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Boletim - O Alforge
o alforge
ao serviço dos valores e da comunidade
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número 24 dezembro 2020 Arciprestado Seia - Gouveia
boletim (in)formativo
www.oalforge.ptdistribuição gratuita
Carta Encíclica
Fratelli Tutti
Sobre a fraternidade e amizade social
Plano Pastoral da Diocese 2020/2021

A Equipa d’ O Alforge Deseja a todos os colaboradores e leitores, um Santo e Feliz
Natal.
Editorial
02 | O Alforge | deze mbro 2020
Mais um ano com O Alforge ...
Está a terminar mais um ano das nossas vidas. A rapidez dos acontecimentos nos últimos meses, tem retirado o lado profundo das vivências que estávamos habituados. Nestes momentos vividos, reparamos que somos todos seres humanos frágeis e vulneráveis e que precisamos uns dos outros para vencer cada batalha. Nunca a necessidade do viver e pulsar em comunidade fez tanto sentido.
Termina o ano e ainda não conseguimos resgatar da realidade em que vivemos. O Vírus apanhou as nossas sociedades impreparadas e impôs uma mudança nos nossos estilos de vida. Ainda assim, temos de ser mais fortes e cultivar a sementes da esperança. Mesmo com estas contingências, o Boletim Informativo O Alforge, manteve a sua postura, periodicidade e procurou manter a sua dinâmica, trazendo temáticas sempre actuais e com pensamentos e pessoas de cariz marcadamente importantes na nossa caminha de fé de vida.
Nos últimos meses fomos abençoados pela nova Encíclica do Papa Francisco “Fratelli tutti” (“Todos
irmãos”). É um importante documento e um instrumento de trabalho que nos lembra que hoje, mais do que nunca, é preciso estar ao lado dos que precisam de ajuda. Pela riqueza dos ensinamentos contidos neste documento, torna-se imperioso que esta Encíclica seja lida por todos, principalmente pelos políticos e governantes.
Uma coisa é ler outra é pôr em prática. Pelo que, o mundo precisa de uma nova visão, assente na nova realidade que vivemos. Tempos novos exigem novas abordagens e novas acções. Pois, segundo o Papa Francisco é “insustentável” vivermos em sociedades livres e igualitárias se não se aceitarmos “viver em sociedade fraternas”.
Outro tema desenvolvido nesta Edição de O Alforge é a Economia de Francisco - um encontro promovido pelo Papa Francisco em Assis, que juntou economistas, investigadores em economia e empreendedores sociais, sobretudo jovens, que trabalhando em conjunto procuram um novo modelo para a economia selvagem que se vive hoje em dia. Também este novo
modelo, tão desejado e necessário para a sociedade em que vivemos, pugna-se pela construção de um pensamento mais humano e focado nos princípios derivados do entendimento que o Papa Francisco lançou na Laudato Si.
Podemos referir que o primeiro principio é que consigamos desenvolver modelos económicos que, respeitando o contexto natural, consigam regenerar a casa comum. O segundo principio é que os modelos económicos imaginados em Assis sejam verdadeiramente inclusivos, funcionando para todos.
Neste contexto, o Papa Francisco põe, como sempre, o foco nos mais pobres e naqueles que mais sofrem com as desigualdades. Por outro lado, o Papa deseja que sejam os jovens os principais protagonistas deste reinventar os modelos económicos e da forma como eles são experienciados e vivenciados.
Fazer com que os jovens liderem esta mudança de paradigma é sobretudo um exercício de humildade e de fé.
Outro momento importante foi a convocação pelo Papa de um Ano dedicado a São José, para assinalar o 150.º aniversário
da sua declaração como padroeiro da Igreja universal, feita pelo Beato Pio IX a 8 de dezembro de 1870.
Francisco publicou a Carta Apostólica ‘Patris Corde’ (com coração de pai), destacando que “depois de Maria, a Mãe de Deus, nenhum Santo ocupa tanto espaço no magistério pontifício como José, seu esposo”.
O Papa refere que num momento de crise “económica, social, cultural e espiritual” é necessário redescobrir o valor do trabalho para dar origem a “uma nova ‘normalidade’, em que ninguém seja excluído”.
“Todos os fiéis terão assim a oportunidade de se comprometer, com orações e boas obras, para obter, com a ajuda de São José, chefe da Família celestial de Nazaré, conforto e alívio das graves tribulações humanas e sociais que hoje dominam o mundo contemporâneo”, refere o Papa.
E por falar na Familia de Nazaré, no seu exemplo e dedicação, ficam os votos de um Santo e Feliz Natal. Que o ano de 2021 seja prospero em boas noticias de esperança e de paz.

Ficha Técnica
Propriedade e Administração: Arciprestado de Seia e GouveiaEquipa Responsável: Carlos Sousa (Pe.), Joaquim Pinheiro (Pe.), João Barroso (Pe.), Paulo Caetano (Dr.), Rafael Neves (Pe.)
Colaboradores nesta Edição: António Luciano (Dom), Herminio Araújo (Frei), João César das Neves (Prof.), João Duque (Prof.), José Luís Martins (Dr.), Manuel Felicio (Dom), Manuel Matos (Pe.), Octávio Carmo (Dr.), Paulo Caetano (Dr.), Rafael Neves (Pe.), Solange Pereira.
Revisão dos Textos: Anabela Jorge (Dra.), Cláudia Lopes (Dra.) e Olga Oliveira.Morada para Correspondência: Av. Visconde Valongo, n. 11, 6270-486 SeiaContatos: p.caetano@mail.telepac.pt | www.oalforge.pt
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
03 | O Alforge | deze mbro 2020
“O eco da sua voz ressoou por toda a terra”: - “vós sois todos irmãos!”
Com a mesma frescura do primeiro anúncio apostólico – “Vós sois todos irmãos; um só é o vosso Pai, o do céu” (Mt 23, 8) – erguese hoje, vigorosa e com alcance planetário, a voz do sucessor de Pedro: Tutti fratelli, “Somos todos irmãos”!

