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6 Baixas Ametropias

Avaliação da Prescrição Médica 121

Baixas Ametropias 6

Milton Ruiz Alves Edson dos Santos-Neto Mariza Polati

O termo baixas ametropias refere-se aos erros refracionais miopia, hipermetropia e astigmatismo de menos de 1,00 D, cujo diagnóstico e valor dióptrico tenham sido obtidos no exame refratométrico sob cicloplegia.

SINAIS E SINTOMAS

Os sinais e sintomas resultantes de pequenos erros refracionais não corrigidos geralmente são vagos, transitórios e difíceis de serem relacionados às baixas ametropias.1 Os achados do exame oftálmico de rotina usualmente não explicam o porquê de as queixas desses pacientes serem, às vezes, clinicamente significativas. Os sintomas mais comuns estão associados aos erros refrativos maiores não corrigidos, tais como visão borrada, astenopia e cefaleia, os quais também são relatados pelos pacientes portadores de baixas ametropias não corrigidas. A alteração visual decorrente de pequenos erros refracionais é discreta e tem pouco ou nenhum efeito na acuidade visual, uma vez que o borramento da imagem retínica é mínimo. Nos casos de baixa hipermetropia, a acomodação compensa confortavelmente o erro refrativo, a menos que os sintomas estejam relacionados ao prolongado esforço acomodativo e exercido sem intervalos de descanso, em atividades como leitura ou no uso de terminais de video display (VDT). Nesses casos, os sintomas podem resultar de fadiga do sistema ciliar, devido ao tempo prolongado de uso da visão de perto e/ou pela descompensação de foria preexistente.2

Muitos investigadores têm demonstrado haver relação entre o uso de VDT e sintomas relacionados à visão, incluindo cefaleia, dificuldade na visão dinâmica (focalização alternada de objetos próximos e distantes), diplopia, visão borrada, irritação ocular e astenopia.3-6 A etiologia desses sintomas é, frequentemente, incerta, uma vez que fatores comportamentais e/ou ambientais (p. ex., o tipo de atividade visual, a pressão pela execução do trabalho, o interesse pela atividade e a ausência de intervalos para relaxamento da acomodação) e fatores oculares (p. ex., o tipo e a magnitude do erro refrativo, a amplitude de acomodação e a descompensação de

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

foria preexistente) têm sido identificados como causas possíveis.3-8

O cansaço físico e o estado de comprometimento geral da saúde também podem desencadear sintomas de astenopia em casos de baixa ametropia não corrigida.7,8

FUNDAMENTOS DA CORREÇÃO ÓPTICA

Sinais e sintomas, como visão borrada, astenopia e cefaleia, resultantes de baixa ametropia não corrigida, podem afetar pessoas de todas as idades. Para todas elas, o fator desencadeante comum é a execução de atividades visuais de perto realizadas por meio do esforço acomodativo prolongado.

A conduta na baixa ametropia leva em conta a possível influência de muitos fatores, entre eles a presença e intensidade dos sintomas e do efeito da ametropia na acuidade visual e na visão binocular.

Em alguns casos de baixa ametropia, como hipermetropia simples em paciente jovem com amplitude de acomodação normal, os sintomas oculares, se presentes, são mínimos e a acuidade visual de longe e de perto provavelmente não é afetada. Nesses casos não se deve prescrever lentes corretivas, mas os pacientes devem ser educados sobre a natureza de sua condição e dos possíveis fatores desencadeantes dos sintomas. Devemos enfatizar que essa condição não leva a perda de visão nem a outras complicações e explicar que alterações comportamentais (introdução de intervalos para relaxamento da acomodação) e ambientais (correção da iluminação e da distância em que é exercida a atividade visual) podem devolver o conforto visual.

A questão clínica fundamental a ser enfrentada na conduta aos portadores de baixa ametropia sintomática é a de prescrever ou não a correção óptica total do baixo erro refracional.

