Pontivírgula Edição janeiro

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EDITORIAL EDIÇÃO ESPECIAL: Ficha Técnica Diretora: Catarina Veloso Vice-Diretora: Inês Linhares Dias

Redação Alexandra Antunes Ana Silvestre Andreia Monteiro Diogo Barreto Diogo Oliveira Gabriela Moura Inês Amado João Torres Madalena Gil Mariana Pereira Martins Omar Prata Patrícia Fernandes

Design Catarina Veloso Daniela Trony Miguel Brito Cruz

Capa Miguel Brito Cruz Contacto: jornal.pontivirgula@gmail.com Blog: https://jornalpontivirgula.wordpress.com/ Jornal redigido com o Novo Acordo Ortográfico, salvo quando indicado.

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Janeiro é o mês de resoluções e novos planos. O início do ano marca o começo de uma nova etapa com objectivos e metas a cumprir; é o símbolo da prosperidade e da esperança. Com os olhos postos no futuro, mas sempre carregando a bagagem do passado, a edição de Janeiro do Pontivírgula é especial: uma retrospectiva do ano de 2015. Normalmente, os jornais são a fonte de informação que visa divulgar os acontecimentos mais recentes. Mas, desta vez, o nosso Jornal decidiu parar e pensar no que de mais importante aconteceu. Como alunos de comunicação social, é necessário entender o que reportamos, mas também ter uma opinião própria, formada e sustentada sobre a actualidade. O exercício que nos permite agilizar o pensamento é a reflexão. Deste modo, demos liberdade total à nossa redacção. Cada elemento escolheu um mês, seleccionou um momento particular ou resumiu os pontos mais importantes do mesmo sob a forma de um texto de opinião. A edição especial de Janeiro permite-nos fazer uma viagem ao passado recente, abordando variados temas que caracterizaram a actualidade de 2015: é impossível fugir ao terrorismo que vitimou milhares de seres humanos de todo o mundo, levado a cabo pelo auto-proclamado Estado Islâmico, pelo Boko Haram ou pela Al-Qaeda. Este foi o tema preponderante do ano passado, ao lado da migração em massa dos refugiados. Ao longo dos textos, percorremos vários acontecimentos: desde a tragédia do Charlie Hebdo ao anúncio de que Kanye West irá concorrer à presidência dos EUA, em 2020. Demos principal destaque à morte do realizador Manoel de Oliveira, em Abril, à morte de Aylan Kurdi, em Setembro, e à adopção de crianças por casais homossexuais, em Novembro. Por fim, ao entrar no novo ano e apanhados de surpresa, não poderíamos deixar de homenagear um dos maiores artistas do mundo da música, David Bowie, que faleceu a 10 de Janeiro de 2016, vítima de cancro. Boas Leituras e Bom Ano Catarina Veloso *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico



JANEIRO

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Um Janeiro Tumultuoso Diogo Barreto O primeiro dia de 2015 foi uma quinta-feira. Na quinta-feira seguinte, dia 8, soldados do Boko Haram já tinham matado mais de 2000 pessoas. Os massacres foram perpetuados em Baga, na Nigéria, entre 3 e 8 do primeiro mês do ano. A comunicação feita pelo Ministério da Defesa nigeriano declarava que não tinham morrido mais de 150 pessoas, havendo até membros do governo que desmentiram o massacre. Numa declaração após os ataques, o líder do Boko Haram, Abubakar Shekau afirmou que o grupo jihadista continuaria a crescer. E, durante o resto do ano, daria provas disso mesmo.

“Numa declaração após os ataques, o líder do Boko Haram, Abubakar Shekau afirmou que o grupo jihadista continuaria a crescer.” No penúltimo dia de massacre – dia 7 –, a Europa via uma nuvem cinzenta cair sobre si, quando foi informada sobre ataques ao jornal satírico Charlie Hebdo. Dois homens mascarados entraram dentro da redacção e assassinaram onze pessoas, ferindo outras onze que se encontravam no prédio. Mais tarde foi estabelecida uma relação entre os assassinos e o grupo terrorista Al-Qaeda. O estado-sítio foi emitido em França, com as fronteiras a serem fechadas e começada uma caça aos assassinos, que terminou com a morte dos mesmos, no dia 9 de Janeiro. No dia 11, mais de quatro milhões juntaram-se para velar os mortos, um pouco por toda a França, havendo outras manifestações de apoio por todo o mundo. O hashtag “Je suis Charlie” tornou-se viral e um símbolo de manifestação política para outros eventos e acontecimentos. No dia 14 de Janeiro, o jornal lançou uma nova edição – com mais exemplares de sempre, desde o início da publicação –, em que mostrava o profeta Maomé a segurar um cartaz onde se pode ler “Je suis Charlie”. Os cartoonistas podem ter morrido, mas não a irreverência.

© The Guardia via AFP

A Lituânia adoptou o Euro como moeda, acabando com as litas, moeda utilizada desde 1922, após a invasão alemã na II Guerra Mundial, que instituíra a sua moeda – o marco. Passados tantos anos, voltam a partilhar a moeda, mostrando não haver ressentimentos, é comovente.

“O estado-sítio foi emitido em França, com as fronteiras a serem fechadas e começada uma caça aos assassinos, que terminou com a morte dos mesmos (...)”

No dia 18 de Janeiro, um ataque aéreo por parte de Israel matou sete membros do Hezbollah, em território sírio. Dez dias depois, o grupo militar islamita retaliou, lançando um míssil junto da fronteira do Líbano, matando dois soldados israelitas. Estes responderam com uma série de ataques terrestres e aéreos, que resultaram numa casualidade confirmada. No fim do mês, ambas as partes afirmaram não ter interesse num conflito.


JANEIRO

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Um Janeiro Tumultuoso Diogo Barreto

© IMDb

A 30 de Janeiro morreu o rei Abdullah da Arábia Saudita. Responsável pelo fortalecimento das relações entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos da América e o Reino Unido, a aprovação da lei que permitiu às mulheres do seu país participarem nos jogos Olímpicos, manteve o seu cargo durante a Primavera Árabe. Foi acusado de fazer os seus súbditos viverem sobre as leis estritas da Sharia, permitindo amputações e decapitações e tendo aumentado bastante o arsenal do país. Quem lhe sucedeu no trono foi o seu meio-irmão, o Príncipe Salman. Talvez seja desta que a Arábia Saudita se torna mais liberal. Façamos figas! Benjamin Clementine lançou um dos melhores discos do ano, Ty Segal lançou ainda mais um disco, Björk editou Vulnicura, o concerto do Miles Davis em Berlim no ano de 1960 foi lançado, os Viet Cong lançaram o seu primeiro disco e Kanye West, Paul McCartney e Rihanna lançaram um single em conjunto. Nada mau para começar o ano – sem contar com a parte do Ty Segal!

“Foi acusado de fazer os seus súbditos viverem sobre as leis estritas da Sharia, permitindo amputações e decapitações e tendo aumentado bastante o arsenal do país.” No cinema vimos nas nossas salas o filme Selma sobre a campanha do Dr. Martin Luther King Jr., Inherent Vice de Paul Thomas Anderson, Taken 3 – vá lá, Liam, já chega! –, Clint Eastwood mostrou-nos o seu Sniper Americano e vimos Julian Moore a tentar continuar a ser Still Alice. Já estreámos Janeiro de 2016. E, até agora, com a morte de Bowie e a série de ataques que já aconteceram este ano, não me parece que para o ano o meu texto seja muito mais positivo do que este. *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


FEVEREIRO

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LLAP Madalena Gil Disseram-me uma vez que o mês de Janeiro era o mês da ressaca e que o ano só começava verdadeiramente em Fevereiro. Se assim é, 2015 começou da forma mais contraditória: com a maior festa de Hollywood e ataques à vida humana. Após a tragédia na redacção do Charlie Hebdo, o auto-intitulado Estado Islâmico continuou os seus ataques ao longo de mais territórios. O Daesh, como entretanto fomos ensinados a descrever esta organização, fez-se sentir no lançamento de uma gravação de vídeo em que é mostrado um piloto jordano a ser assassinado e queimado vivo. Este acto fez com que o governo da Jordânia entretanto matasse uma terrorista, como resposta.

