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A Natureza acima de tudo / Os Amores descartáveis

Com Deus e com a natureza, muitas graç as e poucas chalaças. Andou uma centena de inteligentes, no parlamento, a aprovar a eutanásia: E agora têm a prova. Aparece um vírus, que eu nem me atrevo a chamar-lhe nomes. E já ninguém quer morrer!... Faz-me lembrar o lenhador, exausto, zangado com a vida, dizia: – Eu quero morrer, venha a morte. A morte apareceu, feia e com aspeto infernal exclamou com voz medonha: – Eu sou a morte, queres vir comigo?... O

Sei que te amo, “daqui até à lua, e da lua até aqui” tal e qual como na música que passa na rádio em frequência modulada. É um sentimento forte, avassalador e pleno; só pode ser o Amor que é descrito pelos grandes escritores, cantado pelos músicos intemporais, vertido nessas estrofes maiores que são a Ilha dos Amores do nosso Camões. Quero casar contigo, ser tua, comprar uma casa com vistas privilegiadas para o rio, um carro com teto de abrir e ter filhos. Muitos. Dois, três, dois casais, que dão sempre a ideia de um casal completo e exemplar. Completome em ti e tu preenches-te na minha pessoa. Vamos ser felizes, mesmo que esse estado seja um enigma vivencial para ambos… definitivamente, nunca ninguém me explicou como se atinge a felicidade; se com uma viajem a Palau Borneo, na Indonésia ou a Nassau, nas Bahamas; uma vivência conjunta plena e redonda como nas clássicas fairy tales da Disney ou se com uma viagem de três meses de circum-navegação ao Mundo. Podíamos calendarizar as núpcias para o Verão, com um dia clarinho de sol, mar e luz, muita luz. Depois partir num cruzeiro que cruzasse os sete mares e fizesse escala nos portos mais pitorescos da série dos filmes do 007, desde o Sean Connery ao Daniel Craig. Nos gostos cinematográficos, como noutros, somos complementares; gosto de Notting Hill e Mamma Mia, tu tens preferência pelo Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, ou o Good Bye Lenine! de Wolfgang Becker; gosto de de underground e new wave; gosto de gelado de pistácio e nata e tu gostas de hortelã com caramelo. Prefiro um bom

