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Entre um bom dia e outro Crônica Biografia Paulo Roberto Matias
from Jornal Caldense 302
by José Matias
Sentávamos à porta de nossa casa em um banco de madeira velha, quase caindo, e por ali, na rua empoeirada, passavam pessoas de toda sorte, e sempre nos cumprimentava gentilmente. O mais curioso é que, os nossos assuntos, sempre vinham deles:
“Bom dia!”
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“Bom dia!”
“Quem é este homem?” - Perguntava.
“Este é aquele sujeito que foi para São Paulo depois de uma confusão com a família da mulher”.
“Ué, num tô sabendo não”.
“Não foi nada demais, foi por causa da herança da mulher que ele queria ficar com tudo, e os cunhados se juntaram para lhe dá um corretivo, e ele enfrentou os cunhados com arma e tudo, deu até polícia na história. Para evitar o mal maior, ele e a mulher se mudaram para São Paulo. Agora estão de volta”.
“ Quando foi isso?”
“ Já faz pra mais de dois anos. O inventário do velho ainda nem ficou pronto, por causa da assinatura da mulher”.
“ Então a contenda ainda pode recomeçar.”
“ Sim, é possível. Eu tenho visto ele indo lá na casa do Dr. Carlos Lira, o advogado da família, que tá fazendo o inventário. Ele diz que a mulher tem direito na casa porque foi ela quem cuidou do pai sozinha até a morte e os outros filhos só ficaram passeando enquanto ela dava um duro danado e sozinha.
“Nesse caso, eu acho que ela tem razão mesmo”.
“Bom dia! - diz outro transeunte.
“Bom dia!” - respondi sem perder o assunto.
por José Matias
“ E aí, que pé isto tá?”
“Até onde eu sei, é que eles não derem a casa pra ela, o processo vai ficar parado na justiça e todos irão perder, quer dizer, irá ficar para os herdeiros dos herdeiros. Quem ganha nessa história é só o doutor Lira, o dele é sagrado.
“ Bom dia!”
“ Bom dia!”
“ Poderia me dizer onde fica a casa da mãe do prefeito?”
“ Vira a direita na próxima rua e anda dois quarteirões e é lá.”
“ Obrigado!”
“Vai lá reclamar com a mãe dele?”
“Não.., não, sou um amigo da família.”
“Ah! tá!”
“Eu voltei de São Paulo estes dias e estou procurando os velhos amigos que deixei por aqui.”
“Quem é o senhor mesmo?”
“Sou conhecido por Folatinho, filho mais novo do senhor Zé Folate, o Folate véi, já ouviu falar dele?”
“Não, desculpe-me, mas nunca ouvi falar, talvez meu pai deva ter conhecido.”
“Éeeee.... eu sai daqui ainda jovem e fui para São Paulo pra casa do meu tio e por lá eu fiquei...”
“Bom dia!”- disse outro cortando o assunto.
“Bom dia! Senhor Jozino, como vai Dona Maria?”
“ Tá melhorando, já está até sentando na cama.”
“Melhoras para ela”.
“Obrigado” até mais!
“ Bom dia!”
“ Bom dia!” - Responderam a outra transeunte.
“ Essa aí não é a Virgínia? filha da Dona Marieta do Inhozim?”
“Não, essa é a Neuza, filha da Aparecida do pro- fessor Demetrius, agora ela é doutora e dá aulas na universidade, é uma sumidade, todos aqui tem a maior admiração por ela, é super-competente em tudo que faz, e ainda, cuida dos filhos pequenos.
“Você lembra quando ela era solteira?”
“Não, o que tem?”
“ Nossa! ela era a moça mais bonita da cidade, os rapazes ficam loucos por ela, mas o pai e a mãe eram rígidos demais, tão exigentes, que ela acabou se casando com moça da capital, que apareceu aqui uma única vez. Enquanto os moços daqui, que morriam de amores por ela, ficaram na saudade, perderam a chance.
“ Olha a inveja!”
“Verdade, o pessoal local só tem valor depois que vai embora. Ficar aqui é virar cidadão de segunda categoria, os de fora é que tem valor”.
“É verdade, as pessoas se formam e vão embora! . Você tem razão, viu o filho do Fulozino? é Juiz Federal, se tivesse ficado aqui, poderia muito bem ser um eu qualquer.”
“ Agora é você que está se menosprezando, temos bons doutores filhos d’aqui, e estão aqui trabalhando, me parece, que estão voltando.”
“ Bom dia!”
“ Bom dia!”Mais um senhor passando, depois uma cavaleiro, um ciclista, uma criança com cachorro, uma mãe empurrando um carrinho de criança e um sujeito estranho com tatuagem e piercing por todo o corpo. Assim é nossa porta.
“ Bom dia!”