Pontivírgula nº22

Page 1

Direcção: Patrícia Fernandes e Joana Cavaleiro

Edição nº22 - Julho de 2015

» página 26

Futuro do pontivírgula Ensaio sobre a escravidão invisível «Há trinta milhões de pessoas a viver em condições de escravatura em todo o mundo. Chegamos ao absurdo vivencial de se estar preso à ideia de ser livre.»

» página 19 e 20

«O Pontivírgula é um jornal feito por alunos para alunos, por isso convido-vos a participar nesta jornada conjunta que nos fará crescer e aprender.» Catarina Veloso

» páginas 2 a 4

Experiências: ex-alunos

Professores comentam o pontivírgula

«Assusta muito saber que deixámos de ser uns miúdos, assusta quando nos perguntam “qual a sua profissão?” e já não podemos responder “sou estudante”.»

«Ao ler o jornal, concluo que está já quase tudo lá: o modo de escrever, a reflexão, a diversidade de matérias. Se há ingenuidade em alguns textos, ela também tem razão de existir.»

Maria Pedro Pinto

» páginas 14 e 15

Prof. Rogério Santos

«Acho louvável que um grupo de alunos da nossa Faculdade integre o estudo com momentos de experiência directa, estimulados só pelo empenho, pelo interesse e pelo sonho.» Prof. Gaspare Trapani

» páginas 5 e 6

Sociedade | Lifestyle | Desporto | Moda | Séries | Cinema | Gaming | Música | Literatura


EDITORIAL

Ficha Técnica

Directora: Patrícia Fernandes

Vice-Directora: Joana Cavaleiro

Redacção

Alexandra Antunes Alexandra Nogueira Ana Silvestre Catarina Félix Daniela Trony Dina Teixeira Francisco Bruto da Costa Guilherme Tavares Inês Amado Inês Cruz Inês Linhares Dias Joana Contreiras Joana Fernandes Joana Santos Karla Pequenino Madalena Gil Manuel Cavazza Margarida Alfeirão Maria Manuel de Sousa Mariana Fidalgo Mariana Pereira Martins Sara Plácido Susana Santos

Colunistas

Catarina Veloso, Moda Daniela Ribeiro de Brito, Desporto Diogo Barreto, Música Inês Sousa Almeida, Séries Joana Cavaleiro, Literatura João Marques da Silva, Cinema Mariana Leão Costa, Lifestyle Michelle Tomás, Actualidade Mitchel Martins Molinos, Gaming/ Internet Pedro Pereira, Literatura Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com REDES SOCIAIS

Site: www.jornalpontivirgula.wix.com/ jornalpontivirgula Facebook: www.facebook.com/ pontivirgula.geral

Jornal redigido com o antigo acordo ortográfico, salvo quando indicado.

02

«O jornalismo nunca pode ficar em silêncio: Esta é a sua maior virtude e o seu maior defeito».

Henry Grunwald

Foram três anos. Três anos de licenciatura e 2 anos e 6 meses de exercício jornalístico: 1 ano e meio como colunista de música e um ano à frente da direcção editorial do Jornal Pontivírgula.

baseando-me apenas no valor dos argumentos, comunicação e expressão de cada membro do Pontivírgula, incentivando cada um a expressar os seus verdadeiros pensamentos, como referi anteriormente “essa é e sempre será a maior batalha durante toda a O Pontivírgula começou como minha vida”. um projecto um tanto ousado, que tinha como meta final o respeito e O Pontivírgula enfrentou várias reconhecimento na FCH. O jornal lutas mas, no fim, o resultado consolidou-se com objectivos representa o esforço, dedicação megalómanos mas, ainda assim, e paixão de uma redacção jovem, conseguimos cumprir quase todos inovadora e criativa, cujo único de forma exímia, com base na objectivo era ajudar este projecto a verdade, na excelência e no respeito crescer. Agradeço a esta redacção por nos ter ajudado nesta aventura, pelo leitor. abraçando um desafio onde Este foi um ano de luta: nenhuma de nós tinha a experiência cumprir horários, rever textos, necessária para o que vinha. montar edições, sempre com a Porém, este jornal cresceu, e preocupação de não falhar. Muitas cresceu de tal modo que muitas das vezes, falhámos. No entanto, foi daí nossas vitórias e conquistas foram que tirei uma das maiores lições inesperadas, mas absolutamente aprendidas durante este ano: o merecidas. jornalismo não vive da perfeição, mas sim do desenvolvimento e No entanto, ainda há muito crescimento de cada um de nós, a fazer, este não é um projecto redactores e alunos envolvidos terminado. O Pontivírgula deve neste - permitam-me a ousadia crescer e evoluir com as pessoas - bonito projecto. que fazem parte dele, acreditando sempre que o jornalismo tem a Também na nossa sociedade capacidade de tornar o mundo o jornalismo foi posto à prova. um lugar melhor. Exemplos desta realidade são o atentado ao Charlie Hebdo, inúmeros Recorro às palavras escritas por ataques terroristas, catástrofes mim, numa edição anterior, para naturais e crises económicas e reforçar a minha luta desde o início: sociais que puseram o nosso “Celebremos o individualismo, as exercício em causa mas, mais uma opiniões contrárias, as pessoas vez, o jornalismo resistiu e mostrou diferentes... Celebremos a ideia romântica de que somos especiais, estar mais forte do que nunca. diferentes e únicos e que, em conjunto, somos melhores”. “Não concordo com o que diz, mas defenderei até à morte o seu Este é o fim deste ciclo e desta direito de dizê-lo”. Revejo-me nestas direcção. Não é o fim do Pontivírgula, palavras comummente atribuídas a e muito menos do jornalismo. Voltaire , pois reflectem a minha maior A(s) história(s) que escrevemos luta individual durante a direcção continua(m) no próximo ano lectivo, do Pontivírgula, durante a qual, com uma direcção forte e decidida muitas vezes, me debati com ideias e e uma redacção perspicaz e com pensamentos diferentes dos meus, capacidades infinitas. É a eles que o mas sempre acreditei e defendi Pontivírgula será entregue. Acredito as palavras e o talento de cada no futuro. redactor e colunista. Não é um adeus definitivo, mas um breve até já ao maior projecto Nunca escondi que a minha maior preocupação era “o crescimento da minha vida. individual de cada elemento”, recorrendo à imparcialidade e Boas Leituras, Patricia Fernandes



FCH

04

Nova Direcção do Pontivírgula Foi um ano de grandes conquistas para o nosso querido Pontivírgula. A brilhante liderança da direcção e o esforço comum por parte da redacção permitiram o desenvolvimento, a independência e a qualidade do jornal. Em equipa lutámos por criar um espaço de transferência de conhecimentos, de aprendizagem e de amizade. É com muito orgulho que assumo a liderança do nosso jornal. Espero estar à altura dos desafios futuros e conseguir manter a sua herança e a sua visão inovadora. Quero que o jornal continue a crescer, a difundir as suas ideias e a informar os alunos da Universidade Católica. Espero também conseguir proporcionar uma plataforma de crescimento para a nossa redação, contribuindo assim para o seu futuro profissional. O Pontivírgula é um jornal feito por alunos para os alunos, por isso, convido-vos a participar nesta jornada conjunta que nos fará crescer e aprender. > Catarina Veloso, directora

Entrámos neste projecto como redactoras inexperientes e com a certeza de que este seria um desafio que nos faria crescer imenso. Assim o foi. Acompanhámos de perto o crescimento de um jornal que lutou pela independência, pelo rigor e pela qualidade. Foi uma longa caminhada, por vezes difícil, mas penso que o Pontivírgula ganhou maturidade, aprendeu com os erros e é hoje um jornal do qual nos podemos orgulhar. Tivemos a sorte de termos seguido uma liderança empenhada em construir uma nova visão, mais inovadora, para o jornal da nossa faculdade. O mote desta direcção foi sempre investir nas individualidades de cada um para que, juntos, pudéssemos criar um colectivo melhor.

© Francisco Fidalgo

No futuro, pretendemos perpetuar a visão que herdámos (e que penso que também ajudámos a construir um pouco, como tantos outros membros da redacção). Temos connosco uma equipa que fez parte da redacção do Pontivírgula este ano e que partilha do mesmo desejo de continuar a evoluir no sentido da excelência, abrindo também as portas para novos elementos que demonstrem ter a mesma avidez por aprender que nós tínhamos quando entrámos para este projecto. > Inês Linhares Dias, vice-directora


05

FCH

Reflexões de um Pontivírgula

Exactamente como acontece com o ano lectivo, está prestes a acabar o mandato da Patrícia Fernandes – que, com muito orgulho, foi minha aluna – como directora do jornal Pontivírgula. Desejo à Patrícia um futuro brilhante, agradecendo este ano de intenso trabalho, portador, contudo, de sucesso e conhecimento. Felizmente, a revista criada e gerida pelos alunos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa continuará com novos desafios e metas, com uma equipa renovada e chefiada por uma directora, Catarina Veloso, que – permitam-me um outro momento de orgulho – também foi minha aluna de Italiano até ao passado semestre. Desde o aparecimento de O Académico, de que o nosso Filipe Resende (sim, também ele estudante de Italiano...), hoje mestrando e brilhante investigador no CECC, também na nossa Universidade, foi director, sempre encorajei iniciativas deste género. “A University should be a place of light, of liberty, and of learning”, dizia Benjamin Disraeli, político e também escritor inglês. E tenho a sensação de que os colaboradores do Pontivírgula conseguem, como a experiência da direcção da Patrícia mostrou neste ano, conciliar esses momentos, juntando ao estudo um momento de criação activa e fecunda. De resto, que é a Universidade senão o principal ponto de partida da nossa aprendizagem e experiência? Se, de facto, o processo de Bolonha convida para a necessidade de uma formação contínua que não acabe com a licenciatura, mas que se especialize com o segundo e o terceiro ciclos, para adquirir competências cada vez mais elevadas no âmbito dos percursos de estudos escolhidos, por outro lado, cabe aos alunos enriquecer este caminho de aprendizagem com a experimentação directa, com a capacidade de “olhar-se à sua volta” para identificar áreas de interesse, “ousando” experiências que possam acompanhar os indispensáveis estudos, pressupostos fundamentais para dar o salto para o campo de trabalho. Ousar, sim.

Já dizia Steve Jobs: “Your time is limited, so don’t waste it living someone else’s life. Don’t be trapped by dogma - which is living with the results of other people’s thinking. Don’t let the noise of other’s opinions drown out your own inner voice. And most important, have the courage to follow your heart and intuition. They somehow already know what you truly want to become. Everything else is secondary.” Acho, portanto, louvável que um grupo de alunos da nossa Faculdade integre o estudo com momentos de experiência directa, estimulados só pelo empenho, pelo interesse e pelo sonho. E se é muito fácil generalizar, dizendo que hoje em dia os jovens estudam na Universidade só porque “é o costume”, a equipa do Pontivígula mostra como há muitos estudantes que autonomamente decidem utilizar o pouco tempo livre que as aulas, os testes, os trabalhos e as frequências deixam para escrever, experimentar e, com certeza, aprender, trabalhando numa equipa, confrontando-se, partilhando, disponibilizando conhecimentos adquiridos e transmitindo reciprocamente entusiasmo. Uma das jornalistas italianas mais importantes da televisão italiana, Milena Gabanelli, afirma: “il giornalismo è un mestiere che amo, quindi anche i sacrifici mi sembrano tollerabili.” E parece que a jovem equipa do Jornal Pontivírgula já aprendeu essa lição. Por isso, foi para mim um prazer ser entrevistado há algum tempo e, por isso, “grazie, Patrícia e Alexandra.” Será um prazer coordenar um projecto que, contudo, gostaria que fosse apresentado pela nova direcção. Posso antecipar que, para mim, é uma maneira de continuar a trabalhar com alguns alunos de Língua Italiana – Catarina Veloso, Alexandra Antunes, Sandra Vasconcelos, Francisco Marcelino –, que, voluntária e espontaneamente, decidiram aceitar um desafio que lhes permite, em plena sintonia com os objectivos dos seus estudos e dos seus interesses, perseguir os seus sonhos e aspirações. Ousando, sim. E em língua italiana! > Dr. Gaspare Trapani


FCH

06

Um dia, um grupo de alunos dentro da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Humanas decidiu publicar um jornal. Impresso em papel, o jornal foi um processo lento de aprendizagem e conhecimento das vantagens e dificuldades de um meio de comunicação escrito. Desse jornal em papel não conservo memória, pois perdi os exemplares físicos no meio de outros papéis. Por isso, o meu testemunho contempla apenas os jornais de formato eletrónico, que a geração seguinte de estudantes optou por fazer. O pdf que chega ao email atinge muito mais gente, é gratuito e mais fácil de ler e arrumar. Ainda conservo quase todas as edições em ficheiros do meu computador.

Creio que ele combina bem as duas componentes do curso: licenciado em jornalismo, ele é um homem da cultura (o maior conhecedor mundial da obra de Jorge de Sena).

Ao fim deste primeiro ano no Pontivírgula, só posso dizer que foi das melhores experiências que tive na universidade. Podem dizer-me: “oh, mas é só um jornal académico”. Peço desculpa, mas não. É o jornal académico que me mostrou que é isto que eu quero fazer daqui para a frente. É o jornal que me fez ter noção da responsabilidade de um jornalista – apesar de não ter participado em todas as edições – e que me mostrou que não posso parar de escrever. Com o Pontivírgula, percebi o quão bom é descobrir histórias através de entrevistas e como é interessante pegar em pormenores para construir algo que possa ser lido com gosto por alguém que aprecie o tema ou, quem sabe, o venha a fazer pelas minhas palavras.

Com isto tudo, só me resta agradecer a quem me indicou para fazer parte desta equipa, porque, no fundo, fizeram com que me aventurasse num mundo de onde não quero mais sair. Por isso, cá estarei para mais dois semestres, rodeada de palavras, naquele que será, sempre, o meu primeiro jornal.

Também é importante referir toda a mudança que se verificou no jornal, tanto a nível de estrutura como de qualidade de conteúdos. É certo que não somos profissionais (ainda!) e que não temos todo o tempo para nos dedicarmos ao jornal, mas todos os minutos e todo o esforço contam. Arestas por limar vão existir sempre, mas a vontade de querer ir mais além ultrapassa isso tudo! E, nesse aspecto, a equipa do Pontivírgula superou as expectativas.

Arrisquei, saí da minha zona de conforto… E agora? Agora sou mais rica porque descobri a paixão da imprensa escrita e criei amizades que nunca esquecerei.

Das rubricas do jornal, relevo ainda as críticas de cinema, moda e artes, assim como o olhar atual do que se passa no país e no mundo. Umas vezes noto ironia, noutras identifico dádiva, mas sempre o desejo de intervenção enquanto cidadãos conscientes. Destaco também a contínua preocupação social, o olhar as associações de solidariedade dentro do espírito da doutrina social da Igreja, a matriz fundamental da universidade. Com frequência, fico a conhecer melhor os alunos, em especial quando os textos são sobre outros O número 1 do Académico surgiu em outubro de 2012, alunos, caso dos talentos (como cantar, ser desportista ou com Filipe Resende como diretor, apoiado por Afonso Sousa, participar em ações de voluntariado). Diogo Lopes, João Tavares e Raquel Trindade. Na capa desse Ao longo dos anos recentes, dei por mim a lamentar a número, o destaque foi dado ao professor Jorge Fazenda Lourenço, com um belo título: “Tiveram um professor poeta redução da duração da licenciatura, porque considero sempre mas não deram conta disso”. Depois, à frente do jornal não haver tempo suficiente para ensinar tudo o que se acha apareceram Beatriz Isaac, Emanuel Monteiro e Joana necessário. Mas, ao ler o jornal, concluo que está já quase Portugal. Estes alunos iniciaram a mudança de nome para tudo lá: o modo de escrever, a reflexão, a diversidade de matéo atual Pontivírgula (número 14, abril de 2014) e a alteração rias. Se há ingenuidade em alguns textos, ela também tem tecnológica para a plataforma digital de publicação ISSUU. razão de existir. Quero pensar na ideia de valores superiores, Mais perto de nós, Patrícia Fernandes e Joana Cavaleiro na vontade de construir um mundo melhor – mais sábio, mais são as responsáveis desse meio autónomo dos estudantes. amigo, mais cristão. Sempre com o apoio generoso de muitos colegas estudantes. Espero que continuem a escrever e passem a energia, O que fomos lendo ao longo destes três anos? coragem e bom testemunho aos responsáveis seguintes. E Crónicas, reportagens, entrevistas a docentes – e que revelaram informem-nos do que vão fazer a seguir. O jornal é um ponto lados menos conhecidos deles mas deliciosos ou divertidos. de encontro entre os autores do jornal atual e a memória dos O professor Fazenda Lourenço, de que escrevi acima, é o autores que escreveram em edições anteriores. campeão dos entrevistados, pois encontrámo-lo noutros > Dr. Rogério Santos números do jornal.

> Alexandra Antunes, redactora 2º ano

Pontivírgula, o que posso dizer desta experiência? Desta redação? Da minha editora? Bem, posso dizer um “obrigada” de coração cheio. Cresci com vocês, cresci como futura jornalista e cresci como individual.

Obrigada por me fazerem evoluir. E um obrigada muito especial a ti, Patrícia, tu és a “cola” disto tudo. > Susana Santos, redactora 2º ano


FCH

07

Entrevista ao Professor José Manuel Seruya Um Gestor que foi desafiado a ser Professor, profissão que abraça há mais de 21 anos. O Professor José Manuel Seruya conversou com o Pontivírgula, onde falou sobre os maiores desafios da sua profissão e como aprendeu a gerir as mudanças e exigências do ensino, ao longos dos anos. Pontivírgula: Como surge a carreira de Professor na sua vida? José Seruya: Olhe, sou professor há 21 anos. Eu diria apenas 21 anos porque nunca foi essa a minha profissão. Estamos a falar de 1993 ou 1994. O professor Manuel Braga da Cruz (vice-diretor na altura, e mais tarde reitor desta Universidade) “Fica-me sempre na convidou-me para fazer uma memória que os alunos cadeira nova, Comunicação vinham cá só para virem de Empresas, mais ligada às à minha aula (...) Muitas vezes, alguns vinham organizações e à comunicação diretos da noite para as interna. minhas aulas.” Na altura era gestor e tinha uma ligação com o professor Manuel Braga da Cruz, porque tinha sido meu professor no ISCTE há muitos anos. Nasceu aí aquilo que não era uma carreira, porque só dava aulas uma vez por semana. Vinha cá sexta-feira, das 8h às 10h. Era uma cadeira optativa. Assim começou a minha ligação como professor à Católica, embora antes eu já tivesse dado algumas formações e algumas aulas noutras entidades não universitárias. Pontivírgula: Que memórias guarda desse tempo? José Seruya: Fica-me sempre na memória que os alunos vinham cá só para virem à minha aula. Portanto, inscreviam-se numa cadeira optativa, sabiam que era só duas horas por semana, numa sexta-feira, e era extraordinário. Muitas vezes, alguns vinham diretos da noite para as minhas aulas. “As turmas estão muitíssimo maiores e isso não é, digo-o sem problema algum, necessariamente um bom sinal.”

Pontivírgula: O que é que mudou desde essa altura?

José Seruya: A cadeira em si manteve-se, foi sendo oferecida no primeiro e no segundo semestre, e depois mudou de nome, foi rebatizada para Comunicação Organizacional. Entretanto tornou-se obrigatória, as variantes também alteraram e eu fiquei sempre com esta cadeira, desde há 21 anos. Desde há sete anos, dou mais umas quantas cadeiras porque, entretanto, fiz o doutoramento em Gestão (que concluí em Maio de 2008) e a Católica convidou-me para ter um vínculo mais forte como professor. E aqui estou como professor auxiliar convidado há mais ou menos seis anos.

