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JOÃO CALUMBY PEREIRA - Maceió, AL

OS OLHOS DO POETA

Penedo estava envolta por uma bruma densa. Não era noite e nem era dia, mas, um interlúdio entre a treva e o alvorecer. Os vestígios da noite já estavam de partida e uma mescla púrpura se apresentava no oriente. As luminárias, atalaias sonolentas das ruas, afônicas e nostálgicas eram os olhos de uma urbe que já não dormia e nem acordava. As ruas, tortas e entrecortadas por pedras rústicas, num ermo absoluto, pareciam fumegantes na garganta de um vulcão, sinuosas e enrugadas como um ofídio preguiçoso.

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Aquela bruma, na verdade, era a fumaça que antecede o sortilégio da magia, pois, quando o sol, com seu condão resplandecente, debruçou-se sobre a cidade, eis que surgiu uma anciã, com os olhos brilhantes e o espírito de criança, cuja estrutura robusta e imortal se espraiava no penedio, com sua gênese forjada na contundência das rochas, e na fluídica prata da Canastra que pulsava ao sabor da correnteza. As águas roçavam carinhosamente o limo do cais num compasso harmonizado com o sino da Matriz.

Nessas águas, minha infância, feliz, vive imersa, e este sonho foi um mergulho a esta tenra idade, onde o rio ainda era um turbilhão de mistérios e de quimeras, de paisagens que surgem e se evanescem, de canoas que, através da ingenuidade dos olhos, transformam-se em borboletas, bailando sobre a lâmina líquida do rio e, embalando (com suas velas ou suas asas), a ânsia diuturna do pescador que acalenta.

Neste sonho pueril em que a realidade me foi arrefecida, as enchentes do São Francisco, que tantas casas afogaram, nada mais eram do que o amor incontido do Velho Chico que, ao transbordar, enlaçava a Velha Cidade num abraço carinhoso de dois eternos namorados.

Talvez, os olhos do poeta, mesmo que envelhecidos e despidos das fantasias de outrora, sejam – quase - como os olhos duma criança, pois que lidam não com uma realidade mitigada, mas, criam um mundo por metáforas arrefecido.