Para pacientes portadores de erros refrativos baixos cujos sintomas estejam supostamente a eles relacionados, a conduta é a correção total do erro refrativo medido sob cicloplegia, desde que haja saúde física e não sejam identificadas alterações do sistema acomodativo e das vergências fusionais. Na presença de astigmatismo hipermetrópico, a correção deve sempre ser a prescrição total do cilindro positivo. Como a magnitude do poder das lentes corretivas é pequena, geralmente o paciente não encontra dificuldades em usá-las nas atividades de perto. Não existe uma regra para todos os pacientes. Por exemplo, o portador de baixa miopia com esoforia para perto e que usa a prescrição para melhorar a visão de longe deve retirar os óculos nas atividades para perto com o objetivo de reduzir a esoforia e manter a visão binocular normal.

Recomenda-se o uso dos óculos nas atividades que propiciam conforto, o que, para um número pequeno de pessoas, pode significar todo o tempo.

A utilização de armação de provas montada com as lentes a serem prescritas permite ao paciente reconhecer como a correção planejada irá influenciar na visão de longe e perto, mas não fornecerá subsídios a respeito do possível alívio dos sintomas desencadeados no exercício diário de suas atividades visuais.

O exame refratométrico subjetivo não é suficiente para determinar a medida correta do baixo erro refracional. A decisão

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sobre quanto prescrever se baseia na sintomatologia e na medida dos erros refrativos sob cicloplegia.

ACOMODAÇÃO E VERGÊNCIA

A prescrição de lentes oftálmicas esféricas, cilíndricas ou esferocilíndricas, positivas ou negativas, no manejo de qualquer ametropia, pode afetar os sistemas de acomodação e de vergências. Modificando-se a acomodação, alteram-se também as vergências, em função da íntima relação que existe entre ambas. Se determinada atividade visual leva a aumento do estado acomodativo, também desencadeia aumento da convergência; assim, o estado de hiperconvergência pode levar a maior demanda de vergência fusional, com consequentes sintomas de astenopia e cefaleia.1

Com lentes de poder dióptrico baixo, não se deve esperar efeito clinicamente significativo no sistema acomodativo e vergencial. De fato, pacientes que referem sintomas de astenopia ou cefaleia por ametropia hipocorrigida, com frequência referem alívio imediato dos sintomas com a correção refracional adequada. Contudo, aqueles pacientes que recebem prescrição de lentes de baixo poder dióptrico precisam ser educados sobre o uso dos óculos e sobre o posicionamento dos VDT para que ocorra alívio dos sintomas relacionados à acomodação e vergência.1

DESENHO DAS LENTES

O desenho das lentes, curvas-base, espessura central e tratamento de superfície são os habituais em estoque. As lentes dos pacientes que trabalham com computador devem receber tratamento antirreflexo.

ESTUDOS DE CASOS

■ Estudante, sexo masculino, com 9 anos de idade, veio na primeira avaliação oftálmica referindo dificuldades para enxergar o que o professor escreve no quadro-negro quando sentado no fundo da sala de aula. Não relata dificuldades para perto. Sem antecedentes de interesse. ● AVsc longe OD: 1,0–3 e OE: 0,8–2 . ● Ceratometria AO: 43,50 180° × 44,00 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Teste de cobertura/prisma-cobertura sc longe e perto ortoforia. ● Amplitude de acomodação OD e OE 14 D. ● Refração sob cicloplegia: OD: –0,25 D (AV 1,00). OE: –0,50 D (AV 1,00). ● Planejamento: 1. Px: OD –0,25 e OE –0,50. – Lentes de policarbonato. 2. Não prescrição: – Mudar a posição do aluno na sala de aula: sentar na fileira da frente.

