Almada Revista - abril 2022

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Uma equipa em festa no primeiro aniversári da revista Almada

Índice 3

EDITORIAL

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EM ARQUIVO

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Mensagem de Inês de Medeiros

25 de Abril, sempre!

O MEU BAIRRO

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EM ANÁLISE

Freguesia de Almada

Inovação - As Start-up que estão a revolucionar o concelho

DISCURSO DIRETO Nelson Fortes Lima, do Bairro Amarelo até às asas de piloto da TAP

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ACONTECE 35 toneladas de bens a caminho da Ucrânia Concerto 25 de Abril - Capitão Fausto

BD DE NUNO SARAIVA

Festival O Sol da Caparica

"HOJE TU ÉS ASSIM. Mas, já pensaste como serias

Caparica Surf Fest

HOJE se vivesses como antes do 25 de Abril de 74?"

As novas cores do Hospital Garcia de Orta

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ZOOM

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RADAR

Edifício de Keil do Amaral vai receber serviços da CMA

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Nómadas digitais - novos turistas ou futuros almadenses?

Plateia D' Ilusões, o estúdio onde as estrelas gravam em Almada Velha

FICHA TÉCNICA Edição: Câmara Municipal de Almada | Departamento de Comunicação Diretora: Inês de Medeiros Diretora-Adjunta: Raquel Antunes Coordenação: Sara Dias Consultor Editorial: Paulo Tavares Editor de Fotografia: Luis Filipe Catarino Redação: Charlene Izaque, Joana Mendes, Margarida Leal, Sandra Gomes e Inês Lopes Fotografia: Anabela Luís, Carlos Valadas, Florbela Salgueiro, Pedro Guedes e Victor Mendes

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Paginação: Susana Tormenta Impressão e distribuição: To spend with you Tiragem: 120.000 Periocidade: Mensal Distribuição: Gratuita ISSN: 2184-9137 Publicação isenta de registo na ERC ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/99, de 9 de junho, art.º 12.º, n.º1b). Textos escritos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

CONTACTOS ÚTEIS: Geral Tel.: 212 724 000 Gabinete de Atendimento Municipal Linha Verde Almada Informa – 800 206 770 E-mail: almadainforma@cm-almada.pt Site: cm-almada.pt /cmalmada


Editorial Uma minoria revolucionária, por mais

devemos confundir as imperfeições ou

inteligente e enérgica que seja, não

as injustiças com que nos debatemos

chega. Pelo menos em sociedades

hoje, com promessas não cumpridas

modernas, para cumprir a revolução

de liberdade. As revoluções não se

é preciso a participação, a adesão de

esgotam no dia em que acontecem,

uma imensa maioria.

são processos evolutivos, obras sempre

Jean Jaures, 1901.

inacabadas. Sabemos que partilhamos os nossos principais desafios, como a

Quando esta revista lhe chegar às

desigualdade, a exclusão social ou o

mãos, Portugal terá vivido mais dias em

desemprego jovem, com boa parte dos

democracia do que em ditadura. É uma data

nossos parceiros europeus. Não serão,

que devemos celebrar. A queda da mais

portanto, males nascidos em Abril, mas

longa ditadura da Europa do Séc. XX, às

antes resultado de anos de economias

primeiras horas do dia 25 de abril de 1974,

centradas no primado do lucro e um

trouxe o povo para a rua, numa revolução

capitalismo sem rédea.

quase sem sangue e hoje, 48 anos depois,

assistimos a construções da realidade absolutamente inconciliáveis. Sabemos

estou certa de que tudo valeu a pena e de

Numa revista que celebra este mês

como as batalhas de informação e

que o caminho até aqui foi, acima de tudo,

o primeiro aniversário, com uma

contrainformação marcam todos os

de conquistas e de progresso.

edição dedicada à ideia de revolução,

conflitos, mas esperamos que todos já

devo deixar um sinal de alerta para a

tenhamos a maturidade suficiente para

Seja qual for o indicador escolhido,

revolução que agora temos de viver.

entender que, para além de um esgrimir

vivemos hoje num país mais desenvolvido,

O principal desafio para as próximas

de posições, há sofrimento de inocentes

mais justo, mais solidário, mais aberto e

décadas é o combate às alterações

e que há um agressor e um agredido.

cosmopolita, mas sobretudo mais livre. A

climáticas. Esse vai ser o teste definitivo

quem tenha memória desses dias pesados,

à nossa capacidade de mudança,

Escrevo no dia em que ficámos a

peço apenas que tente lembrar-se do que

enquanto comunidade e a nível

conhecer todo o horror do ataque russo

era ser Mulher antes de Abril.

individual. A transição energética e

ao teatro de Mariupol, uma cidade sitiada

Nem todos os caminhos que percorremos

a diminuição drástica de emissões

no sul da Ucrânia. Morreram pessoas

foram óbvios, fáceis ou eficazes. Não

de gases com efeito de estufa é algo

que se julgavam a salvo na cave de um

vivemos numa democracia perfeita,

que o planeta exige. Há um inegável

teatro com um aviso aos céus, de que

mas nenhuma o é. Aprender a viver em

sentido de urgência nesta batalha e,

ali se abrigavam crianças. Imagens

democracia é saber que não há uma

mais importante, é vital ter a noção

que marcam pela sua brutalidade, mas

democracia representativa plena sem

de que todos estamos convocados

também pelo seu valor simbólico. Um

o envolvimento direto dos cidadãos e

para abdicar de alguns confortos e

teatro é simultaneamente um espaço

cidadãs. Em democracia não se buscam

hábitos quotidianos. Num concelho

de paz e de resistência. Isso defendeu

seres providencias, nem sistemas

predominantemente urbano, vale a

toda a sua vida um criador único que

perfeitos. É um processo de construção

pena ter bem presentes as palavras do

partiu - Jorge Silva Melo. Encenador,

permanente. Essa é, devo sublinhar, uma

Secretário-geral das Nações Unidas,

ator, cineasta, crítico ou dramaturgo, em

lição que alguns teimam em ignorar. Estar

António Guterres: “é nas cidades que, em

tudo o que o Jorge Silva Melo fez, houve

na vida política com a ação cristalizada por

grande medida, a batalha do clima será

paixão, entrega e, também, um sentir de

uma utopia, inalcançável por definição, não

ganha ou perdida”.

revolução, de mudança e de inovação.

só é fonte de permanente frustração, como

Deixa uma marca indelével no Teatro,

alimenta os que a combatem por temerem

Nestes dias dramáticos de guerra

mas sobretudo saudade e gratidão.

a vontade sempre renovada do povo.

na Europa, vivemos momentos em

Obrigada, Jorge.

que não nos é permitido esquecer Há ainda quem se sinta tentado a olhar

os principais desafios, nem os

para trás, para os últimos 48 anos, e

princípios que nos guiam. Nas redes

INÊS DE MEDEIROS

só veja o que está ainda por fazer. Não

sociais e na comunicação social,

PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALMADA

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EM ARQUIVO

Texto de Sandra Gomes Fotografias do Arquivo Municipal de Almada

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25 DE ABRIL SEMPRE! Quase a comemorar meio século da revolução dos Cravos, em abril recordamos alguns dos

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momentos históricos da primavera de 1974 em Almada. Em pontos estratégicos como o santuário do Cristo-Rei, mas também nas ruas do concelho em datas marcantes como o 1.º de Maio ou o Dia da Criança. Revisitamos esses dias de festa, em que o povo saiu de casa para celebrar, lado a lado com os militares, o fim de 48 anos de ditadura e a conquista da Liberdade.

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LEGENDAS: 1 – Militares da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas, que ocuparam o Cristo-Rei, a celebrar o 25 de Abril de 1974. Arquivo Histórico Municipal CMALM, Postais, n.º 7013. 2 – Desfile de crianças nas ruas de Almada a comemorar, pela primeira vez em liberdade, o Dia Mundial da Criança em 1974. Arquivo Histórico Municipal CMALM, Postais, n.º 7014. 3 – Manifestação do 1.º de Maio de 1974. Concentração de manifestantes na Praça Gil Vicente, com destino a Lisboa. Arquivo Histórico Municipal, Coleção Vitor Soeiro, n.º 8690. 4 – Coluna de militares da Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas a sair do Cristo-Rei e a passar nas Torcatas, em Almada, no dia 25 de Abril de 1974. Arquivo Histórico Municipal CMALM, Postais, n.º 7019. 5 – Manifestação do 1.º de Maio de 1974 junto à Incrível Almadense. Nos panos são visíveis reivindicações políticas e algumas bandeiras nacionais. Arquivo Histórico Municipal, Coleção Vítor Soeiro, n.º 8681.