Nesta Encíclica repercute o eco de anteriores mensagens e de sucessivos documentos do próprio cunho de Francisco, e recolhendo outros de antecessores seus, e também de diversificadas vozes autorizadas, mas que já caíram no esquecimento. Ou que nunca foram escutadas. Essas mensagens ressoam neste documento, o qual é como que um preciso repositório de verdades já proclamadas, mas que agora são repensadas e gritadas com carácter de urgência.
Em certas passagens, parece que escutamos um grito dramático, até de amarga deceção face à frieza e à indiferença. Mas, no fundo, está sempre a esperança de quem acredita nas potencialidades do espírito humano, e clamando que ainda vamos a tempo!
Em virtude dos estreitos limites que, naturalmente, me são impostos nesta reflexão sobre a Fratelli Tutti, de entre os seus muitos temas de flagrante actualidade, abordarei apenas três aspectos da fraternidade. Vejo-me, pois, constrangido a enunciá-los, simplesmente.
Em primeiro lugar, saliento o que o Papa
Francisco aponta como a necessidade urgente de criarmos a consciência de solidariedade da salvação: “Precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém” (n. 137).
Notemos que categoria de povo aparece como chave de leitura desta Encíclica. É um apelo dramático a sacudirmos qualquer tentação de egoísmo salvífico! Assinalemos, além do mais, que não está aqui em causa apenas uma razão sociológica circunstancial (como é a terrífica epidemia que nos acometeu).
É evocada, sim, a verdade teológica afirmada no Decreto Ad Gentes, do Vaticano II, acerca do projecto salvífico de Deus, como salvação em povo: “Aprouve a Deus chamar os homens a participar da sua vida não só individualmente, sem mútua conexão entre eles, mas constituindo-os num povo no qual os seus filhos, que estavam dispersos, se congreguem em unidade” (AG 2).
Passando ao segundo aspecto, quereria salientar o que poderíamos designar como a face realista da caridade exercida de forma solidária. É o que ali é designado como “a fraternidade alicerçada na caridade verdadeira” (n. 165).
Porquê? É que a caridade autêntica é integradora, tem capacidade de incluir tudo: o particular, a iniciativa pessoal, e igualmente as instituições. Ilustrativa disso é a parábola do bom samaritano que não fez tudo
sozinho, mas recorreu à estalagem e confiou nos bons serviços do estalajadeiro. Resumindo: temos de pedir colaboração e dar colaboração, no exercício da caridade. Para tanto, porém, é urgente a mudança dos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida (n. 166).
Isso implica vencer a inata dificuldade que provém do egoísmo concupiscente. Esta concupiscência traduz-se nos modos frios e insensíveis face aos outros, e como pomos as coisas ao nosso serviço. É possível dominar essa concupiscência? A resposta é dada da seguinte forma neste documento pontifício: “É possível dominá-la com a ajuda de Deus”, - o que se manifesta sob o nome da caridade, a qual, diz S. João, “vem de Deus”.
E assim voltamos ao que acima era dito acerca da caridade, palavra que tantas vezes é usada em sentido minimalista ou até depreciativo, mas que ganha aqui a verdadeira dimensão divino-humana geradora de vida projetada e realizada.
Como um terceiro aspecto, salientaria o que aparece nesta Encíclica sob o conceito de caridade política. Nela se concretiza o realismo da fraternidade: “… é necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente” (n. 165).
E o documento papal
Manuel Alberto Pereira de
Matos. Nasceu 30 de julho de1944. Foi ordenado a 4 deagosto de 1968.É Vigário Geral;Administrador Paroquial deJoão Antão, Panoias eSanta'Ana de Azinha;Presidente do Cabido da Sé
da Guarda; ConselhoPresbiteral; Diretor da EscolaTeológica de Leigos;Assistente Diocesano doRenovamento Carismático;Capelão da Igreja daMisericórdia da Guarda;Conselho Pastoral Diocesano;Conselho Presbiteral;Instituto de Comunhão ePartilha do Clero.trata largamente esta perspectiva da fraternidade universal, a qual exige uma nova compreensão da função da política à escala mundial.
Não quereria terminar sem uma palavra de incentivo à leitura atenta desta Encíclica, com a sugestão de diálogos e debates que seguramente serão muito profícuos.
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
04| O Alfo rge | dezemb ro 2020
Fratelli Tutti – interpelações
Professor João Duque
É doutorado em Teologia Fundamental (Phil.- Theologische Hochschule Sankt Georgen, Frankfurt, Alemanha), com uma tese sobre uma receção teológica da filosofia da arte de Gadamer. É Professor Associado com Agregação da Faculdade de Teologia da UCP (Braga, Porto e Lisboa), e docente convidado na Faculdade de Filosofia (Braga), na Escola das Artes (Porto) da Universidade Católica Portuguesa, e no Instituto Teológico Compostelano, agregado da Universidade Pontifícia de Salamanca.
A mais recente Encíclica do Papa Francisco, também ela inspirada em Francisco de Assis, é considerada uma espécie de síntese de todo o seu pontificado. De facto, até pela forma como está redigida – baseada em abundantes citações dos seus textos anteriores – ela recolhe a sua perspetiva sobre o mundo e sobre a Igreja.
A quem já leu o texto, pode parecer estranho falarse aqui em Igreja, uma vez que o Papa quase não se lhe refere ao longo do seu escrito. No entanto, está nele implícita uma forma de conceber a Igreja: precisamente a “Igreja em saída”, isto é, a Igreja preocupada com todos os humanos, independentemente de serem ou não cristãos, e com as diversas formas como funcionam as sociedades humanas, sobretudo com os problemas que as afetam.
Não é, por isso, uma Igreja demasiado preocupada consigo mesma, pois ela não existe para si própria. Quanto a si mesma, bastaria talvez que conseguisse aplicar, nas suas comunidades e nas suas estruturas, aquilo que anuncia e propõe a todas as comunidades humanas: precisamente a prática da fraternidade aberta, universal, sem qualquer tipo de discriminação.
político contemporâneo, por este estar demasiado pobre e a resvalar para o populismo; e também não exclusivamente teológico, no sentido de um discurso fechado sobre um sistema doutrinal, tendencialmente abstrato.
Trata-se, precisamente, de um fértil cruzamento das duas dimensões: de uma teologia política e de uma política teológica. Ou melhor, embora a questão política – que tem diretamente a ver com o governo dos povos – esteja muito presente, o que se pretende não é entrar na dinâmica do poder, que acaba por ser sempre a disputa do poder. O que se pretende é fazer uma leitura teológica da sociedade e uma leitura social da teologia.
Mas isso mesmo já era o núcleo do texto evangélico que serve de coluna vertebral à Encíclica e no qual me concentrarei. De facto, o episódio que ficou conhecido como “O bom samaritano” recolhe o mais importante da teologia do judaísmo, salientando a sua ligação à sociedade humana e mesmo à política.
A história do Evangelho enquadra-se num diálogo com um letrado, ou seja, com um conhecedor e praticante da tradição hebraica da interpretação da Torá. E essa tradição discutia, entre outras coisas, as passagens do Levítico relativamente ao mandamento de amar o próximo, “como se fosse um igual a nós” (melhor tradução, do que “como a nós mesmos”).
O núcleo dessa discussão é precisamente a questão que o letrado coloca a Jesus: “Quem é o próximo?”. Tratar-se-á do Israelita, que partilha a mesma fé e até a mesma etnia? Tratar-se-á do amigo, que partilha as mesmas convicções e afeções?
Ora, a história que conta Jesus dá uma resposta clara, por sinal no sentido dos textos do Levítico e que corresponde à



