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BAIRRO BARATA SALGUEIRO DO ECLETISMO ARISTOCRÁTICO AO PESO DA TERCIARIZAÇÃO

BAIRRO BARATA SALGUEIRO DO ECLETISMO ARISTOCRÁTICO AO PESO DA TERCIARIZAÇÃO

por Manuel Paquete

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Construída a Avenida da Liberdade, entre 1879 e 1886, colocava-se a possibilidade de dar expressão ao planea mento urbanístico das zonas adjacentes. No Projecto de rectificação e alargamento de ruas , de 1859, atribuído ao engenheiro Pedro José Pézerat, estão já contempladas as artérias do que viria a ser o Bairro Barata Salgueiro. Mas a concretização desse conjunto urbano, situado a poente do grande boulevard, só teria lugar na década de 1880. O bairro Barata Salgueiro seria edificado na área de quintas e hortas do Vale Pereiro, em terrenos que nessa altura se encontravam sob propriedade do advogado e ca pitalista Adriano Antão Barata Salgueiro (1814-1895), que os doou ou vendeu à Câmara, por preço diminuto, para que se agilizassem os empreendimentos previstos para a zona incluindo a finalização da Avenida.

Postal. Rua Barata Salgueiro, em 1907. O edifício mais alto era o palacete de Barata Salgueiro. Projecto do arquitecto Alfredo da Ascensão Machado, em 1902, demolido em 1970.

A edilidade, como reconhecimento, atribuiu o nome do doador a uma artéria perpendicular à Avenida da Liber dade e em direcção à antiga Azinhaga do Vale Pereiro: a Rua Barata Salgueiro, assim designada pela deliberação camarária de 6 de Maio de 1882, que hoje se delimita entre a Rua de Santa Marta, a nascente, e a Rua Rodrigo da Fonseca, a poente. Também na mesma deliberação camarária de 1882 foram nomeadas as outras artérias incluídas no perímetro do novo bairro: Alexandre Herculano, Passos Manuel (reno meada Rosa Araújo, em 1887), no sentido pente-nascente, e as ruas Castilho e Mouzinho da Silveira, na orientação norte-sul.

O bairro Barata Salgueiro, articulando a zona da Avenida com os lugares mais antigos de São Mamede e do Rato, a poente, foi inicialmente destinado à alta burguesia, for mando um cenário de palacetes e moradias de grande porte: um conjunto urbano caracterizado por um ecletis mo arquitectónico, de gosto afrancesado, numa atmosfera estética inspirada no figurino parisiense que preencheu algum do edificado na cidade, nos alvores do século XX, como aconteceu na ampla avenida que Rosa Araújo construiu enquanto presidente da Câmara de Lisboa e que, como tal, acabaria também por ser homenageado num arruamento e numa estátua. Modelar do edificado local, foi o palacete que serviu de moradia a Barata Salgueiro, construído em 1902, sob a traça do arquitecto Alfredo da Ascensão Machado, foi de molido em 1970 e ali veio a ser construída a sede do BES, hoje sede do Novo Banco. No essencial, obedeceu às li nhas mestras da mais majestosa arquitectura de finais do século XIX. Em 1882, Barata Salgueiro doou ao município uma par cela de terreno para aí ser construída uma grande escola destinada a três mil crianças. A escola não foi construída e a câmara acabou por colocar os terrenos à venda em 1903. Uma parte foi retalhada para a construção e numa dessas parcelas seria construída a Sociedade Nacional de Belas Artes, associação fundada em 1901. O projec

Antigo palacete de Cipriano Ribeiro Caleia, Av. da Liberdade, n.º 110, enuncia um gosto eclético tardo-romântico. Na outra esquina, onde se situou o palacete de Barata Salgueiro (ver postal), existiu o palacete de Barata Salgueiro.

to do edifício data de 1906 e é da autoria do arquitecto Álvaro Augusto Machado. Abriu as suas portas em 1913. O edifício, situado na Rua Barata Salgueiro, n.º 36, foi construído com uma estrutura mista de ferro, madeira e alvenaria de pedra e apresenta-se como um exemplar singularmente íntegro, tanto no aspecto formal como na sua funcionalidade original. Exemplifica a influência da engenharia na arquitectura coeva, numa expressão neo - -romântica paradigmática do ecletismo revivalista. Nas imediações, encontramos três edifícios sobreviven tes do padrão aristocrático do antigo bairro se bem que agora dois deles votados à fruição pública cultural e um outro, de recente uso institucional, votado agora à esfera comercial. O primeiro, no actual n.º 110 da Av. da Liberda de, o antigo palacete de Cipriano Ribeiro Caleia, enuncia um gosto eclético tardo-romântico. Passou pela posse da Direcção Geral de Aeronáutica Civil e serviu como Arqui vo Histórico do Ministério das Obras Públicas, em 1994. Recentemente foi adquirido pela empresa Massimo Dutti. No n.º 39, da Rua Barata Salgueiro sobrevive o edifício originalmente propriedade do advogado e político Alberto