Pontivírgula: Que cadeiras é que tem? José Seruya: Neste momento, em licenciatura, dou, além da cadeira de Comunicação Organizacional, as cadeiras de Gestão das Organizações e Desenvolvimento Pessoal, porque achava que era importante os alunos poderem ter acesso a um espaço desses. Depois, no mestrado, já dei Marketing. Aliás, continuo a lecionar Marcas e Reputação, na variante de Marketing, que foi uma cadeira que comecei porque uma parte do meu doutoramento tem a ver com marcas, precisamente. Também dou Organização e Mudança, na variante de Comunicação Organizacional, e já dei Comunicação e Liderança, mas troquei com o professor Ilharco. Finalmente, também dou uma cadeira de Liderança, Empreendedorismo e Desenvolvimento Pessoal, que é uma cadeira oferecida tanto aos mestrados de Ciências da Comunicação como aos de Serviço Social. Pontivírgula: De que forma é que ser professor o mudou?

“Na altura, eu era gestor a tempo inteiro, vinha com imenso gosto de dar aquela aula, de fazê-lo, mas aquilo, para mim, era como dar uma formação porque eram muito poucos alunos.” José Seruya: Ahhh, em muita coisa… Para já, mudou a minha própria circunstância. Na altura eu era gestor a tempo inteiro, vinha com imenso gosto dar aquela aula, mas aquilo para mim era como dar uma formação, porque eram muito poucos alunos. Eu tinha turmas entre 12 a 16 alunos, a cadeira era optativa. Para mim, a grande diferença para as aulas de hoje em dia é a dimensão das turmas: as turmas estão muitíssimo maiores e isso não é, digo-o sem problema algum, necessariamente um bom sinal. É uma mudança que para mim não foi particularmente positiva, mas não deixo de gostar do que faço. Outra diferença… Eu não gosto de dizer que foi a maturidade, porque depois começa a puxar pela minha idade e, enfim… (risos). Pontivírgula: A sua idade? José Seruya: Quando comecei a dar aulas tinha 36 ou 37 anos, portanto tinha uma grande proximidade com os alunos, e hoje em dia existe uma distância etária enorme, tenho o triplo da idade das pessoas que estão à minha frente, isto em licenciatura. Além disso, também noto que mudei muito mais, porque os 20 anos que passaram são 20 anos de muita vida não só empresarial como enquanto gestor. Depois, como gestor, mas também como consultor (em 2004, deixei de ser gestor), tive sempre uma ligação às empresas e é isso que eu trago, hoje de outra maneira, se quiserem uma visão muito mais completa, acho eu, muito mais densa, muito mais diversificada daquilo que é a realidade organizacional.


FCH

08

Pontivírgula: Como sente essas diferenças nos dias de hoje? José Seruya: São os anos que passaram, os anos com a quantidade de vida vivida, e quando olho para tudo o que guardei – os slides dos primeiros tempos, os acetatos (na minha altura ainda se utilizava acetatos)… – sorrio, porque há duas ou três coisas essenciais na cadeira de Comunicação Organizacional, e depois noutras, que continuam cá, ou seja, algumas crenças que tinha na altura mantêm-se. Digamos que a grande “Sinto maior distância em diferença que sinto relação a vocês, aos alunos, é essa: sinto maior e isso não é bom nem mau, é fruto da evolução normal distância em relação a vocês, aos alunos, e isso das coisas e, portanto, sinto uma maior necessidade de não é bom nem é mau, é adaptar-me.” fruto da evolução normal das coisas e, portanto, sinto uma maior necessidade de adaptar-me. Pontivírgula: Isso implica um esforço maior? José Seruya: Isso obriga-me a um esforço pedagógico de facto muito maior do que há 20 anos. Não digo isto como queixa, porque é uma coisa que, por um lado, me tem ajudado imenso nesta dimensão de como é que eu consigo transmitir tanta coisa que eu aprendi que acho que pode ser relevante para vocês. Como é que eu posso... Pontivírgula: Adaptar-se? José Seruya: E, sobretudo, tornar isso conhecimento útil para vocês. Para mim, está bastante adquirido, não quer dizer que seja tudo, obviamente, do ponto de vista de estar mastigado, lido, refletido. Por isso é que vou preparando coisas novas todos os anos, porque não gosto de fazer exatamente a mesma cadeira. É claramente esta a diferença: o que isto me obriga a rejuvenescer aquilo que sei e a torná-lo um bocadinho mais apetecível e mais percetível para vocês.

“(...) vou preparando coisas novas todos os anos, porque não gosto de fazer exatamente a mesma cadeira.”

Pontivírgula: Ensinar e ser professor é cada vez mais desafiante?

José Seruya: Isso é, especialmente porque 95% das pessoas que estão à minha frente, e isto também valido para o mestrado, são pessoas que não têm experiência profissional. Portanto, gosto muito de fazer a ponte entre aquilo que são as aulas e outras realidades organizacionais que não a Católica, não dar como adquirido aquilo que sei, porque aquilo que sei só vale aqui dentro se eu conseguir pôr isso ao vosso serviço de alguma maneira. Tento sempre tornar as matérias úteis para vocês, senão fico à mesma com o conhecimento, mas ele não se torna relevante. Isso é exigente, para mim é tremendamente exigente, porque não me deixa tranquilo. Eu também tenho de, não é necessariamente adaptar-me, mas perceber qual é o nível de interesse que as pessoas que estão à minha frente têm em relação àquilo que eu estou a dizer.

Pontivírgula: É por isso que o professor recorre, muitas vezes, à sua experiência profissional e pessoal nas aulas? José Seruya: Foi a forma que eu consegui arranjar para vos aproximar de uma realidade que vos é estranha, e que vos é estranha por duas razões. Em primeiro lugar, porque não tiveram efetivamente experiência profissional, e não é um defeito, é a circunstância da vossa vida, que é normalíssima. Por outro lado, também, ajudando-vos a refletir sobre esta realidade organizacional que é a Católica, onde vocês vivem, claramente é maior a possibilidade que eu tenho de encurtar a distância entre aquilo que é uma perspetiva da realidade operativa concreta e aquilo que é, digamos, o vosso não conhecimento dessa realidade. Pontivírgula: Utiliza exemplos dessa realidade como forma de atingir os alunos? José Seruya: Eu posso explicar uma coisa eternamente e o que é que isso significa do ponto de vista da construção do relacionamento entre as pessoas? Pouco. Se eu não encharco as aulas de histórias, episódios e exemplos concretos, a probabilidade de vocês apreenderem a importância daquilo reduz brutalmente. Por isso, quantos mais exemplos e casos vos propuser, maior é a possibilidade não só de vocês me compreenderem, mas, sobretudo, de conseguirem projetar-se na realidade organizacional e fazer esse shift: “eu não tenho essa experiência, não sei exatamente do que é que se está a falar, mas o exemplo ajuda-me a perceber. Ah, é mais parecido, fico mais próximo, sem conhecer, mas fico mais próximo”, porque estou a falar de pessoas, de pessoas em relação com pessoas. Pontivírgula: Claramente, hoje há mais distrações do que havia há uns anos atrás. Como é que o professor lida com isso e tenta ultrapassar isso? José Seruya: Primeira coisa, isso é uma realidade que não acontecia há 20 anos. Não existia, ponto final. A própria utilização de telemóveis era reduzidíssima. Essa talvez seja a principal causa da diferença na postura dos alunos na sala, que agora estão mais dispersos. Agora, essa dispersão não tem a ver só com a questão da utilização em modo de dependência muito grande, que eu acho que é, de facto, uma independência muito grande. Esta coisa de estar conectado permanentemente em rede é tremendamente atrativa, não tenho qualquer dúvida, embora eu não tenha essa vivência comigo, e isso traz a incapacidade de a pessoa se desprender disso, principalmente em contexto de sala, mas também fora do contexto de sala. Não entendam isto como uma “conversa de cota”. Por isso, eu perguntaria: então e porque não estar na sala de aula também? Ou seja, o que é que a sala de aula terá de tão diferente? (risos). Enfim, isto agora seria uma comparação um bocadinho jocosa!


FCH

09 Pontivírgula: Isso leva a alguma ponderação sobre as suas aulas?

Pontivírgula: O professor refere esse problema como alguma irritação...

José Seruya: Este é um problema concreto. Dentro da sala de aula há, de facto, uma circunstância muito concreta: se o aluno não está lá no sentido da atenção, o que é que lá está a fazer? Se vem para manter o registo que utiliza no modo em que está no exterior, então todos nós temos de nos interrogar. Eu digo isto porque é uma coisa que me interpela! Por um lado, o que é que é verdadeiramente a motivação dos alunos quando vêm para uma sala de aula? Eu sei que agora estou a generalizar muito. Mas a aula é o quê para o aluno? Essa é uma realidade quotidiana vossa – e dos professores também, claro.

José Seruya: O nível de irritação sobe-me porque a distração é contagiosa. Por exemplo, quando estou com o computador aberto e estou a navegar algures ou a ver um minifilme, mesmo que em silêncio, tenho pessoas ao meu lado e pessoas atrás de mim que, voluntária ou involuntariamente, acabam por se associar àquilo. Se você estiver completamente distraída e num minuto está a dormir, não me incomoda nada. Literalmente, não me incomoda nada, não me irrita. Eu admito, as pessoas podem estar cansadas ou até fartas e saturadas ou “O nível de irritação sobe-me porque a então não gostarem do tema. Isso é legítimo. O problema é que distração é contagiosa.” estas coisas são tremendamente contagiosas.

A sensação que fica e o sinal que vocês me dão, quando estão nesse comportamento, é que este não é o lugar nem o tempo que vocês querem habitar – e utilizei uma expressão que não é minha. “Não é aqui que eu quero estar e, contudo, estou!”. Para mim, isso é tremendamente interpelativo. Considero isso um uso discutível da liberdade da pessoa. Acabo por pensar que a pessoa está na aula para não ter falta. Há qualquer coisa que não está bem nisto: assim não se constrói um bom relacionamento entre professor e aluno.

“Se vem para manter o registo que utiliza no modo em que está no exterior, então todos nós temos de nos interrogar.”

Pontivírgula: Mas a si, como professor, o que é que este distanciamento lhe traz?

José Seruya: Como professor, isto desafia-me muito. Para já, do ponto de vista de compreender o que é que gere este movimento, este nível de desinteresse, porque isso é uma manifestação clara de desinteresse. A minha interpelação é: porquê esta manifestação sistemática de desinteresse? Pontivírgula: Como é que gere esse problema? José Seruya: EEu estou a generalizar imenso e não quero fazê-lo injustamente. Mas como é que eu consigo construir um relacionamento saudável, útil e de serviço, neste contexto? Não posso só pensar, eu professor, que o problema “it’s all about you”. Então e eu? Não quero responder a isso dizendo: “ah, proíba-se a utilização de telemóveis e iPads, ou o que for, durante as aulas”. Não penso que seja essa a solução. Admito e acredito que possa, pontualmente, trazer alguma vantagem. Mas tenho grandes dúvidas, porque sou dos que acredito que é preciso desafiar os alunos na consciência da liberdade com que decidem este tipo de comportamento. Pontivírgula: Qual é que é o problema para essa falta de consciência da liberdade dos alunos? José Seruya: A minha irritação não vem da desatenção em si. Se agora eu começasse a mexer no computador ou no telemóvel, o que a Susana pensaria era: “então não é isto a coisa mais importante neste momento”. Claro que se fosse algo grave com a família, um familiar muito doente, por exemplo... Não estou a querer julgar nesse sentido. Agora, reconheço também que os professores têm de fazer um esforço acrescido.

Pontivírgula: E acabam por perturbar as aulas... José Seruya: Por isso é que as minhas intervenções irritadas não têm normalmente como alvo uma pessoa que está distraída, pois se fosse esse o caso, eu, pessoalmente, metia-me com ela. Mas, quando é coletivo, quando são mais pessoas, isso é um atropelo. Isso já é, claramente, entrar num outro território, que é o território do respeito, e o respeito requer uma educação do comportamento na relação com os outros.

“(...) tenho os meus momentos pontuais de frustração e irritação, mas arrumo-as no sítio certo em mim. Posso dizer que gosto do que faço e faço o que gosto.”

Pontivírgula: Como é que sente ao verificar frequentemente esse atropelo de que fala?

José Seruya: Eu sinto-me d e s re s p e i tado, por isso é que muitas vezes o disse de forma muito pessoal: “você está a desrespeitar-me a mim e isto é pessoal. Não é a sua distração, a sua desatenção e a sua utilização frenética do telemóvel ou do iPad que me incomoda, por si própria. Contudo, incomoda-me o que isso tudo está a provocar à sua volta”. Quando isso acontece, começa a existir, salvo seja, uma doença que não está isolada, porque começa a prejudicar muito mais gente – também podemos dizer que os outros estão a distrair-se porque querem ser distraídos ou algo do género. Aí já se revela necessária a intervenção direta e, muitas vezes, aí sim, até com alguma zanga e irritação, cansaço, idade! Também a tenho... Às vezes, começo a ter alguns níveis de tolerância já um bocadinho estragados. Reconheço isso em mim, sei que tenho de fazer o meu caminho nesse sentido, mas vocês compreendem que o ponto de vista é esse, não é? Pontivírgula: O facto de o professor referir que não se conforma com esta atitude, isso demonstra que o professor não desiste… José Seruya: Não desisto. Não desisto neste sentido, de vos interpelar na vossa liberdade. Como é óbvio, tenho os meus momentos pontuais de frustração e irritação, mas arrumo-as no sítio certo em mim. Posso dizer que gosto do que faço e faço o que gosto.


FCH

10

Quando eu digo que não desisto quero dizer que não desisto de mim neste sentido, e a maneira de não desistir de mim, como professor, neste relacionamento, é não desistir de vocês. Porque seria mais fácil eu virar, salvo seja, autista, ou seja, entrar, arrancar, mostrar slides ou não mostrar, falar, dizer o que tenho a dizer, não há conversa, faço a minha conferência, salvo seja, e seguimos para bingo. Eu não consigo ser assim. Não consigo existir como professor dessa maneira. Não me dá sentido. “Acho que tenho o direito de exigir tudo de vocês, porque exijo de mim em primeiro lugar.”

Pontivírgula: O que significa então não desistir de si? José Seruya: Não desistir de mim significa que não desisto de vos interpelar, às vezes talvez com mais graça, outras vezes sem graça nenhuma, outras com alguma dureza, bastante dureza verbal... Acho que tenho o direito de exigir tudo de vocês, porque exijo de mim em primeiro lugar. Eu considero a auto-exigência o critério fundamental para depois exigir de vocês. Eu dou tudo o que tenho quando venho aqui e vocês podem não dar tudo o que têm, mas não estorvem. Estão a ver a diferença? Por isso é que eu digo: “você está distraída, não lhe está a apetecer ouvir. Isso não me incomoda, repito!”. É mais ou menos aquilo que digo na brincadeira: feliz que não sou pago pelo nível de atenção que me prestam, porque talvez já andasse a pedir debaixo das pontes há muito tempo. A minha forma de não desistir é isto. Tento não desistir mandando uma piada ou dizendo qualquer coisa engraçada, mas procuro sempre chamar-vos à atenção para algo que inclusive se repercute mais tarde no trabalho. É preciso, de facto, uma autodisciplina muito grande. Aquela mentalidade “eu estou habituado a isto, não há problema nenhum, amanhã vou começar o emprego ou o estágio e sei tudo” não serve. Não, não sei! Entram outras coisas que suscitam estes níveis de dispersão e é preciso, de facto, focus.

“Eu não quero acreditar naquilo que dizem hoje em dia, que a malta das vossas idades não quer crescer. Não querem crescer como? Talvez não da maneira como eu cresci.” Pontivírgula: Por isso, cria pequenas estratégias para combater esses problemas… José Seruya: Reparem, quando eu pedia aqueles trabalhos em grupo, conseguia arranjar, pontualmente, alguns níveis, não sei, de motivação e concentração. Contudo, não era preciso ser genial para perceber quem é que dava o litro em cada grupo, quem estava verdadeiramente envolvido e quem continuava no mesmo registo: com o computador ou o telemóvel à frente. Ao mesmo tempo, isso também servia para me fazer pensar: “se isto é trabalho em grupo, onde é que está a minha responsabilidade? De que maneira é que eu quero dar a minha responsabilidade a este grupo?”. São estas as interpelações que eu acho que devo continuar a fazer. É isso, para mim, que é não desistir. Pontivírgula: Qual considera ser o seu papel?

“É verdade que o diploma da Católica vos dá a garantia que terminaram o curso, mas há mais do que isso. É preciso perguntar ‘quem é que eu fui na Católica?’”

Pontivírgula: Isso levanta outras questões...

José Seruya: Acho que a minha função é chamar-vos à atenção para a maneira como vocês próprios estão a construir a vossa postura no mundo e, neste momento, as aulas são parte do mundo que vos é dado a viver. Eu não quero acreditar naquilo que dizem hoje em dia, que a malta das vossas idades não quer crescer. Não crescer como? Talvez não da maneira como eu cresci! Mas se não querem isso, então interpela-me muito a ideia de saber o que é que estão aqui a fazer, o que é que vos agarra, o que é que vos motiva verdadeiramente.

José Seruya: Interrogo-me se em certas cadeiras não é preciso um tempero diferente nas aulas. Esta é uma reflexão que, em mim, está muito longe de estar concluída e nem sequer está devidamente formulada, mas pontualmente penso nisto. Até que ponto é que o ensino presencial acrescenta valor? O que é que faz de diferente de um muito bom e-learning? Pode sempre dizer-se que o problema é a relação com as pessoas, mas talvez tenha de ser reestruturada a relação em sala, posicionada de outra forma.

Amanhã, quando terminares o curso, para ti o curso valeu o quê? É verdade que o diploma da Católica vos dá a garantia de que terminaram o curso, mas há mais do que isso. É preciso perguntar: “quem é que eu fui na Católica? Que tipo de pessoa fui? O que posso dizer sobre mim?”. E a sensação que eu tenho em relação a vários é o passar um pouco à margem de si mesmos. Isso... Isso faz-me pena, sabe? Porque estão a perder a oportunidade, talvez, de descobrir algo de que gostem a sério.

Acredito que é preciso desafiar os alunos na consciência da liberdade com que decidem este tipo de comportamento.

Susana Santos

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


FCH

11

PSICOLOGIA Um

auto - conceito

“mais

e melhor ”

Quando pensas em ti, que ideia tens? E quando te descreves a alguém, o que costumas dizer? Já pensaste sobre o que pensas sobre ti? A verdade é que todos temos uma ideia ou uma representação mental de nós mesmos e somos os únicos a conseguir aceder-lhe. Designamo-la por auto-conceito e concebemo-la como derivada de experiências prévias e do desempenho pessoal nas mais variadas circunstâncias. Esta imagem, que é única para todos nós, engloba a totalidade dos pensamentos e sentimentos de cada um, tornando-os um ponto de referência. Se, por um lado, temos a forma como a pessoa se vê a si própria, por outro, temos a forma como gostaria de se ver e como se apresenta aos outros. Torna-se assim evidente a influência que esta pode exercer sobre a adaptabilidade às situações e ao estabelecimento de novas relações. O auto-conceito tende a constituir uma entidade estruturada, estável, diferenciável e, dada a sua natureza, também multifacetada. É consensual a relação que existe entre a sua valorização e os efeitos positivos daí advindos. Decerto já te apercebeste de que, quanto melhor alguém se conhece e se valoriza, mais facilmente terá um desempenho bem-sucedido em vários papéis e mais se desafiará a concretizar novos objectivos. Porque será que isto acontece? A resposta é simples: porque essa pessoa tem um auto-conceito realista e positivo. Assim, quanto mais a pessoa se conhecer, acreditar nas suas competências, traçar objectivos ambiciosos e estiver altamente motivada para a sua concretização, melhor será o seu auto-conceito. Todavia, claro que existem estratégias que te possibilitam melhorá-lo ou torná-lo mais positivo. Já experimentaste elogiar-te? E às outras pessoas? Tenta sempre identificar mais qualidades do que defeitos, mais pontos fortes do que limitações.

