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MAURIENNE CAMINHA JOHANSSON

INOCÊNCIA

por Maurienne Caminha Johansson

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Ela não tem nada de inocente...quando se confunde inocência com um sentimento ligeiresco e mal avaliado que vai rolando a ladeira da ingenuidade. Porque ingênua ela não é, nem creio que tenha sido algum dia. Inocente sim, quando conseguimos ultrapassar as nossas próprias imagens da pupila e enxergar o que vem lá do fundo de seu coração, para além do eco do supetão de seus impulsos fáceis da fala e da ação no dia a dia com você. Sim, porque se ela não concorda ou o desaprova, ela lhe diz tranquila e francamente ou lhe joga um balde de água fria. Ah, num olhar atento, aí sim, você acha a inocente Inocência! Porque ela é. Pelo tanto que ama.

Aqui em casa tem uma planta a quem vulgar e carinhosamente lhe dei o mesmo nome, pela beleza da força de sua ação diante do inesperado, pela teimosia de suas estratégias espertas por metas de existência, pelo mistério de se parecer flor e estrela do mar. Por começar a florescer no mesmo agosto de seu nascimento; pelo vermelho púrpura denotador de uma grata energia esplendorosa. Vou falar desta flor-superação sensível e de pétala consistente e elástica chamada Francisca Inocência Higino Lustosa Caminha, irmã mais velha entre dez, sendo a segunda considerando-se o primogênito do casamento anterior à viuvez de seu pai, somando-se onze. Nasceu na Ininga, interior de Campo Maior, onde não havia escola e só iniciou sua escolaridade aos oito anos no Colégio das Irmãs quando morava já em Piripiri. Da Ininga ela, pequenina, tem lembranças gostosas e salutares, num cenário de horizonte ensolarado à sombra de tucunzeiros, cajueiros e carnaubeiras, onde brincava de curral e boiada com seu maninho, imitando seu papai, formoso vaqueiro de seu próprio gado, com pedacinhos de madeira e chifres imaginados bois e vacas. Também amava ir com a mamãe dela tomar banho à beira do riacho, enquanto esta lavava alguns paninhos, tal como puxar com o pequenino Heles a bota gigante do seu pai na volta da lida. Tudo divertido. Nem mesmo a lembrança do sepultamento de um irmãozinho de um aborto que ela pediu carinhosa e sinceramente para realizar com suas mãozinhas lhe deixou mal. Não, ele estava protegido em sua caixinha miniatura de uma embalagem de mercúrio usado nos bois, onde ela o arrumou e “ele ia chorar só depois aos sete anos querendo se batizar”, depois de já sepultado por ela mesma, a menininha. Seus pais eram pessoas sofridas e lutadoras, bondosas, honestas, criadores modestos de um pequeno gado, trabalhadores em moagem de fazenda por um tempo. Passaram por injustiças das subversões de classes com as resignações a que às vezes os favores familiares condicionam. Venceram juntos como casal relativamente pobre, mas com ações empreendedoras ainda que num plano caseiro ou, digamos, não empresarial. Milton e Maria do Carmo lutaram para que a prosperidade de seus filhos viesse como frutos de seus ensinamentos de caráter e de seu trabalho com esses dividido ao longo do tempo de suas adolescências, mas por vezes mais duros para uns desde a infância, sendo esses os primeiros, ou mais, a primeira.

Foi o caso de Inocência, que já aos oito anos devia levantar-se às quase seis horas da matina, limpar toda a casa e lavar os utensílios de alumínio (copos) para deixá-los prontinhos para o uso do dia, antes de caminhar para chegar à escola em tempo pontual com seu então único irmão, estando o mais velho sob cuidados de sua avó, após a morte da mãe, primeira esposa do Sr. Milton, ten-