Este é, de facto, o núcleo de toda a Encíclica. Por isso, ela é um documento, ao mesmo tempo, teológico e político. Não exclusivamente político, como se fosse mais uma voz no seio do debate
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
05 | O Alforge | deze mbro 2020
Fratelli Tutti – interpelações (Continuação)
opinião que tinha o letrado: o próximo não é um sujeito determinado por esta ou aquela circunstâncias. A categoria do próximo resulta de um acontecimento, que é um encontro entre duas pessoas, sejam quem forem: o evento da proximidade.
A identidade ou o estatuto do homem caído na estrada não importa, só importa a sua necessidade, a sua debilidade – como a de qualquer humano. O estatuto daqueles que passam, pré-determinado por pertenças políticas e até religiosas (judeu/não judeu; sacerdote; levita; samaritano), também não conta.
Precisamente porque os primeiros que passaram se
fecharam nesse estatuto é que não tocaram – mesmo que o tenham visto – naquele que estava caído.
Foi aquele de quem não se esperava – porque nem era judeu, mas externo ao povo – o único que não levou em conta o seu estatuto social ou político e se limitou ao seu estatuto de humano, a quem se exige que cuide do necessitado, seja quem for. Por isso é que a sua atitude originou proximidade, até ao toque do cuidado. Próximos são os que se aproximam e se cuidam, independentemente do seu enquadramento. No Levítico, o amor ao próximo destinava-se, precisamente, ao estrangeiro, que deveria ser amado “como se fosse um como nós”.
A raiz teológica desta
proximidade é, precisamente, o facto de todos os humanos serem igualmente filhos de Deus, porque Deus é um só e é igualmente Deus (e Pai) para todos os humanos.
Ora, é nesta teologia social e política que se baseia a proposta do Papa Francisco – que vai beber à proposta de Francisco de Assis – de uma fraternidade universal, como solidariedade de qualquer humano com qualquer humano, independentemente do seu estatuto de pertença, seja a uma nação, a uma classe, ao uma família, a um partido, a um clube ou a qualquer outro grupo – incluindo à Igreja.
Nesse sentido, o modelo da fraternidade humana não é o de uma “confraria” de conhecidos e amigos, que se protegem, excluindo os
outros – precisamente aqueles que estão na estrada, ou melhor, na margem da estrada. Porque a estrada já é um lugar exterior em relação ao interior fechado da aldeia ou da cidade; e a berma da estrada é um lugar ainda mais na margem.
A fraternidade, para ser verdadeiramente universal, terá que encontrar o seu núcleo no acolhimento concreto e particular de cada humano que está perante nós e que exige o nosso cuidado. Seja quem for. E essa fraternidade é uma exigência a qualquer humano; mais fortemente, ainda, a qualquer cristão e à Igreja, como comunidade aberta.

Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
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Do Papa para o mundo

Octávio Carmo Jornalista e Chefe de Redação da Agência Ecclesia.
De Lampedusa a Assis, passando por Paris e Abu Dhabi. ‘Fratelli Tutti’ deve ser a encíclica menos romana de que tenho memória, em quase 20 anos de profissão e outros mais de estudo, nesta área.
Não me surpreendem algumas leituras de quem ficou órfão de textos mais “académicos”, mas Francisco escreve para o mundo, não para as bibliotecas.
A nova encíclica traça um cenário de sombras para denunciar o que qualifica como globalismo do mercado de capitais, que responsabiliza pelo aumento de desigualdades e injustiças sociais.
Falando num mundo sem rumo, o Papa propõe a redescoberta de uma dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas as barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos.
Tal como a Laudato Si’, em 2015, procurou responder com o conceito de ecologia integral aos desafios das alterações climáticas, em pleno debate que levaria ao Acordo de Paris, a encíclica sobre a fraternidade e a amizade social, assinada junto ao túmulo de São Francisco de Assis, quer propor valores fundamentais um mundo marcado pela pandemia.
valores económicos, jogos políticos e interesses partidários.
Mas a vida nunca é relativa.
A este respeito, recordo as perguntas que surgem no primeiro livro da Bíblia, o Génesis, que me parecem fundadoras da ética ocidental: “Onde está o teu irmão?” e “Que [lhe] fizeste?”.
O “interrogatório” de Deus a Caim, após a morte do seu irmão Abel, condensa o apelo fundamental que viria a ser sintetizado no ensinamento de Jesus Cristo: amar o próximo como a si mesmo.

O documento, primeiro do género em cinco anos, apela a uma “globalização dos direitos humanos mais essenciais” e aponta, como exemplos, a necessidade de erradicar a fome ou combater o tráfico de pessoas – uma “vergonha para a humanidade”.
E oferecer uma resposta à questão inicial de todo o edifício ético ocidental, vinda do próprio Deus:
Onde está o teu irmão?
Como vimos com a trágica crise dos últimos anos, acima da dignidade humana têm estado
“Não sei” ou “nada” não são respostas aceitáveis e enquadram-se na “globalização da indiferença” que o Papa Francisco tem denunciado
Do Papa para o mundo (Continuação)
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
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tantas vezes. Outro momento central do pontificado parece evidente na escolha do tema: a fraternidade humana.
Na histórica viagem a Abu Dhabi, a 4 de fevereiro de 2019, onde assinou com o imã de Al- Azhar uma declaração que condena a violência em nome da religião, o Papa deixou uma frase que define a sua visão do diálogo entre religiões e destas com a sociedade: “Hoje também nós, em nome de Deus, para salvaguardar a paz, precisamos de entrar juntos, como uma única família, numa arca que possa sulcar os mares tempestuosos do mundo: a Arca de Fraternidade”.


A ‘Fratelli Tutti’ procura contrariar o discurso da meritocracia e sustenta que ninguém pode ser
excluído pelo seu local de nascimento ou condição social. Propondo um novo modelo de convivência para a humanidade, o Papa espera por uma transformação da história que beneficie os últimos.
Esta encíclica surge-nos como testamento espiritual do Papa Francisco, projetado para o futuro e para a criação de novos paradigmas para a organização social e a vida económico-financeira. É uma síntese de um pontificado aberto sobre o mundo, com reflexão
centrada sobre a exploração de seres humanos por outros seres humanos.
Estamos num momento da história em que é imperativo escolher de que lado ficamos: de quem sofre ou de quem agride. Não há meio termo e todos sabemos que o Senhor abomina os mornos. A pandemia devolveu-nos a perceção de limite. Não estávamos prontos para isso, no frenesim de 2020. Temos diante de nós o desafio de retirar consequências
éticas e antropológicas da passagem por esta situação de vulnerabilidade: o que somos, quando chega o fim?
A transformação dos mais vulneráveis em sujeitos dispensáveis é uma das marcas mais negativas (e temo que seja permanente) deste tempo. Caímos na globalização da indiferença, que o Papa denunciava na sua primeira viagem, carregada de simbolismo, em 2013, à ilha de Lampedusa.
Habituamo-nos ao sofrimento do outro. Uma crítica terrível, de Francisco, que nos convida agora a redescobrir a amizade social, um conceito que une sujeitos e instituições na construção de uma nova sociedade, marcada pela fraternidade.
Fratelli Tutti, como pedia São Francisco de Assis, irmão de todos.
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
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A Fraternidade e a Amizade Social