“O Daesh, como entretanto fomos ensinados a descrever esta organização, fez-se sentir no lançamento de uma gravação de vídeo em que é mostrado um piloto jordano a ser assassinado e queimado vivo” O grupo de terroristas fanático pela leitura literal do livro sagrado do Islão, o Corão, no seu ataque seguinte, porém, cingiu-se à fé oposta. Assim, no dia 15 deste mês, um grupo de 21 cristãos foi decapitado em directo na Líbia. Este tipo de ataques no Médio Oriente fez-se sentir na Europa com ataques contra uma sinagoga e um café na capital dinamarquesa, Copenhaga. Este tipo de atitudes anti-semitas também se testemunhou na Grã-Bretanha com manifestações neo-nazis nas comunidades judaicas, sendo Stamford Hill um exemplo, mesmo sabendo que se trata de uma comunidade de judeus ortodoxos. Mais uma vez, é importante referir a diferença entre simples fiéis das diversas fés, ortodoxos e fanáticos. A ortodoxia nas religiões é a prática conservadora de ideais religiosos, enquanto os fanáticos, um termo que se junta muitas vezes com o conceito de terrorismo, defendem a prática literal de ideais religiosos, não respeitando as outras religiões, chegando a criar uma aversão às mesmas.

© Observador

Também é importante distinguir as várias religiões que existem, mas se não as souber distinguir, pelo menos respeite-as. Uma religião não controla o seu impacto na sociedade, são os fiéis que o fazem e, como tal, deve-se ter em atenção situações em que a religião faz o homem, e o homem faz a religião.

“Uma religião não controla o seu impacto na sociedade, são os fiéis que o fazem (...)” No fim do mês recebemos mais uma notícia triste. Leonard Nimoy morre com 83 anos. O actor que nos trouxe o Vulcano/Humano, comandante da USS Enterprise, que vivia um conflito entre a sua racionalidade e os seus sentimentos. O actor que ficou conhecido através deste franchise ainda mantinha a sua presença nas redes sociais, principalmente no twitter e acabava cada mensagem com LLAP (Live Long And Prosper), uma clara homenagem ao famoso Spock.


FEVEREIRO

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LLAP Madalena Gil Separando as estrelas da terra das do espaço, por aqui, as terráqueas, celebraram a sétima arte. Neste ano foi no Dolby Theatre que nomearam Birdman como o filme do ano, um filme que pode tanto levar o espectador numa visita pelo mundo das artes, e pelo mundo interior que atormenta os actores, como o contrário. Aliás, é esta mesma beleza da incerteza do significado de um filme e como este é levado às pessoas, se é imposto ou não por um crítico, ou se é discutido num café com amigos amigavelmente, que faz com que o cinema seja um tema de conversa recorrente nas nossas vidas.

“Mais um momento único e singular de autoria de Kanye West, o artista que vai ser presidente dos Estados Unidos da América em 2020 (...)”

“(...) nomearam Birdman como o filme do ano, um filme que pode tanto levar o espectador numa visita pelo mundo das artes, e pelo mundo interior que atormenta os actores (...)” No fim, os filmes que se destacaram e de que as pessoas se vão lembrar mais tarde vão ser os nomeados. Não interessa os que ganham, ou os que perdem, pois ao fim ao cabo o que os Óscares fazem é imortalizar uma obra para futuros espectadores. E agora, voltando às estrelas que estão em cima de nós, recordamos um pequeno pormenor digno de um episódio do Cosmos. E se este episódio já foi feito, temos de o ver quanto antes. Foi descoberto um novo planeta anão, Ceres, que foi sobrevoado pela primeira vez pela NASA. Este planeta, um companheiro para Plutão que nunca deixámos de classificar como planeta, também passou por tempos difíceis, tendo já sido apenas reconhecido como um asteróide.

“Foi descoberto um novo planeta anão, Ceres, que foi sobrevoado pela primeira vez pela Nasa”

© CNN

Mas não esquecendo a minha premissa de que o ano só começa em Fevereiro, não posso deixar de fora um momento-chave da cultura pop. Mais um momento único e singular de autoria de Kanye West, o artista que vai ser presidente dos Estados Unidos da América em 2020, se tudo correr… Bem? Mal? Esse é o problema dos nossos “eus” do futuro. West interrompeu Beck no seu discurso quando venceu o seu Grammy de melhor álbum do ano. Claro que o problema foi resolvido com umas flores, umas citações para revistas e telefonemas privados. Mas sinceramente, o que seria de um ano sem uma aparição de Kanye? Só temos de agradecer de ter sido em Fevereiro. Logo para começar bem um ano novo. *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


MARÇO

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Não há título para Março Alexandra Antunes Então, pah, o que marcou o terceiro mês de 2015?! A resposta é lógica: no dia 3 de Março, esta vossa aspirante a jornalista que se dedica à coluna de Literatura do fantástico Pontivírgula fez 20 anos! Querem coisa mais importante?! Pronto, agora falemos a sério. Vamos lá ver: desgraças não faltam neste mundo, qualquer que seja a época do ano. Mas também não podemos exagerar: nem só de desgraças viveu Março. Façamos uma breve visita a alguns acontecimentos, por ordem cronológica. A 13 de Março, o Papa Francisco proclamou o Jubileu dedicado à Misericórdia, pelo que, de 8 de Dezembro até 20 de Novembro de 2016, a Igreja Católica vive um Ano Santo. Com o objectivo de mostrar que a Igreja tem as suas portas abertas a todos, um dos símbolos deste Jubileu é a chamada “Porta Santa” ou “Porta de Misericórdia”, presente nas principais igrejas de cada Diocese e nos Santuários, a nível mundial. Já que falamos nisto, aconselho a visitar, em Lisboa, a lindíssima igreja de S. Roque, entrando pela porta que só estará aberta durante este ano.

“Com o objectivo de mostrar que a Igreja tem as suas portas abertas a todos, um dos símbolos deste Jubileu é a chamada “Porta Santa” ou “Porta de Misericórdia”, presente nas principais igrejas de cada Diocese e nos Santuários” No que toca ao já habitual cenário de atentados, a 18 de Março ocorreu um ataque no Museu Nacional do Bardo, na Tunísia, resultando em 19 vítimas mortais e mais de 40 feridos. Novamente, as contas do Twitter de membros do Estado Islâmico foram inundadas de alegres mensagens a respeito do massacre, alegando que os tunisinos deveriam seguir os princípios islâmicos. Só me ocorre perguntar uma coisa: mas onde anda a alegria no meio de uma coisa destas? Então, vamos matar pessoas inocentes? São estes episódios que nos levam, cada vez mais, a perder a fé na Humanidade.

© Público

Mas falando noutro assunto… Quem não viu a Internet inundada de avisos acerca do eclipse solar total, visível em toda a Europa no dia 20 de Março? Embora não tenhamos ficado totalmente às escuras, foi possível vê-lo. Confesso, eu fui a correr para o C8 da Faculdade de Ciências, só porque precisava de roubar uns ridículos óculos para me vangloriar de ter visto tal fenómeno que só volta a acontecer daqui a uns anos. Então e o dia 21 de Março? Se vos perguntar o que aconteceu, possivelmente só me vão dizer que estou enganada, porque, realmente, a Primavera começou no dia anterior e eu só devo estar a fazer confusão. Não, lamento! Nas palavras de O’Neill, é o dia das “rimas que/tão bem desfecham e que/são o pão de ló dos tolos”. Pois é, meus amigos, é o dia da Poesia! Agora prometam-me que não se esquecem mais, vá!

