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Campo de lutas, berço de movimentos

CONTEXTO SUL CAMPO DE LUTAS, BERÇO DEMOVIMENTOS

No final da década de 1970 e início dos anos 80, a região Sul do Brasil foi palco do fortalecimento de diversos movimentos sociais, que tiveram grande importância na redemocratização do País. No campo, ocorre o processo que leva ao surgimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Consolidam-se também os movimentos inspirados pelas pastorais sociais das igrejas, especialmente a católica. Em Santa Catarina, ocorre a criação da Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação, embrião do atual Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

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Conforme explica o jornalista Elson Faxina, do Paraná, “a presença da igreja católica no meio popular, influenciada pelas CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e pela Teologia da Libertação, gerou dezenas de movimentos de reivindicações que cumpriram importante papel”. A organização em torno da igreja católica foi natural na região, pois a instituição contava com grande capiliaridade e o trabalho de mobilização dos vários setores havia sido iniciado ainda nos anos 60 e 70 com as CEBs.

Faxina, que participou dos movimentos estudantil e da igreja, conta que, no Paraná, o Movimento dos Desempregados, o Movimento em Favor dos Atingidos por Barragens, as Pastorais da Juventude, da Terra, das Favelas, Operária, a Comissão de Justiça e Paz, entre outros, “arregimentaram milhares de pessoas e fizeram mobilizações importantes, gestando, inclusive, quadros que passaram a ocupar espaço nos partidos de esquerda, nas universidades, em diferentes instituições sociais e até nos governos eleitos a partir de 1982”.

CAMPO DE LUTA

O início da atuação do MST na década de 1980 é lembrado com detalhes pelo jornalista Rafael Guimaraens, do Rio Grande do Sul. Guimaraens acredita que a ocupação da Fazenda Anoni, no Norte gaúcho, em 1984, pode ser considerada um marco nesse sentido, bem como o acampamento de Encruzilhada Natalino, em 1980. Guimaraens ressalta que “a resistência dos colonos adquiriu uma importância simbólica tão

grande que o Exército enviou para a região o famigerado major Curió1 , que semanas depois deixou a região sem realizar a sua missão de dissolver o acampamento”.

O surgimento e organização do MST, explicado a partir das lutas de décadas anteriores, contou também com fundamental apoio da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e da Comissão de Justiça e Paz da igreja. O movimento tem origem, de acordo com Elson Faxina, “em experiências dos três estados do Sul, com o surgimento de movimentos locais, como foi o caso do Mastro (Movimento de Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná)”.

Em pouquíssimos casos, os movimentos sociais e articulações políticas verificados na região no período da redemocratização podem ser classificados como isolados. Existiam, no entanto, particularidades, ênfases maiores num e noutro local. A análise de Faxina é que no Sul a questão da terra foi um dos temas mais fortes. “Havia uma conexão com o restante do país, mas as características da posse e da luta pela terra e a proximidade de comunicação entre os três estados do Sul foram mais fortes”.

TROMBETA DAS TRANSFORMAÇÕES

O jornalista Gastão Cassel, que vive em Florianópolis (SC) desde 1987, relembra um episódio em Santa Maria (RS) que ilustra o importante papel que o movimento estudantil cumpriu no período de redemocratização. Cassel hoje possui uma assessoria de imprensa que trabalha sobretudo com sindicatos e ressalta que o que aconteceu em Santa Maria foi uma movimentação extremamente espontânea de indignação – mas nem por isso menos corajosa e importante.

Nas palavras de Cassel, iria ocorrer em Santa Maria “um comício num sábado de manhã, na principal praça da cidade, do candidato do governo, do PDS. E o [presidente João Baptista] Figueiredo foi lá pedir voto e as pessoas começaram a se aglutinar por curiosidade no comício... Quando o animador perguntava 'E quem é o futuro governador?!', o pessoal respondia o nome do cara da oposição. Virou quase uma guerra campal”.