© Free Domain/PixaBay

Tenta cuidar de ti e dos outros como se não tivesses outra oportunidade de o voltar a fazer. Vais sentir-te muito melhor e assistir a um aumento exponencial do teu auto-conceito! Estabelecer objectivos exigentes também é um excelente método. Sim, isso mesmo! Faz aquilo a que te comprometes e algo mais, explora outros interesses, outras formas para gozares os teus tempos livres. Faz aquilo que nunca pensaste fazer ou de que nunca acreditaste ser capaz. Vai mais além, usa e abusa das tuas capacidades, crenças e valores! E lembra-te sempre: por cada objectivo que alcances até chegares ao feito maior, vai-te recompensando. Mima-te, planeia uma actividade, compra algo, faz aquilo por que tanto esperavas. Só assim conseguirás manter a motivação por muito tempo e aumentar gradual e positivamente o teu auto-conceito. Manter ou fomentar um auto-conceito positivo pode ser uma tarefa árdua e repleta de imprevistos, mas é também gratificante e satisfatória. E, depois, estarás sempre apto/a a fazer mais e melhor!

Quanto melhor alguém se conhece e se valoriza, mais facilmente terá um desempenho bem-sucedido em vários papéis e mais se desafiará a concretizar novos objectivos. Alexandra Nogueira


FCH

12

SERVIÇO SOCIAL Entrevista

à

P rofessora Ana Oliveira

Ana Maria da Costa Oliveira é Doutorada em Serviço Social pela Universidade Católica Portuguesa. Atualmente é coordenadora pedagógica e docente na licenciatura em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa e Coordenadora da Área de Intervenção Sócio Pedagógica do Centro Social e Paroquial do Campo Grande em Lisboa. Para além disso, é Investigadora no Centro de Estudos de Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa, as suas áreas de publicação e investigação situam-se nas áreas de intervenção com jovens, nas teorias e práticas de intervenção social e na mediação social e intercultural.

“Um assistente social é um defensor por excelência dos direitos humanos e está preparado para criar e acompanhar projetos de desenvolvimento social, sociais e comunitários.” Inês Cruz: Muitas vezes os nossos colegas das outras licenciaturas questionam-nos o que é se estuda em Serviço Social. O que lhes responderia lhe colocassem esta questão? Ana Oliveira: Para mim ser assistente social é estar totalmente comprometido com o desenvolvimento social e humano. Um assistente social é um defensor por excelência dos direitos humanos e está preparado para criar e acompanhar projetos de desenvolvimento social, pessoais e comunitários. A formação está centrada em dotar os alunos de competências que lhes permita ser profissionais empreendedores e construtores de projetos transformadores da sociedade. Por isso as áreas de formação vão desde a sociologia, à economia, à psicologia, politica social, gestão de projetos, direitos humanos entre outras. Oferecemos uma forte componente prática relacionada com as áreas de intervenção social com indivíduos e famílias, grupos e comunidades e administração social. A investigação social surge como uma dimensão fundamental ao longo do percurso formativo, com cadeiras especificas por exemplo de métodos e técnicas e seminários de investigação. Inês Cruz: Porque é que faz sentido investir numa formação em Serviço Social? Considera ser uma profissão com futuro? Ana Oliveira: Quanto a mim o Serviço Social da UCP é uma profissão de futuro e com futuro, que pode marcar a diferença no espaço das Ciências Sociais e inclusive no espaço formativo da área, existe ainda muito campo profissional nesta profissão. Afirmo com alguma insistência que um profissional de Serviço Social pode fazer sentido em quase todos os campos de ação profissional.

Sei que isto pode provocar confusão, mas na verdade fazem falta “especialistas do desenvolvimento humano e social” nas mais diferentes áreas e sinal disso são ex-alunos nossos que trabalham tanto em serviços estatais, como em IPSS, em empresas, autarquias, fundações, entre outros. É por isso que a nossa formação aposta no rigor e na exigência, mantendo altos níveis de qualidade de ensino preparando os estudantes para as áreas habituais de profissão mas também para ocupar novas áreas no mercado de trabalho, tais como a cooperação e o desenvolvimento, a responsabilidade social e consultoria nas empresas e áreas de negócio social, além da gestão de equipamentos sociais e organizações. Inês Cruz: Quais são os principais objetivos da licenciatura em Serviço Social da FCH/UCP? Ana Oliveira: Através da licenciatura em Serviço Social, a Faculdade de Ciências Humanas continua a querer ser um espaço de reflexão e preparação para um mundo melhor, contribuindo para a mudança positiva de Portugal. Nesse sentido são nossos objetivos dotar os estudantes de conhecimento técnico-científico, de capacidades empreendedoras, de pensamento social criativo e de espírito de equipa, para criar respostas inovadoras e eficazes aos problemas sociais contemporâneos. Inês Cruz: O que é que os novos alunos podem esperar do novo plano de estudos? Ana Oliveira: A licenciatura em Serviço Social na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade católica Portuguesa surge com um novo fulgor para acompanhar a evolução das necessidades e desafios da sociedade. Assim, os alunos poderão encontrar inovação na forma como se abordam as áreas disciplinares, mas também uma visão alargada do mundo e do homem. O novo plano de estudos cruza o saber - saber, com o saber - fazer e o saber- estar, através de uma componente teórica assente em conhecimento cientifico, de uma componente prática que estimula a reflexão na ação, de uma componente ético-profissional que assenta num forte sentido do outro e do mundo. Inês Cruz: O que é que diferencia a licenciatura em Serviço Social na Universidade Católica das outras licenciaturas em Serviço Social? Ana Oliveira: Acreditamos que a formação que oferecemos é composta por valores fundamentais que inspiram as competências ético-profissionais, tornando os nossos alunos profissionais com um forte sentido do Outro e do mundo, com uma ação pautada pela justiça social e pela defesa da dignidade da pessoa como um todo. Assim, a licenciatura em Serviço Social da Universidade Católica de Lisboa integra conhecimento científico, mas também sensibilidade social, espiritual, com um consistente sentido ético e esta é seguramente uma das nossas marcas mais fortes.

Inês Cruz

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


13

FCH

Correspondência Erasmus Barcelona

Desde cedo que tinha bem claro que fazer Erasmus estava nos meus planos, antes de terminar a licenciatura. Por ser uma pessoa que gosta de conhecer outras pessoas, culturas diferentes, sair da zona de conforto e, sobretudo, viajar. Posso afirmar que esta foi uma das maiores aventuras que já vivi. Devo confessar que Barcelona, cidade onde estou desde Fevereiro, não foi o meu primeiro, ou sequer último, destino de eleição. Foi porque assim o teve de ser, porque as circunstâncias assim o obrigaram. Estive primeiramente no Brasil, na cidade de São Paulo, onde, quando cheguei, o cenário era de protestos, greves e portões da Universidade trancados. Num mês, tive quatro aulas. As opções eram poucas, ficava e sujeitava-me ao que dali viria ou voltava para Portugal. Voltei e hoje não me arrependo, em nada. Posto isto, a cidade de Barcelona entra na parte em que, não tendo desistido da ideia de fazer Erasmus, e uma vez que este foi o ano em que as vagas para fazer Erasmus foram todas preenchidas, surge uma desistência e eu tenho a oportunidade de ir. Assim foi, e acho que todas as voltas que me foram trocadas, no final, acabaram por ser boas. Acho que me fizeram valorizar – ainda mais – a experiência única que é poder fazer Erasmus. Cheguei a Barcelona um pouco receosa daquilo que poderia vir a encontrar (porque, apesar de estar ao lado de Portugal, há muito mais diferenças do que aquelas que eu imaginava), mas, ao mesmo tempo, curiosa para começar tudo. Já tinha estado em Espanha várias vezes, mas nunca em Barcelona, e acho que, desde o primeiro dia em que cheguei, quando saí do autocarro em plena Plaza de Catalunya, apaixonei-me imediatamente pela cidade. Os primeiros dias foram passados a conhecer a dinâmica da Universidade e a cidade em si. Não é mentira quando dizem que os Catalães são muito fechados, porque de facto são. Na Universidade, a maior parte dos estudantes tem o seu grupo fechado de amigos e, por isso, são muito pouco abertos a novas pessoas. Acabou por ser um desafio torná-los mais “abertos” – sobretudo para nós, Portugueses, que estamos habituados a ser sempre acolhedores com todas as pessoas –, mas no final recompensou. A princípio custou, mas os amigos catalães que fiz… Sei que os levo para a vida.

© Fotografias cedidas por Carolina Bártolo

E acho que o melhor do “(...) desde o Erasmus é isso mesmo, a troca primeiro dia em de experiências e a quebra de barreiras entre pessoas que cheguei, de países e culturas diferenquando saí do tes. Curiosamente, a maior autocarro em parte das pessoas com quem plena Plaza me dou melhor são todas de Catalunya, de países fora da Europa: apaixonei-me Coreia, Turquia, México, Chile, imediatamente Colômbia, cujas semelhanpela cidade.” ças connosco são muito mais do que as diferenças. Os laços que foram criados ultrapassam quaisquer diferenças de crença, religião ou cultura. Uma vez disseram-me, e nunca me hei-de esquecer, que “o Erasmus é aquilo que nós queremos fazer dele”, e quem fez Erasmus sabe que assim é. Em Erasmus tem-se tempo para tudo: para ir às aulas, para estudar, para sair à noite, para conhecer a cidade, para viajar, para estagiar. Para tudo. Basta apenas querer. Fiz tudo o que disse anteriormente, aprendi muito com pessoas que conheci e que jamais esquecerei e também cresci muito. Estou na recta final da minha experiência de Erasmus, está mesmo a chegar ao fim, e sem ainda ter terminado já me sinto com saudades. Fiz tudo o que disse anteriormente, aprendi muito com pessoas que conheci e que jamais esquecerei e também cresci muito. A minha experiência de Erasmus está mesmo a chegar ao fim, e já me sinto com saudades. Entretanto, vou voltar mais tarde para Portugal, porque consegui um estágio aqui para o verão. Sei que vou voltar igual e, ao mesmo tempo, diferente. Como disse Jonah Lehrer, “We travel because we need to, because distance and difference are the secret tonic to creativity. When we get home, home is still the same, but something in our minds has changed, and that changes everything”. Carolina Bártolo


FCH

14

Ex-alunos: Experiências Maria Pedro Pinto

Se há três anos me tivessem dito que hoje estaria aqui a contar a minha experiência fora da faculdade, iria achar que era brincadeira. Sabia que isso ia acontecer, não me sentia bem preparada (tenho de admitir!), mas também não me quis preocupar muito com isso. Tudo aconteceu, e cheguei ao dia especial… O dia em que me tornaria licenciada! Confesso que nos dias a seguir (talvez ainda hoje me sinta um pouco assim, mas não se preocupem, acho que é normal) me senti profundamente aterrorizada. Tinha bem definido aquilo que queria fazer a seguir, mas não sabia como as coisas iriam acontecer. Certo é que me foram trocadas todas as voltas. Comecei um mestrado, mas rapidamente senti que estava a repetir tudo aquilo que tinha aprendido nos últimos três anos e, por isso, desisti. Não me orgulho nada disto, mas também aprendi que não devemos escolher nada à pressa. Escolher um curso só porque sim, só porque temos mesmo de o fazer. Tenho 22 anos e sei que ainda terei muito tempo para encontrar “o tal” mestrado. Quis também ingressar no mestrado porque não me passava pela cabeça estar parada, e tinha bem presente a noção de que a procura por um simples estágio poderia ser bem mais demorada do que esperaria.

“Assusta muito saber que deixámos de ser uns miúdos, assusta quando nos perguntam “qual a sua profissão?” e já não podemos responder “sou estudante”, mas não podemos ter medo.” Sempre defendi a instituição onde me formei, sempre fiquei grata por tudo o que me deu e também, nesta altura tão importante, não podia deixar de ser de outra forma. Foi na tão conhecida Expo Carreiras que descobri o sítio onde iria estar a estagiar hoje (e já passou um ano!). Entre as várias empresas que lá estavam nesse dia, deixei o meu CV na RTP, onde apenas disse que queria fazer rádio. Sinceramente, não fiquei com qualquer expectativa, até ao dia em que recebi um email em que me foi perguntado se estaria interessada num estágio, pois havia um para mim. Ao início, não sabia bem o que dizer, o que responder, mas, afinal, eu queria mesmo isto! E assim foi, comecei um estágio na direção de programas de rádio da RTP. Começaram por ser três meses, que depois passaram a seis... Até ao dia em que me dizem haver uma vaga na direção para um estágio profissional e que estariam interessados em que eu continuasse. Já tinham passados seis meses e aí nem sequer hesitei.

© Fotografia cedida por Maria Pedro Pinto

Tinha como meta entrar na rádio a fazer qualquer coisa, esperando que um dia chegasse ao grande objetivo. Não podia de maneira nenhuma desperdiçar a oportunidade que me estavam a dar. É ao abrigo desse estágio, que termina em novembro, que ainda estou na RTP. Assusta muito saber que deixámos de ser uns miúdos, assusta quando nos perguntam “qual a sua profissão?” e já não podemos responder “sou estudante”, mas não podemos ter medo! Neste momento, estou a fazer a programação de uma das rádios do grupo RTP. Se gosto? Não adoro, mas tem de ser. Nunca é demais aprender, devemos saber fazer quase tudo dentro da nossa área. Acho que é assim que também se constrói o caminho para o sucesso. Se acho isto fácil? Não. Há dias em que ainda me sinto perdida e que chego a pôr em causa se será mesmo isto que quero fazer, mas, por outro lado, há dias bem gratificantes. Saber que fazemos parte de uma das maiores empresas de comunicação social do país, que o nosso trabalho é reconhecido e bem-sucedido... Garanto-vos, é uma sensação muito boa! Afinal, também não era fácil ser uma pessoa licenciada e vocês estão prestes a consegui-lo. Bem, por fim, peço-vos que vão pondo um pouco de lado a crise em que vivemos. Sei que parece irracional o que estou a dizer, mas nós somos muito novos e não podemos deixar já de acreditar nas nossas metas e nos nossos objetivos. Não deixem de sonhar e, enquanto sonham, juntem a isso muito trabalho, uma enorme entrega e grande vontade de triunfar. Tenho a certeza de que, com isso, vão ser muito bem-sucedidos! Acima de tudo, divirtam-se e aproveitem. Levem presente “valor para sempre”! Boa sorte e muitas felicidades para as vossas vidas.


15

FCH

Ex-alunos: Experiências Clara Nunes

O meu nome é Clara Nunes, tenho 21 anos e fiz um estágio na Walt Disney Company Iberia, em Madrid, desde o dia 27 de Outubro de 2014 até ao dia 27 de Março de 2015. A Walt Disney é uma das empresas mais aclamadas e prestigiadas a nível mundial. A Walt Disney Iberia engloba os canais de Espanha e Portugal, que são ligeiramente diferentes. Existe um pequeno escritório situado em Oeiras, que representa a Walt Disney em Portugal. No entanto, a sede da Walt Disney Iberia situa-se em Madrid, perto do estádio Santiago Bernabéu. Durante o estágio, e sob a coordenação de um superior (durante a maior parte do tempo), estive a tratar dos canais Disney portugueses (Disney Channel e Disney Junior) num departamento que se chama On Air Production. Entre as minhas principais tarefas, destacavam-se a organização da programação dos canais, a tradução de guiões Disney oficiais para português e espanhol (às vezes para inglês) e algumas experiências enquanto realizadora de pequenas promoções aos programas dos canais. Mas a principal função era certificar-me de que os canais estavam a ser bem promovidos e que nos mantínhamos líderes de audiências, manuseando bem este mundo “behind the television”. A minha equipa foi sempre muito companheira e ajudavam-me sempre em todas as tarefas em que precisava. A minha mentora (Sara Bugalho) foi excelente, muito compreensiva, e ensinou-me várias coisas, não só a nível profissional, mas também a nível pessoal, principalmente sobre liderança e calma na execução de todas as tarefas, ajudando sempre no que fosse preciso. Tinha de trabalhar com todos os membros da equipa obrigatoriamente e, como eram todos jovens e descontraídos, estavam sempre dispostos a ajudar-me em tudo e a facilitar as tarefas em que tinha maiores dificuldades, especialmente a Elvira, nossa designer gráfica. No entanto, após dois meses de estágio, a minha mentora decidiu aceitar uma proposta de trabalho melhor noutra empresa, o que me deixou sozinha até que encontrassem um substituto à altura. E esta foi a minha principal dificuldade: ficar sozinha responsável por dois canais que são líderes de audiências em Portugal, ainda sem ter o work-flow bem interiorizado. Apesar de sempre ter encarado este tempo como um dos maiores desafios da minha vida, considero que foi uma das principais razões para a minha motivação face ao estágio ter diminuído.

© Fotografia cedida por Clara Nunes

Porque, para uma estagiária, é muito trabalhoso e difícil ver-se a par com todo o trabalho que antes era feito por duas pessoas. Ainda assim, no final do meu estágio foi seleccionada uma nova pessoa para o lugar da Sara e foi tudo mais fácil.

“A Walt Disney (...) demonstrou que até as maiores empresas do mundo conseguem dar uma grande atenção aos estagiários, fazendo com que se sintam o melhor possível.” As aprendizagens mais relevantes que realizei durante o estágio foram, sobretudo, relacionadas com o universo digital. Aprendi a funcionar com uma série de programas que não conhecia e que são muito importantes hoje em dia. Mas a capacidade de liderar foi também uma das coisas mais importantes durante este estágio, e teve de ser implementada e melhorada consoante as adversidades que surgiam. Hoje em dia, sinto-me uma pessoa muito mais capaz de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, com a máxima eficiência e cuidado na gestão de tempo para a sua execução. Quando me surgem novos problemas, procuro enfrentá-los sempre de maneira proactiva e calma, pondo em prática algumas das competências aprendidas durante o estágio. A Walt Disney mostrou-se a melhor empresa de acolhimento possível, e demonstrou que até as maiores empresas do mundo conseguem dar uma grande atenção aos estagiários, fazendo com que se sintam o melhor possível. Foi uma experiência incrível que mudou a minha vida.


FCH

16

Comunicar Visualmente Lancei um desafio a mim mesma. Estou sempre a prometer a esta e àquela pessoa que ensino a trabalhar no Photoshop. Pedem-me sempre o Photoshop (que, hoje em dia, é o que uso menos). “Vou organizar um workshop”. Pensei. “Ajudaria mais pessoas em menos tempo do que se tentasse ensinar uma a uma.” Sou uma pessoa pouco extrovertida e tenho alguma dificuldade em transmitir conhecimentos. Ou é porque me atropelo nas palavras ou porque não consigo verbalizar certas coisas que me vêm à cabeça. Mas no que toca a apresentações, sou infalível (mentira - falho muito. Mas posso dizer que é a minha praia). Mas porquê? Porque quando sei que fiz um bom trabalho de design no meu powerpoint (ou outro tipo de suporte), sinto-me invencível. A pessoa em mim que tem dificuldade em expressar-se ou receio de falar em público quase desaparece porque durante aqueles minutos, ou hora e meia, as minhas palavras articulam-se com aquilo que eu consigo fazer de melhor: comunicar visualmente.