“Nas palavras de O’Neill, é o dia das «rimas que/tão bem desfecham e que/são o pão de ló dos tolos»”


MARÇO

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Não há título para Março Alexandra Antunes Neste contexto, é importante destacar a morte daquele que frequentou o Café Gelo, juntamente com Cesariny e Luiz Pacheco – o poeta que recusava fotografias e entrevistas para se entregar às palavras: a 23 de Março morreu Herberto Helder. Deixo a sugestão de leitura de “Poemas Canhotos”, o seu último livro de poesia.

Já a 27 de Março, começou-se a ouvir que Portugal iria acolher refugiados da Síria e da Líbia, no âmbito do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração. Ok, pânico geral a instalar-se! Então e se recebemos terroristas? E se vêm para cá arranjar problemas? E porque raio é que o Governo apoia os de fora e pouco ou nada faz pelos sem-abrigo que andam pelas nossas cidades? Lá vem a velha história: só olhamos para os outros! E, por falar em coisas potencialmente perigosas, também neste dia passou perto da Terra – a cerca de 11 vezes a distância entre o nosso planeta e a lua – um asteróide com quase um 1 km de diâmetro. Falso alarme, meus queridos, ainda cá estamos!

A 24 de Março, caiu um avião no sul dos Alpes franceses, com 150 pessoas a bordo. A queda deste avião, um Airbus A320 da companhia aérea alemã Germanwings que fazia a ligação entre Barcelona e Düsseldorf, foi atribuída inicialmente a uma falha mecânica e, mais tarde, ao copiloto que terá alterado propositadamente o sistema de orientação do avião. Este Embora seja importante recordar o que foi o segundo acidente aéreo do ano. Acredito aconteceu neste mês, desculpem-me, mas a que, uma dezena de acidentes depois, muitos minha maior função neste jornal é falar de Literatura e não me vou embora sem dizer mais andem por aí a recusar “ir pelos ares”! duas ou três coisas! Sabiam que, em 2015, fez 80 anos que Pessoa disse, para terminar a sua “Ok, pânico geral a instalar-se! genial existência, a frase “Tragam-me os meus Então e se recebemos terroristas? óculos”? E Saramago fez 93 anos – sim, estará sempre vivo enquanto alguém ler as suas obras! E se vêm para cá arranjar Ah, e a Assírio e Alvim publicou a tradução de problemas? E porque raio é que o “Hamlet”, da Sophia de Mello Breyner Andresen. Há por aí uma pessoa amorosa que me ofereça Governo apoia os de fora e pouco prenda? Não têm desculpas… Março está ou nada faz pelos sem-abrigo que uma quase aí, novamente!

andam pelas nossas cidades?”

© Sapo

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


ABRIL

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Abril de luto, mas com vontade de cinema Andreia Monteiro

© SIC Notícias

A 2 de Abril vimos partir o realizador cinematográfico mais velho em actividade de todo o mundo. Manoel de Oliveira faleceu com 106 anos e trabalhou até aos 105, perfazendo 32 longas-metragens. O seu maior desejo era “continuar a fazer filmes até à morte”.

“Porém, o realizador tinha um olhar de lince e o espírito lutador de quem não se acomoda ao seu tempo.”

João Bénard da Costa, entre outras coisas crítico de cinema, afirmou que Manoel de Oliveira era o único equivalente a Fernando Pessoa, na cultura portuguesa do século XX. O que faz deste cineasta um marco português? Foi um homem que atravessou a história do cinema: o único que assistiu à passagem do mudo ao sonoro, do preto e branco à cor. A sua obra inicia-se em 1931 com a apresentação de Douro, Faina Fluvial e termina em 2014 com a curta-metragem O Velho do Restelo. No total somam-se 83 anos de uma carreira activa e inovadora, que não temia correr riscos. A longevidade de Manoel de Oliveira torna-se meritória pela forma espantosa como foi preenchida. Ignorando quaisquer obstáculos ou sinais de envelhecimento, foi sempre um homem sem limites na criatividade e energia. Com a mudança dos tempos e constantes inovações tecnológicas podia se esperar que o seu trabalho ficasse desenquadrado. Porém, o realizador tinha um olhar de lince e o espírito lutador de quem não se acomoda ao seu tempo. Os seus filmes transportam inovação e sentido de propósito movidos pela imensa vontade de filmar, pela imensa vontade de fazer cinema.

As suas últimas longas-metragens (Singularidades de uma Rapariga Loura, O estranho Caso de Angélica e O Gebo e a Sombra) surpreendem-nos pelo seu arrojo e beleza. Todas elas são obras que implicam juventude e comunicação com as novas tecnologias digitais. Embora Oliveira se soubesse adaptar à rápida evolução do mundo, este sempre fez filmes pessoais não regidos por normas comerciais ou artísticas. Por isso, a sua relação com o público é antagónica. A partir dos anos 80 torna-se inevitável o seu reconhecimento enquanto emblema do mundo cinematográfico, mas muitas vezes o seu trabalho era detestado ou desinteressava a ideia que o público tinha do cinema e do que esse mundo representava. Isto foi visível nos seus últimos filmes que tiveram elevadas quebras de público – o drama e indignação causados por uma sociedade demasiado acomodada à inércia de pensamento para apreciar e explorar uma obra que se demarca e reflecte outros olhares. Nas palavras de Manoel de Oliveira, “uma saturação de signos magníficos banhados na luz da sua ausência de explicação” são a substância do seu cinema, desde o início.


ABRIL

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Abril de luto, mas com vontade de cinema Andreia Monteiro Os seus filmes foram muitas vezes considerados literários, principalmente O Amor de Perdição, em que temos a sensação de que em cada cena assistimos ao virar de uma página. Mas eram precisamente o contrário, na medida em que não expõem a literatura, mas sim o cinema. A sua obra é a constante análise e reflexão da sociedade, história e cultura portuguesas. Na evolução dos seus filmes podemos testemunhar tanto a aristocracia do século XIX, como os camponeses da aldeia da Curalha ou a Expo-98.

“O que mais há a louvar neste homem, a meu ver, é a incontornável convicção e paixão pela cultura portuguesa. Contrariamente ao corrente desligamento do saber e da matéria rica que temos ao nosso dispor para estimular o pensamento humano, Oliveira manteve-se sempre fiel às suas convicções.”

O que mais há a louvar neste homem, a meu ver, é a incontornável convicção e paixão pela cultura portuguesa. Contrariamente ao corrente desligamento do saber e da matéria rica que temos ao nosso dispor para estimular o pensamento humano, Oliveira manteve-se sempre fiel às suas convicções. Não se preocupou com o número de vendas de bilheteira nem em enquadrar-se num mercado que rumava, cada vez mais, noutra direcção. Talvez por isso representasse Portugal como ideia frustrada, assim como o amor. Atentava sempre manterse fiel a si próprio e em perpetuar a cultura e aquilo em que acreditava. Nunca deixou de nos dar aquilo que considerava ser de qualidade. Por isso, filmou Camões, Camilo, Eça e Agustina – nomes que jamais serão esquecidos pela sua mestria. Ilustrou variadas temáticas, envoltas em voltas e reviravoltas, no inesperado e no mistério. Como disse o próprio, todos os seus filmes são religiosos e em todos se vê o mistério da religião e a relação entre sagrado e profano. Em Abril de 2015 uma câmara que teimava em trabalhar eternamente apagou-se, mas o cineasta português jamais se apagará das linhas da história com a sua inquestionável vontade de cinema.