De acordo com Cassel, ao sair das aulas nos prédios da Universidade Federal de San-

ta Maria no centro, os estudantes iam direto para o calçadão da cidade. As pessoas começaram então a se aglutinar e, enquanto o presidente Figueiredo falava, os estudantes, mobilizados, respondiam: 'Saúde e Educação, é direito da nação!'. Ficava claro, ali, que já existia algo latente na sociedade, que começa a aparecer nesses movimentos, nessas manifestações eleitorais, muitas delas contidas através de fraudes.

Ao lembrar deste episódio mais espontâneo, Cassel registra que a reorganização dos movimentos no Sul do Brasil no período possui igual importância. Cassel, que hoje dá aulas no curso de comunicação do Ielusc (Instituto Superior e Centro Educacional Luterano), em Joinville, participava diretamente do movimento estudantil nos anos 70 e 80. Ele acredita que o movimento “desempenhava um papel muito curioso, porque talvez não fosse conseqüente o suficiente para propor mudanças efetivas. Mas tinha a característica de mostrar para as pessoas que era possível se indignar, que era possível ir para as ruas, que dava pra fazer uma passeata, pra desafiar aquele poder, naquele momento”.

O jornalista Rafael Guimaraens registra que as correntes estudantis que operavam no Rio Grande do Sul tinham caráter nacional: “a Nova Proposta, de caráter trotskista moderado; a Liberdade e Luta (Libelu), trotskista radicalizada; e a Unidade e Luta, vinculada ao PCB e ao PC do B, esta última majoritária no país, mas minoritária no estado”.

Guimaraens aponta que, no período da redemocratização, o movimento estudantil cumpriu novamente com sua “função histórica de trombeta das transformações”. Através de lutas específicas, tratando, por exemplo, do preço dos restaurantes universitários e das carteiras de estudante, o movimento iniciou um processo de mobilização que redundou em grandes passeatas. Nesse sentido, o jornalista gaúcho destaca os atos contra os decretos 477 (que proibia a participação política dos estudantes) e 228 (que atrelava as entidades estudantis à burocracia das universidades), bem como as mobilizações mais direcionadas à luta contra a ditadura.

Em suas passeatas e caminhos, o movimento estudantil passa a fortalecer também a atuação e a organização posterior de outros movimentos, especialmente o sindical.

OPOSIÇÕES E COMUNICAÇÃO

Em meados da década de 1970, foi organizada no Rio Grande do Sul a chamada Intersindical, que teve o Sindicato dos Bancários – com Olívio Dutra, ex-ministro das Cidades e ex-governador do estado, na presidência – como principal ator. A partir da Intersindical, o movimento sindical ia deixando para trás a retração que marcara o período anterior, retomando aos poucos uma postura reivindicatória e organizativa. Em diálogo com os movimentos grevistas do ABCD Paulista, os bancários promoveram a Greve de 27 dias do Sindicato dos Bancários de 1979, um marco do novo sindicalismo gaúcho. Foi a primeira paralisação no estado desde 1964.

A atuação do movimento sindical no Sul do Brasil era completamente articulada com outros lugares do País. Havia muita gente que transitava de um estado para outro, de uma região para outra, levando e trazendo experiências. Gastão Cassel explica que o movimento sindical se fortaleceu muito através da organização das oposições: “o pessoal ia organizar aqui, nos metalúrgicos de Joinville, ia disputar sindicato, vinha o pessoal dos metalúrgicos do ABC trazer sua experiência de oposição... e junto com isso vinha toda a discussão política de forma de organização. No movimento dos bancários, a mesma coisa”. Para Cassel, esse intercâmbio foi marcante a tal ponto que teve, de certo modo, seu clímax representado pela criação da CUT.