do sido vítima fatal de seu próprio enforcamento. Após o almoço poderia até ser menos rígida a tarefa da lavagem da louça, na volta das aulas. Sendo mais velha e mulher, ela era, depois de quase uma década, a babá dos irmãozinhos que vieram e até confeccionou seus enxovais de bebê com sua prendada mãe, que ajudava o marido como podia com suas inventivas domésticas de “boleira e doceira” que vieram depois. Suas outras irmãs, tendo nascido só após os oito anos da Cencinha, aprenderam as prendas domésticas também, mas a cobrança parecia não ter tido a mesma natureza no contexto, já que o que foi dito era um exemplo apenas, e o tempo, já em outra fase. O dinamismo “natural” do acentuado machismo estrutural da época a punha sempre em desvantagem e a deixava sentida e enciumada e depois com pouco autoestima. Estas coisas, ocultas no coração da menina Inocência, marcaram-na grandemente, quando o afeto não era externado maternalmente e nem alguma validação de seus esforços, e até, o contrário. Mesmo assim, ela somava forças, tanto obedecendo como questionando quando lhe vinha o ímpeto. Esta parte de sua intrepidez ainda mais não lhe assegurava nenhum afago materno. Mas quem sabia? Quem acredita? Reproduzir isso depois inconscientemente seria o perigo. Em termos de consciente, Inocência sabe hoje que era amada, como sabe que ama. Sua mãe também teria muito a contar sobre a sua própria infância. Uma geração pode ser vítima e prêmio da sua anterior. O dia que vem após o outro nos reinventa para melhor e a boa verdade do coração sempre vence. Só não podemos abraçar o determinismo. Podemos redefinir-nos! Inocência não teve muitos estímulos nem amores pelos livros e as condições financeiras negativas do lar lhe atraíam para o trabalho, já que preguiça ela nunca conheceu. No seu aniversário de quinze anos, ela não se recorda tão certa, pode ter tido um almoço melhor, como lembra uma irmã, e uma sobremesa de pudim de leite condensado que sua mãe preparava com carinho tradicional para estas datas.

Comerciária desde então, trabalhou em duas lojas em Piripiri, cidade em cuja época as garotas tinham a fama de ousadas para namoros mas não para estudos, e rapazes amalandrados e sem ambição ou interesse pelo trabalho. Inocência era como a garota mais linda, mais cheia de graça, admirada por aquela pequena sociedade, esbanjando beleza e brio. Vestia-se bem e com muito bom gosto. Enfrentou intrigas e ciúmes do querido mano primogênito, desde a moradia deles na cidade, o qual anos depois seria novamente o amigão do peito . Em seu vestido de organza amarelo refletia a luz da alegria e da romântica vaidade. Por terminar um namoro breve com um seu aparentado, correu o risco de ser propositadamente atropelada por ele em revanche. Ela seguiu firme, em paz com sua personalidade cheia de propósitos. Mudou-se ela para Campo Maior e lá morou com um tio e trabalhou como caixa na sua manufatureira – “Fábrica de arroz”. Inocência tinha o talento de empresária. Pouco tempo depois, já estando com seus familiares também na cidade, conheceu um jovem militar vindo da Escola de sargentos das armas de Três Corações-MG proveniente de Ipiranga do Piauí, o charmoso, competente, batalhador, o galante sargento Caminha, que roubou o coração da moça íntegra, trabalhadora e faceira. Ele estava a serviço da construção da linha de ferro entre as duas cidades citadas, e ao que nos consta, inicialmente com uma empresa construtora cujo dono era o pai do nosso querido e saudoso Chico Anísio. Bem, a história da jovem se uniu à dele, tão dura, simétrica e vislumbrante de horizonte tal como a ferrovia em construção, e tão forte como as vidas cuja direção ela apontou na metáfora do espaço e do tempo. Noivaram-se determinados e ela se imaginava na canção de sua voz melódica sussurrada ao ninar o irmão caçula, o qual já se foi para a outra esfera da vida – “Branca e radiante vai a noiva” ... Veja aqui e depois retorne cá! (https://www.ouvirmusica.com.br/aguinaldo-rayol/1335141/ ).

A Cencinha deixou o emprego...