Tendo em conta que quase todos os inscritos eram alunos de Comunicação, achei que seria um bom exercício criar um elemento para publicar numa página de Facebook.

O design é a combinação da estética com a funcionalidade. O bom design é aquele que incorpora o “ser bonito” com o “ser funcional”. Conhecem edifícios esteticamente bonitos mas que depois custam imenso a limpar? Isso é mau design (ou design mal pensado) - a logística da coisa não funciona.

Para quem está interessado em dar o salto para melhorar os seus dotes na área do design, o meu conselho é inspirar-se, copiar e praticar. Não há problema em pegar numa ideia de outra pessoa e copiar, aprendendo a chegar lá pelos próprios meios (não convém depois utilizar a ideia publicamente).

Mas eu não estou num curso de arquitectura e não tenho de me preocupar com estas questões. Estou num curso de Comunicação, e o design de comunicação é uma solução visual para a comunicação. Como cartazes, brochuras, logotipos, editoriais e quase todo o tipo de elementos visuais para a web e para impressão. Um cartaz de um concerto é uma solução visual para comunicar esse concerto. Assim como um powerpoint é uma solução visual para a comunicação que é feita durante uma apresentação em aula (ou no futuro: no trabalho).

Por fim, deixo alguns links, os mesmos que partilhei no workshop, para se inspirarem e encontrarem alguns recursos. Espero que mais pessoas encontrem no design uma força para se expressarem. Tornemo-nos melhores comunicadores visuais!

Já tinha pensado em fazer um workshop há algum tempo. Talvez tenha sido em Fevereiro quando a ideia me surgiu e depois de ter o apoio de algumas pessoas fiquei entusiasmada. Comecei a planear, a fazer rabiscos, tópicos com tudo aquilo que precisava de ensinar, há tanta coisa…por onde começar? Pelo essencial. Tens de começar pelo Mas o que é design? E o que é comunicar essencial. E o essencial é dar as ferramentas para visualmente? se ser inspirado, antes de pôr as mãos na massa.

No workshop que dei no passado 13 de Maio, achei que o ideal seria inspirar os meus “alunos” com bons exemplos de design e, acima de tudo, responder às suas necessidades.

Ícones e padrões: flaticon.com thepatternlibrary.com subtlepatterns.com

Inspiração: designspiration.net typographicposters.com noteandpoint.com

Dani Trony


17

ACTUALIDADE

Ex-presidente egípcio condenado à morte

© European Union

O ex-presidente egípcio Mohamed Morsi foi condenado à pena de morte pelo papel desempenhado num motim prisional no Cairo em 2011, do qual resultou a fuga de 20 mil prisioneiros e o aumento da instabilidade e violência no país. Morsi foi o primeiro presidente egípcio a ser nomeado através de eleições democráticas, contudo, durante o seu mandato, foi alvo de várias críticas que consequentemente levaram à formação de um golpe militar por parte do exército. Mohamed Morsi foi deposto e acusado de violência, de espionagem, traição e homicídio, tendo sido, posteriormente, substituído por Abdel Fattah Khalil el-Sisi, um dos responsáveis pelo golpe que, após um ano, assumiu a presidência do Egito, tornando-se o sexto presidente do país. O veredicto da pena capital, agora confirmado pela figura de autoridade máxima religiosa no Egito conhecida como Grande Mufti, junta-se aos 20 anos de prisão que tinham sido atribuídos ao ex-presidente apenas três semanas antes do seu julgamento mais recente, pelo seu envolvimento na morte de dez manifestantes e apoiantes da Irmandade Muçulmana, em 2012. Entre os condenados à pena de morte encontram-se vários membros e dirigentes da Irmandade Muçulmana, nomeadamente o líder do grupo, Mohamed Badie, pelo seu papel desempenhado no ataque a uma esquadra egípcia, que resultou na morte de um polícia, em 2013.

A decisão tomada tem vindo a ser criticada por várias entidades, tendo sido o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, o primeiro chefe de Estado a reagir à notícia. “O presidente eleito pelo povo do Egito (...) foi infelizmente condenado à morte. O Egito volta ao Egito antigo”, afirmou Erdogan durante um comício realizado em Istambul. Igualmente descontente com a decisão, a Amnistia Internacional acredita que a condenação seja uma forma de refletir “o estado deplorável do sistema de justiça criminal do país”. Said Boumedouha, diretor adjunto da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e África, comentou que “A pena de morte tornou-se o instrumento favorito das autoridades egípcias para purgar a oposição política”. No entanto, Mohamed Morsi não é o primeiro presidente a ser acusado e condenado no país. O antigo presidente egípcio, Hosni Mubarak, foi recentemente condenado a três anos de prisão, por corrupção.

O presidente eleito pelo povo do Egito (...) foi infelizmente condenado à morte. O Egito volta ao Egito antigo.

Mariana Fidalgo

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


ACTUALIDADE

18

A crise de emigrantes no Mediterrâneo As Nações Unidas estimam que tenham entrado 100 mil pessoas na Europa, vindas do Norte de África, em embarcações ilegais, desde o início de 2015. A entrada é feita pelos países do Mediterrâneo e a mobilização é conduzida por redes de tráfico humano, sendo o transporte, na sua maioria, feito através de barcos, que partem da Líbia rumo aos portos da Sicília ou Lampedusa. É também de uso comum a rota que liga o Egipto às ilhas gregas. Este problema, que coloca uma grande pressão sobre a Itália e que já vitimou milhares de pessoas, ganhou novos contornos, no passado dia 19 de Abril, após o naufrágio de um navio de transporte de imigrantes ilegais, do qual resultaram entre 700 a 950 mortos. Desde o começo de 2015 (e apenas vamos a meio do ano), já morreram pelo menos 1.600 pessoas. Em 2014, entraram na Europa 220.194 pessoas e pelo menos 3.800 morreram a tentar alcançar terras europeias. Note-se que estes são os números relativos aos que morrem durante a travessia do mar Mediterrâneo. O número de vítimas mortais entre os que tentam desesperadamente fugir aos seus países é, na realidade, bem maior e inclui os que perecem ainda no continente africano. A grande maioria dos imigrantes são Sírios, que tentam escapar à guerra civil. Há, no entanto, pessoas de muitos outros Estados, como a Eritreia, o Mali, o Afeganistão, a Palestina, a Somália e a Nigéria. Para além dos perigos de atravessar o Mediterrâneo, têm, antes, que fazer a travessia dos seus países de origem até à costa da Líbia ou do Egipto, muitas vezes, a pé. Isto implica, por exemplo, para um natural da Somália, ter que atravessar o Djibouti, a Eritreia e o território do Sudão, para poder, finalmente, alcançar o Egipto. Um Nigeriano tem que atravessar o deserto do Saara. Estes percursos demoram meses e muitos morrem à fome ou à sede, antes sequer de alcançarem a costa que lhes dará acesso ao Mediterrâneo e ao sonho europeu. A sucessão de naufrágios de navios de contrabando de imigrantes no mar Mediterrâneo, dos quais o mais grave foi o que aconteceu a 19 de Abril, levou a reuniões de emergência na Comissão Europeia para que esta tomasse uma posição sobre o problema, quebrando, por fim, o ruidoso silêncio que era apontado à Europa. Mas, as medidas que de lá saíram não trouxeram nada de novo. Foi prometido um reforço financeiro das operações já existentes de salvamento e resgate no Mediterrâneo (medida que já tinha sido adoptada em 2013, após a morte de 350 pessoas ao largo de Lampedusa, mas que foi abandonada um ano depois, devido ao seu custo elevado) e foi sugerida a criação de um programa, de cariz voluntário, entre os Estados-Membros, para acolhimento de um número pré-delimitado de refugiados e repatriamento de migrantes ilegais.

O rascunho do relatório da Cimeira Europeia sobre a crise do mar mediterrâneo a que o jornal britânico The Guardian teve acesso, indica que, no total, os países europeus comprometeram-se a acolher apenas 5.000 refugiados por ano. Estes números implicam que serão repatriados pelo menos 150.000 imigrantes. Claro que o combate ao tráfico humano, a grande bandeira da União Europeia no que concerne a esta questão, não foi esquecido. A aposta na vigilância das águas do Mediterrâneo e na destruição das embarcações vai ser reforçada. Esta é, como defende Mussie Zerai, em entrevista à rádio Renascença, uma medida controversa, uma vez que é, na maioria das vezes, difícil distinguir uma embarcação de tráfico humano de outra qualquer e, na realidade, a medida não contribui para o desmantelamento das redes, nem ajuda os refugiados que nelas se deslocam. A luta contra as grandes redes de tráfico humano deve ser levada a cabo pela Europol e pela Interpol e deve actuar no coração dessas mesmas redes, e não nas pontas, como são as embarcações de transporte.

“A crise que o aumento

O padre das ondas migratórias na Europa veio suscitar levanta Zerai, fundador e presidente da questões que preocupam os países de destino agência Habeshia, conhecido pelo desses imigrantes.” seu empenho em defesa dos que pedem asilo e dos migrantes, relembra que esta é uma questão humanitária gravíssima. São milhares as pessoas oriundas de diversos países que se sujeitam às mais adversas condições em busca duma vida melhor. É, por isso, essencial que se resolva este problema na raiz, melhorando as condições que os países de origem oferecem. A crise que o aumento das ondas migratórias na Europa veio suscitar levanta questões que preocupam os países de destino desses imigrantes. O problema económico é, sem dúvida, o mais recorrente, mas têm surgido também preocupações em termos de segurança. Alguns países temem que alguns dos que procuram refúgio nos países europeus possam fazer parte de organizações terroristas como o Estado Islâmico. Tempos de desespero geram medidas desesperadas e alimentam fundamentalismos radicais. O medo e o preconceito em relação aos imigrantes têm alimentado alguns partidos de extrema direita em países como a França, Reino Unido, Hungria. Neste último, foi erguido este ano um muro de 4 metros de altura na fronteira com a Sérvia, que irá prolongar-se pelos 175 km de fronteira. Também a Bulgária ergueu 32 km de muro na fronteira com a Turquia. Antes disso, já a Espanha e a Grécia tinham erguido muros nas suas fronteiras exteriores à UE.


19

Este é um problema grave de direitos humanos que, à semelhança de tantos outros, está a ser tratado pelo UE como um problema económico e um problema de segurança interna. É imperativo que se comece a olhar para as pessoas antes de se olhar para os números. Ainda que não se possa abrir desmedidamente as portas ao enorme fluxo de imigrantes que chega diariamente à Europa, as respostas dadas ficam claramente aquém da dimensão do problema.

ACTUALIDADE Talvez uma maneira de lidar com o problema fosse actuar na sua origem e prestar apoio às populações que vivem em circunstâncias de conflito ou pobreza extrema. Ainda que o dever dos governos seja agir no melhor interesse dos seus cidadãos, uma vida não vale mais do que outra. É preciso construir as relações internacionais em princípios de cooperação e, acima de tudo, não esquecer que a política não é feita para os líderes, mas para todos. Inês Linhares Dias

Ensaio sobre a Escravidão Invisível Ser vendido como escravo era, no século passado, um destino comum para populações conquistadas em guerras. Mas e hoje? Será que a escravidão ainda persiste? A escravatura moderna é um crime global que mais parece um crime fantasma, escondido e silenciado. Há trinta milhões de pessoas a viver em condições de escravatura em todo o mundo, onde a dignidade humana é brutalmente posta de lado. Pessoas forçadas a trabalhar por pouco “A escravatura ou nada ou obrigadas moderna é um crime a ser propriedade de global que mais parece um crime alguém. Como nos disse fantasma, escondido Freud, o mal-estar na e silenciado.” civilização reside na repressão da própria busca pela felicidade. Num mundo cada vez mais veloz e, no entanto, cada vez mais sombrio e isolado, mora uma liberdade mascarada, onde o homem explora o homem e nega a valorização da vida humana, como se essa não fosse, no fim, o nosso bem mais precioso. A escravatura moderna é mais complexa do que o comércio de seres humanos durante o período colonial, talvez porque é invisível e não constatada. Contudo, não fico surpreendida que existam casos de escravatura nesta nossa era, dita contemporânea. Afinal, como bem nos mostrou Jorge de Sena no poema Carta a Meus Filhos Sobre os Fuzilamentos de Goya, a vontade de dominar leva, consequentemente, ao aniquilamento do outro, muitas vezes de forma invisível e silenciosa. Mais de um século depois de ter sido abolida na maior parte do mundo, a escravidão predomina em países como a China, o Paquistão, o Haiti e a Nigéria – um flagelo calculado, que era já óbvio pelo passado histórico que envolve tais culturas. São países pobres, que facilmente correm o risco de entrar no mundo em que o ser humano é explorado. E Portugal? Este nosso país tão pequeno e tão neutro. “Jamais!”, dirão.

Nunca esperamos que a miséria nos bata à porta e, quando bate, fechamo-la, com medo de encarar a realidade que nos cerca. É estimado que, em Portugal, cerca de mil e quatrocentas pessoas sejam forçadas a trabalhar, sendo exploradas e maltratadas, como entulho. A verdade é que existem leis que proíbem este cenário, mas há falta de meios, recursos e vontade. Se não conseguimos ver a realidade, ela não existe, é uma impossibilidade que nos passa ao lado. Talvez por isso seja necessário um momento de desaceleração: é necessário que entendamos como nos relacionamos com o mundo e de que forma todos nós contribuímos para que este absurdo continue. Num século onde a Internet permite que estejamos todos tão perto uns dos outros, continuamos todos tão longe, tão desligados, tão incapazes de ajudar. Estamos todos, ao mesmo tempo, a cavar um enorme e profundo buraco onde os males da sociedade se escondem e se perpetuam no tempo. Na Índia, onde a tristeza se senta à mesa para jantar, a pobreza atira milhões para um inferno que continua a passar despercebido. Foi, em 1961, um dos últimos países do mundo a proibir a escravatura, e só em 2007 foi aprovada a primeira legislação que criminaliza o tráfico ou a posse de seres humanos. Talvez por isso a abolição da escravatura não passe, ainda hoje, de um mero papel assinado. Mas estes papéis mais não são do que promessas, que, no final, deixam latentes as necessidades e vontades do povo, que é brutalizado e explorado a fim de dar lucro. Um lucro desumano e cruel. Neste país, crianças com oito anos trabalham dez horas por dia, todos os dias – vendidas muitas vezes pelos pais em troca de dinheiro. Aqui vemos nascer outro tipo de escravatura: a escravatura infantil. Crianças levadas a prestar serviço doméstico e trabalho escravo em campos, minas, plantações ou fábricas, ou até mesmo levadas para o mundo da prostituição, da corrupção e da pornografia. Noutros casos, são até mesmo utilizadas para fins militares ou obrigadas a envolver-se em atividades criminais como roubos.


ACTUALIDADE

20

© Free Domain/PixaBay

A verdade é que não são apenas as crianças dos países de terceiro mundo que são exploradas. No nosso país, e em muitos países dados como desenvolvidos, ainda existem crianças a serem usadas para trabalhar, violadas e maltratadas.

Malala Yousafzai, ativista paquistanesa e vencedora do Prémio Nobel da Paz, lutou e luta para que este mal social seja combatido e para que todas as crianças de todo o mundo possam ter educação, diminuindo assim a violência, a ignorância e a falta de cidadania a que o mundo ainda hoje assiste.

Em 2003, em pleno início do século XXI, uma A pobreza, aliada à falta de educação e qualidade instituição pública de crianças – a Casa Pia – de vida, leva a que muitas famílias pobres alimentava uma rede de pedófilos que atuava “Para estas enviem os filhos para trabalharem nas casas há já longos anos na mais pura impunidade e discrição. É estranho pensar que, mesmo crianças não há de famílias da cidade, situação que nos dias de hoje ainda acontece, por exemplo, em ao nosso lado, podem estar crianças a sofrer vida, futuro malícias incalculáveis. Estas crianças, víti- ou educação.” África. As famílias ricas recebem escravos como forma de herança. Há muitos séculos mas dos mais diversos tipos de escravidão, são usadas como meio para atingir um fim, que veem crescer avós, pais e filhos de famío financiamento. lias pobres, que já nasceram em contexto de pobreza e escravatura. Estes jovens, adultos e idosos já sabem o Segundo a filosofia de Emmanuel Kant, o Homem seu rumo e destino e vivem, dia após dia, na esperança nunca deve ser visto como um meio para se atingir de um dia abandonarem a prisão que os acolhe. determinados fins, antes deve ser entendido como Aqui, chegamos ao absurdo vivencial de se estar fim em si próprio: «age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei preso à ideia de ser livre: trabalhar para conquistar a universal.» Posto isto, sabemos que o trabalho escravo liberdade. Existir por uma vida inteira na ambição de um é punido não só legalmente como também moralmente, dia se ser finalmente livre. E a liberdade é isso mesmo: indo contra todas as regras éticas implantadas. Para uma finalidade inalcançável, porque “só na ilusão da liberdade, a liberdade existe”, como assaz bem nos estas crianças não há vida, futuro ou educação. disse Fernando Pessoa, vestido de Ricardo Reis. O fenómeno da escravatura existe e prevalece tanto Podemos dizer então que esta situação se encontra nas zonas rurais como nas cidades, muitas vezes devido aos ensinamentos religiosos usados para jus- muito mais no presente do que no passado. Podemos tificar o injustificável: “sem acesso à educação ou a também dizer que acontece e vai continuar a acontecer, meios alternativos de subsistência, muitos acreditam devido ao ocultismo que cerca este podre da sociedade. que é a vontade de Deus que eles sejam escravos”, Este podre que fede, que dói e que humilha. Engane-se adianta-nos Walk Free, fundação que luta contra a quem imagina que refletir sobre o mundo em que se vive escravidão moderna. A educação é, por isso, um direito só é importante para académicos ou intelectuais. Todos fundamental que ajuda não só ao desenvolvimento de nós, pobres ou ricos, gordos ou magros, devemos lutar um país, mas também à ampliação de cada indivíduo por conhecer o mundo que nos abraça. E abraçá-lo na sociedade. de volta. E apertá-lo. E senti-lo. Mas, acima de tudo, conhecê-lo. Ana Silvestre Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


21

ACTUALIDADE

Irlanda diz que sim ao casamento GAY A Irlanda aprovou, através de um referendo, o casamento entre as pessoas do mesmo sexo, sendo o primeiro país do mundo a dar o poder de escolha aos cidadãos. Ao fim do dia, quando 40 dos 43 distritos eleitorais estavam contados, 62,3% dos votos confirmavam o “sim” e Aodhan O’Riordain, o ministro da Igualdade, escreveu no Twitter: “Vou declará-lo - é ‘sim’. E em Dublin é avassalador”. David Quinn, o diretor do instituto católico Iona e um dos principais líderes de oposição à moção, veio reforçar a derrota com a publicação de uma frase na sua conta social no Twitter: “Parabéns ao campo do ‘sim’”. A campanha do ‘não’ foi organizada por vários grupos conservadores, por grupos religiosos e pela própria Igreja Católica que sempre se mostrou contra a ideia de casamento poder ser definido como a união legal entre duas pessoas, independentemente do seu sexo, defendendo a noção tradicional de família. A reação da Igreja foi transmitida através do responsável em declarações à Rádio Vaticano: “A Igreja deve ter em conta esta realidade, mas no sentido de que deve reforçar o seu compromisso com a evangelização. Acho que não se pode falar apenas de uma derrota dos princípios cristãos, mas de uma derrota para a humanidade”. Também o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, comentou o resultado numa conferência, admitindo estar “profundamente triste”.

