociais que reivindicam para si a guarda e preservação de memórias sociais.

DESENVOLVIMENTO DO PROJETO REPATRIAÇÃO DIGITAL DO ACERVO AFRO PERNAMBUCANO SOB A GUARDA DO CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

A Missão de Pesquisas Folclóricas foi uma expedição idealizada para coleta de expressões da cultura popular das regiões do Brasil que não tinham contato com o exterior e corriam o risco de desaparecer com a crescente urbanização e industrialização do país, por iniciativa de Mário de Andrade que se encontrava no Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. O objetivo primordial da Missão era “incrementar o acervo da Discoteca Pública Municipal com gravações de folclore musical brasileiro”. A divulgação do acervo registrado pela expedição contribuiria para suprir a carência de documentos musicais destinados aos estudos etnográficos e ao aproveitamento artístico de melodias folclóricas pelos compositores eruditos. Em virtude da implantação do Estado Novo no país, a Missão foi abortada com a saída de Mario de Andrade Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Todavia, conseguiram visitar 28 cidades dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Maranhão e Pará. O acervo da Missão de Pesquisas Folclórica Mário de Andrade é composto por mais de mil peças catalogadas entre objetos etnográficos, instrumentos de corda, sopro e percussão; 1.500 melodias registradas em discos de vinil; 1.126 fotografias; 17.936 documentos textuais (entre cadernetas de anotações, cadernos de desenhos, notas de pesquisas, notações musicais, letras de músicas, versos da poética popular e dados sobre arquitetura) e 19 filmes de 16 e 35 mm. Uma das finalidades do projeto “Repatriação digital do acervo afro Pernambucano sob a guarda do Centro Cultural São Paulo” foi realizar pesquisa no

acervo da Coleção, na qual se encontra parte dos objetos confiscados dos terreiros de Pernambuco, durante o Estado Novo, nos anos 1930/40. Este acervo em específico (objetos confiscados dos terreiros pernambucanos) foi forjado no bojo do governo de Getúlio Vargas que permeou sua atuação sob um Estado intervencionista, marcado por uma forte aproximação com a igreja católica e de seus valores. Em Pernambuco, Agamenon Magalhães atuou no governo consolidando um vasto programa de reformas e realizações nesta nova perspectiva do Estado, dentre as quais a política de perseguição aos cultos de matriz africana.

Dentro desse contexto, Estado e Igreja se juntaram numa caçada a todos aqueles que ameaçavam a ordem estabelecida. Dessa forma, ao objetivarem empreender uma caçada aos inimigos da Igreja, que automaticamente eram considerados inimigos do Brasil, elegeram as religiões afro-brasileiras como uma das mais perigosas práticas anticatólicas na sua luta contra todos os ‘elementos dissolventes de nossa civilização’ (CAMPOS, 2001, p. 213).

Foi com este sentido que “Em 1938, o Secretário de Segurança Pública e congregado mariano Etelvino Lins baixou uma Portaria proibindo em todo o estado de Pernambuco o funcionamento das ‘seitas africanas’ e gabinetes de ‘ciências herméticas’” (CAMPOS, 2001, p. 213). A perseguição aos cultos e religiões de matriz africana ocorreu não só em Pernambuco, mas em outros estados e regiões do Brasil, não só com o apoio da igreja católica, mas, sobretudo, com o apoio do próprio Estado. A ordem era o fechamento de terreiros, a prisão de seus líderes e a apreensão dos objetos rituais como prova do crime. Todos os objetos confiscados pela polícia, durante suas ações, tiveram três destinos: 1) foram queimados, conforme afirma a matéria do jornal Folha da Manhã (“Outra casa de magia fechada pela polícia”. Recife, 24 out. 1940, p. 4. Edição Vespertina in CAMPOS, 2001 p. 213): “todo o ‘material’ foi levado para a Delegacia de Vigilância Geral e Costumes, a fim de ser incinerado”, sob a perspectiva de “extinguir o mal”; 2) foram enviados para delegacias, como prova do crime; 3) ou foram enviados à Diretoria de Higiene Mental do Serviço de Assistência a Psicopatas, como prova de doença mental dos praticantes das religiões perseguidas. Posteriormente, a Diretoria de Higiene Mental do Serviço de Assistência a Psicopatas criou um Museu para onde enviou os objetos sob a sua guarda. Em um segundo momento, estes foram levados para o Museu do Estado, quando da sua criação, e constituem hoje a “Coleção Xangô de Pernambuco”... Alguns dos objetos

que estavam em delegacias foram doados à Missão de Pesquisa Folclórica do Norte e Nordeste, em 1938, visto que:

A manifestação folclórica de maior interesse etnográfico para a Missão, em Recife, era o Xangô. A delicadeza da situação política dificultava a obtenção de autorização oficial prévia, cedida pela Polícia da capital, necessária para registro dos cultos de feitiçaria afro-brasileira. No entanto, apesar da radicalização do processo empreendido pelos Católicos Marianos, no sentido de apagar da sociedade todo e qualquer tipo de manifestação religiosa afrobrasileira, os integrantes da Missão conseguiram permissão para que fosse realizado um toque de Xangô para efeito de filmagem (CAMPOS, 200. p. 220).