No processo de fortalecimento dos sindicatos no Sul, a comunicação teve papel determinante também, especialmente a partir do início dos anos 80. Cassel, por exemplo, organizava junto aos sindicatos dos bancários seminários de comunicação e de formação sindical. O jornalista recorda-se que os bancários eram muito articulados nacionalmente e passaram a cumprir com funções importantes nesse campo, “ao fazer o transbordo de conceitos, de valores para outras categorias”. Para ele, as discussões mais avançadas com relação à comunicação se davam justamente nos Seminários de Comunicação Bancária, um espaço no qual as concepções divergentes de comunicação dentro da própria CUT apareciam de maneira mais concreta. As diferenças verificadas no campo das idéias se repetiam nas questões de infra-estrutura e recursos materiais, mas

mesmo com essas disparidades, havia uma articulação nacional nesse campo.

Ao mesmo tempo em que a comunicação colaborava no fortalecimento dos sindicatos, a retomada de fôlego das entidades levava também a um ganho de consistência gradativo na sua comunicação. Em Santa Catarina, Cassel destaca o papel desempenhado no fortalecimento da comunicação sindical por Samuel Pantoja Lima, o Samuca, antigo aluno do curso de Jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e também funcionário do Banco do Brasil. Em 1987, Lima torna-se presidente do Sindicato dos Bancários de Florianópolis e Região, por meio do MOB (Movimento de Oposição Bancária). Em sua gestão, leva para o coração do sindicato a discussão de uma comunicação consistente, permanente, regular. De acordo com Cassel, nos idos de 1987 Samuca cria junto aos bancários o primeiro jornal importante do movimento sindical de Santa Catarina – a Folha Sindical.

O estado também foi palco, entre 1982 e 1987, de outra importante mobilização no campo sindical: o MOS (Movimento de Oposição Sindical), do Sindicato dos Jornalistas. O MOS causou um certo furor na capital Florianópolis e movimentou várias categorias e outros sindicatos.

Francisco José Castilhos Karam, jornalista e professor do curso de Jornalismo da UFSC, destaca que na categoria dos jornalistas o MOS levou a importantes mudanças políticas e profissionais. Segundo Karam, o movimento culminou com a vitória da oposição em 1987, elegendo Celso Vicenzi presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina. Para o professor da UFSC, superava-se, naquele momento, “o quadro de atrelamento político à ditadura e ao que restou dela na representação dos jornalistas catarinenses”.

A eleição de Vicenzi, porém, só ocorreu no segundo pleito que o MOS disputou. No primeiro, o movimento acabou perdendo a eleição, graças a fraudes operadas sobre os votos encaminhados pelo correio. A história é contada em detalhes por Cassel em livro lançado pelo Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina em meados de 2005, ano em que a entidade comemorou meio século de história. A fraude da primeira eleição dá lugar ao orgulho da vitória na eleição de 1987, a partir da qual, nas palavras de Karam, “construiu-se um novo Sindicato dos Jornalistas no estado catarinense”.

No Paraná, Elson Faxina conta que o movimento de oposição só conseguiu vencer a eleição para o Sindicato dos Jornalistas em 1991, na chapa em que ele figurava como candidato a vice-presidente. Já no Rio Grande do Sul, Rafael Guimaraens explica que “a partir do final dos anos 70, o Sindicato dos Jornalistas passou a ser dirigido por um grupo de oposição, vinculando-se à Intersindical e contribuindo para a criação da CUT”.

As vitórias da oposição em Florianópolis e região, nos sindicatos dos Bancários e dos Eletricitários, são outros processos que merecem registro. A renovação fez com que ambas entidades passassem a representar, nos anos 80 e 90, uma forma mais consciente de atuação política e profissional. Além disso, a articulação de bancários e eletricitários teve importância direta na derrota da ditadura, bem como as mobilizações dos servidores públicos estaduais e professores da rede pública. A APUFSC (Associação dos Professores da UFSC) completa o rol de entidades que, para Cassel, contribuiu bastante para a redemocratização. Em sua análise, o jornalista avalia que esses movimentos apresentaram posições iniciais mais avançadas, abrindo caminho para a chegada de sindicatos de todas as áreas.