Porque é que a Grécia deve tanto dinheiro?

© Daniel Dudek-Corrigan/ Dublin Pride 2013

A profunda mudança cultural e social tem sido visível nas últimas décadas, tendo sido um dos países mais conservadores da Europa, a Irlanda está a modernizar-se. As crises dos últimos anos da Igreja Católica, não só devido devido aos casos de pedofilia e ao afastamento da população dos dogmas religiosos, fez com que a sua influência social e o seu poder político diminuísse. Os contracetivos foram aprovados em 1995, a homossexualidade deixou de ser penalizada em 1993 e o divórcio legalizou-se em 1985, só mesmo o aborto, mesmo em casos de violação, permanece ilegal. “O referendo constitui uma revolução cultural”, afirmou o ministro da Saúde, Leo Varadkar. Em Dublin, os cidadãos celebraram cedo a vitória do ‘sim’. Noel Sutton, o diretor do festival de cinema LGBT que se encontrava num dos centros da contagem dos votos à espera dos resultados, afirmou: “É uma grande vitória para a igualdade na Irlanda e esta data vai entrar na História”. Mariana Fidalgo Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico

A Grécia deve aproximadamente 400 biliões (400,000,000,000) de dólares aos seus credores. Isto é, cerca de 170% do seu Produto Interno Bruto (PIB). Por outras palavras, a riqueza que o país gera num ano não é suficiente para cobrir o dinheiro que este deve. Nos próximos 30 anos, a Grécia deverá pagar este dinheiro. Mas com a sua quebra económica, vários questionam-se se este objetivo é exequível. Mas é preciso perguntar, como e porque é que a Grécia acabou por ficar tão endividada? E a quem é que a Grécia, especificamente, deve tanto dinheiro? © Free Domain/PixaBay

A Grécia ficou política e economicamente instável nos anos 70, após um golpe de Estado falhado. Mesmo assim, após um período de algum crescimento económico nos anos 90, os critérios para aderir à zona Euro foram atingidos. Esta adesão aproximou a Grécia das potências europeias, como a Alemanha e a França. Permitiu, também, aos Gregos ter uma taxa de juro muito baixa nos empréstimos. Assim, a despesa pública e o endividamento dispararam e a dívida aumentou e ficou significativamente superior à média europeia.


ACTUALIDADE “A Alemanha e a França, que investiram cerca de 150 biliões de dólares na Grécia, não querem que a Grécia entre num default, mas estão a recusar-se a dar à Grécia um outro bailout.” estatísticas da sua dívida.

Quando a recessão económica de 2008 chegou à Europa, a Grécia entrou numa crise de dívida pública. A isto acrescenta-se o facto de, em 2009, se ter descoberto que a Grécia tinha falsificado documentos relativos às

Quando os verdadeiros valores (dados estatísticos reais) foram dados a conhecer, o crédito nacional deixou de existir, o que fez com que os investidores aumentassem as taxas de juro. Desde então, a Grécia esteve perto de declarar bancarrota várias vezes. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que a Europa não devia ter aceite a adesão da Europa à zona Euro, em 2001. Dos 320 biliões de dólares em bailout money, capital de resgate ou de financiamento, que a Grécia recebeu, quase metade (45%) tem de ser pago ao European Financial Stability Facility (EFSF), instituição criada como um mecanismo temporário de resolução das crises nos estados-membros em 2010.

O Verão Grego A explicação acima data de meados de junho, mas a conclusão mantém-se: o problema da dívida grega não é recente e influencia o futuro de toda a União Europeia. Este verão, a situação económica precária do país tem escalado e o tópico da ‘Grécia’ mantém-se popular nos noticiários de todo o mundo.

22 Os principais recetores dos capitais provenientes desta instituição são a Grécia, a Irlanda e Portugal. Em suma, 19% da dívida grega pertence a outros estados-membros da zona Euro. Outros 12% são de investidores privados. Mas 22% constitui capital emprestado por outros bancos e instituições (Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional). Apesar de toda a ajuda financeira, a Grécia permanece na zona dos problemas. A taxa de desemprego entre os jovens (15 até aos 24 anos de idade) é de 55%. Os cortes orçamentais são bastante criticados, provocando várias manifestações. Ao mesmo tempo, a Grécia e os restantes estados-membros estão a discutir se a Grécia deve e consegue instituir novas reformas para pagar o dinheiro que deve. A Alemanha e a França, que investiram cerca de 150 biliões de dólares na Grécia, não querem que a Grécia entre num default, mas estão a recusar-se a dar à Grécia um outro bailout. Na próxima década, a Grécia tem de cortar em gastos e diminuir a dívida pública. O que muitos economistas dizem é que, em última instância, não se vai deixar a Grécia entrar em bancarrota, dado o impacto (ou efeito dominó) que este poderia ter noutros países ocidentais ou até mesmo criar uma nova recessão internacional, como a de 2008. Manuel Cavazza Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico

A Grécia tornou-se o primeiro país com uma economia ‘avançada’ a falhar um prazo de pagamento do FMI. Os bancos gregos continuavam fechados e a confiança no sistema financeiro grego extinguia-se pouco a pouco. Não tardou, os cartões de crédito gregos eram recusados em todos os países do mundo.

Em junho o primeiro-ministro grego, Tsípras, afastou-se de um novo acordo financeiro com os estados da União Europeia para conseguir pagar a dívida. Criticando a austeridade imposta ao país, o político grego apelou à democracia e criou um referendo para que o povo votasse quanto à aceitação das novas medidas de austeridade.

Sem grande hipótese, a Grécia reuniu com o Euro-grupo. Após uma discussão de 17 horas em Bruxelas, foi anunciado que Tsípras tinha concordado com os termos necessários para garantir um terceiro resgate até 86 mil milhões de euros. Contudo, dada a capacidade que a Grécia tem tido para apelar a novos “resgates” e a existência de uma dívida na ordem dos 322 mil milhões de euros, as dúvidas mantêm-se… Será O referendo de 5 de julho de 2015 ficará para a que a Grécia conseguirá pagar a dívida? Será que a História. Ganhou o “não”, com 61% da população a Grécia sairá do euro? Como é que isto tudo influencia rejeitar as novas medidas de austeridade. Os apoiantes o futuro da União Europeia? do “oxi” (grego para não) saíram às ruas para festejar a reconquista de uma suposta independência económica, Uma coisa é certa, a situação na Grécia vai mas foi sol de pouca dura. Pouco depois, o ministro continuar a fazer escorrer muita tinta nas redações. O das Finanças grego, Varoufakis, demitiu-se com a jus- plano escondido de Tsípras para voltar ao dracma é a tificação de estar a facilitar as negociações com os polémica mais recente. Varoufakis terá sido autorizado credores. Antes do referendo, Varoufakis tinha prometido a criar um sistema bancário para fazer voltar o dracma demitir-se caso vencesse o “Sim”… Afinal, o resultado já em dezembro de 2014. foi o mesmo. De que serviu o referendo? Karla Pequenino

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


23

ACTUALIDADE

Papa canoniza duas freiras árabes O Papa Francisco canonizou quatro freiras em maio, duas das quais tornaram-se as primeiras religiosas da Palestina a receber o título de santas da história contemporânea. A cerimónia teve lugar em Roma, na Praça de São Pedro, que se encontrava © Mazur/catholicnews.org.uk decorada com os retratos das freiras, incluindo as duas de origem palestiniana, Marie Alphonsine Danil Ghattas (1843-1927), fundadora da Congregação das Irmãs do Rosário de Jerusalém e Mariam Bawardi (1846-1878), membro da Ordem das Carmelitas Descalças, a francesa Jeanne-Emilie de Villeneuve (18111854), fundadora da Congregação da Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Castres e a italiana Maria Cristina da Imaculada Conceição Brando (1856-1906), fundadora da Congregação das Irmãs Vítimas Expiadoras de Jesus Sacramentado. Os milagres que levaram à santificação das freiras árabes ocorreram ambos recentemente em 2009. Em novembro, Emile Elias foi atingido por um choque elétrico de 30 a 40 mil volts que o deixou em coma durante 48 horas, após vários membros da sua família terem dedicado as suas preces à irmã Marie Alphonsine Ghattas, Elias recuperou totalmente.

O milagre atribuído à irmã Mariam Bawardi aconteceu em Itália quando os pais de Emanuele Lo Zito, um bebé recém-nascido que sofria de insuficiência cardíaca congénita e cujo os médicos desaconselhavam a realização de uma operação, lhe dedicaram as suas orações, associando-as à recuperação do seu filho. A canonização realizou-se após o Vaticano ter reconhecido a Palestina enquanto Estado, uma decisão alvo de críticas por parte de oficiais israelitas. Várias autoridade civis e religiosas assistiram ao momento histórico, como o Patriarca Latino de Jerusalém, Fouad Twal, o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, o presidente da Autoridade Nacional Palestiana, Mahmoud Abbas e uma delegação israelita. Mahmoud Abbas, pouco antes da canonização ter sido realizada, teve uma reunião com o Papa Francisco que o elogiou, “um anjo da paz”, e lhe atribuiu um medalhão como símbolo da sua luta em promover a paz. Os dois líderes analisaram o processo de paz com Israel, expressando o interesse em arranjar uma solução justa para o conflito entre os dois países. “Para esta finalidade, foi reiterado o desejo de que, com o apoio da comunidade internacional, israelitas e palestinianos possam avançar com determinação para decisões corajosas para promover a paz”, constatou o Papa Francisco.

Mariana Fidalgo

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico

MEO OutJazz O MEO Outjazz está de volta este ano e promete proporcionar-te os melhores fins-de-semana de convívio com os teus amigos até ao final de setembro. Com início às 17h da tarde, é um ótimo “escape” aos dias agitados e ao reboliço da cidade. O evento estende-se entre os jardins, praças, ruas e miradouros da capital, incluindo o Jardim Japonês, em Belém, o Jardim da Graça, a Quinta das Conchas, o Jardim das Amoreiras, o Miradouro de São Pedro de Alcântara, as escadarias da Bica e, local de excelência de Lisboetas e estrangeiros, o Martim Moniz. A partir de junho, chegou ao Parque das Nações e ao Parque Tejo, em julho esteve em Monsanto, em agosto estará no Jardim da Estrela e em setembro no Jardim da Tapada das Necessidades. Pela primeira vez em nove anos, entre os dias 27 de junho e 25 de julho existiram concertos no Tróia Resort. São 44 os momentos musicais presentes no Outjazz este ano, com entrada livre e o pôr-do-sol como plano de fundo. E, se não és um amante de jazz, não há problema nenhum, porque este evento não conta apenas com música jazz, mas também com outros estilos de música. Por exemplo, a 22 de agosto, em Tróia, o ambiente será ao estilo do hip-hop, e a 13 de setembro, em Lisboa, o projeto dos Face conta com rock, funk e soul.

© Fotografia retirada do Facebook

A opinião de quem já foi e de quem vai frequentemente é que o ambiente é bastante descontraído, ótimo para estar com os amigos e conviver, a música é boa e o horário é bastante flexível, pois, sendo apenas ao final do dia, já não está tanto calor e aqueles que trabalham durante o dia ao fim-de-semana também podem ir ao evento. Há quem ache, contudo, que o Outjazz tem defeitos: as roulottes com comidas e bebidas são um pouco caras e, por outro lado, a música acaba por ser bastante alternativa e limitada, pois não é abrangente e transversal a todos os gostos musicais. As opiniões dividem-se, mas quem já foi ao Outjazz sai de lá, sem dúvida, satisfeito. E quem vai uma vez não se fica apenas por aí! Joana Santos

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


ACTUALIDADE

24

Caso TAP: David Neeleman e Humberto Pedrosa vencem a corrida à privatização

Também haverá renovação das rotas, designadamente entre os EUA e o Brasil, a renegociação da dívida aos principais credores. A TAP tem uma dívida de 1200 milhões de euros, dos quais 400 milhões de euros devem ser pagos aos bancos até ao final deste ano. David Neeleman pretende renegociar esta dívida de modo a extender os prazos da mesma e a distribuição de 10% dos lucros da empresa aos trabalhadores. Em junho, o Governo definiu, em Conselho de Ministros, o novo acionista maioritário da TAP, após terem sido apresentadas as propostas finais de cada candidato. A vitória no concurso à privatização foi atribuída ao consórcio “Gateway”, de David Neeleman, proprietário das companhias aéreas Azul e JetBlue, e do empresário português Humberto Pedrosa, dono do Grupo Barraqueiro. Os empresários concorriam contra Gérman Efromovich, fundador do grupo sul-americano Avianca. Ambos os candidatos melhoraram as suas propostas iniciais, tanto a nível financeiro como técnico, e tiveram de apresentar garantias bancárias atestando a sua capacidade financeira. O processo foi acelerado para que pudesse haver uma decisão “tão depressa quanto possível”, nas palavras de Pedro Passos Coelho. O Governo pretendeu avançar com a execução do contrato de promessa de compra e venda e dar entrada ao pedido de autorizações regulatórias, designadamente junto da Autoridade da Concorrência e do Instituto Nacional de Aviação Civil. Nos últimos anos, a aquisição de uma companhia aérea na Europa tem demorado em média 4 a 5 meses. Deste modo, o processo pode não ser concluído na presente legislatura. Os novos investidores comprometem-se a realizar uma injeção de capital no valor de 338 milhões de euros na empresa, sendo que o encaixe financeiro para o Estado é de 10 milhões de euros. Este valor pode ser aumentado em 140 milhões, dependendo do desempenho da companhia em 2015, mediante a venda dos restantes 34% da empresa que ficam para já na mão do Estado, no valor de 50 milhões de euros, e uma eventual dispersão em bolsa, no valor de 90 milhões de euros. Atualmente, a TAP tem um capital negativo de mais de 512 milhões de euros. Ou seja, a empresa encontra-se tecnicamente falida, precisando de dinheiro para ser capitalizada e para renovar a sua frota, que é manifestamente antiquada face às dos seus concorrentes europeus. David Neeleman, empresário norte-americano natural do Brasil, nas suas propostas iniciais para renovação da frota, propôs ainda, a compra de 53 novos aviões para a companhia aérea (que conta atualmente com cerca de 70 aviões), incluindo 12 AirBus A350 já encomendados pela TAP, sendo entregues a partir de 2017 (estes novos aviões consomem menos combustível).

Humberto Pedrosa deterá 51% da parte privatizada, a fim de poder ultrapassar os constrangimentos da lei comunitária, que proíbe qualquer entidade não-europeia de deter a maioria do capital de uma companhia aérea no espaço europeu. Para além deHumberto Pedrosa, o consórcio liderado por David Neeleman conta também com o fundo de investimento norte-americano Cerberus. David Neeleman é o proprietário da JetBlue, considerada a melhor companhia de médio-curso dos EUA, sendo uma linha aérea extremamente inovadora. Para além disso, David Neeleman também foi o inventor do bilhete eletrónico. A companhia brasileira Azul também está em franco crescimento e opera rotas de médio-curso no continente americano. O que David Neeleman pretende com esta compra é extender a sua operação à Europa e também aos voos de longo curso, nomeadamente para África. Assim, é expectável que haja mudanças semelhantes na companhia portuguesa. Ao longo dos últimos meses os trabalhadores da TAP têm realizado manifestações com o objetivo de inverter o processo de privatização. Para além disso, várias associações ligadas ao movimento “Não TAP os olhos” contestaram em Bruxelas a obscuridade deste negócio. Por outro lado, alguns dos empresários concorrentes a Gateway, tal como Efromovich, denunciaram o incumprimento dos requisitos europeus argumentando que quem investe os 95% na empresa, neste caso, David Neeleman, é dono efectivo do consórcio. O Governo pretende fechar a venda dos 66% da TAP rapidamente, sendo que os primeiros 61% da empresa pertencerão ao consórcio ganhador e os restantes 5% aos trabalhadores. No entanto, é ainda aguardada a decisão da administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil sobre a legalidade da compra da TAP. No caso de todos os requisitos serem cumpridos, o processo será remetido para a Comissão Europeia, que verificará se a decisão se encontra de acordo com o direito europeu. Não há prazos fixos para a revelação destas autorizações. Mariana Pereira Martins

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


25

Entrevista Manuel Cavazza, rumo a São Tomé e Príncipe com a AHEAD Manuel Cavazza, aluno recém-licenciado da FCH, vai passar o verão a ajudar através do AHEAD Rumos. Com o lema ‘aprender, educar, desenvolver’, o programa destina-se a universitários que querem potenciar a qualidade de vida dos habitantes de São Tomé e Príncipe ou Moçambique, através da educação. Manuel foi um dos cinco voluntários escolhidos para viajar até São Tomé e dar aulas a crianças durante os meses de julho e agosto. Pontivírgula: De onde surgiu a ideia de fazer voluntariado no estrangeiro? Manuel Cavazza: A AHEAD não é a minha primeira experiência de voluntariado. Já fiz muito trabalho em Portugal, inclusive, através da Católica Ativa, o programa aqui da universidade, que me colocou na Associação Coração Amarelo, que combate a solidão de idosos. Sempre me interessei por voluntariado, porque gosto de ajudar e, talvez por isso, veja o voluntariado como uma atividade egoísta. Apesar de ajudar os outros, faço-o porque é algo que me faz sentir útil. Sempre quis expandir horizontes, e ajudar “lá fora”, em outros países onde sei que posso contribuir. Num país onde as pessoas vejam a hora pelo sol, ou não tenham horários… No fundo sempre me interessei em ganhar outra dimensão como voluntário. Pontivírgula: Como tiveste conhecimento da AHEAD? Manuel Cavazza: Descobri a AHEAD através de uma amiga minha do secundário, a Mafalda. Já tínhamos feito voluntariado juntos em Portugal e sempre partilhámos o desejo de ajudar noutro país. Liguei-lhe em dezembro, espontaneamente, a perguntar se ia fazer voluntariado no verão e descobri que ela queria ir para fora com a AHEAD, pois já participava no projeto AHEAD Bairros na Ameixoeira e adorava o trabalho que fazia. Fomos juntos à sessão de esclarecimento da AHEAD, de onde saímos muito entusiasmados sobre os dois projetos no estrangeiro: o Rumos São Tomé e Príncipe e o Rumos Moçambique. Eu acabei por ser seleccionado para o primeiro, e a Mafalda acabou por integrar o projecto moçambicano. Lembro-me que na altura a Mafalda estava muito mais motivada, pois eu ainda estava incerto de ser capaz. Contudo, agora sei que sou capaz e vou para São Tomé.