Esta “doação”, que denominamos “expatriação”, foi intermediada por Ascenso Ferreira e Waldemar de Oliveira, da qual constaram 519 objetos, escolhidos pelos integrantes 4 da Missão, entre os objetos que estavam entulhados no pátio da SSP. Além desta coleta, a equipe da Missão conseguiu autorização para documentar o canto, a dança, as orações e expressões do xangô Recifense, a partir de entrevistas, fotografias e gravações de áudio. Após recolhidos, os objetos foram identificados e catalogados, com a ajuda de alguns babalorixás entrevistados pela Equipe da Missão, e, posteriormente embalados e enviados a São Paulo para Mário de Andrade. Com a finalização da Missão, toda a coleta realizada pelos pesquisadores passou a compor o acervo da Coleção Missão Folclórica Mário de Andrade, sob a guarda do Centro Cultural São Paulo (CCSP). Examinando alguns documentos e jornais da época, que constam do acervo da Missão, e os que estão disponíveis on line (Diário da Manhã), observamos que no dia 13 de fevereiro de 1938 a Equipe da Missão desembarca no Recife, e, nesta mesma data, os jornais da cidade noticiavam as seguintes manchetes: “Fechadas pela polícia várias casas de Xangô” (Diário de Pernambuco); “Xangô, babalorixá e policia: Importante diligência da Delegacia de Investigações e capturas” (Diário da Manhã). Na noite do dia anterior, 12 de fevereiro de 1938, 24 terreiros foram invadidos e os jornais noticiam o fato, na manhã seguinte, fartamente ilustrado com fotografias dos objetos confiscados. Além disto, divulgaram também os endereços dos terreiros invadidos naquela noite, e seus respectivos babás e iaiás. Ao ler as notícias, a equipe da Missão se interessou pelos objetos e pelas pessoas que

4 A equipe da Missão era composta por: Luiz Saia (Chefe da Missão); Martin Braunwieser (técnico musical); Benedito Pacheco (técnico de som) e Antonio Ladeira (ajudante geral).

sofreram aquela violência, o que os motivou a visitar a Secretaria de Segurança para conhecer o fruto dos confiscos e a empreender a salvaguarda de parte daqueles objetos. Possivelmente os mais bem conservados. Existem vários acervos no país, já mapeados por pesquisadores, forjados na mesma condição: fruto de perseguições, de violência e força bruta, e da discriminação e intolerância religiosa. A escolha pelo acervo que se encontra no CCSP, que é o recorte estabelecido, deveu-se a dois motivos: primeiro por ser de Pernambuco e por ter sido expatriado. Segundo pelo fato da inacessibilidade do povo pernambucano em geral, e do povo de terreiro em particular, uma vez que este acervo não estava mapeado dentro da coleção, e, portanto, não estava acessível, além da distância geográfica entre Recife e São Paulo. Apenas um trabalho de pesquisa poderia identificar, mapear e dar acessibilidade a este acervo, a partir do deslocamento até o local. Durante os contatos iniciais estabelecidos com o CCSP obtivemos a informação de que estes objetos estavam dispersos em meio aos demais objetos coletados durante a Missão Folclórica Mário de Andrade e que para identificar cada um deles seria necessário um trabalho de pesquisa in loco, uma vez que a coleção é mais abrangente e composta por outros temas e diversos tipos de acervos de outras cidades das regiões norte e nordeste. Este acervo possui um significado afetivo e simbólico enorme para o povo de terreiro de Pernambuco, entretanto, permanecia inacessível mesmo depois de décadas de confisco e do seu envio para São Paulo. A proposta, portanto, foi dar conhecimento e acessibilidade aos pernambucanos não só quanto à existência deste acervo, mas, sobretudo, disponibilizar informações mais detalhadas sobre cada um dos objetos, a partir da pesquisa proposta. O conjunto de objetos levados para São Paulo é composto por peças de diversos suportes: cerâmica, madeira, madeira e couro, metal, tecido, material orgânico, metal e madeira, ferro e papel. Entre os objetos estão instrumentos musicais, imagens de santos católicos, resplendores, espadas, abebés, pilões, setas, facões, imagens de santos católicos, bancos de pegí, chifres de madeira, miniaturas ou “brinquedos de orixá”, quartinhas, alguidares de madeira e cerâmica, documentos e roupas dos filhosde-terreiro. Observando a documentação museológica, identificamos cinco “seitas” das quais faziam parte aqueles objetos: Xangô, Xambá, Nagô, Gêge e Mirê. Entre os orixás, aos quais são atribuídos os objetos, ou nos quais têm inscrições, estão: Yemanjá, Xangô, Xangô Bacele, Oxum, Oxum Timi, Oxum Pandá, Oxum Fá Miló, Oxossi, Aloiá, Ogum, Exu, Oxalá, Odê Bombôchê, Odê, Omulu e Oiá. A pesquisa “Repatriação Digital” foi fundamental para identificar e iniciar um melhor conhecimento sobre os objetos e sobre o contexto no qual eles foram

