Memórias Vivas do Povo Omágua de Aparia Grande do Solimões de São Paulo de Olivença da autora E

Memórias Vivas do Povo Omágua (Kambeba) de Aparia Grande do Solimões de São Paulo de Olivença Mumuri kwe awa uawa kãnga pewa Aparia´zaú Surimã tawa´y

CONSELHO EDITORIAL Otávio Velho – PPGAS-MN/UFRJ, Brasil Dina Picotti – Universidade Nacional de General Sarmiento, Argentina Henri Acserald – IPPUR –UFRJ, Brasil Charles Hale – University of Texas at Austin, Estados Unidos João Pacheco de Oliveira – PPGAS-MN/UFRJ, Brasil Rosa Elizabeth Acevedo Marin – NAEA/UFPA, Brasil José Sérgio Leite Lopes – PPGA-MNU/UFRJ, Brasil Aurélio Vianna – Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, Brasil Sérgio Costa – LAI FU, Berlim, Alemanha Alfredo Wagner Berno de Almeida – UEMA/UEA, Brasil

CONSELHO CIENTÍFICO Ana Pizarro – Professora do Doutorado em Estudos Americanos Instituto de Estudios Avanzados – Universidad de Santiago de Chile Claudia Patricia Puerta Silva – Professora Associada – Departamento de Antropologia – Faculdad de Ciências Sociales y Humanas – Universidad de Antioquia Zulay Poggi – Professora do Centro de Estudios de Desarrollo – CENDES – Universidad Central de Venezuela Maria Backhouse – Professora de Sociologia – Institut für Soziologie – FriedrichSchillerUniversitätjena Jesús Alfonso Flórez López – Universidad Autónoma de Occidente de Cali - Colombia Roberto Malighetti – Professor de Antropologia Cultural – Departamento de Ciências Humanas e Educação “R. Massa” – Università degli Studi de MilanoBicocca

Eronilde Fermin Omágua

Memórias Vivas do Povo Omágua (Kambeba) de Aparia Grande do Solimões de São Paulo de Olivença Mumuri kwe awa uawa kãnga pewa Aparia´zaú Surimã tawa´y

COLABORADORES Aurino Lucas Rabelo Omágua (Kambeba) – Pajé e conhecedor dos cantos e rituais Regina Neves de Souza Omágua (Kambeba) – Matriarca Yakã Yuaka tuxawa geral, pajé e historiadora Julio Fermin Omágua (Kambeba) – Utilizador das plantas medicinais e historiador Plácido Rabelo Cassiano Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna Alcides Cassiano Omágua (Kambeba) – Pajé e falante da língua materna Francisco Andrade Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna Dorina Batalha Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna e historiadora Dionizia Batalha Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna e historiadora Raimundo Marcelo Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna Adélia Rabelo Omágua (Kambeba) – Falante da língua materna Elizia da Cruz Omágua (Kambeba) – Historiadora e agricultora

Editoração: Murana Arenillas Oliveira, Aline Radaelli, Alfredo Wagner Berno de Almeida.

Capa: Ana Claudia Lunguinho Medeiros Projeto gráfico, artes e diagramação: Ana Claudia Lunguinho Medeiros Revisão: Murana Arenillas Oliveira e Aline Radaelli Foto da capa: Regina e Cristo, de autoria de Eronilde Fermin Omágua Foto da contracapa: Eronilde Fermin Omágua, de autoria de Jose Jesus Seabra Braga Foi mantida a ortografia da língua Omágua (Kambeba) e da língua portuguesa conforme os originais da autora. A distorção de algumas fotos está ligada à versão original, e à impossibilidade de obter melhor resolução gráfica Universidade Estadual do Maranhão – UEMA Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia – PPGCSPA Cidade Universitária Paulo VI Todos os direitos reservados © Eronilde de Souza Fermin Omágua

FICHA CATALOGRÁFICA F359m

FERMIN OMÁGUA, Eronilde de Souza. Memórias vivas do povo Omágua (Kambeba) de Aparia Grande do Solimões de São Paulo de Olivença - Mumuri kwe awa uawa kãnga pewa Aparia´zaú Surimã tawa´y / Eronilde de Souza Fermin Omágua. São Luís: UEMA/PPGCSPA, 2020.

ISBN: 978-65-00-07991-3 1.Amazônia. 2. Alto Solimões. 3. Omágua (Kambeba). 4. Memórias. I. Eronilde de Souza Fermin Omágua II. Programa de Pós-Graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia III. Memórias vivas do povo Omágua (Kambeba) de São Paulo de Olivença Formato: Livro Digital | Veiculação: Digital / E-book

SUMÁRIO 10

Agradecimentos

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Apresentação

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São Paulo de Olivença

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Histórico Antigo do Povo Omágua (Kambeba) de São Paulo de Olivença

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Reviravolta de autoidentificação e organização social

49

Sítio Arqueológico de Santa Terezinha – Morro do Areal

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Relatos vivos, originais, históricos e culturais do povo Omágua (Kambeba) de São Paulo de Olivença

63

Chegada do missionário Samuel Fritz na terra indígena Omágua (Kambeba) e as denominações de São Paulo de Olivença

69

Educandário Nossa Senhora da Assunção: a forma rígida de educar nos anos de 1921 a 1925

79

Declínio, doença e redução do povo

83

De Aldeia Akariwazau para bairro de Santa Terezinha

89

Área do Castanhal e a Origem do nome Ajaratuba

93

Histórico da Comunidade São Raimundo do Universo

97

Autonomia e Alimentação

101

Emancipação política e as formas de governar de São Paulo de Olivença

107

Danças e rituais culturais

111

Ritual kanga pewa: do nascimento das crianças e da deformação da cabeça

115

Calendário e clãs

119

Simbologia e Numerologia Omágua

123

Ritual cunhã mucu puranga

127

Ritual da piracema e dança do wakara ‘garça’

133

Pinturas corporais

137

Grafismos

141

Fenômenos da natureza na cultura Omágua (Kambeba)

145

Artes Omágua (Kambeba)

151

Crenças e Deuses

153

Origem do povo Omágua (Kambeba)

157

Plantas medicinais e educação

161

Santos de devoção

165

Localização geográfica antiga e atual do povo Omágua (Kambeba)

169

Lideranças e censo demográfico

173

Conquista das escolas nas terras indígenas Omágua (Kambeba) Tuyuka I e II

185

Vocabulário da Língua Omágua (Kambeba) do Solimões de São Paulo de Oliveça

191

O alfabeto da língua materna Omágua (Kambeba)

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Saudações

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Cores naturais

Agradecimentos Agradeço primeiramente a Tupana (Deus), a quem devo a minha vida, nem se falasse todas as palavras do mundo não saberia descrever o tamanho da minha fé e a eterna gratidão por tudo que passei e vivi na longa caminhada da minha vida para chegar até aqui. Agradeço à minha família, meu pai Julio Fermin e minha mãe Regina Neves de Souza pela paciência, compreensão, transmissão do conhecimento e apoio para comigo. Aos meus filhos Julio Fermin Neto, Keuly Fermin, Andreza Fermin e principalmente Alan Gabriel Fermin e Iara Fermin que sempre estiveram ao meu lado como guerreiros muitas vezes enfrentando chuva e sol, noites mal dormidas no decorrer das minhas lutas e pesquisas para assim adquirir os nossos direitos sociais e esse material. Aos meus netos Lucas, Miguel, Christopher e Levy meus irmãos, irmãs, ao meu cônjuge Jesus Braga, meus professores, colegas, ao movimento Omágua (Kambeba) organizado e, em especial, aos nossos ancestrais, que foram firmes em guardar todos esses saberes ao longo dos tempos para serem transmitidos no momento certo a todos eles. Obrigada de coração forte e valente, guerreiros mumuri´kwe Paulivenses Omágua (Kambeba).

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Apresentação Este livro surgiu da necessidade de ter um registro oficial de conhecimentos étnicos históricos do povo Omágua, também conhecido pelo apelido de (Kambeba) nos dias atuais pelos seus descendentes. Desenvolvido e pesquisado pela Professora do povo Omágua Eronilde de Souza Fermin moradora tradicional da comunidade Santa Terezinha, município de São Paulo de Olivença, no Alto Rio Solimões, Amazonas – que tem direitos autorais sobre o conteúdo – coletado durante 25 anos de pesquisa de forma particular.

A pesquisa foi desenvolvida com pessoas do povo Omágua do Município de São Paulo de Olivença – AM (da zona urbana e rural) – a língua tem a raiz do tronco tupi da família tupi guarani com variações do Alto rio Solimões – e teve como finalidade coletar as informações para revitalizar os seus saberes histórico culturais e tradicionais. É também importante para a aprendizagem dos conhecimentos étnicos dos nossos antepassados do povo Omágua do Município de São Paulo de Olivença, aldeia e províncias dos Omágua. É de grande importância informar para todos que a escrita da língua Omágua contida nesse livro pode sofrer alteração conforme a pesquisa e o estudo mais aprofundado dos sons da fala conforme os nossos interesses. Importante informar que tudo que está contido nesse livro são informações concretas que foram guardadas nas memórias dos nossos ancestrais, o povo Omágua se afirmam como antropólogos de suas próprias histórias, não aceitam ser contrariados quanto suas memórias e lembranças históricas que embasa essa auto afirmação. Que fique bem esclarecido para os leitores e pesquisadores que o povo Omágua (Kambeba) não são o povo Kokama, como muitos costumam citá-los, são povos diferentes, com culturas diferentes e particularidades totalmente distintas, apenas são aproximados por serem moradores desta mesma região do Alto Solimões no Amazonas.

Para diferenciar esse povo Omágua de outros povos, foi feito esse material formalizado cientificamente com todos nossos conhecimentos. Que poderá apenas em outro momento, em um outro livro, ter uma escrita mais definida da nossa fala, tendo em vista que estamos em processo de organização da nossa escrita. Mas diante da urgência de materiais, foi necessário documentar essa escrita através de um pequeno vocabulário para mostrar que temos 11

interesses de futuramente escrever um outro livro estruturado com a política linguística do povo Omágua pontuando como foco somente a escrita.

O conteúdo tem o intuito de revelar a verdadeira história desse povo, depois de anos no anonimato. As referências teóricas são os próprios ancestrais do Município de São Paulo de Olivença. A pesquisa ocorreu com a autorização de todos, o que propiciou a coleção do material de suma importância com informações concretas reconhecidas como Memórias vivas do povo Omágua (Kambeba).

Neste livro, escrito e pesquisado conforme a necessidade detectada na população Omágua, o leitor vai conhecer a verdadeira história desse povo, sendo de grande valia para a construção do pensamento da população e dos alunos na revitalização dos valores tradicionais, tendo em vista que foi detectada – dentro do diagnóstico de pesquisa realizado por mim como liderança do movimento Omágua e como professora – a necessidade de tais conhecimentos para os alunos e para toda a população, envolvendo nesta pesquisa todos os conhecimentos histórico-culturais e principalmente a língua dos nossos ancestrais.

O livro registra a memória dos anciões Omágua (Kambeba) que já faleceram e que ainda estão vivos. Em vários casos, assumi os fatos, versões e as datações apresentadas por eles, com o intuito de registrar a sua versão da história, mais do que apresentar a história que já está em livros e documentos. É possível que alguns acontecimentos de conhecimentos dos estudiosos apareçam aqui com algumas diferenças, mas é importante registrar como os Omágua (Kambeba) têm contado e recontado essa história.

O material servirá como fonte de pesquisa em todos os aspectos educativos da sociedade. Espera-se que os valores e informações contidos neste livro possam realmente contar a verdadeira história sobre o povo Omágua (Kambeba) e mudar o conceito escrito por vários autores de que o povo foi extinto. Observou-se, nesse processo de trabalho pedagógico, que as crianças não dominam os conhecimentos históricos tradicionais, tanto na escola como na sua vida comunitária. Por seus familiares trazerem consigo a tortura e a proibição imposta no passado pelos invasores. Foi necessária a valorização dos nossos cientistas, filósofos, teóricos e idosos do 12

próprio povo Omágua (Kambeba). O livro Memórias vivas do povo Omágua (Kambeba) traz como embasamento teórico os próprios idosos com seus conhecimentos empíricos tradicionais, que foram passados de geração para geração através da oralidade.

Nesse processo de revitalização, o material será de valor primordial diante das dificuldades que enfrentam os nossos alunos e professores, nesse contexto da falta dos conhecimentos da história, da língua, dos costumes, da tradição e da cultura Omágua (Kambeba).

Nessa conjuntura de saberes, todo o conteúdo contido nesse livro foi um trabalho e uma preocupação da cacique geral e professora Eronilde de Souza Fermin que, como educadora nas escolas indígenas Kambeba, sentiu que havia essa carência de ter um conteúdo Cientifico formalizado onde o povo pudesse obter informação sobre a sua história passada e, assim, entender o futuro. Podendo apenas ao longo do tempo ser adaptado o melhoramento da escrita da língua Omágua conforme as descobertas das novas pesquisas.

Diante dessa falta de conhecimento da população, foi elaborada a monografia e desenvolvida a pesquisa de forma própria, através do depoimento e do diálogo aberto e também reservado com os conhecedores já citados anteriormente e com a permissão de todos, gerando materiais digitais gravados e escritos. Nesse sentido, torna-se indispensável que ajude a revitalizar a cultura Omágua (Kambeba), através desse material importantíssimo e essencial, que contém os valores tradicionais para o conhecimento de todos, na certeza que se tornará uma fonte de pesquisa para as pessoas interessadas na verdadeira história desse povo.

Nossos anseios estão voltados para que esse material possa dar autonomia e segurança ao Omágua (Kambeba) quanto a suas raízes e quanto a sua autoidentificação como povo Omágua (Kambeba) diante da sociedade atual, que desconhecem a nossa insistência e resistência para sobreviver até os dias atuais.

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Eronilde de Souza Fermin Omágua Yakã Yuaka Tuxawa Geral do povo mágua (Kambeba) Profa. Municipal do quadro efetivo do Ensino Fundamental de 1º ao 5º ano das Séries Iniciais. Graduada em Pedagogia Intercultural pela UEA Especializada em Educação Escolar Indígena pela Faculdade de Ciências e Tecnologia e Educação - FACITE. Mestranda: em Linguística e Línguas Indígenas – PROFILLIND Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Museu Nacional

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Sรฃo Paulo de Olivenรงa

Figura 1: Aldeia Tawau, Taweté ou Uté – São Paulo de Olivença: época da aldeia, às margens do rio uma canoa de tolda que o povo Omágua fazia o comercio chamado de Ikuracy(sol) conhecido tempo depois como regatão.

Fonte: Acervo da OKAS¹.

Figura 2: Vila de São Paulo de Olivença área da atual praça São Paulo. Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 3: Vila elevada a Município de São Paulo de Olivença em 31/05/1882. Fonte: Acervo da OKAS.

¹ N.das E.: Fotografia do acervo da OKAS feita com base na gravura de Paul Marcoy, 2001 [1869]

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Histรณrico Antigo do Povo Omรกgua (Kambeba) de Sรฃo Paulo de Olivenรงa

Partindo do pressuposto de que todo o território do Alto Solimões era habitado pelo povo Omágua (Uawa, que significa povo da água – o U(y) quer dizer ‘água’ e awa quer dizer ‘povo’ na língua materna). Esse território se estendia desde médio Solimões (aldeias de maxiifaro) e subia o rio passando pelo Alto Solimões aldeias de Aparia grande, continuava a subir o rio para a área de cima no rio Napo, passando por várias aldeias, já no atual país do Peru. O povo tradicional Omágua dominava todo esse território Amazônico, eram vistos pelos viajantes como um povo desenvolvido e considerados como um povo estrategista, que construíam seus próprios utensílios de pescar, caçar e materiais domésticos, principalmente as suas vestes de fio de algodão, tecido cultivado por eles próprios nas várzeas e ilhas.

Figura 4: Desenho de Glauciana Marcelo Fermin Omagua (Kambeba), 19 anos, sobre Apugawa kanga pewa, awa Yaweté Omágua Kambeba morador e habitante das ilhas da classe do grupo dos mais desenvolvidos e verdadeiros o “Cabeça Chata”, conhecido pelo povo Ticuna como A’wane que significa ‘povo mal surgido das cinzas’ da linhagem dos Omáguas verdadeiros os Surimãs (Solimões).

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Figura 5: Desenho de Glauciana Marcelo Fermin Omagua (Kambeba) de, 19 anos, sobre Yurite Wyty(roxo) selvagem da terra firme, primitivo do povo Omágua awa apuranta da classe dos ferozes da linhagem de águas escuras, Yurimagua conhecido pelo povo Maguta Ticuna como Witchicu (carnívoro).

Nesse contexto, é de suma importância enfatizar que todo o município de São Paulo de Olivença é um verdadeiro sítio arqueológico com vestígios (urnas funerárias) deixados pelos ancestrais do povo Omágua, conhecido nos dias de hoje como (Kambeba). Ressaltamos que todo o solo Paulivense está repleto desses artefatos históricos, de diferentes formatos, com grafismos e sem grafismos. Estes artefatos fazem saber que as casas, ruas, praças, escolas, igrejas, enfim, tudo, está construído sobre um patrimônio de valor histórico e cultural para esse povo. Também enfatizamos que hoje, a região onde estão localizados os Municípios no Alto Solimões foram, no passado, as primeiras grandes aldeias, como é o caso de São Paulo de Olivença, chamada antigamente de aldeia Tawau (y) (significa ‘terra ou cidade dos águas’).

Muitos chamam esta região, em língua nativa, de Tawaru, acrescentando a letra “r”. Região esta que se estendia até as proximidades da atual comunidade Kambeba do Tupy II, chamada na época da chegada da igreja de São Pedro a poucas léguas acima de onde está a atual sede deste município, Província dos Omágua (Kambeba) nos dias atuais.

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Figura 6: Urnas funerárias em formato de útero representa a mãe a vinda e a partida do povo Kambeba estão em todo solo da sede de São Paulo de Olivença. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 7: Cidade construída sobre um patrimônio histórico santuário sagrado. Fonte: Acervo OKAS.

Figura 8: Prédio da Prelazia: o solo atrás desse prédio guarda grandes mistérios e está repleto de artefatos cerâmicos. Fonte: Acervo OKAS.

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Figura 9: Concentração do povo Kambeba em frente ao prédio da Prelazia em 1925. E visível perceber as suas vestes feitas de fio de algodão. Fonte: Acervo da OKAS.²

Figura 10: Urnas funerárias do Sitio Arqueológico de Santa Terezinha estão em todo solo demarcando as Terras Indígenas Kambeba em São Paulo de Olivença, estão sendo destruídas pelos invasores.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 11: Cerâmicas destruídas pelos invasores, urna de grande chefe Yakã Yuaka (Aparia grande) cacos no solo de São Paulo de Olivença, na tentativa apagar uma história. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

² A identificação das pessoas na foto como Omágua Kambeba é devida a narrativa dos anciões, que pela cultura identificam a roupa de algodão com os membros do povo.

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Diante dos fatos em evidência, é necessário informar à população Paulivense e, de modo geral, a todos que, apesar dos massacres vividos no passado, esse povo ainda existe e está cada vez mais se fortalecendo ao longo do tempo.

Por muitas décadas, esse povo passou despercebido, como uma estratégia de fuga para escapar e sobreviver dos massacres e de outros acontecimentos vividos no passado como torturas, invasões espanholas e portuguesas, doenças e catequizações.

Crueldades que os fizeram passar por vários processos de fuga, alterando sua verdadeira identidade de índio Omágua ou Umágua (que significa ‘povo da água’). Enfatizamos que na pronúncia da palavra Omágua, a mesma sofreu variação na pronúncia, que é viável que isso ocorra através do tempo, no passado se pronunciava o certo seria Uawa (que significa povo da água awa na língua Kambeba significa ‘povo’ e a letra u significa ‘água’). Este nome foi atribuído ao grupo indígena Omágua pelo fato de terem o domínio das águas e também devido a esses indivíduos terem surgido principalmente deste líquido. Usou-se muito a expressão “encarnada” para a cor vermelha devido a crença dos Omágua de que a água quando entranhada no corpo da Muyra Tanimbuka (madeira) se purificou em sangue, dando vida ao índio Kambeba, segundo sua história.

Nesse contexto, como forma de sobrevivência – segundo memórias de Maria Robertina da Silva de 99 anos (hoje já falecida), moradora tradicional da foz do Ajatatuba, ponta da comunidade Santa Terezinha deste município – um dos fatores que levou esse povo a deixar de praticar o ritual de achatamento da cabeça foi a imposição da igreja que espalhou no território do Alto Amazonas os seus missionários e demais cristãos para assim catequizá-los.

Em outra versão – contada pelo idoso Aurino Rabelo Lucas de 85 anos – relata-se que, durante esse processo, aconteceram muitos casos, em que, ainda que houvesse resistência por parte dos indígenas, os fatos levaram a redução deste povo visto antes como numeroso. Eles eram conhecidos na região de Colina Alta como os água grande (u-awaçu). Segundo Alcides Cassiano, 86 anos, nesta estratégia, os sobreviventes desse povo, para preservarem suas vidas e já com um grupo bem reduzido, eles, ao encontrarem uns com os 22

outros, se cumprimentavam na língua aynê Karuka asemu (Boa tarde, meu irmão!) e diziam entre si mesmos - ao passarem em frente a Colina Alta (monte Sagrado) hoje município de São Paulo de Olivença – “os moradores que estão nesse pequeno grupo, em cima da colina, ainda são as águas grandes que vivem neste local?”. Outro Omágua respondia “sim, ainda são os mesmos como nós, mas estão deste jeito u-té (ou Uté), como ‘água pequena’, pois a palavra U(y) significa água e té numa palavra dependendo da ação da fala modifica diminuído ou diferenciando a palavra na língua Omágua Kambeba.”

Figura 12: Akariazaú atual Santa Terezinha em São Paulo de Olivença, conhecido como colina alta, chamada pelos Omáguas como Monte Sagrado, com um número reduzido de povo. Fonte: Acervo da OKAS.

Desta forma, em decorrência de tanto sofrimento e opressão, o povo decide, por decisão própria, deixar de praticar o ritual do nascimento (kanga pewa ‘cabeça chata’), que era o principal ritual desse povo, para assim ficar igual aos demais índios e povos da redondeza. Desta forma, queriam confundir os inimigos que andavam a procura desses Omágua para matá-los, por serem um povo guerreiro, resistente que não se deixava dominar facilmente pelos invasores, pois tinham suas próprias autonomias, defendiam sua forma tradicional de governar, e lutavam bravamente em defesa de seus territórios e usavam como demarcação de suas terras a cabeça dos inimigos.³

³ Segundo os Omágua entrevistados, o povo Omágua recolhia a cabeça de seus inimigos mortos e colocava na frente das suas moradas.

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Nesse contexto, esses povos originários Omágua, bravos foram dados como extintos e conseguiram sobreviver e preservar suas raízes, passando a ter vários nomes como esses que iremos abordar. No Século XVIII, foram chamados de Jurimagua4. Frisando com toda segurança para justificar esse fato, segundo Regina Neves de Souza ouviu de seus ancestrais5 que os Omágua se dividiam em dois grupos: os que viviam nas Ilhas eram chamados de os mais desenvolvidos por serem menos bravos e vaidosos, eram um pouco passivos, pele clara, olhos castanhos e mantinham contatos com outros povos, negociando a troca de objetos, isto é, faziam um tipo de comércio, plantavam, construíam suas vestimentas do algodão, produziam ótimas cerâmicas, entre outros tipos de atividades. Devido a estes fatores, eram reconhecidos como os Omágua, Awa ou Aweté, que significa “as águas grandes verdadeirinhos”.

Outro grupo dos Omágua vivia nas terras firmes, descendentes da linhagem de witchicu (carnívoro), um dos primitivos dessa geração de selvagens, que viviam excluídos da sociedade desses Omágua das várzeas. Formavam um grupo que não se acostumava com ninguém, nem entre si próprios, esse local era considerado um tipo de subúrbio da época de hoje; eram bravos, selvagens, de peles escuras e não gostavam dos Omágua considerados verdadeiros, esses se alimentavam de frutos silvestres e animais, não sabiam plantar e, nas brigas, ao matarem o adversário, comiam a carne humana desse indivíduo. Também nas lutas entre si próprios, ao matar uns aos outros, esses mortos serviam como alimentos para quem os matou e ao seu grupo.

Era costume desses bravos usarem cabelos longos, colares de dentes de pessoas e animais selvagens, gostavam de exibir, para demarcar seu território, a cabeça dos mortos em combate para enfeitar suas casas, a modo de informar que os mesmos tinham poder; quase não se vestiam, usavam como vestimentas peles de animais, pintavam-se ao redor da boca ao se alimentar de carne do inimigo para mostrar à tribo que os mesmos eram perigosos e também como modo de informar a qual grupo eles pertenciam, sendo os carniceiros, ou melhor, os de geração de urubus, conhecidos pelos antigos da redondeza como os boca suja, devido ao fato cultural que eles tinham de devorar uns aos outros sempre em bandos.

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Segundo Antônio Porro, os Jurimagua seriam outro povo e seriam inimigos dos Omágua.

Apresento aqui a versão ouvida por mim em meu trabalho.

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Segundo os ancestrais que entrevistei, eles eram chamados também no território peruano de boca negra. Como a letra j não faz parte do alfabeto Omágua, a mesma, nesta palavra, Jurimagua está substituindo a letra y da palavra yuri, pela forma que eles tinham de cultivar e desenvolver seus trabalhos em ajuri ou bando6.

Consideramos que a palavra Jurimagua sofre a influência da língua portuguesa, a forma correta seria Yuriagua que significa – lendo de trás para frente como é o costume desse povo - ‘água e ajuri’, que teria o significado de os águas (que classifica o povo Omágua) e ajuri (que deriva de trabalho em conjunto, devido a este povo sempre trabalhar em união ou mutirão)7.

A mesma forma serve para este outro nome que lhes foi atribuído como Yurimã8 (os que usam veneno mortal) que seria os mesmos Yurimagua confundidos pelos navegantes como sendo um outro povo já, caracterizado anteriormente pelo fato de seus costumes de atividades sempre em grupos, bandos chamados de yuri itá kua pu que significa ‘muitas mãos deles no ajuri/muitas mãos que se ajudam’, pela forma de união de sempre ajudarem uns aos outros no combate e nas atividades do grupo. Neste impasse de trocas de nomes, temos como realidade local o nome SOLIMÕES, que é o rio que passa em frente ao município que estamos historicamente mencionando.

Este nome foi direcionado aos Omágua devido aos relatos que iremos abordar mais abaixo.

