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SIBELITA PINHEIRO - Maringá, PR

1º Lugar

Premiados

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SIBELITA PINHEIRO - Maringá, PR Servidora pública, membro da Academia de Letras de Maringá-PR

O DONO DA TARDE

Esteve preso aos compromissos pela manhã, mas vem passar a tarde comigo. Desenformo o bolo de aipim fumegante que ele adora e espremo algumas laranjas para o suco. Toalha azul e branca, barquinhos bordados em ponto-cruz. O vasinho de violeta na mesa posta.

Vivia sozinha há anos, rodeada de livros, interessada em viagens. E agora aconteceu deste menino gostar de mim. Não esperava um amor, assim tão puro e completo nestas alturas da minha vida.

O interfone me avisa para recebê-lo na portaria e vou com o sorriso maior que o rosto. Não via a hora. Abraço apertado, cheiro no pescoço. De lá vamos à padaria de mãos dadas, passamos pela pracinha onde está o sorveteiro. Compro dois picolés de groselha. Não me importo em pagar tudo para ele. Não tem preço, as cores que ele trouxe de volta à minha vida. Não posso dizer que eu era triste, mas com certeza, minha alma que andava ofuscada pelo tempo voltou a reluzir. Chegou esta luz à minha existência. E me pergunto como é que consegui passar anos sem este amor.

Compro dois pães e seguimos degustando o sorvete, caminhando devagar, trocando ideias e deixando a língua cor-de-rosa. Depois sentamos no banco da pracinha, tiramos os sapatos para os pés sentirem a textura viva da grama. Parece até cena de filme. Então, eu digo repetidas vezes o quanto o amo.

São muitos os planos que confidencia a mim. Ouvidos atentos. Depois conto histórias das viagens. Os olhos dele prendem-se aos meus de tal forma, que nada ao redor importa. Talvez eu seja só uma velha boba, mas pode ser que agora eu saiba o que é amar, e amar plenamente.

Nossos gostos às vezes não coincidem, mas eu acredito que é na mistura que está a beleza. Entendo que faz parte da diferença de gerações, mas não chega a ser um

choque. Ele mostra o que há de novidade na música e eu apresento-lhe os clássicos. Basicamente, nos interessamos pelo belo que mora no simples. Coisas que estão por aí, na vida de todo mundo e não são percebidas porque os corações estão dispersos. A florzinha no canteiro, a nuvem que tenta esconder o sol e borda-se na explosão dourada, o caminho organizado de formigas carregando migalhas.

Acredito que a sintonia deu-se porque descobrimos entre nós o grande acolhimento de um ser humano no outro. Daí vem a leveza do olhar que enxerga preciosidades.

Voltamos ao meu apartamento e agora sim, o bolo está morno e o suco gelado. Porém, a doçura maior é a companhia dele. Tudo uma delícia.

Conta-me que está cansado e pede para deitar a cabeça no meu colo. Ajeito-me no sofá e estendo os braços: "Vem, meu amor". Aninha-se em mim e eu brinco com os cachos dos cabelos entre meus dedos. O rosto bem perto, a pele lisinha marcada pela juventude. Recostado no meu colo, cochila e sabe que eu sou lugar de segurança e amor. Mas antes de se entregar ao sono sussurra: "também te amo, vovó".