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Volo per Veritas | Juliana Torchetti Coppick

Decisão Sem Culpa

Como viajante desse mundão, tive a oportunidade de explorar diferentes aspectos da aviação agrícola em pelo menos 3 países: Brasil, Canadá e Estados Unidos.

A despeito de certas particularidades típicas de cada lugar, algumas coisas são idênticas, como por exemplo: a pressão constante por eficiência, a corrida contra o tempo (e às vezes, contra o mau tempo) e as causas de acidentes.

A competitividade entre as empresas faz com que muitas vezes os operadores decidam por não reajustar preços ou cobrar por longos translados que são feitos para tratar áreas extremamente pequenas. No final das contas, espera-se que o piloto compense o déficit apertando o balão. Algumas empresas chegam a comparar o rendimento entre pilotos; e 5 minutos a mais ou a menos em uma área podem ser motivo de inúmeros questionamentos.

Outra situação muito comum em certas regiões é o piloto decolar com o hopper cheio, para tratar várias áreas pequenas e distantes e acabar tendo que penalizar o combustível.

Apesar da natureza solitária do voo agrícola, o que não falta é gente em solo para tentar interferir nas decisões.

Por vezes o cliente quer que a lavoura seja tratada em sentido Leste-Oeste, por exemplo, quando devido a obstáculos ou mesmo o sol, o melhor sentido seria Norte-Sul…

É muito comum também que tanto o planejamento quanto as expectativas sejam criadas em cima de cenários sempre otimistas: meteorologia favorável, atmosfera calma, boa performance do avião etc.…

E aí entra um recurso importantíssimo: a tomada de decisão.

Aprender a dizer não é uma arte que salva vidas e poupa arrependimentos. Creio que todo piloto agrícola, já se colocou em uma situação da qual se arrependeu. Seja por meteorologia, cálculo de combustível ou a simples decisão de fazer ou não uma área.

E a verdade é que não importa se a decisão foi tomada solitariamente ou em conjunto, a responsabilidade e as consequências estarão sempre nas mãos e na consciência do piloto.

Depois de sairmos de uma situação ruim, duas coisas podem acontecer: ou aprendemos a lição e não repetimos o mesmo erro, ou começamos a acreditar que somos invencíveis. Os que acreditam ser invencíveis, vão se colocar de novo e de novo nas mesmas situações, até que algo pior aconteça.

Um dos mais experientes pilotos que eu já conheci e uma das nossa Lendas Vivas, costuma dizer que seu objetivo nunca foi ser o melhor ou o mais rápido, mas sim construir uma longa carreira e poder se aposentar. Eu compartilho dessa filosofia.

Ter humildade, conversar com os mais experientes e compartilhar as próprias experiências são boas práticas, assim como saber dizer “não” a algo que você acredita que não deva ser feito.

E o fato de outro (a) piloto (a) se dispor a fazer algo que você se recusou, não necessariamente significa que está correto.

Temos cada vez mais obstáculos em terra e no ar, regulamentações cada vez mais meticulosas, concorrencia acirrada e clientes cada vez mais exigentes. Gostemos ou não, isso faz parte da nossa realidade. Mas não se sinta na obrigação de comprometer sua própria segurança para compensar tudo isso. Os limites do piloto ou do avião não serão moldados no cunho da satisfação de quem quer que seja (o patrão, o cliente ou nosso ego).

Estudos mostram claramente que não há nada de novo nos acidentes na aviação agrícola (exceto por um caso que vou citar rapidamente no próximo parágrafo). As causas são praticamente as mesmas: estol durante o balão, colisão com obstaculos, colisão no ar…

Portanto já sabemos onde mora o perigo. Nossa tomada de decisão é o que vai fazer a diferença.

O caso a que me referi como um acidente incomum foi o que aconteceu recentemente aqui nos EUA em que a mistura de produtos causou excessiva quantidade de espuma que saiu do hopper e cobriu o parabrisas, vindo a restringir a visão do piloto e fazendo com que o mesmo retornasse para que fosse adicionado antiespumante na calda.

Ao decolar pela segunda vez, o piloto novamente teve o parabrisa coberto por espuma, vindo a se acidentar e posteriormente falecer devido aos ferimentos e provavelmente por contato com os produtos da calda.

Portanto, mais um alerta para todos nós: fiquemos atentos as nossas cargas.

Eu mesma recentemente decolei o AirTractor 502 com 460 galões de fertilizante líquido (produto que tem uma densidade muito alta). Felizmente me atentei para o fato ainda em solo e verifiquei exatamente qual era o meu peso de decolagem. Voei sem problemas, mas certamente se não tivesse feito meus cálculos, eu iria no mínimo, estranhar a performance da aeronave.

O assunto “mistura de produtos” certamente merece um artigo exclusivo. Quando escrever sobre isso, me lembrarei de contar do dia em que um piloto foi salvo pela perspicácia do ajudante que achou os componentes da calda meio estranhos: Peróxido de hidrogênio e fungicida a base de cobre. Mas isso é assunto para o próximo mês.

Por hora quero apenas desejar que todos tenhamos sabedoria em nossas decisões e lembrem-se: sempre haverá outro dia, outra área, outro avião, outro emprego… Mas a vida, essa é única!