Na calada da aurora e em segredo, em fevereiro de 1962 casaram-se Francisca Higino de Souza (como registrado então em certidão de nascimento) aos dezenove anos e João Borges Caminha aos vinte e seis, vindo ele também já de uma dura jornada de vida em broto, de uma infância pobre e afetivamente mais carente. Tendo os tios dela com quem morava e uma prima presentes à cerimônia, Inocência e Caminha renunciaram a uma festa que ganhariam de outro tio, e preferiram honrar aos pais com humildade - que os abençoaram depois -

não querendo que eles se constrangessem por não poderem assumir tais despesas de pais da noiva. Isto foi harmonioso para todos, bem mais tranquilo que as intempéries e desafios que eles tinham antes disso, incluindo preconceitos `superiores´ de “sangue azul” de alguns familiares no lado sul do estado, aos quais ela lhes retribuiu ao longo dos anos ininterruptamente com uma arma fortíssima – o fazer-lhes o bem, dar o amor que tem e ser ela mesma, sem se aviltar. Hoje a Francisca Inocência Higino Lustosa Caminha é um tesouro no coração destes e de seus descendentes e ela os ama. Os frutos atuais destas convivências que o confirmem e o WhatsApp também. No princípio do princípio de casados, o casal recebeu o primeiro mano dela para morar por um tempo consigo, e em seguida o mano dele. Assim, estávamos lá em sua casinha, meu pai, minha mãe, meu tio materno e meu tio paterno, e minha irmãzinha no ventre da mamãe, gerada quando eu era bebê de três meses. Papai e os tios estudavam à noite para concursos, na volta do dia no exército.

A jornada tênue - de buscas de soluções, de desafios e sacrifícios, de crescimento espiritual e de fortalecimento de caráteres, de autoconhecimento mútuo e de superação de provas - só estava ganhando seu formato amistoso neste jogo de cinturas. O papai querendo se superar no sonho da profissão futura e ser o bom provedor ( e isto vai merecer uma outra história), meus tios ali como numa ponte também, porque precisavam de apoio, claro, naquele mesmo tempo, e minha mãe ficando lá – a dona de casa e dos filhos sendo motor e engrenagem gerais, como rezavam a cartilha e o contexto histórico que tínhamos (ainda atual para tantas mulheres).

São cenas assim bizarras e estimulantes que alguns testemunham: o Caminha na bicicleta com uma cunhada áurea no varão, a Cença na garupa com a filha na perna e o outro bebê na barriga... numa pedalada feliz da vida como podia ser, para algum lugar! Por volta de sua sétima mudança de moradia, então em Teresina, a protagonista desta pequena memória já trazia seu terceiro filho e ali teve mais dois. Sua própria bagagem para lá eram dois vestidos remodelados por ela. Mais três mudanças de casa (próprias agora) viriam, no decurso do tempo e dos alcances hercúleos de nosso pai, e dela, baseados em extremos sacrifícios dele, e também dela, todavia paralelos e às vezes bifurcados. A vida matrimonial não lhe estava tão sorridente, quando meu pai carregava a marca do homem mais especialmente provedor econômico da família, suposto superior ainda que inconscientemente, em termos de posicionamento de sua autoridade, e que já não tinha tempo de perceber quem era aquela ao seu lado e por trás dele. De forma diferente, o homem também pode ser vítima da sociedade que traça seu papel. Palavras duras discriminatórias e atitudes pouco esperadas e que de alguma forma à prole afetava entravam por vezes nesta relação, o que não é incomum a muitas outras famílias, especialmente quando a figura masculina de militar e intelectualizada pareciam prevalecer no perfil do papai daquele tempo, hoje tão mais sábio, humilde e flexível – eram dois diamantes de qualidade em lapidação em diferentes formatos. Hoje papai dá joias para a sua joia e compreende que ela vale tão mais. O respeito, a compreensão e a tolerância foram duramente provadas neste romance de dois corações bons. Mas seu nome é vitória e soma(m) 59 anos, com a graça de Deus e da labuta de ambos na obra linda de suas vidas. O perdão sempre gera graça e fortalece o amor e a cumplicidade.