Equipa do filme Amor de Perdição no final dos anos 70

© Blog Teoria do Tudo e Nada

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


MAIO

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A Maio Subtraio João Torres

© WikiCommons

Um ano é um ano. É o desconhecimento de uma subjectividade temporal, previamente estabelecida e fornecida em pequenas fatias pares para simplificar a existência humana. Da mesma maneira, a carga simbólica que este acarreta é mais que muita, e a afirmação da nossa interpretação da mesma é uma permuta. Os pequenos homens que o tempo nos deixa fazem com que reflitamos sobre a nossa vivência. Sem aviso e sem compromisso, planeamos estratégias pessoais e profissionais numa superfície esguia e turva. Tudo nos afecta, mas nada nos projecta. Maio de 2015 passou, o mundo girou, e tanto nada quanto tudo mudou. Atenda-se aos circunstancialismos do mesmo fenómeno, em cada período individual de tempo, e podemos ponderar uma definição básica do percurso de vida de um ser humano.

“Há cerca de 5 anos que vivemos numa sociedade global: o registo civil é o Facebook; o nosso status social é representado pelo Instagram e o nosso intelecto expressa-se no Twitter (...)”

Há cerca de 5 anos que vivemos numa sociedade global: o registo civil é o Facebook; o nosso status social é representado pelo Instagram e o nosso intelecto expressa-se no Twiter, Tumblr e afins. Esta ocorrência levou a uma banalização da sensibilidade humana por contacto constante – mas futilizado – com as maiores atrocidades de que se tem conhecimento. No mês de Maio, assistimos a uma tragédia levada a cabo pela força da mãe natureza. Um terramoto no Nepal, com uma magnitude de 7.3 na escala de Ritcher, levou à morte de mais de duas centenas de pessoas. Transversalmente, desastres destes são “publicitados” nos nossos ecrãs privados numa base diária. A facilidade do scroll ou do swipe é o que nos masturba o ego – uma possibilidade única de brincarmos aos deuses, e de acharmos que os nossos interesses são prioritários face à mesma realidade. A complexidade da vida desvia para o individualismo, somente nós conhecemos o propósito e como lá chegar. No entanto, a negligência com que nos informamos é mais que muita. Não falo exclusivamente de indiferença, mas de pretensiosismo. A insignificância pessoal e a ignorância dos consumidores de informação, estilo fast food, assim o exemplificam.


MAIO

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A Maio Subtraio João Torres A constante positiva do tempo é o progresso. Refiro-me ao progresso de mentalidades. A tendência é sempre o alargamento. Por vezes disfarçado de moda ou de politicamente correcto, esse desenvolvimento (sim, desenvolvimento) alastra-se como crude na água. Mesmo assim, a felicidade intrínseca a retirar do resultado justificará o propósito. Na Irlanda o casamento homossexual foi legalizado. Foi o primeiro país, onde a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi aprovada por sufrágio. Fora das correntes administrativas do Estado e longe dos interesses do mesmo, podemos tomar este acontecimento como um exemplo ilustrativo. Foi deveras importante que o país tivesse conhecimento da opinião geral da sua população, que se revela progressista e de certa maneira apaziguadora. Abstenho-me de tecer pareceres ou compilações de argumentos feitos. Simplesmente torna-se factual o avanço de mentalidades e a aceitação de realidades. Quer tenhamos uma percepção rigorosa, quer confiemos cegamente nos ideais de alguém influente, ou mesmo porque a mãe assim nos disse hoje ao almoço. A viagem é sempre em frente e não nos preocupemos com traços contínuos.

Vidas circulam como agulhas nos santuários de Harlem. A lágrima derramada pelo falecimento de um ente querido escorre até à face de um recém-nascido no outro lado do globo. O milagre da vida e a foice da morte são tão aceites quanto contestados. No mês de Maio de 2015, nasceu a princesa Charlotte de Cambridge. Todo um novo ser de possibilidades infinitas, cujo percurso estará já parcialmente definido. Assim como este, inúmeros casos se repetem. Estes têm o dever e o poder de traçar o próprio trilho, não obstante valores e ideais inerentes à personalidade. Doze dias depois, B.B King tocou o seu último acorde. O músico lendário deixou uma herança incontestável no mundo da música: influenciou músicos, personalidades e ideias. Ao fim e ao cabo, exponenciou traços psicológicos na nossa raça. E não será, porventura, esse o objectivo? O tempo toma conta de nós e, assim como nos imortaliza numa fracção de segundo, consome-nos para a eternidade. A Maio subtraio, a ti te acrescento, a mim me igualo.

“A Maio subtraio, a ti te acrescento, a mim me igualo.””

© Charlie Gillett Redferns, Getty Images

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


JUNHO

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Um olhar sobre Junho de 2015 Inês Amado Em Portugal, no dia 10 de Junho, celebrámos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. As comemorações do feriado, que variam de local e de ano para ano, em 2015 tiveram lugar em Lamego, onde três dezenas de personalidades – professores, cientistas, empresários e políticos - foram condecoradas pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Junho é, também, o mês das festas dos Santos Populares, das noites de São João, São Pedro e Santo António e, por adição, do consumo das tão apreciadas sardinhas nas noites de festa. A título de curiosidade, estima-se que, em Portugal, são consumidas 13 sardinhas por segundo em Junho, numa média de 35 milhões de sardinhas no mesmo mês, segundo informação do Instituto Português do Mar e da Atmosfera. Destaque para a corrida de Santo António, no dia 6 de Junho, que moveu milhares de pessoas ao longo de 10 quilómetros e, também, para a Lisbon Eco Marathon, uma prova realizada no dia 20, no Parque de Monsanto.

© Charlie Hebdo

“É uma pena que acontecimentos marcantes de que tanto falamos se desvaneçam no tempo e não sejam relembrados a não ser em livros de História de gerações que ainda hão-de chegar.”

Em Junho “nasce” o sol do dia mais longo do ano. Em Junho começamos a fruir das aprazíveis noites de Verão. É o mês das vermelhas e carnudas cerejas, que pendem delicadamente na árvore como se quisessem facilitar a colheita. Junho marca o meio do ano, o encerrar de uma temporada e o abrir de outra.

Assistimos, no mês de Junho, às polémicas convocações de greve e consequentes paralisações nos serviços de transporte do Metropolitano de Lisboa. No dia 24 de Junho, também a contestada venda da TAP foi concretizada com a assinatura do contrato de privatização da companhia aérea portuguesa.

Perdemos o rasto de Junho de 2015, e de tantos outros meses que portam o nome em homenagem à Deusa Juno da mitologia romana. É uma pena que acontecimentos marcantes de que tanto falámos se desvaneçam no tempo e não sejam relembrados a não ser em livros de História de gerações que ainda hão-de chegar. Digo acontecimentos como quem diz pequenas ocorrências, festas, discursos, aspectos interessantes e singulares da nossa cultura e tradição.

“No dia 25 de Junho, também a contestada venda da TAP foi concretizada com a assinatura do contrato de privatização da companhia aérea portuguesa.”


JUNHO

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Um olhar sobre Junho de 2015 Inês Amado

© Exekuo

No campo desportivo, é impossível não destacar a saída de Jorge Jesus do Benfica para o Sporting, numa troca tida como desleal para os adeptos do clube da Luz. Com um Benfica “atraiçoado”, a inquietação aumentava à medida que surgiam os rumores sobre os possíveis treinadores a escolher por Luís Filipe Vieira. Rui Vitória foi o feliz contemplado para comandar a equipa bicampeã nacional, numa pesada responsabilidade na luta pelo terceiro campeonato consecutivo e 35.º do palmarés do Benfica. É de salientar que Rui Vitória tinha ganho a Taça de Portugal à equipa de Jorge Jesus, pelo Vitória de Guimarães, dois anos antes. Surgiu, assim, um histórico duelo entre técnicos que faz parte de uma conjuntura invulgar do futebol português. Junho de 2015 foi o mês mais quente dos últimos dez anos, e o quinto mais quente desde 1931 em Portugal.