Segundo os anciões com quem conversamos, o significado do rio Solimões vem de leões, a palavra correta seria Soliões, pois foi desta forma que esse povo Omágua foi visto pelos espanhóis e viajantes, como leões. Os europeus temiam passar pelo rio porque diziam que havia centenas de terras habitadas por esses Omágua: “às margens do rio ‘só leões’”. A letra M está acrescentada pela influência da Língua Portuguesa, em que se falava, naquela época, sobre o rio dos leões devido à agressividade e ao uso do veneno mortal em suas flechas.

Os ancestrais Omágua Kambeba associam a palavra yuri com o ajuri.

Os significados apresentados estão de acordo com o que é informado pelos Omágua que entrevistei.

8 Os Yurimã são identificados por Porro como o mesmo povo Yurimágua, inimigos dos Omágua.

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Figura 13: A Sementes de surimã (veneno). Fonte: Eronilde de Souza Fermin

Outra versão sobre o nome do rio Solimões, relaciona-o com o veneno feito de surimã – um tipo de planta usado por eles que, ao tocar na pele ou no corpo, gera bolhas comparadas às de uma queimadura, que afeta rapidamente a corrente sanguínea levando o afetado à morte –, o veneno é desenvolvido com uma técnica da ciência particular própria do povo Omágua e utiliza também o leite do sapo bacururu, serpentes venenosas, escorpiões, “lacraias” e leite da planta assacu “significa esquenta, queima e mata”. Nas lutas com os inimigos, eles possuíam a mesma forma de ataque dos leões, levando o inimigo à morte e furando o agredido no pescoço, o que consideravam como o “sangramento da presa”.

Era possível dar as carcaças dos mortos no combate aos grupos dos Urubus, que devoravam estes cadáveres, devido ao pacto do “faro” consumado com esse pássaro no ritual do nascimento para o menino homem ser um bom caçador.

Entre os Omágua atuais, existe ainda outra versão para o nome Solimões. As memórias vivas acima mencionadas ressaltam que ouviram de seus ancestrais que esse território onde está localizado este Município de São Paulo de Olivença e demais localidades da redondeza, antes do tratado de Madrid, que dividiu este território, este lugar fazia parte do País estrangeiro Peru. O nome solis vem da moeda peruana que neste local circulava, um tipo de dinheiro usado pelos leões, na venda dos seus produtos, nome este dado aos Omáguas. Então, juntando-se à palavra solis, que representa a moeda e leões, o povo acrescentou a letra “m” com o passar dos tempos,

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conforme o linguajar dos viajantes, e foi desta forma que surgiu a palavra Solimões nos tempos mais recentes e assim o chamam9.

Figura 14: Povo Omágua (Kambeba) no ajuri do terreno da estrada do Bonfim, 2016.

Os Tupi também foi um nome usado para os Omágua, pela visão que os viajantes tinham do povo. Ao lhes encontrarem, foram bastante admirados por suas belezas e por serem um povo muito elevado, que gostava de contar fatos, piadas e adivinhações. Nossas memórias vivas contam que esse fato fez com que fossem chamados de awai (homem pequeno) também chamados de Tupy, ou melhor (Tupi ou Turi que no diminutivo significa Deus zinho), comparando-os com um povo travesso que tinha sabedoria própria, considerados pelos navegantes como um povo mais bem desenvolvido da região, como os filhos de Tupã (Deus) e comparando a sabedoria dos mesmos herdados de Deus.

Ainda segundo as nossas memórias vivas, por esse Desenvolvimento nas técnicas que lhes favoreciam, como ter seu próprio meio de comunicação (usando como escrita os grafismos), modo de fazer suas roupas do fio do algodão tecido, magia de transformar a madeira em transporte (canoa), utensílios de caçar e pescar, construíam utensílios domésticos da matéria prima (o barro) e o jeito único de armazenamento dos alimentos e o enterro

É necessário levar em consideração que quando trabalhamos com memorias vivas e viável que as datas e lembranças podem sofrer alterações.

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dos corpos dos seus mortos em urnas funerárias; por isso foram chamados de Tupi awai (homenzinhos que surgiram do Deus), nome herdado dos seus Deuses, um apelido da cosmologia do espírito brincalhão da cultura Omágua, chamado também de “assanhado”, que se atreve a fazer as pessoas rirem, ser e fazer coisas engraçadas ou impossíveis com semelhanças aos conhecimentos herdado de Tururukari, o Deus dos Omágua o Supremo.

Figura 15: lado direito Utensílios domésticos com mais de 100 anos, lado esquerdo cerâmicas com as primeiras escritas com grafismos penteados com os mapas antigos dos caminhos dos Omágua. Fonte: Acervo da OKAS.

Outro apelido posto nos Omágua nesse local foi Passés. Os Omágua boca suja das terras firmes, após a sua diminuição devido aos conflitos, doenças e guerras com os portugueses e espanhóis, foram obrigados a se render e se adaptar aos modos dos outros.

Omágua das terras firmes para sobreviver, tiveram que acompanhar a evolução do tempo, aos poucos se juntaram com os Omágua das Ilhas, os verdadeiros, que também precisavam de mão de obra para os trabalhos e combates, pois nas guerras havia também reduzido sua população, esses que sabiam plantar, caçar, pescar, entre outras atividades. Ao incorporar nesse grupo, os terras firmes que aceitaram se juntar ao grupo dos das ilhas, foram exercendo e aprendendo alguns modos desses membros que se agregaram nas famílias como xerimbabos ou empregados e foi nesse momento que foram chamados de Paru´awa´se (paruara, significa meu povo selvagem que aprende) pelos Omágua verdadeiros. Esses indivíduos viviam no Paranã Paá (significa rio torto), outro fato diz que viviam também escondidos em pequenos grupos nas aldeias como Katuria, (bom para mim e para ele), Kararua (rosto de folha) e outras. Para esclarecer este assunto, ressaltamos que toda vez que esse grupo antigo do Parawase ou Paáwase vinha desse local para Uté ‘águazinha’, atual sede de São Paulo de Olivença, eram admirados

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pelos nativos oriundos do local de Akariwazau´u que significa (a-eu, kariwachefe, zau-grande, u(y) -água). “Zau” também indica lugar ou quantidade, hoje atual Santa Terezinha nome trocado pela influência do catolicismo. Eram admirados devido seu modo de caminhar sempre com os passos largos e fortes pisando firme com a ponta dos pés na terra, quase correndo, fazendo ruído como uma batida de tambor.

Segundo a memória de Francisca Herman Seabra Braga, 76 anos, já falecida e ex-moradora do lugar denominado Paásé (significa um lugar paá-torto-sé-meu), na zona rural deste Município, o motivo de eles pisarem forte, quase correndo, era devido ao medo e uma crença deles sobre a doença de varicela, que devastou e matou quase toda a população Omágua. Segundo ela ouviu de seus avós, eles acreditavam que o mal da Bexiga, como era conhecida a doença da varíola, entrava pelo solado dos pés e tomava todo o corpo.

Vale frisar que, no decorrer dos anos de 1930, com a chegada da exploração da borracha, houve modificação nessa área do Paásé, os Kambeba foram obrigados a sair e as pessoas que passaram a habitar esse local dos antigos Paásé – que, segundo os antigos, são os mesmos Omágua que ali estavam estrategicamente disfarçados para não serem reconhecidos pelos inimigos. Então essas terras foram habitadas por pessoas de outras localidades ou estados, que com ajuda do governo do estado, documentaram essas terras com documentos de posse para essas famílias que iriam trabalhar com plantios de canaviais e desenvolvimentos dos seus derivados nos engenhos e alambiques produção de açúcar, mel, cachaça e outros produtos da cana de açúcar. Eles também cultivavam a terra para a agricultura e faziam grandes pescarias, residiam e viviam nas margens do rio Solimões, nos lugares chamado por eles na língua portuguesa denominado de Passé e São Luiz dos Passé. No meio, entre as duas comunidades, ficava alojada a família dos Santana, que tinha vindo do Ceará e trabalhavam com ferragem, produzia terçados, facas, machados e outros. Com o passar dos anos, estes imigrantes se mudaram para sede desse Município em busca de estudos para seus filhos e outros meios de vida. Então este lugar denominado por eles de Passé, que se estendia até São Francisco do Passé, devido a evasão deles para sede de São Paulo de Olivença, este lugar ficou vazio e passou a ser habitado em 1970 novamente pelo povo Kambeba que retoma as suas terras e hoje den29

tro dessa área tem 04 comunidades Kambeba, são reconhecidas no sistema da organização dos Kambeba do Alto Solimões- OKAS, que estão frequentemente enfrentando vários desafios com os tais herdeiros dessas terras que, por possuir documentos de aforamento definitivo dado antigamente pelo estado para exploração da borracha, vivem em estados de conflitos, como é o caso das comunidades Kambeba de Monte Tabor, São Jose do Passé, São Tomás e outras.

Ainda nesse contexto de mudança de identidade para se preservar dos inimigos, o último nome a ser adotado por esse povo Omágua foi o de Caboclo Amazonense. No ensejo dos nordestinos e de outros imigrantes no século XX, os Omágua, para se livrarem de vez dos inimigos, passam a ser chamados de Caboclos. Sendo assim, quando pessoas curiosas de outros lugares perguntavam se eles eram índios, eles respondiam “não, somos caboclos” – um tipo de pessoa miscigenada, que não se sabe sua origem certa – tendo esta como a melhor forma de se preservar e confundir os homens brancos.

Passando algum tempo, essa versão de se esconder muda totalmente pelos Omágua, no século XXI, quando este povo Omágua já estava mais fortalecido com pessoas do seu povo com estudos elevados, conhecendo a escrita e a leitura da língua portuguesa, tendo o amparo legal das leis da Constituição Federal de 1988, eles voltam aos poucos a se afirmar novamente como Omágua porque já podiam lutar para recuperar todos os seus direitos, inclusive suas terras. Essa autoafirmação não agradou muitos não indígenas, e até mesmo alguns povos indígenas da região. Então, começa a árdua luta para o autoreconhecimento desse povo Omágua em São Paulo de Olivença.

Ressaltamos que todos esses nomes acima citados foram adotados ou postos nos Omágua, hoje conhecidos como KAMBEBA, com o intuito de preservar suas origens, numa estratégia de sobrevivência. Para corroborar esses fatos, pontuamos onde esses povos originários e tradicionais10, podem estar presentes nesse início do século XXI e suas localidades no Alto Solimões: a) No Município de São Paulo de Olivença: lugar onde estamos historicamente mencionados, na zona urbana e zona rural; É assim que queremos ser respeitados, e não chamados de índios pelos homens brancos, nome este que não gostamos porque já cansamos de ser apelidados. Gostamos de ser Omágua, essa é a nossa identidade.

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b) No Município de Tabatinga e Benjamin Constant: zona urbana; c) Município de Amaturá: zona urbana e rural; d) Município de Santo Antônio do Içá: aldeia Três Corações de Jesus no rio Itú; e) No Município de Tonantins: zona urbana; f) Município de Jutaí: zona urbana g) Médio Solimões: em todos os municípios, Tefé, Coari e Manacapuru e outros; h) Estão ainda presentes no rio Cuieiras, aldeia Tururukariuka e na aldeia Três Unidos, e na capital de Manaus.

Enfatizamos que, em outros lugares do Amazonas, estão esparsos dentro das cidades e municípios, com o nome posto pelos Portugueses como Kambeba, que significa cabeça chata (kãga ‘cabeça’ e pewa ‘chata’). Apelido dado devido ao costume passado que eles tinham de achatarem as cabeças dos recém-nascidos no ritual do nascimento.

Nos dias atuais, mesmo eles se afirmando com toda segurança como povo Kambeba, ainda há pessoas e órgãos que lhes negam os direitos sociais, ressaltam em seus argumentos que os direitos destinados para os indígenas não lhes convém, pois o consideram como povo civilizado. Vale frisar com grande indignação que sempre esse povo foi um dos mais desenvolvidos da época passada, cabendo apenas aos órgãos da atualidade reverem seus conceitos e reciclarem seus funcionários, para que possam lidar com essa clientela modernizada nos tempos atuais. Contextualizando o argumento desses órgãos, que desconhecem esses direitos, lhes digo que a civilização nada mais é do que um povo civilizado, integrado a algum grupo é o mesmo que desenvolvido, com o dom do conhecimento, portanto, respeitar e conhecer a história do povo Omágua é mais que necessário, é preciso.

Enfatizo que, no caminhar para o futuro, desejamos que as autoridades de todas as esferas governamentais reconheçam o esforço desse povo para 31

sobreviver, e promovam meios que facilitem seu convívio para seu bem estar como uma sociedade tradicional. Que esses mecanismos façam o povo Omágua Kambeba superar toda perda, angústia e desespero vividos por seus ancestrais no passado como forma de reconhecimento por sua bravura, e para que possam, hoje, gozar de todos os direitos sociais, e assim fortalecido, poder lutar por dias melhores e deste modo contar suas verdadeiras histórias.

Ao lado, apresentamos as fotos dos nossos ancestrais que contribuíram no contar dos fatos históricos de geração para geração, resistindo ao tempo.

Figura 16: Maria Robertina da Silva Omágua (Kambeba), historiadora e parteira – falecida.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 17: Mario Neves de Souza Omágua (Kambeba) – historiador falecido.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 18: Amãna (chuva) Regina Neves de Souza Omágua Awete (Kambeba) com 18 anos, ao lado com (85 anos), Matriarca Tuxawa geral Yakã Yuaka pajé e historiadora com seu esposo Julio Fermin Omágua (Kambeba), sobrinho de Manuel Paranã, moradores originários e tradicional da antiga aldeia Akariazau – atual Bairro Santa Terezinha.

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Figura 19: Raimunda Ferreira da Silva Fermin Omágua (Kambeba) ortopedista da natureza e parteira tradicional (falecida) e seu filho, Julio Fermin (84 anos), historiador e ministrador do uso das plantas medicinais para cura das doenças. Da linhagem dos águas Omágua aweté.

Figura 20: na foto à esquerda, Adélia Rabelo Kambeba, Raimundo Marcelo Kambeba, Glaucia Rabelo Marcelo Kambeba, todos falantes da língua materna Omágua (Kambeba), pajé e historiadores; na foto à direita, Francisdalva Arcanjo, Cristovão dos Reis Sá, Alzemir Neves de Souza, José Jesus Seabra Braga, Alcides Cassiano, Plácido Cassiano e Julio Fermin.

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Figura 21: Adamor Carvalho (agricultor e historiador, falecido) ao lado de Aurino Rabelo (agricultor, pajés e cantor dos rituais) e Elizia da Cruz (agricultora e historiadora) no fundo artesãos todos esses do povo Kambeba.

Figura 22: Francisco Andrade e Plácido Cassiano, ao lado Dorina Batalha, Dionizia Batalha e Elizabete Batalha todos Omágua (Kambeba) (falantes da língua materna e historiadores).

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Reviravolta de Autoidentificação e Organização Social

Nesse contexto de busca de identidade, os Omágua (Kambeba) da sede de São Paulo de Olivença nunca deixaram de se identificar como povo tradicionalmente Omágua. É possível perceber essa identificação na letra do hino do Município, nas histórias contadas pelos idosos que ressaltam que quando alguma embarcação, ao encontrar com alguns agricultores (kupixawas) e pescadores (pinãytikas) deste município, lhes perguntavam a que nação ou povo eles pertenciam, esses lhes respondiam “somos Omágua, os filhos das Águas conhecidos também como os Kambeba”, afirmando com toda convicção. É bem verdade que esses indivíduos viviam esparsos em toda parte do município de São Paulo de Olivença e que nunca deixaram morrer suas raizes, porque de maneira indireta se faziam lembrados por toda a sociedade local e visitantes. Estes podiam perceber esse entusiasmo de identificação daquele povo nas festividades de 31 de maio – aniversário de São Paulo de Olivença – e pelas escolas na semana da Pátria, nos desfiles (marchas) dos alunos no dia 05 de setembro – dia do Amazonas – e 07 de setembro – Independência do Brasil.

Figura 23: Alunos Kambeba marchando nos desfiles. Fonte: Acervo da OKAS.

Vale lembrar que as memórias vivas relembram que no ano de 1980, antes da hora dos alunos entrarem em sala de aula, na hora cívica, na frente da antiga Escola Monsenhor Evangelista de Cefalônia, as crianças cantavam o hino em homenagem aos “Paulistanos dos Kambeba” e também o hino de fundação deste município, em homenagem ao frei Samuel Fritz, que aqui chegou e catequizou. Essa atividade era constante também na Escola Nossa Senhora da Assunção, onde a concentração se fazia obrigatória para os alunos que cantavam os hinos acima mencionados em homenagem à funda36

ção de São Paulo de Olivença, ressaltando, na estrofe do hino, o nome dos primeiros habitantes, os “Kambeba”, e o catequizador, “Samuel Fritz”. Desse modo – enfatiza o senhor Alcides Cassiano, de 85 anos – estavam sempre presentes estas memórias sobre os Kambeba neste local.

Ressalta-se que – tomando em conta que esse povo sempre gostou de viver em organização social como no passado (kwera ‘nos tempos antigos’), na época de aldeia – não bastava para eles apenas serem lembrados pela sociedade nessas datas, o importante para esse povo foi priorizar uma organização onde eles pudessem ser reconhecidos como tendo raizes naqueles bravos ancestrais, antigos moradores deste solo Paulivense.

Figura 24: Alunas na hora cívica de entrada na escola. Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 25: Educandário Nossa Senhora da Assunção. Fonte: Acervo da OKAS.

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Figura 26: Primeira escola Monsenhor Evangelista de Cefalônia (destruída no ano 2000). Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 27: O povo e a Igreja. Fonte: Acervo da OKAS.

Desde então, os Kambeba tiveram essa necessidade de viver organizados como de costume viviam no passado, na época de seus ancestrais, do Grande Yakã Yuaka Aparia grande (ou Yurupariwa), um tipo de líder maior (tuxawa geral ou cacique) comparado a um governador que comandava toda a população Omágua (Kambeba), no território do Amazonas e principalmente no Alto Solimões. Este líder tinha poder e representantes líderes menores em cada aldeia, hoje atuais Municípios do Alto Solimões como Taweté ou Uté (São Paulo de Olivença), Envira Tiba (Amaturá), Ega (Tefé), Tawatinga (Tabatinga, significa ‘barro branco’) e outras localidades.

Os líderes menores obedeciam a hierarquia e ordem desse chefe maior U-Aparia (Yurupariwa), esses representantes desse chefe maior, líderes Tuxawas (caciques) locais das antigas aldeias acima mencionadas obtinham 38

um tipo de amuleto usado apenas para cada líder, conforme o cargo que ocupavam do maior para o menor, como forma de informar seu cargo. Os líderes representavam e tinham autonomia sobre tudo e todos na aldeia, e repassavam todos os acontecimentos para esse chefe tuxawa geral Aparia, que logo tomava providência sobre os acontecimentos para que os problemas não afetassem seu povo e todos lhe respeitavam e lhe queriam bem.

Com base nessa necessidade de cacicado organizacional, o povo Omágua (Kambeba) se organizou e foi desse modo que surgiu a reviravolta de autoidentificação desse povo diante da sociedade. Por volta de 1980, esse povo teve segurança novamente em se revelar legalmente como povo Kambeba e realizar mobilizações no Médio e Alto Solimões, nos municípios e demais áreas.

Em São Paulo de Olivença, o povo Kambeba se manifestou como tal diante da sociedade de 1999 a 2002, por meio de um diagnóstico de identificação promovido pela diretoria da antiga Organização dos Cambeba Alto Solimões - OCAS11. No entanto, só vieram a ser reconhecidos como povo, pelo órgão Público Federal (Fundação Nacional do Índio – FUNAI), Regional e Nacional, em 2008, na nova reestruturação da OCAS. Através do registro nº 532 de Territorialização do povo Kambeba, o povo fica identificado em São Paulo de Olivença, mas isto se deu após muitas lutas e resistência das Lideranças da OCAS juntamente com a tuxawa Eronilde de Souza Fermin.

Figura 28: FUNAI identifica a sede de São Paulo de Olivença como terra do povo Kambeba, em 2009.

Fonte: Arquivo da FUNAI.

N. dos E.: Inicialmente, a organização adotava a mesma grafia do nome da etnia em língua portuguesa, ou seja, Cambeba em vez de Kambeba. Como veremos adiante, a partir do registro da organização como pessoa jurídica em 2004, passam a adotar a grafia identitária de Kambeba e, portanto, a sigla da organização passa a ser OKAS. 11

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Em 2009, aconteceu a reestruturação do movimento Kambeba e foram reconhecidos legalmente como povo Kambeba, identificados na sede do município (na zona urbana e na zona rural), tiveram todas suas terras identificadas como sendo do povo Omágua (Kambeba). Vale mencionar que, nesse processo de reestruturação do movimento, foram considerados como povos Kambeba apenas aquelas famílias e aldeias (comunidades) que buscaram seu reconhecimento, naquele momento, junto à nova diretoria organizacional e se autoafirmaram como povo Kambeba diante da mesma. Vale esclarecer que o movimento dos Omágua (Kambeba) é formado por duas organizações, OCAS e OKOPAM, e a partir desta data é soberana na forma de governar, sendo responsável por tudo que se fizer ou disser a respeito dessa demanda de comunidades e população Kambeba, devido às regras culturalmente de vínculo das mesmas. Dentro deste movimento organizado, tendo como respeito primeiramente a consulta por tudo que for planejado a ser executado em prol do povo, segue-se o poder hierárquico de seus ancestrais do Grande Yakã Yuaka um ou uma tuxawa geral que sempre comandou esse povo.

Nessa conjuntura, em 2010, esse povo somava um total de 700 famílias, habitantes reconhecidos no Censo da FUNAI em Brasília, tendo como responsável por essa população Kambeba de São Paulo de Olivença a Cacique Tuxawa Yakã Yuaka Geral Eronilde de Souza Fermin Omágua, que recebeu esse cargo na forma da lei por pertencer à raiz hierárquica familiar de seus ancestrais que foram antigos líderes Tuxawas Geral, bravos guerreiros superiores da aldeia Akariwazau ou Apariazau, atualmente bairro de Santa Terezinha.

Na cultura do povo Omágua, não existe divisão de masculino ou feminino, ambos podem ser líderes ou chefes do grupo dependendo das suas raizes culturais de tradição, porque seus antepassados líderes sempre foram matriarcais e patriarcais, numa luta guerreavam juntos contra os inimigos sem distinção de sexo, sempre as mulheres tomavam a frente nas atividades. Vale afirmar que o cargo foi deixado pelo seu avô materno para sua matriarca, Regina Neves de Souza Omágua, que passou a ser líder nos anos 1950 por suas lutas e determinação em defesa do povo Omágua (Kambeba). Após anos, a mesma se aposenta devido a sua idade avançada, passa a função para a sua filha Eronilde de Souza Fermin Omágua, sendo esta tradicionalmente filha, neta, parente e sobrinha de líderes anteriores do povo 40

Omágua (Kambeba), tendo como base uma lei que ampara para esse cargo a tradição cultural12.

Desta forma, o que prevalece para os Kambeba é a lei de sangue, podendo ser líder ou autoridade maior somente descendente de antigos líderes, seguindo a linhagem de Tuxawas (líder) Yakã Yuaka (chefe maior) de geração para geração, para que não se perca o poder familiar tradicional e cultural. Para que esse líder tenha respaldo, ele ou ela é apresentado ao povo em assembleia apenas para fins de conhecimento e respeito. E, de forma tradicional, é realizado o ritual cerimonial de posse, entrega de termo de comando e o registro assinado por ambos Tuxawas geral que entrega e recebe o cargo.

Todo o povo presente participa desse ritual tradicional que passa de geração para geração, podendo apenas ser líder um filho ou uma filha (ou parente próximo de sangue) que apresentem desde sua infância espírito de liderança e autonomia, para que não se perca a linhagem familiar. Feito isso, as assinaturas são reconhecidas em cartório para que tenha validade e poder jurídico juntamente aos órgãos governamentais.

Nesse contexto de lideranças, a eleição da escolha de uma diretoria, que trabalha em conjunto com essa chefe Tuxawa cacique, é feita com o apoio do povo, conforme a necessidade do movimento, podendo ser trocada a cada dois ou mais anos e sendo ela composta por líderes do mesmo povo em uma assembleia. Já a escolha dos caciques locais das aldeias é feita pela escolha da própria aldeia, podendo mudar quando houver a necessidade.

Nessa organização do povo Kambeba, tiveram apoio, no início, as organizações sociais dos movimentos indígenas organizados com base nas leis da Constituição Federal (aprovada no ano de 1988), no artigo 231 e 232. Essas leis vieram a dar segurança para essa população em São Paulo de Olivença. Vale ressaltar que, para desenvolver os trabalhos burocráticos neste Município, foi criada uma assembleia para escolher uma diretoria composta por um presidente e um vice-presidente, um tesoureiro e um vice-tesoureiro, um secretário e um vice-secretário e os conselheiros fiscais.

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Nesse caso, considera-se como tradição a vinculação familiar.

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Após a eleição dessa assembleia, os componentes desse grupo eleito iniciaram os trabalhos. A organização pioneira, que deu o início a essa reviravolta de autoidentificação, foi a Organização dos Cambeba do Alto Solimões – OCAS, que iniciou os trabalhos realizando um diagnóstico com toda a população Paulivense para saber qual povo existia nesse Município, para assim dar início aos trabalhos desse movimento indígena. A OCAS fez o cadastro geral de todas as famílias indígenas do ano de 1999 a 2002, através de uma ficha cadastral contendo dados pessoais, em que a pessoa que se manifestasse como povo indígena era entrevistado e conforme seu depoimento era escrito na ficha. Feito tudo isto, obteve-se o resultado de que havia quatro etnias: Omágua (Kambeba), Ticuna, Kokama e Kaixana. Essas demais etnias tinham recém chegado há pouco tempo para esse lugar na sede do Município em buscas de algum objetivo de vida como Ticuna, Kokama e Kaixana conforme, a história que eles contam.

Figura 29: Reunião do povo Omágua em 04/08/2002. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Esses povos se mantiveram juntos por um período de dois anos, promovendo reuniões no pátio do Colégio Nossa Senhora da Assunção e palestras nos bairros e comunidades dessa cidade. Após essa conscientização, com todos legalizados como povos indígenas, houve a necessidade de separação das etnias e cada povo foi organizar o seu movimento ou associação, conforme a necessidade cultural de cada povo. Em 20 de outubro de 2002, o movimento Kambeba fez a regularização de sua organização com a sigla OKAS e o registro legal da diretoria nos órgãos competentes foi em 2004, através do CNPJ 06.081.361/0001-96 na Receita Federal, com o Estatuto Social e a Ata de Fundação.

