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Mas ele me amava
from Revista Redemoinho ano 11 nr 17
by IESB
por: Marisa Wanzeller
Foto: Jairo Alzate /Unsplash
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Elas saíram de um relacionamento doloroso com apoio de grupos organizados em redes sociais
No mundo, uma em cada três mulheres sofreu violência física ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros, aponta pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Cerca de 30% das mulheres que estiveram em um relacionamento relatam ter sofrido alguma violência. A situação no Brasil não melhora. O país possui a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, sendo 4,8 em cada 100 mil mulheres assassinadas por serem mulheres.
Mesmo que a violência doméstica esteja proibida por lei e seja passível de punição, potenciais agressores não se inibem no momento de cometer o crime. Atualmente, mulheres vítimas de agressão podem contar com pelo menos um ponto de acolhimento, as redes sociais. Em uma plataforma como o Facebook é possível participar de grupos onde pessoas estão dispostas a escutar e aconselhar a vítima, seja judicial ou psicologicamente ou apenas com uma escuta amiga.
As jornalistas Marisa Marega e Mariana Kotscho são moderadoras de um desses espaços virtuais há quatro anos. A comunidade on-line “Violência Doméstica - Grupo de Apoio” conta com 3.800 participantes que buscam por orientação. Marisa Marega relata que pelo menos 95% dessas mulheres foram encaminhadas pelo grupo a acompanhamento psicológico ou às autoridades competentes. “Nós encaminhamos para a rede pública, mas também temos parceria com a rede feminista de advogadas que dão atendimento gratuito, com a defensoria pública do estado de São Paulo, com psiquiatras e psicólogos que nos ajudam na orientação”, relata.
Marega conta que, para criar um ambiente seguro, o grupo é privado e as moderadoras investigam rapidamente cada mulher que solicita participação, para garantir que não seja um abusador por meio de um perfil falso. Ao entrar no grupo, além do apoio recebido por especialistas, as mulheres que se sentirem à vontade podem relatar suas histórias e ainda apoiar outras colegas.
Além da possibilidade de atender mulheres de diferentes locais do mundo, como Europa e América Latina, a rede social permite que as pessoas envolvidas mantenham uma certa privacidade, como descreve a jornalista. “A gente sente que existe uma maior entrega do problema pelo fato de você não conhecer a pessoa com quem você está falando, muitas mulheres sentem vergonha, então a internet ajuda nisso”, analisa Marega.
A psicóloga Miriam Pondaag, especialista na área de violência de gênero e professora do IESB, explica que grupos de apoio, tanto em redes sociais quanto em contextos institucionais são importantes para as vítimas. “São espaços de escuta em que elas se sentem menos julgadas”, pontua. A violência doméstica gera impactos na saúde mental das vítimas, por isso é importante buscar ajuda.
De acordo com a especialista, mulheres em situação de violência podem perder a capacidade de dimensionar riscos. “Por estarem envolvidas e abaladas, elas começam a naturalizar essa violência, às vezes, elas não percebem que o agressor pode ir além, pode cometer um ato mais grave”, explica. Assim, ao compartilhar a história com outras pessoas, elas passam a dimensionar o risco conforme as reações aos relatos. “Elas se dão conta da seriedade”.
Regina Baronio, 39 anos, mora na região metropolitana de Curitiba (PR) e entrou no grupo de Marega em busca de dicas para conseguir se separar do então marido. Ela esteve com seu abusador por 22 anos. “O grupo foi essencial na minha saída do relacionamento, eu estava tentando me separar há três anos e não conseguia, acabava voltando”, conta.
Ao entrar no portal, a empresária contava com uma medida protetiva para manter o agressor distante. Porém, ele não seguia as regras e ela não tinha forças para denunciar. “Na mesma hora que enviei a solicitação, a Mari já me aceitou e perguntou o que eu precisava. Eu fiz um breve relato e ela me instruiu sobre como eu deveria agir”. Segundo Regina, nessas situações as vítimas ficam “perdidas”.

@i_am_nah/Unsplash
Regina sentia vergonha das brigas
“Ele basicamente me primeira vez, os episódios que Regina descreve como “surtos” nunca mais usou enquanto eu cessaram. “De repente, ele começou a amamentava meu jogar objetos em mim. Controle, celular, copo, chave. Sempre algum objeto que bebê” me machucava”. Depois, começaram os
Regina Baronio, vítima de violência empurrões. doméstica Para Daiane Oliveira dos Anjos, 31, os indícios de um relacionamento abusivo Primeiros sinais foram as crises de ciúmes. “Começou de No quarto ano de casamento, Regina fato com ciúmes excessivo, das pessoas sofreu as primeiras agressões do marido. que me cumprimentavam, das pessoas “Na época eu não fazia ideia do que eu que eu conversava pela internet”. Daiane estava passando”. Enquanto amamen- mora em Poá (SP) e também está no tava o primeiro filho do casal, Regina grupo de apoio de Marega. Ela conheera obrigada a ter relações sexuais com ceu o ex-namorado ainda aos 13 anos de o marido, uma situação que se repetiu idade: “Com 20, iniciamos um namoro, diversas vezes. “Eu estava deitada na após três meses eu engravidei e no 4º mês cama, amamentando meu filho e ele fez de gestação terminei o relacionamento ali, eu fiquei ali, em uma situação bem após sentir que ele poderia me agredir”. constrangedora, chorei”, desabafa. “Quando eu fiz o teste (de gravi-
No ano seguinte, o marido se dez), a primeira coisa que ele falou foi mostrou ainda mais agressivo. “Ele ficou que seriam 18 anos de pensão para nervoso por uma bobeira e quebrou toda pagar”, lembra Daiane, revelando a prina nossa cama”. Na época, o sentimento cipal preocupação do seu agressor. Uma que a envolvia era vergonha. Depois da conversa sobre o dinheiro necessário Noah Buscher/Unsplash para o enxoval da criança levou a uma discussão. Ao perceber que ele se recusava a ajudar financeiramente, Daiane anunciou: “Eu sei os meus direitos, eu sei o que eu tenho que fazer”, ameaçando colocá-lo na justiça para contribuir. Nessa hora, “ele levantou, segurou no meu braço e falou: ‘Você não me conhece’”. Esse foi o momento em que Daiane tomou consciência de que o homem com quem se relacionava seria capaz de agredi-la. Então, decidiu que mesmo aceitando todas as “bobagens” faladas durante o namoro, a respeito de traição e controle de para onde ela deveria sair ou não, agressão ela jamais permitiria. “Mesmo não Mulheres vítimas de violência doméstica ficam aceitando, não impediu que ele, postevulneráveis a depressão e ansiedade riormente, viesse a fazer”, pontua.
