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Hábitos modernos: heróis ou vilões?
Consequências geradas pelos meios eletrônicos podem atingir da fala à saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 90% dos casos de miopia são resultado dos hábitos modernos
por: Gabriela Gonçalves
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Carregados de inovação e compactos para caber no seu bolso, os eletrônicos são resultado do grande avanço da tecnologia. Eles podem te ajudar a pagar uma conta sem enfrentar filas, assistir a um lançamento sem precisar ir ao cinema e até mesmo estar ao lado de alguém que, na verdade, está a quilômetros de distância.
Fazer uma ligação até a década de 1980, por exemplo, exigia, primeiramente, ter acesso às centrais telefônicas que direcionavam a ligação para um ramal específico. Hoje, com simples toques na tela do celular, em menos de 5 segundos a ligação já está sendo feita.
Com os avanços, modernidades vêm e vão muito rápido. O computador, que chegou no Brasil por volta de 1980, já vem perdendo espaço no dia a dia da população. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016, o celular estava presente em pouco mais de 93% dos domicílios brasileiros, enquanto o computador ocupava 43%.
Mas apesar de benéficos, a internet e os eletrônicos também podem e causam grandes consequências a quem os utiliza de forma inadequada. Não é novidade que muitos jovens, adultos e idosos possuem problemas oculares. O que mudou foi a forma como esses problemas são originados. Segundo a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o uso excessivo de eletrôni cos sobrepõe o número de casos de miopia, se comparado com a própria genética. De cada dez casos diagnosticados de miopia, nove são resultado dos hábitos do dia a dia.
Larissa de Oliveira Campos, hoje com 18 anos, conta que começou a ter contato com a internet com seis anos. O uso era monitorado e regulado pela mãe, que permitia que a atividade fosse realizada durante uma hora por dia. Porém, anos mais tarde, Larissa começou a ter fortes dores na cabeça e nos olhos. “Eu sempre tive muita dor de cabeça, fui ao oftalmologista e descobri que tinha miopia. Comecei a usar óculos, mas a minha dor de cabeça não passava”, conta a estudante.
Segundo o oftalmologista Elísio Bueno Machado Filho, a luz azul violeta emitida por celulares, tablets e computadores é responsável pelo desenvolvimento de problemas na visão. “Ela acaba estimulando a miopia nas crianças, principalmente, e o olho seco, porque quando você está muito concentrado, o ato de piscar reduz”, afirma o oftalmologista. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050 metade da população de todo o mundo vai sofrer de miopia causada pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos.
Apenas depois de anos, por meio de um diagnóstico oftalmológico, Larissa descobriu que tinha pressão alta nos olhos, complicação que não tem cura, mas possui tratamento contínuo. “Eu uso um colírio diariamente que controla a pressão do olho. É uma coisa com a qual vou conviver para o resto da minha vida. O tratamento é para sempre”, afirma.
A miopia desenvolvida pelo uso excessivo de eletrônicos é mais comum em crianças e adolescentes de até 15 anos, mas adultos e idosos não estão imunes aos malefícios, é o que explica Elísio: “A miopia ocorre na primeira fase da vida, porque uma pessoa já adulta possui
A luz da tela de celulares e computadores afeta o sono porque corta a secreção de melatonina, hormônio ligado ao ciclo biológico do corpo

mais resistência. O olho já não tem tanta possibilidade de mudar. Mas as outras complicações podem e se desenvolvem em adultos e idosos. Dependendo do malefício, pode ser até mais prejudicial a eles.”
Desenvolvimento tardio Não só entre os adolescentes e adultos, os recursos audiovisuais disponíveis na internet também viraram febre entre as crianças. Sucessos como Galinha Pinta dinha, Mundo Bita e Peppa Pig somam, juntos, mais de 13 bilhões de visualizações, sendo o primeiro o mais assistido no Brasil. Apesar de na maioria das vezes esses programas serem educativos, o uso exacerbado pode causar inúmeros malefícios para as crianças, principalmente àquelas que começam a ter o contato com os eletrônicos muito cedo.
A Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que até os dois anos de idade deve ser evitada, desencorajada e até proibida a exposição passiva em frente às telas digitais. A recomendação se dá pelo fato de muitos casos de desenvolvimento tardio já terem sido registrados. Antônio (nome fictício), hoje com 1 ano e 5 meses, é um desses casos. Juliana dos Santos Gomes, gerente comercial e mãe de Antônio*, conta que o filho começou a ter contato com a internet com pouco mais de 3 meses. “Quando eu estava sozinha com ele e precisava muito fazer algo, eu colo cava para ele ficar vendo, para deixá-lo entretido, vendo vídeos”, conta Juliana.
Quando Antônio* completou um ano, algumas mudanças no comportamento dele foram notadas pelos pais. “Nós notamos que ele estava ficando muito atônito aos vídeos e ao mesmo tempo não percebia as pessoas à sua volta. Nós o chamávamos e ele não atendia”, afirma a gerente comercial.