“No final de Junho, nos Balcãs, Alexis Tsipras pediu um novo resgate financeiro por mais dois anos e a reestruturação da dívida.”

Em Junho, o Papa Francisco apresentou a encíclica climática na qual apela à responsabilidade de todos na protecção do planeta, “que está a ser destruído”, alertando para o actual ritmo de “consumo, desperdício e alteração do meio ambiente”, sendo imprescindível “honestidade, coragem e responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes”. Uma carta relevante, que dificilmente se consegue ignorar num momento em que Stephen Hawking fala da fatalidade e autodestruição da humanidade. No final de Junho, nos Balcãs, Alexis Tsipras pediu um novo resgate financeiro por mais dois anos e a reestruturação da dívida. Simultaneamente, os gregos foram surpreendidos por uma campanha de crowdfunding e pela generosidade de milhares de cidadãos que se mobilizaram para angariar os 1,6 mil milhões de euros de dívida ao FMI, caso cada europeu doasse três euros. O valor não foi angariado, pelo que o objetivo não se efectivou. Atravessando as margens do Atlântico, Jeb Bush, um dos irmãos de George W. Bush, apresentou no dia 15 de Junho a sua candidatura às Presidenciais dos Estados Unidos da América. Começamos agora a avistar o baço início de Junho de 2016… *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


JULHO

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o “passeio” dos campeões

Diogo Oliveira Para Julho, uma passagem pelo Desporto. O mês 7 traz-nos 7 acontecimentos importantes. 1- Sem espinhas! No All-England Club, em Londres, tivemos o terceiro dos quatro Grand-Slam do ténis. Na relva de Wimbledon, mandaram Novak Djokovic e Serena Williams, os dois “papões” do ténis mundial. No quadro masculino, “Djoko” defendeu o título de 2014 e venceu Roger Federer na final, após um torneio quase perfeito. No quadro feminino, Serena Williams venceu em Wimbledon pela sexta vez, após um percurso que foi uma enorme demonstração de força: até à final, teve de derrotar a sua irmã Venus Williams, Maria Sharapova e Victoria Azarenka, figuras de topo do ténis mundial.

“Na relva de Wimbledon, mandaram Novak Djokovic e Serena Williams, os dois “papões” do ténis mundial” 2 – Em França, sê Britânico. Na Volta a França, mandou Chris Froome. Nairo Quintana ainda deu alguma réplica mas não teve pernas para Froome. Valverde, Nibali e Contador terminaram todos a mais de cinco minutos do camisola amarela, que é, neste momento, o ciclista mais forte do pelotão. Froome venceu também a camisola das bolinhas (classificação da montanha). Na classificação por pontos, mais do mesmo: Peter Sagan dominou e não deu hipótese à concorrência. O eslovaco não precisou de vencer nenhuma etapa para arrecadar a camisola verde. Superiorizou-se aos mais explosivos Greipel (venceu três etapas), Degenkolb e Cavendish (uma vitória). A camisola branca (classificação da juventude) foi ganha pelo colombiano Quintana.

© Wiki Commons

3- Obrigado, chuva, por animares esta corrida! Na Fórmula 1, Julho trouxe-nos a nona prova do Mundial. Em Silverstone, no Grande Prémio da Grã-Bretanha, foi o dia dos Mercedes. Numa corrida animada pelo aparecimento da chuva, Hamilton fez uma corrida sem erros e teve um fim-de-semana perfeito: volta mais rápida nos treinos de qualificação, vitória na prova e volta mais rápida da corrida. Destaque para Vettel, que fez uma corrida de recuperação e acabou em terceiro lugar depois de muitas ultrapassagens. 4 – Em casa mandamos nós! No Futebol, tivemos Copa América. Na principal competição entre selecções do continente sul americano, o anfitrião Chile venceu a Argentina no desempate por pontapés da marca de grande penalidade. A equipa comandada por Jorge Sampaoli, que se diz estar “na calha” para um grande clube europeu, foi mais feliz e venceu a competição pela primeira vez. A selecção chilena colocou cinco jogadores na equipa ideal da competição: Cláudio Bravo, Medel, Vidal, Marcelo Diaz e Eduardo Vargas, que se sagrou, empatado com Paolo Guerrero, o melhor marcador da prova. Sampaoli foi eleito o melhor treinador.


JULHO

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o “passeio” dos campeões

Diogo Oliveira

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5 – Descansa em paz, amigo Bianchi.

“Portugal não pode queixar-se da falta de sorte (Fernando Santos já nos habituou a tê-la nestes momentos)”

Nota para o falecimento de Jules Bianchi. O antigo piloto francês deixou-nos a 17 de Julho, não superando as sequelas do acidente 7 – Fernando Santos: o sortudo do costume... no Grande Prémio do Japão de 2014. Desde a morte de Ayrton Senna, em 1994, que um piloto de F1 não falecia na sequência de um acidente Para terminar, voltamos ao Futebol. A 15 de Julho, Portugal ficou a saber que selecções em corrida. defrontará para tentar garantir o passaporte 6 – A queda fatal que roubou o título ao para a Rússia, onde quererá disputar o jovem Miguel Campeonat o do Mundo de 2018. Portugal não pode queixar-se da falta de sorte (Fernando No MotoGP, Julho trouxe-nos apenas uma Santos já nos habituou a tê-la nestes momenprova, o GP da Alemanha. Na categoria prin- tos). No Grupo B, Ronaldo e Cª defrontarão a cipal, a Honda dominou: Marc Márquez deu Suíça (a selecção de Shaqiri, Inler, Lichtsteiner seguimento ao primeiro lugar na qualificação, ou Xhaka será a que mais problemas criará aos vencendo a prova, seguido do companheiro portugueses), a Hungria (o capitão Dzsudzsak Dani Pedrosa e de Valentino Rossi. Em Moto2, é a principal figura) e as modestas Letónia, Ilhas vitória surpreendente de Xavier Simeon, a única Faroé e Andorra. vitória da temporada. Na categoria mais baixa, foi o pior momento da época para o português Julho de 2016 será um mês calmo. Os Jogos Miguel Oliveira, que não participou na corrida, Olímpicos estarão “à porta” e os atletas estarão depois da lesão na mão provocada por uma na fase final da sua preparação para o maior queda nos treinos. Danny Kent venceu a prova. evento desportivo do Mundo. *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


AGOSTO

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Humanamente Mortos Omar Prata Palmira na Mira

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Em 2015, o terrorismo voltou a estar na ordem de temas de relevância para a agenda mediática. Atarefada com as decapitações e vídeos com focos de cruel tortura – desde reféns a inocentes, apanhados no meio do caos e da barbárie –, entre a destruição de cidades, corpos despedaçados por supostos rebeldes até à proclamação de um estado que se esconde debaixo do véu islâmico, faz-nos pensar até onde nos leva a insanidade humana. Recuemos até Agosto, mês doloroso para os habitantes de Palmira, na Síria. Um corpo é encontrado mutilado e executado. Perderam-se duas cabeças, primeiro dos jihadistas e, em segundo lugar, a cabeça de Khaled al-Assaad – arqueólogo, que antes fora responsável pelos templos. Tinha 82 anos e já não exercia a sua profissão.

“Há muito que Palmira tinha sido tomada pelos jihadistas. Agora que têm brinquedos nas mãos decidiram ser crianças e brincar. aos polícias e aos ladrões.”