Para Elson Faxina, os processos que mais marcaram o período de redemocratização no Sul foram mesmo a reorganização dos sindicatos e as mobilizações surgidas no interior das universidades, especialmente no movimento estudantil. “Foram momentos de muita luta, greves, pressões, tanto por lutas locais quanto por demandas nacionais”. No Paraná, Faxina destaca também a importância do movimento pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, no final da década de 1970 e início dos anos 80, “que também foi um grande momento de mobilização, mais precisamente nas capitais”.

COMUNICACAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO

No Rio Grande do Sul, o início da luta pela Anistia teve no Coojornal (veja matéria “Coojornal: o fim da ditadura – e da reportagem”, à página 36) um de seus protagonitas. O jornalista Rafael Guimaraens explica que, no final da década de 1970, três cidadãos gaúchos estavam presos em países vizinhos. Flávia Schilling (filha do sociólogo

exilado Paulo Schilling) estava presa no Uruguai acusada de ligação com os tupamaros 2; Flavio Koutzii (hoje deputado estadual gaúcho e ouvidor nacional do Partido dos Trabalhadores) encontrava-se detido na Argentina, por atividades políticas, e o jornalista Flavio Tavares, exilado na Argentina, correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, foi preso quando fazia uma reportagem em Montevidéu.O Coojornal deu toda a cobertura jornalística à campanha pela libertação dos três, além de ter realizado importantes reportagens no final de 1978, quando um casal de uruguaios foi preso em Porto Alegre. “Lilian Celiberti e Universindo Diaz atuavam numa organização que denunciava a violação de direitos humanos por parte da ditadura de seu país”, explica Guimaraens. Ele destaca que o casal foi seqüestrado numa operação envolvendo policiais e militares uruguaios e brasileiros, “comprovando a existência de uma articulação das ditaduras do chamado Cone Sul”.

Em um terceiro episódio, quatro jornalistas do próprio Coojornal – Osmar Trindade, Rosvita Saueressig, Elmar Bones e Rafael Guimaraens – foram presos. A justificativa dos militares para a prisão foi a publicação de dois relatórios do Exército nas páginas do Coojornal, a Operação Pejussara, relatando o combate à guerrilha do Vale do Ribeira (SP) e a Operação Registro, que tratava da caça ao capitão Carlos Lamarca no interior da Bahia. Por ordem do comandante do III Exército, Antônio Bandeira, foi aberto um processo com base na Lei de Segurança Nacional, que levou às prisões. Guimaraens explica que o caso teve repercussão nacional, “já que foram as primeiras prisões com caráter político pós-Anistia e reabriram as discussões sobre liberdade de informação e o direito de conhecer a história recente do país”.

O destaque dado por Rafael Guimaraens ao importante papel do Coojornal no processo de redemocratização encontra na análise do jornalista Elson Faxina uma interessante complementariedade. Para Faxina, “não há um veículo que pode ser considerado decisivo nesse trabalho no Sul. Mas houve, no entanto, diversos veículos que cumpriram sua função naquele momento”.

O olhar do jornalista do Paraná volta-se especialmente para o jornal Nosso Tempo, um dos mais conhecidos no estado nos anos 70 e 80. Faxina conta que um de seus di-

retores-editores, Juvêncio Mazzarollo, foi preso em plena década de 1980 por motivações políticas: “ele foi o último preso político do Brasil”, afirma. De acordo com Faxina, o jornal enfrentou, em outro momento, “até perseguição do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, uma vez que seus proprietários-editores não eram jornalistas profissionais”. Para que o jornal pudesse seguir seu trabalho, Faxina e mais dois jornalistas profissionais – Fábio Campana e Noemi Osna – decidiram assinar o jornal como editores por diversos anos gratuitamente.