Considerando a sequência das décadas, nossos pais receberam boa parte dos irmãos maternos da mamãe para morarem conosco, como também familiares do lado do papai. E se sentem hoje muito bem e felizes por terem podido fazê-lo. Nossa família se formou assim e vivemos entre as adversidades do cotidiano (a se considerar tudo o que isso envolve) e vínculos de afetividade que cresciam simultaneamente. Apoiar foi vocábulo essencial em nosso lar e tantas vezes isto foi recíproco no contexto, ainda que mais simples e de outra maneira. A relação amigável e íntima de hoje entre estes familiares e os seguintes não surgiu do nada. Mamãe cuidou dos irmãos e dos filhos e de alguns mais ao longo de sua vida. Vários descendentes destes refletem hoje este carinho com ela ou conosco em seus contextos pessoais ou profissionais.

Inocência retomou bem depois os estudos, mas seu contexto não a estimulava tanto, apesar do desejo do Caminha quanto a isto. Cursou o então ginásio (5ª a 8ª séries) no turno da noite no programa Madureza e o segundo grau por correspondên-

cia, com o Curso Técnico em Contabilidade, e até presenciei um tempo em que ela sutilmente ajudava informalmente na contabilidade do escritório do conceituado advogado Dr. Caminha. Minha mãe poderia ter se formado nesta área nos estudos superiores, mas sua opção foi recusar (ou renunciar?), já que a força que lhe movia era de outra amplitude. Nunca ficou oculto seu sonho de continuar trabalhando...

Mamãe foi sempre muito independente no aspecto individual e uma conta bancária conjunta lhe deu as asas que precisava para abanar melhor seu fôlego no seu espaço, depois de anos. E o que ela queria? Prover também! Caminhar ao lado, realizar sua obra de sabedoria pragmática. Não foi a esmo que tenha sido ela quase que uma ´arquiteta ´e mestre de obras das casas simples que levantou com o papai no sítio ou na praia e nas reformas da própria onde mora até hoje, com resultados surpreendentes e para a alegria de todos. Ela tem ideia clara das planilhas de custos domésticos e com criticidade. Como de tudo o que quer saber. Todas estas casas guardam lembranças alegres de convivência e festa ao natural do cotidiano. São como nossas praças! Ligando segmentos do tempo como flashes de luz ou como contas de seu terço, todos ao seu redor temos algo a mencionar do lado guerreiro desta mulher. Sem escassez de exemplos mas com mais concisão podemos ver que ela era e é um porto seguro de obstinação, e com o esposo agiam os dois com uma conduta moral edificante. Ela particularmente não media esforços para intermediar as relações positivamente, unificando a família, independente das circunstâncias. Mamãe pouco viajada na época, enfrentou viagem a São Paulo sozinha e a Fortaleza para acompanhar seu pai, doente do coração, lá nas cirurgias, como ela se lembra - com saudade dele - e ao que minha irmã Maurélia menciona bem como um de seus atos de coragem. Pôde cuidar de minhas avós e do meu avô paterno também quando vinham doentes para Teresina. Muito antes, evitou de meu pai ter sua perna amputada depois de quase um ano de erros médicos no hospital após um acidente de carro. Ela, essência de leoa e coração de pomba, desconfiou disso, discutiu o quanto pôde com o médico e o despachou, procurando novo médico e exigindo resultado. E teve. Nós filhos, como diz meu irmão Marco Aurélio, e que eu como filha mais velha vivenciei desde mais cedo, “sabemos que a mamãe sempre tomou a frente de nossa educação escolar, com matrículas, reuniões, transporte, problemas no mais geral, grande característica reveladora de sua força”. Papai via mais o conteúdo quando podia, como bem me lembro. “(...)A manutenção da casa, a providência para consertos em geral sempre foi com ela” .

Inocência tem seu “...jeitinho resolvido, cheia de soluções, com seu olhar penetrante que enxerga o outro no fundo de sua alma, independente das suas diferenças ou dificuldades”, como já disse minha irmã Maura. Claro que ela em dimensões menos visíveis também aprendeu a ter preconceito, racismo e sutilezas dele, mesmo que não se aperceba, como é mesmo o que desgraçadamente pode ter ocorrido com muitos de nós, incluindo você que lê. Quem vai atirar a primeira pedra? No entanto, D. Inocência procura desaprender e contestar estes ismos, com sua atitude. Afinal, desnaturalizar essas barbáries das sociedades e agir no combate a elas é obrigação de todos nós, como cabe a cada um, até mesmo para além do voto.