ACTUALIDADE Pontivírgula: Após a inscrição, como é o processo de angariação de fundos e seleção final? Manuel Cavazza: Difícil. São cerca de quatro meses de preparação e angariação de fundos e sabemos, desde o começo, que só cinco pessoas do grupo - as melhores, mais bem preparadas - é que viajam para os destinos. Porém, o esforço dos outros nunca é inútil, porque acabam por estar a juntar dinheiro para os projetos. Visto que a finalidade da AHEAD Rumos é instruir as populações, os voluntários escolhidos vão, geralmente, dar aulas. No final dos quatro meses de preparação, há duas aulas modelo para testar as nossas capacidades a ensinar. A primeira aula é com crianças, onde se desenvolvem atividades lúdico-pedagógicas, e é feita em parceria com o projeto da AHEAD Bairros. Os voluntários do Rumos vão dar aulas nos bairros que a instituição apoia em Lisboa. As minhas aulas foram no bairro da Boa Vista. A segunda aula modelo é o executive training, em que preparamos uma aula para um target mais velho, pois os voluntários devem estar preparados para dar aulas a qualquer faixa-etária. Apenas após as duas aulas modelo é que sabemos se fomos escolhidos, o que leva muitas pessoas a acharem que os meses de esforço foram para nada. É um processo complicado, pois são quatro meses de dedicação absoluta. Pontivírgula: Como é que te terias sentido se não tivesses sido escolhido? Manuel Cavazza: Caía-me o mundo. Nem consigo arranjar uma palavra para descrever o que sentiria. O que mais me assustava não era a opinião dos outros, ou o facto de as pessoas me perguntarem “então vais para São Tomé?” e eu ter de dizer “… Não”. O que mais pesava era lidar comigo mesmo e achar que ao longo dos quatro meses talvez não tivesse dado o meu melhor. A AHEAD envia um e-mail detalhado a explicar os motivos de se ser, ou não, selecionado e eu acho que me iria massacrar com a justificação. É uma realidade que muitos dos voluntários da AHEAD Rumos têm de enfrentar.

Pontivírgula: Ficaram desanimados de entrar em projetos diferentes? Manuel Cavazza: Ficámos um pouco triste, mas sempre achámos que era melhor. Diziam que o processo de seleção era muito intensivo – e agora posso confirmar que, sim, é! – e se um de nós não fosse escolhido teria sido muito difícil para o outro. Além disso, estar em projetos diferentes deu-nos mesmo a oportunidade de conhecer outras pessoas sem estarmos tão apegados a alguém com quem já falávamos e tínhamos confiança.

A AHEAD foi aos santos para ajudar a angariar dinheiro © Facebook/2015


ACTUALIDADE

26

Pontivírgula: Como é que descobriste que tinhas sido selecionado? Manuel Cavazza: Fui sair na noite antes de saírem os resultados, porque na altura achei que era bom para desanuviar e lembro-me de chegar a casa muito cansado às 5 da manhã. O plano era esperar que os resultados saíssem às 7h, mas acabei por adormecer. Duas horas depois, a Mafalda liga-me porque tinha acordado de propósito para saber se eu tinha entrado e para me dar apoio visto que os resultados dela só saiam na semana seguinte (sim, entrou, e vai para Moçambique). Lembro-me de ver que já tinha a resposta na Inbox e dizer “está aqui a resposta e eu não consigo ver”. e de dizer à Mafalda “eu não consigo abrir”. Eu dramatizo tudo e provavelmente fiquei apenas segundos a olhar para o ecrã, mas pareceu uma eternidade. Quando vi que a mensagem começava com “Muitos Parabéns, foste selecionado” apenas disse à Mafalda, “eu acho que vou para São Tomé.” Foi algo assim… Estava muito feliz, mas depois entrei em choque porque uma pessoa que eu queria muito que fosse não estava na lista dos selecionados. Acho que a parte final da seleção é sempre complicada porque são muitos meses de dedicação profunda e é triste saber que nem todos podem ir no final.

AHEAD Rumos S.Tomé, ATL 2013 - Retirado de ahead.org.pt

Pontivírgula: O que é que vais fazer em São Tomé e Príncipe? Manuel Cavazza: Educação e formação são os dois pilares da AHEAD. Tendo em conta aquilo que eu estudo e quero, vou dar aulas a miúdos. Devo-me centrar em aulas de inglês e aulas de português, porque apesar de a língua ser a mesma, não é igual. Disseram-me, por exemplo, que lá a palavra ‘medicamento’ não existe, só ‘remédio’. É preciso descobrir as diferenças no português. A AHEAD também é muito interessante porque o trabalho que desenvolvemos parte de um projeto individual que cada um quer fazer. Pontivírgula: Qual era o teu projeto individual? Manuel Cavazza: Dar aulas de inglês ou português e módulos de cultura e história. Sinto que o passado se repete e é importante conhecê-lo. Também quero replicar a minha aula modelo do executive training que é, O que é comunicar? Pontivírgula: Inspiraste-te nas cadeiras de comunicação da FCH para essa aula?

Os cinco voluntários escolhidos para o AHEAD Rumos São Tomé com a coordenadora do projeto © Facebook/2015

Pontivírgula: O que é que aprendeste ao longo dos quatro meses? Manuel Cavazza: A AHEAD é um desafio pessoal e mostra-nos que somos capazes de fazer muito mais. Só por isso, acho que vale a pena participar. Eu aprendi imenso: desde tarefas mais simples como grelhar bifanas, a organizar eventos de angariação de fundos como peddy-papers e jantares. Também aprendi a organizar melhor o meu tempo. Na AHEAD tínhamos, por exemplo, um torneio de futebol para preparar no sábado, uma aula de surf no domingo e depois eu ainda tinha testes da faculdade na terça e apresentações de um trabalho de grupo na quarta… A experiência ajudou-me a perceber que podia ser muito mais produtivo.

Manuel Cavazza: Sim, “O que é comunicar?” remete muito para aquilo que aprendemos no curso de CSC da FCH. Aliás, a minha última aula na faculdade no dia da aula modelo foi Comunicação Organizacional. O professor explicou porque é que comunicar era importante e porque é que as organizações que tinham problemas eram organizações que não comunicavam. Fui para a minha aula modelo completamente inspirado! Pontivírgula: Agora que já se sabe que vais: quais é que são os teus maiores medos? Manuel Cavazza: Tenho dois grandes medos. O primeiro é não conseguir lidar com a falta de conhecimento, cultura e bases das pessoas. Penso que sou uma pessoa que se adapta a qualquer contexto, mas tenho medo de não conseguir explicar aos meus “alunos” as coisas em termos que compreendam. O segundo medo é não querer voltar. Tenho medo de achar que o meu trabalho está a ser tão valioso e útil que não faz sentido eu voltar…


ACTUALIDADE

27 “Sempre me interessei por voluntariado, porque gosto de ajudar e, talvez por isso, veja o voluntariado como uma atividade egoísta. Apesar de ajudar os outros faço-o porque é algo que me faz sentir útil.” Pontivírgula: E recomendas a AHEAD? Manuel Cavazza: Sim, é enriquecedor, mas é preciso dar tudo. Para ser selecionado não basta querer ir ‘um bocadinho’, é preciso sonhar com São Tomé e imaginar a cara dos miúdos ao receber uma folha ou um mapa que são coisas às quais eles nem sempre têm acesso… Contudo, reforço que não é preciso ir para fora para ajudar. Pode-se ajudar em Portugal e gosto da expressão, “antes de ajudar os outros, temos de nos ajudar a nós mesmos”.

No meu caso, acho que já estava na altura de tentar ajudar além-fronteiras numa nova aventura. Ficaria feliz se alguém na FCH seguisse a AHEAD. Parece ingrato, por vezes, porque podemos não ser selecionados, mas ganha-se: aprendemos a lidar com os outros e a sermos mais exigentes. Não me arrependo e estou muito, muito entusiasmado. Valeu a pena.

A AHEAD tem o lema “aprender, educar, desenvolver” e atualmente desenvolve programas em Portugal (AHEAD Bairros), São Tomé e Príncipe e Moçambique (AHEAD Rumos). Para mais informações, consulta: ahead.org.pt

Karla Pequenino

Atrizes criticam a desigualdade de género no cinema

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico

«A todas as mulheres que já conceberam, a todos os cidadãos que pagam impostos e aos membros desta nação, nós temos lutado pelos direitos humanos de todas as outras pessoas. É hora de haver igualdade salarial de uma vez por todas e igualdade de direitos para todas as mulheres nos Estados Unidos da América».

A União Americana pelas Liberdades Civis pediu aos órgãos federais e estaduais americanos que iniciassem uma investigação formal para averiguar as práticas de contratação discriminatórias do cinema e da televisão. Elizabeth Nymayaro, membro da organização UN Women, divulgou que apenas 12% dos filmes mais vistos no mercado americano, na última década, tinham uma figura feminina como protagonista e que apenas 7% dos “250 Top films” mais visualizados foram, efetivamente, realizados por mulheres.

Foi este o famoso discurso da atriz Patricia Arquette durante a cerimónia dos Óscares, na qual questionou o papel da mulher e a falta de igualdades na indústria cinematográfica.

Christine Vachon, produtora do drama “Carol”, acrescentou que o processo de casting é “muito sexista”, sendo as atrizes avaliadas e escolhidas pelos protagonistas masculinos do filme. “Eles têm o direito a aprovar as protagonistas femininas. Um dos atores não gostou de mim e acabei por ser rejeitada”, explica Vachon ao recordar-se de uma audição que fez, tendo sido convidada para desempenhar o papel pelo próprio realizador do filme, mas que acabou por ser rejeitada devido à opinião pessoal do ator principal.

Mais recentemente, foi na 68ª edição do Festival de Cannes, em França, que várias atrizes e produtoras resolveram explorar este mesmo tema, expondo as suas experiências pessoais de discriminação e sexismo, incitando os estúdios, as audiências e os jornalistas à mudança. Salma Hayek, Emily Blunt, Rachel Weisz, Parker Posey e Aishwarya Rai são algumas das defensoras deste movimento, promovendo a justiça no mundo do cinema. Salma Hayek, uma das personagens principais do filme O Conto dos Contos de Matteo Garonne, discursou sobre as suas dificuldades em Hollywood enquanto mulher e membro da comunidade latina. “Eles não nos veem como uma força económica poderosa”, constatou a atriz, confirmando ainda a existência de uma clara desigualdade salarial entre profissionais do sexo masculino e feminino. “O único lugar onde a mulher consegue ganhar mais do que o homem é na indústria de cinema pornográfico”, concluiu Hayek. O encontro das atrizes em Cannes, tendo sido alvo de grande exposição e cobertura mediática, conseguiu que ações fossem tomadas em rumo da mudança.

Para além das críticas feitas em relação à diferença salarial, à inferiorização da mulher e à validação dos protagonistas masculinos em deterioramento das femininas, também a falta de mulheres empregadas e a desempenhar funções nos bastidores (incluindo produtoras, editoras e realizadoras), o vestuário caracterizado por roupas sexualmente apelativas e reveladoras e a desigualdade na atribuição dos prémios da Academia (cerca de 77% dos membros e responsáveis pela escolha do vencedor são homens), foram alvos de comentários. “Já estou habituada a que sejam condescendentes comigo, já não me incomoda. Já faz parte do trabalho” concluiu Christine Vachon no seu discurso em Cannes.

Mariana Fidalgo

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


ACTUALIDADE

28

Tu não és Trapaceiro “O preconceito transmitido através de palavras, termos, frases, da leitura, surte efeitos. E parece que os nossos dicionários contribuem para essa mesma discriminação.” © Free Domain/PixaBay

O Conselho Estatal do Povo Cigano Espanhol lançou em Abril um vídeo de sensibilização e de luta contra o preconceito pela comunidade cigana. Convidaram dez crianças para falarem sobre o que gostam de fazer todos os dias, como costumam brincar, o que gostariam de estudar, entre outras coisas. Brincar com os amigos e com os pais, pintar as unhas, estudar direito, matemática, línguas, foram algumas das respostas. A certa altura da conversa, é-lhes passado um dicionário para as mãos para que leiam o significado de “cigano”. Além de “povo originário da Índia”, encontram a palavra “trapaceiro”. Ficam na mesma, não sabem o que quer dizer. Pedem-lhes, então, que procurem essa palavra no mesmo dicionário. Avançam umas páginas, lêem a definição e replicam “Yo no soy trapacero”. Reagem, espantadas, com frases como “Nós não fazemos isso”, “Estão a insultar-nos”, “Não me parece justo”, “Porque está isto aqui? É uma mentira”, “Eu não sou trapaceira”. Depois de ver o vídeo, também eu me lembrei de ir consultar dois dicionários da nossa língua. No Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, edição de 2010, seleccionei sete palavras: cigana, ciganada, ciganagem, ciganar, ciganaria, cigano. Para a primeira palavra, cigana, aparece a definição “que pertence aos Ciganos”. Normal, até aqui, não fosse aparecer a expressão “mulher mesquinha”. E o registo desagradável continuou presente em todas as outras palavras. “Trapaça, logro, engano”. “Trapacear, enganar, intrujar”. “Trapaça em compras e vendas, negócio pouco claro, traficância”. “Lisonja astuta, impostura, pedinchice”. Folheei, também, o Dicionário de Sinónimos da Porto Editora, de 1999. Procurei as mesmas palavras e a pejoração mantém-se. Cigano pode ser sinónimo de “ardiloso, avaro, boémio, errante, esperto, finório, gitano, impostor, ladino, pechincheiro, quico, regateador, sovina, subtil, traficante, trapaceiro, vagabundo, velhaco, zíngaro”. Mas atenção, pois são-nos indicadas as abreviaturas de depreciação e pejoração antes destes termos. Menos mal.

O preconceito transmitido através de palavras, termos, frases, da leitura, surte efeitos. E parece que os nossos dicionários contribuem para essa mesma discriminação. Podemos pensar no sentido do provérbio português “Com um olho no burro e outro no cigano”. Pode parecer uma expressão simples, inocente. E é, para muitas pessoas que a usam sem saberem a origem do provérbio. Mas é discriminação tricotada em preconceitos já enraizados na nossa cultura, e que têm de ser erradicados. A questão da comunidade cigana e da sua integração na nossa sociedade é, como todos sabemos, delicada. E é este mesmo aspecto que leva a que, muitas vezes, se incorra em generalizações. E as generalizações são perigosas. Em todas as comunidades podem ser salientados aspectos e características culturais de maior proeminência. Daí muitas vezes surgirem caricaturas dessas mesmas comunidades. Quantos de nós não ouvimos já dizer que os portugueses são preguiçosos, que não gostam de trabalhar? Em relação à questão do roubo e da intrujice por parte da comunidade cigana, como dizia anteriormente, é indispensável não generalizar. Mas, se quisermos insistir na questão, quantos portugueses não dominam bem a arte da artimanha? É possível roubar e enganar de muitas e variadas formas. Das mais inocentes e leves, às mais conscientes e pesadas. E, sem generalizar, é certo que existe habilidade em “passar a perna ao outro” neste pequeno território. Um bom assunto para discutir numa próxima ocasião. Que não haja admiração e, muito menos, alguma punição, se algum dia uma criança escrever ou disser uma frase como “Ciganei-me várias vezes no teste.” Não lhes foi ensinado? As crianças retêm tudo.

Inês Amado

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


29

ACTUALIDADE

Entrevista Rita Marrafa de Carvalho Na sua página de Facebook, Rita descreve-se como “Jornalista RTP. Professora Jornalismo Televisivo - Palavras Ditas. Escritora. E mais umas coisas…” O Pontivírgula falou com a jornalista e foi à descoberta do seu lado humano. Pontivírgula: Como surge o jornalismo? Rita Marrafa de Carvalho: Eu queria seguir História, com variante de Arqueologia. Escolhi Latim no 9º ano com isso em mente. Até que os testes psicotécnicos, feitos pela psicóloga da escola, indicavam algo completamente diferente. Em primeiro lugar, Jornalismo e, depois, Relações Públicas. Tinha de ter atividades ligadas à comunicação devido às minhas aptidões e qualidades intrínsecas. Encarei muito mal essa possibilidade. Sonhava com a arqueologia há muitos anos… A psicóloga pediu-me para tentar entender se seria uma área que me agradaria. Entrei, então, no Clube de Comunicação Social, onde já estava o Rui Unas, que era mais velho do que eu. E descobri que aquilo me dava um imenso prazer. Que me sentia como peixe na água. E despertou em mim um desejo, uma paixão pelo jornalismo. Pontivírgula: Porque escolheu esta carreira? Rita Marrafa de Carvalho: Escolhi esta carreira por isso mesmo, por esse conjunto de condições. Depois, com 17 anos, entrei para a Seixal FM, uma rádio local, enquanto estava no 12º ano, e não mais parei. Gostava do direto. Do assistir in loco e transmitir aos outros o que via, o que ouvia, o que sentia. Contar histórias da vida real. Pontivírgula: O que lhe suscita mais interesse no que faz? Rita Marrafa de Carvalho: A imprevisibilidade. A inexistência de rotina. O desafiar-me mais e melhor. O contar e recontar sempre de diferentes maneiras. O entrar na vida dos outros, ouvi-los e traduzir, filtrar. Ter o privilégio de assistir à vida diante dos meus olhos, aos acontecimentos. Pegar no facto e fazer dele notícia. É um trabalho de ourives. Pontivírgula: Quais foram os maiores desafios que enfrentou? Rita Marrafa de Carvalho: Muito provavelmente, as duas semanas e meia que passei na Indonésia devido ao Tsunami no sudeste asiático. Ir sem saber para o quê. Sem hotel, sem transporte no local, sem certezas. A informação que chegava cá era muito escassa. O governo de Jakarta filtrava muito os dados e Samatra é uma ilha. O que encontrei é inominável, indescritível. Mais de 80% da comunidade hospitalar tinha morrido. Milhares de crianças perdidas. Os mesmos corpos, dias a fio, a inchar nos passeios. Barcos nos telhados dos prédios. Uma destruição completa. E uma diferença horária grande, que fazia com que os diretos para Portugal, onde eram oito da noite, fossem feitos às duas da manhã. E às oito da manhã de lá já estávamos a pé. A atualidade não se compadecia com o cansaço. O dormir no chão de uma casa velha. O sacudir as roupas por causa dos lacraus. O sentir uma réplica a meio da noite, a meio do sono. Muito intenso.

© Fotografia cedida por Rita Marrafa de Carvalho

“Uma destruição completa. (...) A atualidade não se compadecia com o cansaço. O dormir no chão de uma casa velha. O sacudir as roupas por causa dos lacraus. O sentir uma réplica a meio da noite, a meio do sono. Muito intenso.” Pontivírgula: Fora do trabalho, o que faz nos tempos livres? Rita Marrafa de Carvalho: Ouço música, leio, cozinho muito, janto com amigos e descanso. Mas, essencialmente, estou com pessoas e respiro. Brinco com os meus filhos. Gozo-os muito. Pontivírgula: Que curiosidades pode partilhar connosco? Rita Marrafa de Carvalho: O meu primeiro direto enquanto repórter da RTP aconteceu em 2001, no Colégio Militar, devido a uma greve dos transportes. Lembro-me perfeitamente da roupa que usei. E de usar a palavra “calmia”. Pontivírgula: O que a destaca enquanto jornalista? Rita Marrafa de Carvalho: Ganhei uma Menção Honrosa com uma média reportagem, no Prémio de Jornalismo “Direitos Humanos & Integração”, da Comissão Nacional da UNESCO, com a história da única associação de mulheres ciganas que incentivam o estudo e a escolaridade. Estive um mês na África do Sul para acompanhar as histórias sociais do Mundial de Futebol. Já apresentei e coordenei o 30 Minutos. Coordenei o Telejornal. Apresentei na RTP Informação. Há anos que acompanho a pasta de Justiça e Segurança. Neste momento, estou mais dedicada a grandes reportagens.

Susana Santos

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

30

Actualidade Michelle recusa Continuar - Carta de Justificação Adaptação da carta do ex-primeiro-ministro, José Sócrates

A minha permanência neste nobre jornal durante um ano e meio constituiu uma enorme e cruel injustiça para os leitores. Um ano e meio a acartar com a opinião de uma jovem inconsciente. Um ano e meio sem acesso a uma coluna de opinião que trate a atualidade de forma devida. Um ano e meio de crónicas absurdas. Um ano e meio, enfim, de arbítrio e de abuso para convosco, caríssimos leitores.