Comentários

O caso ilustra o diagnóstico de miopia em escolar cuja queixa estava restrita à dificuldade de enxergar o que se escrevia no

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

quadro-negro quando sentado no fundo da sala de aula. Discutiu-se com os pais sobre as duas possibilidades de conduta apontadas anteriormente, ou seja, a prescrição de óculos para corrigir a baixa ametropia para serem usados na escola, não sendo, portanto, necessário mudar a posição do aluno na sala de aula, e a outra opção de não prescrevê-los, trocando a posição do aluno na sala da aula. Esta última foi a decisão tomada em conjunto com os pais, que foram orientados para o fato de que, futuramente, a criança poderá necessitar da correção caso a miopia venha a aumentar, e lembrando que a prescrição ou não da correção óptica atual não deverá interferir na possível evolução do erro refracional. ■ Estudante, sexo masculino, com 17 anos de idade, refere que vem apresentando borramento visual após 10 a 15 min de leitura. Realizou a última avaliação oftálmica há 5 anos, quando foi considerada normal. Nunca usou lentes corretoras. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto J 1 (AO). ● Ceratometria OD: 42,50 180° × 43,00 90° e OE: 42,25 180° × 43,25 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e OE 6 D. ● Refração sob cicloplegia: OD: +1,00 (AV 1,00). OE: +0,25-0,50 180° (AV 1,00). ● Teste com armação de provas: OD: +0,75 (AV 1,00–1) e OE: –0,50 180° (AV 1,00). ● Teste de cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto (X 3 ∆).

Com a correção anterior, o aluno referiu pouca alteração na visão de longe. Após leitura de cerca de 20 min na sala de espera, não referiu borramento da visão. Após esse tempo de leitura, informou que a visão de longe permanecia clara.

Px: OD +0,75 (AV 1,00–1) e OE –0,50 180° (AV 1,00). – Lentes de policarbonato. – Uso todo o tempo de vigília.

Comentários

O aluno apresenta hipermetropia simples não corrigida no olho direito e astigmatismo miópico simples no olho esquerdo. Há anisometropia, no meridiano vertical, de 1,25 D e, no horizontal, de +0,75 D. A amplitude de acomodação medida é baixa para a idade. O borramento visual na leitura provavelmente se dá pela incapacidade de compensar igualmente as ametropias de ambos os olhos pela acomodação, em função da anisometropia. Quando a acomodação sofre fadiga, a visão borra. O fato de o uso dos óculos não borrar a visão de longe permite ao escolar usá-los durante todo o tempo de vigília. Sugeriu-se nova avaliação em 6 a 12 meses. ■ Secretária, sexo feminino, com 47 anos de idade, refere boa visão de longe sem óculos e relata que a visão de perto deteriorou muito no último ano. Com os seus primeiros óculos de perto (AO: +1,25 D), prescritos há 2 anos, vem tendo dificuldades para enfiar linha de costura no buraco da

Baixas Ametropias 125

agulha e para ler bula de remédios. Sente-se bem com os óculos para executar atividades de meia distância, como, por exemplo, para enxergar a tela e o teclado do computador e na procura de fichas de clientes no arquivo, mas refere dificuldades na leitura de textos impressos com letras pequenas. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto (+1,25 D) (40 cm) OD J 3 e

OE J 3. ● Ceratometria OD: 42,50 180° × 42,75 90° e OE: 42,25 180° × 42,75 90°. ● AV estereoscópica (+1,25 D) 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e

OE 2,50 D. ● Refração sob cicloplegia:

OD: +0,75 (AV 1,00).

OE: +0,50 (AV 1,00). ● Teste do cilindro cruzado a 40 cm: add +1,50 D. ● Teste com armação de provas OD: +2,25 e OE: +2,00.

Refere boa visão de perto (40 cm) e borramento na meia distância (60 a 70 cm). Tem boa visão na meia distância com OD +1,50 D e OE +1,25 D. Para longe, boa visão sem correção. ● Planejamento da prescrição: 1. Óculos separados de perto e de meia distância (os óculos antigos estavam bons para meia distância porque apresentavam correção aproximada com a necessidade atual de correção para meia distância). 2. Óculos de perto e de meia distância ampliados (lentes regressivas). 3. Óculos multifocais.