confiscados. Entretanto ainda existe a necessidade de pesquisas mais aprofundadas para ampliar este conhecimento. De fato, as ações possíveis de serem realizado com o Projeto foram: Visita técnica ao Centro Cultural São Paulo para os trâmites inicias de formalização e realização do projeto; - Pesquisa documental no acervo do Centro Cultural São Paulo: Um primeiro levantamento foi realizado, a partir das cadernetas de campo dos pesquisadores, que estão digitalizadas e reunidas em um DVD organizado pelo CCSP, e nos dois catálogos publicados sobre o acervo; - Levantamento e identificação do estado de conservação dos objetos; - Higienização dos objetos: limpeza mais leve como a retirada de poeira ou sujidade superficial; - Catalogação fotográfica e atualização documental dos objetos; - Inventário digital de acervo afrobrasileiro em 3D: disponibilizado na plataforma Afrodigital (www.museuafrodigital.com.br). - Elaboração de programação expográfica e educativa para utilização das informações e levantamentos realizados; - Abertura de Exposição do MAB e Museu Afrodigital (28/11/2017) - Realização do seminário com o tema “Memórias da Intolerância, Inventário Digital de Acervo Afrobrasileiro e sua Contribuição à Diversidade Cultural Brasileira e ao Diálogo Intercultural” (28/11 e 01/12/2017); - Realização de rodas de diálogos com o povo de terreiro de Pernambuco para identificação dos objetos do acervo e produção de memórias sociais, com vistas a recompor identidades coletivas e demandas por reconhecimento (maio e junho de 2018 nos terreiros de Pai Adão, Xambá e Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro). Dentre as ações realizadas dentro do projeto, merece destaque o seminário Memória e Resistência do Povo de Terreiro ocorrido no MAB entre 29 e 30 de novembro de 2017, e as rodas de diálogos ocorridas entre maio e junho de 2018 nos terreiros de Pai Adão, Xambá e Tenda de Umbanda e Caridade Caboclo Flecheiro. Nestes espaços, os integrantes das comunidades participantes identificaram a necessidade de reivindicar ao CCSP que o acervo seja restituído para um museu Pernambucano sob os cuidados das comunidades dos terreiros. Em contrapartida, a coordenadora do acervo histórico da discoteca Oneyda Alvarenga, Wilma Martins