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EM ARQUIVO

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DISCURSO DIRETO

FILHO DA REVOLUÇÃO, NAS ASAS DA VONTADE E DO ESTADO SOCIAL Texto de Paulo Tavares Fotografias de Luis Filipe Catarino

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DISCURSO DIRETO

Cmdt. Fortes Lima, perto do Bairro Amarelo onde em criança sonhava ser piloto

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DISCURSO DIRETO

“Trata-me por tu, por favor”. Esta mensagem, recebida quando combinávamos encontro num supermercado do Monte da Caparica, a uma colina de distância do Bairro Amarelo, já dizia muito. Entre o Nelson do bairro e o Comandante Fortes Lima da TAP, há uma longa história de lutas e recomeços. Nascido no Barreiro em 1976 e filho de cabo-verdianos de São Vicente, fintou o destino e a estatística. Até aos nove anos, a vida é um nevoeiro indefinido de memórias. Foi nessa altura, em 1985, que a mãe saiu de casa com duas crianças pela mão, escapando a anos de “tortura física e psicológica”. Nelson conta que “não foi uma vida fácil, especialmente para a minha mãe, devido aos maus tratos e à violência. Mas, ganhou coragem e começou do zero”. Com a roupa do corpo e pouco mais, aterraram no Asilo 28 de Maio, em Porto Brandão, e por ali ficaram cerca de um ano. “Não tínhamos água nem

Nelson Fortes Lima, no bairro Amarelo, frente à sua antiga casa

“Não foi uma vida fácil, especialmente para a minha mãe, devido aos maus-tratos e à violência."

Brandão, e por ali ficaram cerca de um

pela mão, escapando a anos de “tortura

Inaugurado em 1869 como Novo

física e psicológica”. Nelson conta que

Lazareto de Lisboa, o enorme edifício

Nascido no Barreiro em 1976 e filho de

“não foi uma vida fácil, especialmente

sobre o rio servia para a quarentena

cabo-verdianos de São Vicente, fintou

para a minha mãe, devido aos maus-

de passageiros e mercadorias que

o destino e a estatística. Até aos nove

-tratos e à violência. Mas, ganhou

chegassem de barco ao Tejo. Depois

anos, a vida é um nevoeiro indefinido de

coragem e começou do zero”.

de décadas como convento e escola

memórias. Foi nessa altura, em 1985, que

Com a roupa do corpo e pouco mais,

da Casa Pia, foi desativado em 1958,

a mãe saiu de casa com duas crianças

aterraram no Asilo 28 de Maio, em Porto

quando o desabamento de um telhado

“Trata-me por tu, por favor.” Esta mensagem, recebida quando combinávamos encontro num supermercado do Monte da Caparica, a uma colina de distância do Bairro Amarelo, já dizia muito. Entre o Nelson do bairro e o

ano. “Não tínhamos água nem luz. Estive lá até aos 10 anos e foi dos momentos mais difíceis da minha vida, porque saí da minha casinha, do meu quarto, dos meus brinquedos.”

Comandante Fortes Lima da TAP, há uma longa história de lutas e recomeços.

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DISCURSO DIRETO

buscar água tinha de andar uns 300 ou

“Acabei o 9.º ano e fui trabalhar para as

400 metros e começava dentro de um

obras. Num mês ganhei cento e sessenta

labirinto, às escuras. Era o pânico total

contos.” Nelson soletra cada palavra.

para mim e para a minha irmã.”

“Com esse dinheiro, cerca de 800€,

Sentámo-nos à conversa num muro

comprei todos os móveis que faltavam lá

baixo, perto da janela onde a “cota

em casa.” A tentação foi inevitável. “Disse

Sissi”, a D. Maria, ia vigiando o filho

que não queria estudar mais. A minha mãe

como se fosse ainda criança a brincar

na altura ganhava 35 ou 40 contos, que

na rua. Nelson olha para trás, por cima

era o salário mínimo e disse-me: ‘Não. Se

do ombro, e afirma que está ali, naquele

me queres ajudar e ajudar a tua irmã, se

primeiro andar, o principal pilar da história

queres ser alguém no futuro, estuda’.”

e do sucesso dele. “A minha mãe sempre

E continuou a estudar. Nascido pouco

acreditou, nunca desistiu.”

depois do 25 de Abril e com todas as

Pergunto por memórias da infância no

barreiras que teve pela frente, Nelson

Barreiro e aparece o tal nevoeiro. “Tento

é filho da revolução e, em boa parte,

recordar-me, mas só vejo coisas que não

obra do Estado Social. “Fiz todo o meu

quero lembrar, coisas que uma criança

percurso na escola pública. Fomos

não deve ver.” Nelson confessa ainda que

bolseiros do Rotary Club, uma grande

nunca tocou numa gota de álcool, outra

ajuda. Tínhamos o SASE escalão A e sem

marca desses tempos. “Não bebo porque

isso seria muito complicado para a minha

foi um trauma que ficou de pequenino, de

mãe. Ela não teria dinheiro para isso tudo

ver o meu pai a beber muito. Não sei qual

- comida, livros, roupa, luz, água, gás. Um

é o sabor de um vinho, de um champanhe,

dos apoios foi este [olha para trás, para a

de uma cerveja…”

janela do 1º andar onde espreitava a cota

Passado um ano, saíram do asilo e vieram

Sissi], foi darem uma casa à minha mãe.

parar ao Monte da Caparica, a “uma

Foi o mais importante. Uma casa, com

barraquinha onde só havia luz puxada,

água, com luz… Água!

mas não havia água. Vivi seis anos ali em

Deixei de carregar água!”

baixo”. A memória torna-se mais clara. “A minha mãe arrombou essa porta. Lembro-me de um engenheiro do IGAP, que foi lá para nos despejar. Não sei se lhe tocou no coração, ver uma mãe com três crianças - nós somos três irmãos sozinha, sem qualquer apoio. Acabou por não fazer a ação de despejo e, no final, foi ele que veio entregar a chave da casa

“Fiz todo o percurso na escola pública, com SASE escalão A, mas o apoio mais importante foi darem uma casa à minha mãe. Uma casa, com água, com luz... Água! Deixei de carregar água!”

provocou a morte a duas alunas. No

aqui no bairro.”

pós-25 de Abril, o asilo foi reocupado

Já com 16 anos, Nelson volta a viver

por inúmeras famílias de retornados,

numa casa. 16 anos e o Bairro Amarelo,

Com a cota Sissi - uma alcunha que

na maioria de Cabo Verde, que o foram

que no início da década de 1990 não

lhe ficou da infância em São Vicente,

tricotando com paredes de tijolo ou

era propriamente um sítio livre de

porque uma amiga garantia que tinha os

madeira. Encerrou de vez em 1996,

tentações para um adolescente. Valeu-

olhos de Isabel da Baviera, Imperatriz da

depois da morte de outras duas crianças.

-lhe a matriarca. “Se tinha uma mãe

Áustria - mergulhada numa luta diária,

que se sacrificava, que saía de casa

Nelson e a irmã nunca se desviaram do

Nelson lembra esses dias de transição

de madrugada e chegava já de noite,

caminho, até porque a responsabilidade

entre a casa no Barreiro e o Asilo 28 de

quem era eu para me desviar do meu

era muita. “Nós é que tratávamos do

Maio como um recomeço, “da estaca

caminho? Quem era eu para lhe trazer

nosso irmão bebé, íamos levá-lo à

zero e em condições que ninguém deseja

tristezas ou desilusão?”

creche e depois íamos para a escola.

a ninguém”. Desse tempo guarda o terror

Cozinhávamos, arrumávamos, fazíamos

de uma imensa escuridão. “Aquilo tinha

Num verão, acontece um daqueles

tudo. E a minha mãe trabalhava, para

uns corredores muito compridos. Para ir

episódios decisivos, que traçam o futuro.

trazer comida para casa.” 9


DISCURSO DIRETO

logo a chorar, cheio de medo. Uma das assistentes pegou-me na mão e levou-me ao cockpit. ‘Não tenhas medo, vou apresentar-te o comandante’. Entrei no

cockpit e assim que olhei para aqueles botões todos, para aquelas luzes, fez-se magia. No final, o comandante vira-se para mim, tira as asas do peito, põe aqui [toca com a mão no peito] e diz ‘tu agora é que és o comandante do voo, não precisas de ter medo’.” Essas asas haviam de perder-se na Alemanha, com a morte da avó, mas aquele gesto deu origem a tudo. “Não sei se ainda é vivo, mas aquele comandante mudou ali a vida de uma criança, para sempre…” A teimosia havia de roer tempo e energias. Para as vizinhas e amigas da mãe, Nelson é um exemplo

“Foi uma batalha longa, só fui piloto aos 30 anos.” Passou pelos fuzileiros “sempre com

“Foi uma batalha longa, só fui piloto aos 30 anos. Estive nos fuzileiros sempre com a ideia de fazer o curso de piloto”.

a ideia de fazer o curso de piloto”. Para não

primeiro em Vale de Zebro e depois

A ideia, fixa, vinha dos tempos de miúdo.

desistir da faculdade”.

na Base do Alfeite. Concluído o curso,

Ainda no Asilo 28 de Maio, a avó enviou

O sonho veio com dívida agarrada e muito

havia de ficar pelos fuzileiros quase uma

bilhetes para a irem visitar à Alemanha.

esforço. “O curso de piloto estava nos 50

década, sempre de olhos postos no céu,

“Tinha 9 anos e a minha irmã 8. Lembro-

mil euros. Era oficial das forças armadas,

a imaginar-se piloto.