A secretária não sente necessidade de usar e recusa correção para longe (descartada prescrição de lentes multifocais) e não quer ter dois óculos para trabalhar nas distâncias de perto e meia distância. Por essa razão foram propostos e prescritos óculos de perto e de meia distância ampliados (lentes regressivas).

Comentários

Muito frequentemente, os pacientes portadores de baixo erro refrativo com dificuldades de visão de perto e até de meia distância, mas com boa visão para longe, preferem não usar óculos com a correção de longe, alegando que o ganho visual não é suficiente para suplantar o aborrecimento da dependência dos óculos que resulta do uso permanente da correção. A queixa principal da paciente está na visão de perto. A correção de perto traz como complicação o borramento da visão de meia distância, daí a opção pela forma de correção que contempla as duas necessidades (perto e meia distância: lentes regressivas). O esforço acomodativo para ler a 40 cm é +2,50. Sua amplitude de acomodação 2,00 D. O cálculo do valor da adição de perto pode ser feito considerando +2,50 (esforço acomodativo para ler a 40 cm) – 1,00 (1/2 da AA), ou seja, +1,50 D. Na prescrição das lentes de perto e de

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

meia distância ampliadas, prescrevemos o valor de perto, indicamos a marca da lente e anotamos o valor da regressão – nesse caso, de +0,75 D (ver dispensário óptico de lentes regressivas). ■ Programador de computador, sexo masculino, com 22 anos de idade, refere que vem apresentando borramento visual e cefaleia frontal, principalmente à tarde. Relata que procurou oftalmologista que lhe prescreveu óculos há 6 meses (AO +0,50) e que deixou de usá-los porque não sentia melhora com o seu uso. APF ndn. ● AV longe (AO +0,50 D) OD: 1,00– e OE: 1,00– e perto J 1 (AO). ● Ceratometria OD: 42,50 180° × 42,50 90° e OE: 42,75 180° × 42,50 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e OE 11 D. ● PPC 16 cm. ● Refração sob cicloplegia: OD: +0,50–0,75 90° (AV 1,00). OE: +0,50–0,50 90° (AV 1,00). ● Teste com armação de provas: OD: +0,50–0,75 90° e OE: +0,50 –0,50 90°. ● Teste de cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto X 8 ∆. – Com as lentes acima, referiu boa visão para longe e perto; relatou distorção no campo de visão periférico tanto para longe quanto para perto. ● Planejamento da prescrição: 1. OD: +0,50–0,75 90° e OE: +0,50–0,50 90°. – Lentes de policarbonato. 2. Terapia visual para insuficiência de convergência.

Comentários

O programador de computador apresenta baixo astigmatismo misto (contra-a-regra) no olho direito e astigmatismo hipermetrópico simples no olho esquerdo. O astigmatismo não corrigido pode explicar a visão discretamente borrada para longe com a prescrição anterior. O diagnóstico de insuficiência de convergência é sugerido pela moderada exoforia de perto, PPC alterado, podendo causar cefaleia relacionada com a leitura. Esse caso ilustra a ocorrência de mais de uma condição contribuindo para os sintomas do paciente. Os sintomas de perto poderiam ser desencadeados pelo astigmatismo não corrigido. Contudo, a insuficiência de convergência pode desencadear os mesmos sintomas. A prescrição anterior e a terapia visual, cada qual justificada por condições diferentes, contribuíram para o desaparecimento dos sintomas. Foram marcadas avaliações anuais para seguimento do paciente. ■ Universitário, sexo masculino, com 20 anos de idade, refere que vem apresentando cansaço visual e sonolência após 60 a 90 min de leitura. Relata que a visão de longe, após a leitura, às vezes fica borrada. Primeira avaliação oftálmica. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00– e OE: 1,00– e perto J 1 (AO).