Agora, afasto-me do Pontivírgula. Meditei longamente nesta decisão, no que ela significa de sacrifício pessoal e, principalmente, no sacrifício que representa para vós, infinitos leitores (...) © Fotografia: Ana Montez / Montagem: Dani Trony

Aqui chegados, ainda assim, que cada um assuma as suas responsabilidades – vós, de lerem as minhas infâmias, e eu, de as escrever. A minha permanência neste jornal foi uma violência exercida injustamente contra vós, reconheço. Esse ato nunca contou com o meu protesto e o meu repúdio, pois achava que opinar sobre a vida de certas pessoas influentes na sociedade era uma coisa divertida (e, como uma criança que não aprende com os erros, continuo a achar). Agora, afasto-me do Pontivírgula. Meditei longamente nesta decisão, no que ela significa de sacrifício pessoal e, principalmente, no sacrifício que representa para vós, infinitos leitores, e para os meus amigos, que imolavam o seu tempo para ler as crónicas antes de serem publicadas devido à minha profunda instabilidade e que, por isso, têm suportado esta inacreditável situação com uma extraordinária coragem. Todavia, o critério de decisão é simples – ela tem de estar de acordo com o respeito que devo à vossa sanidade mental e intelectual, caros leitores, e a este jornal que tanto estimo. Nas situações mais difíceis há sempre uma escolha. A minha é esta: digo não. Ainda que sem pulseira eletrónica, sabereis onde me encontrar. Sempre pronta a cometer os mesmos erros, se se proporcionar uma edição mais ou menos especial. Cumprimentos, sempre, socráticos,

Michelle Tomás Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


OPINIÃO

31

Actualidade O Acordo Ortográfico

© Free Domain/PixaBay/PixaBay

«“Para…”, disse ele.» E agora? Será que ele usou uma forma do verbo parar, ou a preposição simples “para”? Estará a pedir a alguém que pare, porque o está a magoar? Ou será que não teve coragem para dizer que a flor era para a pessoa a quem a ofereceu? O Acordo Ortográfico em vigor desde 2009 é chamado o Acordo Ortográfico de 1990, ou, como lhe chamava Vasco Graça Moura, o desacordo. O seu objectivo é descomplicar a língua portuguesa e conseguir uma maior universalização linguística entre Portugal, o Brasil e os PALOP. Para mim, veio apenas complicar todo um processo que levei anos a aprender – uma tarefa que continuo a desenvolver. Ainda escrevo com o Acordo Ortográfico de 1945 (portanto, estava a usar uma preposição, no início do texto) e não tenciono, assim tão cedo, começar a escrever com este novo. Sim, sou comodista, conservador e casmurro – neste aspecto, pelo menos – e não quero escrever de uma forma com que não concordo. Para mim, retirar o “c” ou o “p” em algumas palavras, não é mais do que uma forma de as editoras venderem mais dicionários, e perdermos as subtilezas da oralidade que é tão nossa! Não sou a favor da uniformização da língua. Por que é que haveremos de falar e escrever todos da mesma maneira? Tenhamos as nossas diferenças, digamos e escrevamos “metro”, “papel” e “Amazónia” de formas diferentes. Não quero o Zeca a cantar da mesma maneira que o Chico Buarque, nem o Eça de Queiroz a escrever da mesma maneira que o Machado de Assis! E não, o “c” em “acção” não é só paranóia, ele serve para abrir a vogal que o antecede! Mas, a verdade é que o Acordo veio. E, ao que parece, vai ficar, por muito que eu escreva e proteste. Se o Vasco Graça Moura não o foi, porque haverei eu de ser ouvido?

Bernardo Soares e/ou Fernando Pessoa eram contra o Acordo Ortográfico de 1911 e recusavam-se a usá-lo, tendo o primeiro escrito no seu O Livro do Desassossego: «Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente. Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse. Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m’a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.» Este texto não faria sentido com as alterações nas grafias das palavras, portanto não as mudámos, mesmo com o (des)acordo que se seguiu. E se Camões escreveu “ũa” e não se alterou para “uma”, porque é que Saramago escreveu “rectângulo” e na minha nova edição do Evangelho Segundo Jesus Cristo vem escrita a palavra “retângulo”?! Não gosto, não concordo e quero um reembolso! Paguei o mesmo pelo livro, mas roubaram-me letras! Não vou pedir que reiterem o (des)Acordo, mas tal como em equipa vencedora não se mexe, em palavra escrita também não! Devolvam-me as letras e os acentos, que ainda me fazem falta! Diogo Barreto


OPINIÃO

32

A Rapariga do Blazer Rosa Lifestyle Até Já Isto passou muito rápido, este ano passou à velocidade da luz. Há uns dias estava a ser convidada para escrever e agora já vos estou a dizer adeus. Isto de o tempo passar a correr atormenta-me. Ficam tantas coisas por fazer, tantas coisas por dizer, tantas e tantas coisas… À falta de uma máquina do tempo ou de um botão paralisador do tempo, temos de viver cada dia intensamente, para termos a certeza de que fizemos a maior parte das coisas que queríamos. Apesar de ter passado num ápice, foi um bom ano. Em termos estudantis, escrevi para o jornal, tirei notas razoavelmente boas, fiz mais amigos na faculdade e foi com grande pesar que fiz a minha última frequência (ou então não, eheh). Em relação à minha vida pessoal, não me pude queixar: muito amor e muita felicidade. Comecei a correr e a tratar da alimentação, com medo de me tornar uma baleia. Até agora tem corrido bem. Quero fazer uma coisa com esta última crónica, uma coisa que nunca fiz, e provavelmente algo que nunca mais vou conseguir fazer, um agradecimento digno de Óscares. Acreditem que tenho muita, muita coisa a agradecer. Primeiro à Patrícia, directora do jornal, por me ter feito este convite tão especial. Quando falámos nesta ideia hipotética, fiquei maluca, em êxtase. Foi um orgulho imenso. Obrigada, Patrícia! Depois, é impossível esquecer-me das pessoas com quem convivi nestes três anos. Não desfazendo ninguém, encontrei os meus dois mosqueteiros, para assim ficarmos completos. Tenho a certeza de que a minha passagem pela UCP não seria a mesma sem eles. Tenho-lhes a agradecer o iPad, para jogar, os apontamentos, as saídas, os jantares e almoços, os nossos momentos. Obrigada a vocês, Ana e André.

Há uns dias estava a ser convidada para escrever e agora já vos estou a dizer adeus. Isto do tempo passar a correr atormenta-me.

Nesta universidade encontrei também pessoas que partilharam os seus conhecimentos de uma forma maravilhosa. Aprendi imenso com os nossos professores, e acreditem quando digo que não foi só matéria. Vocês hão-de lá chegar e depois digam-me se não é verdade. Um obrigada muito sincero a todos os professores, sem qualquer excepção. Depois, à minha (grande) família, amigos e namorado, que deixei em Alcobaça. Obrigada pelo apoio, pela ajuda, pela segurança, por acreditarem em mim. Sem vocês, todos vocês, tinha sido muito mais complicado. Há coisas na vida que não têm preço e o vosso amor nestes três anos é, sem dúvida, uma dessas coisas. Comecei o texto com um “até já”, e é assim que me despeço também. Não é um “adeus”, nunca será, à faculdade, aos amigos, à família. É um “até já”. Um “até para o ano, amigos!”.

Mariana Leão Costa araparigadoblazerrosa.wordpress.com


OPINIÃO

33

Tiqui-taca do Desporto Desporto

Somos Mulheres, Somos Desporto «Ela é uma das melhores futebolistas do mundo e todos os anos luta por encontrar um clube que lhe pague entre 400 mil euros e um milhão. Ele joga no Barcelona e ganha 15 milhões.» in DN Desporto Esta é a realidade dos dias de hoje. Na citação fala-se de Marta Silva e Neymar Júnior. Dois brasileiros, dois futebolistas, dois talentos natos. Mas uma está a anos-luz do reconhecimento do outro. Antes de Neymar, já havia Pelé, Ronaldo, Ronaldinho e tantos outros. Antes de Marta? Poucas eram as mulheres no futebol.

Estou a falar da atleta mais titulada do judo português: Telma Monteiro. Cinco vezes campeã europeia. Quatro vezes vice-campeã mundial. Claro que estes feitos são comentados nas notícias e partilhados nas redes sociais. “Boa, Telma! És a maior.” Mas, depois, todos esquecem, porque não há um verdadeiro reconhecimento, não só porque o futebol rouba a maior parte da atenção dos amantes do desporto, mas também pela razão mencionada anteriormente. Porque é mulher.

Muito se fala nas quatro Bolas de Ouro conquistadas por Lionel Messi, mas ninguém comenta as cinco vezes que Marta foi eleita a melhor jogadora do mundo. Sim, não digo “Bola de Ouro” quando me refiro à jogadora brasileira, porque até no prémio se faz distinção. Porquê? As mulheres não têm prestígio suficiente para receber um prémio tão conceituado, igual ao dos homens?

Não quero com isto dizer que devamos esquecer os grandes feitos dos homens no desporto, ou que as mulheres são as melhores porque têm de trabalhar o triplo para serem reconhecidas e para alcançar a glória. Tenhamos uma mente mais “aberta”. A iniciativa de promover o desporto feminino tem de partir de cada um de nós. Não podemos ficar à espera de leis vindas de organizações ou de influência por parte dos media.

Este ano, quando Cristiano Ronaldo foi eleito o melhor do mundo, Nadine Kessler foi eleita a melhor jogadora do mundo. Cristiano encheu manchetes em todo o mundo, enquanto Nadine ficou esquecida. Justo? Não. Qual é afinal o “problema” destas jogadoras? Serem mulheres.

Temos de ser nós, homens e mulheres, a mostrar que nos interessamos pelo desporto feminino, que apreciamos a sua qualidade e trabalho, para que, um dia, a filha que goste de jogar à bola, a neta que tenha jeito para o judo ou a irmã que seja uma campeã no boxe, sejam igualmente reconhecidas pelo seu trabalho, e não excluídas pelo seu género.

Mas não é apenas no futebol que situações como esta acontecem. Em Portugal, temos uma mulher que, ano após ano, leva o nosso país à conquista do mundo.

E, sim, ao longo deste ano foi uma mulher que deu nome e escreveu esta coluna desportiva, com muito orgulho. No entanto, nunca optei por escrever sobre feitos femininos, porque sabia que não chamariam tanto a atenção dos leitores. Mas quero com este texto mudar esse rumo, para o futuro que se segue. E para estar a ler as palavras de uma mulher nesta coluna, foi preciso alguém acreditar e reconhecer o trabalho feminino. Obrigada, Patrícia Fernandes, ou, como te costumo chamar, Little chef. Daniela Ribeiro de Brito

danielar-footballmagazine.blogspot.pt © Reuters


CULTURA

34

O Cabide Moda

A moda está morta? Há uns tempos, Li Edelkoort, uma influente pesquisadora de tendências holandesa, afirmou que a moda tem a sua sentença escrita. Vamos por partes: o que é uma pesquisadora de tendências? Para quem não sabe (a maioria!), uma trendhunter é uma pessoa que prevê o que se irá usar em termos de roupa dali a uns anos. Agora, como assim a moda está morta? Li apresentou o Manifesto Anti-Fashion, em que são dadas dez razões que a motivam a afirmar que a moda está obsoleta. Entre as quais estão: a educação dos jovens designers ser direccionada para o individualismo, o uso e abuso da mão-de-obra escrava e de produtos tóxicos, o ritmo alucinante de produção e o consumismo desenfreado.

Li apresentou o Manifesto Anti-Fashion, em que são dadas dez razões que a motivam a afirmar que a moda está obsoleta.

Não sendo possível focar todos os pontos referidos por Li, decidi reflectir na cultura da Um caso prático e claro desta massificação são massificação pela qual a sociedade de consumo as colaborações de designers de grandes casas se rege. com marcas de fast fashion, como a H&M. Este tipo de parcerias, apesar de ser uma forma de todas A verdade é que a moda mudou muito nos as pessoas terem a oportunidade de adquirir algo últimos anos. Antes era considerada exclusiva e “único”, veio esbater a linha que existia entre a moda um sonho inalcançável, apenas um certo conjunto como forma de expressão artística e o consumismo de pessoas tinha o privilégio de aceder às criações sem significado. mais cobiçadas (não por uma questão monetária, mas por fazerem parte de um lobby criativo). Os Os pontos que Li apresenta são válidos, mas tenho desfiles duravam 1h e eram considerados grandes as minhas dúvidas de que a moda em si irá acabar. espectáculos artísticos que o público se limitava a Acredito que a pesquisadora de tendências ainda contemplar. esteja presa a um passado luxuoso que dificilmente se traduziria na sociedade frenética actual. Em certa Actualmente, a moda abriu as suas portas e medida, a moda actual perdeu a aura mágica e está ao alcance de todos. As marcas perceberam passou a ser um trapo com pouca importância (na que para gerar mais lucro é necessário integrar maioria dos casos!), possivelmente, o imediatismo tão todas as camadas da sociedade, baixar os preços característico dos dias de hoje acabará com a haute couture ou com o trabalho à mão, mas a indústria e aumentar a produção. da moda nunca foi tão entusiasmante e diversificada Os blogues tiveram um papel preponderante como é hoje! na massificação das roupas e dos acessórios de marca, uma vez que vieram promover a ideia de it qualquer coisa (objecto de culto que todos os fashionistas precisam cegamente para estar na Catarina Veloso moda durante a estação em questão, exemplo o-cabide-moda.blogspot.pt mais comum: it bag).


CULTURA

35

Fora de Série Séries

Último episódio

Um espectador menos formatado para pensar neste tipo de questões é levado a pensar que o que vê é a realidade

Como estudantes de Comunicação, sabemos que o que é transmitido na televisão é, quase sempre, fabricado ao pormenor. Principalmente no que toca a reality shows. Claro que parece natural, até porque é esse o objectivo. Um espectador menos formatado para pensar neste tipo de questões é levado a pensar que o que vê é a realidade e que esses conteúdos se distinguem dos ficcionais. Porém, nós sabemos que existe um guião que dirige o episódio. A nova série UnReal apresenta-nos os bastidores de um reality show do género The Bachelor, em que um grupo de mulheres concorre para ficar com um homem, que tende a assemelhar-se a um príncipe encantado. Podendo desiludir os mais ingénuos, assistimos ao manipulador trabalho feito pela produção, com especial atenção a Rachel, a peça central deste jogo. Na verdade, ainda que faça muito do “trabalho sujo”, há uma empatia desta personagem com o espectador. O dinamismo entre os actores faz com que a narrativa pareça muito natural e mais realista. Desde há algum tempo que temos vindo a assistir à passagem dos actores de cinema para o mundo das séries (como foi o exemplo de Matthew McConaughey em True Detective). E eis que surge Wayward Pines com a realização do grande M. Night Shyamalan (The Sixth Sense, The Village ou Signs), uma enigmática série cujos contornos ainda estão por compreender.

Tudo começa quando um detective é destacado para encontrar dois colegas desaparecidos. Depois de um acidente de carro, acorda num peculiar hospital numa cidade desconhecida, vindo a descobrir que é quase impossível sair de Wayward Pines. Ainda que o desconhecimento factual produza alguma confusão no espectador, o suspense gera curiosidade para assistir ao próximo episódio. À medida que fui vendo a série, não pude deixar de reparar nas semelhanças com Under The Dome, produzida por Steven Spielberg. Também algo misteriosa é The Whispers, igualmente com produção deste realizador de cinema. Um grupo de crianças, aparentemente não relacionadas, começa a agir em função do que diz um amigo imaginário… com o mesmo nome. Ainda que seja uma série com demasiada presença governamental (começa a cansar) e pouco credível em alguns aspectos, merece uma oportunidade e irei continuar a seguir. Para desanuviar, sugiro-vos Grace and Frankie, uma história de dois casais que vêem a sua dinâmica perturbada quando os homens decidem deixar as mulheres para ficarem um com o outro. Ainda que não se identifiquem muito uma com a outra, elas sentem a necessidade de se apoiarem mutuamente nesta tão complicada provação. O que realmente é cativante nesta série da Netflix é o elenco. Temos Jane Fonda, Lily Tomlin, Sam Waterston, e Martin Sheen e o resultado é muito engraçado. Como é habitual, a temporada já está disponível na íntegra e os episódios curtos fizeram com que devorasse esta série num ápice. Assim me despeço desta coluna e espero que tenham gostado das minhas sugestões. Inês Sousa Almeida


CULTURA

36

Astigmatismo Proficiente Cinema

Esqueci-me do fim em casa

Afirmativo, este é o último Astigmatismo Proficiente. Afirmo: não sou folião de fins e muito menos finalizador lamechas. O facto de este artigo possuir um carácter final empurra-me mais para a inanidade do que para o júbilo festivo. O Homem tem uma relação muito particular com os fins. São os fins que vão medindo a nossa existência. Somos mais antigos quanto mais tivermos finalizado, e não quanto mais tivermos iniciado. Um fim é um selo de experiência, uma credencial. Talvez, por causa disto, tenhamos uma predisposição celebrativa para com os fins que consideramos positivos. Somos celebradores. Celebradores finais. Se algum fim não for assinalado com um bruto regabofe (ou com uma festa singela, para sublinhar a humildade de quem a celebra), é porque não teve importância. Celebramos em grande quantidade e fazemo-lo sob diversas justificações. Momentos finais, tais como o fim de um ano civil, o fim de um percurso académico, o fim de uma viagem, o fim da vida de solteiro, o fim da residência num determinado local ou o fim da escrita de uma coluna cinematográfica, são quase sempre pretextos para a desejada celebração.

O que acaba por acontecer é celebrar-se a celebração, festejar-se a festa e cultuar-se o culto. Remete-se o objecto da celebração para a periferia festiva

Agora, apontem a vossa atenção mental para as cenas finais desses filmes. Conseguem lembrar-se delas? Visualmente, conseguem reconstruir a cena que antecede os créditos? Qual é o último plano? Acompanhem a narrativa e tentem concluí-la visualmente. Conseguiram? Provavelmente, não (caso todos tenham O problema está no facto de a maior parte destas conseguido lembrar-se com detalhe da cena final festas, supostamente centradas num fim específico, de cada filme, isso significa que eu próprio e esta não o serem verdadeiramente. O que acaba por teoria somos uma fraude. Nada de mais). acontecer é celebrar-se a celebração, festejar-se a festa e cultuar-se o culto. Remete-se o objecto Este exercício serviu-me para perceber como da celebração para a periferia festiva e eleva-se o somos negligentes para com os fins dos filmes. evento como organismo maior. Logo, não se celebra E a verdade é que a nossa memória funciona um fim de verdade, afigurando-se ele apenas como um cinema. Vai tendo vários filmes em como um mero pretexto para algo maior – a festa cartaz, alguns ficam muito tempo, outros poucas –, que se vai repetindo intermitentemente de forma semanas. Para que um filme entre no cartaz, despersonalizada. Falta, portanto, intencionalidade outro tem de sair. O mesmo acontece com as às celebrações finais. Ou melhor, faltam finalidades memórias: esquecemos coisas para reter outras. finais às festas de fins. Celebra-se, supostamente, o Dos fins quase nunca nos lembramos, mas fim, mas não há um sentimento de finalização. festejamo-los, clamando a todos que aquele é um “ganda filme”. Esquecemo-nos constantemente Algo semelhante acontece quando vemos um dos fins em casa, compartimentados no oblívio de filme. Estamos de tal forma empenhados em um armário feio. Os fins pertencem é à memória. visualizar a visualização, sem intencionalidade, Pertencem-nos. As celebrações pertencem aos que não nos finalizamos quando o filme termina. fins e não o oposto. Deixemos de ser observadores Acobardamo-nos sob a manta da “experiência incautos de filmes e olhemos para os fins como cinematográfica” e desvirtuamos a memória dos algo profícuo. Não celebrar algo importante fins. Se não, façamos o seguinte exercício: pensem não anula a sua importância. Finalizemo-nos. em cinco filmes que tenham visto recentemente Finalizo-me. (não vale escolher filmes que viram nos últimos dois dias). João Marques da Silva


CULTURA

37

Inteligência Artificial Gaming/Internet

“Último” Capítulo «No meu cartão de visita sou o Presidente Corporativo (da Nintendo). Na minha mente, sou um game developer. Mas, no meu coração, eu sou um gamer.» Satoru Iwata, Game Developers Conference (GDC), 2005. Todo o amor do mundo “directamente a ti”, Iwata-san. A 11 de Julho morreu um dos meus heróis. Embora não possa dizer que o tenha conhecido, sentirei a tua falta como se assim tivesse. Tu eras o homem responsável pelo meu sorriso de criança cada vez que ligava a consola. O meu coração está destruído de tristeza, “please understand” (por favor, compreendam).