-me de entrar no avião e de começar

fuzileiro, ganhava cerca de 1200 euros, já

Nelson acaba o 12º ano e tenta o curso de piloto na Força Aérea. Entra para outra especialidade e desiste, porque “não era aquilo que queria. Se não fosse piloto, naquele momento teria de ser tropas especiais”. Concorre, entra em todas, mas escolhe ficar perto de casa,

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estar a marcar passo, foi tirar Psicologia, mas “sempre a pedir empréstimos, sempre a tentar e nunca eram aceites, por causa da taxa de esforço, por isto e por aquilo. Quando fiz a matrícula para o terceiro ano, consegui o empréstimo e acabei por

A cota Sissi à janela, a "tomar conta" do filho


DISCURSO DIRETO

casado, com uma casa, uma filha bebé e

bolo e a minha mãe a chorar.” Eram tempos

Bairro Amarelo. O miúdo, que tanto

com as irmãs da minha esposa - de 7 e de

de falta, de um frigorífico onde só havia

tempo passou a ver os aviões partir e

14 anos -, que adotámos depois de a mãe

manteiga, água da torneira, fruta e pouco

chegar, voou um dia, já mais velho e já

ter morrido com cancro. Mais despesas.

mais. Nelson diz ter uma estranha cicatriz

co-piloto, por cima do antigo bairro. O

Escola, roupa, comida…”

desses dias. ”Gosto muito de iogurtes,

comandante, na cadeira da esquerda,

como por tudo e por nada. A minha mulher

viu-o a olhar para baixo e disparou:

Seja karma ou seja lá o que for, Nelson

diz-me que deve ser trauma. Compro

“Epá, isso aí no Monte da Caparica é só

terminou o curso de piloto “num tempo

imensos iogurtes, talvez porque me lembre

bandidos”. Tranquilo, Nelson desmontou o

de vacas gordas”. Concorreu à TAP e

de não os ter em miúdo. E depois - peço

preconceito: “Olhe que não é só bandidos,

conseguiu entrar. “Nunca pensei. Já

perdão a Deus -, alguns até se estragam

aqui também há pilotos da TAP”. “Não há

tinha 30 anos, só 200 horas de voo,

porque não consigo comer tudo. Mas,

nada! Quem é que tu conheces aí que é

acabado de tirar o curso. Normalmente,

lembro-me de não ter nada no frigorífico.”

piloto da TAP?!!” A resposta, seca, deixou

a TAP abria poucas vagas e havia sempre

A aproximação à pista 03 do aeroporto

o comandante sem palavras: “O Fortes

gajos com muito mais experiência, da

de Lisboa passa mesmo à vertical do

Lima, comandante”.

Força Aérea. Mas, naquele tempo, de dois em dois meses estavam sempre a abrir vagas.” A Nelson, agrada-lhe a explicação do karma. “Acredito que, quando fazemos o bem, recebemos de volta e as portas abrem-se.”

“Nunca pensei entrar na TAP, tinha 30 anos e só 200 horas de voo, mas acredito que quando fazemos o bem, recebemos de volta” A pele não é muito escura, mas os que a olham senta-na diferente. Discriminação? Sim, sentiu-a “na escola, no dia-a-dia… aqui na rua, com a polícia. Não estou a dizer que todos os polícias são racistas, porque não são, mas já fui preso aqui no bairro e levado para a esquadra. E era oficial das forças armadas. Não me identifiquei, deixei--me ir e depois cheguei lá e perguntei, ‘mas porque é que eu fui preso?’ Não havia razão, foi uma rusga. Depois lá me identifiquei e eles… ‘Ai, senhor Tenente…’ ‘Senhor Tenente, o… [coloca aqui um sonoro bip]. Então e agora? Já me ameaçaram que iam bater, que faziam isto e aquilo. Agora vão lá à base, com luvas de boxe, se me quiserem bater’. Ninguém apareceu”. Já quase em fim de conversa, Nelson regressa a um passado distante e doloroso. “Lembro-me da minha mãe a chorar, no Natal. Não tínhamos árvore, não tínhamos prendas, não tínhamos

Mesmo nos tempos difíceis, Nelson nunca deixou de ter os olhos postos no céu

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EM FOCO

O 25 DE ABRIL EM BD O desafio foi aceite sem hesitações.

a erguer associações, filarmónicas

ilustrador residente no jornal online A

Nuno Saraiva, ilustrador almadense,

e clubes desportivos da cidade,

Mensagem de Lisboa, professor nas

conta nestas páginas uma história, em

hoje seculares. Ilustrador português

escolas Ar.Co e na LSD, entusiasta

banda desenhada, para celebrar os 48

com colaborações em quase toda a

recente da Pintura Mural (mural com U),

anos da revolução.

imprensa nacional à exceção do Diário

ex-confinado e actual militante

A biografia vem assinada pelo próprio:

da República e do Borda d´Água. Autor

do desconfinamento na variante

“Com Almada no coração e no resto,

de banda desenhada desde os tempos

desconfiada, publicou recentemente

é filho, neto e bisneto de almadenses,

d’O Independente e até antes, cartunista

pela Pim! edições o livro "Diário de uma

daqueles que fundaram e ajudaram

político hoje agarrado ao Inimigo Público,

Quarentena em Risco".

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EM FOCO

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ZOOM

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EDIFÍCIO DE KEIL DO AMARAL VAI RECEBER SERVIÇOS DA CMA 16

Arq. Ricardo Back Gordon, no pátio interior do edifício EDP

© Luis Filipe Catarino

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ZOOM

Texto de Paulo Tavares Fotografias de Luís Filipe Catarino

A antiga sede da EDP, uma estrutura dos anos 1950 assinada pelo arquiteto que desenhou o Parque Eduardo VII, o Parque de Monsanto ou o primeiro edifício do aeroporto de Lisboa, vai ser reabilitada depois de anos de abandono. Quem por ali passar, no cruzamento entre

Bak Gordon, autor do projeto para a

havia de chamar Ricardo Bak Gordon.

as ruas Bernardo Francisco da Costa e

reconversão daquele espaço. Entre a

Com falta de uso desde 2004, a

Francisco de Andrade, uns 100 metros

reabilitação da obra de Keil do Amaral,

natureza ocupou aquele território. A

abaixo do Mercado Municipal, mal dá

a construção de um novo edifício e a

calçada portuguesa esconde-se sob

por ele. Está ao abandono há quase

adaptação de outros espaços, o conjunto

as ervas, algumas quase à altura da

duas décadas, com as fachadas tristes,

de edifícios - a área de intervenção

cintura, há lixo e restos de materiais

grafitadas sem arte, os portões enferrujados

"É uma obra significativa do arquitecto Keil do Amaral que, depois de muitos anos parada e molestada, vai ser reabilitada"

e boa parte das janelas sem vidro. Nasceu em 1950, com traços do Arq. Francisco Keil do Amaral - um dos nomes de referência do Movimento Moderno em Portugal - e com a função de alojar escritórios e oficinas da União

futebol que algum miúdo não conseguiu resgatar e um gato a espreitar ao longe, entre a vegetação mais alta. Apesar do aspeto de abandono do exterior, é entrando que se sente o peso da passagem dos anos, num edifício há muito sem função, sem

nacionalizadas em 1975 e que deram

abarca boa parte do quarteirão - vai

vida. Ricardo Bak Gordon sabe que

depois origem à EDP). Os mais antigos

servir para concentrar uma série de

tem um desafio pela frente. “Um dos

talvez se lembrem de lá ter ido, para

serviços da autarquia, dispersos por

temas fundamentais que aqui temos

pagar a conta da luz. Hoje, é habitado por

diferentes locais e, sobretudo, para alojar

é a reabilitação de um edifício que é,

pombos, gatos e outras faunas.

o gabinete da Presidência, Vereação e

de facto, um património da arquitetura

um novo auditório.

moderna. Esta é uma obra significativa

Entrámos por uma rampa de serviço,

Parámos à conversa num dos recantos

do arquitecto Keil do Amaral e que,

que dá acesso direto ao pátio interior,

do enorme pátio interior, quase uma

depois de muitos anos parada e

acompanhados pelo arquitecto Ricardo

praça ou um "anti-claustro", como lhe

molestada, vai ser reabilitada.”

© Arquivo Municipal de Lisboa

© Luis Filipe Catarino

Elétrica Portuguesa (uma das empresas

desgastados pelo tempo, uma bola de

O edifício de Keil do Amaral em 1960 (dir) e hoje em dia (esq.)

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No essencial, trata-se de apagar feridas, umas mais antigas, outras mais recentes, e retomar as linhas de Keil do Amaral. Um regresso aos anos 1950, com um novo contexto que, como conta Ricardo Bak Gordon, vai recuperar a dignidade daquele espaço. “Não se trata apenas de reabilitar o património moderno, mas também trazer funções institucionais que vão ainda dignificar mais o próprio ato de reabilitar.” A ideia de desafio continuou presente na conversa. “Primeiro do que tudo, perceber como é que um edifício desta época consegue voltar a dar o © Ricardo Bak Gordon

seu melhor, ainda que assimilando as infraestruturas indispensáveis ao nosso presente.” Não será algo de muito evidente, garante o arquiteto, porque “hoje temos exigências de conforto Novo projeto visto do cimo da rua Bernardo Francisco da Costa

arquitectónico e ambiental nos edifícios

Olhando para algumas das partes mais

Um trabalho que passa, antes de

que advêm de dimensionamentos,

“molestadas” da estrutura, Ricardo

mais, por alterar a função para a qual o

de espessuras de paredes, de

Bak Gordon assume um compromisso.

edifício foi pensado e desenhado. “Isto

climatização… ou seja, é preciso fazer

“Vamos ter um regresso à traça original.