Baixas Ametropias 127

● Ceratometria OD: 43,25 180° × 44,00 90° e OE: 43,00 180° × 44,00 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly

Test). ● Amplitude de acomodação OD e

OE 10 D. ● PPC 9 cm. ● Refração sob cicloplegia:

OD: +0,50-0,25 180° (AV 1,00).

OE: +0,75-0,50 180° (AV 1,00). ● Teste com armação de provas:

OD: +0,25-0,25 180° e OE: +0,500,50 180°. ● Teste de cobertura/prisma-cobertura longe e perto ortoforia. ● Planejamento da prescrição:

OD: +0,25-0,25 180° (AV 1,00) e

OE: +0,50-0,50 180° (AV 1,00).

Comentários

Esse caso ilustra bem as queixas de paciente com baixa ametropia. Os sintomas são geralmente leves, manifestando-se durante atividades prolongadas com alta demanda acomodativa e com reflexos na acuidade visual de longe, quando da alternância do foco de perto para longe. Os sintomas de cansaço visual e sonolência na leitura poderiam ter para o seu desencadeamento alguma contribuição da baixa ametropia de cada olho e até, possivelmente, da baixa anisometropia presente. As funções de visão binocular como a medida do PPC, da AA e de forias horizontais são normais. As correções desse tipo de ametropia com óculos, para serem usados nas atividades de perto, muitas vezes contribuem para o desaparecimento do desconforto ocular do paciente. Entretanto, a experiência mostra também que, muito frequentemente, esses óculos deixam de ser usados algum tempo depois, nem sempre com o retorno dos sintomas que os teriam justificado. ■ Paciente com 30 anos de idade, sexo feminino, prendas domésticas, refere que vem apresentando cansaço visual e visão borrada de intensidade moderada após 3 a 4 h de uso do computador. Os sintomas se acentuaram após dedicar-se o dobro do tempo diário com jogos e uso de Internet no computador. Atualmente vem usando o computador por cerca de 6 h diárias. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto J 1 (AO). ● Ceratometria OD: 41,75 180° × 42,50 90° e OE: 42,00 180° × 42,50 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e OE 15 D. ● PPC 9 cm. ● Teste de cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto E 6 ∆. ● Refração sob cicloplegia: AO: plano (AV 1,00). ● Prisma longe BN 7 ∆ e BT 21 ∆. ● Prisma perto BN 8 ∆ e BT 22 ∆. ● Relação CA/A (método gradiente) 7:1. ● Planejamento da prescrição: Trata-se de paciente emetrope, ortofórica para longe, esofórica para

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perto de 6 ∆, com relação CA/A de 7:1 e valores normais das vergências horizontais.

As queixas visuais presentes em paciente apresentando ortoforia para longe, esoforia para perto e relação

CA/A alta sugerem ser desencadeadas por excesso de convergência.

Como a paciente não apresenta erro refrativo, a conduta nesse caso inclui, como uma das opções, a prescrição de lente positiva para ser usada nas tarefas visuais de perto.

A montagem em armação de provas de +1,00 (AO) e a realização do teste prisma-cobertura para perto evidenciaram redução da esoforia de 6 ∆ para 2 ∆. ● Px: +1,00 D (AO) para uso de perto – Lentes de policarbonato com tratamento antirreflexo.

● Retorno para avaliação em 4 semanas.