O mundo e a sua apreciação dependem exclusivamente da vontade humana e, como qualquer arte nova, os videojogos têm sofrido o desapreço de muitos.

Com esta coluna eu só desejei uma coisa: instruir, fazer com que as pessoas percebessem a complexidade do que poucos consideram arte. Assim vou deixar-vos, só com um punhado de linhas como adeus. Com este desfecho só desejo isso, que tenha sido capaz de fazer alguma diferença nos poucos a quem interessou o que eu tinha para dizer, não importando a severidade das palavras. Arte só é arte porque assim nós o queremos, porque assim a consideramos e a percebemos. O mundo e a sua apreciação dependem exclusivamente da vontade humana e, como qualquer arte nova, os videojogos têm sofrido o desapreço de muitos. Contudo, esta é das poucas artes que tem evoluído a passos agigantados, tendo em conta que em apenas 25 anos passámos dos 16-bits para a realidade virtual e a possibilidade de fotorrealismo. Pouco mais posso dizer, quem não joga que jogue e quem joga que continue a jogar. A realidade não é única, é aquela que a nossa vontade deseja criar.

screenshot

Nintendo Direct © 2013

Menções Honrosas: Poly Bridge (PC); Rocket League (PC, PS4)

Mitchel Martins Molinos


CULTURA

38

Harmonias e Contrapontos Música

Mix Tapes

Bons álbuns, bons concertos, boas tardes, noites - e, já agora, porque não manhãs? de música.

Em 1968, os Beatles gravavam o disco que ficaria conhecido como The White Album, que acabou por tornar-se um dos mais icónicos de sempre, por variados motivos. Entre os mitos associados ao disco, as histórias de conflitos internos e as novidades sonoras, o disco é marcado por algumas das mais importantes músicas dos Fab Four, sendo uma delas “While My Guitar Gently Weeps”. Esta canção, composta por George Harrison, conta com a participação de Eric Clapton, que é responsável pelo solo de guitarra intemporal. Harrison pediu a Clapton – o seu melhor amigo – para tocar no disco: uma forma de partilhar a sua música com alguém de quem gostava bastante. E com esta introdução cheguei à palavra-chave desta minha última coluna: partilha. A música é um sistema de partilha. Discos, concertos, viagens de carro, festas de amigos, bares, partilhas de músicas nas redes sociais, são situações em que entramos nesse sistema que é composto pelo artista, pela sua música e pelos ouvintes. Em jeito de despedida, um conselho: partilhem. Aquela banda espectacular que descobriram, aquele poema lindíssimo cantado por aquela vocalista que adoram, o solo de guitarra mais incrível que já ouviram, ou a linha de baixo que faz com que o coração bata ao som da música, porque não mostrá-los às pessoas de quem mais gostam? A música é uma forma de comunicar e, quando partilham uma música com vocês, estão a tentar comunicar. Não ignorem o que vos mostram: ouçam!

<Olá! Chamo-me Francisco Marcelino e vou escrever esta coluna a partir da próxima edição. Podia ficar-me por esta breve apresentação, mas seria pouco esclarecedora e de leitura desinteressante para uma arte que é o oposto: a música! Este é um dos meus gostos maiores e mais variados. Rock, clássica, electrónica, hip-hop, étnica, da época, entre todos os outros géneros e respectivos subgéneros. Nacional ou internacional. Porque, no fundo, tudo se resume a isso mesmo: música. Observador atento da cena mainstream e da, não menos interessante, underground, espero alargar o vosso conhecimento e perspectivas musicais. Juntos, ouviremos mais. Até já.> <Olá. Chamo-me Miguel Freitas e parece que percebo alguma coisa de música. Pelo menos, o suficiente para me pedirem para escrever esta coluna. Penso que é apropriado apresentar-me não só a mim, mas também aos meus gostos musicais, que, ao que parece, não se discutem – que frase tão discutível. Os meus predilectos são Nirvana, Beatles, Breeders, Mazzy Star, Sonic Youth e coisas parecidas. Mas o que eu gosto mesmo é de descobrir novas bandas, sonoridades, cenas interessantes e maradas, que provavelmente não lembram a ninguém, mas sempre de qualidade. Espero poder partilhar o meu gosto convosco, aqui no Pontivírgula, agradando a todos, de uma ou outra forma. Beijos e abraços.> Só uma última curiosidade para esta coluna que tanto me aprouve escrever: sabiam que os The Beatles foram negados pelas grandes editoras discográficas em 1962? Bons álbuns, bons concertos, boas tardes, noites - e, já agora, porque não manhãs? – de música. E, como escreveu um dos meus predilectos – vou-te roubar esta, Miguel -, keep on rockin’ in

the free world!

Diogo Barreto


CULTURA

39

Criticamente Correto Literatura

Goodbye

Espero que as pessoas que são apaixonados pelo que escrevem (...) continuem a criar as bases para que este jornal seja um ponto de referência na vida © Free Domain/PixaBay

Chega ao fim o meu serviço sob a bandeira do Pontivírgula. Hoje não escrevo sobre livros nem escrevo um conto, penso apenas na hora da despedida. Este foi um ano de novos começos para o jornal da faculdade. Pela primeira vez independente, mais jovem, com mais escritores e mais conteúdo. Foi uma experiência com bons e maus resultados e embora saia daqui sentindo que cumpri o meu dever, sinto que ainda há muito a ser feito. Quero agradecer à Patrícia que não só lutou pela sua visão do que este jornal devia ser como deu nova vida à presença digital do Pontivírgula e empurrou sempre quando ninguém quis empurrar, para que todos os meses existisse uma edição nova para todo lerem, sempre com classe e firmeza, a nossa editora/directora manteve este barco a flutuar e nos momentos mais complicados garantiu que este jornal existisse. Esta edição está a sair mais tardia do que devia e culpo não quem está ao leme deste jornal, mas todos aqueles que se comprometeram com uma missão, que vão a todas as reuniões e que concordam com as críticas e que no entanto sistematicamente adiaram escrever por motivos externos, “porque houve testes, porque é preciso estudar”, nenhuma destas razões é inválida contudo são ditas de má fé, porque um artigo de acordo com os parâmetros do jornal é exequível num período de trinta dias.

académica

Agradeço a oportunidade de ler o que muitos dos meus colegas escreveram ao longo do ano, de ler experiências e opiniões, mas sei que este jornal tem espaço para crescer muito mais e espero que as pessoas que são apaixonados pelo que escrevem (Susana Santos, estou a olhar para ti) continuem a criar as bases para que este jornal seja um ponto de referência na vida académica. Quanto a mim, gostei de escrever e espero que tenham gostado do que foram lendo, sentindo que ficou tarefa cumprida caso algum leitor tenha ficado interessado numa obra apresentada aqui. Desejo felicidades a todos os que encontram a paixão no jornalismo depois de escreverem estas páginas e sei que será difícil reunir tanto talento em tão poucas páginas, mas confio na Catarina Veloso e na Inês Dias para superarem o trabalho feito este ano. Até à próxima. Este foi o Criticamente Correcto. Pedro Pereira


CULTURA

40

Produção Escrita Literatura

Meu amado Pontivírgula Meu amado Pontivírgula (perdoem-me a escolha do determinante, mas, sendo nosso, também é meu, pois «o todo sem a parte não é todo»),

Gostaria muito de o ter revertido na prática contigo. Podias ter sido mais. E nós podíamos ter sido mais contigo.

Vou estrear esta carta que te escrevo com um pedido de desculpas. O povo diz que as desculpas se evitam. Evita-se a ação que motiva o pedido, assume-se o pedido depois da ação. Por isso, reconheço agora a insuficiência da crítica que aqui pensei. Refugiei-me demasiadas vezes na produção de conteúdo. A leitura exige disponibilidade e, em tempo de aulas, entre trabalhos e estudo, projetos pessoais e amizades, perde a prioridade que lhe concedo nas férias de verão. Por isso, o objeto primordial da coluna que tão bem abrigaste foi-se perdendo, mas tive sempre muito gosto de escrever sobre os objetos que se foram impondo no esconso recanto da reflexão. Num destes dias de calor, tirei um livro da estante do quarto que nunca me seduziu particularmente (percebo agora que por cândido desconhecimento). Não o livro, o autor – os livros são a extensão dos autores que carinhosamente os engravidaram e, nessa condição, vivem da sua (im)popularidade junto de potenciais leitores. Como não tinha ainda feito a compra de livros para o verão, resolvi dar-lhe uma oportunidade. Nele escreveu Manuel Alegre: «(…) este miúdo sentado no pátio de uma casa na Rua Duque da Terceira, no Porto, a pregar pregos muito direitos numa tábua. Quem me garante ao certo que sou eu? Agora há um avô recostado numa poltrona com uma guitarra adormecida no colo.»

Seremos nós ainda, como sugere o título do livro, miúdos que pregam pregos numa tábua? Miúdos que desenham frases num pdf? Miúdos seremos sempre, espero eu. Que pregam frases, também. Frases mais bonitas e apaixonadas ou mais críticas e menos convenientes, mas sempre carregadas do sentido de quem as escreveu. Num pdf, honestamente, gostaria que não. Pensando bem, não gosto de te reduzir a um pdf, mas já vários autores se debruçaram sobre a questão da relação entre forma e conteúdo, e o facto é que a primeira condiciona o segundo. Condiciona-te o alcance do conteúdo, por exemplo. Quantos alunos não haverá a quem um email com o anúncio de mais uma das tuas edições passa ao lado? Ou a quem não chega sequer? Não terias gostado mais de existir connosco, fora da virtualidade real, no bar onde tanta vida vivemos? E de desafiar, com os teus apelos de palavra e imagem, a curiosidade dos mais resistentes? De perdurar nas estantes dos que te leram ao invés de apenas na memória esquecida de um e-mail que entretanto jogaram no lixo? Durante três anos, escutei com atenção as lições de professores desencantados com o comprometimento contemporâneo da materialidade. Gostaria muito de o ter revertido na prática contigo. Podias ter sido mais. E nós podíamos ter sido mais contigo. De resto, tenho um orgulho de ti e de nós que não cabe nesta página de despedida. Mais do que um hábito que foi sendo regado, fica o prazer com que te reguei. Um prazer descoberto entre leituras e aprendizagens, expectativa e inquietação, alguma desilusão e muita admiração. Aguardo ansiosamente a tua próxima edição, agora na qualidade de fiel leitora. Sei que a Catarina, a Inês e a equipa que as acompanhar terão sucesso nos seus esforços de superação do que foi feito. Vão cuidar de ti como nós cuidámos, regar-te todos os meses para que nunca deixes de dar flor. No teu mundo, Pontivírgula, será sempre primavera! Joana Cavaleiro Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


41

CULTURA

Produção Escrita Literatura

25 horas em Madrid Dia 8 de junho de 2015, estava eu na faculdade carregada com os apontamentos (milhões de apontamentos) de Estatística. Eram 11 horas e eu estava no bar, numa das mesas onde, habitualmente, o pessoal de Direito costuma estar. Estava sentada, pronta para estudar os milhares, milhões e biliões de apontamentos que me esperavam... 11h18: o meu computador faz um barulho e eu apercebo-me de que recebo um email. Penso: “pronto, deve ser mais uma informação da Fátima ou então o professor Chenoll já corrigiu os exames. Medo!”. 11h20: entro no meu email e reparo que não era nem a Fátima nem o professor Chenoll, mas sim a professora Adriana. Começo a ler: “cara Susana (...)”. Acabo de ler: fui aceite para estagiar em Madrid, durante dois meses, na agência EFE. Foi assim que, em menos de dez dias, fiz as malas, arranjei casa, comprei viagem e vim para Madrid. Agora, aqui estou eu. Estou no país das tapas, com uma hora de diferença comparativamente com Portugal, a viver numa cidade totalmente diferente, onde o mar (a que estou tão habituada, como devem calcular) fica a quatro horas ou mais. O calor? Garanto que vão saber o que é o verdadeiro calor quando viverem numa cidade onde a noção mais próxima de “praia” ou “mar” para se refrescarem são os trezentos banhos que tomam por dia, os lagozinhos dos parques ou então, se tiverem sorte, as piscinas comunitárias (mais baratas) que vocês conhecerem. Todo o meu dia a dia mudou sabem? Todo. Primeiro de tudo, tive imensa sorte por, em apenas uma semana e tal, conseguir arranjar uma casa que até está bastante bem localizada, tanto em relação ao trabalho como em relação ao centro de Madrid. Segundo, tive ainda mais sorte por ter a Bárbara Matos, nossa colega de curso e que esteve a fazer Erasmus em Madrid, ainda aqui estar e ajudar-me a conhecer todos os cantos e recantos desta cidade linda que me deixa encantada. A Bárbara deu-me a oportunidade de conhecer um bocadinho do seu “mundo de Erasmus” e, graças a isso, conheci várias pessoas de diversos recantos do mundo. Como se não bastasse, foi um pilar para mim, um apoio, um suporte, de tal modo que garanto que saio de Madrid com uma grande amizade. Sem dúvida, esse “regalo” foi dos melhores regalos que esta experiência me trouxe. Estou aqui há três semanas e digo, tem sido uma experiência atribulada...

Agora sou senhora do meu nariz. Tenho contas a pagar e compras para fazer. Roupa para lavar e comida para cozinhar. Trabalho para realizar e, obviamente, turismo para fazer. Tudo isto numa cidade onde nunca antes tinha estado, que nunca antes tinha visitado ou sequer vivido! Além disso, estou constantemente a falar outra língua, estou constantemente a conviver com pessoas que têm uma cultura e um modo de estar e ser totalmente diferentes do meu. Paralelamente, vêm as saudades... Óbvio que fazem parte, mas, às vezes, a nostalgia vem sem hora marcada e fica, durante um bom bocado, para me deixar melancólica. Sabem, deixar de estar todos os dias com a nossa família, com a querida mãe que faz a comidinha, e estar constantemente com outras pessoas que não só falam outra língua como não são as pessoas com quem estou habituada a estar... Tudo isto, assim, muito rapidamente se tornou o meu novo dia-a-dia. O mais difícil é ter noção da distância, noção de que não estás no Algarve ou no Alentejo, mas sim em Madrid, em Espanha, a fazer um estágio. Isto tudo faz-me sentir uma pessoa “grande”, sabem? Sinto que sou adulta e tenho responsabilidades, mas responsabilidades a sério! Pensar nisso, por vezes, assusta-me. Ao mesmo tempo, estou a viver uma emoção total. A conhecer tanta gente nova e diferente, a movimentar-me por outras ruas e a ver outras histórias! Tudo tão rápido e tão intenso. Posso dizer que vivo num turbilhão de sentimentos, tanto positivos como negativos, que retiro coisas boas como retiro coisas más. É uma mezcla (mistura, em espanhol) que me deixa, por vezes, assustada, com a cabeça às rodas e, simultaneamente, me faz sentir corajosa. Tem sido fácil? Não, de todo. Contudo, posso dizer que retiro daqui muitas aprendizagens e, acima de tudo, apercebi-me do quanto me fez crescer. Fez-me lutar mais pelo que quero fazer, pela minha carreira e por mim, como pessoa. Saio de Madrid uma pessoa mais rica, porque tive a (in)felicidade de vivenciar e observar estilos de vida totalmente diferentes daqueles que preenchem a minha zona de conforto. Voltaria a repetir? Provavelmente, sim. Mudaria alguma coisa? Sem dúvida que sim. Acima de tudo, vivo mais uma hora no meu dia e essa hora é dedicada a isto mesmo, a esta luta em querer adorar e, ao mesmo tempo, a não suportar certas diferenças. Destas 25 horas, posso dizer que cresci muito e vivi muito. Fui corajosa e aventurei-me sem pensar duas vezes, e isso… Isso ninguém me pode negar. Susana Santos

Texto escrito com o Novo Acordo Ortográfico


CULTURA

42

«Diz-me porque não nasci igual aos outros, sem dúvidas, sem desejos de impossível? E é isso que me traz sempre desvairada, incompatível com a vida que toda

a gente vive»

Florbela Espanca Desenho por André Maia

[Ultimate] Playlist do... Pontivírgula Direcção: Patricia Fernandes: “Let’s Dance”, David Bowie Joana Cavaleiro: “No Surprises”, Radiohead Redacção: Alexandra Antunes: “Fim da Canção”, Ornatos Violeta Alexandra Nogueira: “Cheerleader”, OMI Catarina Félix: “505”, Arctic Monkeys Dina Teixeira: “Are You With Me”, Lost Frequencies Francisco Bruto da Costa: “Cigarettes and chocolate”, Chet Faker Guilherme Tavares: “Gente que não lê”, Rui Veloso Inês Amado: “The House of the Rising Sun”, The Animals Inês Cruz: “The Wolf”, Mumford & Sons Inês Linhares Dias: “Gloria”, Patti Smith Joana Contreiras: “I See Fire”, Ed Sheeran Joana Santos: “Cheerleader”, OMI Karla Pequenino: “Gentlemen aren’t nice”, Emilie Autumn Madalena Gil: “Wake Up”, The Capitols Manuel Cavazza: “Cidade São Tomé”, Africa Negra Margarida Alfeirão: “Intro”, The XX Maria Manuel de Sousa: “Raggamuffin”, Selah Sue Mariana Fidalgo: “Happiness”, IAMX Sara Plácido: “Dear Future Husband”, Meghan Trainor Susana Santos: “The Love You’re Given”, Jack Garratt

Colunas: Michelle Tomás, Actualidade: “Caminho de voltar”, Tiago Bettencourt Mariana Leão Costa, Lifestyle: “Empire State of Mind”, Alicia Keys feat. Jay-Z Catarina Veloso, Moda: “Runaway”, Kanye West Daniela Ribeiro de Brito, Desporto: “Firestone”, Kygo Diogo Barreto, Música: “Canção do Engate”, António Variações Inês Sousa Almeida, Séries: “Stairway to Heaven”, Led Zeppelin João Marques da Silva, Cinema: “Sempre que brilha o sol”, Marco Paulo Mitchel Martins Molinos, Gaming/Internet: “Pegasus Fantasy”, Make Up Pedro Pereira, Literatura: “All Your Gold”, Bat for Lashes Design: Daniela Trony: “Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins)”, Father John Misty



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.