eram escritórios e oficinas da EDP, e

esse balanço, esse encontro entre

Há aqui partes que são muito violentas,

agora vão ser os Paços do Concelho. O

manter o sabor do edifício original, mas

alterações muito substanciais e essas

programa vai alterar-se, mas o que nós

aceitar que ele tem de ser efetivamente

têm de ser subtraídas, e depois, o que

pretendemos é que o sabor do edifício

muito infraestruturado”.

vai ser o caminho para a frente, vai ser

seja reabilitado. Ou seja, vamos ter de

infraestruturar este edifício aos olhos do

dar uns passos atrás, para depois poder

Imaginando uma obra “entusiasmante”,

séc. XXI.”

andar para a frente.”

como a qualifica Ricardo Bak Gordon, fomos dando uns passos e falando. No olhar de quem já pensou muito aquele espaço, o objetivo é que “não haja essa ideia de exterior e interior, mas que se leia o edifício como um todo. O que faz sentido é que, num dia em que este edifício esteja novamente em funcionamento e entregue aos cidadãos, quem aqui entrar possa reencontrar o sabor do edifício original e aquilo que os anos 1950, do ponto de vista arquitectónico, nos transmitiam”. Há que pensar em detalhes como “os acabamentos, a atmosfera, a iluminação, uma série de elementos que

© Ricardo Bak Gordon

fizeram parte deste edifício na sua origem. Vamos reinventá-los de forma a que voltemos a encontrar essa combinação de tempos, mas sempre respeitando o ADN deste edifício”. Pátio interior, com o novo auditório à direita, o edifício de serviços em frente e os Paços do Concelho à esquerda

18

Lembrando que o conceito de “folha em branco” não é algo a que os arquitetos


ZOOM

estejam habituados, porque há sempre

apropriada pelas populações.” E irá surgir

Sem assumir datas, até porque boa parte

um contexto, outros edifícios ou mesmo

ainda um outro nível, um novo plano. “Este

do processo não está nas suas mãos -

as subtis curvas de um campo vazio,

‘U’ que temos aqui com o Keil do Amaral

estamos a falar de um investimento de

Ricardo Bak Gordon fala da paisagem

vai ser completado por um novo edifício,

cerca de 6 milhões de euros e de todos os

envolvente. “Almada velha e esta Almada

que por um lado encerra aparentemente

meandros processuais e administrativos

onde nos encontramos, de meados do

esta espécie de praça, mas depois vai

que isso implica -, Ricardo Bak Gordon

séc. XX, tem uma série de quarteirões

descobrir-se que ele tem um piso vazado

confessa ter já uma noção bem precisa

urbanos muito marcantes para a

que faz a transição entre a cota da praça

da distribuição de funções por aquelas

estrutura da própria cidade. Neste caso

e a cota do restante jardim e espaço vazio

estruturas. “Já temos uma distribuição

concreto, os quarteirões têm de facto um

do quarteirão. É aí também que se vai

funcional desenvolvida. Desde logo

grande impacto, porque são territórios

criar uma grande dinâmica de relações

achámos que no edifício do Keil do

bastante generosos e que poderiam criar

entre o que está a montante deste grande

Amaral deveriam estar as funções mais

um território de confluência de várias

empreendimento e que nós queremos

nobres, mais institucionais. Ou seja,

geografias que gravitam à sua volta.”

atrair e que venha a confluir com a própria

gabinete da Presidência, Vereação e

E vai ser essa uma das marcas do que

praça, que é o centro desta intervenção.”

auditório - que não deve estar limitado

ali vai nascer. Um lugar de travessia, que

às assembleias municipais, mas aberto a

possa ser vivido por todos. “Olhando

O arquiteto conta que esse novo edifício

para este quarteirão e para este

- que irá nascer em parte sobre uma

espaço também como uma espécie de

robusta estrutura de betão que terá de

O auditório e a praça vão ser as chaves

confluência de várias ruas que gravitam

ser demolida, no interior do quarteirão

para abrir este antigo pedaço de

aqui à volta, achámos que era o momento

- “terá a responsabilidade de dialogar,

cidade. “Imaginamos que o auditório

certo para que este quarteirão se abrisse

talvez não por continuidade, mas antes

seja todo este piso térreo que está aqui

à cidade. Um quarteirão municipal por

por contraste. Será um edifício que

à nossa frente, aberto sobre a praça,

excelência, com vários serviços, de várias

procura responder ao programa, ao lugar,

de modo a que as atividades culturais

épocas e que pudesse ser atravessado e

a essa responsabilidade de estabelecer

possam estender-se e ser acessíveis

desfrutado pelos cidadãos.”

um diálogo com este edifício do Keil do

à própria praça.” Para lá do funcional,

Sem imagens que ajudassem a

Amaral”. Trata-se de um edifício “de

da concentração de serviços, a ideia

imaginação, as palavras de Ricardo Bak

planta livre, no sentido de que será um

é que nasça ali, no cruzamento entre

Gordon iam desenhando sobre o que

edifício de serviços, de escritórios, muito

as ruas Bernardo Francisco da Costa

estava à nossa volta. A ideia é criar um

modernizado e que poderá e deverá ter a

e Francisco de Andrade, uma nova

novo espaço público, aberto a todos. “A

polivalência de se ir adaptando”.

centralidade para Almada.

toda a comunidade.”

nossa intenção é que esta praça, à qual chamamos o ‘anti-claustro’, porque ela tem um ar relativamente claustral, se abra no plano horizontal à cidade e não propriamente apenas ao céu. Imaginamo-

© Ricardo Bak Gordon

-la muito atravessada, muito vivida, muito

"O auditório será todo este piso térreo, aberto sobre a praça, de modo a que as atividades culturais possam estender-se e ser acessíveis à própria praça"

Espaço aberto, numa cota superior ao pátio, e detransição para o resto do quarteirão

19


RADAR

A ARQUITETURA E O ESPAÇO SONORO No Páteo do Caseiro, no centro de Almada, há uma sala quente onde alguns dos melhores artistas nacionais gravam os seus trabalhos. Conheça o estúdio Plateia d’Ilusões.

Vasco Teodoro © Anabela Luís

Texto de Margarida Leal

Filipe Santos, Marco Reis, Edu Monteiro, Vasco Teodoro © Arlindo Camacho

Vasco Teodoro plantou um estúdio de gravação no coração de Almada em 2011.

também não esconde as ganas de fazer

Nos últimos 11 anos, as raízes cresceram,

mais por este território. "Sou almadense

trabalhar aqui e já sentem este espaço

agarraram o negócio à sua terra e

de gema e sempre tive interesse em

como uma casa", conta Vasco Teodoro,

injetaram oxigénio no comércio local,

fazer coisas aqui."

que acredita que a boa vizinhança também faz parte da equação. É por

disseminando em cada músico e em cada produtor um novo olhar sobre o concelho.

A música a (des)construir Almada

isso que faz questão de apresentar os

A semente foi lançada num espaço em

Tozé Brito, António Zambujo, Rogério

artistas à cidade. Os dois locais que mais

frente à Casa da Cerca – Centro de

Charraz, Luísa Sobral, João Pedro Pais,

surpreendem são a Casa da Cerca ou o

Arte Contemporânea, onde também

Bárbara Tinoco, Ana Bacalhau ou Tiago

Jardim do Castelo, para onde o próprio

trabalhavam artistas como os Da Weasel.

Bettencourt. São muitos os artistas que

Vasco costuma fugir, para "fazer o [seu]

Vasco Teodoro ainda se lembra de ter lá

já passaram por este estúdio, revestido

descanso de ouvidos".

feito "uma préprodução de um trabalho

a madeira, como um ninho escondido

"A Luisa Sobral ficou maluca com o

dos James [banda inglesa]".

dentro do edifício azul, do arquiteto

[restaurante] italiano" da Capitão Leitão,

Aos 42 anos orgulha-se de ter

Manuel Salgado.

continua, lembrando o impacto destes

conquistado o seu espaço na música e

"Há vários artistas que gostam de

negócios no comércio local. E dá outro

20


RADAR

exemplo. O João Pedro Pais foi ao café

jogou basquete no Liberdade Futebol

Quando era miúdo, "juntava uns trocos

em frente e "o Sr. Manuel dizia ´ah, eu

Clube, licenciou-se em arquitetura e

para comprar um CD e a primeira coisa

servi muito a mãe do João, que é seu

chegou a trabalhar com Graça Dias e

que fazia quando ia ouvir a música era

técnico de som".

Egas Vieira, ao mesmo tempo que se

abrir o livrinho e perceber quem é que

O João ao qual se referia é sócio do Ponto

dedicava à produção musical. "Até que

eram aquelas pessoas". O seu nome vem

Zurca, outro estúdio de gravação de

cheguei a um ponto em que dormia

agora em alguns desses livrinhos.

Almada Velha. Mas, não é concorrente?

três horas por dia e decidi: vou arriscar

"Zero. Já gravei trabalhos passados pelo

Rogério Charraz © Luis Filipe Catarino

numa. Não quero chegar aos 50 anos isto. Mas quando arrumamos os sons,

interessantíssimo na Rua Capitão Leitão"

tecnicamente, numa mistura de uma

– a loja de discos Drogaria Central.

música, tem muito a ver com arquitetura

"Gosto do fator aldeia dentro desta teia

e de como o espaço é desenhado."

Benjamim e João Correia © Sara Hawk

sem saber como era se tivesse feito João Martins", que tem outro "projeto

urbana, cheia de gente", onde há espaço para todos.