Além de destacar a repercussão e o respeito nacional que algumas reportagens do Coojornal alcançavam, Rafael Guimaraens explica que o fenômeno de surgimento dos veículos alternativos da “imprensa nanica” no Rio Grande do Sul também ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, embora em escala menor do que no Sudeste. Por outro lado, no período de redemocratização, a principal caracterísitica a se destacar da grande imprensa no estado é que ela se manteve estreitamente vinculada ao pensamento conservador e à elite, como sempre ocorreu e ainda hoje ocorre. Segundo Guimaraens, “a grosso modo, o grupo Caldas Junior, do tradicional Correio do Povo, era porta-voz do capitalismo rural, enquanto o grupo RBS relacionava-se com um tipo de capitalismo mais moderno”.

O processo de redemocratização do País fortaleceu a certeza da necessidade de se democratizar os meios de comunicação no Brasil também. Em Santa Catarina, o professor da UFSC Francisco Karam destaca o surgimento da Frente Nacional por Políticas Democráticas de Comunicação, em 1984. Karam explica que a Frente, surgida no âmbito do curso de Jornalismo da UFSC, era liderada pelo jovem professor Daniel Herz. A Frente deu origem ao Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e hoje Herz é representante da sociedade civil no Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.

Outros nomes que tiveram papel importante no processo de democratização da comunicação junto a Herz foram Airton Kanitz, Celzo Vicenzi e Sérgio Murillo de Andrade, sobretudo no processo de reformulação da atuação política e profissional dos jornalistas catarinenses no período.

A importância do papel de Herz é reforçada pelas palavras do jornalista Gastão Cassel: “Me lembro que nessa época eu estava na faculdade e a gente tentava importar para Santa Maria toda a discussão que havia em Florianópolis. Aquelas informações, que diziam que '9 famílias controlam a Comunicação no Brasil'... Tínhamos ali a consciência do monopólio, que até então era uma coisa esquisita, uma coisa sem dados, uma coisa sem consistência”. Para Cassel, o trabalho de Herz, junto ao próprio Karam, a Adelmo Genro Filho e outros, foi especialmente importante em termos de formulação, gerando argumentos e socializando conhecimento.

A atuação dos movimentos em Santa Catarina nas questões da comunicação logo se ampliou, com alianças a instituições de outros estados e regiões que trabalhavam, por exemplo, para implantar o voto direto e universal para a Federação Nacional dos Jornalistas e outras entidades. Karam registra uma outra faceta dos movimentos de comunicação em Santa Catarina, que geraram “várias candidaturas às câmaras de vereadores, Assembléia Legislativa e Câmara Federal que contribuíram para a democratização do País”.

Tal mobilização foi fortalecida por um sem-número de projetos no campo da comunicação que contribuíram para a redemocratização. “Eram incontáveis as iniciativas que colaboraram para a criação de uma nova mentalidade, de uma necessidade de abertura, de desmascaramento do regime militar, de denúncia de suas mazelas e corrupções”, destaca Elson Faxina. Para ele, é injusto apontar aqui alguns projetos como de maior importância, mas igualmente injusto seria não destacar o Boletim da CPT e o informativo O Metalúrgico, da oposição sindical dos metalúrgicos do Paraná em parceria com a Pastoral Operária. Já os anos 80 foram marcados também pelo surgimento de diversas iniciativas de teatro de rua e de teatro popular na periferia das grandes cidades e de inúmeras produções de vídeos populares.

Sem demérito às histórias mais conhecidas e épicas, Faxina faz questão de frisar que “também não se pode esquecer das infinitas ações até mesmo individuais de centenas de profissionais da comunicação que buscavam, cada qual em seu espaço de atuação – inclusive em rádios, jornais, revistas e televisões da época – furar blo-

queios e ocupar espaços importantes para forjar um novo imaginário de liberdade fora daquele regime”.