O denodo desta leoa lhe dá a segurança de falar e ser ouvida. Meu irmão caçula Marco Túlio conta que, criança, numa feita dessas a acompanhava no carro, um Belina, para nosso sítio Francilândia, levando muitos materiais para a construção de uma piscina. Ela não dirige tão devagarinho. Com o carro todo lotado disso passou tranquilamente pelo Posto Fiscal da Fazenda na estrada (veja que não falei de posto de trânsito rodoviário) . Tudo bem, normal. Ninguém os parou. Na volta com o pequeno, depois de já ter descarregado o carro lá, tudo tranquilo. No asfalto já longe depois de uma curva, eles se deparam de repente com um carro completamente virado e atravessado, por sinal, do tal posto fiscal. Mamãe foi encostando o carro para entender o ocorrido, afinal não havia espaço para passarem, a não ser uma mínima margem do acostamento. Mais repentinamente ainda, do carro saiu um homem meio bambo da virada, brigando feroz com ela: _ Ei, minha senhora, está vendo o que a senhora fez? Me fez virar meu carro. Me fez sair correndo atrás da senhora pela estrada e agora tô aqui eu de carro virado. E agora, como é que a gente fica, hein? ... Ao que ela prontamente respondeu: _ O quê? Como é que a gente fica??? Revue Cultive - Genève

E eu tenho lá culpa de você ter virado seu carro, moço, de você não saber dirigir direito?? Que história é essa, por que é que você ia me parar, se eu não fiz nada de errado? Pode sair do meio aí, por favor. Onde é que eu passo com este carro aqui? Eu é que quero saber. Ele continuou _ Como é que a gente fica? Vamos resolver! (E o caçulinha só olhando e ouvindo aquela cena toda . Claro que você sabe o que o guarda queria, né?). Bem, nossa leoa motorista decidiu-se: entrou no carro com o meu irmão, pegou a brechinha da lateral, quase adentrando o matinho, pisou forte o acelerador e se mandou. Resolveu o problema do jeito dela. Absolutamente, se ele estivesse mal ela o iria socorrer, lógico. O caçula viu ali uma ilustração do seu lado guerreiro, “a força da mamãe em resolver problemas com proatividade”.

A curiosidade de nossa mãe era sempre premiada! Iniciativas não lhe faltam. Independente de maiores conhecimentos teóricos, Inocência nunca se descuidou do saber necessário que a fizesse agir como cidadã, interagir, influenciar e intervir positivamente na hora h com o que dispunha e soubesse – não foi à toa que até respiração boca a boca tentou fazer prontamente em uma filha grávida, esta, ao vê-la imóvel na cama parecendo não respirar. Ela não sabia nada sobre isso, mas lhe fez tossir! E como não pensar nos netos, não é? A esses, Inocência até os mima, e nos ajudou muito, aos filhos, e muito a mim, em nos socorrer quando podia em tomar de conta num ou outro dia (ao que minha irmã Maurélia contribuía bastante), e pegar na escola em ocasiões extras específicas. E o faz até hoje com menores se necessário. Ela simplesmente curte muito cada um dos dez de forma única, e não superficialmente, pois participa de suas fases ativamente, de adversidades e alcances, tristezas e alegrias cotidianas, ao ponto de confundir a vida dela com a deles. E sente muita pena por seu primeiro bisneto morar do outro lado do Atlântico. Foi extremo o apoio incondicional que ela nos deu, a mim e meu esposo e seus primeiros netos, quando da nossa mudança para outro país, diante da enorme dor de nossa separação geográfica, apesar de que ela soubesse o que isto significaria nos anos futuros. Isto se aplica também ao meu pai.

Nosso terraço “lá em casa” sempre foi o “point” e sua casa, nossa festa. Uma das melhores cajuínas do Piauí (prove uma!) Inocência fabrica orgânica e artesanalmente e comercializa em pequena escala. Partilhou seu jeito de fazer com quem o quis, abertamente. A cajuína – o suco de caju esterilizado tipo cidra não alcoolizada e sem açúcar, de transparente amarelo âmbar e não gasoso, é Patrimônio Cultural do Estado e símbolo cultural de Teresina. Sim, a Cajuína da música do Caetano . Aproveite e veja aqui a homenagem que ele fez com a sua música ao amigo Torquato Neto - Caetano Veloso - Cajuina – YouTube .

