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Como desenterrar o conteúdo encoberto da exposição, para a reflexão pessoal do educador?
O que está encoberto?
O olhar do educador sobre a exposição bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos presente no Sesc Pompéia de 25 outubro de 2018 até 6 de janeiro de 2019
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Começo essa escrita com a vontade de evidenciar aqui o poder do educador
Penso que: quem melhor para falar sobre uma exposição que o próprio educador, que vive o espaço, o conteúdo e o público dela todos os dias, desde sua abertura, até o seu fechamento? Diante desse pensamento decidi fazer uma observação sobre o que está na bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos, não somente os pontos positivos dela, mas também os negativos Acredito que seja importante elencar todos eles, para além da reflexão própria, mas também, com isso, transmitir esse conhecimento adquirido por meio dessa análise para as discussões com o público O resultado desses questionamentos se transformou na presente resenha crítica.
Logo na abertura me deparei com um conteúdo totalmente diferente do que esperávamos Na nossa formação sobre Bauhaus estudamos sua estruturação como escola, seus professores e alunos, e o que aconteceu dentro desses 14 anos de existência até seu fechamento devido às consequências do regime nazista Para nossa surpresa, e também para a dos visitantes, a exposição tratava não disso, mas do pós, do que houve assim que a escola fechou, seus legados pelo mundo
Ela trata especificamente sobre as viagens de alguns artistas-professores e estudantes sobretudo pela América Latina e pela região do Magreb. Nisso, a exposição tem o foco de apresentar as relações adquiridas entre eles e os povos indígenas pré-colombianos e contemporâneos situados nesses lugares É dividida em 11 setores, cada um intitulado ou por um nome de algum artista em específico, ou por um movimento São eles: Paul Klee, Tapete, 1927; Cultura descolonizadora: A Escola de Belas Artes de Casablanca; Marguerite Wildenhain e Pond Farm; Leitura de Sibyl Moholy-Nagy; Josef e Anni Albers nas Américas; Navajo Film Themselves; Fiber Art; Uma vida de migrações: Hannes Meyer e Lena Bergner; Paulo Tavares: Des-Habitat; Lina Bo Bardi e a pedagogia; e por fim, Grupo Frente
Depois de estudar esse conteúdo – lendo o catálogo e se baseando em textos propostos pela supervisão – e entender o espaço por alguns dias foi possível desenvolver um discurso crítico sobre a exposição. Afinal, a problemática central dela é a apropriação cultural. Se ela estivesse sendo tratada com mais ênfase e com uma visão crítica, não seria tanto um problema, porém vemos isso de uma forma muito superficial e utópica, já que ao tratar dessas viagens, a curadoria manteve um olhar ocidental Um exemplo: o nome dos artistas da Bauhaus são mais expostos do que os dos povos que eles aprenderam com Não vejo problema em pegar como tema a apropriação cultural, mas o essencial é dar um espaço de discussão para isso, não apenas continuar com uma fala fantasiosa. E não só isso, devemos nos perguntar se esses povos gostariam de estar expostos dessa forma em uma instituição totalmente fora do seu contexto de origem Sim, é um trabalho árduo, mas sem essa pesquisa me parece não só incompleto, como também errado e negligente
Nos dias de hoje, falar sobre apropriação cultural exige um discurso muito mais atento do que era no passado, claro, é de suma importância falar propriamente desse assunto, mas antigamente essas discussões eram mais omitidas. Reconhecendo que estamos em outro contexto, em que a militância das pessoas está muito mais apurada, é sim questionável uma exposição que mostra as relações entre esses alunos e professores da Bauhaus com outros povos fora desse contexto ocidental de uma forma rápida, como se fosse dispensável Contudo, é perceptível que há pontos positivos e eles não anulam os negativos Expor uma cultura diferente da nossa é fundamental, mas como disse anteriormente, deve ser feito de uma maneira correta. Aqui na bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos consigo ver mesmo que de forma problemática a importância de compartilhar com o público algo que eles, na maioria das vezes, não iriam encontrar de outra forma E mesmo que não de forma crítica, faz ficarmos alerta sobre outras artes vigentes pelo mundo
Uma outra crítica que faço é ao nome da exposição: bauhaus imaginista: Aprendizados Recíprocos Será que depois de analisar minuciosamente cada detalhe dela podemos considerar amplamente que são aprendizados recíprocos? Em minha opinião não. Em alguns casos sim – exemplo: Navajo Film Themselves, no qual dois cineastas ensinam noções básicas de filmagem a moradores da reserva navajo de Pine Springs, assim, eles filmam a si próprios – mas na maioria deles não Será que esses artistas ensinaram algo para esses povos ou só aprenderam com eles e se apropriaram das suas técnicas e de seus objetos?