António Luciano dos Santos Costa nasceu a 26 de março de 1952, em Corgas, freguesia e paróquia de Sandomil, no concelho de Seia, distrito da Guarda. Foi ordenado padre a 29 de junho de 1985. É Bispo de Viseu, desde junho de 2018.
A Encíclica “FRATELLI TUTTI”, do Papa Francisco foi assinada em Assis no dia 3 de outubro de 2020. Este documento sobre a Doutrina Social da igreja, marcado pelo dom da profecia evangélica “Todos Irmãos”, foi publicado no dia 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. “FRATELLI TUTTI”: escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se aos seus irmãos e irmãs para lhes propor uma forma de vida com sabor a Evangelho. Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria inspirou o Papa a escrever a “Laudato Si”. São Francisco semeou por toda a parte a paz, andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos (Cf. FT 1-2). O Papa inspirou-se na vida, testemunho, serviço, amor à Igreja de São Francisco, que
cantou o amor universal e enalteceu o equilíbrio da natureza e da criação, tornando-se o patrono dos ecologistas. O texto referenciado, “Todos Irmãos” é “o testamento político-social do Papa Francisco, uma síntese do seu pensamento social, falando acerca da “fraternidade e a amizade social”, como fonte inspiradora a um forte apelo aos cristãos sobre o diálogo social para uma nova cultura e para um empenhamento maior da identidade cristã, na vida social e política do nosso mundo. A Encíclica que propõe “a fraternidade e a amizade social”, como caminho de renovação da cultura social do nosso mundo, valorizando a liberdade, igualdade e fraternidade, como amor universal que promove as pessoas. A estrutura do documento apresenta-se com o seguinte esquema: Uma Introdução (nº 1-8) sem fronteiras; o capítulo I: “As sombras de um mundo fechado” (nº 9-55); o capítulo II: “Um estranho no caminho” (nº 56- 86); o capítulo III: ”Pensar e gerar um mundo aberto” (nº 87- 127); o capítulo IV: “Um coração aberto ao mundo inteiro” nº 128-153); o capítulo V: “A Política melhor” (nº 154-197); o capítulo VI: “Diálogo e amizade social” (nº 198- 224); o capítulo VII: “Percursos de um novo encontro” (nº 225-270); o capítulo VIII: “As religiões ao serviço da fraternidade no mundo” (nº271-286). O último número encerra com
duas belíssimas orações: a primeira é uma Oração ao Criador e a segunda é uma Oração Ecuménica. É um ensinamento atual para estudar e depois ajudar a fé dos cristãos a estar ao serviço da pessoa humana, das estruturas do nosso mundo e da Igreja. Deixo apenas algumas linhas mestras como desafio para aprofundar a riqueza de temas que o documento apresenta. Só a revolução da “fraternidade e da amizade social”, permitirá a construção de um mundo novo, mais solidário, onde todos somos chamados a ser um em Cristo, com uma nova ordem mundial, promotora de uma nova civilização do amor. O caminho de uma economia nova, mais justa e fraterna para todos, sem excluir os pobres e os descartáveis da sociedade. O desafio da “fraternidade e da amizade social” deve levar a humanidade a fazer o caminho da “gratuidade fraterna”, cultivando a “amabilidade” social de “amar sem fronteiras”, todos os irmãos. A Encíclica é o primeiro documento do género, no decorrer dos últimos cinco anos, saído do Magistério do Papa Francisco, que aponta o dedo a “novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais”. Francisco propõe-nos uma profunda “reflexão sobre o destino comum dos bens”, temas já apresentados pelos Papas São João XIII, São Paulo VI, São João Paulo II, que ao publicar o
Compêndio de Doutrina Social da Igreja, fez uma síntese da riqueza do ensinamento social da Igreja, principalmente durante o século XX. O Compêndio teve o mérito de ter como base de referência o ensinamento dos Papas, a inovação, a renovação e o “aggiornamento” proposto pelo Concílio Vaticano II. Eis alguns temas a desenvolver e a aprofundar na reflexão pessoal. Não devemos perder a capacidade de escutar e abrir o coração ao outro, enquanto ser humano e reconhecer a “dignidade de cada pessoa humana com os seus direitos inalienáveis” (FT 111), como seres humanos, somos irmãos e irmãs (Cf. 128), fazendo ao mesmo tempo renascer entre todos o ideal e anseio mundial da gratuidade que acolhe a fraternidade. Esta nova cultura deve ser vista como “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida”(FT 215).No mundo atual o encontro feito de cultura, unifica o mundo, mas divide as pessoas e as nações, porque “a sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos”. Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, pois a solidão privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência (Cf. FT 12). Com a preocupação do equilíbrio da casa comum, do bem do nosso planeta, o Papa Francisco lembra que: “Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de
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A Fraternidade e a Amizade Social (Continuação)
nós mesmos” (FT 17). Somos nós que habitamos a casa comum, devemos fazer tudo para a proteger e não entrar numa política de descarte, que deite fora aqueles que “já não servem” (FT 18). De novo “nos envergonham as expressões de racismo” (FT 20), que acontecem hoje no nosso mundo, como um vírus que infeta as pessoas nas mais diversas culturas e circunstâncias da existência humana.
Com as consequências da pandemia e do aumento do desemprego e da solidão, “nascem novas pobrezas” (FT 21), que devem preocupar a humanidade inteira. Surgem “dificuldades” (FT 78) enormes, que hoje batem à porta de todos os cidadãos do mundo. Devemos buscar juntos o diálogo fraterno para construir uma nova civilização, onde o valor da solidariedade, o amor social, a caridade, a “gratuidade fraterna” (FT 140) e o “cultivo da amabilidade” (FT 224) sejam um sinal positivo da nossa civilização.
Por isso tudo devemos fazer para eliminar “as guerras, os atentados, as perseguições por motivos raciais ou religiosos e tantas afrontas, contra a dignidade humana” (FT 25), pois estas são realidades negativas, que devemos eliminar do nosso mundo.
O Papa “fala de solidão, dos medos, das inseguranças” (FT 28), da falta de uma cultura renovada que promova a esperança, a proximidade, a cultura do verdadeiro encontro ( Cf. FT 30).
A assistência e o acolhimento dos imigrantes constitui a pedra angular do futuro do mundo e a Europa, por exemplo, corre sérios riscos de ir por outro caminho (Cf. FT 40). Por isso, esta pandemia tornou-se uma tempestade, que desmascara a nossa vulnerabilidade, pois todos juntos na mesma barca “caminhemos na esperança” (FT 55). No segundo capítulo coração da reflexão bíblica dos temas sociais, o Papa parte da parábola do bom Samaritano para nos ajudar a descobrir no homem ferido, caído por terra e assaltado, à beira do caminho o próximo sem fronteiras ( Cf. FT 63), que nos pede ajuda sempre. Não há globalização sem localização, o bom Samaritano que vai ao encontro daquele que precisa, mostra-nos como devemos remar contra a maré, denunciando aqueles que desprezam os mais vulneráveis e pobres. A parábola do estrangeiro que caiu nas mãos dos salteadores e as personagens que dela fazem parte, mostram-nos Jesus “o modelo do bom Samaritano” (FT 66), que veio ao mundo para servir e dar a vida.
O Papa Francisco ao oferecer este documento à Igreja e à humanidade, mostra o seu zelo de Pastor Universal, identificado com Jesus Cristo, sem ser conservador, ou progressista, mas alguém que vive a radicalidade do Evangelho, que vai às raízes bíblicas de toda a obra da
Criação e da Redenção, para com os ensinamentos de São Francisco e a partir do Cântico das Criaturas nos falar da beleza de Deus e do homem criado à sua imagem e semelhança.
Os tempos atuais precisam de paz e de bem, como um elemento proativo que ajude a criar um fundo mundial sólido capaz de eliminar a pobreza e os males que afetam o mundo. Temos que saber olhar para aqueles que com esperança e serviço na gratuidade constroem a verdade e cuidam dos outros em fraternidade universal e amizade social.
São exemplo deste serviço todos aqueles que em tempo de pandemia serviram na linha da frente com proximidade e sacrifício. O Papa destaca: “Médicos, enfermeiros e enfermeiras, farmacêuticos, empregados dos supermercados, pessoal de limpeza, cuidadores, transportadores, homens e mulheres que trabalham para fornecer serviços essenciais e de segurança, voluntários, sacerdotes, religiosas… compreenderam que ninguém se salva sozinho” (Cf. FT 54).
A Encíclica “Frattelli Tutti” convida os crentes e não crentes a sermos “tecelões de fraternidade” como irmãos e irmãs, para além da raça, da cor, da nacionalidade, da religião ou de outras formas de descriminação.
Na verdade não somos só tecelões de fraternidade, mas também somos o tecido, obra do amor de Deus, cujos fios que
entrelaçados contribuem para a beleza do tecido social e eclesial que constituem a grandeza e a beleza da humanidade e da Igreja. Como diz Jeremias, todos somos barro moldado pelas mãos do Oleiro.
Todos somos irmãos, todos somos família, todos somos Igreja, todos somos cuidadores do nosso mundo, no emprego, no lazer, no trabalho, na Igreja, no hospital, na escola, no estudo, na catequese, na pastoral, no lar de idosos, no jardim de infância, na creche em casa, no convívio e nas relações com todas as pessoas.
Como pessoas de bem e com cristãos devemos dizer: sou um tecelão, sou um discípulo missionário a construir a fraternidade.
A fraternidade e amizade social constroem-se com novos paradigmas, que ajudam as pessoas a ter uma vida melhor, com mais dignidade, a serem respeitadas nos seus direitos, ajudadas nas suas dificuldades e deveres, a ter o pão de cada dia, partilhado com sacrifício, fruto de um trabalho digno, da solidariedade humana, em espírito de fraternidade e amizade social.
Que ninguém morra de fome, que a solidariedade cresça, que a partilha seja exemplar, que ninguém fique indiferente ao grito dos nossos irmãos mais pobres, doentes, injustiçados e fragilizados, tornemos a nossa sociedade mais justa e fraterna na amabilidade.
Dossier: A Fraternidade nos Irmãos
10 | O Alforge | deze mbro 2020
Reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas…
“Reconhecer, Valorizar e Amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita”, é isto que o Papa Francisco propõe nesta sua nova encíclica. Este documento propõe que a fraternidade e a amizade social sejam lidas com chaves como o respeito pelos direitos humanos, a busca incessante da paz, a proposta da amabilidade, a valorização da função social da propriedade ou o perdão.
Enquanto militante da JOC (Juventude Operária Católica) é com muito contentamento que vejo mais uma vez o Papa Francisco a falar de Simplicidade, Fraternidade e Amizade Social.
É necessário falarmos de amor, de humildade, igualdade e acima de tudo de dignidade. Para um Movimento como a JOC, que defende a dignidade da pessoa humana, é essencial ter o líder da Igreja Católica a transmitir esta mensagem a todas e a todos, sem exceção.
Como podemos observar, o objetivo geral da JOC «é o anúncio de Jesus Cristo a todos os jovens trabalhadores. Este anúncio é inseparável do compromisso na luta pela libertação completa de todos os Homens de todos os tipos de opressão, de alienação, e de exploração, tanto ao nível individual como ao nível coletivo e social.»