Antes disso, minha mãe realizava muitas outras pequenas inventivas, mas sempre com certa timidez, sem meta empresarial. O prazer da existência e de não se prender a uma só coisa lhe fala mais alto, e os alcances profissionais persistentes de meu pai puderam felizmente lhe viabilizar tal coisa. É coofundadora , ex-presidente - e ainda hoje na ativa - de um grande projeto de assistência social a famílias carentes (Clube Satélite, inicialmente de sócias do BB) que há já cinquenta anos contribui para o melhoramento de vidas de crianças, na saúde, na educação, no lazer e para o apoderamento de mulheres na introdução a uma profissão ou no saber produzir. Tão exemplar foi, que este projeto hoje recebe apoio institucional econômico da prefeitura de Teresina, pelo seu reconhecimento de resultados. Inocência tem seu criticismo diante dos fatos, mesmo em suas limitações, e sabe reconhecer com humildade quando algo não deu certo, tal como o contexto fracassado atual em que fomos esbarrar por exemplo, no Brasil, quando tantos votos se perderam. Aquela obra social em que ela atua, no entanto, persiste bem! O Caminha toma por empréstimo em similitude o que a própria Inocência coloca em mensagem para aquele enorme time de trabalho social por aplicativo no telefone nesse tempo de comemorar seu sucesso, e por ocasião também de seu aniversário, no isolamento da pandemia no sítio: que aquelas qualidades da coragem, da garra, do esforço incondicional, do tempo dedicado, da função bem exercida, isto condensa a obra como sendo, analogicamente, ela mesma: “a obra é como a realidade dela, é ela pura, o que ela diz, o que tem nela – de modo geral para tudo o mais”.

Nossa protagonista, leoa com visão de águia no planejamento de seus alcances e no reconhecimento de sua necessidade de renovar as penas

que perde - ainda que tenha que enfrentar em solidão um monte alto e seco ao longe, cheio de pedras pontiagudas - e sua fé crescente e experimentada fazem dela alguém que vê adiante e sempre espera uma resposta feliz dos céus e todos os seus santos.

Não é fácil saber quantos foram ou são ajudados pela dedicação e obra desta mulher especial com a parceria de seu companheiro, sem o qual isto seria muito menos viável. Há toda uma cumplicidade nisto, anel de dois diamantes, embora ela detecte mais os alvos das necessidades e estrategie um plano de ação por ajudar outros a realizarem seus sonhos. Bem, nem vamos saber quantos são, graças a Deus! – Há muitas grandes obras que se realizam no segredo do coração e só Deus e quem recebe as conhece. Desde o familiar, social ao espiritual. Não é menor o apoio pragmático e financeiro de ambos a estudos de alguns que se dedicam inclusive ao sacerdócio, o que muito me/ nos orgulha.