Depois do primeiro mês que se passou outras situações me fizeram refletir sobre a exposição e sobre seu público em específico. A maioria dele vêm a procura de elementos propriamente da Bauhaus, do que foi feito na escola, e muitas vezes se decepcionam por não encontrar. Outros não sabem do que se trata em específico e conhecem pouco da Bauhaus mas se mostram dispostos a entender, em minha opinião esses são os melhores públicos, porque se mostram abertos a questionar sobre o que está posto no espaço expositivo, e fazem isso sem a nossa interferência
Usamos uma técnica de começar a visita sem falar das nossas opiniões específicas e na discussão final ouvimos os visitantes e os questionamentos são sempre os mesmos, porque me parece óbvio o que está de frágil na exposição, e querendo ou não isso é o que sempre permeia nas conversas.
Além desses dois exemplos de público me deparei com outro: algumas pessoas que já sabem do conteúdo da exposição e procuram um setor em específico, geralmente os que tratam de artistas mais renomados – exemplos: Paul Klee e Lina Bo Bardi Isso têm sido um dos meus maiores questionamentos até agora: a figura do artista dentro do contexto ocidental, sobretudo no mercado da arte. Assim concentrei-me em dois setores: Marguerite Wildenhain e Pond Farm e Lina Bo Bardi e a pedagogia
Tanto um quanto o outro trata de artistas com nomes bastantes conhecidos: Marguerite Wildenhain foi uma ceramista alemã e Lina Bo Bardi uma arquiteta italiana Seus trabalhos são nitidamente importantes mas o que me incomoda é que até mesmo em uma exposição que não deveria ser esse o foco elas são muito procuradas. Nas ilhas em que estão apresentadas suas coleções e trabalhos há uma semelhança: as duas contém objetos coletados de outros povos. Marguerite os coletava de povos pré-colombianos da América Central e do Sul e os que Lina colecionava vinham em grande parte de feiras de ruas do nordeste brasileiro E é nesse ponto que me sinto à vontade para questionar: porque o nome de um artista é tão importante, mesmo dentro de uma exposição que trata de outros povos e de seus objetos coletados? Me parece que ainda estamos fadados a destinar um lugar específico de grande relevância para o artista, ou tratá-los como gênios, e detentores do que pode ser arte. Devemos dar visibilidade para alguns objetos ou técnicas só porque eles estão dizendo?
No setor da Lina sempre me pergunto: porque aqueles objetos estão em uma exposição? – objetos que estão presentes na tradição de muitas famílias a tempos, inclusive na minha porque está ali, agora, devemos considerar arte? antes não era?
Claro que podemos levar essa discussão para outro viés: essa exposição é extremamente documental, então, esses objetos podem estar ali não como arte mas sim como documentos. Mas, dito isso, será que os visitantes vêem-os como documentos ou arte? E sobretudo, o que é essa arte tão falada?
Muitas dessas perguntas são ainda para mim sem resposta É um processo pegar todos esses questionamentos e pensar em uma forma para mudar o que está posto Mas o essencial é começar a desconstruir aos poucos cada vez mais e deixar para trás esse pensamento colonizador que todos nós estamos acostumados por muito tempo É necessário desenterrar o que está encoberto e eu proponho que isso seja feito por meio dessas análises frequentes, contestando.
Tratar desses assuntos com o público é sempre muito reconfortante. Todos na discussão final chegam à análises interessantes, justamente elencando os pontos positivos e negativos e inserindo novas concepções Sinto que há uma troca entre nós educadores e os visitantes Isso que chamo de aprendizados recíprocos