2022 será um ano incrível O miúdo que cresceu a ouvir Beatles e

O arquitecto da música

música clássica, foi para França fazer

Dentro dos 90 m2 de área insonorizada,

uma formação com "o melhor mixer do

Vasco evoca as suas memórias musicais

mundo", mas confessa que "é na ação que

em Almada. "Sempre tivemos muito

se aprende". Tem uma ligação muito forte

boa programação no 25 de Abril - os Da

ao jazz e à soul, mas considera-se um

Weasel, os Quinta do Bill, o Abrunhosa,

ouvinte e um profissional muito eclético.

A pandemia não afectou o negócio.

o Fausto." Também se lembra dos

"Tanto trabalho com projetos ao vivo, mais

"Sempre quis passar faturas e isso

concertos no Ponto de Encontro, em

virados para a world music, como para o

safou-me ", explica o profissional que

Cacilhas, e da "fase das bandas de

dance hall. E curto imenso. Também com

teve direito a apoios como o Garantir

garagem em que os ensaios eram

cantautores como o Janeiro ou o Rogério

Cultura. "Este ano vai ser dos mais

festas, com várias bandas a tocar ao

Charraz. É uma maravilha poder cruzar

incríveis da música: muita gente esteve

mesmo tempo".

estas diferenças da arte. É isto que acaba

a trabalhar em casa e isso foi uma

Aprendeu a tocar guitarra em Almada,

por ser mais interessante."

alavanca para ganharem o seu espaço." 21


Tozé Brito © Sara Hawk

RADAR

Camané © Sara Hawk

da Sobreda , na Quinta do Bom Retiro, onde pudemos assistir a concertos

Ideias de futuro para Almada Vasco quer "fazer crescer a cultura em

gostava de ver nascer um polo artístico

emblemáticos como o de Camané

Almada", que não pode ser apenas "as

"com coisas de arte, de leitura, de

com Mário Laginha. "Estava cheíssimo.

bolhas" do festival O Sol da Caparica e do

música, de pintura a acontecer. Aquele

Ficaram pessoas cá fora."

Festival de Teatro. "Adoraria juntar uma

espaço transpira arte".

Agora, espera que cresça . "Tem todas as condições para rivalizar com o Cool

equipa de várias pessoas ligadas a esta área, do concelho, em vários campos.

Almada pode rivalizar com Oeiras

Jazz [Oeiras]. O parque é brutal, dá

Uma coisa cultural, multidisciplinar e

"É importante as autarquias apoiarem

para fazer mil e uma coisas e projeta

fazer coisas novas."

os artistas. E não sempre nos mesmos",

o concelho, mostrando que Almada

Acredita que os projetos culturais

sublinha o produtor responsável por

não é um dormitório." Neste estúdio

valorizam o território e por isso elogia

trazer para a Charneca de Caparica o

aconchegante, onde não faltam um

o trabalho de Rodrigo Francisco,

festival Jazz nas Villas. O projeto é da

sofá e um gira-discos, a par de material

diretor artístico da Companhia de

empresa lisboeta com a qual colabora há

de topo para retirar o melhor som de

Teatro de Almada. "Não o conheço

sete anos, a NCS, conta com o apoio da

cada projeto, sentem-se as ideias

pessoalmente, mas gosto de ver

CMA e da Junta de Freguesia Charneca

embrionárias que Vasco quer fazer

pessoas que investem na sua cidade,

de Caparica e Sobreda. Ocupou o

acontecer na sua cidade. "Se fizesse

independentemente da sua cor política,

Solar dos Zagallos na primeira edição

um festival com todos os artistas que já

e que querem que Almada cresça."

e com a pandemia expandiu-se para

passaram por aqui era um dos melhores

Na quinta ao lado do Almada Fórum

os sete hectares do Parque Multiusos

festivais de música portuguesa."

Vasco Teodoro © Arlindo Camacho

22


VOX O MEU BAIRRO RADAR

A origem da freguesia de Almada remonta ao ano de 1190, através de um foral régio atribuído pelo rei D. Sancho I. Uma freguesia, sede de concelho, repleta de História e da qual fazem parte as zonas mais antigas da cidade.

LUÍS DIAS / 50 anos

HERMÍNIA SOARES / 64 anos

EMANUEL GONÇALVES / 44 anos

"Sou residente em Almada há 50 anos,

"Nascida e criada em Almada", Hermínia

"Nasci em Lisboa mas sempre vivi em

nascido e criado na rua Doutor Manuel

Soares dedicou a vida ao concelho onde

Almada", afirma Emanuel acompanhado

Lourosa", conta-nos Luís, enquanto

sempre viveu. Reformada há dois anos,

pela mãe enquanto bebiam café no

almoça com os amigos num café da

recorda os anos de trabalho ao serviço da

centro de Almada. Ao longo da conversa,

Avenida do Cristo Rei. O ambiente era

Câmara Municipal, numa profissão que

a cumplicidade entre ambos era

alegre e divertido, enquanto Luís e os

admite que sempre gostou de fazer. Hoje,

notável, ao recordarem as suas próprias

companheiros partilhavam histórias e

aproveita o tempo livre para passear e

experiências e memórias do concelho.

memórias da cidade de Almada durante

visitar as exposições e espetáculos que a

"Os meus pais vieram do Alentejo, mas já

a sua infância.

cidade tem para oferecer.

moram em Almada há 60 anos." Foi em

Luís Dias nasceu e cresceu junto ao Cristo

A sua mãe era almadense e Hermínia

Almada que Emanuel cresceu e construiu

Rei, um monumento que conhece bem e

nasceu e cresceu bem no centro da

a sua vida.

que lhe traz memórias da juventude. Os

cidade, na Rua Conde Ferreira, onde

"Gosto de viver em Almada, por isso

pais eram também Almadenses e talvez

morava com os pais. A infância foi

é que nunca deixei de viver aqui."

por isso Luís não se vê a abandonar a

passada a brincar pelas ruas de Almada

Nos seus tempos livres, Emanuel

cidade assim tão cedo, "sinto-me bem

velha e a aprender a ler e escrever na

gosta de ir ao teatro com o filho,

em Almada, sinto-me feliz. Não mudaria

escola com o mesmo nome da sua rua,

Gabriel, e de passear pelas zonas mais

para outra cidade".

Escola Conde Ferreira.

emblemáticas da cidade, como o Cristo

A sua vida esteve desde sempre

"Sempre gostei de Almada e acho que

Rei, Cacilhas e os parques do mercado

ligada ao concelho, onde iniciou a

não me via a viver noutro sítio." A vida de

da Romeira e Ramalha.

vida profissional há quase trinta anos,

Hermínia está profundamente ligada ao

No entanto, Emanuel considera que o

enquanto funcionário público. Tem dois

concelho onde viveu, cresceu, trabalhou

futuro de Almada deverá passar também

filhos e gosta de passar os tempos livres

e onde criou o filho, que também

por uma maior aposta na atração de

com eles e com os amigos, quer seja à

construiu a vida na cidade. Destaca

empresas, que se fixem na cidade e

conversa num bom café, ou em passeios

sobretudo a evolução da cidade, que tem

gerem emprego e oportunidades aos

pelo Cristo Rei, Parque da Paz e Cacilhas,

vindo a testemunhar ao longo da vida,

futuros almadenses. "As pessoas gostam

zonas que afirma serem as mais bonitas

bem como as inovações e obras que

de morar em Almada, mas faltam aqui

da cidade. "Adoro viver em Almada, é a

têm sido feitas. "[O concelho] está muito

oportunidades de trabalho."

minha terra!"

evoluído. Da minha infância para agora está muito evoluído."

Texto de Inês Lopes Fotografias de Pedro Guedes

23


EM ANÁLISE

CELEBRAR A REVOLUÇÃO PODE SER CELEBRAR O FUTURO? Texto de Charlene Izaque Fotografias de Anabela Luís

Será que a revolução continua, sempre que nos deparamos com a possibilidade de criar, transformar e inovar, ou a Revolução acabou em 1974? É tão verdade que a Revolução de Abril marcou o início da vida democrática em Portugal, como o facto de estas quatro empresas - Albatroz Digital, STAB VIDA, ALVA-Filmes com Asas e CO LAB REBOTTLE PRINTSOLID -, terem tirado partido da livre iniciativa e do empreendedorismo, para se consolidarem no concelho.

(FCT- UNL), desempenha um papel de interface entre o mundo académico e as empresas. “Eu e o meu sócio Nuno Leite sempre estivemos ligados à área das novas tecnologias”, apresenta-se assim Carlos Santos, o diretor executivo da Albatroz Digital. Carlos tirou o curso na FCT, de engenharia eletrotécnica de computadores, e Nuno tem formação na área da informática. Para Carlos Santos, o Madan Parque tem um “valor inquestionável”. Estarem associados ao mundo académico e ao desenvolvimento tecnológico é um “bom cartão de visita”. Formalmente, desde 2013 que a empresa se dedica às áreas da consultadoria, comunicação, construção de soluções e oferta de serviços de Tecnologias de Informação e Comunicação

Fomos ao encontro das primeiras duas empresas, a Albatroz

(TIC) para web e mobile. Trabalham para o setor público.

Digital e a STAB VIDA, sediadas no Madan Parque. Este espaço

As autarquias, juntas de freguesia, empresas públicas e

colaborativo de ciências e tecnologia, próximo da Faculdade

organizações não governamentais são os clientes diretos. O

de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

diretor não tem dúvidas quanto ao posicionamento da empresa.