Temos assim que ter a consciência diária que todos somos iguais, o mundo
existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. As diferenças de cor, religião, local de nascimento, não podem antepor-se nem ser usadas para justificar privilégios. Como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento integral.
Romper com as cadeias que nos isolam e separam Ninguém, mas ninguém pode ser excluído. Quando a dignidade do homem é respeitada e os seus direitos são reconhecidos e garantidos, florescem capacidades como a criatividade de cada pessoa, que pode ser um impulso para que cada um de nós consiga caminhar em direção aos seus sonhos.
Como refere a Declaração de Princípios da JOC, é esta «libertação pela qual todos e cada um poderá descobrir e viver o sentido profundo da sua vida, das suas aspirações e procurar os valores que podem verdadeiramente realizálo.»
Como diria Cardijn, fundador da JOC, “Cada jovem trabalhador vale mais que todo o ouro do Mundo”, e neste caso todo o ser humano vale mais que todo o ouro do mundo, sempre e em qualquer circunstância. Todo o ser humano tem direito de viver com dignidade e desenvolver-se integralmente, e nenhuma pessoa nem nenhum país lhe pode negar este direito fundamental.
Quando não se
salvaguarda este princípio elementar, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade. Olhemos à nossa volta e promovamos o bem, para nós mesmo e para toda a humanidade, e assim caminharmos juntos para um crescimento genuíno e integral.
Precisamos da luz da Verdade «esta luz é simultaneamente a luz da razão e da fé». Olhar que nos leva a perceber a dignidade do outro e a integrar os outros na sociedade. Temos que acima de tudo Reconhecer, e Reconhecer ao outro o direito de ser ele próprio e de ser diferente, pois todos vivemos numa grande comunidade e trabalhamos todos juntos para um projeto comum, para a nossa casa comum.
O meu desejo é que os nossos jovens continuem a fazer crescer a consciência de que cada pessoa no mundo é digna e todos somos iguais em direitos, transmitindo o maior valor de todos, o AMOR, o «amor que rompe as cadeias que nos isolam e separam, lançando pontes; amor que nos permite construir uma grande família onde todos nos podemos sentir em casa.»
Solange Pereira É Presidente da JOC - Juventude Operaria Católica.
Separata: A Economia de Francisco
11 | O Alforge | deze mbro 2020
A Economia de Francisco - Diagnóstico de um equivoco
A Economia tem sido um dos temas mais controversos nestes primeiros anos de pontificado do Papa Francisco. As suas visões sobre a pobreza, o dinheiro, o mercado e o capitalismo têm originado uma discussão amarga entre agentes económicos e economistas, uns defendendo e outros atacando o ensinamento papal nestes assuntos.
O propósito deste livro não é o de fazer uma análise económica deste debate, mas de ler cuidadosamente o que Francisco tem dito, para melhor o compreender e seguir.
Para atingir este objetivo, o livro está construído sobre uma tese, que também se tenta provar: o debate mencionado está adulterado porque ambas as partes manipulam a razão e sentido do ensinamento de Francisco. O Papa não é um economista, não é sequer um teólogo de economia. Ele é um pastor e mestre espiritual. O seu objetivo não é entrar em detalhes da política económica ou da estrutura do sistema, mas o de lidar com o seu impacto na vida e salvação do seu humano. Pretende alertar a consciência das pessoas envolvidas. Sobre o resto, como tem dito repetidamente, segue a Doutrina Social da Igreja.