Sociedade Nacional de Belas Artes, Rua Barata Salgueiro, n.º 36, associação fundada em 1901. O projecto do edifício data de 1906, da autoria do arquitecto Álvaro Augusto Machado, e abriu as portas ao público em 1913.

António Morais Carvalho. A moradia foi construída, em 1887, em terreno adquirido a Barata Salgueiro em 1885. Em 1979, o imóvel foi comprado para a instalação da Ci nemateca Portuguesa e construído um cinema nos antigos jardins da casa. O outro edifício, aqui seleccionado, situa-se na Rua Rosa Araújo, n.º 41: a actual Casa Museu Medeiros e Almeida, correspondendo a um edifício cons truído em 1896, por Manuel Correia Júnior, para Augusto Vítor dos Santos. Com algumas remodelações nos anos 1920 e mudanças de proprietário, incluindo a Nunciatu ra Apostólica, o edifício acabaria por ser convertido em casa-museu, em 1968-1974 (arquitectos Alberto Cruz e José Sommer Ribeiro, em fases distintas), sob proprieda de do empresário e coleccionador de arte António Medeiros e Almeida, agora da fundação homónima. Neste curto périplo sobre as sobreviventes preciosidades arquitectónicas do antigo bairro aristocrático, não pode

mos deixar de fora as obras locais do arquitecto Ventura Terra. Por ordem cronológica, encontramos o prédio do Comendador Emílio Liguori, de 1902, situado na Rua Du que de Palmela, no n.º 37. Funcionou ali a sede do jornal Expresso. Já na Rua Alexandre Herculano, pela mesma ordem, temos o edifício com o n.º 57, a “Casa Ventura Terra”, que lhe serviu de moradia, é um exemplar de Arte Nova e foi galardoado com o Prémio Valmor de 1903; nas traseiras desta casa, retirada dos olhares públicos encon tra-se a sinagoga Portas da Esperança (1904), também da sua autoria. O edifício do n.º 25, que também assinou, mereceu o Prémio Valmor de 1911. Destinou-se a António Tomás Quartim, um negociante e político luso-brasileiro. Foi remodelado em 2015 para escritórios, preservando - -se a fachada. Nas últimas décadas assistiu-se à demolição ou venda sucessiva dos mais antigos palacetes e prédios, dando lugar a escritórios de serviços, a bancos e a hotéis, num

Junta Nacional do Vinho, Rua Mouzinho da Silveira, n.º 5. Arquitecto Cassiano Branco. Conclusão 1941.

Rua Castilho, n.º 5 / Rua Barata Salgueiro, n.º 51. Arquitectos Carlos Tojal, Manuel Moreira, Carlos Roxo, Jorge Silva, Francisco Sequeira, Nuno Lopes da Silva e Armindo do Espírito Santo e Silva. Prémio Valmor de 1984.

processo de imparável especulação imobiliária, com a degradação de uns e o desvirtuamento com espelhados, acrescentos e maquilhagens dúbias de outros edifícios. Contudo, a zona tem sido palco de algumas construções marcantes da arquitectura contemporânea. É o caso do célebre “Franjinhas”, projectado em 1964-69 por João Braula Reis e Nuno Teotónio Pereira, num gaveto formado pelas ruas Braamcamp e Castilho. Recebeu o Prémio Val mor em 1971. Este galardão foi também atribuído em 1984 ao imóvel bancário situado na esquina da Rua Castilho, n.º 5, com a Rua Barata Salgueiro, n.º 51, da autoria dos arquitectos Carlos Tojal, Manuel Moreira, Carlos Roxo, Jorge Silva, Francisco Sequeira, Nuno Lopes da Silva e Armindo do Espírito Santo e Silva. “Uma peça que mar ca uma época”, conforme se lhe referiu o júri do Prémio Valmor; decididamente uma época distante do ecletismo romântico da época de Barata Salgueiro.

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