ALBATROZ DIGITAL - À esquerda, Carlos Santos. À direita, Nuno Leite.

24


EM ANÁLISE

O "farol" da Albatroz Digital é a "promoção da inclusão social, do exercício da cidadania e da democracia participativa", uma vez que trabalhar para o setor privado e numa lógica de venda

online, "já há muitos que o fazem". Carlos Santos afirma que o fator diferenciador da empresa passa pela experiência e por conhecerem "muito bem" a realidade do seu público-alvo, dominarem os temas a comunicar e a "clara noção de ganhos". Acreditam que na área das TIC todos ganham com uma lógica de trabalho eficiente, no "tempo certo". Seguros da importância de se envolverem ativamente na vida da comunidade, Carlos revela que estão a desenvolver uma plataforma online para a Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral. Compilar, tratar e analisar os dados é o desafio. Pretendem

1

criar um repositório central para médicos e cuidadores, independentemente da sua localização geográfica. Assim, o recurso tempo é otimizado, permitindo que a informação não "gravite por papéis, e-mails e complexas folhas de Excel". Das TIC, passemos para um universo igualmente ligado à informação, mas na área da genética. A STAB VIDA é uma empresa com 22 anos que soube adaptar-se. Carla Clemente, responsável pela área da implementação de novos serviços e produtos, conta que antes da pandemia, dedicavam-se à sequenciação de ADN. Com o contexto pandémico, "foi posta em cima da mesa a possibilidade de desenvolver um produto novo. O Doctor Vida Pocket". Uma nova tecnologia que permite diagnosticar a Covid-19 em 40 minutos, com uma fiabilidade de 96%, mantendo o Sistema Nacional

2

de Vigilância Epidemiológica e a Direção-Geral da Saúde informadas. A característica inovadora é a portabilidade do pequeno aparelho e o facto de comunicar, em tempo real, todo o processamento dos resultados, através de uma aplicação de telemóvel. Carla Clemente garante que "é muito semelhante ao que se passa num laboratório", mas com o benefício extra de funcionar em áreas mais isoladas. A energia elétrica não é necessária. O Doctor Vida Pocket pode ser ligado a uma bateria portátil. A longo prazo, o objetivo é "levar esta solução para o cliente singular", visto que apenas técnicos de saúde habilitados podem manusear o aparelho. Contudo, a necessidade de fomentar o aperfeiçoamento está no ADN da empresa. "Na

3

STAB VIDA apostámos na mudança e investimos em inovação",

STAB VIDA 1 - Demonstração do processo de fabrico. 2 - Tecnologia portátil - Doctor Vida Pocket. 3 - Carla Clemente. Responsável pela área da implementação de novos serviços e produtos.

responde Carla Clemente, sobre se arriscam o suficiente. "Já sabemos fabricar. Tivemos formação e ganhámos novas competências", reforça. Em Portugal, a produção de dispositivos médicos não é muito comum e a empresa

Mas, não são só os universo da física e da química que

acredita que a componente de fabrico e a rede de sinergias

procuram a distinção. No Núcleo Empresarial de Almada Velha,

com parceiros, na área da informática e eletrónica, é o que os

incubadora municipal de empresas, existe uma produtora

distingue dos demais.

audiovisual, que desde 2017 ganhou asas procurando 25


EM ANÁLISE

ALVA - Filmes Com Asas. Patrícia Alvarinho e João Batista

diariamente os melhores voos. Patrícia Alvarinho, licenciada

que procura traduzir a crença dos dois empresários, no valor de

em Audiovisual-Multimédia e João Batista, que tem formação

"bem comunicar".

de chef de cozinha, são os rostos da ALVA - Filmes Com Asas. Patrícia aprendeu muito do que hoje sabe numa pequena

Desenhar novas oportunidades de forma colaborativa e tendo

STARTUP, mas sempre teve o "bichinho empreendedor".

por base uma hábil comunicação entre pares, também é prática

Desejava ter "uma marca que refletisse aquilo que era capaz de

no Quarteirão das Artes, incubadora municipal de empresas,

fazer". João percebeu que o "stress das cozinhas" não era para

vocacionada para as indústrias criativas. Dentro do estúdio N.º

ele, tendo dedicado os seus sentidos a uma nova arte.

10, vai fazer três anos que a CO LAB REBOTTLE PRINTSOLID ganha diariamente forma. Luís Vaz, português, Shani Almagor,

A ALVA resulta das diferenças e semelhanças entre os seus sócios.

israelita, e Samy Hamidouche, argelina, têm negócios "a solo",

Patrícia domina a componente vídeo e edição e João, que também

mas decidiram unir ideias e instrumentos de trabalho. No estúdio,

é músico, garante a sonoplastia. O cuidado com o detalhe é

é sentida uma harmonia técnica de dimensão intercultural.

sentido a dois. Desenvolvem trabalhos de livestreaming, fotografia,

"O meu core business é a prototipagem e pequenas

vídeos promocionais, design & packaging, animações infográficas

produções", explica Luís Vaz, desenhador técnico e criador da

2D, entre outras soluções. A rede de clientes vai desde pequenas

marca Iprintsolid. Pequenas e médias empresas procuram-no

a grandes empresas. As ideias são concretizadas, na sua maioria,

por conhecerem o seu nome e técnica. Prefere não investir

a quatro mãos. Uma dedicação conjunta que exige muitas horas

em marketing. "Para já, o passa palavra chega." Os seus

de trabalho e os mais diversos recursos tecnológicos. A constante

conhecimentos na área da modelagem, impressão lazer e 3D,

readaptação é condição nesta empresa. "Sempre que investimos

são considerados uma "preciosa" ajuda pelas suas parceiras de

em novos equipamentos, temos de investir em formação e mais

negócio. Luís afirma que a impressão 3D, com a possibilidade de

espaço de memória. Se há uns tempos trabalhávamos com

idealizar uma peça e produzi-la no momento "a baixos custos e

gigabytes, hoje são terabytes", desabafa Patrícia com um sorriso

sem recorrer a um processo moroso, é fantástica". "Descobrir

no rosto e consciente do investimento exigido. João reforça que

como se faz" é parte do seu método, acreditando que a

tudo vale a pena, porque o principal objetivo é "fazer chegar da

formação não é tudo e que "informação não é conhecimento".

melhor forma possível a mensagem". A propósito de "mensagem",

A Rebottle, marca que a designer Shani desenvolveu, por se

esse é o nome do vídeo promocional da ALVA – Filmes Com Asas.

ter "perdido de amores" pela cortiça portuguesa, ganhou

Uma produção filmada em Viseu, a "aldeia natal" de Patrícia e João,

uma estética aperfeiçoada com a técnica de impressão a

26


EM ANÁLISE

laser de Luís. Era importante imprimir em formato redondo.

se tratasse. É notória a sintonia e a amizade pela sua parceira

Shani comercializa garrafas forradas a cortiça, que podem

judia, Shani Almagor, com quem está a desenvolver a marca

ser personalizadas. O produto "ecológico, local, isolante e

Kozzi. Produzem camas de rede sustentáveis. Formada em

resistente à água", pode ser comprado online, em feiras e em

marketing, rendeu-se a um velho apelo para mudar de vida. Veio

mercados específicos. A jovem empreendedora diz-nos que

para Portugal para estar dedicada à manufatura de produtos de

é importante "não ter medo de falhar", sentindo-se orgulhosa

decoração. Nesta colaboração a três, também está dedicada

pela aceitação que o produto teve.

à produção de velas com cera de abelha e de soja, bem como à

"Na história de Almada, há um passado muçulmano e judeu",

construção de candeeiros de madeira e de metal. "O protótipo

começa por dizer Samy Hamidouche, como se de uma profecia

que servirá de base para as velas, está a ser trabalhado por Luís Vaz." As palavras cooperação e empreendedorismo já não são protótipos nesta união. São antes ações que geram oportunidades. "A pandemia e agora a guerra na Ucrânia, ensinam-nos a usar da liberdade que temos para arriscar, e se necessário, recomeçar", diz sem hesitar Samy, sentindo que à sua escala, passo a passo, realiza a sua revolução.

CO LAB REBOTTLE PRINTSOLID 1 - Luís Vaz 2 - Samy Hamidouche 3 - Máquina laser, que corta e grava 4 - Shani Almagor

1

2

3

4

27


© Luis Filipe Catarino

ACONTECE

Marta Ruxa © Victor Mendes

MAIS DE 35 TONELADAS DE BENS PARA A UCRÂNIA Texto de Margarida Leal

Assim que a guerra começou, Almada mobilizou-se para ajudar. O Serviço Municipal de Proteção Civil, apoiado por um corpo de voluntários, coordenou esta missão de apoio, que já permitiu enviar 35 toneladas de bens essenciais, doados por empresas, munícipes e instituições do concelho. As mãos de Sofia Saro, voluntária pela

mais de quatro mil quilómetros, que

"Ser voluntária faz-me sentir útil"

primeira vez, já dobraram um sem fim

unem Almada e Ucrânia.

e aqui, "quando estou na seleção,

de peças de roupa, de homem, mulher e

"Desde o início da pandemia que não

revejo-me muito nos outros". Explica

criança. Tentou não pensar muito quando

paramos", conta Carlos Narciso, um dos 12

que pensa "na cadeia toda", desde

as mais pequeninas lhe apareciam. "Não

elementos da Proteção Civil. Trabalhou 20

quem doa, até quem recebe as latas de

consigo imaginar", diz enquanto muda

anos no INEM e integrou há cinco anos o

comida, quem se vai proteger do frio

rapidamente de assunto. Tem 35 anos,

SMPC, fundamental na resposta à crise.

com estas roupas quentes, quem está

um filho com 14 e a certeza de que "tinha

Garante que todos os elementos mantêm

a precisar de produtos de higiene ou de

de fazer alguma coisa".

um espírito de missão forte, até porque

material médico.

