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CRUISING: LOCAIS, PRÁTICAS E CÓDIGOS (PODCAST
S01E21 CRUISING: LOCAIS, PRÁTICAS E CÓDIGOS
Conversa com Fernando André Rosa sobre Cruising e os tabus associados. Quais os melhores locais, o cruising enquanto expressão política e um “Workshop de Engate”.
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Helder Bértolo: Antes de entrarmos mais no tema do workshop, pergunto se esta definição de cruising te é simpática: Sexo gratuito, consensual e anónimo, praticado entre homens em espaços públicos, tais como parque matas, praias, parque de estacionamento, áreas de descanso, etc. Os intervenientes habitualmente não se conhecem e recorrem a estes locais para satisfação sexual imediata e desprendida. Concordas com a definição?
Fernando André Rosa: Talvez. Eu acho que é uma definição que surge muitas vezes. É a definição imediata. É a definição que, de alguma forma, nos é apresentada no imediato. (…) Foi uma definição que foi feita num contexto histórico, cultural, muito imediato, no início do século XX. Em que essas práticas eram remetidas para o anonimato. Muito remetidas para uma questão de clandestinidade, para a questão do armário e que ficaram fechadas nesse contexto. Acho que hoje em dia temos que pensar no cruising, e é aí que vai o tema do workshop que nós pensámos já em 2012 e alargar esse âmbito. O cruising, hoje em dia, acho que faz parte de uma questão realmente de interacção, a interacção a partir de uma intensão de haver um contexto de flirt, de práticas de sexo ou não, de práticas de relacionamento amoroso ou não, em espaço público nas nossas cidades, ou no campo, ou em vários espaços, esses que são diferentes, mas que não tem que ter essa conotação fechada.
Helder Bértolo: A origem holandesa da palavra tem um duplo significado. O cruzamento entre duas pessoas e acasalamento. Foi uma palavra importada, como os códigos, para que pudessem ser comunicados sem que quem estivesse ao lado pudesse perceber o que se estava adizer. (…) Como nasceu o “Workshop de Engate”?
Fernando André Rosa: O workshop nasceu no contexto da Primavera Global, Global Spring, no contexto da crise de austeridade de 2008, em Portugal conhecido como o Movimento dos Indignados. Nessa altura formaram-se as famosas acampadas, em que as pessoas acampavam nas cidades e faziam acções contra a austeridade. Na altura, em 2012, formaram-se acampadas por 250 cidades do mundo, o tal Global Spring. Em Portugal também. O que é que esse movimento reivindicava? Essencialmente formas de participação contra os governos capitalistas que tinham um slogan que era ‘Democracia para além do voto’. Há formas de reivindicar a democracia nas nossas cidades, que vão além do que nós conhecemos como participação política. Em Portugal houve manifestações também, nomeadamente contra a Troika ou o FMI e toda a situação política que à partida toda a gente conhece. Vivemo-la na pele. E houve uma aliança de uma série de movimentos que participaram na Primavera Global PT. As Panteras Rosa também faziam parte desse fórum dos colectivos que marcharam na Avenida da Liberdade e acamparam no Parque Eduardo VII durante quatro dias.
E o contributo que deram foi pegar nesse percurso histórico, em temos zonas das nossas cidades em que historicamente havia o engate, o cruising, e resolvemos pensá-lo do ponto de vista da participação política, da apropriação política e democrática da cidade e pensar a cidade como espaço em que, de alguma forma, a sexualidade no espaço público tem que ser reclamada como um espaço de participação democrática. Ela existe nessa participação democrática. Esse workshop servia para reflectir sobre essa participação. E tentámos não pensar só de uma forma gay, mas também como acontece noutros contextos.
Helder Bértolo: Existe um livro de 2019, do Alex Spinosa, precisamente sobre a história do cruising, “Cruising: An Intimate History of a Radical Pastime”, em que ele fala dessa parte mais política e diz precisamente que o cruising continua a ser simultaneamente uma conquista do espaço público e a criação do seu próprio local exclusivo. Em que homens de todas as raças e classes interagem mesmo à sombra muitas vezes de governos repressivos. Por outro lado, ele também diz, com alguma graça, que por um lado o cruising pode funcionar como uma poderosa censura ao patriarcado e ao capitalismo, isto quando não se dá em casas de banho de grandes centros comerciais (risos).
Fernando André Rosa: Aqui a questão política tem que ver também com a questão do Armário. (…) Mesmo quando nós hierarquizamos o Armário associado a esta questão do cruising no espaço público... Ou seja, há mais Armário quando se procura no espaço público do que quando alguém o procura no espaço anónimo numa aplicação?
Helder Bértolo: Dentro de um quarto escuro, ou de uma sauna pode considerar-se cruising? Habitualmente não é considerado cruising. Precisamente porque também há alguma questão no risco do desconhecido. No risco de poder ser apanhado. E em 2016, dois fotógrafos, a Katia Repina e o Luca Aimi, devolveram um projecto se chama “I don’t need to know you” E eles dizem que, tendo em conta uma série de mudanças no paradigma das relações humanas nas últimas décadas, nomeadamente a nível sexual e amoroso, eles acharam necessário abordar o cruising. E as várias razões que eles apontam dão respostas a muitas destas coisas, como a (in)segurança ou o anonimato. (…)
Fernando André Rosa: A música da Lana Del Rey, “When the world was at war we kept dancing”, faz-me lembrar muito do movimento LGBT, da forma como tiveram que se reinventar nestes contextos que têm sido as lutas políticas e sexuais. E a forma como somos marginalizados e empurrados pelo sentido de exclusão, mas temos a capacidade de resistir. E esta situação do cruising e da forma como temos a capacidade de viver uma sexualidade que é marginalizada, mas também movimentos de resistência. A questão do cruising não é uma situação de marginalização, isto no contexto de marginalidade em se era perseguido pela polícia, pela família, pela escola, pelo trabalho. Ou que hoje em dia são discriminadas até dentro da própria comunidade, por modelos mais normativos ou mais aceitáveis, essas pessoas vivem momentos de resistência, de emancipação e de luta. E portanto, enquanto o mundo está em guerra nós continuamos a dançar.