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GABRIELLY HANNALY DE JESUS COTTE - Campo Grande, MS

GABRIELLY HANNALY DE JESUS COTTE - Campo Grande, MS Escritora (livro publicado pela plataforma da Amazon). Universitária cursando Direito.

CENÁRIO CONTROVERSO

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Estava sentada na sala da casa do avô, eram uma sete da tarde o que na fazenda já se considerava o momento certo para dar-se início ao preparo do jantar, sua mãe já estava na cozinha remexendo nas panelas, na sala estavam sentados no sofá o avô e seu "tio" carinhosamente assim chamado por partilhar do parentesco de ser irmão mais velho de seu avô, a menina encarou os dois com os olhos vidrados no televisor, a porta da sala estava aberta e ela se sentava justamente em uma cadeira de cordas de costas para ela, assim virou o pescoço para checar a escuridão da noite, não via-se nada além de um enorme breu, nem mesmo os cachorros que sempre ficavam na varanda pequena demonstravam algum sinal de sua presença.

Novamente encarou o avô e seu tio, ambos sentados no sofá pequeno e nada aconchegante com uma postura ereta e rígida, o avô repousava as mãos na perna com as palmas sob os joelhos e o tio estava de braços cruzados com as pernas dobradas rente aos pés do sofá, mais uma vez ouviu-se na cozinha o chacoalhar das panelas, barulho do fogo sendo acionado, a menina que já havia indagado a mãe se precisaria de ajuda e obtivera o não como resposta, prostrou-se ali na cadeira mesmo, a fim de fazer a companhia para os dois senhores que estavam de olhos bem atentos no mundo das notícias, seguindo os olhares a menina que raramente parava para assistir notícias na cidade, viu-se ali obrigada a focar atenção no televisor, algo estava acontecendo entre dois países distintos, uma briga talvez, na notícia mostrava-se a evidente preocupação dos demais com aquele pequeno holocausto, o medo de uma nova guerra, novamente direcionou o olhar para seu avô, velho, na casa dos noventa, mas sem chegar a noventa e cinco, olhos cerrados e sérios, marcas em volta de suas têmporas o que demonstrava uma grande variedade de olhares ali escondida, enquanto que na boca continha apenas duas marcas fixas demonstrando que a seriedade sem um riso ocasional traz lá sua consequência ao marcar o rosto do velho avô com duas linhas puxadas para baixo nos cantos da boca, como se formassem o sorriso invertido que conotativamente era atribuído a tristeza, os braços do avô no colo demonstravam uma postura casual de respeito e foco, toda vez que suas mãos repousassem sob os joelhos seria sinal de que sua atenção havia sido tomada por completo, em seguida dirigiu os olhos ao tio que estava sentado ao lado, ele estava na casa dos noventa, mas já passará dos noventa e cinco, tinha um olhar calmo, marcas no cenho como se tivesse se preocupado a vida inteira de modo que agora não era mais possível desfazer tal demonstração de preocupação, seus olhos caídos, têmporas repuxadas quase cobrindo por completo sua íris, aquele era obviamente o mais cansado dos olhares analisados, encarou a boca do tio e percebeu que não haviam rastros de infelicidade, nem de felicidade, apenas lábios magros e retos, como se de tão cerrados pelas expressões ao longo da vida não pudessem demonstrar nenhum outro estado se não de lábios cerrados que não sorriram muito e nem ao menos choraram, endurecidos pela falta de expressão que os contemple, desceu o olhar e percebeu os

braços do tio cruzados demonstrando um preparo para a defesa, as pernas travadas e joelhos dobrados com pés lado a lado o faziam parecer firme e forte, assemelhando-se com um grande encouraçado de um barco que retinha todas as ondas e ainda assim seguia em frente, sem medo apenas acreditando ser resistente. Depois de olha-los por tanto tempo a ponto da notícia sobre os países e um tal ataque violento ficarem distantes, perguntou em tom de brincadeira ao avô:

- Vô! Você já brigou com o "tio"?

O avô desviou os olhos do televisor e encarou a neta ao responder com apenas algumas únicas palavras:

- Sim! Uma vez quando ele pegou algo meu.

Retornou o olhar para o televisor e o tio que ouvia a conversa com ouvidos a espreitar apenas bufou em discordância, encarou o rosto do irmão e retornou a olhar o televisor com a mesma voracidade da qual havia discordando da afirmação anterior, mas com a passividade em aceitá-la de lábios fechados e sem proferir uma única palavra.

Não existem metáforas ou metonímias que possam distinguir o lado poético de uma vida, apenas existem momentos, pessoas e nesta cena uma delas pode ser a neta, assistir, interpretar, conferir entusiasmo e comparar, pode-se sair do mundo das palavras mais defensivo ou falante, pode-se não entender nada e voltar exatamente como era antes, mas, ainda assim, a verdadeira poética de uma vida é saber que nem tudo é o que é, porque poesia é caleidoscópio de interpretações e momentos, observe no binóculo a mesma cena e tente contá-la a mil pessoas como se fosse um poema e verás que a cada vez que repetir irá enxergar algo diferente a acrescentar ou omitir e perceberá que viu muito pouco, sentiu pouco demais, que começou imaginando uma chácara e não um planeta, que realmente viu dois homens e não duas nações, que nem sequer pensou na mãe com as panelas e se pensou não percebeu o seu papel de ponderação ao reunir a família sob a mesa do jantar e verá que a família é duas nações em conflito, é rigidez de um país defensivo e o interesse da ofensividade do outro, começará a entender que nunca em verdades complexas houve de fato uma neta, porque a neta, aquela que indaga, observa, provoca e analisa é a brisa poética que todo mundo contém dentro de si, mas raramente exercita, e neste pequeno enredo se explica que o verdadeiro lado poético de uma vida é criticar ainda que se esteja dentro da crítica.