É uma das 40 pessoas que diariamente

é essa a natureza do serviço e este é só

Empilham-se as caixas e, à medida que se

vêm ajudar a equipa do Serviço

mais um desafio. "Sabíamos que iríamos

avolumam, cresce também a esperança

Municipal de Proteção Civil (SMPC), na

ser chamados. Foi arregaçar as mangas e

de todos os que aqui colaboram: quando

coordenação da resposta de Almada

trabalhar." Mas não estão sozinhos.

chegarem ao destino, vão fazer a diferença.

à crise humanitária na Ucrânia. Vem

O turno acaba às dez da noite e Sofia vai

duas vezes por semana ao pavilhão

A garra das Panteras

trabalhar numa empresa de informática,

desportivo dos Bombeiros Voluntários

Além dos voluntários civis, o SMPC conta

onde assegura as noites. Marta regressa

da Trafaria, por agora transformado em

com 44 Panteras, um grupo de voluntários

a casa porque amanhã volta ao papel

centro de logística.

constituído para apoiar alguns projetos.

de engenheira do ambiente, em Lisboa,

Marta Ruxa é uma delas.

enquanto Carlos e os 12 elementos da

Espírito de missão

"Almada organizou-se de forma muito

equipa continuarão em prontidão.

Aqui chegam todos os bens doados

rápida e eficaz", garante. Além de dar apoio

pela população, escolas, empresas e

aos voluntários civis, para que o trabalho

Primeiro passo para ajudar

instituições. Aqui se faz a triagem, a

seja mais eficiente, esta pantera participa

"Assim que se verificou esta situação

separação, a embalagem e rotulagem

em todas as tarefas definidas para o dia.

de guerra, a Câmara Municipal de

das caixas em português e ucraniano.

Hoje é preciso montar caixas de papelão,

Almada começou a trabalhar", garante

Aqui se carregam paletes para dentro

para que amanhã o pessoal possa embalar

a vereadora Teodolinda Silveira. A

dos camiões, que hão de percorrer os

o material que continua a chegar ao centro.

primeira preocupação foi organizar o

28


ACONTECE

Carlos Narciso © Victor Mendes

Sofia Saro © Victor Mendes

permite a qualquer munícipe ou entidade

de Estrangeiros e Fronteiras e Alto

embaixada da Ucrânia.

obter esclarecimentos, sinalizar situações

Comissariado para as Migrações", que

A prioridade passou pela mobilização dos

ou disponibilizar apoios. Associada a

estão reunidos numa única plataforma,

recursos locais, sempre em articulação

esta linha existe uma equipa municipal

que permite atribuir, no momento, cartão

com as respostas dinamizadas pelo

com técnicos de várias áreas, que

de saúde, de segurança social, inscrição

Estado Central. Procurou-se envolver as

fazem o encontro entre os pedidos de

no centro de emprego e um visto válido

instituições particulares de solidariedade

ajuda e as ofertas de apoio, articulando

por um ano. Assim "são cidadãos de

social, as juntas de freguesia, as

com diferentes entidades e fazendo o

corpo inteiro".

empresas de transportes, a Associação

encaminhamento das necessidades

da Hotelaria, Restauração e Similares

(emprego, saúde, educação, aulas de

de Portugal - entre outras entidades -

português, apoio social).

com o objetivo de encontrar apoios para

Semanalmente, em sessões de trabalho

alojamento, refeições, emprego, escolas,

coordenadas pelo SMPC e com a

apoio social e aulas de português para os

participação de equipas da área do

refugiados que cheguem a Almada.

emprego, da saúde e da segurança

Para já, a autarquia assegura 59 camas no

social, para além das equipas municipais,

Caparica Sun Centre, para o acolhimento

são feitos balanços das situações em

temporário de emergência. Criou ainda

acompanhamento.

uma linha de contacto, gerida pelo

Para apoiar cidadãos ucranianos que

Departamento de Intervenção Social

nos cheguem, o primeiro passo "deve

(sosucrania@cma.m-almada.pt), que

obrigatoriamente passar pelo Serviço

© Victor Mendes

Teodolinda Silveira © Luis Filipe Catarino

envio dos bens essenciais, pedidos pela

29


ACONTECE

CONCERTO DO 25 DE ABRIL

CAPITÃO FAUSTO EM ALMADA NA NOITE DA LIBERDADE Texto de Sandra Gomes Fotografias de Anabela Luís

Estivemos à conversa com Domingos Coimbra e Tomás

Revista ALMADA – Que balanço fazem destes primeiros 10

Wallenstein, dois dos elementos do quinteto integrado também

anos de percurso musical?

por Francisco Ferreira, Manuel Palha e Salvador Seabra. Com

Domingos Coimbra (DC) – O balanço é muito positivo. Em 10

"Boa Memória" evocaram a liberdade de cantar sem censura, o

anos fizemos muitas coisas em várias áreas. É motivo para

que pensam e o que sentem, conquistada em 1974.

ficarmos satisfeitos e queremos fazer mais nos próximos 10.

E lançaram um convite: Venham celebrar o 25 de Abril em Almada.

Tomás Wallenstein (TW) – Olhar para trás e pensar que

"Vai valer a pena."

já passaram 10 anos é um bocadinho nostálgico. Temos

© Anabela Luís

ABRIL ARRANCA COM O CAPARICA SURF FEST

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As praias urbanas do Paraíso e do Dragão Vermelho, na Costa de Caparica, são palco de mais uma edição da prova do circuito mundial de Surf, de 5 a 10 de abril. Ao longo de seis dias, alguns dos melhores surfistas do mundo participam no maior e mais internacional evento desportivo do concelho. Dedicado ao Surf e às principais modalidades associadas ao mar, o festival desportivo incluiu uma prova de categoria QS 3.000, na vertente masculina, e uma prova feminina de categoria QS 1.000. O WSL Qualifying Series é o circuito mundial de qualificação que apura os dez melhores surfistas do ano para a principal divisão.

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ACONTECE

muitas memórias e muitas histórias (…) dos vários discos que

dos Capitão Fausto para um reencontro, para um abraço

compusemos, dos concertos especiais que montámos…

nostálgico, para celebrarmos a liberdade e para estarmos

DC – … como o concerto com a Orquestra das Beiras, em 2020,

juntos novamente a partilhar cultura, amizade, alegria.

o de homenagem a Syd Barrett em que tocámos Pink Floyd, a

Queremos muito fazer parte dessa festa.

Banda à Solta que fizemos nas ilhas da Ria Formosa, tocar com o Luís Severo, com os Terno, a gravação do último disco em São

Na noite de 24 de abril todos os caminhos vão dar à Praça

Paulo, a criação da nossa editora a Cucamonga…

da Liberdade. As celebrações começam às dez da noite, com a atuação da Carminho. À meia-noite, o céu ilumina-se

Como definem a vossa sonoridade?

com um espetáculo de fogo de artifício e sobem a palco os

TW – Somos uma banda de cinco pessoas, tocamos música

Capitão Fausto. Descubra na Agenda toda a programação

e fazemos coisas à volta da música. Acho que isso é a melhor

que celebra os 48 anos da revolução de Abril.

maneira de nos definir. Claro que não somos um conjunto de música antiga nem uma orquestra. Somos uma banda de instrumentos eletrificados… DC – …em que há um caldeirão de influências onde entra tudo. TW – Fazemos canções. Não só, mas principalmente. DC – A melhor forma que temos de explicar a alguém a nossa música é essa pessoa ir a um concerto e ouvir o que estamos a tocar, aí não precisamos de palavras para explicar. As pessoas percebem imediatamente. Isso é o ideal. TW – É uma moradia unifamiliar onde pode viver muita gente. Um dia pode lá viver a Édith Piaf, o Elvis, o Roy Orbison e o Bernstein, mas noutro dia podem lá viver o Bach, a Dua Lipa e a Rosalía… Há espaço para tudo. Vão atuar em Almada no concerto do 25 de Abril. Que significado tem esta data emblemática? TW – É inegável, para o país em que vivemos é um dia muitíssimo importante. Para a nossa geração – eu nasci em 1989 e o Domingos em 1991 – existe um exercício maior de nos recordarmos de algo que não vivemos. De interiorizarmos e não darmos a democracia como adquirida. DC – Músicos da velha guarda que fomos conhecendo tinham músicas que pura e simplesmente não podiam ser lançadas. Só por aí, o ato de dar um concerto, de se juntarem pessoas para ouvir música, para existir uma troca cultural, é de uma importância extrema. E isso só acontece por causa desse dia histórico. Quando uma banda ou um artista sobe ao palco num dia como o 25 de Abril o ato de o fazer já é uma homenagem, porque simboliza a liberdade de expressão, a liberdade criativa. Como convidam as pessoas para o vosso concerto? DC – Convidamos toda a gente que tenha interesse na música

© Luis Filipe Catarino

O SOL DA CAPARICA REGRESSA EM AGOSTO De 11 a 15 de agosto, o Sol volta a ouvir-se no Parque Urbano da Costa da Caparica. António Zambujo, Calema, Ana Moura, Bárbara Bandeira ou Richie Campbell são alguns dos artistas já confirmados para a sétima edição deste festival de verão dedicado à música de expressão portuguesa, uma iniciativa da Câmara Municipal de Almada, produzida pelo Grupo Chiado. Este ano, para além de um dia extra, há também comédia, com Fernando Rocha, Aldo Lima, Gilmário Vemba e Hugo Sousa, e um novo palco dedicado à música eletrónica. Os bilhetes estão já à venda nos locais habituais.