Mas não foi somente uma pessoa. Em seguida, foi a vez dos templos de Baal Shamin e de Bel, pretendendo apagar vestígios do que fora uma civilização marcada pela antiguidade ligada ao Império Romano, para criar uma nova cultura demarcada pelo medo e o desespero, somente uma imposição de verdade absoluta não-democrática. Harry Truman dizia que a “Liderança é a capacidade de levar os outros a fazer com gosto aquilo que não querem”. Creio que muitos dos jihadistas que se juntam nessas cruzadas da modernidade aprendem e vivem nessa dissonância cognitiva. Aprendem a decapitar, mutilar, porque serve de alimento para os egos: a carne só é fraca quando a gula é constante. Contudo, e no fundo, nem todos concordam com o que fazem, mas fazem-no porque não podem voltar atrás: são cães sem trela nem dono, famintos por saciar a dor e o ódio que vive dentro destes impulsos que uns dirão ser racionais, outros afirmarão ser traços de irracionalidade pura. Há muito que Palmira tinha sido tomada pelos jihadistas. Agora que têm um brinquedo nas mãos decidiram ser crianças e brincar aos polícias e aos ladrões. No entanto, não há certezas de quanto irão pagar pelos seus actos e até onde estarão dispostos a chegar.


AGOSTO

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Humanamente Mortos Omar Prata

© Associated Press via CNN

Nenhum país deve merecer que o ignoremos só porque não corresponde à realidade que diz respeito ao sítio onde vivemos, porque nenhuma morte deve ser tida como mais significativa que outra morte qualquer, independentemente do seu estatuto ou do seu valor. Quando se fazem as contas, a equação é equivalente a um ser humano igual a um de nós.

Falo em acordos de paz. ONU, onde estás tu? Países como os EUA, a Rússia, o Reino Unido, a Alemanha ou a França têm capacidade e poderio para travar estas ameaças, mas porque é que não as travam? Pois é, dizem que a culpa nunca morre solteira. Porém, é sabido que a hipocrisia é casada com a omissão dos factos e, pelos vistos, estas nações têm algo a esconder.

Ruy Belo disse uma vez que “ Não há país que não seja meu, em qualquer parte morro, pois sou mortal”. Creio que nós devemos estar em sintonia com esta afirmação, porque não se pode ignorar que muitos povos orientais ou ocidentais causaram e continuam a causar problemas ao desenvolvimento ambiental, social ou histórico, e tudo porque quiseram e querem ter mais e mais poder.

Realmente, quem somos nós? Será que temos os olhos bem abertos? Conseguiremos ver aquilo que nos rodeia? O que se passa no mundo? Ou será que somos presas de aranhas que controlam os interesses do planeta com base no veneno que arrasta os nossos corpos numa lama de incompreensão constante em forma de teia (des)informativa?

Para que situações como as que se passaram na Síria não aconteçam, devemos unir esforços para prevenir e remediar, e isso passa por tentar cessar-fogo. Sabemos que as armas precisam de escoamento, sabemos como é que os ciclos de interesse funcionam – cabe-nos tentar honrar o espírito que nos passaram outras gerações revolucionárias ou pacificadoras.

Palmira foi só mais uma veia esvaída e perdida entre tantas artérias que gritam por ajuda mas não são ouvidas no meio do flagelo a sangue frio perpetuado pelos jihadistas. E não será a primeira nem a última cena da película que desolará o conjunto das fundações que alicerçam a civilização. É apenas a confirmação de que estamos na mira. *Textos escritos com o Antigo Acordo Ortográfico


SETEMBRO

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“Muros, para que vos querem?” Gabriela Moura Setembro de 2015 ficou marcado pela morte de Aylan Kurdi, criança síria que foi vítima do naufrágio de uma embarcação com migrantes sírios, que partiu da costa turca com destino à Grécia. Na fotografia de Nilüfer Demir vê-se o corpo de Aylan que deu à costa de uma praia turca, não muito longe do local onde desembarcou, acompanhado do irmão mais velho e dos seus pais. A imagem comoveu o mundo. E nem todos ficaram de braços cruzados.

“Uma semana foi o tempo necessário para que um grupo de amigos portugueses conseguisse concretizar o seu objectivo. Uniram-se para criar a Aylan Kurdi Caravan (...) com o intuito de angariar roupa, comida, produtos de higiene (...)” Foi criado um campo de refugiados com capacidade para quatro mil pessoas, em Tovarnik, na Croácia, próximo da fronteira com a Sérvia. Deste campo partem milhares de refugiados em direcção a Zagreb e à Eslovénia. A 22 de Novembro chegaram os três camiões TIR da Aylan Kurdi Caravan a um armazém da Cruz Vermelha croata, em Tovarnik. Através das fotografias publicadas na página do Facebook da iniciativa, percebemos que os brinquedos enviados pelas crianças portuguesas, com mensagens de apoio aos refugiados, foram entregues aos seus novos donos.

© Diário de Notícias

Famílias e empresas contribuíram para esta grande iniciativa e António Guterres, na altura Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, deu o apoio oficial.

Uma semana foi o tempo necessário para que um grupo de amigos portugueses conseguisse concretizar o seu objectivo. Uniram-se para criar a Aylan Kurdi Caravan, em homenagem ao menino sírio, com o intuito de angariar roupa, comida, produtos de higiene pessoal, brinquedos e vários bens de primeira necessidade destinados aos milhares de refugiados chegados à Hungria. Já com 50 toneladas, o grupo foi obrigado a mudar a rota devido ao fecho de fronteiras na Hungria. Foi construído um muro de arame farpado para impedir a entrada de refugiados. O destino passou a ser a Croácia, Eslovénia e Sérvia. © Facebook Aylan Kurdi Caravan


SETEMBRO

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“Muros, para que vos querem?” Gabriela Moura

© Facebook Aylan Kurdi Caravan

“Quem ajuda, não espera nada em troca.” Sanja Pupacic, do departamento de Migração e Asilo da Cruz Vermelha da Croácia, agradeceu a ajuda dada pelo povo português que diz ter sido «o primeiro a oferecer ajuda de uma forma organizada e com esta escala e dimensão». Como era de esperar, com o sucesso desta missão vem o mediatismo e, entre as mensagens de apoio e de emoção, encontram-se os críticos que pelo teor dos seus comentários não passam de “treinadores de bancada”, que sentados no seu conforto criticam as acções de quem se levanta para fazer a diferença na vida de alguém. Quem ajuda, não espera nada em troca. Ser voluntário é ajudar e ver a recompensa nos sorrisos de quem se ajuda. É dar de si sem esperar reconhecimento. É sentir que o dever foi cumprido ao perceber que o seu contributo melhorou a vida de alguém.

É certo que a guerra na Síria já dura há 4 anos, e muitas crianças inocentes morreram entretanto. Mas como nos diz o provérbio «longe da vista, longe do coração», assim que a vista de muitos alcançou a triste imagem da criança síria, muitos corações amoleceram e viram naquela família desfeita o que não querem para as suas. Como este grupo de amigos, outros grupos decidiram fazer-se à luta e ajudar estas famílias com o que podem. Iniciativas como estas permitem que muitas famílias, que foram obrigadas a deixar a sua pátria, sobrevivam e se sintam apoiadas para começarem uma vida nova. Não digo com isto que devemos abrir as portas sem cautela. Concordo com o Papa Francisco quando diz que devemos acolher as famílias, em vez de uma pessoa só. Esta pode vir a ser a solução para diminuir o risco de infiltração de terroristas. Corre-se sempre o risco, é verdade, mas não devemos construir muros a quem foge da guerra. *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


OUTUBRO

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O terrorismo nem sempre é bem-sucedido: haverá forma de o controlar? Mariana Pereira Martins