“Faz mais barulho uma árvore que cai do que uma floresta que cresce” – Papa Francisco
Não é costume dedicar-se muito tempo a falar-se de “economia” e de “Papas” em simultâneo, apesar de este tema fazer parte, “naturalmente”, dos seus
discursos. João Paulo II fê-lo, tal como Bento XVI. Mas e mesmo assim, ao analisar os seis, sete primeiros meses do pontificado de Francisco, afirma o orador que a economia não era, de todo, a sua principal preocupação, nem se esperava que o fosse.
Depois de um período de surpresa que não deixou ninguém indiferente, e de uma verdadeira lua-de-mel com crentes e não crentes – dada a originalidade que caracteriza este Papa – tudo muda, e de forma inesperada, em Novembro de 2013, quando é divulgada a sua primeira exortação apostólica – a Evangelii Gaudium– ou a Alegria do Evangelho, que era suposto ser uma simples exortação pós-sinodal – relacionada como o trabalho do sínodo realizado pelo seu antecessor -, mas que acabou por se transformar num manifesto deste prontificado.
O que é verdadeiramente extraordinário consiste no facto de o Papa ter conseguido ser extremamente fiel ao trabalho anterior do sínodo, mas de uma forma completamente original e em conjunto com os temas que já nos vinha habituado dar a conhecer, através das suas várias intervenções até então. Todavia, a grande novidade – que acabou por ser o tema que assombrou os demais, foi exactamente a questão da economia, apesar de “a exortação em causa não ser sobre economia, mas sobre evangelização.
O todo é superior à parte, ou seja, a economia é hoje um fenómeno global, não apenas em termos planetários, como
conceptuais. Desta forma, encontram-se globalizadas as dimensões culturais, políticas, sociais, artísticas, ambientais. Apesar disso, o elemento económico continua a ser prevalecente, pelo que a tensão entre o global e o local tem tradução evidente no campo económico.
Portanto, não se deve viver demasiado obcecado por questões limitadas e particulares. É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas há que fazê-lo sem se evadir nem se desenraizar” [EG 234-235] .
João César das Neves, é doutorado em Economia e autor de vários livros e artigos científicos nessa área. É professor na UCP e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da mesma universidade.
Separata: A Economia de Francisco
12 | O Alforge | deze mbro 2020
The Economy of Francesco por um franciscano
Frei Hermínio Araújo, OFM, Sacerdote franciscano, membro da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, Capelão da Clínica Psiquiátrica de São José, Assistente Espiritual e Religioso do Hospital do Mar.
Esta reflexão está centrada em três palavras: Dom, Fraternidade e Amizade. E tem duas partes: a primeira é mais geral; a segunda é sobre o trabalho. É baseada essencialmente nos Escritos de São Francisco de Assis (1182- 1226).
pela frente.
O seu Testamento espiritual (n. 14) é um deles: «Depois que o Senhor me deu o cuidado dos irmãos, ninguém me ensinava o que devia fazer; mas o mesmo Altíssimo me revelou que devia viver segundo a forma do santo Evangelho».
O irmão é um dom colocado por Deus ao meu cuidado: que belo ponto de partida para repensar a economia! Este princípio orientador esteve na base da elaboração das duas grandes encíclicas deste pontificado: a Laudato si’ sobre o cuidado de todos os irmãos habitantes da mesma Casa e a Fratelli tutti sobre a fraternidade e a amizade social dos humanos. Para São Francisco, não há fraternidade abstrata, há irmãos concretos que Deus nos dá. Com eles vivemos, com respeito e estima.
A propósito, o Papa Francisco oferece ao seu leitor uma breve teologia da amabilidade, na Fratelli tutti, n. 224, com as palavras:
«com licença», «desculpe», «obrigado». São palavras que ele já usou noutros contextos, mas aqui têm um significado muito especial.
Que bela inspiração para as nossas empresas! Tudo isto é tão importante para São Francisco. Basta a leitura do que nos escreve na Regra não bulada, 7, 15: «Os irmãos, onde quer que estejam ou em qualquer lugar em que se encontrem, devem mostrar respeito e estima uns pelos outros».
A economia de Francisco está resumida nesta expressão: «É dando que se recebe!» Tudo tão diferente da lógica: «É recebendo que se dá!». E que se dá de uma forma injusta, por isso, mortal!
2. O trabalho é um dom
Já todos percebemos que, para São Francisco, tudo é muito prático e concreto. O mesmo se pode dizer em relação à forma como ele nos apresenta a sua visão do trabalho. São dois os textos principais.
O primeiro, da Regra bulada 5, 1-2: «Os irmãos a quem o Senhor deu a graça de trabalhar, trabalhem fiel e devotamente, de maneira que afugentem a ociosidade».
O segundo: «Eu trabalhava com minhas mãos e quero ainda trabalhar; e firmemente quero que todos os irmãos trabalhem em ofício honesto. E os que não sabem, aprendam; não pela cobiça de receber o preço do trabalho, mas para dar bom exemplo e para repelir a ociosidade.» (Testamento espiritual 20-21). Para São Francisco de Assis, tudo é dom, tudo é graça; por isso, também o trabalho. E porque é graça, o que está em causa não é apenas “o preço do trabalho”, mas a pessoa na sua globalidade e realização. Dom – Fraternidade – Amizade: são as palavras da Economia de Francisco!


1. O irmão é um dom
O Papa Francisco está a convidar os jovens do mundo inteiro para pensar a economia a partir de São Francisco, um jovem do século XIII com muito para dizer aos que vivem no século XXI.
Claro que o Santo de Assis não elaborou um modelo económico, mas encontramos nos seus textos muitas orientações para o caminho que temos
Separata: A Economia de Francisco
13 | O Alforge | deze mbro 2020
A Economia de Francisco, um compromisso para o futuro
«Economia de Francisco»: Vaticano une-se às novas gerações para defender passagem da centralidade do lucro ao investimento nas pessoas
Jovens de 120 países, incluindo Portugal, uniram-se na abertura da conferência global ‘A Economia de Francisco’, convocada pelo Papa, para um debate de três dias com economistas, empresários, gestores e estudantes.
O prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral (Santa Sé), cardeal Peter Turkson, saudou esta “rede global de jovens líderes e promotores de mudança”, que desafiou a dar “uma alma à Economia do futuro”, para que esta seja “inclusiva, sustentável”, fraterna e ecológica.
O cardeal ganês citou o Papa para pedir trabalho mais digno, especialmente para as novas gerações, e
modelos económicos mais equitativos.
O colaborador de Francisco destacou a necessidade de passar de um modelo centrado no lucro e especulação para uma “economia social que investe nas pessoas” e empresas capazes de “reconhecer a dignidade de cada indivíduo, independentemente do seu papel”.
A iniciativa, inicialmente marcada para março – e adiada por causa da pandemia – criou nos últimos meses uma plataforma mundial de reflexão e ação por uma economia “mais humana” e um futuro sustentável.
Stefano Zamagni, presidente da Academia Pontifícia das Ciências Sociais (Santa Sé), dirigiu-se aos participantes para pedir uma “aliança” capaz de mudar a economia e combater a “mentalidade do descarte e a globalização da indiferença”
que o Papa tem denunciado.
O responsável realçou a importância de se trabalhar por um mundo mais “inclusivo”, mais humano, e um novo sistema financeiro, que inclua critérios sociais e ambientais, questionando uma visão reducionista do “valor”, entendido apenas como “preço de mercado”.
A terra e os seus pobres têm urgente necessidade de uma economia saudável e de um desenvolvimento sustentável. Por isso, somos chamados a rever os nossos esquemas mentais e morais, para que estejam em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum.
Na abertura dos trabalhos foi apresentada uma mensagem em vídeo preparada pelos jovens integrantes do movimento ‘ATD Quarto Mundo’ sobre “ouvir o grito dos mais pobres para transformar a terra”.
A intervenção apresentou projetos de valorização dos desempregados de longa duração e as pessoas excluídas do mundo laboral, para não deixar ninguém “à beira da estrada”.
Um dos testemunhos abordou a opção de viver com menos, falando numa “diminuição feliz”, que permite libertar recursos para as pessoas mais necessitadas.
A programação passou depois para o Santuário do Despojamento, em Assis, com momentos musicais e de espiritualidade, seguindo-se conferências dos jovens economistas e empresários, em diálogo com oradores internacionais. Ao longo dos últimos meses, mais de 2 mil jovens participantes trabalharam 12 eixos temáticos, coordenados por um membro júnior e um sénior, juntamente com dez colaboradores internacionais.