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Depois de vários anos de lutas de movimentos, em 2017 esse estatuto foi adaptado pelo protocolo étnico cultural do povo Kambeba, ficando como um único documento que prevalece para todos do povo desse movimento como uma lei fundamental que para tudo deve ser consultada e respeitada.

Figura 30: Criação da nova sigla da OCAS de Jose Jesus Seabra Braga: traz como brasão da antiga OKAS a casa (uka) em forma de um rosto Kambeba, o pote, a canoa, o remo, o rio e o sol representam o povo Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Vendo o caminhar dos trabalhos desenvolvidos pela organização dos Kambeba com o seu povo, a visão dos políticos municipais não foi favorável.

Viram esse movimento não como parceiro ou aliado, mas sim como algo que vinha para abrir e dar visão ao povo que vivia submisso e alheio aos seus direitos. Portanto, não agradou a eles, os “poderosos” e, vendo que o povo estava muito envolvido naquele momento de autoidentificação, o povo e, principalmente a diretoria do movimento Kambeba, sofreu porque tiveram a contrariedade dos administradores da época, o prefeito municipal e seu secretariado, que bloquearam todo e qualquer projeto que poderia beneficiar os Kambeba.

Diante destes e outros empecilhos, o movimento desse povo no período do ano de 2004 a 2008, sofreu um grande enfraquecimento, devido aos preconceitos enfrentados pelo povo por parte dos órgãos. Também pela falta de resistência das lutas da antiga diretoria que estava à frente dos trabalhos nessa época. O abandono e descaso por parte desses líderes causou um impacto no povo Kambeba que ficou desmotivado da luta por seus direitos junto aos órgãos competentes.

O povo Omágua (Kambeba) ficou sem direcionamento, pois procurava ajuda no órgão municipal e isto era negado, eram orientados a deixar o movimento. Os políticos diziam ao povo que só poderiam ajudá-los se eles abandonassem a organização dos Kambeba. Sem ter apoio, o povo precisava 43

de alguém para lhes direcionar quanto a seus direitos sociais, pois sua diretoria anterior já estava debilitada diante das dificuldades enfrentadas e da perseguição, chegando a serem detidos na antiga delegacia da cidade, que se localizava ao lado da atual Escola Sonho Infantil.

Como o povo precisava de apoio, muitos estavam buscando o movimento Kokama que, por ser pacífico, passava despercebido diante da perseguição municipal. Foi deste modo que, nessa época, muitos Kambeba escondiam sua verdadeira identidade e se revelaram diante da diretoria do povo Kokama como tal para ter apoio e conseguir algum benefício.

Vendo tudo isso, o senhor Adamor Carvalho – conselho fiscal da antiga OCAS – ficou muito triste e resolveu, com um grupo de três líderes ancestrais do povo Kambeba, ir em busca da então líder atual, Eronilde de Souza Fermin, que na época era a tesoureira da organização da OCAS e que, por não concordar com algumas atitudes postas por membros da diretoria, estava afastada por decisão própria.

Diante da insistência dos três líderes, Eronilde de Souza Fermin resolve voltar ao movimento novamente no final de 2008 e, organizando na forma da lei, como manda a cultura e a tradição do povo ancestral Kambeba, determina que, daquele momento em diante, o povo irá ser comandado como nos tempos antigos de seus antepassados pela lei do cacicado de Aparia grande de geração para geração, obedecendo a lei sanguínea que faz um líder ser maior na forma de governar. Esta hierarquia impõe uma defesa ao povo que leva a não temer ninguém quando se trata de lutar contra tudo e todos que se fizerem resistentes e contrários a seu povo, para dar a eles seus direitos diante da inclusão na questão social.

Desta forma, a diretoria da OKAS se estrutura novamente, com força total e juntamente com a nova líder começam a desenvolver suas atividades e devido as controvérsias de siglas no Alto Solimões faz a alteração da sigla da OCAS trocando a letra “C” pela letra “K”, e fica estruturada legalmente na receita federal, e é composta por presidente, secretário, tesoureiro e conselheiros fiscais. Desenvolvem os trabalhos desde então juntamente com a cacique geral, e lutaram bravamente para obter um representante no Conselho Distrital de Saúde indígena, sendo este ou esta representante escolhida com 44

o aval primeiramente do movimento indígena da Organização dos Kambeba do Alto Solimões-OKAS que juntamente com as aldeias Kambeba farão a escolha desse conselho conforme sua auto organização social.

Essas pessoas, para ocupar tais cargos, têm que ter um bom perfil de relacionamento, comungar de forma mútua com a organização que luta pelo povo, ser comprometida, usar o respeito e valorizar seu povo e, principalmente, seguir a regra de trabalhar junto com suas lideranças, da OKAS, cacique geral e caciques locais das aldeias (hoje vista como comunidades), comandados pela chefe cacique geral, que é a líder maior para esse povo, assim como fazia o antigo Aparia. A cacique geral desenvolve os trabalhos em parceria com os caciques e população Kambeba, em comunhão com a diretoria deste movimento. Podendo opinar pela troca desse conselho de Saúde e demais membros do movimento quando os mesmos não estiverem praticando seus trabalhos em conformidade como manda sua cultura de trabalhar sempre em união, respeitando as hierarquias deste cacicado organizacional conforme o protocolo Omágua (Kambeba), aprovado em assembleia de 2017 e encaminhado para todas as autoridades dessa região.

Desta forma, a diretoria passa a funcionar a partir do ano de 2009. A reestruturação da OKAS, num caminhar de lutas árduas, inicia os trabalhos com uma população de 700 pessoas reconhecidas pela FUNAI e, novamente, o povo vê os trabalhos e compromissos diante de todos. Aconteceu, por vontade própria, a volta em massa do povo Kambeba para a OKAS que, em seu censo, tem a sede do município como a maior população em quantidade por famílias e pessoas.

Em seguida, as aldeias (comunidades) Kambeba que estavam no anonimato buscam identificação e juntamente com a população da sede do município tornam a se reconhecer como povo indígena até os dias atuais.

Desde então, os trabalhos vêm sendo desenvolvidos em prol desse povo com muita garra e determinação, sendo prometido a eles, diante da orientação dessa chefe, nunca mais se retrair diante de um fato. Tem-se como forma de fortalecimento os empecilhos que aparecerem no caminho, para mostrarem que quem tem o verdadeiro sangue Omágua nunca foge de uma batalha. Deste modo, seguem esses verdadeiros heróis do povo Kambeba, em suas conquistas pelas suas terras (tuyuka), saúde (katuxinga), educação (mumurikwe) e pela retomada de seus direitos sociais (katu purãnga).

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Figura 31: Lideranças e povo Kambeba, de São Paulo de Olivença, na luta no Ministério Público Federal em busca de uma resposta sobre o processo da retirada dos direitos na educação diferenciada pelo poder municipal ano 2017.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 32: Lideranças do povo Kambeba junto a demais povos do Amazonas e de outros estados na luta por direitos de demarcação de seus Territórios com apoio do CIMI em 2017. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 33: Luta do povo Kambeba, na V Conferência Nacional de Saúde Indígena, reivindicando atendimento da saúde indígena para as aldeias Kambeba. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 34: Povo Kambeba na construção e aprovação do protocolo de consulta e reconhecimento étnico, em 2017.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Sítio Arqueológico de Santa Terezinha Morro do Areal

O sítio arqueológico está situado, hoje, no Bairro Santa Terezinha, na Rua 10 de Novembro e possui um santuário sagrado com uma área aproximada de 500 m². Ergue-se numa colina de 65 metros do nível das águas do rio, na vazante, quando foi registrada como patrimônio histórico Kambeba do município de São Paulo de Olivença, no ano de 1999. Foi reconhecida legalmente pela FUNAI Brasília em 2008, com base nos artigos 17 e 18 da Convenção nº 169, na Constituição Federal (artigos 231 e 232) e passou a ser protegida pelo IPHAN. O morro do areal representa para o povo Kambeba um monumento histórico SAGRADO deixado pelos ancestrais Omágua e serve como prova da existência Kambeba nesta área, reconhecida por este povo como santuário do Apariazau (chefe grande) e também denominada pelos moradores não indígenas de Morro do Areal ou Ribanceira.

Dentro desse espaço físico de Santa Terezinha, residem cerca de duas mil famílias, cuja economia está voltada para a agricultura de subsistência, pesca, caça, extrativismo, artesanatos e coleta de frutos silvestres, e algum comércio. Vale ressaltar que essas famílias sempre habitaram esse local e participaram, de certa forma, da sua transformação no decorrer dos tempos.

Hoje, o ambiente onde está localizado o sítio arqueológico de Santa Terezinha, está precário, devido à erosão causada pela retirada da matéria prima (areia) durante muito tempo pela prefeitura e pela população não indígena, que a utilizavam para a construção civil.

Um dos casais de moradores mais antigos do Bairro Santa Terezinha, o Sr. Julio Fermin e a Sra. Regina Neves de Souza, relatam que – conforme as histórias que ouviram de seus ancestrais e conhecimentos adquiridos através dos conhecimentos empíricos que passam de pai para filhos – esse santuário era extenso e os nativos que ali habitavam eram descendentes do povo Omágua (Kambeba). Em cima desse patrimônio moravam somente quatro famílias que eram guardiãs. Neste local existia apenas um caminho, que atravessava de uma ponta a outra, e era possível ver as urnas no solo.

Com o passar dos tempos, com o crescimento demográfico, vieram várias pessoas de fora para sede do município e, por não valorizarem o patrimônio dos Kambeba, houve transformações do ambiente e o mesmo começou 50

a ser explorado pela ação desordenada do homem branco. Com a invasão do lugar, o caminho que passava neste santuário se transformou na rua 10 de Novembro pela frente, e pela área de trás, na rua Jazão Alves dos Santos.

A senhora Regina Neves de Souza, de 85 anos, relatou ainda que neste local eram enterradas as pessoas importantes do povo Kambeba, e também os que morriam com doenças infecciosas, como a Varicela, na época chamada de “Mal da Bexiga”. Eles utilizavam as Igaçabas como urnas funerárias. As urnas com grafismo pertenciam aos líderes importantes, todas elas levavam ao redor da urna uma informação para Tururukari, um tipo de transporte em formato de um prato, que levaria o espírito do morto para a grande estrela.

Todos os mortos desse povo eram enterrados com seus pertences e com várias urnas ao redor.

O enterro era acompanhado de um ritual de “passagem”. No choro em voz cantada, falava-se de tudo que o morto fazia de bem e que iria deixar, era acompanhado por uma multidão de pessoas até o local sagrado onde o corpo seria enterrado. Para eles, esse descanso seria necessário até a sua volta através dos seus sucessores. Por isso, esse espírito teria que ficar bem acomodado, para na próxima vida poder vir bem feliz, eles acreditavam na reencarnação. Regina Neves de Souza afirma, com toda segurança, que sua neta Andreza Fermin é a reencarnação de sua mãe, Maria Robertina, devido à semelhança na aparência. A mesma é chamada carinhosamente pela família de vovozinha em consideração a sua bisavó, falecida na década de 1980.

Após o enterro dos mortos, eram acesos e oferecidos como oferenda as essências, o breu do sapo do canauaru, o breu do sapo dos encantados e bastante frutas. Como essência, esses breus eram acesos para iluminar o caminho do ãnga ‘espírito do morto’ até o Yuaka ‘céu’. Caso isso não fosse feito, o espírito poderia tomar outro caminho e voltar para assombrar o local, ou quando voltar na reencarnação, poderia vir revoltado.

No dia dos mortos (finados), os santuários (cemitérios) ficavam repletos de frutas e oferendas para os mortos. Este ritual era chamado pelo povo Kambeba de “leilão”, já na festa dos mortos usavam máscaras e pinturas para homenagear os parentes queridos já falecidos, e na forma cultural do cortejo

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de sepultamento, era possível oferecer flores e despachos de algo que poderia estar afetando a vida dos que acompanhavam o sepultamento.

Também há relatos de que aparecia no sítio arqueológico, a partir da meia noite, um monstro acompanhado de fogo que aterrorizava os moradores e quem caminhava só pela área. Também aparecia um cavalo encantado, um homem que virava um porco grande e um caixote de cor preto que assustavam a população, e ainda aparecia o demônio transfigurado em forma de pessoa, que acompanhava quem passava nesse local e o levava a outros lugares para tomar posse do seu corpo.

Esse local possuía uma árvore bem alta chamada de tanimbuka, mas também conhecida pelos antigos como pau alto. Havia muitas castanheiras antigas centenárias, fruteiras, sapotas, cafezais, açaizeiros, abacateiros, maracujás, cupuaçus, entre outras plantas. Na parte baixa do morro havia várias nascentes de água e cacimbas, as quais os moradores utilizavam como uma espécie de caixa d’água, onde todos consumiam de diversas maneiras e que ainda existe até os dias atuais. Com a alteração populacional de pessoas vindo de outros lugares, começou a destruição do lugar. O local também servia de ponto de observação das embarcações que ali navegavam no rio Solimões.

O espaço tem uma área no pé do santuário que hoje é aproveitado como centro de lazer da população local, com a realização de alguns jogos esportivos e também com entretenimento aos finais de semana. Essa área propicia uma bela visão do rio Solimões, das ilhas localizadas na frente do Município e de outros ambientes que ficam nos seus arredores. Desperta ainda interesses aos estudantes de Antropologia, Arqueologia e Instituições de Pesquisa da Amazônia.

Hoje, esse local corre o risco de ser destruído devido a erosão causada pela chuva e pela ação do homem. Neste mesmo local, houve a morte de duas crianças que ali brincavam no ano de 2010 e que ficaram soterradas na areia. O descaso das autoridades fez com que esse lugar passasse a representar riscos de vida e falta de segurança.

No ano de 2008, um cidadão com o pensamento contraditório, funcionário público municipal, operador de máquinas pesadas, subiu o santuário no 52

Areal pela parte de baixo com uma máquina escavadeira e destruiu as urnas, patrimônio histórico cultural do povo Kambeba do Município de São Paulo de Olivença, sítio arqueológico dos nossos ancestrais. Vale frisar que antes dessa destruição, o sítio permanecia intacto e em perfeito estado, contendo 19 igaçabas potes (camutim) como mostra o mapa de registro do IPHAN.

Figura 35: Documento do IPHAN (1999).

Figura 36: Arquivo do IPHAN (1999).

Antigamente, o morro era mais extenso, mas devido ao descaso das autoridades e à retirada de areia do local, hoje, vem sofrendo uma gigantesca erosão causada pela ação do homem, como mostra o relato histórico sobre ele. Vale ressaltar que, apesar dos danos sofridos, ainda podemos ver os vestígios da terra preta, pedaços de cerâmicas indicando que ali estão os restos mortais dos primeiros moradores, os Omágua (Kambeba).

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Portanto, o santuário é considerado um ambiente de suma importância para o povo Kambeba, é uma fonte de pesquisa para as futuras gerações para que possam perceber a realidade do local, expressar todos os obstáculos e problemas que esse santuário vem sofrendo ao longo dos tempos, e é a resistência do povo Kambeba para manter parte dessa história. Por reivindicação do povo, espera-se que pelos danos sofridos do local, que a justiça cumpra seu dever, obrigue os responsáveis pelos danos construir um acervo ou museu que guarde a valorização histórica de ideias e ações deste povo conforme sua cultura para futuras gerações.

Nas lutas para manter o sítio arqueológico, o povo vem fazendo constantes denúncias ao Ministério Público Federal para sua conservação. Como se pode observar dos relatos apresentados, o sítio arqueológico é uma fonte para todos os campos de estudo e valorizado pelos comunitários do povo Kambeba. Com base nesses valores étnicos dos nossos ancestrais, é preciso refletir sobre as soluções que cada um pode trazer para sua comunidade e o que deve ser feito para resolver tais problemas. Portanto, o sítio arqueológico é um memorial com muitas riquezas históricas e culturais que precisa de ajuda para não ser totalmente destruído.

Figura 37: Sítio Arqueológico de Santa Terezinha – santuário de Apariazau – quando da destruição dos artefatos, do ano de 2000 a 2008, por funcionário da prefeitura com uma retroescavadeira. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 38: Vista do alto do santuário, de onde é possível observar toda a sede de São Paulo de Olivença.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 39: Cerâmicas antigas, com grafismo em penteado ou arranhado, que representam as primeiras escritas do povo Omágua. O ajuri, a distância de uma aldeia para outra e sua direção (se vinha do Norte, Sul, Leste ou Oeste para núcleo central). Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 40: Caminho que fica ao lado do Sítio Arqueológico onde costumam aparecer fantasmas e assombrações.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 41: Proteção de Urna funerária Omágua Kambeba de Santa Terezinha – santuário de Apariazau – São Paulo de Olivença, em 20/03/2010.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 42: Do alto do Sítio existe uma bela visão do rio Solimões, ponto de observação dos Kambeba quando vinham navegações para as guerras. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Relatos vivos, originais, histรณricos e culturais do povo Omรกgua (Kambeba) de Sรฃo Paulo de Olivenรงa

Com base nas histórias dos nossos ancestrais – Alcides Cassiano, Plácido Cassiano, Julio Fermin e Francisco Andrade – é possível afirmar, com toda segurança, que há muito tempo o povo Omágua vivia nesse lugar chamado de província dos Omágua, e tinha seu nome original antes das invasões da aldeia (Tawau significa ‘terra dos água grande’) Taweté ou Uté (significa ‘águazinha’.

Hoje, podemos considerar o Igarapé do Uté como herança de sua localização às margens da grande aldeia que, hoje, se chama São Paulo de Olivença.

Esta realidade é comprovada pelos relatos de alguns visitantes que passaram por este local, o qual denominavam em seus relatórios de Yuauaté, Joauaté e Quematé, conforme o linguajar dos viajantes. Podemos ainda considerar o relato do Frei Lourenço Maria do Porto que, neste local, viveu como frei, segundo documentação da paróquia. A prova maior está registrada no mapa de Samuel Fritz (1691, v. Mapa 5).

Contextualizando, esse mesmo povo vivia praticando sua cultura, seus costumes e tradições, confeccionavam seus próprios utensílios domésticos feitos de cerâmica ou barro (Tawa) e suas roupas tecidas de fio de algodão, cultivados por eles nas várzeas. Nesse local, faziam grandes plantações. Só eles conheciam a forma de extração do látex da seringueira e confeccionavam bolsas e botinas para o uso diário. Importante mencionar que os Omágua fabricavam bolas do leite da seringa. Este leite era defumado em um fogo, entrelaçado em um galho de árvore, girando de um lado para o outro até tomar feição arredondada e, em seguida, era melhorado através de mãos próprias. Para a distração nos momentos de folga, eles fabricavam também estilingues, chamados por eles de baladeiras. Para confeccioná-la, o látex era derramado em um talo de Bambu ou de taboka no defumador e, no outro dia, esse material já estava pronto para ser utilizado como instrumento para caçar pássaros e outros animais pequenos.

Moravam em casas cobertas de palhas de palmeiras de cawasu, ubim e caranã e com paredes de paxiúba. Viviam em famílias numerosas, patriarcais e matriarcais, compostas por três ou mais famílias na mesma casa (uka) sogro, sogra, filhos, genro, nora e netos.

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Esse povo dominava a arte de fazer canoas, tradição herdada de pai para filho. Conheciam todos os rios da redondeza, os quais eles chamavam de veias da terra, comparando-os ao próprio corpo por onde passa o sangue. Por essa razão, ficaram conhecidos por outros povos como os Canoas, povo que dominava as águas. Conforme a cosmologia Omágua, acreditam culturalmente que as gotas da chuva em contato com a madeira, tanimbuka, encharcada com a água da chuva, deu vida a esse povo, como mostra o relato da origem do povo Omágua (Kambeba), também por isso, todos são de origem de água.

Levando em consideração o relato dos ancestrais, “a história do sol”, os Kambeba tinham grandes riquezas como ouro e prata, que representavam para eles poder e riquezas, e faziam sacrifícios a esse Deus (kuracy). Os ancestrais chamavam de terra do sol comparando o brilho do ouro aos raios solares e acreditavam que, no fim do pôr do sol, existia uma fonte ou mina de ouro, onde se encontravam fontes encantadas e quem olhasse essas riquezas não podia comentar com ninguém, senão desapareceria. Deveria sangrar o dedo e espalhar o sangue ao redor da mina para poder se apossar da riqueza encontrada.

O povo também tinha o costume de enterrar suas riquezas em potes e em baús e, vendo essas atitudes do povo, os invasores se despertaram para tais situações. Os portugueses e espanhóis foram povos estrangeiros que fizeram grandes massacres contra o nosso povo, motivados pela cobiça de entrar em suas terras e retirar não somente o ouro e prata, mas também a fauna e a flora e, principalmente, explorar a seringa.

Segundo relatos, esse povo era visto usando medalhões de ouro e prata, roupas com lindas pinturas, grafismo e botas fabricadas por eles mesmos do látex da seringa. Os brancos (muratim), ao encontrarem com esse povo, lhes admiraram por serem os mais desenvolvidos de todo o rio Marañon, o atual rio Solimões. Esse território se estendia desde Médio Solimões como atual município de Coari e subia para área de cima até o atual país peruano.

Esta região foi considerada pelos navegantes como o rio do veneno, devido às flechas dos Omágua que possuíam um veneno mortal.

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Devido às suas características diferentes, os europeus lhes puseram o apelido de Kambeba (kanga pewa ‘cabeça chata’). Eles tinham o costume de achatar a cabeça das crianças ao nascerem com um pedaço de madeira enrolado no algodão, posta no bebê (Tayna) por vários dias, conforme seu crescimento, até deformar o crânio da criança. Eles o faziam para se diferenciarem de outros povos. Este ritual foi condenado pela igreja como ato macabro, porque os freis diziam que Deus tinha feito o ser humano perfeito e não cabia um pecador deformá-lo. Com a atuação da igreja, esse costume ficou adormecido, mas ainda é lembrado nos dias de hoje.

Toda vez que nasce uma criança do povo Kambeba, é de costume cobrar do pai do recém-nascido o “mijo da criança”, que seria um modo de pedir que o mesmo dê um almoço ou uma bebida em comemoração a esse nascimento.

Nessa comemoração, os idosos lembram que ao nascer um menino macho, os urubus fazem a festa, porque esperam que futuramente esta criança cresça e se torne um caçador que lhes alimentará com dejetos de caça. O calango, por sua vez, não gosta do nascimento de meninos porque teme que, quando esse curumim começar a andar, ele vai ser o alvo do menino e, para aperfeiçoar suas habilidades de grande caçador, vai lhe flechar. O ritual do nascimento, mesmo sofrendo modificações ao longo dos tempos, ainda é um dos mais importantes para o povo Omágua (Kambeba).

Os invasores que impuseram esta visão não foram aceitos por esse povo forte e guerreiro, então começaram os conflitos que aqui ocorreram, com portugueses e espanhóis, por volta de 1709. Os conflitos afetaram principalmente o povo Omágua, pois, por se concentrarem às margens do rio Solimões, ficaram expostos a todos os tipos de violências como guerras e conflitos.

As embarcações que aqui chegavam atendiam pelo nome de Caioneiras de aviso de guerras e traziam muitos soldados (guardas) que lutavam contra o nosso povo. Os pontos estratégicos para observar essas embarcações eram as colinas mais altas como a cabeça da escadaria, o santuário de Santa Terezinha e o local onde está a praça Almirante Solimões, entre outros.

Todos esses cobiçadores tinham a intenção de entrar nas terras dos Omágua, retirar todas as riquezas e fazer desse povo escravo. Muitos foram 60

mortos, tiveram seus filhos arrancados de suas casas para o recrutamento nos campos de guerras, onde eram obrigados a matar o seu próprio povo. As crianças eram mortas, jogadas para o alto e espetadas em espadas; e as meninas eram violentadas e jogadas às margens do rio como um ser inválido à sua própria sorte. Algumas tinham a sorte de escapar, muitas vezes grávidas, gerando assim a miscigenação entre o povo Omágua (Kambeba) e os brancos.

Essas crianças não eram aceitas pelas famílias das grávidas, então esses bebês eram sacrificados e lançados às margens do rio ou enterrados vivos. Nessa situação, muitas dessas crianças tinham sorte de sobreviver, eram encontradas por outras famílias do mesmo povo que, percebendo que estavam diminuindo desordenadamente, as criavam como se fosse um filho para mais tarde, na idade adulta, casar-se com os membros da família que a criou, devido à carência do povo.

Podemos frisar que dona Eugenia Gean foi uma vítima desse caso, ela foi encontrada na margem da praia e foi criada pelos ancestrais da família Fermin e, na idade adulta, casou-se com Alberto Fermin, da segunda geração dessa família. Todos esses acontecimentos “contribuiu” para a redução da população Omágua (Kambeba) que, na fuga para escapar dos inimigos usou vários nomes como: Yoriman, Joriman, Solimões, Jurys13. São provas destas fugas as toponímias empregadas em localidades como o Passé, Paranã Paára, Parawasse, Tupinduba, Akaratuba, Katuriá, Kararuá, Akariwazal, Jakaparia e o Tupy 14 entre várias outras que atestam a estratégia de sobrevivência.

Frisamos também que os Omáguas (Kambeba) eram inimigos dos Ticuna e eram conhecidos por esses como awane, que significa ‘povo mal, perigoso, surgido das cinzas’, que representava para eles perigo. Nesse tempo, o povo Ticuna não habitava as margens do Solimões, mas vivia isolado nas cabeceiras dos igarapés.

Segundo os relatos dos ancestrais Omágua, na década de 1930 chegaram muitos imigrantes e estrangeiros nesta vila15.

Como mencionado anteriormente, atualmente os Omágua (Kambeba) relatam que os Yuriman ou Yurimáguas eram parte do seu povo.

14 O uso do termo Passé e Tupy para o povo Omágua, segundo a sua visão, está no primeiro capítulo desse livro.

15 Há registro da chegada de pessoas de outras regiões a São Paulo de Olivença em tempos bastante anteriores, mas frisamos que sempre o povo sofreu com as invasões que eram fortes nessa época, 1930, segundo a versão que nos foi contada pelos anciões Omágua 13

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Figura 43: Avião da Panair conduzindo pessoas de fora para São Paulo de Olivença no ano de 1930.

Figura 44: Anciãos do povo Omágua (Kambeba) relatando a verdadeira história sobre a trajetória de vida dos Kambeba. Senhores Julio Fermin, Alcides Cassiano, Plácido Cassiano.