Esta resumida memória em vida é como que escrita a várias mãos. Porque testemunha o carinho de cada um com quem pude confirmá-la e até dos que não mencionaram literalmente uma palavra, e suas lembranças de gratitude, orgulho e benquerença, as quais demonstram o quanto Inocência é amada e reconhecida como uma extraordinária mulher, tais como... “excelente(s) irmã e cunhado, madrinha de filhos, prestativa, especial...” ; “...personalidade forte e muito determinada...”; “...a opinião dela contou muito para nossa decisão, pela força, determinação, otimismo, entonação firme da voz, pessoa ímpar...amo...”; “...feliz em homenageá-la, maior respeito, consideração e gratidão por ela, corajosa, trabalhadora, preocupada , confidente e muito presente em minha vida...”; “... querida, dedicada, responsável, cuidadosa com todos da família, apoiadora, incentivadora, amizade aprofundada na convivência sem divergência dela nem do querido cunhado, extensiva aos filhos, laços de apadrinhamento, carinho e consideração...” “...obstinada, lutou pela felicidade, fez tudo pelos filhos, educaram juntos para o bom caráter e fortalecimento do lar, conduta moral edificante, satisfação íntima atual de que valeu a pena...”; ... “aprendi com ela o amor pelo jardim, de cuidar da casa, arrumação; mulher de verdade, guerreira e batalhadora...” “`dona` dos filhos”; “...não conheço ninguém de coração maior, no sentido de querer lhe fazer o bem, ajeitar a todos como ela pode. Se imagina seu desejo, faz de tudo para lhe ajudar a realizar...”; “...vovó tem a garra de unir a família, juntar todo mundo independente das circunstâncias...”; “...vovó, muito generosa...”; “... fortaleza de coração frágil e bem humana, criativa e destemida, inspiradora, invejável, amiga... lutas de êxitos e orgulhos...”.... “Nós netos crescemos vendo isto : a vovó faz as coisas acontecerem na casa dela – sempre ajeitando, está sempre em movimento. A forma de ela cuidar é a linguagem do amor: fazer as coisas para você, o que lhe agrada. Desde a água de côco...em diante. Ela sempre escutou muito nossos desejos, presta atenção nos outros, no que falam, e tenta lhe agradar com a sua ação. Basta você mencionar ou ela saber que você gosta. É assim que ela mostra o eu te amo, é a sua característica sempre verbal. Acomoda tudo para que as coisas fluam e não deixa pra depois. Se não consegue fazer, isto a entristece. A linguagem de amor dela ela traduz nas ações dela também.”; “...Amo ! ” Bem, a concisão é um desafio nesses contextos de fortes sentimentos de laços de amor e de reconhecimento, porém mais de veracidade de fatos. Sem intenção de buscar validação de sua pessoa mais afora do contexto íntimo, me contento aqui com um plano mais diminutivo, mas que se confirma numa extensão grandiosa nos laços sociais que a mamãe criou. D. Inocência construiu seu próprio empoderamento de mulher e de pessoa mais genuinamente com o aprendizado dos desafios do cotidiano na lida da vida, com temor a Deus, humildade, flexibilidade, abertura, braveza , perdão, altruísmo e muito amor no coração. Seu curriculum vitae - bem utilizado por ela, independentemente de ela não gostar das vírgulas em suas mensagens escritas - é acrescido diariamente de pontos ganhos nas constelações onde ela quer brilhar. Aos 79 anos, não fora a provação da artrose intensa e geral que sofre, e o isolamento da Covid-19, ela estaria aprontando muitas outras! Na verdade, moderna como ela é, animada e jovial, não perde a oportunidade de pelo celular realizar proezas e continuar sendo uma mulher participante e à frente de seu tempo! Que esse tempo se prolongue em muitos anos ainda sob as bênçãos celestiais! E aqui Inocência, porque bem menor que você, fica uma minúscula honra ao mérito !

INVISÍVEL MULHER EXTRAORDINÁRIA por Maurienne Caminha Johansson

Natureza e essência iguais Não és vegetal, nem animal Unidade mulher Beleza diversa em toda a população humana Raças diferentes? Tudo é só gente – raça humana presente em toda parte Toda ela repertório igual de genes Sem termos criminosos do Bio, porque bio é vida, não padrão de vida.

MODOS de vida !.. Jeitos de ser ...extraordinariamente únicos! Nem termos secundários ordinais ao homem Mas com, ou sem ele Mulher Nem extra Nem ordinária Nem clara ou escura Ah, mulher... Sem ti o mundo não seria mundo Em todo canto és sorriso e pranto Teu espaço mítico e tua realidade empírica, significantes que te fazem uma. Quem pensa que és com teu invisível sofrer? Quem acha que és na luta desleal e cruel do teu contexto nas entranhas deste mundo ferino e injusto? És a imagem diminuta de um mundo bom e original em dinamismo. Teu valor excede o das joias ( tão intangível, oculto, incorpóreo - aos olhos da cegueira d’alma)... Porque Deus te amou por primeiro E de ti saem todos os homens Todos os exércitos que te perseguem Não têm a força do teu combate És a substanciação do amor A mesma que formou o cosmo - ordem, organização, beleza, harmonia! És a estrela e és a flor.

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