Os participantes portugueses na conferência digital ‘A Economia de Francisco’, convocada pelo Papa, destacaram hoje o papel de liderança confiado aos jovens nesta iniciativa por um desenvolvimento mais humano e inclusivo.
Carlos Lemos, médico português, participou na conferência ‘Inteligência Artificial: como enfrentar a desigualdade socioeconómica?’, abordando o papel da tecnologia no campo da saúde, para sublinhar que “deve haver sempre um humano” presente na tomada de decisão.
O convidado admitiu que o recurso à inteligência artificial possa libertar os médicos para centrar a atenção em tarefas que “só os humanos podem fazer”, com maior atenção aos pacientes, apelando à criação de um “quadro ético” específico. Os participantes sublinharam a importância de “olhar para os últimos, os mais pobres”, recordando várias das propostas e testemunhos deixados ao longo da tarde de conferências, entre as quais foram apresentadas empresas, rentáveis, que colocam “a pessoa no centro” das decisões. A iniciativa inspira-se na figura de São Francisco de Assis, “o santo que se despojou do mundano para colocar a sua vida ao serviço dos mais pobres, o santo da atenção aos frágeis e da ecologia integral”, assinala a organização em Portugal.
Opinião...
14 | O Alforge | deze mbro 2020
Muitos começam, poucos acabam

José Luís Nunes Martins nasceu em 1971. É filósofo
e escritor. Prefere oexistencialismo cristão.Trabalha nas áreas dacomunicação e da gestãode crises/emergências. É
cronista da RádioRenascença.Temos muitos projetos, mas poucos sucessos, até porque a maior parte dos nossos sonhos nunca chegam a sair do reino da imaginação. Ficam na nossa almofada como se fossem impossíveis.
O que faz diferença na vida não é sermos teimosos e incapazes de perceber o que se passa à nossa volta, como se fossemos um animal cego. O que importa é definir com ponderação um caminho, garantindo que temos reservas de convicção suficientes para superar as mais do que certas faltas de vontade que vamos ter de enfrentar.
A vida é a subir. Se nos distraímos, desequilibramonos, andamos para trás e... caimos.
Só se vencem as grandes batalhas quando se é capaz de lidar com as pequenas. Os fracassos são parte do caminho. Todos caem, mas
só alguns são capazes de descobrir o sentido e o valor de cada obstáculo, seja ele uma pedra no exterior ou uma angústia no íntimo.
A felicidade que busco depende muito da minha vontade. Da minha capacidade de não perder o entusiasmo, mesmo quando andei muito tempo na direção errada e tenho de voltar tudo para trás.
Só amamos alguém quando aceitamos tudo quanto esse amor traz consigo.
Podemos revoltar-nos por estar a chover, ou podemos, no nosso íntimo, aceitar a chuva e... deixar que chova.
A felicidade é possível e, diria, obrigatória!
Não adies, não julgues que há outras coisas mais importantes, ou que se podem também ir fazendo ao mesmo tempo, não desistas à primeira ferida, por mais funda que seja, não
te desculpes nem justifiques, termina cada etapa... mais vale feito do que perfeito.
Todos temos as nossas misérias, não te fixes nas tuas nem ignores a existências das dos outros. Segue adiante, pelo caminho que é só teu, que és tu. Desperdiçar dons, tempo e oportunidades todos sabem. Ser feliz é uma obra de mestres.
Não, não julgues que não está ao teu alcance, isso é apenas o medo a murmurarte ao ouvido! Mais, a única forma de saber se isso é verdade ou mentira é lutar para sermos melhores e, depois, ver até onde é que isso nos levou!
Se não souberes por onde começar: Afasta-te do mal! É um bom começo, mas não chega!
Não te percas em palavras. As obras é que são amor.
Começa e acaba!
“O Natal és tu, quando decides nascer de novo em cada dia e deixar Deus entrar na tua alma. A árvore de Natal és tu, quando resistes vigoroso aos ventos e dificuldades da vida. Os enfeites de Natal és tu, quando as tuas virtudes são cores que enfeitam a tua vida. O sino de Natal és tu, quando chamas, congregas e procuras unir. És também luz de Natal, quando com a tua vida iluminas o caminho dos outros com a bondade, a paciência, a alegria e a generosidade.
Os anjos de Natal és tu, quando cantas ao mundo uma mensagem de paz, justiça e amor. És também os reis magos, quando dás o melhor que tens sem teres em conta a quem o dás. Os cânticos de Natal és tu, quando conquistas a harmonia dentro de ti. Os presentes de Natal és tu, quando és um verdadeiro amigo e irmão de todos os seres humanos. Os desejos do Natal és tu, quando perdoas e restabeleces a paz, mesmo sofrendo. A consoada és tu, quando sacias com pão e esperança o pobre que te é próximo. Tu és a noite de Natal, quando, humilde e consciente, recebes no silêncio da noite o Salvador do mundo, sem ruído nem grandes celebrações; tu és sorriso de confiança e ternura na paz interior de um natal constante estabelecendo o reino dentro de ti.”
Plano Pastoral - Diocese da Guarda 2020/2021
15 | O Alforge | deze mbro 2020
Vigilantes na Fé e na Esperança
Manuel da Rocha Felício Bispo da Guarda
O novo ano litúrgico encontra a nossa Diocese com um plano pastoral que estava definido para três anos (2019-2022), com objetivos gerais e específicos para cada um desses anos e voltado para o cuidado dos jovens e das famílias.
Assim, para o primeiro ano, propusemo-nos conhecer mais e melhor a realidade dos nossos jovens e famílias. No segundo ano propusemo -nos atuar sobre estas duas realidades pastorais como fossem identificadas, sobretudo através de iniciativas de acolhimento, acompanhamento e formação. Para o terceiro ano a proposta feita é celebrarmos juntos com os nossos jovens o entusiasmo da Jornada Mundial da Juventude e com as nossas famílias a alegria do amor, num evento diocesano a definir.