PARTIDOS POLÍTICOS E DIRETAS JÁ

A redemocratização do Brasil tem nas Diretas Já seu clímax e anticlímax, processos que desembocam na Constituinte em 1987 e 1988. Elson Faxina destaca que o surgimento do PT foi igualmente um grande momento de mobilização, “embora também de rachas na esquerda, entre aqueles fervorosos seguidores dos partidos já existentes e aqueles que não se sentiam representados por eles”.

Na campanha pelas Diretas Já em Santa Catarina, o MOS (Movimento de Oposição Sindical) colaborou de forma decisiva, na análise de Gastão Cassel. “Era um dos núcleos aglutinadores da campanha. Não estou dizendo isso de uma maneira absoluta, não estou dizendo que não havia outros tantos de uma enorme importância, mas o MOS se destacava”. Cassel recorda-se de um detalhe interessante da comunicação na redemocratização: um dos coordenadores mais importantes do MOS, Artur Scabone, era “simplesmente o locutor de todos os eventos das Diretas!”.

As Diretas Já conseguiram agregar os movimentos sindical, estudantil e os movimentos sociais em geral, abrindo caminho para outras transformações. Especialmente para os sindicatos, Cassel acredita que a campanha tenha sido “um marco importante, não só pela reivindicação em si, mas pelas pessoas verem que elas podiam reivindicar a partir dos sindicatos mais do que os seus salários no final do ano”. Para ele, nessa época havia muita discussão corporativa do sindicato: “o sindicato tem que cumprir o papel de negociar o salário, de garantir tíquete alimentação e pronto... A campanha das Diretas mostra de uma maneira muito transparente para todo mundo que há possibilidade de interferir na cena política institucional”, papel até o momento relegado aos partidos políticos.

As histórias todas aqui relatadas registram de forma evidente a importância que a região Sul teve na redemocratização do Brasil, tanto como berço de movimentos como

campo de lutas. Apesar disso, e de a politização de boa parte da sociedade gaúcha em específico ser conhecida no Brasil todo, Rafael Guimaraens faz questão de reforçar essas impressões. “Em primeiro lugar, é preciso salientar que o Rio Grande do Sul esteve no centro dos acontecimentos que levaram ao golpe militar de 1964”. Ele continua: “Três anos antes, quando Jânio Quadros renunciou à Presidência da República e os militares vetaram a posse de João Goulart, foram os gaúchos que se mobilizaram para evitar o golpe, no chamado Movimento pela Legalidade. Nos anos seguintes, Jango governou o País tendo seu cunhado Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e posteriormente eleito deputado federal pela Guanabara, atuando pela radicalização das reformas. Deu-se o golpe e ambos foram para o exílio”. Por fim, Guimaraens registra que “três dos cinco presidentes militares eram gaúchos – [Arthur da] Costa e Silva, [Emílio Garrastazu] Médici e [Ernesto] Geisel – e dois deles – [Humberto] Castello Branco e [João Baptista] Figueiredo – serviram às Forças Armadas no Rio Grande do Sul”.

Histórias contadas e recontadas. Nunca superadas. Mas hoje no passado, graças aos tantos lutadores da região Sul e do Brasil todo.

[1] Sebastião Rodrigues de Moura, também conhecido como major Curió, foi um dos comandantes da repressão

militar ao movimento armado do Araguaia na década de 1970. Ganhou notoriedade no País por sua brutalidade

na perseguição aos opositores do regime militar. Hoje, é prefeito da cidade de Curionópolis, no Pará.

[2] Tuparamaros:integrantes do Exército de Liberação Nacional, guerrilha urbana atuante no Uruguai nas décadas

de 1960 e 1970, cujo nome homenageia o revolucionário inca Tupac Amaru.

[colaborou] CAMILA STÄHELIN

[história] Contexto Sul [onde e quando] Rio Grande do Sul,Santa Catarina e Paraná; de 1960 a 2005,especialmente 1970 a 1989 [quem conta] Elson Faxina,Francisco Karan,Gastão Cassel,e Rafael Guimaraens [entrevistas realizadas] de setembro de 2004 a março de 2005