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Chegada do missionário Samuel Fritz na terra indígena Omágua (Kambeba) e as denominações de São Paulo de Olivença16

A chegada de Samuel Fritz e sua atuação na região do povo Omágua é um marco histórico bastante conhecido e bem documentado. Segundo a versão do diário publicada em português, organizada por Renan Freitas Pinto, ele trabalhou na região de 1685 a 1725 e considera-se que se retirou com os Omágua para a região hoje peruana por volta de 1691. Afirmamos que são consideradas as narrativas apresentadas aqui pelas memórias vivas Omágua porque quando pesquisamos fontes vivas as datas podem ser alteradas por essas lembranças.

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Segundo as memórias dos ancestrais, com a chegada do Frei Samuel Fritz na aldeia Tawau (significa ‘terra dos águas grande’) ou Uté (‘águas pequenas’), nome originário da aldeia, atual Município de São Paulo de Olivença, toda a vivência do povo e do lugar foi alterada, passando por vários processos em seu nome. Pela igreja foram três nomes, mas na versão que os idosos dizem, foram muitos outros nomes. Teve o seu primeiro nome alterado como São Paulo Apóstolo, no ano de 1689, em homenagem aos caminhos percorridos pelo Frei Samuel Fritz, que foram iguais aos de São Paulo Apóstolo. Comparado o seu caminhar ao percurso percorrido pelo apóstolo Paulo, no caminho de Damasco, o Frei Samuel Fritz comparou a cultura, rituais e adoração dos deuses dos povos originários aos dos idólatras egípcios, que usavam e adoravam máscaras de animais ferozes, entre outros bichos.

Esse nome durou até o conflito que destruiu a aldeia em 1708, quando foi destruída e todas as casas foram incendiadas. Os Omágua foram pegos de surpresa na calada da noite, muitos morreram inocentemente, apenas alguns conseguiram fugir para outras localidades como Mesa de Renda (atual Município de Benjamin Constant). As famílias que fugiam, subiam os rios e avistavam, nas praias, as crianças recém-nascidas que foram abandonadas pelas mães Omágua, pois estas foram abandonadas por terem nascido de um ato de estupro ou portadoras de deficiências. Esses atos foram causados e praticados por homens brancos.

Os outros Omágua se escondiam nas matas, em buracos feitos por eles para justamente se prevenirem dos ataques, onde enterravam os alimentos em potes para serem consumidos por eles nos dias de guerras.

Após longos anos com um número bem reduzido de povoação Omágua (Kambeba), continuavam a chegar nesse local famílias de imigrantes como: Portugueses, Espanhóis, Italianos, Alemães, Judeus, Turcos e Franceses. Foi nessa época que esse lugar também foi chamado pelos estrangeiros de terra Del tablados, Dell as tabuas, cidade Dell as planchas ou planchados, devido morarem aqui o povo que usava uma prancha para deformar o crânio dos recém-nascidos. Também, esse mesmo lugar, era chamado pelos nativos como morada de Aparia ou santuário sagrado e ilha dos Tuye-ita (velhacos).

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Após tempo remoto, na temporada da exploração da borracha, chegaram os negros e nordestinos, os quais os Kambeba chamavam de Arigós. Os estrangeiros vieram fugindo da segunda guerra mundial. Os demais, negros e cearenses, vieram conduzidos por seus patrões, devido à notícia que se espalhou da borracha, com o propósito de ficar rico. Nesse contexto, com a retirada do látex da seringa no Alto Solimões, esse lugar sofreu na época, um surto de pessoas vindo de todos os cantos do mundo com a intenção de enricar-se. Falava-se que no Amazonas havia uma árvore que dava dinheiro, que era juntada em cambito (gancho) e que produzia um leite que era defumado e gerava a borracha.

O povo Kambeba, juntamente com os negros e nordestinos, foi escravizado pelos senhores coronéis da borracha, que tinham sua representação na capital do estado, na cidade de Manaus. Os trabalhadores, que eram chamados de fregueses, viviam na miséria, sem poder pagar suas dívidas, suas roupas eram esfarrapadas e de tão velhas não se sabia ao certo a cor do pano de tantos remendos. Esses novatos, nordestinos, negros e também outros, sofriam por não conhecerem o ambiente nos dias de conflitos. Ficavam perdidos no meio dos tiroteios, das guerras, sem saber onde se esconder, presos em espinhos. Morriam também com febre amarela, erisipela, malária, tuberculose, a pior das pestes, a varíola, e outras doenças.

Em seguida, foi nomeada com seu segundo nome, como São Paulo dos Kambeba ou Cambewa, nomeada pelos frades da ordem de Nossa Senhora do Monte Carmo, Carmelitas em homenagem aos nativos originários, moradores, donos das terras e primeiros habitantes, os cabeças chatas Kambeba17. Também foi chamado de São Joaquim ou São Pedro.

Vale lembrar que as repúblicas dos países Peru, Brasil e Colômbia ficam nessa área de fronteira do Amazonas, localizada nas proximidades dos municípios de São Paulo de Olivença, Atalaia do Norte, Tabatinga e Benjamin Constant.

Segundo as memórias, nem todas as nomeações foram ligadas à igreja, passam por época da ditadura e o ciclo da borracha.

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Nesse jogo de poder, o terceiro nome foi São Paulo de Olivença, nomeada pelo Coronel Joaquim de Melo Povoas, no ano de 1759, em homenagem a uma cidade de Portugal chamada de Olivença.

Para os originários Omágua (Kambeba), existe outra versão para o nome São Paulo de Olivença. Segundo eles, o nome é devido à grande quantidade de borboletas azuis e amarelas que existiam na época. Os originários comparavam as cores das borboletas ao linho muito fino, igual a vestimenta da senhora Constância de Olivença e, por essa família ser natural de Portugal da cidade de Olivença, lhes puseram o nome nas borboletas de Olivença, em homenagem à essa senhora, assim surgiu esse nome. Segundo os relatos da pesquisa com os idosos, esse casal chegou na região no ano de 1812, o Lorde português se chamava Vitorio de Almeida Olivença e sua esposa era a senhora Constância Silveira de Olivença. Pertenciam a essa cidade de Portugal e era costume, na época, colocar no sobrenome o lugar de origem das pessoas.

Beata Constância era devota do apóstolo Paulo e, por essa questão religiosa, juntaram-se os nomes Paulo que representa o santo e Olivença que representa o sobrenome ou lugar de onde vieram de Portugal, assim nasceu o nome São Paulo de Olivença. Nesse entusiasmo, para executar a promessa que havia feito com o santo, a mesma mandou construir uma pequena igreja para São Paulo e, desde então, esse é festejado por esse povo como tradição da religião católica. O santo se tornou o padroeiro da cidade de São Paulo de Olivença, festejado no dia 29 de junho até os dias atuais.

Figura 45: Os missionários em São Paulo de Olivença. Fonte: Acervo da OKAS.

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Figura 46: Missionários que viviam em São Paulo de Olivença. Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 47: Primeiras Madres Carmelitas da Paróquia de São de Olivença - AM. Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 48: Primeira antiga igreja construída em alvenaria de São Paulo Apóstolo, localizada no centro do Município. Fonte: Acervo da OKAS.

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Educandário Nossa Senhora da Assunção: a forma rígida de educar nos anos de 1921 a192518

A escola em São Paulo de Olivença é bastante anterior a este período, mas aqui apresentamos as informações segundo os relatos das lembranças das memórias vivas Omágua.

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No decorrer do tempo, com a chegada das irmãs Carmelitas e Capuchinhas, esse povo ficou nas mãos da igreja católica, que se encarregava de educar as crianças nos educandários construídos obrigatoriamente pela igreja. A igreja construiu várias obras, o Prédio da Prelazia, o hospital Santa Isabel e o educandário Nossa Senhora da Assunção, que era comandado pelas madres. O educandário funcionava da seguinte forma, os alunos e pais eram remunerados pelos seus trabalhos apenas com alguns alimentos perecíveis como óleo e leite. Os meninos homens só tinham o direito de estudar até a idade de 12 anos, sendo estes, alfabetizados ou não, privados de prosseguirem seus estudos e eram separados das meninas. A vigilância das madres era constante, as jovens meninas podiam estudar até a idade de quinze anos e recebiam a educação para o lar, um meio de prepará-las para o casamento, numa visão que a mulher só poderia, na época, ser preparada para ser esposa. Tudo isso acontecia numa educação rígida e tradicional.

Vale frisar, com base nos relatos dos idosos, que os prédios acima mencionados foram construídos com mão-de-obra das crianças que estudavam no referido educandário, isto era feito com ajuda dos pais desses menores, tendo como prioridade a catequização na língua portuguesa.

Figura 49: Crianças Omágua (Kambeba) aos cuidados das madres conduzem tijolos para construção dos prédios.

Fonte: Acervo da OKAS.

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Figura 50: Crianças Omágua (Kambeba) aos cuidados das madres conduzem tijolos para construção dos prédios.

Fonte: Acervo da OKAS.

Nesse contexto, o educandário Nossa Senhora da Assunção foi fundado em 17 de novembro de 1921 pelo Monsenhor Evangelista de Cefalônia, chefe da paroquia do Alto Solimões, conduzido por Frei Diogo, sacerdote da Prelazia.

As missas eram celebradas pelo padre Venceslau de Spoleto, vigário da Paróquia. Depois da fundação do educandário, o padre Monsenhor Evangelista de Cefalônia entregou-a para a madre Maria de Monte Justa, que comandava toda a responsabilidade sobre a escola, sendo ela a primeira supervisora.

Nesse caminhar, após a fundação do educandário, os alunos que estudavam em escolas rurais, como a de José de Anchieta, de São João e demais escolas, foram levados e recolhidos para a então escola católica paroquial como um meio de aperfeiçoar a educação de São Paulo de Olivença. Nesse contexto, podemos observar que os atuais bairros já foram chamados de áreas rurais na época que eram aldeias.

Figura 51: Alunos da escolinha rural de São João e escola José de Anchieta são recolhidos para o educandário central Nossa Senhora da Assunção. Fonte: Acervo da OKAS.

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Com base nessa conjuntura de aprendizado, a professora madre Maria Lucila do Monte Justa liderava a frente dos trabalhos educacionais do Colégio até o seu falecimento, no ano 1927. Após a morte da madre, assumiram a direção da escola provisórios Frei Ambrósio de Gaifana e Maria Augusta Liberato. Como a educação nessa época priorizava a catequização, tinham como base a língua portuguesa. O Educandário desempenhou por muito tempo um ensino baseado no seu propósito evangelizador e alcançou o resultado esperado, chegando a atingir outros lugares, por esse motivo, recebeu o título de melhor Centro Cultural do Alto Solimões. O Educandário recebia uma demanda de jovens de todos os lugares.

As madres convenciam os pais das meninas e meninos a levarem seus filhos em busca de uma formação de qualidade pois, no Colégio Nossa Senhora da Assunção, ensinava-se também as disciplinas de conhecimentos gerais, que tinha em sua grade curricular o teatro, prendas domésticas, culinária e música. Esse internato, coordenado pelas irmãs, durou até 1985, com a presença de 70 missionárias capuchinhas que desenvolveram na escola suas técnicas para ensinar.

Figura 52: Alunas da Escola Nossa Senhora da Assunção com uniforme padrão. Fonte: Acervo da OKAS.

Depois de longos anos, o segundo educandário, com dois andares e várias salas de aula, foi construído nos anos posteriores devido ao aumento de demanda de alunos que chegavam para obter conhecimentos da escrita, leitura e outros. Portanto, essas obras antigas são patrimônios históricos para os dias atuais. Como fontes de pesquisa, contribuem com o passado e ajudam a entender o presente da história Paulivense.

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Com base nos relatos feitos pela ex-aluna do educandário, Jurandir Seabra Braga, 89 anos (falecida em 2015), no primeiro ano de funcionamento a escola tinha apenas uma sala de aula, multisseriada, com trinta alunos, era frequentada por meninos e meninas, sendo que os alunos se sentavam separados das alunas.

Figura 53: Jurandir Seabra Braga.

Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 54: Alunos sendo catequizados e alfabetizados. Fonte: Acervo da OKAS.

Menciono que depois de uns tempos, foi construído um ambiente chamado de Teatro, que ficou conhecido como “Salão Paroquial”, o qual ficou decretado para funcionar especificamente para os curumins (meninos). Deste modo, foi planejado o local para que não houvesse entre ambos contatos entre meninos e meninas, permanecendo no colégio central somente as kunhãtãi (garotas).

Menciono com convicção que os jovens do gênero masculino só podiam frequentar as aulas até acabar a infância, aos doze anos. A partir dessa idade, deveriam procurar outros meios de trabalhos como, por exemplo, ajudar os pais nos seringais ou na roça. Na visão dos evangelizadores, os alunos, ao se tornarem homens, representavam perigo para as alunas, pois a sexualidade era totalmente proibida. Alguns dizem que o que se buscava não era um aumento desordenado de população, e sim bons modos e regras para a tão esperada catequização.

Na escola, o sistema rígido de disciplina, punia os atos considerados indisciplinares a todos que não tivessem êxito na leitura, escrita, no desenvolvimento das atividades de classe, nos exercícios e, principalmente, nos 73

aprendizados matemáticos como a tabuada composta das quatro operações. Todos estes ficavam submetidos aos castigos como esfregão de orelha, postos de joelhos em grãos de milhos, pedras e pinchas de garrafas e outros. A lição da tabuada era feita com palmatórias, quem não respondesse as respostas corretas levava as palmadas várias vezes nas mãos, chegando muitas vezes a sangrar. Tudo isso se dava em nome da dita civilização que eles almejavam para os nativos.

Do ponto de vista da evolução da escrita, da leitura e dos conhecimentos filosóficos do homem branco, podemos dizer que a Escola Nossa Senhora da Assunção, apesar de sua educação rígida, colaborou na realização da formação dos cidadãos que, por ventura e oportunidade, hoje, podem contar sua trajetória através da escrita, que é primordial para o desenvolvimento do homem enquanto sociedade nessa nova era do século XXI. É evidente que toda história tem sua parte negativa e positiva, podemos dividir essa história em duas partes: a) antes nos tempos antigos; e b) depois nos tempos posteriores a Dom Adalberto. Este, em 1961, assumiu a Prelazia do Alto Solimões, e com um pensamento fraterno passou a gerenciar toda a educação em São Paulo de Olivença e, de modo geral, de todos os municípios desta região do Alto Solimões com mais flexibilidade.

Figura 55: Chegada de Dom Adalberto Marzi em São Paulo de Olivença. Fonte: Acervo da OKAS.

Desta forma se deu a educação nos tempos anteriores. Nessa escola, a língua predominante e obrigatória era a língua portuguesa. Isso levou ao 74

quase extermínio da cultura e da língua materna de origem da população Omágua (Kambeba).

Com a catequização das crianças e com a orientação aos pais para que não falassem mais sua língua materna, porque a mesma era vista como algo do demônio, eles diziam para os Omágua (Kambeba) que as tragédias que aconteciam eram em virtude da cultura, dos rituais e da língua que eles falavam e praticavam. Isto fazia com que esse povo ficasse com medo, a ponto de não ensinar mais a seus filhos sua cultura. Eles diziam também que a deformação do crânio era ato diabólico, porque Deus tinha feito o ser humano em perfeita semelhança e não podia, um pecador, deformar um corpo perfeito, e condenavam essa cultura de achatar as cabeças.

Foi devido a esse ponto de vista, da Fé cristã, que exterminaram a prática de deformação da cabeça das crianças, chamada pelos freis de pecado diabólico. Mesmo assim, alguns ainda lhes desobedeciam, praticando e falando a sua língua de origem, ainda que apenas em suas casas. Quando esses eram descobertos, eram levados ao tronco e amarrados ao sol, sem comer e sem beber por vários dias, para que servissem de exemplo para os outros. Isso era executado pelos soldados, que tinham vínculo com a igreja, por volta de 1930, liderados pelo Capitão Trigueiro, conhecido também como Capitão Cruel, que comandava a delegacia que se localizava em frente ao atual Cartório Judicial de São Paulo de Olivença e atrás da praça São Paulo, a mesma era feita de barro chamada de taipa com vários troncos com correntes onde os presos eram detidos.

Figura 56: Guardas em São Paulo de Olivença. Fonte: Acervo da OKAS.

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Na delegacia, os detentos eram presos pela manhã e, durante a noite, os soldados lhes davam sumiço. Ao amanhecer do dia seguinte, quando a família chegava com o café para lhes oferecer, recebiam a notícia, pelos guardas, de que os presos haviam fugido e não sabiam o seu paradeiro. Dessa forma, nunca mais esses presos eram vistos novamente, e não se sabia o destino dos mesmos. Dessa forma, as famílias desses presos tinham que se conformar com essa ausência.

Conversando sobre esses acontecimentos antigos de sumiço dos presos, foi encontrado nos dias atuais, por acaso, no ano de 2012, atrás da igreja matriz Católica, pelo pároco padre Pedro Cesar do Amaral, quando o mesmo pretendia mandar fazer uma fossa de um banheiro pelos trabalhadores, um tipo de túnel feito de “acapu”, um tipo de madeira forte com vários Kawera (ossos de esqueletos humanos). Muitos desses ossos foram violados por curiosos. Diante dessa curiosidade, o padre acima mencionado mandou selar uma pedra de concreto por cima do achado, prova está presente ainda hoje no terreno da paróquia localizada atrás da igreja matriz de São Paulo Apóstolo.

Vale dizer que esse capitão cruel, que comandava todas essas ações nesta comarca, foi decapitado das duas orelhas pelo Sr. Manduca Mafra, que lhe cortou as orelhas por ser muito autoritário e as levou para a localidade onde morava na área denominada Correnteza, localizada as margens do rio Solimões. Ele as levou para mostrar para sua mãe e demais pessoas como um meio de provar do que ele era capaz de fazer com quem lhe contrariasse.

Pois, este era um dos filhos do coronel chamado também de patrão.

Podemos afirmar, com toda segurança, que houve muitos fatos perversos, em todos os sentidos, contra a integridade do povo Omágua (Kambeba).

Não somente neste local ocorreu este tipo de fato, mas sim em toda parte desse Município. Podemos dizer que uma história está escondida sob pedras.

Os costumes antigos do povo Omágua (Kambeba), como defesa para se defender de pessoas perversas, era exibir a cabeça dos inimigos na frente de suas moradas, usar colares de dentes para intimidar os inimigos. Vale lembrar que, nessa época, essa população já havia diminuído muito e, mesmo assim, esse povo mostrava resistência diante dos fatos. Mesmo debili76

tados ainda se negavam a se render ao domínio dos invasores. Mas como estratégia de sobrevivência se tornam fregueses dos patrões.

Figura 57: O Povo Kambeba resistindo no tempo, trabalhando para preservar sua existência e sobrevivência.

Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 58: Casa de taipa e ao lado pessoas e soldados no toque de recolher em São Paulo de Olivença.

Fonte: Acervo da OKAS.

Figura 59: A migração chega em São Paulo de Olivença, de outros lugares e principalmente dos países estrangeiros; começa a imposição ao povo originário. Fonte: Acervo da OKAS.

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Declínio, doença e redução do povo

Depois de algum tempo, nos anos de 1922, com a chegada em massa dos homens brancos, outro mal devastou essa população: a doença trazida pelos invasores, a varicela. Os Kambeba a chamavam de mal da bexiga, por causa das bolhas enormes que saiam em seus corpos e que provocavam a queda da pele.

Os doentes eram deitados em folhas de sororocas e bananeiras e, quando morriam, eram enterrados em um lugar adequado, dentro das igaçabas (camutim, pote) feitas de barro bem tampadas, juntamente com seus pertences, com a intenção de prender a doença junto ao morto, para que ela não pudesse voltar. Os Omágua sempre tiveram a cultura de enterrar os mortos dessa maneira, em potes chamados de urnas funerárias.

Com base nesses costumes de enterro, há vários sítios arqueológicos que comprovam essa realidade e estão localizados em Santa Terezinha, Lago do Jacaparia, Paranã Miri, Pinã Jandiatuba, Colônia São Sebastião, Sede de São Paulo de Olivença, Aldeia de São Raimundo do Universo (no rio Solimões), Lago Grande, atrás do Cemitério São Miguel (em Santa Izabel, sede de São Paulo de Olivença), entre muitos outros locais que não citamos, mas temos conhecimento que eles existem.

Como dito anteriormente, o povo saía de onde morava, fugindo do perigo da doença. Muitos desceram e subiram o rio, outros foram para as cabeceiras dos rios e para o centro das terras firmes, deixando seu habitat de origem vazio. Em São Paulo de Olivença, só restaram 20 ukas ou chupanas (casas) – que iniciava por um caminho na foz de Akariwazau (ponta de Santa Terezinha) e se estendia até o lugar Açaizau (na ponta de cima), hoje, atual bairro José Carlos Mestrinho. A massa maior dos Omágua se concentrava no Centro de Santa Terezinha – que era habitada por 9 famílias, sendo cinco de sangue nobre Kambeba. Os Omágua da classe social denominados verdadeiros (os das ilhas), os Yuetê ou awete, e os Omágua das terras firmes (Yurite ou Jurimagua) se localizavam do Santuário (morro do areal) para trás, formando um só grupo de resistência.

Após anos, começam a chegar outros povos e nordestinos que vinham para a exploração da borracha nos seringais, onde essa aldeia recebia o nome original de Akariwazau (que quer dizer, na língua Kambeba, eu-chefe-grande80

-água). Levava esse nome pelos Omágua moradores do local se julgarem na forma de ser os sábios inteligentes mestres e doutores, que possuem uma sabedoria própria cultural com habilidades e técnicas de estratégias jamais vista em outros povos admirados pelos viajantes da época – hoje conhecida como Santa Terezinha. É importante descrever que era assim que esse povo se considerava, por serem os sábios superiores aos demais povos da redondeza. Os Kambeba selvagens (roxo), da área do santuário para trás, mesmo morando na mesma área, às vezes se estranhavam, não gostavam muito dos demais Kambeba verdadeiros (awete), da área da frente do santuário. Quando esses dois grupos se encontravam, sempre acontecia xinga puxuera, lutas e brigas feias.

Com a presença da igreja e a chegada do senhor Prudêncio Ondion, vindo do Município de Manaquiri (entre outros moradores brancos), introduziu-se nas redondezas a devoção cristã. Ondion trocou o nome da aldeia Akariwazau para Santa Terezinha, pois o povo não sabia nessa época que mais tarde essa decisão os prejudicaria tornando a aldeia em bairro, como podemos observar no histórico de Santa Terezinha.

Figura 60: São Paulo de Olivença na época da aldeia. Fonte: Acervo da OKAS.

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De aldeia Akariwazau para bairro de Santa Terezinha

Primeiramente, ressaltamos que esse lugar era uma aldeia habitada pelo povo tradicional Omágua (Kambeba), originário desse lugar, que se chamava Akariwazau, que significa na língua Omágua da raiz do tronco tupi da família tupi-guarani com variação linguística do Solimões (A-eu, kariwa-chefe, zau-grande, u(y) –água) ou Apariazau (Aparia- chefe, zau- grande), em consideração aos líderes do povo moradores do lugar que eram comparados a pessoas grandes, sábias, dignas de respeito.

Eram diferentes dos outros povos da redondeza, possuíam uma ampla sabedoria própria, com autonomia e superioridade de liderança muito bem representados, sendo reconhecidos como um povo de muita representatividade em classe social.

Os primeiros habitantes daquela época foram os Omágua, era um povo muito grande. Após duras batalhas de guerras, conflitos, doenças e mortes, o povo que passou por vários obstáculos e fases, como a guerra com portugueses, espanhóis, contato da evangelização, período da exploração do ciclo da borracha, ditadura militar, entre outros surtos, contatos, massacres, pestes, doenças como a varíola e outras, se reconstroem a partir de poucas pessoas que restaram de todas essas barbáries, que são eles que muitas das vezes aparecem nesse histórico sem os sobrenomes, devido à vaga memória dos ancestrais que não lembram, como a senhora Eugenia, Deldata e João Custódio (que era conhecido como Mestre Eloi), Tuxawa geral Manoel Pinto Ramos Paranã e Leopoldina Gomes da Silva, que era tia de dona Raimunda da Silva, popular dona Mundica, morava onde hoje é a residência do seu sobrinho Julio Fermin, e este vive até os dias de hoje nesse lugar, que recebeu como herança de seus tios acima citados. Tinha também um morador conhecido como Gamela, que morava onde hoje é a residência do Francisco Castelo. A dona Balbina da Silva era esposa do Tutuca e moravam onde é hoje a residência do Manuelito de Oliveira e Silva. Todos esses moravam onde hoje é a Rua 10 de Novembro e seus sucessores estão espalhados em todo município de São Paulo de Olivença. Havia ainda os que moravam no alto do santuário: o Sr. Acendino e a Sra. Olga, a Sra. Ervina e filhos – Jacinto, Sebastiana, Eurides (que era surda) e Belinha, o Srº Pedro Barbosa e Raimunda.

Dando continuidade, depois do santuário dos Omágua, essa localidade recebia o nome de Foz do Ajaratuba, onde residiam os seguintes morado84

res: o Sr. Ananias, que morava perto da beira do rio onde é hoje a residência do senhor Pedrinho Barroso; mais adiante, morava a Sra. Lucila e Filhos Marcelino, Inez e Felicidade; a Sra. Emília Lucas e esposo Guilherme, residia onde hoje é o posto de saúde do Bairro (esse casal morreu no mesmo dia); em seguida, morava a Sra. Maria Lucas e a filha Nazaré Lucas, logo adiante, morava o tuxawa Yakã Yuaka Manuel Neves de Souza, a esposa, Maria Robertina da Silva, e os filhos – Mário Neves de Souza, Francisca Neves de Souza e Regina Neves de Souza (mãe da Tuxawa cacique geral Eronilde de Souza Fermin e esposa de Julio Fermin) – residiam onde hoje mora o Altamiro e no final da ponta da Foz do Ajaratuba, como era conhecido esse lugar; do sitio arqueológico Omágua para trás, vale dizer esses moradores falavam fluentemente a língua nativa, tinham seus próprios nomes na língua Omágua, mas por questões religiosas ambos eram considerados pagãos e foram batizados pela igreja com os nomes que mencionamos. Já o Frederico Ramos e esposa, Valentina Mafra, ambos eram comerciantes patrões, sendo a última casa; na foz do Ajaratuba residia a Tila Mafra e o esposo, Roberto Mafra, ambos também patrões comerciantes que chegaram nesse local vindo de outro estado.

Vale esclarecer que os Kambeba viviam da agricultura, da pesca, da coleta de frutas e da extração da matéria prima retirada da floresta como o látex da seringa que era entregue aos patrões, produziam utensílios para o uso diário, em trabalhos como a cerâmica, a canoa, o remo, o paneiro, waturas19, redes de fio de algodão, tucum e artesanatos, entre outros objetos.