Do que programámos ao que havemos de conseguir
A fim de levar à prática este plano pastoral trienal, no primeiro dos três anos (2019 -2020) propusemo-nos, em concreto: a) No que se refere aos
jovens, fazer a analise e o estudo da realidade juvenil e vocacional na nossa Diocese e organizar uma jornada pastoral sobre os jovens e a vocação. b) No que se refere às famílias, fazer a prospeção da realidade diferenciada das famílias entre nós, incluindo a identificação, por meios naturalmente discretos, das situações que envolvam possível declaração de nulidade matrimonial, e organizar uma jornada pastoral sobre a família.
Estavam calendarizadas algumas atividades e iniciativas para atingir estes objetivos. Dadas as circunstâncias, não foram propriamente cumpridos os objetivos definidos para este primeiro ano, pelo menos nos moldes propostos. Mas sentimos que a sua importância não nos permite colocá-los de parte. Pelo contrário, continuamos apostados em lhes dar cumprimento, embora conscientes das dificuldades impostas pela nova conjuntura. Assim pedimos aos agentes pastorais integradores destas duas realidades, especialmente aos departamentos diocesanos da pastoral Juvenil, Universitária e Vocacional e da Pastoral Familiar, que, dentro do possível, procurem e utilizem estratégias para irem concretizando estes objetivos. É de realçar que, no que à pastoral juvenil diz respeito, há́ uma equipa diocesana a trabalhar para
motivar a Diocese e os seus jovens rumo a Jornada Mundial da Juventude, que foi adiada do ano de 2022 para o de 2023, e os símbolos que deviam ter sido entregues no passado Domingo de Ramos, em Roma, e que, devido à pandemia, só́ no último domingo, dia de Cristo, Rei do Universo, foram entregues.
Também a pastoral da Família teve agendada para o passado dia 1 de maio uma jornada diocesana sobre a realidade familiar na nossa Diocese. O facto de as circunstâncias não terem permitido a sua realização, não vai desfazer a vontade de levar por diante o levantamento referido, para o qual a nova coordenação deste serviço pastoral vai canalizar esforços.
Na redefinição dos nossos calendários de atividades
Para o ano 2020-2021 resolvemos não produzir, como é costume, um plano pastoral mais específico ou um calendário de atividades pastorais programadas e definidas para se realizarem em lugares e tempos predeterminados. Reconhecemos que a planificação pastoral, nestes tempos, permanece aberta a continuas adaptações que nos vão sendo exigidas, segundo o que as circunstâncias em permanente mudança aconselham ou permitem.
Este constitui claramente um trabalho acrescido para os distintos serviços diocesanos, paroquiais ou
Plano Pastoral - Diocese da Guarda 2020/2021
Última Página | O Alforge | dezemb ro 2020
Vigilantes na Fé e na Esperança (Continuação)
interparoquiais, e também para as instâncias intermédias, como é o caso dos arciprestados.
Algumas das ações a desenvolver transitaram do calendário do ano anterior, por não ter sido possível realizá-las, pelo menos nos moldes em que estavam programadas. Embora de forma ajustada às novas condicionantes, iremos tentar retomá-las, particularmente as que foram programadas para a pastoral juvenil e para a pastoral familiar.
Este é o momento de os diferentes serviços de pastoral exercerem a sua responsabilidade para discernir os procedimentos mais adaptados à evolução da situação social que estamos a viver, sempre na procura da tal nova normalidade que nos permita viver a Fé́ com esperança nos novos contextos impostos pela pandemia. Convido, por isso, todos os serviços diocesanos de pastoral a se manterem vigilantes, em constante diálogo com os párocos, para discernirem as iniciativas que podem e devem ser desenvolvidas, em cada momento.
A esperança na procura de uma nova normalidade
A esperança motiva-nos e impele-nos para a procura de caminhos novos, portadores de uma normalidade que não poderá́ ser aquela a que estávamos habituados e à qual dificilmente voltaremos. E é bom termos em conta que já há muito
tempo estamos a ser avisados sobre as grandes mudanças em curso no nosso mundo e também na vida da Igreja, aquilo que o próprio Papa recorrentemente tem vindo a chamar de “mudança de época”. Esta é, portanto, a hora de nós, como Diocese, no conjunto das suas paróquias, grupos de paróquias, arciprestados, serviços e movimentos apostólicos, reforçarmos o nosso compromisso na procura conjunta da nova normalidade que a pandemia e as muitas crises a ela associadas nos estão a impor.
Aqui se situa a força da esperança, motivando-nos para o esforço de marcar presença e ação na vida da Igreja e do mundo. A esperança leva-nos a acreditar numa nova normalidade, na qual, primeiro que tudo, aprendamos a conviver com as crises que nos afetam, sem possibilidade de as superar, pelo menos tão depressa quanto desejávamos, e nos convidam a purificar e repensar os nossos compromissos com Jesus Cristo e o Evangelho.
A renovação e reorganização das nossas comunidades
A nova normalidade vai exigir-nos esforço conjunto para fazermos das nossas comunidades cristãs – sejam elas paróquias ou unidades pastorais, sejam movimentos e obras de apostolado ou outros espaços – lugares onde se experimenta a comunhão, a partilha fraterna, a participação, o
mais alargada possível, pela qual cada um descobre e põe ao serviço as suas capacidades entendidas como verdadeiros dons de Deus ou carismas para enriquecimento de todos. E este será um dos melhores serviços que nós podemos prestar à própria sociedade no conjunto das suas estruturas de governo e de serviço às pessoas e às comunidades, pois um dos grandes défices que continuamos a sentir na sociedade atual é o défice de vida comunitária.
Se a pandemia, por um lado, nos obrigou a parar e a repensar as estratégias, não pode desvincular-nos do grande objetivo da nossa reorganização pastoral que é criar condições para que todos se sintam responsáveis e participantes na vida das suas comunidades e que todas as comunidades cresçam na consciência da comunhão que deve existir entre si e da sua responsabilidade missionária. Na realidade, a nossa Fé não pode ser apenas um meio de conforto pessoal e de refúgio para defesa de medos e perigos vindos do exterior, mas sim e antes de mais, força que nos impele a levar a novidade de Jesus e do Evangelho ao mundo, a começar por aquele mundo que está mais perto de nós ou mesmo dentro dos nossos ambientes, mas continua estranho ao Bem Supremo que Jesus nos traz.
Reorganização da Diocese
No final de 2019, que foi um ano missionário especial, em jornada pastoral com base no tema “O Papa Francisco e a
Missão”, indicaram-se caminhos para que toda a Diocese progredisse na consciência da sua missão como Igreja particular, sobretudo para levar à prática a recomendação de que toda a ação pastoral seja missionária. Para melhor concretizar essa ação pastoral em “constante saída missionária”, propusemo -nos também que o ano 2019- 2020 fosse o ano da aplicação das orientações sobre a reorganização pastoral da Diocese, as quais foram amadurecidas desde a nossa Assembleia Diocesana realizada em 2017, através de Comissão nomeada para o efeito.
Até este momento, foram emitidos dois decretos, um sobre a constituição dos novos arciprestados e outro sobre a constituição e organização dos serviços diocesanos. Foi já́ possível reunir cada um dos sete arciprestados e eleger os respetivos arciprestes e delegados ao Conselho Presbiteral. Estão a ser constituídos os conselhos pastorais arciprestais e também decorre a reflexão e o diálogo sobre cada um dos conjuntos de paróquias que havemos de fazer evoluir para as futuras unidades pastorais.
Mesmo tendo em conta as adversidades causadas pela pandemia do novo coronavírus, pretendemos continuar este labor, dando os passos possíveis que as circunstâncias atuais forem permitindo. Pedimos a bênção de Deus e a proteção maternal de Maria Santíssima e confiamos-lhes todo o nosso esforço para promover a vivência e o anúncio da Fé́, ao longo deste novo ano.