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Extravio (Ferreira Goulart

EXTRAVIO

Ferreira Gullar

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Onde começo, onde acabo, se o que está fora está dentro como num círculo cuja periferia é o centro?

Estou disperso nas coisas, nas pessoas, nas gavetas: de repente encontro ali partes de mim: risos, vértebras.

Estou desfeito nas nuvens: vejo do alto a cidade e em cada esquina um menino, que sou eu mesmo, a chamar-me.

Extraviei-me no tempo. Onde estarão meus pedaços?

Muito se foi com os amigos que já não ouvem nem falam.

Estou disperso nos vivos, em seu corpo, em seu olfato, onde durmo feito aroma ou voz que também não fala.

Ah, ser somente o presente: esta manhã, esta sala.

O poema “Extravio” mostra uma pessoa fazendo uma reflexão sobre sua vida atual. Na primeira estrofe, o eu lírico faz reflexões, onde ele começa, ele acaba; o que está fora, está dentro; em um círculo cuja periferia é o centro. Na segunda estrofe, diz que está disperso em lugares e coisas e que, de vez em quando, encontra suas partes dispersas. Na terceira, o personagem diz que está disperso nas nuvens e que, de lá, vê várias crianças chamando por ele, só que esses meninos são ele mesmo. Na quarta estrofe, complementa que muitos de seus pedaços se foram com seus amigos que já morreram. Na quinta estrofe, afirma estar presente no corpo dos seres vivos também. Por fim, na sexta estrofe, fala que é melhor somente prestar atenção no presente e esquecer o passado.

O poema apresenta quatro estrofes de dois versos e uma de dois. Nos dois versos iniciais, encontramos uma antítese em

“começo-acabo” e no terceiro, uma comparação em “como num círculo”. Notamos, ainda, o polissíndeto na gradação “disperso nas coisas, nas pessoas, nas gavetas”.

Ferreira Gullar foi um dos poetas mais relevantes para a literatura brasileira, suas obras ficaram conhecidas principalmente pelas questões sociais e políticas. Certamente influenciado por seu contexto, “Extravio” fala do quanto podemos nos perder em situações que são impostas para nós e isso faz do texto um poema

muito interessante.