Nessa época, a água vinha de igarapés e cacimbas – um tipo de caixa de água – e não havia energia elétrica e também não tinha rua, apenas um caminho, não tinha escola e nem posto de saúde. Eram utilizadas para cura as plantas medicinais, os pajés, as parteiras e demais costumes. As casas eram todas cobertas de palhas de cauasu e com paredes de paxiúbas.

Nesta época, na casa da Leopoldina Gomes da Silva, festejavam as danças tradicionais muito bem organizadas com bastante mordomos e mestres salas que eram responsáveis pelas festas. Nesse tempo, não havia prefeito, o povo era comandado por um líder que todos chamavam de Tuxawa,

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Tipo de paneiro usado para carregar macaxeira, milho, etc.

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o grande chefe era respeitado por todos. Nesta área, eram dois os maiores líderes, todos respeitavam seu nome, era Manoel Pinto Ramos Paranã. O Tuxawa morava com sua esposa Leopoldina da Silva. E o outro, também chamado de Tuxawa Yakã Yuaka, Manuel Neves de Souza. Todos os moradores mantinham o respeito, seus costumes e a tradição era baseada na cultura herdada de pai para filhos.

Neste processo de crescimento demográfico veio a miscigenação, os moradores que passaram a habitar esse lugar que vieram de outros lugares foram: Prudêncio Ondion, vindo da cidade de Manaquiri; segundo ele comentava, o Sr. Darillo e a Sra. Nazaré, vieram do Ceará; o Sr. Quintino Martins; o Sr. Benedito Aparício; o Sr. Cristóvão Mafra; o Sr. Alberto Ramires; o Sr. Cícero Félix, que se casou com a Sra. Luzia Tourinho, conhecida como Corinta e Solidade, era peruana; o Sr. Luiz Chavier; a Sra. Profíria, conhecida como Guta e esposa do Sr. Quintino Aparício, eram do Ceará; o Sr. Procópio era baiano; apenas a Sra. Elizia e o Sr. Manuel Lino, que vieram da zona rural, área do Jandiatuba, os primeiros Kambeba a migrar para a sede de São Paulo de Olivença.

Depois de se tornar prefeito, Prudencio Ondion, trocou o nome da Aldeia Akariwazau para Santa Terezinha, por ser muito devoto da santa, este senhor construiu uma capela pequena que reunia o povo para fazer as novenas.

Usando a mão-de-obra dos próprios moradores, mandou limpar o caminho dos Omágua e construiu a rua à qual deu o nome de 10 de Novembro, fez ainda uma calçada com cimento e pedras que mandou buscar de outro lugar.

Nesse tempo, existiu a primeira escola, que se localizava na beira do Solimões, chamada de beira mar, como era chamado o local onde hoje fica a casa do Sr. Ditimar Barreira Gomes, já destruída pelo fenômeno de terras caídas. Essa escola recebeu o nome de José de Anchieta, era coberta de palha e cercada por paxiúba. Era comandada pela Sra. Raimunda da Cruz, conhecida como Dona Dica. Tinha um tipo de fardamento e possuía um time de futebol denominado Anchieta. Seguia a metodologia tradicional da igreja.

Com a evolução do ambiente, na década de 1960, foi construída outra escola coberta de zinco e cercada de madeira, e se chamava Escola José de Alencar, localizada na rua 10 de Novembro – Santa Terezinha. Funcionava no 86

local que fica, nos dias de hoje, próximo da residência do Matias Tourinho.

Esta foi a segunda escola que atendia o público de Santa Terezinha, mas foi extinta em 1985. Depois de um longo tempo sem escola, no ano 2014, nasce, nesse Bairro, a terceira Escola, fruto das lutas e reivindicação das lideranças Kambeba, no modelo padrão do Município de São Paulo de Olivença. Esta escola é de alvenaria e coberta de zinco, e recebeu o nome de Escola Municipal Indígena Kambeba Professor Ivan Balieiro Saraiva, uma homenagem ao professor já falecido. Esta é reconhecida no censo do MEC como escola indígena Kambeba. A escola foi planejada para atender o público Kambeba nas modalidades de ensino da Educação Infantil, Educação Fundamental e EJA – Educação de Jovens e Adultos. Sendo obrigatório, na grade curricular, as disciplinas voltadas aos valores da cultura e língua Kambeba, ministradas em conformidade com as leis da educação Indígena, e ter somente em sua lotação professores do próprio povo Kambeba, conforme os critérios culturais estabelecidos pelo povo no protocolo cultural Omágua.

Vale ressaltar que com o passar do tempo, esse lugar cresceu, possui muitas casas, escola, a quadra de esporte Guararapes, igrejas evangélicas, posto de saúde municipal. A predominância do povo Kambeba dentro do Bairro de Santa Terezinha e do Município de São Paulo de Olivença como um todo é muito grande. Desta maneira, as lideranças do movimento Kambeba organizado não medem esforços para buscar possíveis soluções para desenvolver essa comunidade dos Kambeba e fazer a inclusão social desse povo, com perspectivas de dias melhores para esse povo Kambeba que vive nessa comunidade, considerado pelos órgãos discriminatórios de povo que não pode ter direitos porque são urbanos. Mas, para o povo Kambeba, eles vivem na sua própria aldeia, onde sempre viveram seus antepassados, precisam ser respeitados onde vivem.

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Ă rea do castanhal e a origem do nome Ajaratuba

Segundo Sr. Júlio Fermin, 84 anos de idade, esse lugar denominado Castanhal do Ajaratuba é uma terra Kambeba. A área é de preservação, onde sua família vive e tira o seu sustento dos frutos das castanhas, faz roças e outros. Ele enfatiza que o lugar recebeu esse nome devido à grande quantidade de pés de castanheiras que sempre foram cultivados pelo seu tio, Manuel Pinto Ramos Paranã, o fundador desse lugar; e também por causa do Igarapé do Ajaratuba, que fica às margens desse castanhal e que, na língua Kambeba, quer dizer ‘casa das onças’.

O nome Ajaratuba tem várias versões. Na primeira, Yawara quer dizer ‘cachorro’, nome este referido a onça e uka quer dizer ‘casa’, a pronúncia seria Yawara´uca na fala dos nossos ancestrais, depois de sofrer uma distorção na pronúncia, com o tempo se modificou. A segunda versão é uma mistura da língua portuguesa com a língua Tupi, o nome Ajaratuba significaria ‘lugar onde as onças viviam’, provavelmente tomando sol e bebendo água, chamados pelos nativos Omágua de casa das onças. Mas existe uma versão em que Yaratuba significaria ‘toca da mãe da água’, pois Yara na língua Kambeba é ‘mãe da Água’ e tuba significa ‘lugar’, que o povo denomina como toca ou casa. Também há outra versão, que diz que é Ajara provém de ‘Arraia’ devido ao fato de que no passado este local era a casa das Arraias.

Este lugar foi deixado pelo ancestral Manuel Pinto Ramos Paranã ou, como era conhecido, Manuel do rio, para seus familiares, como herança, passando de geração a geração como fonte de sustento. Ele recebeu o reconhecimento de tuyé ‘velho’ do rio, por seu desbravamento junto aos rios e florestas da redondeza, um tuxawa bravo, dominador dos perigos e desafios.

Para ele não tinha tempo ruim, era ágil e determinado a fazer e acontecer às coisas, conforme a necessidade do momento ou ocasião. A herança foi designada para seu sobrinho, Júlio Fermin, pois o mesmo sempre lutou e preservou, juntamente com seus familiares, este lugar.

Antigamente, ninguém andava naquela redondeza devido à grande quantidade de animais ferozes (principalmente onças). Então, seu Manuel, como gostava de desafios, construiu sua roça nesse local e fez muitos plantios de castanhas, frutas e madeiras. Esse local ficava longe da aldeia Akariwazal, hoje o atual Bairro de Santa Terezinha.

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Ressalta-se que, no passado, no Castanhal do Ajaratuba, tinha também muitas caças, era farto de tudo, tinha porco do mato, veado, maracajá, cachorro do mato, macaco aranha, bicho Yanawaí ‘mulher da água que se transforma em fera’, entre outros. O igarapé do Ajaratuba era fundo e tinha muitos peixes. Em sua travessia tinha muitas lontras e onças, e tinha o apelido de Ajaratuba do Luquinha, devido ao fato deste cultivar sua roça próximo ao igarapé.

Nos dias de hoje, esse local ainda está conservado, com plantas antigas como castanheiras, frutas diversas, roças, tintas naturais, sítio arqueológico, plantas de sementes para artesanatos, fontes de água mineral, nascentes de igarapés, área de arumãzal e cipós. Apesar de ainda haver uma parte preservada, é lamentável que o Igarapé Ajaratuba esteja sendo poluído devido ao crescimento desordenado em seu entorno e o desmatamento de suas matas ciliares.

Nos dias atuais, este local que se fazia distante da cidade, hoje já está às margens do município de São Paulo de Olivença. A família do Sr. Júlio Fermin tem lutado pela preservação do pouco que lhes resta dessas terras, com fauna e flora, em que se destacam as castanheiras centenárias. Vale frisar que, após o ano de 2009, com o deslizamento das terras na frente de São Paulo de Olivença, esse local das castanheiras corre o risco de ser destruído por invasores em decorrência de despacho de terras pelo setor fundiário da prefeitura. Vale frisar que toda essa área é reconhecida no setor fundiário da Funai como uma Terra Indígena Kambeba.

Fazemos apelos para manter esse lugar de pé, preservado por muitos e muitos anos para futuras gerações, esse é o desejo do ancestral Júlio Fermin.

Ressaltamos ainda que nesta área do Castanhal foi cadastrada uma escola indígena Kambeba no Plano de Ação Articulado – PAR do ano de 2013, com o nome de Kunhã Puranga. Este nome foi dado em homenagem à filha da Tuxawa (cacique) Eronilde de Souza Fermin, que morreu em 15 de fevereiro de 1999, no Igarapé do Ajaratuba, próximo ao Castanhal do seu avô Júlio Fermin, deixando toda sua família inconformada. A escola do povo Kambeba vai beneficiar as crianças Kambeba em todas as modalidades de ensino e funcionará de forma diferenciada e específica, conforme a reivindicação do povo Kambeba que, por motivo de politicagem, até o ano de 2020, não saiu 91

do plano e não foi construída, e está prejudicando várias crianças que estão sem escola neste local.

Figura 61: Alan Gabriel Fermin, de 10 anos, segurando a placa e sua irmã Iara Fermin, de 12 anos, banhando no igarapé em 09 de janeiro de 2014. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 62: Castanhal do Ajaratuba em 09 de janeiro de 2014.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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HistĂłrico da comunidade SĂŁo Raimundo do Universo

A Comunidade de São Raimundo do Universo está situada à margem direita do rio Solimões no município de São Paulo de Olivença, estado do Amazonas. Pertencente à Etnia Kambeba, sua população chega a 19 famílias que correspondem a aproximadamente 120 pessoas.

Sua economia está baseada na agricultura de subsistência com o plantio de lavouras de mandioca, macaxeira, pimentão, tomate, feijão, milho, melancia, banana, dentre outras. E também na coleta de frutos silvestres como o famoso açaí e certos tipos de óleos medicinais como o da andiroba, da copaíba; além do mel de abelha Jandaíra e da criação de animais.

Não podemos deixar de ressaltar que, nessa comunidade, existe uma boa quantidade de pescadores artesanais que fazem do rio e dos lagos existentes, atrás da comunidade, fonte de alimentação. O lago Tawana é o principal e deu origem aos outros lagos. Segundo Seu Francisco Nonato da Silva Kambeba, a história desse lago se originou devido à retirada de barro dessa área para fazer o aterro onde seria a atual aldeia Kambeba de São Raimundo. Devido a enchente, todos os anos, os animais sofriam muito com as alagações. Nesse lugar, eram criados muitos bois, que foram adquiridos em troca de trabalhos entre Kambeba e não indígenas. Segundo a história, a filha do tuxawa (cacique) todos os anos chorava ao ver seu animalzinho com os pés dentro da água sem ter um pedaço de chão. Então, o tuxawa (cacique) com pena de sua filha ordenou para seu povo que fosse feito o aterro. Após o aterro, foi fundada a aldeia Kambeba, por volta de 1739, pelos primeiros habitantes.

Também existe outro nome para essa comunidade, Tawana, cidade da criança. Diz a lenda que também, muito tempo atrás, existia neste local uma moça que engravidou da cobra grande (Buya Awaçu), o grande homem cobra. A primeira comunidade localizava-se atrás de onde está agora a atual comunidade de São Raimundo. Tudo aconteceu quando a moça deu à luz ao bebê da cobra grande. Segundo a história, a criança, de dia, era humana e, à noite, era cobra. Então, os moradores aterrorizados se reuniram e retiraram bastante lenha para queimar o bebê cobra. Quando a fogueira estava pronta, e o povo se aproximou para pegar o bebê para jogar no fogo, apareceu o Cobra Grande, muito enfurecido. No mesmo momento, a comunidade começou a afundar no remanso do rio Jandiatuba, onde é hoje o lago do Tawana.

Dizem os antigos que surgem desse lago monstros que assombram a comu94

nidade durante a noite. Diz a história que eles andam em busca do tesouro perdido que se encontra no fundo do lago, que foi levado por uma jovem que foi encantada em forma de boyuna ‘cobra grande’, a suposta mãe da criança, o bebê cobra foi levado pelo pai cobra para dentro do lago, que transitando por essa área das proximidades do Jandiatuba, deu origem aos demais lagos – como Redondo, Atravessado, Marimari, Tomás – e fez sua morada no famoso lago do Tayna ou Tawana.

Estes lagos são, para a comunidade, uma fonte de renda e sustento para as famílias. Depois deste acontecimento, a comunidade se mudou mais para frente, às margens do rio Solimões, onde está localizado um aterro de cerâmica, sítio arqueológico. Neste lugar, eram feitos seus rituais e um deles ainda podemos presenciar nos dias de hoje como prova dessa existência, assim como o sítio arqueológico de cerâmicas com traçados e grafismo, onde eram enterrados seus mortos e os alimentos nos tempos de guerras, vale ressaltar que, após muitos anos, devido às doenças e conflitos, esse lugar foi desprezado, voltando a ser habitado e considerado como a atual comunidade, fundada pelos irmãos Nonato, por volta de 1965. Esses irmãos vieram da comunidade denominada Boa Esperança e fizeram desse lugar a sua fortaleza. Visto que, esse lugar é um antigo aterro indígena Kambeba cheio de valores culturais, tradicionais e, principalmente, de reservas naturais que de uma forma bem definida pertence ao povo Kambeba.

A população local adotou como sua a religião Católica, festejando São Sebastião todo mês de janeiro, no dia 19, quando acontece o levantamento do mastro em homenagem ao santo.

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Autonomia e alimentação

No passado, todos os bairros de hoje do Município de São Paulo de Olivença eram as aldeias, na parte de cima, onde está localizado hoje o bairro de São João, era comandada por um guardião, o senhor Marcos Ramos Maia, primo das lideranças de Akariwazau, que era a maior autoridade do lugar, um tipo de líder tuxawa que todos respeitavam, pai da senhora Clara Maia, moradora do rio camatiã, que na língua Omágua quer dizer Kamã (seio) tiã (nariz).

Ele mantinha a harmonia, a paz, a ordem e a união entre os habitantes, zelava pelos doentes e orientava o povo a cuidar e guardar as praias. Tudo era farto, possuíam muitos quelônios em currais como Tracajás, Tartarugas e Aiaçás ou Cupeços. Muitos desses quelônios eram usados para consumo próprio.

Esse povo Kambeba também utilizava a negociação e a troca de produtos com outros povos, um tipo de comércio.

A alimentação desse povo também vinha de caças. A caça era praticada em grupos com armas como zarabatana, arco e flecha e armadilhas.

Também comiam peixes como pirarucu, tambaqui e peixe-boi. Destes, utilizavam a gordura para iluminação própria das Kandias (lamparinas), pois nessa época não tinha energia elétrica, eles faziam os postes e o local era iluminado pelo carbureto.

Da carne desses animais eram feitos vários tipos de comidas como: mugica, pupeca, sarapatel, fani, moqueados e a mixira – que é um tipo de cozido feito no próprio óleo dos animais, que se conservavam por alguns dias, e consumido com farinha de mandioca e beijus. O caldo da mandioca era usado como bebida depois de fervido no fogo com bastante pimenta chamada de tucupi pixuna, que serve para despertar os jovens da preguiça, tornando-os ativos para o trabalho.

Esse povo também tinha seu jeito próprio de conservação dos alimentos, enterrando a mandioca na lama para durar mais tempo. Faziam buracos na terra, forrados com folhas, para guardar frutas.

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Figura 63: Currais de tartarugas conservadas pelo povo Kambeba.

Fonte: Acervo da OKAS.

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Emancipação política e as formas de governar de São Paulo de Olivença

Este Município São Paulo de Olivença, passa por um processo vigoroso no comando dos invasores, na visão deles. Aprovaram leis deixando de ser aldeia para vila e, mais tarde, tornar-se Município, quando começaram as nomeações para prefeito. Vale afirmar que o povo Omágua (Kambeba) nunca concordou com essa atitude posta pelos imigrantes, sempre se consideraram morar em sua própria aldeia até os dias atuais. Podemos dizer que os primeiros prefeitos foram os apostólicos, pessoas nomeadas, indicados, e assim foram seguindo até os dias de hoje, eleitos nas eleições democráticas.

São Paulo de Olivença tornou-se município depois de um longo processo, no dia 31 de maio de 1882. Alguns dos Prefeitos que comandaram este lugar: • Nos anos de 1930 a 1932, Francisco Trigueiro Sobrinho; • Em 1933, Artecliades Trigueiro; • Em 1934, Raul Carneiro; • De 1937 a 1938, Eduardo Coutinho; • De 1938 a 1945, Alcides Câmara Raposo.

Foram nomeados como prefeitos Tibério de Andrade Ramos (em 1948) e Pepo Barcelos. Vale frisar que, nesse tempo, este lugar começou a sofrer os conflitos políticos.

Com o ato democrático aprovado no Brasil, foi eleito José Elias de 1948 a 1951. Vale lembrar, que este foi substituído em 1952 pelo presidente da Câmara Municipal, Francisco Vieira Coelho. Nos anos de 1953 a 1956, assumiu como prefeito Ondino Laredo Maia, que diante da perseguição política do senhor Abraão Mafra, teve que abandonar seu mandato e fugir para outra cidade, pois havia vários capangas em busca dele para matá-lo. De 1955 a 1960, José Elias foi reeleito pelo voto da população. De 1961 a 1963, José Araújo Mendes, também é eleito. Em 1964, foi eleito Bethoven Lerak de Sá, já em 1965 a 1968, foi eleito Jazão Alves dos Santos, popular seu (Dede), morador de Santa Terezinha.

Com a implantação do regime militar, em 31 de março de 1964, este município passou a ser considerado área de segurança nacional, voltando a 102

ter prefeitos nomeados. O primeiro a ser nomeado foi Silvio Nazaré Ramos, de 1969 a 1976. No ano de 1976, assumiu temporariamente como presidente da Câmara, Ditimar Barreira Gomes, ex-morador da comunidade Akaratuba (lugar das garças). No ano de 1976 a 1982, assumiu José Cruz da Silva. De 1983 a 1984, eleito como presidente da câmara Jorge Vargas, por necessidade assumiu como prefeito interino. Em 1985, foi eleito Apulcro Lima do Carmo Ribeiro. Nos anos de 1986 a 1988, foi eleito o médico da cidade, o qual o povo Paulivense tem bastante carinho e respeito, o Doutor Sebastião Dias da Silva Filho, e como vice Francisco Tourinho de Souza. De 1989 a 1992, foi eleito Jorge Vargas e o vice Reginaldo Muller. De 1993 a 1996, foi eleito prefeito Sansão Reinaldo Castelo Branco e vice José Cruz da Silva. De 1997 a 2000, foi eleito Alcides Muller e Hamilton Lima do Carmo Ribeiro Fermin, foi nesse período que houve uma grande revolta do povo com manifestações.

Queimaram a Câmara, a Prefeitura, a casa do prefeito e danificaram e mataram todos os animais da fazenda do atual IDAM, dando audiência em mídia, jornais na televisão. De 2001 a 2004, foi eleito como prefeito Hamilton Lima do Carmo Fermin e vice Maria da Conceição Ribeiro Castelo Branco. Reeleitos no segundo mandato em 2005 e 2008. De 2009 a 2012, a população elege calorosamente Raimundo Nonato Souza Martins (o curupyra, apelido aceito por ele com carinho chamado pelos indígenas), o qual tem todo meu respeito como liderança do povo Omágua por sempre respeitar nossas demandas e toda população. O mesmo foi reeleito para o segundo mandato nos anos de 2013 a 2016.

Em 2017 a 2020, o povo Kambeba sofre a maior perseguição política já enfrentada em todos os tempos, por pensarem que todos seres humanos podem ter suas próprias ideias e ser livre para escolher através do voto democrático o candidato que lhes convém. Ao assumir a prefeitura, a administração política atual resolve, como forma de punição, não dar trégua para as lideranças do movimento Kambeba organizado da OKAS, por não terem os apoiado politicamente, então começou seu mandato retirando todos os direitos conquistados na educação específica e diferenciada, que tanto as lideranças lutaram para conquistar.

Infringiu a lei da Oganização Internacional do trabalho - OIT, Convenção 169, entre outras leis nacional e internacional que ampara os direitos 103

dos povos originários. Não aceitando nenhum tipo de acordo posto pelas lideranças, proibindo a escolha de gestores, coordenadores pedagógicos e lotação de professores nas escolas indígenas Kambeba, mas o problema mais grave foi fechar o turno da noite das turmas da educação de jovens e adultos- EJA, cortar educação infantil na escola municipal indígena Kambeba Professor Ivan Balieiro Saraiva, e mandar os alunos para escolas não indígenas. Tudo isso como meio de mostrar retrocesso na nossa educação, em palavras rústicas, melhor dizer, a escola foi tomada pelo poder municipal, que fez desse ambiente um mercado de trabalho para ajudar a empregar os seus eleitores não indígenas.

As lideranças, desde então, lutam na justiça para conquistar os direitos acima mencionados e até o presente momento, sem solução. Vale frisar que já foi informado formalmente através de ofícios a todos os órgãos da região do Alto Solimões, Amazonas e em Brasília, os setores responsáveis da educação, mas os mesmos fizeram vista grossa. Diante do descaso das autoridades, as lideranças Omágua (Kambeba), por resistir e lutar pela sua educação, sofreram com graves ameaças de morte. Pessoas maldosas costumam espalhar na cidade que tudo de ruim que ocorre neste município é culpa da chefe dos Omágua, Eronilde de Souza Fermin, como forma de intimidá-la.

Isso tem causado problemas graves para a mesma de todas as formas que se possa imaginar, ferindo profundamente a sua alma de mulher Omágua, mas a mesma continua resistindo em busca de uma solução para todos os problemas que já estão protocolados na justiça e, principalmente, no Ministério Público Federal – MPF, que não prioriza a resposta urgente da educação dos Kambeba de São Paulo de Olivença, até o presente momento.

Ressaltamos que, com todas essas transformações no decorrer do tempo, esse povo Kambeba sempre cultivou suas práticas culturais como as atividades agrícolas, pescas, caças, e danças que ainda são utilizadas nos dias de hoje pelos Kambeba. Com o apoio de alguns órgãos competentes parceiros das causas indígenas, o povo Kambeba está se fortalecendo e lutando por seus direitos, resgatando sua língua materna, suas terras, cultura, seus rituais e tradições que há muito tempo foram proibidos de praticar.

Estes são lembrados pelos mais antigos, que somam um total de vinte falantes da língua materna que não deixaram morrer essas tradições. Estes 104

falantes e historiadores são: Plácido Cassiano, Alcides Cassiano, Raimundo Marcelo, Adélia Rabelo, Dionísia Andrade, Julio Fermin, Regina Neves de Souza, Francisco Andrade, Aurino Rabelo, Elizia da Cruz, Euclides da Costa, Dorina Batalha, Mariano Lucas, entre outros ancestrais que não citamos. Parte de nossa cultura, aos poucos, está sendo colocada em prática nas reuniões e encontros comemorativos envolvendo os jovens, os adultos e as crianças do povo Kambeba.

Figura 64: Ancestrais do povo Omágua Kambeba, falantes da língua materna – Euclides Costa, Adélia Rabelo e Plácido Cassiano – em 22 de abril de 2012.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Danรงas e rituais culturais

Mencionamos, com grande entusiasmo, que o povo Kambeba sempre manteve sua tradição. No que tange a essa questão, mencionamos um breve relato de algumas danças (murasai), como a dança do Wacará – que é um ritual da piracema – e a dança da fartura dos pássaros que se juntam na beira do rio para pescar os peixes que sobem o rio. A dança é em forma de círculo e em fileira, como o vôo do pássaro, que mergulha e voa com o peixe no bico, como se estivesse pescando.

A dança do tayaçu (porco), que é a dança da queixada, é dançada em pares ou grupos, como se estivesse fuçando a terra, é praticada com músicas e dura dois dias. Nessa dança, usa-se máscaras dos bichos do mato como curupira, porco espinho, caititu, caipora e outros animais. Durante a noite, os mordomos – um tipo de guarda bem vestido – aparece para cuidar dos jovens para não brigarem e aquele que for pego namorando ou conversando sem permissão dos pais é castigado pelos mordomos durante a festa, são levados e amarrados ao tronco de uma árvore durante a noite até o horário da manhã.

A dança do Guaricaya ‘espírito que invoca o pajé com o sopro forte’ é um canto e as sacudidas do maracá chamam para incorporar esse ser espiritual benigno. Às vezes bravo, aparenta ver todo o sobrenatural que assusta todos e dá forças para os homens, para se tornarem fortes e guerreiros. Também incorpora um ser bom que cura as doenças, dando proteção aos mesmos.

A dança do Sarakwakwera é a dança do passo na frente e outro atrás, é a dança do mascarado, é a dança tradicional mantida até os dias de hoje, aprimorada para a dança do africano, que é a dança principal dos Kambeba de São Paulo de Olivença. Esta dança representa o povo e sua criação de xerimbabos ‘animais da floresta domesticados’. Nesta dança, há a presença de mascarados como macacos, onças, curupiras entre outros personagens acrescentados conforme o tempo.