© Observador

Em outubro, o Airbus A321 da Metrojet que carregava 217 passageiros e 7 tripulantes com destino para a Rússia, cai em território egípcio sob suspeita de ter sido colocada uma bomba artesanal dentro do mesmo. Em novembro de 2015 viriam a acontecer os ataques terroristas em Paris, onde pelo menos 137 pessoas morreram e mais de 350 ficaram feridas. Também em Beirute, no Líbano, um atentado provoca 43 mortes e cerca de 240 feridos. Ainda no mesmo mês, ocorre o ataque ao Hotel Radisson, em Bamako, na capital do Mali, tendo causado 22 mortos e outros 22 feridos. Apesar de todos estes ataques já terem gerado tragédias profundamente desgostosas, houve ainda inúmeras Durante 2015 ocorreram inúmeros ataques ocorrências noutras partes do mundo. terroristas em todo o mundo. Dia 7 de janeiro, o jornal satírico francês Charlie Hebdo é atacado O terrorismo não é uma actividade recente, por dois terroristas armados, provocando 12 tendo registos históricos desde a Grécia Antiga. mortes e cinco feridos graves. Em fevereiro, Sendo que actualmente há vários grupos acontecem os ataques terroristas em Copen- extremistas independentes, o auto-proclamado haga durante um seminário público no Centro Estado Islâmico (ou Daesh) foi o grupo que Cultural Krudttønden. Em março, sucede um mais ataques reivindicou ao longo do ano 2015. ataque ao Museu Nacional do Bardo, em Túnis, Apesar de haverem vários grupos radicais, tais capital da Tunísia. Em abril, o grupo extremista como a Al-Qaeda, o auto-proclamado Estado Al-Shabaab invade a Universidade de Garrissa, Islâmico ou o Boko Haram, existem ainda vários no Quénia, matando pelo menos 147 pessoas. indivíduos independentes que são mobilizados pelas mesmas ideologias. Às 10:04 da manhã de 10 de outubro, no centro de Ancara, capital da Turquia, ocorre um atentado terrorista durante a manifestação anti-governo organizada pela “paz, trabalho e democracia” e por movimentos de esquerda. Duas explosões junto à estação de comboios central causaram pelo menos 102 mortos e mais de 400 feridos. Os dois suspeitos do atentado são Yunus Emre Alagöz e Ömer Deniz Dündar. Este ataque vem na sequência de um ataque em Suruç, no sudeste da Turquia, que aconteceu durante uma manifestação prócurda tendo provocado cerca de 33 mortes a activistas.


OUTUBRO

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O terrorismo nem sempre é bem-sucedido: haverá forma de o controlar? Mariana Pereira Martins Quais são as causas do terrorismo? Talvez razões históricas. Talvez razões religiosas ou económicas. Talvez a globalização ou a multiculturalidade. Há muitos factores possíveis. Ninguém sabe ao certo o que poderá motivar um terrorista a instaurar o pânico, matar ou cometer o suicídio. No entanto, não há nada pior do que a própria vontade. Não há nada pior do que a (in)consciência de agir a favor de um massacre. Nada pior do que matar inocentes para alcançar um objectivo. Os ataques terroristas aconteceram e hão-de continuar a acontecer certamente. Deste modo, o país deve estar preparado e tomar todas as medidas de segurança possíveis para o tentar evitar. As tragédias nunca abandonarão a nossa memória, mas não nos podemos esquecer de quantas delas já foram evitadas pelas forças de segurança. O terrorismo nem sempre é bemsucedido.

“As tragédias nunca abandonarão a nossa memória, mas não nos podemos esquecer de quantas delas já foram evitadas pelas forças de segurança” Qual poderá ser a solução para o terrorismo? É difícil. Mas matar os líderes destes grupos extremistas ou realizar ataques aéreos poderá não ser a solução mais viável para extinguir o terrorismo, para além de que se atingem várias civilizações inofensivas e, mais uma vez, na tentativa de atingir um fim. O ISIS (Estado Islâmico do Iraque e da Síria) já sobreviveu à morte de dois dos seus líderes e persiste num território abrangente, senão até mesmo global. Se respondermos à violência com violência geramos mais violência, no entanto, tendo em conta que estes grupos extremistas têm poder e estão armados, talvez seja necessário agir com determinação, de modo a extinguir toda esta desordem e transtorno que estes têm vindo a causar.

© Bear Market Wordpress

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


NOVEMBRO

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Papá, onde está o papá? Ana Silvestre Um momento histórico, alguns dirão. Outros limitar-se-ão a dizer que foi uma patetice de esquerda, uma utopia ridícula. A verdade é que o ano de 2015 foi marcado por acontecimentos importantes e determinantes para o futuro da Europa e do Mundo. No dia vinte de Novembro, especificamente, a adopção por casais do mesmo sexo foi aprovada e, com ela, Portugal deu um passo político e social essencial: o de nos regermos por amor. Depois de passar pelo Parlamento cinco vezes, Portugal anunciou-se como o 24º país do mundo a permitir a adopção homoparental e, assim, a dar um vantajoso passo para o futuro e para a realização dos direitos humanos. Mas eu cá sei que, mesmo aprovada, uma lei não modifica os pensamentos retrógados que ainda se fazem ouvir pelas ruas. A derradeira prova foi a última abordagem do Presidente da República – Aníbal Cavaco Silva. Ao não promulgar o diploma que permitia a adopção por casais homossexuais, passou, por assim dizer, a “batata quente” para o seu seguidor, Marcelo Rebelo de Sousa. E isto, caros leitores, é mesmo uma questão de batata quente, de assunto que ninguém quer tocar, que anda de mão em mão à espera de uma qualquer decisão.

Quando é que vamos perceber que a orientação sexual não coloca, em nenhum ponto ou situação, a condição de parentalidade dos indivíduos? Quando é que vamos parar de privar as crianças de ter um seio familiar, só porque não é o tradicional? Quando é que vamos compreender que as crianças adoptadas por casais gay, foram um dia abandonadas por casais hetero? Eu penso que o maior problema é a aceitação. Aceitar as diferenças daquilo que nos parece diferente é, realmente, um desafio: o que não quer dizer que seja difícil. É um desafio bastante fácil até, precisamente porque é o amor que está em jogo, em cima da mesa. Falamos de crianças que precisam de um lar, com condições adequadas e figuras presentes na sua vida, que possam acompanhá-las, formá-las e amá-las, para um dia se tornarem pessoas que saibam retribuir amor. Mas afinal qual é a prioridade? Não é o supremo interesse da criança? Ou o complexo pela diferença é assim tão enorme que não nos deixa ver a verdade?

“É um desafio bastante fácil até, precisamente porque é o amor que está em jogo, em cima da mesa.”

© Deviantart


NOVEMBRO

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Papá, onde está o papá? Ana Silvestre Analisemos os factos objectivamente, com a transparência e verdade que merecem. Do ponto de vista legal, qual é a razão para que um indivíduo homossexual não seja considerado apto a adoptar? Nenhuma. E do ponto de vista social? Ah, “os pais vão influenciar o filho a ser homossexual também”. Calma lá: a homossexualidade não é um bicho papão, nem uma doença contagiosa. Muito menos é uma opção. A homossexualidade, tal como a heterossexualidade, é uma atração física e emocional, que surge de forma espontânea e inesperada. A criança adoptada por um casal gay não é obrigada a ser gay também, mas, se for, certamente viverá com o peso de ser alguém diferente, numa sociedade tão cheia de juízos de valor. E aqui está o ponto fulcral: o preconceito. E é precisamente aqui que os pseudo-não-preconceituosos vêm com as armas no ar: “Ah, mas eu não sou homofóbico!”. Claro que não, mas nem pensar em ver um casal homossexual a exibir uma carícia em público, têm lugares apropriados para o efeito.

“A homossexualidade, tal como a heterossexualidade, é uma atracção física e emocional, que surge de forma espontânea e inesperada.” Não vamos ser ingénuos: o preconceito existe e dificilmente acabará. Fomos todos manipulados por definições subjectivas do que supostamente é o correcto, por crenças mal fundamentadas. Há uma visão profundamente enraizada e igualmente errada sobre os temas polémicos – mas existentes e bem reais – da sociedade. E eu, que sou ainda nova e me questiono muito sobre os porquês, fico com tamanha vontade de anular, desmentir e refutar essas tais verdades absolutas que já não nos dizem absolutamente nada, nos dias de hoje.