de Oliveira, da qual faz parte a coleção da pesquisa das Missões Folclóricas relatou a relevância de manter este acervo na reserva técnica do Centro Cultural São Paulo, defendendo a importância de conservar os fatos e narrativas históricas contidas na trajetória desta coleção. Ela também destacou a dedicação da equipe no CCSP para manter o bom estado de conservação dos objetos. Neste sentido, a demanda surgida é a repatriação dos objetos para os terreiros de Pernambuco, e, como alternativa ao CCSP foi indicado que a coleção original passasse a utilizar as fotografias destes objetos em seu lugar. Várias sugestões foram apontadas para a recepção deste acervo em Pernambuco, todavia nenhuma ação foi adotada neste sentido. Este é um debate importante que merece ter uma atenção especial, a ser realizado no país, uma vez que existem diversos, especialmente de comunidade de terreiros, mas há também acervos de povos indígenas, que foram expropriados e mantidos distantes dos seus herdeiros. Outra questão que merece destaque foi a conquistado do prêmio Ayrton de Almeida Carvalho/2018 de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco na categoria Promoção e Difusão, pelo projeto Repatriação Digital, por garantir a acessibilidade dos objetos a pesquisadores, descendentes de terreiros e públicos em geral. O prêmio levou em consideração sua inovadora expografia, concebida e executada por Charles Martins, que utiliza fotografias em 360º/3D. A proposta do museu afrodigital é conectar dois importantes acervos representativos da intolerância religiosa em Pernambuco: o acervo do CCSP, disponível no endereço eletrônico museuafrodigital.com.br/repatriacaodigital e o da Coleção Xangô do Museu do Estado de Pernambuco - MEPE, oriundo do mesmo período e contexto do acervo do CCSP, composto de 306 peças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Examinado as fotografias dos jornais e as fotografias realizadas pela Equipe da Missão, e comparando-as com as coleções do MEPE e do CCSP, podemos observar que vários dos objetos fotografados compõem hoje estas duas coleções. Esta informação é uma importante pista para a realização de pesquisas que vinculem os objetos aos terreiros de onde saíram, ou, de outro modo, nos leva a considerar que é possível realizar o mapeamento dos descendentes daqueles 24 terreiros invadidos na noite de 12 de fevereiro de 1938, e, a partir deste mapeamento, identificar de onde os objetos foram arrancados. Além disto, durante a exibição das imagens deste acervo, nas

rodas de diálogos realizadas com o povo de terreiro, foram identificados a pertença deles a alguns dos terreiros. Essa identificação foi superficial, e foi realizada a partir da estética, das cores e das inscrições existentes nos objetos, o que demonstra que é possível aprofundar o conhecimento sobre os mesmos. Este é, possivelmente, um caminho para a reconstituição da memória daquele trágico acontecimento, agora sob o ângulo dos que sofreram a violência. A reconstrução da memória em torno destes objetos, a partir do olhar destes grupos sociais, é algo a ser desenvolvido, e é um dos desdobramentos da pesquisa que o Museu da Abolição e o Museu Afrodigital estão empenhados em realizar. A parceria desenvolvida entre o MAB, o Museu Afrodigital e o CCSP, traz a oportunidade de fomentar a reativação de memórias das comunidades de terreiro ao mesmo tempo em que compõe importante ferramenta educativa e política, com usos práticos em escolas públicas da rede municipal, estadual e federal. Esta ferramenta também auxilia na consolidação da Lei nº 10.639 que assegura o ensino da história e da cultura afrobrasileira nas escolas, ao mesmo tempo em colabora com as Nações Unidas para ampliar ações na instituída Década Internacional dos Afrodescendentes (2013- 2022). Neste sentido, o resultado das pesquisas e digitalização do acervo afropernambucano, que se encontra no CCSP, se consubstancia em importante subsídio para o debate sobre o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, assim como a garantia de igualdade das expressões religiosas das culturas que compõe a sociedade brasileira, os quais são princípios diretores da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, adotada pela UNESCO e ratificada pelo Brasil. O Museu da Abolição, assim como o Museu Afrodigital pretenderam, com o projeto “Repatriação Digital”, a partir das pesquisas e da exposição, assegurar o direito à memória das experiências vivenciadas pelas comunidades afrodescendentes, e, acima de tudo garantir o respeito às expressões religiosas dos povos tradicionais do Brasil.

REFERÊNCIAS

Alvarenga, Oneyda (Org.). Melodias registradas por meios não mecânicos, São Paulo, Departamento de Cultura, 1946.

. Registros sonoros de folclore musical brasileiro - Xangô, São Paulo, Departamento de Cultura, 1948a.

. Registros sonoros de folclore musical brasileiro - Tambor de Mina e Tambor de Crioulo, São Paulo, Departamento de Cultura, 1948b.

. Registros sonoros de folclore musical brasileiro - Catimbó, São Paulo, Departamento de Cultura, 1949.

. Catálogo ilustrado do Museu Folclórico, São Paulo, Departamento de Cultura, 1950a.

. Registros sonoros de folclore musical brasileiro - Babassuê, São Paulo, Departamento de Cultura, 1950b.

. Registros sonoros de folclore musical brasileiro - Cheganças de Marujos, São Paulo, Departamento de Cultura, 1955.

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira; O combate ao catimbó: práticas repressivas às religiões afroumbandistas nos anos trinta e quarenta. Recife, 2001, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de PósGraduação em História.

CARVALHO, Roseane.

Comunicação e informação de museus na internet e o

visitante virtual. In: XIII Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação - XIII ENANCIB 2012.

SABBATINI, Marcelo. Reflexões sobre o museu virtual: a mediação edocomunicativa do objeto, da informação e do visitante em um novo espaço de representação. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação 2010.

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