Essa situação não é tão rara quanto se pode achar. A psicóloga Camila Martins, pós-graduanda em neuropsicologia, afirma que casos como esse são comuns e prejudiciais em vários setores do desenvolvimento. “A criança que começa
o uso de eletrônicos muito nova tem seu vínculo social prejudicado. O uso precoce prejudica também na questão de empatia e desenvolve dificuldade de habilidades sociais”, afirma a psicóloga.
Para sanar ou ao menos amenizar os malefícios advindos do uso de eletrônicos, a profissional recomenda que os pais tenham supervisão total sobre os filhos: “A criança não pode achar que ela tem poder. Então, a família sempre tem que estar junto, dar suporte, supervisionar”, reforça Camila Martins.
O objetivo da supervisão é realmente ter controle e observar mudanças no comportamento das crianças, como aconteceu com Juliana Gomes, que após notar que o filho não havia desenvolvido ações básicas para a sua idade, começou a tirar, pouco a pouco, os vídeos animados do dia a dia de Antônio*.
Perda de audição Segundo um comunicado emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), metade da população jovem do mundo escuta música em volumes prejudiciais aos tímpanos. O CD, por exemplo, que foi uma inovação gigante no mundo da música, já é quase que totalmente deixado de lado. O seu computador, por exemplo, provavelmente não possui mais entrada para ele. Recursos como o Spotify e Apple Music acabaram por fazer desnecessário o uso dos CDs. Segundo relatório divulgado pelo IFPI (Internacional Federation of the Phonographic Industry), o total de receitas digitais chegou a mais de 11 bilhões de dólares em 2018 – 58% do total de receitas do mercado mundial.
Apesar de muito prático, o fone de ouvido carrega consigo uma carga de aspectos negativos para a audição. Segundo Eduardo Botelho,
otorrinolaringologista, o uso dos fones de ouvido não é prejudicial em si, mas a forma como é utilizado sim. “As altas intensidades de som provocam danos imediatos e irreversíveis às células da audição, sendo uma causa comum de perda auditiva entre adultos e jovens”, afirma Eduardo.
A exposição à música alta por um grande período faz com que algumas células auditivas morram. Essas células são responsáveis por disseminar sinais sonoros para o cérebro e, quando perdem a funcionabilidade, fazem com que um problema de audição apareça. Um sinal de que a saúde auditiva não anda bem é o zumbido (barulho no ouvido), especialmente após a utilização dos fones.
Visando solucionar e reduzir o índice de pessoas com problemas de audição, a Organização Mundial da Saúde (OMS) juntamente com a União Internacional de Telecomunicações (UIT) colocaram em prática um projeto que solicita aos fabricantes de smartphones e demais aparelhos de áudio que insiram um software capaz de controlar o volume do som, além de alertar e reduzir o nível quando o limite for ultrapassado.
O otorrinolaringologista Eduardo Botelho também aponta quatro dicas para que a utilização dos fones de ouvido seja
MINDINHO DE SMARTPHONE
Mindinho de smartphone é o termo utilizado para nomear uma pequena deformação que afeta quem exagera no uso do celular ou tablet. O uso exacerbado do eletrônico faz com que o dedo mindinho - usado como apoio inferior para o aparelho - acabe entortando. Para evitar ou até mesmo amenizar os efeitos causados pelo celular, é ideal que se tente utilizar os eletrônicos pelo menor período possível, além de segurar o aparelho de diferentes maneiras ao longo do dia. Já quem o utiliza para assistir vídeos, filmes e/ou séries, os apoios de celulares, muitas vezes já instalados nas capinhas, são uma boa solução.

Pequena deformação causada pelo uso excessivo de eletrônicos, chamada de “Mindinho de smartphone”
Rafael Gonçalves, ortopedista e traumatologista
O hábito de digitar intensamente é uma das causas mais comuns da Lesão por Esforço Repetitivo

benéfica: “É recomendado que se prefira fones supra auricular (headphone), pois eles diminuem a intensidade dos sons externos, fazendo com que o volume do fone não precise ficar tão alto. Além disso, o volume deve estar em intensidade moderada, aproximadamente 50% do volume do dispositivo. Fazer pausas de descanso dos ouvidos a cada 1-2 horas também é recomendado para manter uma boa saúde auditiva. Por fim, evitar usar os fones em um só ouvido e em locais barulhentos, pois a tendência, nestas duas condições, será aumentar o volume”.
Complicações físicas Segundo dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), mais de 22 mil trabalhadores foram afastados das atividades profissionais por mais de 15 dias por conta de doenças relacionadas à Lesão do Esforço Repetitivo (LER) em 2017. Esse número representa mais de 11% de todos os trabalhadores beneficiados pelo INSS nesse ano.
O hábito de digitar intensamente é uma das causas mais comuns da LER, é o que afirma a fisioterapeuta Betânia Campos Coelho: “Eu tenho recebido muitos pacientes com queixa de tendinites na mão e no cotovelo por conta do uso excessivo de celulares e computadores.” Desconforto, dor nos membros superiores e dedos, formigamento e fadiga muscular são os sintomas mais comuns dessa lesão.