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ALMADA EM MIM

PROFISSIONAIS DE SAÚDE E UTENTES HOMENAGEADOS COM MURAL NO HOSPITAL GARCIA DE ORTA Texto de Inês Lopes Fotografias de Anabela Luís

A chegada ao Garcia de Orta ganhou novas cores. Um muro no acesso ao hospital foi pintado por quatro artistas urbanos, numa homenagem aos profissionais de saúde, aos utentes e a Garcia de Orta. Inaugurado em 1991, este é um dos maiores hospitais do

pretende homenagear profissionais e utentes da unidade

país, servindo atualmente uma população de cerca de 350

hospitalar, bem como melhorar as condições do espaço

mil habitantes dos concelhos de Almada e Seixal. O nome

exterior. Para a execução do mural, a direção do hospital

foi oficialmente decidido em 1989, em homenagem ao

convidou os artistas locais Vasco Maio, Ricardo Wokx, Manel

médico português do séc. XVI, pioneiro na área da botânica,

Alma e Miguel Ângelo Nurti.

farmacologia e medicina. Os temas pintados no mural foram sugeridos pelo Hospital e os O mural artístico integra as comemorações do 30.º aniversário

artistas incorporaram na obra vários conceitos e ideias, desde

do Hospital, assinalados no passado dia 16 de dezembro, e

a esperança e superação, ao amor, à coragem e investigação, passando também pela figura de Garcia de Orta. Segundo Vasco Maio, «o que nós quisemos aqui retratar foi um ciclo, desde que se nasce até que se morre. Foi uma ideia de que o fim acaba por ser o início e o início acaba por ser o fim. E, claro, toda a ideia de investigação feita pelo Garcia de Orta, muito baseada na botânica, também foi um ponto de partida». A arte apresentada no mural baseia-se assim na ideia de um círculo contínuo que se complementa e multiplica através de formas fractais. Ao longo do mural os visitantes do hospital podem também apreciar a transposição de uma visão geral para uma visão micro celular, através dos vários elementos que se encontram expostos. Alguns desses elementos podem ser vistos em pormenores como a pata do tigre, que remete para a ideia de coragem e de perseverança ou, por exemplo, a serpente que tradicionalmente representa a farmácia. A administração

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ALMADA EM MIM

do Hospital afirma, em comunicado, que «a leitura destes

que estão ligados à história deste hospital. Para Vasco Maio,

ciclos, a metáfora da vida e natureza, como a conhecemos

«a ideia é fazer com que cada pessoa que visite o hospital

com padrões de repetição e diversidade infinita bem com os

consiga pelo menos esboçar um sorriso na entrada e trazer

elementos de ciência e o seu estudo fazem parte da proposta

um pouco mais de alegria, seja à pessoa que vem por motivos

basilar e da harmonia da ideia do ciclo».

menos bons ou por motivos bons».

A intenção desta obra é trazer uma nova vida à entrada

Quem passa pelo hospital atualmente não fica indiferente ao

deste espaço pilar da comunidade e, através da arte urbana,

grande projeto artístico que se ergue no seu muro e que traz

homenagear os profissionais de saúde e todos os utentes

alegria ao espaço.

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SABIA QUE?

NÓMADAS DIGITAIS - NOVOS TURISTAS OU FUTUROS ALMADENSES?

Texto de Sandra Gomes Fotografias de Victor Mendes

Há uma comunidade de nómadas digitais em crescimento na Costa da Caparica. São jovens e chegam em busca de sol e mar. Trabalham à distância para empresas internacionais e alguns querem desenvolver projetos próprios. Uma oportunidade para dinamizar e tornar o nosso território cada vez mais “de muitos”.

Héloïse Baudienville, 38 anos, é uma das

Caparica. A associação, constituída

local que lhes proporcione um estilo

mais recentes nómadas digitais a residir

em julho de 2021 com o objetivo de

de vida em contacto com a natureza,

na Costa da Caparica. Durante mais de

estabelecer uma comunidade de

com qualidade de vida e, ao mesmo

uma década trabalhou para algumas

nómadas digitais – à semelhança do

tempo, vão criar valor e contribuir para

agências internacionais de marketing e

projeto pioneiro homólogo iniciado

o desenvolvimento do território onde se

publicidade, em Paris e em Sidney, onde

por Gonçalo Hall na Madeira (Ponta do

instalam. É algo vantajoso para ambas

se apaixonou pelo sol e o mar. Há dois

Sol) –, além de fomentar o convívio e a

as partes. Todos ganham".

anos, decidiu mudar de vida. "Estava

integração na comunidade local – através

cansada de viver numa grande cidade,

de jogos de futebol, de voleibol, aulas

com um ritmo de trabalho muito exigente

de surf e de yoga ou caminhadas – gere

e um elevado nível de stress. Queria viver

uma plataforma de comunicação online,

perto da praia, num local onde pudesse

a Discord, com cerca de 600 membros,

fazer surf e que não fosse muito distante

e agrega vários parceiros que tornam

da minha cidade natal – Paris." Voltou

possível a existência de espaços de

a estudar. Hoje é coach certificada e

trabalho – coworking – e de habitação –

ajuda outras pessoas a encontrar o seu

coliving – partilhados.

caminho "para uma vida profissional e

A localização privilegiada junto ao mar, a existência de um importante polo universitário no concelho e a proximidade à capital fazem da Costa da Caparica o local de eleição dos nómadas digitais.

pessoal plenamente realizada".

Allan Sousa, um dos fundadores da

Conhecemos Héloïse no almoço

Digital Nomads Caparica, afirma que

"O que mais gostamos aqui é a

semanal organizado pela Digital Nomads

"os nómadas digitais procuram um

comunidade local e internacional",

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SABIA QUE?

justifica Ioannis Avramidis, 30 anos, com

esteve em Portugal para participar

que consiste na instalação de uma

família holandesa e grega. "Praia e locais

numa conferência esteve na origem

sauna junto à praia. "Quero contribuir

para fazer surf podemos encontrar em

da decisão. No final de 2021, comprou

para a dinamização da margem sul do

muitos sítios, mas aqui encontramos

uma casa na Costa da Caparica, onde

Tejo, proporcionando uma experiência

algo único, que nos liga. Por exemplo,

pretende estabelecer as suas raízes e

diferente durante o inverno." A primeira

uma vez por semana jogo futebol com

"criar um negócio ligado à comunidade".

sauna vai abrir ao público no Barreiro já

pessoas da comunidade local e nómadas

Neste momento, Klára está a

no próximo outono. "O objetivo é alargar

digitais que, tal como eu, vivem na

desenvolver um projeto eco-sustentável,

este conceito a outros espaços como a

Costa." Foi a pandemia que fez Ioannis

em parceria com a embaixada finlandesa

Costa da Caparica."

começar a trabalhar à distância. "É o

e a Administração do Porto de Lisboa,

melhor equilíbrio entre a vida pessoal e profissional", revela. Depois de uma estadia no sul da Grécia, o responsável pelo marketing numa empresa belga que comercializa cerveja artesanal e a namorada – fotógrafa francesa

freelancer –, decidiram conhecer outra região no sul da Europa. A Costa da Caparica foi a escolha ideal: "gostamos

O Nómada Digital · Jovem, entre os 25 e os 40 anos, altamente qualificado · Trabalha remotamente em tecnologias de informação, design ou marketing digital · Procura um destino urbano com qualidade de vida · Vive integrado na comunidade local, mas

tem maior poder de compra · Gosta de consumir produtos locais, cultura e experiências · Reinveste na comunidade através da criação de pequenos negócios com sede local ou de voluntariado

de estar em contacto com a natureza e o mar, mas perto de uma grande cidade com animação noturna como Lisboa".

Os nómadas digitais residentes no concelho são, na sua maioria, franceses, alemães, holandeses e ingleses, mas por Almada já passaram jovens profissionais de mais de 30 diferentes nacionalidades. Apesar de ser uma tendência cada vez mais presente no mundo empresarial "ainda há algum receio por parte dos empregadores portugueses, embora já comecem a surgir alguns modelos híbridos", aponta Diogo Fraga que, com apenas 23 anos, trabalha em marketing digital para uma empresa norte-americana, a partir da Costa da Caparica. Continuar a viver junto ao mar e a gerir os seus horários são os objetivos do jovem, que elege o sul de França como uma das próximas paragens. Especialista em software, Klára Cmuchova, 32 anos, oriunda da República Checa, veio morar para Lisboa há quatro anos, depois de uma passagem profissional pela Finlândia. O acolhimento caloroso que sentiu quando 35



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