Na dança do London, o casal entra na roda imitando qualquer tipo de animais ou gestos. A dança do Mandu Sarara, a dança da despedida. O xote e a valsa dos Kambeba são dançadas em pares, como cerimonial de casamentos, ou posse de tuxawas. A dança da borboleta (panapana), é realizada em tempos de colheitas no ajuri. A dança do urubu, representa os dejetos de alimentos ou de caças.

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Figura 65: Curupira e Guaricaya, em 22/05/2013. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 66: Danรงas do povo Kambeba e Muratupana. Fonte: Acervo da OKAS.

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Ritual Kãnga Pewa: do nascimento das crianças e da deformação da cabeça

Durante a gravidez, a gestante era acompanhada pela parteira, que fazia todo mês uma apalpação para saber se a criança, dentro da barriga, estava acomodada da forma correta. A parteira, observando semanalmente o crescimento da barriga da grávida, tinha uma noção se a criança era menina ou menino, pela forma do crescimento da mesma. Nas primeiras dores, a parteira sovava a barriga com óleo de arraia e oferecia para a mãe, que esperava o nascimento do bebê, um chá feito de folhas de algodão com pingos de óleo de arraia, para a mesma ter noção de que horas a criança iria nascer.

Após tomar o chá, a grávida sentia contrações, uma ou duas. Conforme as dores, a parteira sabia a hora que o bebê ia nascer. No parto, a mãe que estava próxima a dar à luz, com orientação da parteira, era orientada a se sentar num banco pequeno, apropriado para a ocasião do parto. Era aconselhada a segurar num pedaço de madeira, amarrada numa corda do fio do tucum, segurada no caibro ou na cumeeira da casa, entrelaçada bem forte para não soltar. Desse modo, esperava a dor para fazer força para o nascimento.

A mãe era acompanhada a todo instante pela parteira, a qual seria a primeira madrinha de água do bebê.

Ao nascer o pequeno bebê, sua chegada era anunciada pelo pai através de um rojão de tiro, chamado de roqueira, para toda a aldeia saber que havia nascido uma criança. Antes do corte da placenta, a parteira lhe dava o primeiro contato com a água, banhando o pequeno com ervas de cheiro para não pegar mal olhado e quebrante. Em seguida, o bebê era envolvido em um manto feito de algodão tecido, a parteira pegava um pedaço do fio do algodão torcido e amarrava o cordão umbilical depois de cortado. O corte do umbigo era curado com óleo medicinal da copaíba, para não infeccionar. Quando o umbigo sarava, o pedacinho que caía, depois de três dias, era amarrado na cumeeira da casa, para que o bebê não adoecesse.

Logo após o corte do umbigo, começava o ritual de deformação da cabeça das crianças, chamado de Kanga Pewa, que significa ‘cabeça chata’. No ritual, chegava um grupo de anciões de mulheres e homens, que saiam de suas Ukas ‘casas’ ao ouvirem o barulho do tiro feito pelo pai. Esses vinham dançando a dança do urubu chem chem, até chegar na casa do bebê. Apenas estes podiam se aproximar do pequenino nenê, vinham para a escolha dos padrinhos do Kanga Pewa, tomando pajuaru, anunciando o mijo ou urina do 112

nenê. Após a dança, era feita a escolha do padrinho que faria o ritual. O escolhido, começava a prensar a cabeça do recém-nascido com uns pedacinhos de bambu embrulhado com algodão, feito uma pranchinha, para não ferir a pele do bebê. Com ajuda dos demais que se faziam presentes, em seguida, após terminar o ritual, o padrinho colocava o bebê num berço feito de madeira, uma canoa pequena dentro do reservado, juntamente com sua mãe. Terminando o ato, todos iam embora dançando da mesma forma que chegaram.

Iniciava, assim, o resguardo do parto da mãe, que durava quarenta dias dentro do mosquiteiro. Após o ritual, o bebê não podia mais ser visto por ninguém antes de completar sete dias de vida, podendo ser visto somente pelos padrinhos. Durante esses sete dias, todos os visitantes, após essa data, para ver a criança recém-nascida, tinha que levar dois pedaços de madeira pintada com figuras de animais. Ao chegar, batia com os pauzinhos em cima da criança, fazendo ruído, falando uns dizeres de bem para poder agradá-la e, assim, espantar os maus espíritos. Também, durante as visitas, traziam como presentes machadinhos de barro e madeiras, flecha e arcos, entre outros. Conforme as atividades que estes praticavam, esses presentes eram usados também para curar a criança nova.

Devido à crença dos mesmos, quem não fizesse isto ao sair, o espírito do menor poderia sair de seu corpo e o mesmo poderia ficar desprotegido e sentiria moléstia. Se o visitante tivesse visto cobra, ele deveria levar um pau com figura de cobra para que o bebê não sentisse espremeduras. Também era de costume da família fazer pacto com os animais para a criança no futuro ser bom caçador.

Depois de meses, esse material era removido, ficando a criança com a cabeça deformada, achatada. Ressaltamos que esse é considerado como o principal ritual, também chamado de Kanata Kanã, isto é, ‘a luz’, devido a considerarem um nascimento como a espera da luz.

Durante o crescimento da criança, se ela ficasse doente, era banhada debaixo de uma atura ‘paneiro’ pelo pajé, para que a criança ficasse curada.

Segundo a cultura, esse paneiro velho, já utilizado, trazia consigo grande sabedoria e forças da natureza, que guardariam o corpo da criança, pois são considerados espíritos de pajés.

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Após a remoção da pranchinha, o povo fazia a festa ‘Murasai’, para comemorar o sucesso do achatamento. As músicas eram cantadas pelos idosos na língua materna Kambeba, que é a língua desse povo. Os instrumentos musicais usados em seus rituais são, tamborim, maracá e flauta feita de bambu e sementes. Todos, nessa cultura, praticam a dança, idosos, jovens e crianças.

Figura 67: Ritual do povo Kambeba Kanga pewa de São Paulo de Olivença, em 02 de abril de 2012.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 68: Ritual do wakara realizado em 19 de abril de 2013.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Calendรกrio e clรฃs

Toda criança Kambeba, ao nascer, tem uma sina, dependendo do mês do nascimento. A origem de todos os Kambeba que nascem sempre é de água, que vai de janeiro a dezembro, não importando o mês, devido a água fazer parte da sua origem. É mais eficaz para os que nascem no mês chuvoso, chamados de Omágua filhos das águas. O clã é como um espírito escolhido conforme o mês que a criança nasce, associado a força da diversidade da floresta. Todos são chamados de filhos da natureza, da lua, do trovão, do vento, do sol, da noite, do dia, etc., conforme as forças da natureza e dependendo da força que o mês oferece. Estes clãs se baseiam no fato de que os fenômenos da natureza fazem parte de sua formação na origem. Abaixo, abordamos os meses do calendário Omágua (Kambeba) segundo esse costume, usando a numerologia das ancestralidades Omágua.

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Urãne akayu kwe

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Amurãne akayu kwe

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Musapurãne akayu kwe

4

Urându akayu kwe

5

Musapurãdu pu akayu kwe

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Musapurãdu pu urãne akayu kwe

7

Musapurãdu pu amurãne akayu kwe

8

Musapurãdu pu musapurãne akayu kwe

9

Musapurãdu pu urându akayu kwe

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Musapurãdu pu + pu akayu kwe

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Musapurãdu pu+pu akayu urãne kwe

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Musapurãdu pu+pu murãne akayu kwe

Figura 69: Calendário Omágua (Kambeba). Desenho de Anderson Fermin da Silva.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin, 2009.

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JANEIRO: mês chuvoso, nação de água. Associa-se ao clã todos os animais aquáticos e também os animais e insetos que andam anunciando a chuva e após a chuva, além de raio, relâmpago, trovão, vento, temporal e chuva.

Todas as crianças que nascem nesse mês são consideradas filhas da água, raios, relâmpagos, trovão e do vento. São de comportamento forte devido a todas essas forças. O clã é escolhido pela família, comparado a força que for adequada e estiver no foco acima das outras forças menores.

FEVEREIRO: mês do verão, nação do sol. Todos que nascem nesse mês tem a influência do sol, são raivosos, de gênio forte, explosivos, não podem ser contrariados. A família desses esquentados tem que ser flexível para entender essa sina que eles trazem. Vem associado com o tempo das forças e das frutas, podendo ter como clã, todas as plantas e frutas silvestres desse mês. Também podem ter como clã os animais da floresta que costumam comer essas frutas. São considerados filhos do sol e da floresta.

MARÇO: mês das diversas forças, como: o tempo das flores, da flecha, das plantas da natureza, do verão, da desova dos peixes, das frutas, tempo de plantio. O clã pode ser associado a todas essas forças. São chamados filhos da prosperidade, do amor, da paciência, do vento e do sol. São bons, calmos, meigos, manhosos e, às vezes, agressivos.

ABRIL: mês da cheia do rio, tempo chuvoso, das frutas do mato, da força das águas e das madeiras. São considerados filhos das águas, das florestas e do vento. São meigos, solidários, às vezes, de temperamentos fortes.

MAIO: mês das flechas maduras, das forças das aves de pena, da flor do taxi. Associa-se aos clãs de madeiras, de aves, de animais e da água. São chamados de filhos da natureza e do vento. São determinados e carismáticos.

JUNHO: mês do início do verão, da vazante do rio, do começo da seca, quando as águas estão descendo. Tempo do início das praias, da flecha madura, da força dos filhotes de animais de penas, do clã de tracajá, do papagaio e de outros. Os que nascem nesse mês costumam ser bastante faladores e fujões, conforme a influência da força da natureza que está presente nesse mês. São chamados filhos do sol, da terra e da natureza.

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JULHO: mês do verão, do início da seca do rio. Tempo das flores, das árvores de madeira, do começo dos temporais, da força das flores. A criança que nasce nesse mês costuma ser filha do sol, da floresta e do vento, de nação de água. O clã é destacado conforme o fenômeno do dia da passagem do mês.

AGOSTO: mês do temporal bravo, da força da lua nova, do verão. Tempo da praia, das desovas dos quelônios, da ninhada de filhotes de periquitos, da onça andar brava e dos cardumes dos peixes. As crianças que nascem nesse mês costumam ser filhas do vento, da lua e do sol. Costumam ser ligeiros, raivosos, manhosos, agressivos e formosos.

SETEMBRO: mês da tartaruga, da força do verão, do anúncio das onças e dos animais ferozes, da seca do rio, dos cardumes de peixes lisos de esporões. Tempo da fertilidade, da choca do pirarucu, do jacaré e das garças pescarem. As crianças que nascem nesse mês são filhos da água, da terra, do sol, das estrelas e das florestas, são persistentes, determinadas, bonitas, atraentes, raivosas, agressivas, prósperas, férteis e multiplicadoras.

OUTUBRO: mês do começo da enchente, do sumiço dos peixes. Tempo do pirarucu estar de filhote, do tambaqui estar de filhote, da onça estar brava de filhos. Tempo das águas, dos rios começarem a subir, das flores das árvores de madeira. São chamados filhos da lua, da noite, da natureza e da prosperidade. São imprevisíveis, prósperos, agressivos e encantadores.

NOVEMBRO: mês da cheia do rio, da escassez da pesca, do sumiço dos peixes. Tempo das frutas dos peixes, do capinuri, do caxinguba e outros, da força da chuva forte. Os que nascem nesse mês são considerados filhos das águas, da noite, da natureza, da chuva. São de temperamento forte devido a estarem associados à força da água e dos fenômenos como raios, relâmpagos e trovões.

DEZEMBRO: mês das flores, das frutas silvestres, das frutas de sapota e cacau. Tempo de passarinhos, de chuva, de sol, de animais selvagens, de filhotes e de escassez dos frutos do mato, etc. Os que nascem nesse mês são filhos do universo, da chuva e do sol. Costumam ser doces, meigos, terem carisma e serem frágeis, às vezes, furiosos e agressivos.

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Simbologia e numerologia Omรกgua

O povo Kambeba sempre teve seu modo de orientação no tempo através dos símbolos, observando o comportamento de animais, as fases da lua, o sistema do sol, as águas do rio, o aparecimento das estrelas e outros.

Usando a numerologia da natureza chamado de contagem da linha do tempo através dos numerais Omágua, que são eles: urãne (1), amurãne (2), musapurãne (3), urãdu (4), musapurãdu pu (5 = uma mão), musapuradu pu urãne (6), musapurãdu pu amurãne (7), musapurãdu pu musapurãne (8), musapurãdu pu urãdu (9), musapurãdu pu musapurãdu pu (10 = duas mãos), musapurãdu pu+ pu + urane (11), musapurãdu pu+pu+amurane (12), musapurãdu pu+pu+ musapurãne (13), musapurãdu pu+pu+ urãdu (14), musapurãdu pu+pu+ pu (15), musapurãdu pu+pu+pu urãne (16), musapurãdu pu+pu+pu amurãne (17), musapurãdu pu+pu+pu musapurãne (18), musapurãdu pu+pu+pu urãdu (19), musapurãdu pu+pu+pu+pu (20), etc.

Quando o uruá ‘caracol’ coloca seus ovos no alto de uma árvore, ele está anunciando a cheia do rio. A seca do rio é anunciada pela rama da tintarana, murerurana, que fica subindo no remanso e inflando. O peixe-boi, quando come capim e depois enterra na lama, assinala que o rio está prestes a secar.

Na vazante, a água do igapó está parada. O inverno é noticiado pela enchente, baixa muitos paus e mureru no rio. Quando o pau vem em pé no rio, vem anunciando a escassez. O repiquete anuncia que o rio vai secar e ele fica espumoso.

O povo sempre sabe quando algo de ruim está para acontecer devido a sua crença. Ao ver o corujão bate caixão, o bicho do jenipapo, o ambuá amontoado, o pássaro anu preto, o kauã gritando, o matimtim e o pássaro rasga mortalha, esses bichos e pássaros estão agourando, anunciando a morte e o conflito.

O povo também teme não criar como xerimbabo o jabuti porque tem uma crença que ele traz azar. Quanto às fases da lua, quando a lua está nova, está na época de plantar, pois essa fase influencia o crescimento das plantas.

Na lua minguante, ela fica escura e é tempo de beber remédios da natureza como caxinguba para matar os vermes do estômago. Na lua crescente, é tempo de cortar as unhas, os cabelos e de podar as árvores frutíferas. Na lua cheia, o tempo é farto, ao ver a lua cheia, as moças e rapazes costumam mostrar as mãos e braços para ter sempre fartura.

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O povo tem a crença de que ao ver vômito e cocô amarelo do pássaro, mãe da lua, alguém na família está grávida, anuncia a chegada de um bebê.

Quando o cachorro briga e chora no terreiro da casa está anunciando morte e briga de alguém.

A caçada se orienta pelo sol e pelo vento, quebrando os galhos das plantas para não se perder. Quando o vento sopra de cima, do leste, o rio está calmo. Se o vento sopra de baixo, do oeste, o rio está agitado com banzeiros. O vento do mato do sul traz friagem. Quando o vento sopra da frente para trás, espera-se banzeiro e temporal.

Estrelas são o modo de orientação primordial para o povo Kambeba.

Quando saem as estrelas de onde o sol senta, já são seis horas da tarde. Elas sentam onde o sol nasce e durante o mês de maio ela some no céu. A estrela chamada de Cruzeiro, quando está no centro do céu durante a noite, anuncia o horário da meia noite. A Estrela D’alva, costuma surgir às quatro horas da madrugada, horário dos homens saírem para pescar, ela senta às oito horas da manhã.

As nuvens brancas anunciam morte de pessoas boas e as nuvens escuras anunciam chuvas. O céu azul anuncia verão, sol e tempo bom para plantar as roças para não dar parara ‘mal’.

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Ritual CunhĂŁ Mucu Puranga

Ao se tornarem moças, quando suas regras menstruais aparecem pela primeira vez, as meninas donzelas Omágua (Kambeba) são aconselhadas a ficar numa rede, dentro da casa, durante cinco ou mais dias. Enquanto durar esse período da menstruação, são bem cuidadas, a mãe logo lhes oferece um chá da folha do algodão para que a jovem não sinta mal-estar e cólicas.

Para passar o tempo, tecem o algodão em carretel para ser batido no tear e ser utilizado na confecção de suas roupas e mantas. As moças são proibidas de serem vistas por pessoas estranhas e saírem de casa nesse período de menstruação, não podem pisar em escamas de peixes e nem em carvão, para se prevenir de miomas e câncer. Ao terminar as regras, são levadas às margens do rio ou de igarapés, e as mulheres mais idosas da aldeia vão lhes dar banhos com ervas cheirosas. Depois disto, são lavadas dos pés à cabeça e pintadas ao redor dos olhos com o Murucututu, do meio do corpo para baixo. Para que elas sejam preservadas dos males e das doenças, são colocadas embaixo da árvore de pupunheira, para que sejam despejadas as flores dessa planta na jovem e na gravidez não padeça. Depois, são levadas em andores de volta às suas casas.

Depois disso, vão lhes ensinar os saberes da vida como cozinhar, lavar e produzir utensílios domésticos e agrícolas da argila, dos cipós, das fibras de tucum e das palhas e das talas de arumãs. Tendo ensinado tudo isso com grande acompanhamento de danças e músicas, começam o ritual da passagem da criança para a preparação de adulta, conforme a cultura desse povo.

Em seguida, um pajé, o mais ancião ou cacique da aldeia, entrega esta cunhã ‘menina’ as quatro fases da lua (Yaci).

Sem que a moça perceba, dão-lhe um susto por trás das costas, com um golpe de uma haste de madeira, como se fosse um tipo de batismo. Com esse susto, o espírito de infância sai e entra outro de mulher, e é colocado um nome que conservará para toda sua vida, conforme a nação de origem de água e o clã de nascimento. No ritual, cada mulher da aldeia lhe dá de presente utensílios para que a mesma use na sua nova vida de jovem mulher à espera do casamento.

O matrimônio é feito com o pedido do pai do noivo para o pai da moça.

De preferência, aquele tem que possuir um dote para poder levar a filha deste. O jovem tem que ser caçador, pescador, possuir bons dons. Vale dizer que 124

a jovem prometida não fica a sós com o rapaz, o namoro acontece aos olhos do pai da jovem. Esse namoro é realizado um balando20 no outro, com sorrisos alegres entre o casal de noivos.

O ritual do casamento acontece com a mãe da jovem cantando o canto da despedida, em ritmo de choro. Ela a entrega à mãe do noivo e a jovem costuma receber como presente objetos como mel, caça, água, óleos medicinais e peixe. Cada um tem um significado para que a noiva não venha a padecer no casamento.

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Balar é jogar um pequeno papel, talo de madeira, etc. em outra pessoa.

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Ritual da Piracema e dança do Wakara ‘Garça’

A dança do wakará significa para os Omágua o ritual sagrado da fartura, que é o da piracema. É a dança dos pássaros que se juntam à beira do rio para pescar e comemorar a fartura, a migração dos peixes nos rios e igarapés conhecidos como piracema, quando os peixes sobem os rios. Os Omágua comemoram essa passagem com muito louvor à Tupã (Deus), que lhes mandará muitos alimentos. Toma-se a bebida de pajauaru, ‘caiçuma, vinho de palmeiras e de cascas de frutas fermentadas (aluá)’. O movimento da dança é a imitação do vôo do wakará ‘garça’ que, às margens do rio, mergulha e pesca o peixe para seu alimento.

Nesse mesmo movimento, os Omágua fazem o seu ritual da pesca, agradecendo ao Deus Jurupary – homem que se manifesta e toma feição de água, floresta, terra e vem também com a força do vento, raios, relâmpagos e trovões, conhecido e temido por muitos como o espírito que invoca no pajé, homem-bicho que ora é bondoso e ora é mau com a força sobrenatural, chamando o temporal e a chuva para dançar no seu ritual no cardume dos peixes.

Os filhos das águas fazem seu ritual com suas canoas e se põem a pescar à beira do rio com suas tarrafas e flechas, que são lançadas na água a mergulhar para pegar os peixes para seus filhos, alimentar Kariwa – homem boto vermelho, sábio que vem do fundo do rio para enganar a moça. Ele traz o peixe para perto da tarrafa e em troca pede um cigarro para a canoa não alagar, vem trazendo para essa festa a Yara, mãe da água, princesa do rio, com seu canto e assobio.

A cobra grande (buywna) vem trazendo o encanto e o banzeiro. A potyra ‘flor’, a deusa da floresta, que toma feição de uma linda moça, que encanta os homens com sua pusanga, mas na verdade é a curupira com sua gargalhada, que se põe a enganar e maltratar quem a natureza devastar. Vem também o Pé de Pilão, batendo sapopema, chamando o trovão. O Mapinguary, com seu grito valente, traz a bicharada para alegrar a festa, vem macaco, onça, queixada e o Guaricaia (espírito mal do relâmpago, raio e trovão, fazendo o dia virar noite e o homem se perder nas matas) para o povo se juntar com os Omágua (Kambeba), os filhos das águas, geração milenar. Nessa festa (murasai), a dança tem a duração de três dias em noites de luar.

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Figura 70: Ritual do cardume dos peixes (pira), chamado de piracema, em 19 de novembro de 2009.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Pinturas corporais

Para os Omágua, as pinturas são feitas somente nos dias de festa e de guerra, através de tintas naturais como jenipapo, lacre, urucum (vermelho) – usado para aviso de guerra – açafrão, cumaté, cipós, e pacuá caatinga. Estas plantas são retiradas da floresta. As pinturas são feitas no rosto, costas, pernas e braços, conforme o clã ou nação de cada um (por exemplo, clã de onça pinta-se com as características da onça), exceto os líderes, que possuem pinturas exclusivas deles. Os grafismos usados nas pinturas e utensílios representam sinais de linguagem entre os Omágua (Kambeba).

Cada traço tem seus significados como a força da natureza. O sol, o verão, representa o tempo bom para o plantio. O inverno, a chuva, representa um tempo de farturas e a espera da enchente baixar as águas para recomeçar a produção outra vez das plantações. As fases da lua – nova, crescente, minguante e cheia – representam o tempo de crescimento das plantas e colheita. O vento, temporal, representa um tempo mal e ruim. Os traços representam os caminhos percorridos por esse povo nas florestas e rios com suas fases de enchente, vazante e seca. A contagem do tempo, do dia, do mês e do ano se dá através dos grafismos. A forma de comunicação com os sinais ocorre para avisos de perigo de guerras, ajuri e festas.

As máscaras, que são usadas pelos pajés, representam os espíritos da floresta e do Yupari ou Jurupari Tururucari, um deus considerado pelos Kambeba benigno e bondoso, que os protegem dos males e animais perigosos.

Para a ocasião de festas, adoram se enfeitar com colares, pulseiras e brincos confeccionados por eles para essas datas festivas, lembradas nos dias de hoje no período da seca, no mês de setembro, nas festas no mês de junho e no inverno, no mês de janeiro a maio.

Figura 71: A pintura representa a contagem do tempo e o ciclo de rotação, em 20 de novembro de 2012.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 72: Cerâmica do Santuário Santa Terezinha, representa contagem do tempo.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 73: O grafismo Tuyuka Yuaka representa poder de domínio do universo interno e externo, é um símbolo familiar, restrito para ser usado somente por Yakã Yuaka Tuxawa (cacique geral).

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 74: O grafismo das quatro fases da lua, Yaci, representa a mulher Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 75: O grafismo Yutu, ‘vento’, representa a força da liberdade dos jovens e Kurumim Omágua de experimentar suas habilidades e curiosidades.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 76: O grafismo do sol, Kuracy, representa a força dos homens Omágua e o sistema de orientação do povo.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 77: O grafismo estrela, Yaçu, representa as crianças Omágua, a força da mãe do firmamento e o brilho da luz no nascimento.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 78: O grafismo Awata Tuyuka representa os caminhos percorridos pelos Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 79: O grafismo Buyuna representa a cobra grande, o perigo dos seres encantados das profundezas. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 80: O grafismo Uruá Muyra representa o caracol (este mede o nível da água do rio na enchente através dos seus ovos nas copas das árvores).

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 81: O grafismo Paranã representa a ira através do agito do banzeiro do rio durante o dia e a tranquilidade e mansidão das águas durante a noite, que influenciam na vida dos Omáguas.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 82: Grafismo Awa Akayu Ysawa, calendário Omágua, que traz dentro da linha do tempo a sina de todo o povo Omágua, são usados nas pulseiras, roupas e tiaras do povo, representa a contagem do tempo através dos cortes nas árvores, a duração e a comparação da enchente de um ano para o outro a lua nova saindo de dentro da montanha sagrada.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 83: O grafismo Puá Xamanuari, amor, representa o casamento ou aliança.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 84: Grafismo Ãnga Yuaka, espírito celeste que representa o santuário sagrado onde estão enterrados os ancestrais.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 85: O grafismo Apurãnta Akayu, representa a contagem do tempo, do ano, do mês e dos dias da semana.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 86: O grafismo Xinga Pirãga Pixuna representa o aviso de guerras – dentro dos triângulos a cor é vermelha, representa sangue, e a cor preta o luto. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 87: O grafismo Panapana, borboleta, representa as colheitas.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Grafismos

Para o povo Omágua (Kambeba), o grafismo tem um grande significado e representa poder. Também o utilizavam como meio de comunicação entre eles nos tempos antigos. Os grafismos são os traços e todos tem um significado para o povo Omágua, eles representam os caminhos percorridos por esse povo nas florestas, nos rios e nas suas aldeias; representam a contagem do tempo, do dia, do mês e do ano; e suas formas de comparação com os fenômenos de tudo que estava ao seu redor.

A forma de comunicação era sempre importante, pois com os sinais poderiam saber os avisos de perigo de guerra. O ajuri era representado pelo grafismo menor e maior, medindo a distância de uma aldeia para outra. Os grafismos de festas eram os mais frequentes e tinham diversas formas expressas em diferentes rituais, como o do nascimento, o da menina moça, o dos jovens, o do casamento, o do legado de posse de Yakã Tuxawa para outro e o do enterro.

Esse povo era distribuído em dois grupos. Os Omágua das ilhas e várzeas usavam pinturas de animais terrestres, aquáticos, de aves e de plantas, exceto os líderes, que possuíam pinturas exclusivas deles e um tipo de tiara na cabeça feita do fio do algodão batido e tecido ou de palha e fibra, com grafismo conforme o cargo que ocupa de liderança. Os líderes também usavam colares de dentes humanos e de animais, e troféu de cabeça dos adversários para representar perigo naquele local, era proibida a entrada de estranhos.

A cabeça dos inimigos posta em estaca também servia como demarcação de território. O outro grupo, Omágua (Kambeba) da terra firme, possuía os clãs de animais ferozes, venenosos, de insetos que picam, de fenômenos da natureza (como raios, relâmpagos, trovões, chuva, vento, sol e lua).