“Fomos todos manipulados por definições subjectivas do que supostamente é o correcto, por crenças mal fundamentadas.

© Altopedia

Mas enfim – com um alívio infinito que me transpassa por todo o corpo –, agora parece que estamos do lado certo da história... ou estávamos, até se ouvir o grito final de Cavaco. Mas, no fundo, isso já não me interessa muito. O facto de a lei ter sido aprovada em parlamento, com a quase unânimidade de todos os intervenientes, só prova que somos, hoje, mais democráticos e civilizados. Obrigada Portugal, pelo passo tão gigante na aceitação da diferença como uma característica não diferenciadora. © Altopedia

*Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


DEZEMBRO

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Em Dezembro descansa mas não durmas Inês Linhares Dias Quando pensamos em 2015 há duas palavras que nos vêm imediatamente à cabeça: terrorismo e refugiados. Dezembro, sendo o último mês do ano, foi o mês da ressaca de tudo o que foi acontecendo ao longo do ano. Com os ataques terroristas em Paris, que foram os que maior impacto mediático tiveram, ainda bem frescos na memória. Apesar da ameaça do terrorismo e da crise de refugiados que a Europa enfrenta, Dezembro foi um mês mais pacato (excluindo a azáfama das preparações para o Natal, claro) e as notícias foram até animadoras. Na Venezuela, o “chavismo” liderado por Nicolás Maduro foi derrotado por uma aliança de oposição que junta partidos de todo o espectro político. A Unidade Democrática conseguiu dois terços dos assentos parlamentares, permitindo, assim, aprovar projectos de revisão constitucional e nomear ou destituir líderes de outras instituições como o Tribunal Superior de Justiça ou o Conselho Nacional de Eleições. As eleições para o parlamento levantam dúvidas sobre as condições que Nicolás Maduro terá para levar o seu mandato na presidência a termo. Se de facto se mantiver no poder, o mandato de Nicólas Maduro termina em 2019.

“Boas notícias também na Arábia Saudita onde, pela primeira vez, as mulheres puderam participar nas eleições para conselhos municipais.” Boas notícias também na Arábia Saudita onde, pela primeira vez, as mulheres puderam participar nas eleições para conselhos municipais. Ainda assim, foram instituídas pela Comissão Eleitoral um conjunto de regras que continuam a demarcar uma posição inigualitária. As regras incluíam a segregação total dos sexos durante a campanha e a proibição do uso de fotografias dos candidatos ou da pronunciação de discursos perante pessoas do outro sexo. Esta aparente abertura é importante, contudo, há ainda um longo caminho a percorrer no que toca aos direitos humanos e ao respeito pelas liberdades individuais na Arábia Saudita.

© Público


DEZEMBRO

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Em Dezembro descansa mas não durmas Inês Linhares Dias

© Observador

“Assim sendo, o executivo de António Costa viuse pressionado por Bruxelas para que o Banif fosse vendido ao banco espanhol Santander Totta” Na Europa, mais concretamente em Paris, foi assinado um acordo histórico contra o aquecimento global. Representantes de 195 países reuniram-se numa cimeira do clima organizada pelas Nações Unidas e chegaram a um acordo que, a ser cumprido, promete reduzir as emissões de carbono, caminhar para o fim da dependência dos combustíveis fósseis e conter a subida de temperatura do planeta. O acordo inclui um conjunto de medidas vinculativas que prevêem a criação de um plano nacional por cada país que deve ser revisto e monitorizado a cada 5 anos. É importante ressalvar que este é o maior acordo feito no combate pela sustentabilidade ecológica do planeta e que junta países desenvolvidos e países em desenvolvimento nesta luta contra as alterações climáticas.

Vendo tudo o que apresentei até aqui, é justo achar que Dezembro até estava a correr bem. E depois veio o Banif. Já desde 2012 que o banco mostrava sinais de fragilidade e até já tinha sido alvo de recapitalizações por parte do Estado em 2013. Essa intervenção fazia do Estado o principal accionista do banco e, segundo as regras europeias, o banco tinha que ser vendido no espaço de dois anos após a recapitalização. Assim sendo, o executivo de António Costa viu-se pressionado por Bruxelas para que o Banif fosse vendido ao banco espanhol Santander Totta. Esta situação poderia ter sido diferente se o banco tivesse sido capaz de reembolsar a ajuda estatal, no entanto os oito planos de reestruturação apresentados pelo Banif a Bruxelas foram chumbados e o banco teve que ser vendido. Esta é, mais uma vez, uma solução que vai sair cara aos contribuintes que já meteram 2,4 mil milhões no Banif. O dinheiro injectado pelo Estado na banca desde 2008 ascende já aos 18 mil milhões de euros. Por agora, abriu-se uma comissão de inquérito para que seja apurado o que aconteceu e sejam atribuídas responsabilidades. Este será, certamente, um assunto a acompanhar em 2016. *Texto escrito com o Antigo Acordo Ortográfico


ESPECIAL

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David Bowie, um mestre em disfarce Patrícia Fernandes Davy Jones, Ziggy Stardust, Major Tom, Aladdin Sane: personas que, no fundo, representam a genialidade de alguém que parecia de outro mundo, David Bowie. Mas, Bowie é muito mais do que representações coloridas e alter-egos diferentes, é a concretização de um mestre em disfarce que se tornou visionário ainda antes de sabê-lo. Uma das frases mais bonitas que li em homenagem ao cantor britânico de 69 anos foi «Bowie existed so all of us misfits learned that an oddity was a precious thing. he changed the world forever» por Guillermo Del Toro (diretor e produtor mexicano). Para mim, esta frase resume todo o meu amor e respeito pela arte e pessoa do David Bowie. Sempre vivi à margem do que esperavam de mim – felizmente, tive pais que me permitiram ser livre e fazer os meus erros – por isso, era frequente sentir-me misfited, sentir-me alguém que não estava onde devia estar e, se há uma coisa que aprendi com toda a vida e arte deste génio é que não importa se és diferente, é bom seres tu e aceitares-te como és.

“ (...) se há uma coisa que aprendi com toda a vida e arte deste génio é que não importa se és diferente, é bom seres tu e aceitares-te como és.” Ouvia Bowie antes de ser cool gostar do Bowie. Sempre ouvi Bowie, mesmo quando tinha 3 anos e dançava ao som de Let’s Dance, quando imitava o épico dueto com os Queen ou sonhava com o espaço com Space Oddity ou Life on Mars?, ouvia sem perceber a sua dimensão, a sua arte e a sua importância para o mundo.

© Observador

Falar de David Bowie é falar de arte, de leveza, de inovação, de criatividade, de exposição, de amor, mas… Falar de Bowie também é falar do lado obscuro, falar de drogas, de não ter medo, de ser imortal – porque, no fundo, é isso que Bowie é, pois sempre esteve à frente de todos, sempre pensou além do presente. Agora sim, percebo, finalmente, que o seu último trabalho Blackstar é a sua despedida da vida, é o momento em que decide cumprimentar a morte e vê-la como uma parceira e juntos criaram uma das suas maiores obras-primas. Blackstar é o fim, mas é o fim mais genial que poderia existir para alguém como David Bowie – é o fim que ele preparou e lançou dias antes de aceitar a morte. Mas, David Bowie não foi com ela porque Ele é imortal e as suas personas, a sua história, a sua arte vão viver para sempre lembrando um dos maiores e mais versáteis artistas que o mundo já presenciou.

Só mais velha percebi a subtileza das palavras nos poemas cantados de Bowie, só mais velha compreendi a importância de cada persona que representa um momento-chave da sua vida “And the stars look very different today”, mas artística e não um mero capricho comercial, ainda bem que sim. só mais velha percebi que faz falta ao mundo Farewell Master Bowie! existirem mais Bowies, mais Ziggy Stardusts e mais Major Toms.



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