Vieram as agressões
Quando Regina Baronio já tinha três filhos, o parceiro se mostrou, mais uma vez, agressivo. “Nesse dia eu surtei”, desabafa Regina, como quem justifica os acontecimentos seguintes. “Toda vez que ele ficava assim eu sentia vontade de dar na cara dele. Nesse dia ele chegou quebrando tudo, amassou a porta do carro, quebrou um monte de coisa na cozinha, quando foi para o quarto tirar o colchão, ele me empurrou e me prensou na porta”, conta. “Nessa hora, eu não me segurei e essa vontade que eu sempre tinha de dar na cara dele, eu dei na cara dele”.
Regina procurou ajuda em acompanhamentos psicológicos e passou a tomar antidepressivos e vitaminas. “Eu estava bem desgastada”. Em 2017, fez o primeiro boletim de ocorrência contra o agressor, mas, por um tempo, sempre voltava atrás. Além disso, a falta de flagrante das agressões impedia que o marido fosse preso. O ponto de ruptura foram cápsulas de balas encontradas pela empresária nos bolsos do casaco do agressor.

Miriam Pondaag, psicóloga especialista em violência de gênero
Então, Regina gravou uma agressão. “Ele ficou três dias preso na delegacia. Na audiência de custódia ele ficou em liberdade condicional e teve que se retirar de casa”. Mesmo com medida protetiva, o agressor ainda conseguia se aproximar de Regina. Até que o vínculo fosse quebrado, ele voltou a agredi-la fisicamente, na frente dos filhos, e ameaçou sua carreira profissional. Regina chegou a sair de casa para se esconder do ex-marido.
A primeira agressão física que Daiane sofreu foi tentando impedir que o pai de sua filha levasse a criança a um ambiente inapropriado para ela, que estava doente. “Ele disse que eu afrontei ele”. A mãe do agressor presenciou a cena e alertou Daiane: “A mesma cabeçada que ele te deu, é a que ele já deu em mim, ele fez da mesma forma”.
Na delegacia, Daiane foi desencorajada a prestar queixa. Com isso, ela resolveu mudar de cidade. “Há quatro anos ele conseguiu na justiça o direito de visita de 15 em 15 dias. Ele mentiu dizendo que eu o impedia de ver minha filha”. A segunda agressão ocorreu quando o pai da criança não devolveu a filha para a mãe no dia, horário e local combinado. “Ele me chutou e com isso eu quebrei o meu pé”, conta Daiane.
Justiça seja feita, ou não
Hoje, Regina Baronio está em processo de divisão dos bens que o casal possuía. Ela está em acompanhamento terapêutico e se sente liberta, apesar das dificuldades. “Tomo antidepressivo, tive várias crises de pânico, mas estou bem melhor, apesar das dificuldades, a parte financeira tem sido bem difícil, mas assim está bem melhor”.
Daiane dos Anjos ainda recebe ameaças do agressor, que se fundamentam no dinheiro que seria gasto para manter a filha: “Reza para Deus para eu não te encontrar no meio da rua porque eu sei lá o que é que eu vou fazer com você se um dia eu te trombar. Você é uma desgraçada, mano. Você fodeu minha vida, você tá fodendo minha vida com esse bagulho de pensão aí”. Esse é um áudio enviado por ele, após ser orientado a conversar apenas com o advogado de Daiane.
Para ela, dói a justiça não ter sido feita. “É a mulher que acaba sendo presa, sendo privada”, lamenta ao constatar que não sai à rua sem sentir medo. “Hoje eu uso uma platina na perna, com seis ou quatro pinos de um lado e dois do outro, acabei me esquecendo a quantidade exata, e um ano depois saiu a sentença eu entreguei nas mãos de Deus”. O promotor do caso disse que a versão dos fatos contada por Daiane era improcedente.
META A COLHER
DENUNCIE BRIGA DE MARIDO E MULHER
O Brasil é o 5º entre os países com as maiores taxas de violência doméstica contra mulheres.
FONTE: MAPA DA VIOLÊNCIA 2015, FACULDADE LATINO-AMERICANA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (FLACSO)
Você não deve ficar parado ao notar uma agressão
DISQUE 180: SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA MULHERES
DISQUE 100: “PRONTO SOCORRO” DOS DIREITOS HUMANOS
DISQUE 190: POLÍCIA MILITAR
OS TELEFONES FUNCIONAM 24H POR DIA EM TODO O PAÍS
A vítima ou a testemunha pode procurar uma delegacia comum, onde deve ter prioridade no atendimento ou mesmo pedir ajuda por meio do telefone.
VOCÊ PODE AJUDAR NESSA CAUSA!