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A Natureza acima de tudo

lenhador pensou melhor e de olhos arregalados disse: - Não. Ajuda-me a por o molho às costas!... Entre os oito e os dez anos, tive o garrotilho, era um grupo de frúnculos no pescoço e as pessoas diziam que se desse a volta completa ao pescoço, iria asfixiar-me. Não se espantem se lhes disser, que quem me curou foi um ferreiro de Vilarandelo. Vários grãos de nozes numa chapa que pôs na fornalha, a esquentar bem, com uma sachola calcou até fazer óleo muito preto. E foi esse óleo que me pôs no pescoço e recomendou que não me lavasse durante oito dias. Foi eficaz e barato, Deus lhe pague. Alguém disse, mais do que uma vez, que queria acabar com os sem abrigo. Agora, com a pandemia põem toda a gente em casa e eles ficam na rua à mercê do vírus!...objetivo conseguido. O Bolsonaro também diz: - Não sejam piegas, isto não passa de uma gripezinha, ou um resfriado e além disso só atinge pessoas com mais de setenta anos, essa peste grisalha, dos lares e prisões, que rosé frutado e leve, enquanto que tu preferes um tinto encorpado e robusto. Parecemos almas gémeas, Baunilha e Chocolate, como no romance da Sveva Modignani. (Primeiro introito) Passaram oito anos desde o nosso contrato matrimonial, porque os casamentos também são contratos que se assinam entre dois outorgantes, temos 3 filhos adoráveis, mas quero confessar-te que me sinto cansada. Exausta. Incompreendida. Não suporto os teus atrasos sucessivos do escritório, o teu cheiro a tabaco Chesterfield King Size e esse teu gosto doentio por filmes de guerra e documentários históricos. Teimas em ser como os outros homens; previsível, insonso e sem graça alguma. Creio, ou faz-se crer no meu espírito, que já não me aprecias como quando namorávamos. Ganhaste hábitos rudes, boçais e desconcertantes. Preferes ver os jogos de futebol nas quartas-feiras europeias, do que apreciares comigo o Titanic de James Cameron. Ainda te lembras quando víamos o Notting Hill bem fresquinho? Atendias sempre aos meus caprichos e gostos pessoais, às minhas indisposições e irritações passageiras. Parece-me crer que já não consegues ouvir o Shepherd Moons da Enya ou aquela coleção de música celta que me ofereceste nos meus 22 anos, quando visitámos a fontana di Trevi na Cidade Eterna. Agora só ouves música ambiental, ou aquela música afroamericana com ritmos hipnotizantes que nunca apreciei. Os teus gostos mudaram. Já não gostas de hortelã com caramelo, mas preferes aquele gelado a só já dão prejuízo: Objetivo alcançado!... Eu ainda sou do tempo, em que as guerras se faziam com canhões, morteiros e bazucas, durante dois anos na guiné carreguei uma metralhadora HK. Foram centenas de rações de combate, beber água da bolanha e curar um paludismo que deixou marcas. Os soldados nad futebol que ganham milhões? Afinal nem são de primeira necessidade! A guerra agora é com o vírus, inimigo desconhecido, os quartéis generais são os Hospitais, o pessoal da saúde são os Heróis na linha da frente, nem são remunerados, nem progridem na carreira. Um louvor para eles. Eu pelo menos já aprendi a lavar as mãos, dizem para não as levar à boca, aos olhos e ao nariz, mas não tenham a tentação de meter os dedos noutros buracos, que eles não dizem e eu também não digo!... Haja respeito pela Natureza, não há forças que a vençam. Cão velho, quando ladra dá conselho. E eu, como velho, o meu conselho é: e que é de Armagnac. A mim também já não me seduz aquela comédia da dupla Julia Roberts / Hugh Grant. Mudámos em tudo; gostos pessoais, ambições de vida, expetativas futuras. Os nossos filhos ainda não sabem, mas eu tomei uma decisão irrevogável. Quero o divórcio, juiz de Direito e delegado do Ministério Público no palanque, oficial de Justiça a tomar notas das minhas razões insanáveis, de papel assinado e partilha de bens. Sem contraditório, acordo ou tentativa de reconciliação, que “a vida já me foi dura para insistir na companhia”, tal e qual como na música dos Trovante. (Segundo introito) Conheci uma pessoa extraordinária no meu novo emprego, lá no guichet do aeroporto. Pessoa séria, íntegra, bem formada, simples e honesta comme il fault (bom falante e sedutor q.b.), julgo que com esmerada formação académica, felizmente sem filhos, fumador ocasional, separado recentemente, mas que quer ser feliz de novo – concordarás que todos temos direito a uma segunda oportunidade na vida amorosa e o amor, devo confessálo, não é eterno como a cidade de Roma. Confessou-me que o coração dele estava apto para uma nova relação. Tu bem sabes o quanto adoro desafios. Temos conversado muito e somos almas gémeas; os mesmos gostos, os mesmos interesses, os mesmos pontos de vista, uma sintonia perfeita de rádio em estereofonia numa madrugada amena e ainda virginal. Já vimos uma casa com vista para o rio, um SUV japonês com teto de abrir panorâmico e até já passámos na agência de viagens Alto Astral para um cruzeiro com Por: Eduardo Ferreira da Costa

Não desprezem nem abandonem a agricultura, não se iludam com subsídios e pousios, os grandes, quando fizeram as cotas agrárias da Europa, prometeram abastecer todas as grandes superfícies, mas se a crise se prolongar, podem nem ter sobras para nos mandarem e depois, arreganhamos os dentes com a fome!... Se o momento é de união e de solidariedade, porque não se juntam Americanos, Russos e Coreanos, que dizem de boca cheia ter a mãe das Bombas. Não sejam ridículos, invistam na humanidade, combatendo a fome, a miséria e as doenças. Basta que a Natureza largue um vírus e humilha todos esses fanfarrões.

A Natureza está acima de tudo, A primavera dá-nos esse alerta. Deus deixou dito a todo mundo,

Os Amores descartáveis do nosso quotidiano

música pop e easy-listening e tu gostas com um vinho spummante italiano que adicionas um travo a cognac francês Que a morte chegará na hora certa. paragem obrigatória nos sete portos mais bonitos dos clássicos filmes do 007. Ele gosta de hard-rock e speed metal e eu ainda gosto muito da Enya, do Andrea Bocelli e dos bons clássicos dos anos `80. Sinto-te um pneu Spare wheel /temporary use, e eu sinto-me asfixiada nesta casa que nunca teve uma nesga de vista para o rio. Amanhã os advogados que me representam entrarão em contato contigo, por hoje “ It´s all I have to today, It´s all I have to say”, como na música que ambos gostávamos de dançar envoltos em sonhos desmesurados e inocências de adolescentes. “ Bye, bye, love, Bye, bye swetness, I think I am gonna fly !”

Miguel Moura é arquivista de formação e escreve com alguma regularidade no jornal “Arauto: Boletim Informativo da Casa do Povo de Vilarandelo”, disponível em: http:// casapovovilarandelo.com/jornalarauto/

Nota explicativa: Este texto é ficcional. Foi redigido em período de confinamento profilático e em estado de Emergência Nacional, devido à pandemia COVID 19. Qualquer semelhança com a realidade é quase uma mera coincidência.

Boas Festas

A R A U T O CARNAVAL VILARANDELO 2020

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