Comentários

No retorno, após 4 semanas de utilização da correção no uso do computador, a paciente se sentia bem com os óculos, os sintomas haviam desaparecido e nenhum tratamento complementar foi recomendado. Esse caso ilustra bem o cenário composto por queixas visuais no uso de computador. Na presença de emetropia ou na ausência de erros refrativos significativos, a maioria das lentes corretoras é prescrita para correção de perto devido aos problemas com a acomodação, esoforia ou presbiopia. A correção pode ser prescrita com lentes monofocais, bifocais ou progressivas. Se o paciente não deseja retirar os óculos e tiver a acuidade visual clara para longe e para perto, alternadamente, podese optar por lentes bifocais, preferindo-se, nesse caso, desenho do tipo executive ou flat-top. Com o uso de lentes bifocais ou multifocais, o paciente muitas vezes precisa levantar a cabeça para otimizar o uso da área destinada à leitura, o que pode levar a desconforto e mesmo dor na musculatura cervical e consequente redução da eficiência do trabalho. Para o paciente presbita, considerar o uso de lentes regressivas ou de visão de perto e meia distância aumentadas. Na prescrição das lentes para o usuário de muitas horas de computador, devemos considerar a filtragem contra UV e o tratamento antirreflexo. ■ Paciente com 26 anos de idade, sexo feminino, refere que trabalha 8 h diárias em loja de decoração executando design em computador. Relata que, recentemente, passou a apresentar visão dupla intermitente quando olha para o rosto das clientes após ter mantido a visão fixa na tela do computador. Fez sua última avaliação oftálmica com 10 anos de idade. Nunca usou lentes corretoras. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto J 1 (AO). ● Ceratometria AO: 44,75 180° × 45,25 90°. ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e OE 12 D. ● PPC 8 cm.

Baixas Ametropias 129

● Teste cobertura/prisma-cobertura longe E 7 ∆ e perto E 6 ∆. ● Refração sob cicloplegia:

AO: +0,25 D (AV 1,00). ● Prisma BN longe diplopia e refusão com 5 ∆ BT. ● Prisma BT longe diplopia e refusão com 5 ∆ BT. ● Relação CA/A (método gradiente) 4:1 ● Planejamento da prescrição:

O foco principal desse caso está na esoforia moderada para longe e perto, no achado de diplopia com prisma BN para longe e no valor normal da relação CA/A, sugerindo tratar-se de esoforia básica. A correção do erro refrativo encontrado não muda o valor da esoforia de longe e perto. Daí ter-se decidido pela prescrição de óculos para perto AO +0,25 D com 2 ∆ BT em cada lente. ● Px: AO: +0,25 com 2 ∆ BT em cada lente. ● Retorno em 4 semanas para reavaliação.

Comentários

Uma das características marcantes dos pacientes com queixas visuais no uso de computador é a frequente ausência de erros refrativos significativos. Uma das condutas mais utilizadas é a prescrição inicial total do erro refrativo encontrado (especialmente diante das baixas anisometropias e astigmatismos, estes corrigidos na forma de cilindro positivo). Nesse caso, a hipermetropia é muito pequena e a correção da esoforia não pode ser obtida por descentralização horizontal dos centros ópticos das lentes. Com a utilização dos óculos com a correção prismática anterior, a paciente referiu alívio dos sintomas, não sendo necessário tratamento complementar (terapia visual). Caso persistissem os sintomas ou a paciente apresentasse recidiva deles com a utilização dos óculos prescritos, o próximo passo seria a indicação de terapia visual. ■ Jornalista e tradutor de livros, com 36 anos de idade, vem apresentando visão borrada com 2 a 3 h de uso do computador. Teve queixa semelhante há 2 anos, quando teve óculos prescritos para serem usados para perto (AO +0,50 D).

Como não sentiu conforto com o uso dos óculos, nunca os usou. Atualmente trabalha 8 a 10 h diárias no computador, com intervalos irregulares. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto J 1 (AO). ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e OE 9 D. ● PPC 8 cm. ● Teste cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto X 3 ∆. ● Refração sob cicloplegia: AO: +0,50-0,25 180° (AV OD=OE 1,00). ● Prisma longe BN 4 ∆ e BT 10 ∆. ● Prisma perto BN 8 ∆ e BT10 ∆. ● Relação CA/A (método gradiente) 4:1.