Os grafismos usados nas pinturas e utensílios representam sinais de linguagens entre os Omágua (Kambeba), cada traço tem seu significado como a força da natureza. Vale frisar que todos os Omágua (Kambeba) possuem uma só origem de água, conforme sua história cultural. Para esse povo esse líquido é sagrado, representa a vida e, por essa questão, todos os Omágua são de origem de água e seu clã pode variar dependendo da força do mês em que o indivíduo nasce, conforme os fenômenos do tempo de cada mês.

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Figura 88: Peças de cerâmicas milenar com a figura do Uruá ‘caracol’, mede o nível da enchente do rio através dos seus ovos na cultura Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin em 2014.

Figura 89: Esse grafismo representa a força do ajuri na união do povo Omágua (Kambeba), mede a distância de uma aldeia a outra, orientando quem vem do Norte, Sul, Leste e Oeste, também apresenta as linhas do tempo do calendário Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin, no ano de 2014, achado no solo de São Paulo de Olivença.

Figura 90: Esse grafismo representa a pintura da menina moça quando fica menstruada pela primeira vez. A menina é pintada, do umbigo para baixo, feito pontilhado para ser preservada dos males do útero. A pintura é feita com sementes de algodão queimado, feito carvão. A cerâmica é um depósito para colocar todos seus pertences.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin em 2014.

Figura 91: Instrumento para torcer o fio do algodão, também usado como bastão de aviso de guerra achado em 2009.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin em 2014.

Figura 92: Instrumento de pedra, machado, encontrado em 2011.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 93: Esse grafismo representa a contagem da numerologia OmĂĄgua (Kambeba) os numerais a forma como o povo interpreta a natureza, achado na comunidade Kambeba de Santa Terezinha no ano de 2009. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 94: Grafismo da urna do YakĂŁ Yuaka (Apariwa) (chefe maior), representa domĂ­nio do universo interno e externo, achado na comunidade Kambeba de Santa Terezinha no ano 2014.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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FenĂ´menos da natureza na cultura OmĂĄgua (Kambeba)

RIO PARANÃ: Com suas fases de enchente, vazante e seca, esse rio tem muitos mistérios, com seus encantos. Segundo a cultura do povo Kambeba, acreditam que existem animais como cobra grande, boto e a mãe d’água, que leva as pessoas para as profundezas do rio transformando-as em bichos encantados.

Figura 95: Paranã rio Surimã, rio dos venenos, o Solimões.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

LUA (YACI): As fases da lua são nova, crescente, minguante e cheia, representam o tempo de crescimento das plantas e da colheita, que significa também para o povo o modo de respeitar o tempo para plantar, que influencia no comportamento de algumas pessoas. Segundo a cultura, aquelas pessoas que desejam se transformar em animais deitam no lugar de qualquer bicho e, na noite de lua cheia, se transformam nos bichos que desejam. As luas também indicam os tempos de cortar as unhas e cabelos. É de costume mostrar as mãos e as partes do corpo para a lua cheia para ter sorte e possuir beleza e cultura, fazer pacto com a lua, entregar as meninas para serem belas na passagem da puberdade.

O povo também acredita que, durante a noite, anda o Matimtim, que é o espírito de alguém que está dormindo e anda gritando durante a noite.

Quem ouve costuma chamar para tomar café pela manhã. Ao amanhecer, a pessoa aparece bem cedo para tomar café. Dessa forma, é descoberto de quem era o espírito que gritava durante a noite de lua escura.

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VENTO (YWTU): representa um tempo mal e ruim. O vento temporal traz maus presságios, segundo a crença do povo Kambeba. Esses fenômenos andam acompanhando os espíritos vagantes, destruindo quem os provocam e são chamados pelo povo Kambeba pelo assobio, vem acompanhado pelo Matinta, um tipo de espírito.

RAIOS E RELÂMPAGOS: São os espíritos do fogo que vem com o temporal para matar e queimar aqueles que são teimosos, que não respeitam a natureza. Segundo a crença é a presença do próprio diabo. O povo tem como cultura respeitá-lo, não ficar fora quando está relampejando. É de costume mostrar as mãos para o relâmpago e para o raio para ser igual a ele, rápido.

TROVÃO: Segundo a cultura Kambeba, o estrondo do trovão são as batidas de Tupã avisando Guaricaya que o espírito mal vai sair, o demônio.

Segundo a cultura, o demônio está preso, acorrentado e ele se manifesta quando morrem pessoas más, querendo pegar a alma para poder se fortalecer. Quando o trovão é de leve, o povo costuma sacudir as plantas para as mesmas darem muitos frutos.

SOL (KURACY): O verão representa o tempo bom para o plantio, para a construção das casas e roças. Segundo a cultura, quem olha muito para ele pode ficar cego, pois ele é um Deus, que foi encantado e costuma flechar quem o desafia.

CHUVA (AMÃNA): o inverno, tempo de chuva, representa uma época de fartura e a espera da enchente baixar as águas para recomeçar a reprodução das plantações. Na cultura Kambeba, a água da chuva significa vida dos Omágua, por isso a origem é de água. Também quando morre alguém, costuma chover muito segundo a crença do povo e o jurupari fica chorando para lavar os passos da pessoa.

ESTRELAS (YAÇU): as estrelas são mães do universo, elas representam a luz, costumam guardar os espíritos de cada criança que está próxima para nascer, elas trazem felicidades e anunciam também o casamento. Quando aparecem no céu, perto do sol ou da lua, estão anunciando casamento de alguém na aldeia. Elas anunciam que, as crianças que elas guardam, em breve vão ser liberadas para as famílias recém casadas na terra.

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Artes Omรกgua (Kambeba)

CANOA (GARA): sempre foi utilizada pelo povo como meio de transporte. Nos tempos passados, o povo Omágua (Kambeba) era conhecido como os canoeiros, por andarem em grandes canoas chamadas de voga (conheciam todos os rios das redondezas). Nos dias de hoje, as canoas trafegam nos rios, lagos e igarapés, é um meio de transporte importante, é feita da matéria prima retirada da floresta, de árvores de diversas espécies como louro, anamoim, cedro, tanimboka e outros. A canoa é fabricada de forma tradicional com a escavação da madeira.

Figura 96: Canoa no lago do Tawana. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

PANEIRO (WATURÁ PANAKU): utilizado como instrumento doméstico, serve para carregar diversos objetos, na atividade agrícola, na pesca e outros.

Feito de forma artesanal, tecido por quantidade de pedaços de cipós, conforme o tamanho do mesmo. Os paneiros são tecidos para representar grafismos que são feitos imitando as pintas das onças, e a matéria prima é encontrada na floresta. Esta matéria prima dá em árvores com os nomes de cipó titica, cipó ambé, cipó jacitara e outros. Esse material, segundo a cultura, depois de velho, sem serventia, é deixado no mato para se transformar em onça.

PENEIRA (WRUPEMA): é usada como instrumento doméstico no dia a dia para peneirar massa de mandioca, açaí e outros. É feita da matéria prima da floresta chamada de arumã, tecida de forma artesanal com talos do arumã e oito varinhas. Varia de tamanho, pequenas e grandes, imitando as escamas do peixe tambuatá e o grafismo de forma fechada e aberta. Segundo a cultura, ela, depois de velha, sem serventia, é jogada no rio e se transforma em Arraia.

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TIPITI (TIPYTI): Instrumento de espremer a massa da mandioca (macaxeira). Também utilizado como material de pesca, ele é feito da matéria prima dos talos do arumã e cipós de fibra de tucum e envira, tecido com uma determinada quantia de tiras de arumã dependendo do tamanho pequeno e grande. O tecido é idêntico ao casco do peixe sambuata, feitos artesanalmente. Segundo a cultura, esse utensílio, depois de velho, sem serventia, é jogado no rio para se transformar em cobra grande.

REMO (PUKUTAWA): Esse instrumento é usado pelo homem para fazer a canoa navegar, é utilizado também para mexer a massa da farinha no forno para não queimar, é feito de forma artesanal com a matéria prima retirada da floresta, a árvore.

PANELA DE BARRO (TAWAPEWA): Usada como utensílio doméstico para cozinhar os alimentos. Feita de forma artesanal culturalmente, com argila, barro e caripé, um tipo de cinza de casca de pau que serve para fixar a matéria prima para o barro não quebrar.

Figura 97: Panela de Barro. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 98: Urna funerária do povo Omágua (Kambeba), encontrada no Cemitério São Miguel, no ano de 2011. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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IGAÇABA: para o povo Kambeba, é instrumento sagrado, e serve para armazenar água e alimentos domésticos. Na cultura Kambeba de nossos ancestrais, servia como urna funerária para enterrar os seus mortos e alimentos em tempo de guerra. É vista, nos dias de hoje, em algumas residências que mantêm a tradição, e nos sítios arqueológicos por toda parte de São Paulo de Olivença.

Figura 99: Igaçaba. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

POTE (CAMUTIM): utensílio doméstico usado para armazenar água, bebidas, caiçuma, açaí, mel, garapa, pajuaru, dentre outros. Feito de argila, barro com caripé, de forma artesanal, com técnicas tradicionais. Segundo a cultura, depois que fica sem utilização, ele é jogado no rio e se transforma em peixe-boi.

Figura 100: Camutim. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

ESTEIRA (TUPÉ): usada como cama para dormir, é feita de forma artesanal, com fibras de palha de tucumã e corda de tucum torcido. É pintada com tintas naturais com grafismo imitando as pintas das onças, cobras ji-

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boias, arraias e outros. Segundo a cultura Kambeba, esse material, quando fica velho, sem serventia, é jogado no rio e se transforma em arraia.

REDE (KUSAWA): é usada para deitar, se balançar e descansar o corpo depois do trabalho. É feita artesanalmente da fibra do tucum tecido com instrumento próprio para o seu feitio. É pintada com tintas naturais, com grafismos imitando as pintas das cobras. Quando esse material fica velho, sem serventia, é jogado no rio ou igarapé para se transformar em cobra sucuriju, conforme a cultura ancestral do povo Kambeba.

MÁSCARAS-(RUA): são usadas pelos pajés, representam os espíritos da floresta e do Yupari ou do Jurupari Tururucari – um deus considerado pelos Kambeba, benigno e bondoso, que os protege dos males e animais perigosos. Para a ocasião de festas, adoram se enfeitar com colares, pulseiras, brincos confeccionados por eles para essas datas festivas. Lembrados nos dias de hoje, no período da seca, no mês de setembro, na época da piracema, nas festas do mês de junho, e no inverno no mês de janeiro a maio.

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Crenรงas e deuses

O povo Omágua (Kambeba) crê no deus Guaricaya, que domina os raios, relâmpagos e trovões, um ser perigoso; na deusa Yara, que domina as águas e o vento, é a mãe da água; no deus supremo e maior, que domina a floresta, o Yurupary.

O primeiro homem, também conhecido como Jurupari, Yupari, Tururucari, Tupana, deu origem ao povo Omágua. Através das suas cinzas surgiu o nascimento da planta tanimbuka que – ao crescer na floresta através da força sobrenatural do trovão, raios e relâmpagos – resultou na grande explosão da planta Tanimbuka, também conhecida como planta que surgiu das cinzas. A tanimbuka nasceu juntamente com sua esposa, o bambu conhecido como taboka, que deu vida à sua filha potyra, que é a flor da floresta, deusa do amor, que encanta e apaixona a todos com sua beleza, podendo também se transfigurar na curupira para proteger os animais e a floresta dos predadores. Também acreditam nos animais da floresta como: Mapinguary, curupira, mão de pilão, pé grande, Matintim, pinto sem cabeça, lobisomem, corujão rasga mortalha, mãe da noite, cobra grande, boto vermelho, mãe da lua, bichos encantados e outros seres sobrenaturais da cultura Kambeba

Figura 101: Povo Kambeba de São Paulo de Olivença, em 20 de maio de 2014.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Origem do povo Omรกgua (Kambeba)

Segundo relatos dos ancestrais Kambeba de São Paulo de Olivença – AM, o Jurupary (Yupari) foi um dos primeiros homens do sexo masculino da tribo Omágua (Yurimagua21) Kambeba. Considerado por seu povo como um deus que fazia a multiplicação da humanidade através da prática do sexo com as nações femininas (mulheres), prática essa desconhecida por todos os outros homens. Nesse tempo, para os outros povos, a inocência era tão grande que todos pensavam que as crianças se geravam no joelho, o mesmo se abria e saía os taynas ‘bebês’. Todos tinham curiosidade de saber por que o Jurupari, ao se aproximar de uma jovem, engravidava e as jovens davam à luz (pariam) um bebê. As moças (cunhã mucu) eram orientadas pelas mães a não mencionar o nome deste homem, considerado pelas mesmas como bicho. Afirmavam para suas filhas que ele, o Jurupari, era o demônio. Por causa dessa informação, por longo tempo, este foi visto como tal. Os idosos tinham vergonha de falar sobre essa história, por achar que era imprópria, trazendo consigo ainda a herança que ouviram de seus ancestrais no passado.

Diante dos fatos, o Jurupari causava a curiosidade e a inveja de outros homens de outros povos, o que era visível. Um dia os homens contrataram uma linda moça para atraí-lo a um lugar deserto no meio da floresta, então eles, enfurecidos, lhe amarraram e lhe obrigaram a dizer o segredo da reprodução. Diante de tantos sofrimentos e ameaças, o Jurupari mostrou-lhes o segredo que tanto causava impacto naqueles invejosos, a parte íntima do homem, que ficou conhecida como Turuçu do Jurupari (Yupari). Então, nesse momento, o espírito da vergonha do homem (pênis) saiu para a floresta e se manifestou em uma árvore e pode ser visto nos dias de hoje em uma planta da várzea conhecida como Kapinury ou árvore do pênis. Depois disto, tocaram fogo em seu corpo e, depois de alguns meses, nasceu no lugar das cinzas duas plantas - uma de cor verde e amarela chamada de Taboka ‘bambu’ – representado as mulheres que ele havia engravidado, por isso essa planta vive cercada de torcera, a qual representa as mulheres e filhos do Jurupari – e a outra planta grande e forte, chamada de Tanimbuka – representando o homem que viveu na terra e sabia multiplicar gente – sendo este o jurupari.

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Como mencionado anteriormente, os Omágua relatam que os Yurimágua seriam o mesmo povo Omágua.

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Um dia de raios, relâmpagos e trovões, as duas plantas, com a força do vento se entrelaçaram uma na outra e formaram o fenômeno do “torcimento”, como se fosse uma roupa espremida. O atrito entre as plantas, através do fogo do raio, não suportou e aconteceu a explosão de tanto amor dessas duas plantas, Taboka e Tanimbuka, que explodiu no meio da floresta amazônica parindo assim os Omágua.

O Guaricaya (valente, mal) – o deus do Relâmpago e do trovão –, da fumaça que subiu ao firmamento devido à explosão, fez duas nuvens, uma de cor escura representando o mal e outra de cor branca, representando o bem, e soprou, caindo em forma de gotas da chuva. A água em contato com a madeira deu vida e origem ao povo forte e guerreiro Omágua. Devido a esse fato, todo Omágua (Kambeba) traz consigo de herança, os dois gênios, um bom e outro raivoso. O espírito do Jurupary (mulherengo), incorporado através da água da chuva, entranhou nos pedaços de madeiras e encarnou dando vida aos homens Omágua.

A mesma água que caia da chuva foi rasgando a floresta e dando origem aos rios, fontes, nascentes e igarapés. Segundo Mariano Lucas, 85 anos, foi nesse lugar mais alto, à margem direita do Solimões – e tudo indica que foi aqui em São Paulo de Olivença no Morro do Yakã Kariwa ‘mestre, sábio que possui a sabedoria’ – que Jurupari consagrou a espécie Tanimbuka ‘planta da água’, que resiste a enchente e não morre.

Dessa grande explosão da árvore de tanimbuka, os gravetos da madeira que restaram em contato com água da chuva geraram a vida também dos animais. Ao encharcar a madeira nas gotas de chuva, a mesma umedecida se transformou em sangue e escorreu pelas entranhas da madeira, gerando o corpo dos índios Omágua.

Na floresta, os rios, lagos, igarapés, nascentes e afluentes foram gerados do mesmo modo, em formato de caminhos como nos corpos dos Omágua, que lhes chamaram de veias da terra, comparando-a com seu próprio corpo. Assim surgiu os Omágua e foram povoando e formando as aldeias, por isso são conhecidos como povo de origem de água e por isso esse líquido é sua principal nação originária.

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As folhas e galhos também foram aproveitados, deles surgiram os animais da terra, da água e do ar, como os pássaros, os peixes, árvores de frutas e outras espécies de plantas que servem para os Kambeba como alimentos, e também espírito que curam, um tipo de medicina que usam constantemente para curar as enfermidades.

Esses animais, plantas e fenômenos naturais são os clãs, conforme a data do nascimento de cada pessoa Omágua, influencia no gênio de cada família. As famílias preservam e zelam pela vida desses seres vivos como se fossem parte do próprio corpo, para que nunca se acabem da face da terra, por isso eles se transformam, quando morrem, em peixes aves e outros – como o beija flor que de tempo em tempo vem visitar sua família.

O espírito (anga) do Jurupary, desde então, pode se transformar em quem ele precisar, como terra, água, vento, florestas, e outros, podendo conduzir seu povo Omágua como tribo de bichos, devido ao mesmo recolher os restos mortais desses quando morre, transformando-os em plantas, animais, peixes e outros.

Com as sobras do pó da madeira umedecida da explosão, Jurupary deu um espirro e surgiu os besouros, lagartas e brocas que depois de algum tempo se transformaram em outros povos.

Um certo dia, Uipy – que era um menino travesso irmão de Yo’i, o deus do povo Ticuna – estava em cima de uma árvore de jenipapo apanhando as frutas para fazer as pinturas, assistiu a grande explosão lá de cima. Ele olhou para todos os lados, viu que nas margens do Rio Solimões havia grandes aldeias povoadas pelos Omágua, a quem eles chamaram de Ãwane, povo bravo (que surgiu das cinzas), falavam uma outra língua diferente de seu povo e, por ser um menino travesso, quis pregar-lhes um susto, dizendo-lhes “aí vem os Ãwane, vem para nos matar”. Então, o povo Ticuna fugiu e, até hoje, esse povo tem desconfiança com os Kambeba.

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Plantas medicinais e educação

Esse povo sempre utiliza para as curas as plantas da floresta e fazem um ritual para preparação dos remédios, fazendo um pedido para o vovô (tuyé) – velho Jurupari, o deus do povo Kambeba e da floresta – para liberar as plantas para as curas das doenças. Nesse contexto, os remédios são preparados de modo particular, conforme a cultura, utilizando argila (barro), cascas e folhas das plantas, raízes, sementes e outros. Costume e tradição milenar de geração para geração.

As puçangas são preparadas com ajuda dos pajés, com partes do corpo de animais como cobras, botos e plantas. As defumações são preparadas em vários contextos como para tirar a panema, ficar atraente, pegar um homem ou mulher, chamar dinheiro, entre outros.

As parteiras tradicionais fazem os partos do nascimento das crianças.

As sacacas, xamãs, benzedores assopram rezam e tiram o mal com seus xinapas ‘cigarros’. Dessa ciência, dos saberes tradicionais, mostraremos uma receita, usando as plantas da terra, do ancestral Julio Fermin, de 84 anos, um bem feitor das curas. Como essa receita que iremos demonstrar, com a permissão do sabedor, existem muitas outras na sua sabedoria que seve, para o povo Omágua, como cura dos males que são as doenças.

Figura 102: Awerana – planta medicinal usada para a cura do câncer e do reumatismo nos ossos.

Para fazer o tratamento com a awerana você deve secar as folhas, fazer o chá e tomar como água quantas vezes ao dia quiser para curar o câncer. Se você tirar o sumo das folhas verdes e tomar 3 vezes ao dia, serve para curar dor de urina, dor no estômago e gastrite. Ferver as folhas da awerana junta-

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mente com a folha do café-rana e hortelã da folha grossa, serve para fazer o banho morno relaxante para dor nos ossos e reumatismo.

Vale frisar que todos esses ensinamentos são sabedorias particulares de cada família, conforme a natureza dos primeiros ancestrais a que pertencem, como os que fazem receitas de plantas naturais para curar as doenças; os pajés que rezam e incorporam os espíritos das florestas, da água e do ar; as parteiras que trazem na sua natureza a ciência e a técnica de ajudar trazer um bebê ao mundo; os feiticeiros que sopram males e doenças em seus inimigos; os que usam da sabedoria para fazer todos os tipos de artes como, potes utensílios domésticos e de caçar e pescar; entre outras ciências do próprio povo Kambeba.

Enfatizo, com grande admiração, que os ensinamentos da pedagogia deste povo se dão através dos ensinamentos de um fato, de contar uma história através das demonstrações para seus filhos, na forma de observações das práticas dos adultos, utilizando como fonte a natureza como a floresta, o rio, os animais, e o universo e tudo que nele existe. Transmitindo para seus filhos os ensinamentos do fazer, do acontecer, dos experimentos, do aperfeiçoamento, da capacidade, da liberdade, da transformação, da comunicação, dos desafios, do respeito, do que pode e o que não pode fazer, e demais ensinamentos.

Nesse contexto, frisamos uma breve história de ensinamentos de como educar um filho para que o mesmo tenha o costume de dormir à noite no horário certo. Era pelo conto da história do Murucututu, conhecido como coruja. Segundo a senhora Regina Neves de Souza, de 85 anos, ouviu de seus ancestrais, quem não dormisse durante a noite no horário das 20 horas estaria sujeito a ficar sem os olhos, devido a chegada da coruja Murucututu, que vinha cantando ao redor das casas, adivinhando que ali haveria crianças acordadas. Ao chegar próximo da casa, a mãe perguntava ao Murucututu onde o mesmo gostaria de dormir, “Na rede?”. Ele lhes respondia, ao cantar, “na rede, não, Tana Merece, não quero”. “Vem dormir na esteira”, a coruja lhes respondia “não quero, Tana merece”. A mãe, para fazer com que seus filhos fossem logo para a cama dormir esperava Murucututu cantar novamente e lhes dizia “vem dormir no Mosqueteiro, então”. O bicho batia as asas e fazia “eré, eré, eré (sim, sim, sim)”. Então todos, com medo, iam dormir no 159

horário certo, deixando seus pais tranquilos, sem ter que estar obrigando ou batendo para fazer as crianças dormirem. Moral da história, educar para respeitar, através do contar história, impondo respeito para que as crianças pudessem saber que para tudo tem hora e também transmitir que a noite ficou para os bichos andarem e os seres humanos descansarem. Deste modo, o povo Kambeba faz seus próprios ensinamentos das suas filosofias através dos seus pensamentos, das técnicas e ideias de como viver em grupos ou melhor numa sociedade.

Figura 103: Saberes da cultura Kambeba para as crianças Omágua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Santos de devoção

Também foram adotados por esse povo Omágua (Kambeba) os Santos da religião católica como São Paulo, o padroeiro da cidade de São Paulo de Olivença, comemorado no dia 29 de Junho; Santo Antônio, 12 de Junho; São João, 24 de Junho; São Pedro, 29 de junho; São Francisco, 04 de outubro; São Sebastião, 19 de Janeiro; Santa Maria, 25 de maio, e outros. Eles são festejados com procissão, missas, romarias e almoços com muita festa de forró nas casas de forró – como casa paterna, no Bairro de São João; casa da Tia Maria; casa do Popular Bodozinho; tia Joana Rodrigues, em Santa Terezinha; forró do Antônio dos Santos, popular Pisa na Barata; Forró do Raimundo de Oliveira e Silva, popular Cabecinha, na estrada do Ajaratuba; Pomar sítio Santa Maria do Balbes Fermin e outros. Durante todo o mês de Junho, as noites Paulivenses são alegradas com várias danças, quadrilhas e a mais antiga e tradicional dança do africano.

Figura 104: Dança dos africanos, 2013.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Figura 105: Mastro de Santa Maria, festejado na casa do senhor Balbes Fermin, popular 67, em Santa Maria, no ano de 2014. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 106: Festa de S찾o Paulo Ap처stolo. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Figura 107: Igreja Matriz de S찾o Paulo Ap처stolo. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

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Localização geográfica antiga e atual do povo Kambeba

Segundo a memória de Francisco Andrade, de 98 anos, o povo Omágua habitava todo o território do Alto Solimões, onde havia grandes aldeias comandadas por um líder maior geral (Yakã Apariwa). Dividiam-se em dois grupos, os Omágua verdadeiros – os das ilhas que sabiam várias técnicas, inclusive de plantar seus alimentos, eram os mestres nas estratégias de superação, tinham suas próprias leis, autonomia, considerados um povo bem desenvolvido, com bastante habilidade na forma de negociar – e os Omágua (Yurite o roxo) das terras firmes - que viviam em conflito com outras tribos, tinham os Ticuna como principal inimigo e, nos ataques, colocavam as cabeças dos adversários mortos em estacas na frente de suas moradas, como troféu, a ponto de intimidar os inimigos. Essas cabeças serviam também como demarcação de território desses Omágua.

Faziam colares de dentes, dos ossos desses humanos, instrumentos para rituais. Também costumavam usar como relíquia peles e dentes de animais perigosos, para transmitir para os demais que aquele grupo era forte, podendo transmitir que já tinham sido vencedores em grandes caçadas contra animais valentes. Vale ressaltar que, com passar dos tempos, houve transformações com este povo. Frisamos que, nos dias atuais, os mesmos continuam divididos em dois grupos, os de sangue puro Omágua (Kambeba) e os miscigenados, que estão misturados (munani) com sangue de negros, cearenses, estrangeiros e com índios de outras etnias. Todos se concentram na Sede do Município de São Paulo de Olivença, mais precisamente no Bairro de Santa Terezinha.

Este povo, em todo o município, totaliza 2.000 famílias legalmente cadastradas pelo senso da Organização dos Kambeba do Alto Solimões – OKAS. Eles lutam por direitos de retomada e demarcação de suas terras em conformidade com sua história, baseando-se nas leis, tanto nacional como internacional.

Segundo Elizia da Cruz, de 80 anos, entre esses índios naturais do município de São Paulo de Olivença estão os irmãos Kambeba da zona rural, que tiveram de deixar suas moradias para trás, se juntando aos demais Kambeba na sede, alguns pela necessidade de estudos para seus filhos. O outro caso é que alguns desses foram expulsos sem piedade de suas terras pelo governo brasileiro que demarcou, sem consulta aos Omágua (Kambeba), suas terras 166

para outra etnia (Ticuna). Esse é o caso de Akaratuba (que na língua Materna quer dizer ‘lugar das garças’), Ribeiro, Tupinduba, Correnteza, entre outras comunidades Kambeba, que as terras não são mais Kambeba por esse trágico equívoco.

