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Rafael Castanheira (UCB
Figura 10
Por que trabalhar então com o incômodo?
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A gente – penso nos artistas em geral – não sei se alguém pensa no espectador. Na exposição, essa preocupação existe, já saímos de onde foi vivido, do atelier onde há a construção do trabalho e aí vamos para um espaço de compartilhamento. Já me perguntaram várias vezes: Karina, você quer pôr banco? As pessoas precisam se sentar, é um tempo que precisa. Na exposição da Caixa (2017), eu não quis nem saber, eram tantas imagens, egoisticamente eu pensei, pode sentar no chão, encostar na parede, ficar em pé, são outras formas de achar uma posição do corpo pra poder olhar. Mas futuramente posso pensar nisso. Nesses trabalhos dos dispositivos, eu criei todo um mobiliário, o praticável, eu elaborei e vendi a obra para colecionadores que compram tudo, a estrutura e o trabalho.
Até para o espectador poder se dar a uma contemplação, o corpo tem que estar confortável porque senão nada acontece e ...
A perna dói, o pé dói (risos). Quando estou filmando a montanha, mas em Paris também, era uma mini DV, todo turista tem, o corpo vai se acomodando, mas filma colado com a camerazinha na janela, você vê que a câmera não treme, ou em cima da pedra, o corpo não treme, você vai se entregando e se integrando com a pedra.
A paisagem que você destaca na sua obra precisa da tecnologia do vídeo e da fotografia para acontecer? Ela poderia também ser revelada pelo desenho ou pela pintura?
No meu caso acho que não, a minha escolha é pelo vídeo e pela fotografia. Os meus trabalhos são pictóricos, mas eles, pelo movimento, dão conta daquilo que eu vi, mesmo que sejam um recorte, um fragmento, um detalhe. A câmera é uma extensão do meu olho, assim que eu entendo e acho que a pintura não daria conta disso.
A obra das flores amarelas, A vista (2017), é bem pictórica, mas ela precisa de uma duração para ocorrer o aparecimento e o desaparecimento.
Para mim é importante dar tempo para o espaço. A lentidão tem a ver com a forma como eu olho. É muito ligada pra mim a forma como eu olho e como eu filmo. Demorei a entender que meu olho é lento, mas não no sentido de estar pra trás. Eu estudo muito a lentidão, encontrar o próprio tempo, não se deixar ser precipitada por um tempo que não te pertence (fig.11). A fotografia dá conta pra mim parcialmente dessa maneira de ver. Até onde eu posso chegar mais perto de um cume? Pra mim isso é maravilhoso, como chegar junto com a câmera. Teve um trabalho que passamos um mês filmando, e chegou uma hora que o zoom não era suficiente, ela tremia, desfocava. E depois assimilamos isso no trabalho, o limite da câmera. Não sou fascinada pela tecnologia, mas entendo a câmera como uma extensão do olho, é um olho que pensa.
É um olho que pensa e que você faz pensar de acordo com as suas preocupações porque, por exemplo, as oscilações entre o foco e o desfoque naquela obra das flores amarelas (A vista, de 2017), parece aquela ideia do ver e do não ver.
Ele está dentro de um grupo de trabalhos que tem a bruma, a névoa, a noite, mas ali vou até a imagem aparecer. Mas quando a imagem aparece, o vento era muito intenso, a câmera dá uma tremida. Aquilo era um erro da filmagem. Quando a gente montou – trabalho com o Albert [Ambelakiotis], meu marido – pra mim ficou evidente o lugar dessa tremedeira que tira daquele panoraaaaaama lindo, e dá um abalo, um ruído. Figura 11

Pra terminar, em um mundo em que vivemos cada vez mais saturados de imagens, e em ritmo frenético, haveria ainda espaço para a paisagem ou essa seria uma noção nostálgica?
A paisagem vem como talvez a possibilidade humana de estar aqui, nesse lugar. Ela é morada também, a possibilidade humana de medida, ela é a medida de um olhar, tem a escala das nossas percepções. A experiência do homem no mundo, a escala é a paisagem. Pensando nas cidades brasileiras, a gente vê claramente a ausência da noção de paisagem. A paisagem é parte, mas é composição também, uma coisa ao lado da outra, com distância, de forma que o espectador faz o elo entre as coisas. Pra mim, utopicamente, a paisagem é extremamente necessária e urgentemente imprescindível nos dias de hoje porque é a possibilidade de compor com os elementos que estão aí. Não temos mais um ponto de vista privilegiado, o espaço urbano é da adversidade, não temos distância, não temos tempo para parar e olhar, tudo é adverso. Os olhos são dispositivos de segurança na cidade, ainda mais aqui no Brasil, nunca estamos desarmados na cidade, são sempre espaços de passagem e não de paragem. Mas acho que temos que inventar formas de estar in visu e in situ – com o que se dá a partir do olho e com o que se dá sobre a terra. O Alain Roger, um historiador da arte, fala isso: como você olha para as grandes estradas, as autorroutes, como inventar formas de olhar para aquilo como paisagem, como uma composição? Eu acho que a paisagem é fragmento, uma coisa com a outra e com a outra que a gente vai tecendo (fig. 12).Eu acho que ela é imprescindível porque uma relação em paisagem com o espaço é uma relação de engajamento com esse espaço. Como a gente com o sentido de paisagem nos olhos, como aceitamos uma W3 e uma série de espaços na cidade, no caso de Brasília, do jeito que estão? Que composição é essa que a gente quer? Como a gente aceita como se fosse possível para os olhos olhar uma W3 Norte? Não falo de beleza, mas como, na própria desorganização, como podemos criar composições, possibilidades de pertencimentos, porque a paisagem é esse engajamento. Figura 12

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O tema da Paisagem surge da urgência de se refletir sobre a questão do meio ambiente e de se pensar como a cultura visual contribui para a nossa percepção do espaço ao recriá-lo em narrativas ou ao abalar as noções mesmas de narrativa por meio da exploração de paisagens. Por outro lado, esse gênero originado na pintura, passou por transformações no audiovisual, seja no cinema, na fotografia, no vídeo ou na arte contemporânea. Esse livro reúne a reflexão de pesquisadores que exploram as transformações por que passou o gênero da Paisagem nessas diferentes mídias, apresentando perspectivas diversas para o tema. No Audiovisual, a paisagem passa pela narrativa, embora não exclusivamente, pois há obras que apenas reinventam o espaço ao redor sem necessariamente contarem uma história – como por exemplo ensaios fotográficos, vídeos experimentais ou instalações que redirecionam nossa percepção ao recriarem os lugares. A imagem pode reinventar a paisagem e trazer novas abordagens para ela, aumentando a nossa sensibilidade para questões relevantes expressas de maneira às vezes cinematográfica, sonora ou também silenciosa, porém não menos eficaz.
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