Além das lesões por esforço repe titivo, o uso excessivo e inadequado das novas tecnologias pode resultar também em dores na coluna vertebral, que também é uma queixa recorrente dos pacientes, conforme afirma Rafael Gonçalves, ortopedista e traumatologista: “É uma queixa muito comum nos consultórios de ortopedia, porque hoje em dia, com o aumento da tecnologia, as pessoas têm usado muito mais os eletrô nicos – e na maioria das vezes de forma inadequada”.
Rosileia Alves Mesquita, de 30 anos, era auxiliar administrativa e adquiriu a LER no serviço, onde trabalhava na área de digitação. Os sintomas começaram a aparecer depois de 5 anos de serviço, e Rosileia conta que não teve nenhum apoio da empresa. “A empresa me afastou pelo INSS como se fosse doença fora do trabalho, não pela lesão adquirida lá dentro”, afirma. Para o ortopedista Rafael Gonçalves, o principal perigo dos eletroeletrônicos é o fato das pessoas fazerem
o uso indiscriminado deles e não terem consciência disso.
Visando evitar que complicações como essa se originem, a fisioterapeuta recomenda a prática de exercícios laborais, que trabalham contrariamente ao movimento repetitivo executado. “Se você fica muito tempo no computador, olhando para baixo e digitando, de hora em hora você precisa fazer tudo ao contrário - estender o pescoço e alongar ao contrário os dedos”, afirma Betânia. Os exercícios laborais possuem extrema importância porque tiram a memória muscular da atividade repetitiva, visto que o que causa realmente a inflamação/lesão é a repetição e a não compensação do movimento.
DOENÇAS DA VIDA MODERNA
- Metade da população jovem do mundo escuta música em volumes prejudiciais aos tímpanos.
- O uso excessivo de eletrônicos sobrepõe o número de casos de miopia, se comparado com a própria genética. De dez casos diagnosticados de miopia, nove são resultado dos hábitos do dia-a-dia.
- Até 2050 metade da população de todo o mundo vai sofrer de miopia, causada pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos.
- Mais de 22 mil trabalhadores foram afasta dos das atividades profissionais por mais de 15 dias por conta de doenças relacionadas à Lesão do Esforço Repetitivo (LER) em 2017.
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS), Sociedade Brasileira de Oftalmologia e Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Além disso, para evitar as dores musculares na região da coluna vertebral, a observação se faz ponto primordial. “Observar a postura sempre que estiver fazendo manuseio dos eletrônicos e reduzir ou restringir o uso são formas de evitar as lesões na coluna”, afirma Rafael Gonçalves.
Transtornos psicológicos Em conjunto com todos esses malefícios, os transtornos psicológicos também podem se manifestar. Insônia, ansiedade, compulsão e dependência são alguns dos mais comuns. Pedro Henrique Pereira dos Santos, estudante de Direito de 22 anos, teve sua vida virtual iniciada por volta dos 7 anos de idade. O que na época era diversão regulada, hoje se tornou um pesadelo. “Eu sempre joguei, mas era algo controlado. Nessa transição, eu comecei a jogar demais. Foi quando eu comecei a passar as noites em claro e os dias dormindo, quando começaram a surgir os problemas de saúde, de insônia e de ansiedade”, afirma o estudante.
Segundo uma pesquisa publicada pela Harvard Medical School em agosto de 2018, a luz da tela de celulares afeta o sono porque corta a secreção de melato nina, hormônio ligado ao ciclo biológico do corpo.
A psicóloga Camila Martins afirma que os transtornos psicológicos também são comuns entre os jovens da sociedade atual. “Hoje, no CID-11, que é a classifi cação internacional das doenças, o uso abusivo de jogos eletrônicos é considerado doença. Ele entra nos transtornos de vício”, afirma. A profissional também aponta a falta de limites – ainda na infância – como a grande causadora dos malefícios: “A criança não pode achar que ela dá conta de tudo porque para você
entrar com limite é muito complicado”, alerta a psicóloga.
Pedro Henrique, que hoje luta para se desvencilhar do vício por jogos eletrônicos, conta que se assusta quando olha para trás e vê quanto tempo de sua vida perdeu para a internet: “O que mais me deixa assustado é que o jogo que eu mais joguei, eu tenho mais de 1 ano inteiro de horas jogadas.” E afirma que para tentar diminuir o dano causado, tenta focar em outras coisas. “Cuidar da minha saúde, me alimentar direito, pensar que eu posso e vou ter uma vida normal são coisas que me fazem não perder o foco”, conta o estudante de Direito.
Os pesquisadores da Harvard Medical School recomendam que o uso dos eletrônicos seja encerrado entre duas e três horas antes do horário de dormir para que não haja efeitos negativos que atrapalhem e/ou modifiquem o ciclo preparatório do próprio corpo.