Hoje vivem todos na sede do município de São Paulo de Olivença, muitas vezes privados dos seus direitos, são discriminados tanto pelos brancos como também por indígenas de outras etnias que se negam a entender a história do povo Kambeba, questão essa que nos fortalece a lutar cada vez mais pelos nossos direitos sociais e territoriais, heranças de nossos ancestrais.

Temos a esperança de um dia recebermos essa tão esperada conquista e vitórias neste impasse. Todos nós somos criticados por perder nossa língua, parte da nossa cultura, mas no passado foram tantos sofrimentos para hoje contar essa história que é nossa herança maior, conservada até hoje, é nossa dignidade, nossa lealdade, nossa hospitalidade e também – a maior de todas que pode ser visível – o jeito ranzinza de ser um Omágua. Este povo jamais guarda desaforo, sendo reconhecido pelo seu próprio povo, pela lei do sangue, de gênio forte.

Figura 108: Kanga (cabeça) – demarcação antiga de território Omágua, com a cabeça do invasor na estaca na frente das Ukas ‘casas’, em 20 de agosto de 2009. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

167

São Paulo de Olivença

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(Kambeba)

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Figura 109: Movimento Kambeba, a resistência ao longo do tempo, em São Paulo de Olivença, 09 de outubro de 2014. Fonte: Nova Cartografia Social da Amazônia.

Tabatinga - Setembro de 2019

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Cartografia: Janilson. Gonçalo Rubem NCSA - NESAM - UEMA

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Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia

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Draga de Extração de ouro Ameaça de Garimpeiro Operação Federal 2019 Operação Federal 2017

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Mapa da Área Indígena Kambeba do Município de São Paulo de Olivença - AM Pesquisadora: Aline Radaelli

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LEGENDA

Projeto Estratégia de Desenvolvimento, Mineração e Desigualdade: Cartografia Social dos Conflitos que atingem Povos e Comunidades Tradicionais da Amazônia e do Cerrado.

FONTE: Pesquisa de Campoa - Croquís dos Moradores das Comunidade Kambeba Pontos de GPS - IBGE 2010, ANA 2010, FUNAI 2009,

Apoio: Universidade do Estado do Amazonas - UEA Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Realização: Núcleo de Caartografia Social da Amazônia - NCSA

Programa de Pós-graduação Social da Amazônia Climate And Land Use Alliance - CLUA Projeto Estratégias de Desenvolvimento, Mineração e Desigualdade: Cartografia Social dos Conflitos que Atingem Povos e Comunidades Tradicionais da Amazônia e do Cerrado

Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

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Lideranรงas e censo demogrรกfico

O movimento Omágua (Kambeba) desenvolve seus trabalhos seguindo a organização social deixada por Aparia grande, obedecendo todas as leis do protocolo Kambeba, com hierarquia na forma de comando, como se fosse uma pirâmide, iniciando com a autoridade maior, a cacique geral, diretoria e lideranças da organização dos Kambeba, os caciques locais, conselho distrital de saúde indígena, conselho locais, assembleia geral formado pelo povo Kambeba reconhecido, legalizado e cadastrado conforme a sua autoafirmação de identidade. Essa representação maior se encontra na sede de São Paulo de Olivença onde funciona o núcleo, a comunidade mãe, com suas lideranças que lutam por direitos iguais junto aos departamentos indígenas e não indígenas, visando a inclusão social do seu povo.

Depois de tantas lutas, iniciaram suas primeiras conquistas no ano de 2009, depois de árduas batalhas para este reconhecimento, depois que foi eleita, nos métodos tradicionais – conforme a cultura Omágua (Kambeba), que passa de nação para nação – a cacique geral, que é sobrinha do senhor Manoel Ramos Pinto Paranã e neta de Manuel Neves de Souza. Esta nomeação foi feita seguindo a linhagem e a tradição familiar de lideranças tradicionais de cacicados Omágua (Kambeba), pois estes cidadãos já falecidos, citados anteriormente, foram dos últimos a liderar a grande aldeia de Akariwazau ou Apariazau em São Paulo de Olivença antes de se tornar Município.

Com base nesse cacicado, foi empossada a cacique geral, Eronilde de Souza Fermin. Com apoio da assembleia, formaram a nova estruturação da Organização dos Kambeba do Alto Solimões - OKAS e seu modo de liderar.

Nesse mesmo tempo, as comunidades Kambeba vieram até essa diretoria para se identificar e se regularizarem no censo como povo Omágua (Kambeba), alcançando, na época, somente 700 famílias Kambeba em Santa Terezinha - sede e as demais comunidades descritas abaixo, que ficaram registrados no censo da Funai.

Nos dias atuais do ano 2020, podemos encontrar esse povo, em sua maioria, na sede, com um número elevado de 2.000 mil famílias Kambeba no Município. Sua casa de reuniões está localizada na Rua 10 de Novembro – Bairro Santa Terezinha, que poderá eventualmente mudar de endereço devido o fenômeno de terra caída devido a força da água do rio Solimões, onde se concentra uma população Kambeba de 10.000 pessoas. As comunidades, 170

de modo geral rurais, são todas vinculadas dentro do sistema da OKAS conforme dito anteriormente, seguindo o protocolo cultural do povo. Nas bases, quem representa essas comunidades são os caciques e lideranças locais, as comunidades onde vivem os Kambeba são as seguintes: 1. Santa Terezinha-sede e anexos – 2.000 mil famílias; 2. São Raimundo do Universo – 19 famílias; 3. Alta Alegre – 07 famílias; 4. São Tomás – 25 famílias; 5. São Raimundo do Camatiã – 10; 6. Cawaruá – 10 famílias; 7. Monte Tabor – 11 famílias; 8. Pinã (Jandiatuba) – 03 famílias; 9. Bacaba (Jandiatuba) – 02 famílias 10. Mata Cachorro (Jandiatuba) – 02 famílias; 11. Castanhal do Ajaratuba – 08 famílias; 12. Santa Rita do Weill comunidade mista – 15 famílias; 13. Tupý II – 72 famílias; 14. Tupy I – 10 famílias; 15. São Jose do Passé – 07 famílias; Todos esses caciques desenvolvem seus trabalhos juntamente com o movimento da OKAS, seguindo o comando por hierarquia em conformidade com o seu protocolo de reconhecimento étnico. A diretoria da OKAS está composta atualmente pela presidente, a Sra. Maria Zenaide Silva da Silva, o

171

seu vice presidente, além de secretários e as tesoureiras, e juntos fazem os trabalhos burocráticos.

Toda a população é identificada e assegurada pelo movimento Kambeba através do Estatuto Social e do Regimento Interno que forma um único documento o protocolo Kambeba. Leis criadas pelo povo em assembleia com o aval das leis da Constituição Federal, de modo geral e específico nos artigos 231 e 232, que dá diretos originários sobre as terras e a quem nelas vivem. Além dessas, são assegurados também pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) que ampara, de modo geral, e prioriza nos artigos 06, 07 e 08 que todo povo merece viver organizado da forma que lhes convém na sociedade. Para a educação, temos o RCNEI, juntamente com as resoluções, das quais ressaltamos a de número 05, de julho de 2012, e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), artigos 78 e 79, que dão direitos sobre nossas escolas. Diante desses amparos, o povo, juntamente com as lideranças, segue suas lutas em busca de dias melhores.

Figura 110: Maracá do povo Kambeba, representa o olho do Jurupary na força e poder nas lutas pela demarcação de território. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

172

Conquista das escolas e terras indĂ­genas Kambeba

Figura 111: Mapa artesanal do Bairro Omágua (Kambeba) Santa Terezinha construído pelas lideranças Kambeba em 20 de outubro de 2014. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

A conquista das escolas Kambeba se deu a partir das muitas lutas das lideranças do povo Kambeba. As conquistas aconteceram a partir do movimento do território etnoeducacional em 2009, que reuniu todas as etnias indígenas e entidades governamentais das esferas Municipal, Estadual e Federal para o Encontro Territorial Educacional no Alto Solimões. Este encontro aconteceu no município de Tabatinga e nele foram encaminhadas as propostas e projetos, os quais foram assinados por todos os prefeitos do Alto Solimões, se comprometendo a cumprir as decisões firmadas no pacto territorial da educação. Antes do território étnico, as escolas não eram reconhecidas no MEC como indígenas, eram vistas como não indígenas e, por mais que a comunidade fizesse essa manifestação em documentos, isso não era ouvido devido à falta de compromisso e de reconhecimento das autoridades municipais anteriores.

A partir de 2011, cumprindo com o pacto do território etnoeducacional de 2009, sabendo das diferenças de cada povo e diante da reivindicação das lideranças do povo Kambeba, com base nas leis que amparam a educação escolar indígena, o prefeito da época, Raimundo Nonato de Souza Martins, em comunhão com a secretaria de educação, através do secretário José Francisco Patrício, dá oportunidade para o movimento Kambeba fazer a escolha de uma pessoa para compor uma vaga na coordenação indígena. Então, foi feita uma assembleia geral para a escolha desse representante do povo Kambeba,

174

e foram selecionados três professores graduados para serem apresentados ao povo para escolha de apenas um para compor o cargo. Foi escolhida pela comunidade e por toda a população, a Professora Eronilde de Souza Fermin, formada em Pedagogia Intercultural pelo PROIND e especialista em Educação Escolar Indígena. Ela mesma assumiu o cargo em 2011, com o aval, em documento, do movimento Kambeba organizado, com aceitação do atual prefeito com base nos direitos dos povos indígenas.

Desde então a mesma passa a coordenar as escolas Kambeba que hoje somam um total de 9 escolas, todas reconhecidas no censo do MEC, como realmente deveria ser. Com um total de 1.440 alunos, sendo 8 escolas na zona rural e 1 escola na zona urbana. Temos convicção da oportunidade que nos foi dada, mas as lutas são constantes quando almejamos uma educação de qualidade. O povo entende que os primeiros passos foram dados, mas há muito que se fazer diante das dificuldades que enfrentamos em todos os contextos. Os comprometimentos são constantes por parte dessa coordenação Kambeba. Nos baseamos nas leis para lutar por nossos direitos e fazer as coisas caminhar em conformidade com nossos anseios.

As leis que dão base e segurança a essa educação são: as Resoluções Curriculares Nacionais para as Escolas Indígenas – RCNEI; Resolução de nº05, LDB art. 78 e 79; Organização Internacional do Trabalho – OIT; Constituição Federal de 1988; Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sabemos desses direitos, mas muitas vezes esbarramos com profissionais não comprometidos, que visam somente seu salário e não se importam com a realidade das escolas.

Resulta-se que são a minoria dos professores Kambeba que tem chance de ir para as escolas do seu próprio povo Kambeba. Nesse contexto, mencionamos alguns desafios enfrentados enquanto coordenadora de educação das escolas Kambeba: a. Lutar por uma educação específica e diferenciada constantemente é um dos desafios enfrentados, porque as escolas Kambeba ainda não tem seu próprio material didático para cada modalidade. Temos anseios de encontrar professores comprometidos, que trabalhem os 200 dias letivos e desenvolvam a sua metodologia no contexto indígena, 175

valorizando o próprio ambiente onde a escola está inserida. A carência de professores que produzem seu próprio material pedagógico através da pesquisa, conforme a vontade e reivindicação do povo Kambeba, que cobra constantemente a revitalização da língua materna Kambeba.

As escolas sofrem com a falta de adaptação dos professores não indígenas nas nossas Escolas. b. As Religiões adotadas nas comunidades são da Cruzada de Jesus Cristo, Evangélicas, Católicas e a Cultural; precisamos de professores flexíveis para entender essas questões. c. Sabemos que não é uma tarefa fácil fazer o impossível acontecer nas salas de aula multisseriadas. É necessária a sensibilidade de ouvir a comunidade e ter o compromisso de lutar e levar a educação nos lugares mais longínquos, nos rios e florestas, como é o caso da Aldeia do Bacaba e Mata Cachorro, no rio Jandiatuba.

Pontuamos alguns impasses que impedem de fazer a educação avançar nas escolas Kambeba no momento: a. Falta de apoio técnico para a elaboração do Projeto Político Pedagógico Indígena, PPPI. Sabemos que, através dele, a escola indígena terá condições de dizer suas particularidades, como gostaria de trabalhar em conformidade com a realidade local, com a adaptação do calendário escolar, etc. b. A falta de apoio e parceria para a construção do material didático-pedagógico do próprio povo por modalidades, desde a educação infantil até o ensino médio, para trabalhar conforme a lei que ampara as escolas diferenciadas e especificas. c. É um impasse não ter em todas as escolas Kambeba professores da própria etnia e, principalmente, na escola Kambeba de Santa Terezinha, na Sede. Conforme nossa necessidade, almejamos professores Kambeba, tendo em vista que os objetivos que lutamos são para recuperar os valores culturais e a revitalização de nossa língua materna. d. Sofremos com a falta de professores comprometidos com essa edu176

cação específica e diferenciada, por não serem do povo Kambeba ou não conhecerem nossa cultura. e. É uma dificuldade encontrar professores comprometidos com a Educação de Jovens e Adultos – EJA, tendo em vista que esses alunos são pessoas que precisam de incentivo e apoio devido ao tipo de atividades que exercem como trabalhadores, no dia a dia. f. A evasão escolar se dá devido à falta de profissionais comprometidos. g. A falta de acompanhamento dos pais se dá, às vezes, por não serem alfabetizados. Sentem-se envergonhados de não terem como ajudar seus filhos nas tarefas. h. Falta de Transporte para a Coordenação Municipal de Educação Indígena – CMEI – desenvolver os trabalhos de acompanhamento pedagógico nas escolas da Zona Rural. i. O Transporte da merenda escolar para as comunidades ocorre através dos transportes das próprias comunidades. A compra dos 30% da merenda escolar da comunidade não está ocorrendo por falta de organização das associações ou cooperativas. j. A falta de energia elétrica ou de energia para todos, que ainda não chegou em algumas comunidades Kambeba, dificultando os trabalhos e a inter-relação de conhecimentos dos alunos com o mundo digital e globalizado.

Sendo assim, os desafios e os impasses são constantes, mas com a força de vontade sempre busco uma solução para resolver tais problemas.

Como Coordenadora, deixo um pensamento para todos refletirem: educação se faz com compromisso não importa onde, como, a hora ou lugar.

Abaixo, apresento algumas das escolas Kambeba com uma breve descrição de sua localização e de como funcionam.

A Escola Municipal Indígena Kambeba Professor Ivan Balieiro Saraiva está localizada no Bairro de Santa Terezinha, antiga aldeia Akariazal. Ela nas177

ceu diante de uma luta árdua pelas lideranças do povo Kambeba e dos direitos assegurados na Constituição Federal no art. 231 e 232. O povo visa, dentro do contexto educacional, trabalhar com os profissionais do mesmo povo, sendo eles efetivos e contratados, desenvolvendo os valores culturais do povo Kambeba no currículo escolar dessa escola e, principalmente, a revitalização da língua materna Kambeba. Esta luta está baseada nas leis, na Organização Internacional do Trabalho – OIT – no art.27, que fala da educação, a resolução de n° 05, artigo 19, que dá esse direito para a escola compor o quadro desses profissionais, entre outras leis da educação escolar Indígena, que amparam a reivindicação da Comunidade.

Figura 112: Escola Municipal Indígena Kambeba Professor Ivan Balieiro Saraiva.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Dando prosseguimento, a Escola Municipal Indígena Kambeba Waynambi fica localizada na comunidade indígena de São Raimundo, na margem direita do rio Solimões. Feita em alvenaria, funciona com 02 salas de aulas (Educação Infantil e Multisseriada de 1º ao 5º das séries iniciais), foi inaugurada no dia 19 de janeiro de 2015. Desenvolve os trabalhos conforme a necessidade das demais escolas Kambeba, priorizando a revitalização da língua materna.

178

Figura 113: Escola Municipal Indígena Kambeba Waynambi.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

A Escola Municipal Indígena Kambeba Santa Cruz fica localizada na comunidade Kambeba do Cawaruá (significa cara de folha e de cavalo). À margem direita do rio Solimões, faz fronteira com a saída do rio Jandiatuba, possui estrutura de madeira de apenas 01 sala de aula multisseriada. Desenvolve, dentro do contexto, o desafio da revitalização da língua materna.

Figura 114: Escola Municipal Indígena Kambeba Santa Cruz.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

179

Em seguida, apresento a Escola Municipal Indígena Kambeba Kanata Kanã Icua (significa ‘esta é a luz do saber’) fica localizada na comunidade Kambeba de São Tomás, no rio Solimões. Possui a estrutura de alvenaria, com 02 salas de aulas (Multisseriada, Educação Infantil, 6° ano do ensino Fundamental das series finais e EJA).

Figura 115: Escola Municipal Indígena Kambeba Kanata Kanã Icua.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Em seguida, apresento a Escola Indígena Kambeba São Sebastião, da comunidade Kambeba de São José do Passé, localizada no rio Solimões. A escola conta com 01 sala de aula multisseriada.

180

Figura 116: Escola Indígena Kambeba São Sebastião.

Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

A Escola Municipal Amélia Costa fica localizada à margem direita do rio Solimões, na comunidade Kambeba de Monte Tabor, com estrutura de madeira, 01 sala de aula funcionando com uma turma multisseriada, com o mesmo processo das demais escolas Kambeba.

Figura 117: Escola Municipal Amélia Costa. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Escola municipal Indígena Kambeba São Sebastião, está localizada na comunidade Kambeba do Tupi II. Devido à quantidade de alunos, possui gestor e as salas funcionam seriadas, em conformidade com os anseios das demais escolas Kambeba.

181

Figura 118: Escola Municipal Kambeba Tupi II. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Comunidade Kambeba do Mata Cachorro, rio Jandiatuba, escola Ygarakatu ‘canoa boa’. A escola surgiu da luta das lideranças locais, que não possuíam escola anteriormente. A escola desta comunidade foi implantada apenas em 2016.

Figura 119: Escola Ygarakatu ‘canoa boa’. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Comunidade Kambeba do Bacaba, no rio Jandiatuba, escola SuryTaína ‘alegria de criança’. Esta escola surgiu apenas em 2016, após a luta das lideranças locais.

182

Figura 120: Escola SuryTaína ‘alegria de criança’. Fonte: Eronilde de Souza Fermin.

Também está a caminho a Escola Municipal Cunhã Puranga, localizada na rua Francisco Coelho, em Santa Terezinha, no Morro Kambeba, cadastrada no censo no ano de 2013, devido à grande quantidade de alunos que estão estudando em horários intermediários por falta de vagas na escola Kambeba professor Ivan Balieiro Saraiva.

As informações sobre as escolas Kambeba aqui apresentadas estão em conformidade com as visitas e os trabalhos realizados nessas comunidades pela coordenadora das escolas municipais Kambeba, Eronilde de Souza Fermin, entre os anos de 2011 a 2016. Observamos que, em todas essas comunidades, há processo de demarcação de suas terras no setor fundiário de Brasília com o nome de Tuyuka I (na margem direita) e Tuyuka II (na margem esquerda) feito juntamente com as lideranças com apoio do CIMI, e estão incluídos na preservação dos lagos e florestas pela própria comunidade.

Também está sendo revitalizada, dentro das metodologias de ensino, a língua materna desse povo – a Língua Omágua (Kambeba) da raiz e tronco Tupi, da família Tupi Guarani, que é falada por muitos povos no Brasil com variação linguística do Alto Solimões interior do Amazonas.

183

Vocabulário da língua Omágua (Kambeba) do Solimões de São Paulo de Olivença

Como estamos trabalhando com objetivo da revitalização da nossa Língua materna, apresento, abaixo, algumas palavras a partir das conversas com nossos ancestrais de Santa Terezinha do Alto Rio Solimões de São Paulo de Olivença, que em outros momentos vamos aprofundar mais especificamente.

CORPO HUMANO - KAWERA AWA Cabeça - kãnga

Umbigo - puruã

Braço - yua

Língua - Peku

Perna - rutumã

Joelho - rutumã

Mão - pu

Costa - yupe

Unha - puãpe

Peito ou tórax - putiá

Dedo - puape

Garganta - kurukawa

Pescoço - nhã´yura

Vagina - rakua

Pé - pú

Corpo da mulher - paxau

Nariz - tim

Pênis - matiri

Boca - yura

Corpo do homem - rurua

Orelha - namim

Coração - puá

Olho - resa

Estomago - watuá

Testa - kãpewa

Barriga - mariká

Sobrancelha - rapukã

Cabelo - auá

Rosto - rua

Povo - awa

Seio - kamã

Anus - kuari

Dente - rãnha 186

A Amurane: dois

Apukutawa: remo

Amãna: chuva

Aruanã: sulamba

Asemuyta: irmão e parente não é de sangue

Awa: povo

Apugawa: homem

Ayurãne: até amanhã Aria: avó

B Buya: cobra

Bakururu: sapo carnívoro

Buyuna: cobra grande

Bãnha: óleo

Abiorãna: fruta não da verdadeira C Camutĩ: pote

Curera: resto, sobra, miúdo

Cumate: tinta de cipó

Curumĩ: menino

Cunhãtai: menina

Canawaru: sapo encantado

Cunhã muku: moça D

G

Dawe: te considero

Gara: canoa.

Dawa: da mesma maneira

Garera: canoa usada velha Garakatu: canoa boa 187

Kw

I

Kwera: antigo

Iara: senhora, Mãe d’água

Kwe: viva

Itaku: pedra

Kwakwera: atrás

Ixe: eu

Kwara: puxar

Ita: muito

Kwema: dia

Itá: várias pedras Imbiara: conseguido

K Katu: bom, bem

Kurukawa: garganta

Katurité: obrigado

Kunhã: mulher

Kupixawa: roça

Kaãnha: pimenta

Kuse: faca

Kuyura: irmão

Kua: ele, ela, este, esta

Kururu: sapo

M Maya: mãe

Miri: pequeno

Mumuriku: ta botando fruta

Mamura: filha

Muratim: branco

Memura: filho

Muyra: árvore

Marupiara: sorte

N Ne: teu, tua, seu, sua

Nerumã: com você

Negara: tua canoa

Nõne: frente 188

P Pecu: língua

Piré awa: pele de gente

Pupuí: pequenininho

Píra: coceira

Purasai: dançar

Pinaytika: pescador

Paya: pai

Pinã: anzol

Puka: senta

Panemã: sem sorte

Pirá: peixe R Rãnha: dende

Renura: minha irmã

Rakua: vagina

Rutumã: joelho

S Se: meu, minha

Serumã: comigo

See: doce

Sara: passo

Segara: minha canoa

Sakuta: esquenta

T Tayna: criança

Tuyê: velho

Tará: terçado

Timiõ: comida

Tawa: cidade

Tuí: sangue

Tawá: amarelo

Tutura: tio

Tawana: pronto, maduro 189

U

W

Urucu – urucü

Waçu: grande

Uka: casa

Waimi: velha

Upé: baixo

Wãté: em cima

Uruçu: abelha

Wakara: garça

Y Yacitara: sombra da lua

Yawara: cachorro

Yaci: lua

Yawaraté: onça

Yukura: sal

Yurara: tartaruga

Yasona: vamos

Yuarawa: peixe boi

X Xaputari: quero

Xinga: lutar

Xaxiara: deixo

Xayukiri: entra

190

O alfabeto da língua materna Omágua (Kambeba): nosso alfabeto possui essas consoantes, que são como se segue: B – b: buyawaçu ‘cobra grande’.

N – n: ne ‘seu, teu, tua, sua’.

C – c: cuia ‘fruto rendendo usado como utensílio doméstico’.

Nh – nh: nheepecuara ‘cantar’.

X – x: xaputari ‘quero’.

Ng – ng: puranga ‘bonito’.

Nt – nt: apurãnta’forte’.

D – d: dawé ‘te considero’.

P – p: puxuera ‘feio, mal’.

G – g: gara ‘canoa’.

R – r: rapukã ‘sobrancelha’.

K – k: kuura´meu irmão de sangue.

S – s: se ‘minha, meu’.

Kw – kw: kwera ‘antigo’.

T – t: tuyuka ‘terra, barro’.

M – m: muyrá ‘árvore’.

Tch – tch:tchana ‘nada’.

Mb – mb: mbua ‘devagar’.

X – x: xinga ‘briga’.

Mp – mp: mpinima ‘pintar, escrever’.

W – watura- cesto.

Y – y: yaçu ‘estrela’.

As vogais da Língua Omágua (Kambeba): sendo orais e nasais. As vogais orais A – a, E – e, I – i, U – u. As vogais nasais são à – ã, Ẽ - ẽ, Ĩ – ĩ, O - õ, Ũ – ũ.

A – a: amãna ‘chuva’.

Ĩ – ĩ: tim: nariz.

à – ã: ãnga ‘espírito’.

O – opõna- acabou.

E – e: eré ‘sim’.

Õ – timiõ – comida.

Ẽ – ẽ: ẽvira ‘casca de árvore usada para amarrar’.

U – u: urucũ-tinta vermelha.

I – i: Iara ‘mãe d’água’.

191

U – u: mugika – um tipo de comida.

Saudações: apresento, abaixo, algumas saudações que são usadas em língua Omágua (Kambeba).

Ayne kwema: ‘bom dia você, já amanheceu’.

Katuxinga: ‘como você está?

Bem, bom de briga?’

Aynedawé: ‘da mesma forma’.

Katu: ‘sim, estou bem, bom’.

Ayne karuka: ‘boa tarde você, o sol já está dobrando’.

Xinga Puxuera: ‘não estou bem, estou mal, feio, estou brigando com a doença’.

Any dawé: ‘da mesma forma’.

Ayne putuna: ‘boa noite você, já está escuro’.

Mayk teresu: como você vai.

Any dawé: ‘da mesma forma’.

Katu Purãnga ita se´uka: sejam todos bem vindo na minha casa.

Ayuãnte uranẽ: ‘até amanhã’.

May nerera: como é teu nome

Katurité: ‘obrigado’.

Serera: me chamo...

Tchana merese: ‘de nada’.

Cores naturais: apresento os nomes das cores em língua Omágua (Kambeba).

Verde - pakua

Branco - tinga

Marrom - kawaku

Folha - kaá

Pintado - pitinga

Verde claro - aykira

Vermelho - piranga

Azul - suykiri

Amarelo - tawá

Roxo lilás - sumbika

Transparente - ygaramã

Laranja - tata

Rosa - tatatunha

Cinza - tanimbuka

Preto - pixuna

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Roxo escuro - yurite Beje ou barrento tuyukite

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HOMENAGEM

Figura 121: Eroneide de Souza Fermin, falecida em 15/02/1999.