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O SIMBOLISMO DE FRIDA E A ESCOLHA DAS CORES
Frida Kahlo foi uma pintora mexicana conhecida mundialmente por seus autorretratos característicos, retratando sua vida através da arte. Em seus trabalhos, procurava expressar suas experiências pessoais, como seu casamento, os abortos que sofreu e toda a sua trajetória clínica.
Extremamente influenciada pela arte folclórica e pela cultura indígena mexicana, evidenciado pelo simbolismo dramático e pelo uso de cores alegres e vibrantes em suas obras, seu estilo característico e os elementos fantásticos característicos de sua arte a fizeram ser reconhecida como uma artista surrealista, título este o qual Frida repudiava, pois acreditava que tais elemento estavam enraizados na própria tradição mexicana.
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“EU PINTO A MIM MESMA PORQUE, MUITAS VEZES, ESTOU SOZINHA E PORQUE SOU O ASSUNTO QUE MELHOR CONHEÇO” - KAHLO, FRIDA
“ELES ACHAM QUE SOU SURREALISTA. NÃO SOU. EU NUNCA PINTEI SONHOS. EU PINTEI MINHA PRÓPRIA REALIDADE” - KAHLO, FRIDA
AS DUAS FRIDAS, 1939. ÓLEO SOBRE TELA 173 X 173 CM. MUSEO DE ARTE MODERNO, CIUDAD DE MÉXICO, MÉXICO.
Não existe casualidade nas pinturas de Frida Kahlo, tudo é criado com uma intenção específica por trás. A escolha das cores em As duas Fridas difere do seu costume de utilizar verdes, amarelos e outras cores vibrantes. Aqui são aplicados tons terrosos em abundância, e a complementaridade dos alaranjados, dos azuis e o uso das cinzas transmitem a sensação de sobriedade. A escolha dessas cores também auxilia o observador a levar o seu olhar para o vermelho dos corações, em contraste com os tons do fundo. A pintura possui apenas dois planos e as relações de luz e sombra transmitem equilíbrio entre claros e escuros, passando a sensação de volume, proximidade e profundidade.
No objeto de estudo escolhido estão representadas duas Fridas, sentadas em um banco sem encosto, com um chão simples e um céu escuro e nebuloso ao fundo, traduzindo o sentimento de tumulto interno da pintora, e trazendo textura ao plano de fundo da tela.
A Frida à direita está trajada de típicas vestes mexicanas, com cores mais vivas e a esquerda está com um típico vestido europeu branco, com pequenas flores vermelhas na barra, bordados no peito e mangas trabalhadas.
Ambas se encontram com expressões sérias e concentradas, e enquanto a Frida europeia parece não nos encarar, a Frida mexicana nos olha diretamente. Diferenças sutis como o tom de pele um pouco mais escuro da Frida mexicana ou o rosto mais feminino e delicado da Frida europeia evidenciam os contrastes entre essas duas personalidades, mas as mãos unidas denotam o apoio entre elas.


Não somente as mãos estabelem uma relação entre elas. Do coração sai uma artéria, que passa por trás do pescoço da Frida europeia e se divide em duas, uma levando ao coração, que revela o seu interior através dos rasgos , no vestido, e a outra a uma veia que circula o seu braço e chega as lâminas da tesoura na sua mão.
Apenas uma delas parece correr risco de vida, mas seus corações estão diretamente conectados por uma veia. O sangue de uma flui pelas veias da outra (SEIXAS, 2008). É compreensível que a Frida estrangeira está sendo rejeitada, mas o fato de estarem de mãos dadas e estarem conectadas por uma veia infere que a artista não pode eliminar algo nela própria que a constitui como única.

"O COMPANHEIRISMO SECRETO DAS DUAS MULHERES RETRATADAS NA COMPOSIÇÃO É PROVA DE QUE A FRIDA EUROPEIA TEM UMA LEGITIMIDADE QUE, AO SER NEGADA, PÕE EM RISCO A LEGITIMIDADE DAS DEMAIS FRIDAS" (SEIXAS, 2008, P.38).

Há uma evidente simetria bilateral por semelhança entre as Fridas: mesmo caracterizadas de formas distintas, ambas se encontram espelhadas, aplicando o princípio dualista presente em algumas de suas obras. A relação que Frida estabelecia com sua sexualidade era um de seus traços marcantes. Mesmo com roupas bem comportadas e cobrindo boa parte dos corpos, é possível perceber a posição em que se encontram as Fridas pelo movimento que a pintora conseguiu traduzir em sua obra através do caimento dos tecidos, aparentando na Frida da direita, mexicana, o posicionamento das pernas mais abertas, o que remete à questão da sexualidade.
Frida também faz uso da proporção dos terços para dividir a sua imagem no lado esquerdo, onde a parte superior do vestido cabe duas vezes na parte inferior. No lado direito ocorre a desconstrução da regra dos terços, com o seu busto e saia um pouco maiores. Apesar de suas similaridades, os lados direito e esquerdo tem intenções visuais diferentes.
EM AS DUAS FRIDAS, A RAIVA E DOR JUNTAM FORÇAS PARA ROMPER AS CONEXÕES DE FRIDA COM O MUNDO EXTERIOR – E MAIS ESPECIFICAMENTE COM DIEGO. " HERRERA, HAYDEN. FRIDA: A BIOGRAFIA
Ainda que existam diversas interpretações dos simbolismos presentes na obra - por exemplo, o fato da veia representar uma fronteira compreendemos que As duas Fridas transmite claramente, e talvez simplesmente, a dor que a artista sentiu com seu divórcio e o sentimento quase esquizofrênico de sua divisão em duas mulheres opostas, uma delas próxima da morte.