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

● Planejamento da prescrição: 1. Manutenção da prescrição anterior (AO: +0,50 D). 2. Indicação de terapia visual. 3. Retorno após a terapia visual e a cada 6 meses para reavaliação.

Comentários

Devemos considerar que o paciente desse caso é ortofórico para longe e apresenta exoforia normal para perto, tem amplitude de acomodação normal e alteração das vergências horizontais. O erro refrativo é muito pequeno e poderia não ser prescrito. Nesse caso, o fundamental é a indicação de terapia visual para normalizar as vergências fusionais horizontais e, assim, eliminar os sintomas visuais. Após uma série de oito exercícios ortópticos, voltou a utilizar o computador com conforto. O resultado da avaliação das vergências horizontais, após a série de exercícios ortópticos, foi o seguinte: ■ Prisma longe BN 8 ∆ e BT 20 ∆. ■ Prisma perto BN 26 ∆ e BT 32 ∆.

Foram recomendadas reavaliações a cada 6 meses, inclusive com monitoramento ortóptico. ■ Publicitário com 32 anos de idade, queixando-se de dificuldade na leitura do monitor do computador e de borramento da visão de longe após manter a fixação visual na tela do computador por algum tempo. APF ndn. ● AVsc longe OD: 0,8 e OE: 0,8 e perto J 1 (AO). ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly Test). ● Amplitude de acomodação OD e

OE 10 D. ● PPC 8 cm. ● Teste cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto X 3 ∆. ● Refração sob cicloplegia:

OD: +0,75–0,50 40° (1,00).

OE:+0,25–0,50 180° (1,00). ● Planejamento da prescrição:

Teste com armação de provas OD: +0,50–0,50 40° (1,00) e OE: +0,50 –0,50 125° (1,00) e perto J 1 (AO). ● Px: OD +0,50–0,50 40° e

OE +0,50–0,50 125°.

Usar todo o tempo ou nas atividades de perto com o computador.

Comentários

O menos prevalente dos tipos de ametropia cilíndrica é o astigmatismo oblíquo, quando os eixos do componente cilíndrico se encontram dentro da variação de 20°, considerando-se os meridianos de 45 e 135°. Esses pacientes manifestam queixas visuais, como, no caso, a dificuldade de visão de perto, mesmo apresentando amplitude de acomodação normal, forias normais e vergências fusionais normais. A prescrição deve contemplar o astigmatismo na forma do cilindro positivo, especialmente quando a queixa envolve atividades de perto sintomáticas exercidas por longo período de tempo e sem intervalos. ■ Universitário com 23 anos de idade queixando-se de dor no pescoço e na cabeça após 3 h de uso do computador. Refere que não aumentou as horas

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de trabalho com o computador e relata que mudou a mesa e o local do computador em sua casa. APF ndn. ● AVsc longe OD: 1,00 e OE: 1,00 e perto J 1 (AO). ● AV estereoscópica 40 s (Stereo Fly

Test). ● Amplitude de acomodação OD e

OE 15 D. ● PPC 6 cm. ● Teste cobertura/prisma-cobertura longe ortoforia e perto X 2 ∆. ● Refração sob cicloplegia:

AO: +0,75 (1,00). ● Prisma longe BN 8 ∆ e BT 16 ∆. ● Prisma perto BN 12 ∆ e BT 20 ∆. ● Relação CA/A (método gradiente) 4:1. ● Planejamento da prescrição:

Quando questionado sobre as condições ergonômicas do uso do computador, o estudante referiu que o havia mudado de local e instalado em mesa com altura inadequada. Relatava o uso de banqueta sem encosto para as costas e mãos; o monitor localizava-se acima do nível dos olhos e, para não incomodar terceiros, usava um abajur com luz fluorescente que produzia muitos reflexos na tela do monitor.

Não foram prescritas lentes corretoras, e o estudante foi orientado para não violar as condições ergonômicas do uso do computador.

Comentários

Veja, no texto a seguir e na Figura 1, a maneira adequada e correta de se posicionar diante do computador.9 1. Sentar em cadeira confortável; os pés devem tocar o chão completamente ou algum apoio, não podendo ficar livres no ar. A coluna deve formar um ângulo de 90º com as coxas, e tem de estar bem apoiada no encosto. Reclinar a cadeira só na hora de descansar. 2. O monitor deve estar localizado de 10 a 20º abaixo do nível dos olhos e a uma distância de 50 a 65 cm.

3. Os papéis a serem utilizados com o computador devem ser dispostos ao lado do monitor. 4. O monitor reflete imagens fantasma, facilmente observadas ao ser desligado, e, na tela, são observadas imagens de janelas e outras fontes de luz. Para evitar esses reflexos, quando o monitor estiver ligado, é necessário posicioná-lo contra a fonte de luz (lâmpadas e janelas). Existem anteparos que são colocados diante dos monitores, reduzindo significativamente esses reflexos (tela antirreflexo). 5. Luzes fortes no campo periférico da visão causam um brilho desconfortável. Janelas, luz fluorescente de teto e lâmpadas de mesa contribuem para o problema. Um nível de iluminação aceitável requer o meio-termo entre a quantidade de luz necessária para obter visibilidade da tela do computador e a necessária para a execução de outras tarefas do escritório.

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Refratometria Ocular e a Arte da Prescrição Médica

10º a 20º

50 a 65 cm

90º a 100º

90º +

90º

5 a 10 cm 10º a 20º

65 cm

Figura 1 Posição ideal e correta em relação à mesa de trabalho, cadeira e computador.9

6. Pessoas com mais idade precisam de mais luz que os jovens para executar confortavelmente as mesmas tarefas.

Se você tem mais de 50 anos de idade, a necessidade de luz é o dobro da normal. 7. O monitor produz estática que ajuda no depósito de pó na tela e piora a imagem. Limpe-o com frequência, usando um lenço de papel e soluções antiestáticas. 8. Quanto maior a resolução do monitor, menores ficam as letras, exigindo maior concentração para a leitura. O

tamanho das letras deve ser ajustado de modo a propiciar uma leitura fácil e rápida. 9. Evite cores em excesso, quando configurar o computador, e imagens de fundo no desktop, pois dificultam muito a leitura. 10. A cor dos caracteres também afeta a visibilidade. Exposições monocromáticas (uma única cor) proporcionam imagens mais legíveis. 11. Tarefas alternativas durante o dia são medidas simples e preventivas para a redução do estresse visual, já que as

Baixas Ametropias 133

tarefas no computador são repetitivas e podem tornar-se estressantes, tanto mental quanto fisicamente, após um período longo de trabalho contínuo. 12. Ao realizar qualquer atividade em que é exigida maior concentração que a normal, você pisca menos, ocorrendo lubrificação inadequada do olho, que se torna seco. Ocorre também maior abertura ou fechamento da fenda palpebral (distância entre as pálpebras superior e inferior), ocasionando contratura em excesso dos músculos que abrem e fecham as pálpebras e dos músculos da face, o que pode desencadear dores de cabeça.

SUMÁRIO

Pacientes portadores de pequenos erros refracionais com frequência apresentam sintomas vagos ou transitórios, como visão borrada a distância ou perto, astenopia e cefaleia. Esses sintomas não são específicos das baixas ametropias, podendo também ser causados por uma variedade de condições que incluem as condições da saúde sistêmica, visão binocular, uso do computador e das ergonométricas de execução do trabalho visual. O tratamento dos pacientes passa pelo diagnóstico acurado do envolvimento desses fatores. A terapêutica pode ou não incluir prescrição de lentes corretoras, prismação de lentes oftálmicas, terapia visual e a adoção de medidas ergonométricas adequadas para o bom desempenho do trabalho visual realizado no computador.

REFERÊNCIAS

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